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Todos os direitos reservados. Copyright © 2021 para a língua portuguesa da Casa Publicadora das Assembleias de Deus. 1 Aprovado pelo Conselho de Doutrina. Preparação dos originais: Cristiane Alves Revisão: Miquéias Nascimento Adaptação Capa, Projeto gráfico e editoração: Elisangela Santos Conversão para ePub: Cumbuca Studio CDD: 240 - Moral cristã e teologia devocional e-ISBN: 978-65- 86146-04-2 As citações bíblicas foram extraídas da versão Almeida Revista e Corrigida, edição de 2009, da Sociedade Bíblica do Brasil, salvo indicação em contrário. Para maiores informações sobre livros, revistas, periódicos e os últimos lançamentos da CPAD, visite nosso site: https://www.cpad.com.br. SAC — Serviço de Atendimento ao Cliente: 0800-021-7373 Casa Publicadora das Assembleias de Deus Av. Brasil, 34.401, Bangu, Rio de Janeiro – RJ 2 CEP 21.852-002 1ª edição: 2021 Prefácio Apraz-me prefaciar esse livro do pastor Natalino das Neves com o qual congrego na mesma igreja e gozamos de excelente amizade cristã. Comentar exegeticamente as Cartas e Epístolas do apóstolo Paulo é um trabalho difícil em função da diversidade dos assuntos abordados. Em função da visão que Paulo tinha com a teologia, ele foi capaz de provocar grandes polêmicas nos meios literários ao longo da História da Igreja. Os estudos sobre as suas teses nos campos da ética cristã, das doutrinas soteriológicas e da escatologia colocaram Paulo na encruzilhada dos mundos judaico, grego e romano. Alguns críticos culpam Paulo de ter transplantado o Evangelho de Cristo para fora do judaísmo. Outros críticos chegam a acusá-lo de traidor de Cristo e das suas doutrinas. Mas, na verdade, Paulo foi alguém que soube falar a judeus e gregos e, como ele mesmo disse: “fiz-me tudo para com todos, a fim de, por todos os modos, salvar alguns” (1 Co 9.22). Pastor Natalino das Neves é mais uma revelação nas lides literárias cristãs, além das suas qualificações seculares e o seu doutorado em teologia, que soube com propriedade adentrar na riqueza da primeira Carta de Paulo aos Coríntios sem fugir dos fundamentos pentecostais contidos na Carta. Nas Cartas da sua autoria, Paulo aproveitou e integrou elementos da tradição judaica com os elementos da nova revelação que teve com Cristo e, por esse modo, produziu uma obra abrangente. O Espírito Santo tem o seu espaço real em toda a Carta. O autor ateve-se aos temas sugeridos pelo Setor de Educação Cristã e, por isso, não comentou o capítulo 12 que trata dos dons espirituais. 3 O autor dessa obra, ortodoxo sem estar preso a travas doutrinárias temporais, foi capaz de dinamizar o seu comentário com lucidez e fidelidade bíblica. Ele desenvolveu o seu comentário em torno dos assuntos que demonstravam a imaturidade dos coríntios em relação à ética e a problemas de ordem social. Havia certa fragilidade da fé dos coríntios em separar o certo do errado, o permissível do proibido, e a facilidade para as contendas e as dissensões entre si, e tudo isso revelava a imaturidade espiritual dos coríntios. A despeito das fraquezas morais e espirituais dos coríntios, Paulo percebeu que, acima de tudo, a igreja de Corinto era uma comunidade de pessoas pelas quais Jesus pagou o preço da salvação. Contextualizando, Corinto é o retrato da igreja moderna que possui os mesmos problemas. O ensino que Paulo deu a essa igreja é pertinente hoje e precisa ser aplicado às nossas igrejas. Recomendo a leitura e o exame cuidadoso deste livro que irá indubitavelmente contribuir para o aprimoramento homilético e didático dos que aspiram pela comunicação da Palavra de Deus. Em Cristo, Pastor ELIENAI CABRAL CURITIBA, PR – 12.10.20 Sumário Capa Folha de Rosto Créditos Prefácio Introdução Capítulo 1. A Primeira Carta de Paulo à Igreja de Corinto 4 kindle:embed:0002?mime=image/jpg Capítulo 2. Ação de Graças pela Igreja de Corinto Capítulo 3. Divisões na Igreja Capítulo 4. A Sabedoria Divina Capítulo 5. O Caráter da Pregação de Paulo Capítulo 6. A Imaturidade Espiritual dos Coríntios Capítulo 7. É Deus que Dá o Crescimento Capítulo 8. A Impureza da Igreja de Corinto: Repreensões e Exortações Capítulo 9. Paulo Censura a Contenda entre os Irmãos Capítulo 10. Seu Corpo É Membro de Cristo Capítulo 11. Paulo Responde Questões a Respeito do Casamento 5 Capítulo 12. Da Circuncisão e dos Alimentos Sacrificados aos Ídolos Capítulo 13. A Santa Ceia, o Amor e a Ressurreição Considerações Finais Referências Introdução APrimeira Carta aos Coríntios não foi o primeiro texto canonizado do cristianismo a ser escrito, mas foi na cidade de Corinto que Paulo escreveu o primeiro, a saber, a Primeira Carta aos Tessalonicenses. Como de costume, o apóstolo é motivado a escrever às novas comunidades cristãs devido às controvérsias que vão surgindo nas comunidades, plantadas por falsos líderes e profetas, bem como pelas inúmeras dúvidas que surgem pelos novos convertidos. Tudo era novidade, tanto para judeus quanto para gentios convertidos ao cristianismo. Na Primeira Carta aos Coríntios, a necessidade de urgência da escrita fica bem mais evidente do que em outras cartas. Nela, existe um leque amplo de temas e problemas a serem esclarecidos como conflitos e divisões por preferências pessoais de lideranças, litígios entre irmãos, relacionamento sexual fora e dentro do casamento, divórcio, carne oferecida a ídolos, comportamento nas reuniões e celebração da Ceia do Senhor, dons espirituais, ressurreição de Cristo e do corpo dos cristãos, entre outros. O pedido de ajuda e de instruções dos coríntios possibilitou à nossa geração atual o acesso a essa riquíssima fonte de orientações doutrinárias e estudo sistematizado do cristianismo. Trata-se de uma fonte de ajuda e inspiração para a resolução de problemas que são tratados nas 6 comunidades cristãs contemporâneas. O contexto socioeconômico, político, cultural e religioso da atraente cidade de Corinto aumenta ainda mais o interesse pelo estudo dessa Carta. A influência da cultura helênica (grega), o modelo de governo do Império Romano e o legalismo judaico confrontavam a doutrina cristã ensinada por Paulo. Os resultados desse confronto exigem uma atenção especial e provocam novas sensações no apóstolo. As Cartas aos coríntios causam-lhe apreensão quanto à recepção de suas admoestações e recomendações. Paulo utilizava as cartas espontâneas como extensão de seu ministério pastoral. Sua principal intenção era comunicar-se e orientar seus destinatários. Ele não imaginava que se tornariam uma Escritura Sagrada. Todavia, esse era o plano de Deus. Portanto, o leitor tem em suas mãos um comentário que irá impactar várias áreas de sua vida, de forma que lhe será útil no momento da leitura ou em um momento posterior. Como esta obra foi elaborada para ser o livro de apoio para as Lições Bíblicas de Jovens, ele tem como objetivo atender os temas que foram priorizados pela equipe pedagógica da Casa Publicadora das Assembleias de Deus (CPAD). Boa leitura! Capítulo 1 A Primeira Carta de Paulo à Igreja de Corinto A verdadeira maturidade espiritual desenvolve relacionamentos de amor sob a graça unificadora de Jesus. Para iniciar o contato com a Primeira Carta aos Coríntios, serão apresentadas algumas considerações iniciais para auxiliar o entendimento dos demais capítulos. De início, serão identificadas a 7 autoria, a ocasião e a motivação da escrita. Para uma aproximação ao contexto socioeconômico, político e cultural, será apresentado um panorama da cidade e das comunidades judaica e cristã. Por fim, veremos algumas das principais características da Carta. 1.1 Considerações Iniciais da Primeira Carta aos Coríntios 1.1.1 Carta ou Epístola, qual termo usar? Existe uma discussão antiga sobre qual o termo correto para identificar as correspondências de Paulo. Alguns dizem que, quando a correspondência é destinada a uma pessoa, o termo correto seria carta, e quando enviado para comunidades, deveria ser utilizado o termo epístola. Na verdade, o nome dado não vaiprejudicar em nada o estudo do texto bíblico, mas algumas considerações são importantes para definir qual termo será utilizado neste livro. Na Roma antiga, a utilização da epístola era um procedimento corrente e necessário para tratar de assuntos tanto oficiais quanto particulares. O governo e as famílias dispunham de mensageiros para a entrega de suas correspondências. O corpo de escrito paulino geralmente é classificado como pertencente ao gênero denominado “epistolar”. Segundo Malatian (2009, p. 198), “a codificação do gênero epistolar é antiga. As Epístolas de Cícero (106-43 a.C.) serviram como modelo durante séculos, testemunhando a sua vida privada e, principalmente, a pública, como filósofo, orador e político romano”. Deissmann (1910, pp. 218- 221,225), no final do século XIX, propôs uma distinção entre “carta” e “epístola”. Ele considerava a carta um meio “não literário” de comunicação entre as pessoas, de natureza pessoal e confidencial, podendo ser endereçado a um indivíduo como também a uma comunidade inteira, enquanto que a “epístola” constituía uma forma literária, como o diálogo, a oração e o drama antigo, destinada a um público mais amplo e à posteridade. Segundo esse conceito de Deissmann, os escritos paulinos seriam classificados como não literários, porque eram endereçados a pessoas (Filemom), e às 8 comunidades específicas (Romanos, Coríntios, Gálatas, Tessalonicenses, Filipenses, etc.). Seriam “cartas” por apresentarem mais semelhanças com os escritos não literários antigos do que com as epístolas propriamente ditas. Tudo indica que, na época de Paulo, não havia distinção entre os termos “carta” e “epístola”. O próprio apóstolo denominava suas correspondências como epistole (1 Co 5.9; 16.3; 2 Co 3.1-3,7.8), que, na sua época, denominava qualquer tipo de correspondência, independentemente de sua finalidade e da quantidade de destinatários. Nos dias atuais, a língua portuguesa não distingue os dois vocábulos: “carta” e “epístola”. Eles são concebidos como sinônimos. As versões modernas do Novo testamento traduzem o termo epistole por carta. Dessa forma, neste livro será utilizado o termo moderno carta. 1.1.2 Autoria O apóstolo Paulo é considerado o autor da Primeira Carta aos Coríntios tanto no meio eclesiástico como na academia. Essa Carta está entre as cartas paulinas conhecidas como inquestionáveis (Romanos, 1 e 2 Coríntios, Gálatas, Filipenses, 1 Tessalonicenses e Filemom) pela “notável afinidade no vocabulário, sintaxe e conteúdo” (FISK, 2018, p. 300). Paulo era ao mesmo tempo judeu (Rm 11.1; Fl 3.4,5; 2 Co 11.22), cidadão romano (At 16.37,38; 22.25-29; 23.27; 25.10-12) e cidadão da diáspora, influenciado pela cultura helenista (cultura grega). 9 Paulo, provavelmente, falava aramaico (At 22.1), grego, hebraico e latim. A religiosidade e rigor ao cumprimento da Lei transformam-no em perseguidor dos seguidores de Cristo, por entender estar fazendo a vontade de Deus (Gl 1.13,14; 1 Co 15.9; Fl 3.6). Todavia, ele converte-se, e o perseguidor torna-se perseguido por amor ao evangelho (At 9.1-19; 22.4-21; 26.8-18; Gl 1.11-17). A partir desse período, ele passa a ser conhecido como o apóstolo dos gentios. Paulo foi o primeiro e o maior teólogo de todos os tempos. Ele, mais do que ninguém, contribuiu para que o cristianismo tornasse-se internacionalmente conhecido e intelectualmente coerente. Seus escritos moldaram o cristianismo mais do que qualquer outro escrito do Novo Testamento. Os seus textos, desde a primeira vez em que foram recebidos, obtiveram o reconhecimento da igreja como uma norma oficial de fé e vida. Para Kümmel (2003, p. 178), o pensamento teológico de Paulo ocupa o centro do Novo Testamento sob o ponto de vista cronológico e determina a evolução do pensamento cristão primitivo. 1.1.3 Ocasião, local e data da escrita Paulo chegou na cidade de Corinto entre o ano 50 e 51 d.C. (At 18.1), vindo de Atenas, e hospedou-se na casa de Priscila e Áquila, casal de missionários que haviam sido expulsos de Roma em 49 por meio do decreto do imperador Cláudio (At 18.2,3). Ele permanece por 18 meses nessa cidade, trabalhando na oficina de fabricação de tendas do casal e pregando o evangelho quando tinha oportunidade, começando pelos judeus na sinagoga, onde sofre forte resistência. Então, Paulo passa a dedicar-se à pregação aos pagãos (At 18.6,7), reunindo-se na casa de Justo, que ficava ao lado da sinagoga. No início, a comunidade era formada de pobres e pessoas sem muita instrução (1 Co 1.26; 7.21; 11.21,22), até que Crispo e Sóstenes, ambos chefes da sinagoga, também se convertem (At 18.8,17). A estadia de Paulo foi marcada por muitas tensões e conflitos tanto com judeus quanto com gregos, e essa situação provocou intensa correspondência entre Paulo e a Igreja em 10 Corinto. A primeira carta conhecida em nossa Bíblia foi escrita quando Paulo estava em Éfeso (1 Co 16.8) durante a terceira viagem missionária, entre 54 e 55 d.C. 1.1.4 Propósito da carta O propósito geral para a escrita da Primeira Carta aos Coríntios foi instruir os novos convertidos de uma recente comunidade cristã urbana com forte influência da cultura helenística (grega) sobre os riscos de partidarismos e divisões que estavam ocorrendo por influência de alguns líderes, bem como enfatizar o significado e a importância da mensagem da cruz de Cristo. No entanto, esse propósito geral para uma exposição mais didática pode ser classificado em dois motivos principais: 1. Dar orientações a partir de informações recebidas de pessoas da casa de Cloe (1 Co 1.11) sobre problemas internos da comunidade, a saber: divisões (1 Co 1.12-16), escândalo público de incesto (1 Co 5.1), brigas internas levadas ao tribunal da cidade (1 Co 6.1) e comportamento escandaloso de alguns (1 Co 6.12ss). 2. Responder ao pedido de orientações feito pela comunidade (At 16.15-17; 1 Co 7.1) sobre dúvidas a respeito do casamento (1 Co 7.1-40), compra de carne oferecida aos ídolos (1 Co 8.1-10.33), comportamento nas reuniões da comunidade (1 Co 11.2-14.40) e sobre questões da ressurreição (1 Co 15.1-58). 1.2 Quem Foram os Destinatários da Carta 1.2.1 Um panorama da cidade de Corinto Na época do apóstolo Paulo, a cidade de Corinto tinha muitos atrativos; ela era um centro turístico de negócios, de lazer, de política, de conhecimento e de religiosidade. No entanto, para chegar a esse status, antes ela tem uma história de destruição e superação (NEVES, 2019, pp. 73-75). 11 Após três anos de tensões sem precedentes entre Roma e Corinto, em 146 a.C., o general romano Lúcio Múmio exterminou grande parte da população masculina e dos libertos, escravizou as mulheres e crianças, saqueou a cidade, devastou as edificações e construções referenciais a ponto de transformar a cidade de Corinto num desolado monte de ruínas. Aproximadamente cem anos depois, ela surge das ruínas. Júlio César reconstrói a cidade em um curto período de tempo, favorecido pelas vantagens topográficas do local. Corinto torna-se uma cidade-colônia, a metrópole da província romana de Acaia. Corinto chegou a ter mais de 500 mil habitantes, uma das maiores de todo o Império Romano. Corinto é um istmo, ou seja, uma faixa de terra rodeada de água dos dois lados. Por ser uma cidade portuária com dois portos: Laqueu/Lequeo/Licaeus (golfo de Corinto — liga a cidade à navegação que vem e vai para a Itália e o Ocidente) e Cencreia (golfo sarônico — movimentava todo o comércio que vinha e ia para Atenas, Éfeso, Antioquia e o Oriente), possuía uma grande prosperidade comercial. No entanto, dois terços da população eram de escravos e trabalhadores: “doqueiros” (carregavam e descarregavam os navios) e os “diolcois” (transporte de navios de um porto, o Egeu; para o outro, o Adriático, por meio de paus roliços). O outro terço da população era composto de homens livres e libertos, principalmente helênicos e romanos, pertencentes ao sistema patronal romano e elite grega. Além destes, havia os ricos capitães e marinheiros que controlavam as embarcações comerciaise turísticas que transitavam nos dois portos da cidade. Quando ocorriam os jogos ístmicos (atletismo) durante a primavera, a sociedade dinamizava-se para receber centenas de turistas para Corinto, entre eles pessoas das mais diversas regiões e características, pensadores itinerantes, filósofos consagrados portadores das mais diferentes visões de mundo, além de proclamadores de outras religiões. A cidade, pela sua localização estratégica, também foi beneficiada com a construção de uma cidadela que trazia segurança bélica. 12 Nela ficava estacionada a guarnição e soldados que controlavam o movimento de pessoas, mercadorias e que facilitavam a cobranças de impostos. Segundo Peixoto (2008, p. 26), a cidadela era construção ampla, cercada por altos muros de mais de dois quilômetros de comprimento, que alcançavam até o porto de Licaeus. Nela, no tempo de Paulo ficava estacionada a tropa romana com seu governo, matérias de guerra e costumes. A parte maior da cidade desenvolveu-se fora dos muros da cidadela. Essa estrutura favorecia o transporte e comércio das mercadorias produzidas na cidade, como no caso de Paulo, Priscila e Áquila com suas tendas, que possivelmente também serviam ao exército com barracas militares. Quanto à religião, dentre os 23 templos da cidade, dois destacam-se pela imponência e importância: Templo de Afrodite/Vênus (deusa do amor) e Templo de Apolo (deus da música, do canto, da poesia e da beleza masculina). As religiões mistéricas promoviam experiências em que seus participantes eram levados ao êxtase, com vistas à autossatisfação, alienação e ausência de consciência crítica. Eram celebradas grandes festas tidas como sagradas, com carnes sacrificadas a ídolos (representantes do Império Romano). Assim, em algumas celebrações religiosas, os participantes entravam em transe; em outras, em orgias. Existia uma sinagoga judaica, possivelmente composta pela maioria deos judeus que foram expulsos de Roma pelo Imperador Cláudio em 54 d. C., conforme afirma Renan (2003, p. 183): “Próximo ao desembarque de Paulo, um grupo de judeus expulsos de Roma pelo édito de Cláudio também havia chegado de barco, entre os quais estavam Áquila e Priscila, que já nesta época professavam a fé em Cristo”. Em relação à sexualidade, havia um grande conflito entre os costumes dos religiosos; a valorização do ser humano e como se dava a exploração do corpo, tratativas com o casamento, viuvez, celibato, virgindade, entre outros costumes de uma cidade cosmopolita como a Corinto do primeiro século. 13 Existia uma grande valorização da sabedoria filosófica, conhecimento considerado como fonte de libertação humana. O oposto da sabedoria e do sistema de governo que dominava a cidade de Corinto, Paulo apresenta a sabedoria da cruz, a opção não pela elite e pelos poderosos, mas pelo Crucificado, pelos pobres e pelos desprotegidos, pelos desprezados e sem projeção na sociedade corintiana. Paulo procurava conscientizar os cristãos de Corinto que eles não podiam reproduzir as desigualdades, as injustiças e as promiscuidades romanas que dominavam a cidade. Corinto era sinônimo de riqueza e luxo, de alcoolismo e de corrupção. O estilo de vida era tão depravante que era utilizado um termo pejorativo para os moradores da cidade, “corintizar”, tamanha falta de seriedade e frouxidão moral. Nos dias do apóstolo Paulo, havia uma população de raça indefinida e heterogênea. Os primeiros colonizadores romanos eram homens livres vindos da Grécia, Egito, Síria e Judeia. Na sua maioria, aventureiros gregos e burgueses romanos. Quanto às profissões, eram ex-soldados romanos, filósofos, mercadores, marinheiros, marreteiros, entre outras. 1.2.2 A comunidade judaica de Corinto A presença de uma comunidade judaica em Corinto é mencionada em Atos 18.4-8. A comunidade tinha sua sinagoga formada, na sua maioria, por judeus que foram expulsos de Roma pelo decreto do Imperador Cláudio em 54 d.C. Paulo tinha por hábito em suas viagens missionárias, ao chegar a uma nova cidade, começar pregando nas sinagogas, pois isso lhe provia uma base por onde abancar seu trabalho. As sinagogas na diáspora, ou seja, fora da Palestina, desempenhavam uma função mais significativa aos judeus do que as sinagogas em seu próprio território. Era considerada o centro da vida comunitária dos judeus da diáspora. Na sinagoga, era possível estudar, tomar decisões sobre a comunidade dos judeus; ela servia de arquivo de registros da vida comunitária, além de ser o ponto de reunião religiosa e de culto. 14 Wil ians afirma que havia três grupos estratégicos para a expansão do evangelho entre os membros da sinagoga: E a sinagoga não só provia um ponto conveniente de contato para os missionários cristãos como também uma congregação preparada para a mensagem. Havia três grupos mais ou menos distintos de pessoas encontráveis ali: judeus de nascimento, prosélitos e devotos. Estes últimos têm sido chamados de “ponte providenciada por Deus para acesso ao mundo gentio”, porque se tratava de um auditório bem informado, familiarizado com as Escrituras e com as promessas messiânicas dos judeus, mas ao mesmo tempo profundamente conscientes de estarem excluídos dessas promessas enquanto permanecessem gentios. Esses devotos tementes a Deus “sempre permaneciam cidadãos de segunda categoria”. Os prosélitos eram sepultados em cemitérios judaicos em Jerusalém e Roma, e em toda a parte... não, porém, os “devotos”. Do ponto de vista oficial, a despeito de suas visitas ao culto na sinagoga e observância parcial da lei, os “devotos” continuavam a ser considerados gentios, a menos que se tornassem judeus de modo completo, mediante a circuncisão e o batismo. [...] Eles formavam o núcleo de muitas das primitivas congregações cristãs (ao lado de alguns judeus dispersos), pelo que mediante esses grupos é que a igreja teve acesso ao mundo dos gentios, além dos limites da sinagoga. (WILLIANS, 1996, pp. 252,253). 15 Com o cristianismo, os devotos gentios simpatizantes com o judaísmo não precisavam mais ter de adequar-se a todo ritualismo que era imposto aos judeus puros para sentirem-se parte integrante da comunidade. Em Cristo, a antiga distinção entre judeu e gentio havia sido abolida; diante de Deus, todas as pessoas que se submetem ao senhorio de Cristo são tratadas da mesma forma, independentemente de nacionalidade, cor, gênero, entre outras diferenças. Essa mensagem era difícil para um judeu ouvir e aceitar. Paulo, em suas preleções e ensinos, traz fortes argumentos sobre a justificação pela fé na obra vicária de Cristo e das exigências que eram exclusivas para os judeus. No entanto, essa mensagem não agrada a maioria dos judeus da sinagoga, inclusive judeus que acabam convertendo-se ao cristianismo e que não se sentiam ainda à vontade com a doutrina da justificação pela fé. Por isso, a comunidade judaica de Corinto manifesta-se contra a pregação messiânica de Paulo nas sinagogas frequentadas por judeus. Os anciãos dessa comunidade, revoltados com a mensagem do apóstolo, acabam por arrastá-lo para ser julgado em tribunal romano. Gálio, procônsul na Acaia, recusou-se a julgar o caso por entender que era uma questão judaica interna. Segundo Rohden (1999, p. 230), Gálio era irmão do célebre filósofo romano Sêneca e também adepto da filosofia dos estoicos. A sua existência e o cargo que ocupava encontram-se “imortalizados numa carta que o imperador Cláudio dirigiu a Delos, como atesta uma inscrição em pedra encontrada na dita cidade; ‘Gálio, meu amigo e procônsul de Acaia’, lhe chama Cláudio’”. Assim, Paulo sai absolvido (At 18.15). Durante a estadia de Paulo em Corinto, o relacionamento com a comunidade judaica foi marcado por tensões e conflitos. 1.2.3 A comunidade cristã de Corinto Paulo fundou e consolidou a comunidade cristã de Corinto (1 Co 3.6,10; At 18.1-8). Os primeiros membros da comunidade cristã em Corinto eram provenientes da comunidade judaica, mas a maioria dos cristãos tinha origem no círculo de pagãos simpatizantes do monoteísmo judaico (At 18.1-11).As sinagogas tinham por costume 16 aproximar as pessoas da mesma profissão. Assim, Paulo fica mais próximo de Áquila e Priscila, deles recebe hospedagem e passam a trabalhar juntos, pois tinham o mesmo ofício de fabricar tendas. Provavelmente, a loja em que eles trabalhavam também passa a ser fonte de pregação da Palavra durante a semana. As pessoas vão sendo confrontadas pela pregação de Paulo e convertendo-se. Devido ao rompimento com os judeus da sinagoga, Paulo passou a realizar as reuniões nas casas de pessoas cristãs. Semelhante à proporção populacional da cidade, a maioria das pessoas convertidas era escrava (1 Co 1.26). Mas pessoas importantes dentre os judeus convertem-se, como “Tito Justo, que servia a Deus e cuja casa estava junto da sinagoga, e Crispo, principal da sinagoga, creu no Senhor com toda a sua casa; também muitos dos coríntios, ouvindo-o, creram e foram batizados” (At 18.7,8). A primeira casa em que foram realizadas as reuniões do grupo cristão foi na residência de Tito Justo. Os judeus provavelmente ficaram irritados com o grupo cristão realizando reuniões bem ao lado da sinagoga, pois era uma boa oportunidade para continuar chamando atenção dos judeus que ali congregavam. A igreja expandiu-se, e outras casas também foram abertas para que outros grupos de cristãos fizessem suas reuniões. No entanto, os costumes e hábitos dos coríntios acabam por transpor as portas da igreja e começam acontecer os conflitos e divisões. Dois grandes perigos ameaçavam a unidade da igreja local: o legalismo (salvação por meio da obediência exclusiva a certos regulamentos e costumes da Lei) e o antinomismo (a salvação vem pela fé, e não era necessário sujeitar-se a nenhuma lei moral). A jovem comunidade cristã destacava-se pelo entusiasmo espiritual que acompanha as orações e as reuniões. Era uma comunidade rica em dons (1 Co 1.4-7), porém imatura espiritualmente (1 Co 3.1-4). 1.3 Principais Características da Carta 17 1.3.1 As cartas de Paulo à comunidade cristã em Corinto A situação conflituosa devido às diferenças internas na comunidade, como as tensões entre judeus e gregos (1 Co 1.18-31), livres e escravos (1 Co 7.21-23) e a insegurança em relação a várias questões doutrinárias provocaram uma intensa correspondência entre Paulo e a igreja em Corinto. No cânon bíblico, existem somente duas cartas, todavia o apóstolo Paulo escreveu, pelo menos, quatro cartas aos coríntios, mas duas dessas cartas foram perdidas (1 Co 5.9; 2 Co 2.4; 7.8). A primeira carta escrita por Paulo aos coríntios é conhecida como pré-canônica. Ela é uma carta que se perdeu (1 Co 5.9-13) e foi escrita para orientar sobre o relacionamento com pessoas devassas e corruptas. Alguns teólogos defendem que fragmentos dessa carta estariam em 2 Co 6.14–7.1. A segunda carta escrita é a que conhecemos hoje no cânon como primeira. A carta foi entregue por Timóteo (1 Co 4.17; 16.10,11) entre 55 e 56 d.C. Nela, Paulo menciona sua intenção de enviar Timóteo a Corinto a fim de resolver alguns dos problemas. As cartas de Paulo, em geral, eram escritas para tirar dúvidas e prestar orientações pastorais às recentes comunidades cristãs fundadas entre os gentios. Quando estava em Éfeso, o apóstolo ficou ciente de alguns problemas na igreja devido à grande influência secular e religiosa. Além das tensões entre judeus e gregos (1 Co 1.12,13,18- 31), livres e escravos (1 Co 7.21-23), existiam questões doutrinárias sobre ressurreição, casamento, dons espirituais, questões morais e éticas, entre outras. Isso faz das cartas aos coríntios uma grande fonte de doutrinas sistemáticas, que graças à disposição e desprendimento do apóstolo Paulo para a missão e o ensino, chegaram até nós. Na sequência, Paulo escreveu uma terceira carta, conhecida como “a carta das lágrimas”, para resolver conflitos no relacionamento com a comunidade. Ele fez menção dela em 2 18 Coríntios 2.3-9; 7.8-12. Ela também se perdeu. Alguns teólogos defendem que fragmentos dessa carta estariam em 2 Co 10-13. A quarta carta escrita é a que conhecemos hoje no cânon como a Segunda Carta aos Coríntios. 1.3.2 Estrutura da Primeira Carta aos Coríntios As cartas de Paulo, em geral, eram escritas para tirar dúvidas e orientar pastoralmente as recentes comunidades cristãs entre os gentios. Na proposta de estrutura a seguir, fica evidente essa prática do apóstolo. Introdução: saudações e ação de graças (1.1-9). I - Problemas noticiados a Paulo por pessoas da casa de Cloe (1.10–4.21): a) Divisões, partidos e tendências (1.10-16); b) Esforço de Paulo para resolver o problema (1.17–4.21). II - Problemas de conhecimento público que chegou até Paulo (5.1– 6.20): a) Caso de incesto (5.1-13); b) Incapacidade de resolver os problemas internos da comunidade (6.1-11); c) Imoralidade sexual (6.12-20). III - Problemas trazidos a Paulo pela própria comunidade (7.1– 14.40): a) Castidade, casamento e virgindade (7.1-40); b) Carnes sacrificadas aos ídolos (8.1–10.33); c) Comportamento nas reuniões de culto (11.2–14.40): a. Participação das mulheres (11.2-16); b. Participação na Santa Ceia (11.17-34); 19 c. Dons e ministérios eclesiásticos (12.1–14.40); d) Dúvidas sobre a ressurreição (15.1-58). Conclusão: recados e despedidas (16.1-24). A leitura da carta auxiliada pela estrutura descrita contribuirá para que o leitor compreenda as intenções do autor ao escrevê-la e para que tenha uma visão geral antes da leitura completa do texto bíblico. 1.3.3 Imaturidade espiritual: partidarismos e divisões internas da comunidade Uma das principais características da Primeira Carta é o problema que mais preocupa o apóstolo: as divisões internas da comunidade. Esse comportamento demonstrava a imaturidade espiritual da nova comunidade cristã. Esse problema perpassa toda a carta, porém recebe atenção especial nos quatro primeiros capítulos: a) as divisões a partir das pessoas que anunciavam o evangelho (1.1-16); b) as divisões a partir da condição social dos membros; c) as divisões a partir das duas sabedorias: de Deus e a humana (2.1-16); e d) divisões a partir do relacionamento de Paulo com a comunidade (4.1-21). Destaca-se a forma pedagógica, carinhosa e, ao mesmo tempo, firme de tratar o problema em busca de solução aplicada pelo apóstolo. O exemplo de Paulo pode ajudar as comunidades cristãs contemporâneas na solução de seus problemas internos. 1.3.4 O contraste entre a loucura da cruz e a sabedoria do mundo Outra característica que se destaca na Carta é a ênfase que Paulo dá ao contraste entre a loucura da cruz e a sabedoria do mundo. Corinto contava com uma grande quantidade de filósofos, poetas e oradores que se orgulhavam da sua herança intelectual. Para eles, a encarnação de Jesus e sua morte como criminoso representavam 20 a perversão da sabedoria. Por isso, a sabedoria do mundo não serve para definir o modo de viver do cristão. Quando Paulo esteve em Corinto pela primeira vez, a mensagem central foi o Cristo crucificado. Ele não se importou de ser contestado e ser chamado de louco ou de escandaloso (1.23). A mensagem da cruz de Cristo condena as divisões (1.17-4.13), questiona a vanglória dos que praticam escândalo (5.1-13), censura as imoralidades sexuais (6.12-20) e reprova o comportamento egoísta nas reuniões (11.17-34). A pregação do evangelho é loucura para os padrões humanos e sabedoria de Deus para salvação aos que creem (1.21). Capítulo 2 Ação de Graças pela Igreja de Corinto A oração de intercessão de Paulo era uma forma de colocar-se no lugar dos coríntios e orientá-los com amor. Texto bíblico em 1 Coríntios 1.1-9: Paulo (chamado apóstolo de Jesus Cristo, pela vontade de Deus) e o irmão Sóstenes, à igreja de Deus que está em Corinto, aos santificados em Cristo Jesus, chamados santos, com todos os que em todo lugar invocam o nome de nosso Senhor Jesus Cristo, Senhor deles e nosso: graça e paz, da parte de Deus, nosso Pai, e do Senhor Jesus Cristo. Sempre dou graças ao meu Deus por vós pela graça de Deus que vos foi dada em Jesus Cristo. Porqueem tudo fostes enriquecidos nele, em toda a palavra e em todo o conhecimento (como foi mesmo o testemunho de Cristo confirmado entre vós). De maneira que nenhum dom vos falta, esperando a manifestação de nosso Senhor Jesus Cristo, o qual vos confirmará também até ao fim, para serdes irrepreensíveis no Dia de 21 nosso Senhor Jesus Cristo. Fiel é Deus, pelo qual fostes chamados para a comunhão de seu Filho Jesus Cristo, nosso Senhor. Paulo inicia a carta com as saudações, de forma fraternal e agradecendo a Deus pela vida dos coríntios. O amor do apóstolo pela comunidade fala mais alto do que sua insatisfação com alguns comportamentos internos. Antes de falar sobre os problemas, o apóstolo registra uma das características da igreja, que era a abundância de dons. 1.1 Saudações de Paulo à Igreja (1.1-3) 1.1.1 O autor da carta apresenta-se e justifica seu chamado (1.1) Segundo Brown (2004, pp. 554-561), na época do apóstolo Paulo, existia certo padrão de escrita para as correspondências. Elas geralmente começavam pelo “endereço”, que compreendia os nomes do remetente, do destinatário e as saudações, seguido do “proêmio”, a segunda seção da carta, que poderia ser formulada como uma ação de graças ou como doxologia, envolvendo descrições da situação do remetente e da condição do destinatário. Após a apresentação dos assuntos expostos no corpo da carta, a correspondência era encerrada com uma saudação final e a despedida. Paulo não inventa um modelo novo para escrever; pelo contrário, ele segue o modelo existente, favorecido pela sua boa formação. No entanto, nem sempre Paulo escrevia pessoalmente suas cartas. Ele fazia uso de outro costume da antiguidade, comum tanto nas casas comerciais quanto nas famílias mais abastadas, que tinham à sua disposição um escravo bem instruído para redigir as correspondências, que eram ditadas pelos seus senhores. O nome desse escriba profissional era “amanuense”. Paulo não escreveu a Carta aos Romanos com as suas próprias mãos, mas ditou-a para o copista Tércio, provavelmente conhecido dos irmãos da igreja de Roma, pois ele aproveita para enviar-lhes saudações (Rm 16.22). 22 Quando Paulo escreve aos coríntios (1.1), de início demonstra que ele não trabalhava sozinho; o irmão Sóstenes estava com ele. Sóstenes era o antigo chefe da sinagoga de Corinto, que se converteu a Cristo e foi espancado pelos judeus diante do tribunal romano por defender a Paulo (At 18.17). Enquanto Paulo escreve a carta em Éfeso, Sóstenes continua ao seu lado para ajudar a comunidade cristã com seus problemas. Mais à frente, iremos ver que Paulo sempre delegava atividades e responsabilidades aos seus auxiliares como Apolo, Timóteo, Silas e Tito. A amizade verdadeira é algo muito precioso na vida de uma pessoa e deve ser cultivada desde a tenra idade para que se mantenha ao longo da vida. Ela é como um tesouro a ser preservado. Paulo, como costume em outras cartas (Gl 1.1; Rm 1.1), faz questão de defender seu apostolado e a origem divina de seu chamado, pois na comunidade também surgiram alguns falsos mestres que constantemente tentavam manchar a imagem do apóstolo e o valor de sua mensagem. Ele faz questão de destacar que seu ministério era da vontade de Deus. A convicção do chamado dá a garantia na excelência no exercício do ministério cristão. 1.1.2 Reconhecimento do chamado de seus leitores (1.2) Paulo tinha uma característica própria para lidar com as comunidades cristãs, em especial aquelas em que foi fundador, pois conhecia bem de perto os membros e o estilo de vida da comunidade. Ele sempre atua de forma pedagógica, carinhosa e pastoral. Ele começa a conversa enfatizando o lado positivo das coisas e reconhece as qualidades de seus destinatários, mas, ao longo da escrita, não economiza as repreensões, quando aplicável. As recomendações e advertências não serviram somente para seus primeiros destinatários, mas continua sendo atual nas comunidades cristãs contemporâneas. 23 No entanto, se olharmos atentamente, o reconhecimento de Paulo destaca a ação divina na vida da comunidade. Eles foram santificados, mas por meio da obra de Cristo. Assim como somente poderiam exercer os chamados específicos também por intermédio da ação de Cristo, pois foram chamados para servir na igreja ( ekklesia = assembleia) de Deus. A Igreja pertence a Deus, que, por meio do sacrifício de Cristo, é formada de membros que foram chamados para fora do mundo (sistema organizado), mesmo convivendo no mundo criado (natureza e pessoas). Paulo destaca a missão da Igreja, que é fazer a diferença na sociedade em que está inserida, um privilégio e responsabilidade dos chamados e separados para Deus. 1.1.3 A saudação fraternal de Paulo (1.3) Paulo deseja à comunidade a graça e a paz da parte de Deus e do Senhor Jesus Cristo. Graça não era mais uma simples palavra de saudação, mas tinha um grande significado naquela cultura. Ela remete a livre dádiva de Deus em Cristo. Paulo conhecia muito bem o efeito dessa graça, pois era ela que dava ao apóstolo a coragem e a disposição para continuar sua caminhada diante de tantas dificuldades, injustiças e sofrimento por amor ao evangelho. Por isso, ele podia recomendar como fez a Timóteo em um momento de grande dificuldade em sua vida e ministério: “Tu, pois, meu filho, fortifica-te na graça que há em Cristo Jesus” (2 Tm 2.1). Nas saudações, o termo para graça sempre vem antes de paz. A sequência é lógica, pois a graça é a fonte da paz. Sem a graça de Deus, não tem como se ter a paz verdadeira. Essa paz não é uma paz qualquer. Da mesma forma de quando ele menciona a graça, quando Paulo deseja a paz, certamente tem em mente o conceito da paz da cultura judaica. A expressão hebraica shalon tem um significado que vai além da paz em português. O termo expressa mais do que a ausência de luta; representa a prosperidade do ser humano integral, em especial a sua prosperidade espiritual. Graça e paz que seriam muito benéficas na situação de tensão e conflitos que vivia aquela comunidade. 24 1.2 Paulo dá Graças a Deus pela Obra de Cristo na Vida dos Coríntios (1.4-9) 1.2.1 As razões da gratidão paulina na obra de Cristo sobre os coríntios (1.4-6) Paulo, como era seu costume, inclui no início de sua carta ações de graças a Deus pela obra de Cristo na vida de seus ouvintes. O hábito de orar pelas pessoas desenvolve em quem ora o sentimento de empatia, de colocar-se no lugar do outro. A pessoa que ora com sinceridade diante de Deus tem a tendência de ter um melhor relacionamento interpessoal. Paulo estava com o coração abatido pelas informações que havia recebido sobre a situação da igreja em Corinto, mas, antes de tudo, ele reconhece o valor da obra de Deus na vida daquelas pessoas. Elas haviam aceitado a mensagem do evangelho e estavam buscando uma nova vida com Deus. Paulo dá graças pela conversão e a fé em Cristo dos coríntios, fruto de suas pregações e testemunho de vida transformada na convivência de 18 meses naquela comunidade. O estilo de vida da cidade era um grande desafio para a manutenção de uma vida exemplar. Paulo, mesmo diante das diversas falhas demonstradas pelos membros da igreja, era grato pela permanência do grupo de fiéis. Ele distingue três pontos importantes: o enriquecimento na Palavra, no conhecimento experiencial de Deus e o testemunho de Cristo confirmado neles. O apóstolo conhecia bem o poder do evangelho para salvação de todo aquele que crê (Rm 1.16). A cultura e os costumes da cidade eram um grande desafio para os membros da igreja, e o apóstolo dá uma mensagem de ânimo para seus liderados. No meio da comunidade, estavam acontecendo muitas falhas e comportamentos inadequados; contudo, o apóstolo não poderia desistir deles. Pelo contrário, ele tinha consciência de que deveria dar graças a Deus pela obra de Cristo na vida daquelas pessoas, porquanto ele também pensava conhecer a Deus e precisou ter sua vida totalmente transformada pelo amor de Cristo. 25 Além do mais, não eram todas as pessoas da comunidade envolvidas nas divisõese dissensões; pelo que tudo indica, na sua maioria, eram as pessoas com melhores posses e condições educacionais e culturais segundo o critério humano. 1.2.2 Paulo inclui um alerta de fidelidade em suas ações de graças (1.7b,8) O reconhecimento e as ações de graças pela vida e fé dos destinatários preparam o caminho para o que estava por vir. Alguns teólogos afirmam que as palavras amáveis de Paulo eram uma forma de ironia, mas essa não parece ser a intenção. Paulo realmente vai preparando o coração dos ouvintes para expressar suas preocupações com as informações recebidas sobre o comportamento interno na comunidade. Eles ainda estavam no início da caminhada cristã e faltava-lhes maturidade espiritual. Paulo faz menção da promessa do arrebatamento e cita o Dia do Senhor. Esse “Dia” tem um significado teológico muito impactante. No Antigo Testamento, a expressão “o Dia de Iahweh” apontava para o dia do juízo de Deus (Jl 3.14; Am 5.18-20). No Novo Testamento, a expressão refere-se ao regresso de Cristo, ou seja, a parúsia (Fp 1.6,10; 2.16; 1 Ts 5.2). De certa forma, o arrebatamento também é uma forma de juízo, pois quem não está preparado não será arrebatado. Por outro lado, para quem está dentro da vontade de Deus, será um dia de gozo e vitória permanente. Infelizmente, sempre existirão aqueles que estarão indiferentes por não terem recebido ou por não terem crido na mensagem do evangelho. Paulo temia que o comportamento dos membros daquela comunidade pudesse comprometer a própria salvação. O apóstolo deixa claro que o comportamento no presente pode comprometer o futuro, evidenciando que um dos objetivos de sua carta era dissipar com os conflitos e comportamentos que não condiziam com a vida cristã. 26 1.2.3 A expectativa de Paulo estava alicerçada na fidelidade de Deus (1.9) Paulo esclarece que sua expectativa estava fundamentada na fidelidade de Deus ao seu projeto de salvação da humanidade. A sua conversão do judaísmo para o cristianismo certamente mudou sua forma de ver o Senhor, de um Deus irado e vingativo para um Deus de amor e de misericórdia. Na comunidade cristã em Corinto, existiam muitas práticas que não agradavam ao Pai, mas Paulo tinha convicção de que Deus nunca desistiria deles. Por mais falho que seja o ser humano, Deus sempre está disposto a perdoá-lo e auxiliar na mudança de rumo de sua vida. Os crentes eram abençoados pelo Espírito, mas não estavam andando pelo Espírito. Todavia, Paulo confiava plenamente na fidelidade de Deus ao plano de salvação da humanidade planejada por meio de seu Filho, Jesus Cristo. Por esse motivo, ele afirma com veemência: “Fiel é Deus, pelo qual fostes chamados para a comunhão de seu Filho Jesus Cristo, nosso Senhor”. Paulo não está afirmando que, uma vez que havia feito a decisão por Cristo, estavam salvos de forma definitiva. Ele está enfatizando a fidelidade de Deus com o plano de salvação; para isso, os cristãos em Corinto deveriam manter-se firmes na sua fé. No caso de falha, Deus sempre está disposto a dar uma nova chance a quem estiver disposto a retornar para Ele. Deus é fiel às suas promessas e ao plano de salvação em Cristo Jesus. 1.3 Uma Igreja Marcada pelos Dons (1.7) 1.3.1 Os dons são cumprimento da pregação do evangelho Os primeiros versículos da carta trazem uma saudação encorajadora do apóstolo, destacando a graça e a paz que vem de Deus por meio de Jesus ao seu povo. Dentre esses versículos, o versículo 7 pode passar despercebido, mas tem um grande impacto na comunidade coríntia e será tratado com mais detalhes por Paulo mais à frente na carta (1 Co 12-14). Paulo sensibiliza seus ouvintes 27 de que as promessas de Deus por intermédio de suas pregações do evangelho estavam sendo cumpridas no meio da comunidade. Eles estavam cheios de dons (presentes) de Deus. Arrington e Stronstad (2003, p.129) afirmam que a declaração de que aos coríntios não faltam nenhum dom espiritual tem tido três possíveis interpretações: 1. Pode significar que eles, como uma congregação, possuíam todos os dons espirituais; 2. De um relacionamento próximo é a ideia que, potencialmente, senão de fato, todos os dons poderiam ser seus; e 3. Pode ainda significar que os coríntios jactavam-se de possuírem todos os dons e que Paulo estivesse sendo sarcástico repetindo a sua reivindicação. Mas é improvável que Paulo reprove-os a esse respeito. Por fim, eles afirmam que, “tendo em vista o que escreveu nos capítulos 12-14, a segunda opção é a melhor”. Richards (2014, p. 326) corrobora com essa opção e comenta: [...] Posteriormente, Paulo nos mostrará que Deus concede dons espirituais a cada crente. Portanto, o potencial para o crescimento e mudança existe em todos. Olhando para os problemas da igreja em Corinto, Paulo poderia muito bem ter ficado desanimado. No entanto, ele escolheu se concentrou na promessa que a posse do Espírito de Deus traz para cada pessoa em Cristo. De qualquer forma, os dons concedidos à igreja serviam de testemunho da verdade da doutrina cristã pregada pelo apóstolo. Ele, ao escrever a carta, provavelmente ficava imaginando no momento que havia chegado à cidade de Corinto. Muitos dos que estavam na comunidade no momento da escrita ele encontrou na sinagoga judaica ainda, assim como ele antes da conversão, agarrados no legalismo judaico, e de repente são alcançados pela sua pregação do evangelho. Na sinagoga, também deve ter 28 conhecido vários devotos que se sentiam desprestigiados e inferiores no ambiente judaico e, ao aceitarem Jesus, descobrem que também têm acesso direto a Deus, sem intermediários. Mulheres, crianças, escravos, entre outros marginalizados que ouviam que as pessoas ricas estavam naquela situação porque eram justas, e os pobres, devido ao pecado, como o ensino da Teologia da Retribuição que ainda imperava na Palestina, ao converterem-se, sentem-se incluídos como filhos de Deus. Todos estes, em especial quando estavam já nas casas em suas reuniões cristãs, certamente ouviram Paulo pregar sobre os dons e dizer que todos teriam acesso e que Deus deliberadamente os dá a quem quer. Como Paulo deve ter ficado feliz ao ver os dons sendo derramados entre os cristãos em Corinto! Certamente, sua alma jubilava ao ver seus “filhinhos” passaram por essa experiência cristã. Agora, ao escrever a carta, sabendo dos problemas internos da comunidade, Paulo lembra-os dos dons recebidos de Deus, algo para ser preservado e continuar buscando. Algumas pessoas ainda hoje questionam a existência e a finalidade dos dons. Outros, que defendem a teologia cessacionista, afirmam que os dons serviram somente para os tempos da Igreja Primitiva, como se Deus fosse limitar seus dons ao tempo e espaço. Todavia, não há melhor forma de comprovar uma verdade a não ser experimentando-a. Por isso, muitos como os coríntios podem comprovar o cumprimento da pregação do evangelho desfrutando os dons de Deus em sua vida. Uma das primeiras reações que se ouve em relação aos leitores das cartas aos Coríntios é: como Deus pôde derramar tantos dons para uma igreja tão rebelde e cheia de problemas morais? Aqui vale destacar o conselho de Richards (2014, p. 326): “quando estivermos desanimados com outros, lembremo-nos do exemplo de Paulo. Vamos nos unir a ele agradecendo a Deus pelo potencial que, no seu tempo, Deus fará com que seja desenvolvido até mesmo na 29 vida do cristão mais apático”. O próprio significado de dom, um presente imerecido de Deus, auxilia a aproximação ao entendimento. Paulo diz que a manifestação dos dons na igreja era o testemunho de Cristo confirmado no meio dela (1 Co 1.6,7). Os dons espirituais confirmam o anúncio da Palavra de Deus (Mc 16.17-20; Gl 3.2-5; Hb 2.3,4). 1.3.2 Os dons não definem grau de espiritualidade No meio pentecostal, a cultura que predomina é de que as manifestações dos dons espirituais são sinônimas de espiritualidade e santidade. Isso é um engano, pois a santidade é evidenciada pelo fruto do Espírito. Na nova situação diante de Deus, o cristão deve andar sob a lei do Espírito de vida(Rm 8.5). Muitas pessoas confundem uma pessoa avivada com manifestações externas e de dons espirituais, mas Paulo deixa claro em Romanos 8.2 e principalmente na carta aos Gálatas que a pessoa avivada é aquela que tem vida espiritual manifestada pela presença do fruto do Espírito em sua vida (Gl 5). O pastor Antonio Gilberto, ao comentar sobre os dons espirituais manifestos na igreja de Corinto, afirma: Dois princípios doutrinários devem ficar bem patentes aqui, concernentes aos dons espirituais. Primeiro, uma pessoa que recebeu do Senhor os dons do Espírito não significa que ela alcançou um estado de perfeição e que é merecedora das bênçãos de Deus. As manifestações e operações do Espírito Santo por meio de alguém não devem jamais ser motivo de orgulho para o crente, seja ele quem for. Segundo, assim como o crente não é salvo pelas obras, mas tão somente pela graça divina (Ef .8; Tf 3.5), assim também os dons do Espírito Santo nos são concedidos pela graça de Deus para que ninguém se engrandeça – “segundo a graça” (Rm 12. 6). Na igreja de Corinto, certos crentes imaturos receberam dons espirituais e se descuidaram de crescer na fé e na doutrina. Problemas surgiram daí, afetando toda aquela igreja (GILBERTO, 2006, p. 30 68). Há algum tempo, um irmão já idoso e com muitos anos de crente pediu para conversar em particular comigo. Ele comentou sobre a sua longa experiência no evangelho, mas também de uma angústia e dúvida que tinha por não ter sido batizado com o Espírito Santo — numa expressão popular, “não falava em línguas”. Ele achava que, por ser membro da igreja há tanto tempo e sempre ter dado um bom testemunho, Deus deveria ter-lhe batizado com o Espírito Santo. Se isso não tinha acontecido até então, era porque ele não tinha agradado a Deus; e ele começou a ter dúvida de sua salvação. Então expliquei a ele que os dons espirituais não são garantias de salvação. A garantia é a manifestação do fruto do Espírito na vida do crente que aceitou a Cristo. A vida espiritual não acontece por meio de uma vida de aparência, mas de transformação comprovada mediante seu testemunho pessoal. Por isso, não se engane, a maturidade espiritual manifesta-se pelos frutos no dia a dia, e não pelas manifestações dos dons espirituais. O Espírito Santo testemunha no íntimo do cristão salvo a sua filiação espiritual. Esse testemunho é de valor inestimável para o fortalecimento espiritual do crente e deve ser priorizado e conservado. O Espírito Santo habita na vida daqueles que pertencem a Cristo (Jo 14.16,17; 1 Co 3.16; 1 Jo 4.13; Tg 4.5; Rm 8.9,11). O fruto do Espírito é o caráter de Cristo manifesto no cristão salvo. Algumas pessoas cometem o mesmo erro dos coríntios, buscam os dons espirituais, às vezes não com as motivações corretas e descuidam da verdadeira vida espiritual. Quando Paulo escreve aos gálatas (Gl 5), menciona sobre as obras da carne, que nos separam de Deus, e o fruto do Espírito, que é manifestado na vida do crente espiritual. Azevedo assegura: Quando o apóstolo passa a recomendar como o cristão deve viver, ele usa a expressão “fruto do Espírito” no singular. Cada árvore só 31 dá um tipo de fruto, segundo a sua espécie. Essa ênfase paulina indica que essas virtudes não são para ser escolhidas no balcão do Espírito Santo, mas que devem compor a bagagem de todo cristão. O cristão não pode ser amoroso triste, mas amoroso e alegre. A árvore de quem vive no Espírito Santo deve dar esse fruto: amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, domínio próprio. É um fruto só. Quando alista a última parte do fruto, Paulo não coloca um “e”, como a reforçar a unidade deste fruto. (AZEVEDO, 2003, p. 9) Os coríntios deviam buscar os dons espirituais, mas sem descuidarem-se do mais importante, que é o fruto do Espírito. O ideal é produzir o fruto do Espírito, ter uma vida espiritual equilibrada e também desfrutar dos dons espirituais, que são capacitações para o serviço e o bem comum, como veremos a seguir. 1.3.3 Os dons são capacitações para o serviço e o bem comum Os dons devem ser utilizados com base no amor. Talvez esse seja o motivo de Paulo incluir o capítulo 13 (o poema do amor) entre os capítulos 12 e 14 dessa carta. O poema do amor é um interlúdio ao tema teológico dos dons espirituais. Assim como Tiago (1.19-27), ele mostra para quem quer ver e também para quem não quer qual é o sentido da verdadeira religião, que não está baseada nas práticas litúrgicas nem nos dons espirituais, entre outros aspectos da vida religiosa, mas no amor. O amor aplicado é um dos sinais da espiritualidade cristã. Não é por acaso que Paulo relaciona o amor como fruto do Espírito (Gl 5.22,23). Azevedo afirma: Podemos alcançar o máximo em termos de espiritualidade, mas se nossa espiritualidade não for motivada pelo amor, não nos aproximará de Deus. A religião deixará de ser rotina quando for permeada pelo amor. A religião deixará de ser espetáculo quando for motivada pelo amor. [...] O amor é a condição essencial para que 32 os dons espirituais sejam exercidos. Os dons, que devemos buscar, cessam, mas o amor permanece (AZEVEDO, 2003, p. 28). A diversidade de dons é um grande tesouro para qualquer comunidade, desde que o dom não seja considerado um fim em si mesmo. Paulo nas suas cartas aconselha a humildade na utilização dos dons dados por Deus e adverte sobre o perigo de se utilizá-los para projeção própria. Segundo o pastor Antonio Gilberto, “o dom espiritual é uma dotação ou concessão especial e sobrenatural pelo Espírito Santo, de capacidade divina sobre o crente, para o serviço especial na execução dos propósitos divinos para e através da Igreja”. Ele reforça que “foi a poderosa e abundante operação dos dons do Espírito que promoveu a expansão da Igreja Primitiva como se vê no livro de Atos dos Apóstolos e nas Cartas” (GILBERTO, 2006, p. 68). Pastor Antonio Gilberto (2006, p. 68-73) assevera que os dons de 1 Coríntios 12—14 são de atuação eventual, inesperada e imprevista (quanto ao portador). Tudo depende da soberania de Deus na operação dos dons. Ele separa os dons em três classes, conforme resumo abaixo: 1. Dons que manifestam o saber de Deus (1 Co 12.8-10) – manifestam a multiforme sabedoria de Deus: a. A palavra da sabedoria (v.8) – Dom de manifestação da sabedoria sobrenatural, pelo Espírito Santo; b. A palavra da ciência (v. 8) – Dom de manifestação de conhecimento sobrenatural pelo Espírito Santo; de fatos, de causas, entre outros; e c. O dom de discernir os espíritos (v. 10) – Dom de conhecimento e de revelação sobrenaturais pelo Espírito Santo. 2. Dons que manifestam o poder de Deus (1 Co 2.9,10) – Manifestam o poder dinâmico de Deus: 33 a. A fé (v. 9) – Manifestação de poder sobrenatural pelo Espírito Santo. Superação e eliminação de obstáculos. Trata-se da fé chamada “fé especial”, “fé miraculosa”, que opera também em conjunto com vários outros dons; b. Os dons de curar (v. 9) – Esses dons são multiformes na sua constituição e na sua operação. Manifestação de poder sobrenatural pelo Espírito Santo para a cura das doenças e enfermidades do corpo, da alma e do espírito, para crentes e descrentes; e c. As operações de maravilhas (v. 10) – São operações de milagres extraordinários, surpreendentes, prodígios. Prodígios espantosos pelo poder de Deus para despertar e converter incrédulos (Jo 6; At 8.6, 13, 19.11). 3. Dons que manifestam a mensagem de Deus (1 Co 12.10) - Manifestam a mensagem da parte de Deus, poderosa, edificante e consoladora: a. A profecia (v. 10) - Manifestação sobrenatural de mensagem verbal pelo Espírito, para edificação, para exortação e para consolação do povo de Deus (1 Co 13.2,9; 14.1,3,5,29,39); b. A variedade de línguas (v. 10) - Dom de expressão plural, um milagre linguístico sobrenatural. As mensagens em línguas mediante esse dom devem ser interpretadas para que a igreja seja edificada (1 Co 14.5,27); c. Interpretação de línguas (v. 10) - Manifestação de mensagem verbal, sobrenatural, pelo Espírito Santo. O domde interpretação é um dom em si mesmo, e não uma duplicação do dom de profecia (1 Co 12.10, 30, 14.5,13,26-28). 34 Os dons espirituais têm como um dos objetivos a glorificação do Senhor Jesus e a edificação da igreja (Jo 16.14; 1 Co 12.3; 14.5). Quando alguém recebe os dons e usa-os com o objetivo de glorificar a si mesmo, esse alguém está tomando para si o que é para ser dedicado a Deus. Os dons são dados gratuitamente pelo Senhor para serem compartilhados e trazerem mais benefícios quando se complementam entre si (sinergia). Portanto, a autoavaliação dos dons recebidos não deve ser feita comparando com o uso das demais pessoas, mas avaliando qual a contribuição dada para a totalidade dos dons concedidos à comunidade cristã. Por isso, Paulo compara a Igreja como um corpo. Paulo dá graças pelos dons que se manifestavam entre os coríntios, mas adverte que os dons devem ser usufruídos para o bem comum (1 Co 14). Capítulo 3 Divisões na Igreja As divisões e partidarismos demonstram a imaturidade espiritual dos membros da igreja de Corinto. Texto bíblico em 1 Coríntios 1.10-17: Rogo-vos, porém, irmãos, pelo nome de nosso Senhor Jesus Cristo, que digais todos uma mesma coisa e que não haja entre vós dissensões; antes, sejais unidos, em um mesmo sentido e em um mesmo parecer. Porque a respeito de vós, irmãos meus, me foi comunicado pelos da família de Cloe que há contendas entre vós. Quero dizer, com isso, que cada um de vós diz: Eu sou de Paulo, e eu, de Apolo, e eu, de Cefas, e eu, de Cristo. Está Cristo dividido? Foi Paulo crucificado por vós? Ou fostes vós batizados em nome de Paulo? Dou graças a Deus, porque a nenhum de vós batizei, senão a Crispo e a Gaio; para que ninguém diga que fostes batizados em meu nome. E batizei também a família de Estéfanas; além destes, não sei se batizei algum outro. 35 Porque Cristo enviou-me não para batizar, mas para evangelizar; não em sabedoria de palavras, para que a cruz de Cristo se não faça vã. A confiança do apóstolo na fidelidade de Deus, vista no capítulo anterior, dava-lhe segurança para lidar com os problemas da comunidade cristã em Corinto de maneira mais otimista e realista. Deus esteve constantemente abençoando os coríntios, e agora eles precisavam urgentemente de orientação firme do apóstolo. A partir do versículo 10, o apóstolo inicia o assunto que mais o preocupava no momento da escrita: as divisões internas da comunidade. Por causa disso, ele descreve sobre os prejuízos que elas podem trazer para a comunidade cristã, como a formação de grupos rivais com base em preferências pessoais de liderança. Paulo traz sérias advertências do perigo de tentar substituir os méritos da cruz de Cristo pela busca da ostentação e orgulho pessoal. 1.1 As Dissensões e seus Prejuízos na Igreja (1.10,11) 1.1.1 Uma exortação com amor e humildade para não causar mais dissensões (1.10a) As cartas enviadas aos coríntios, juntamente com a carta enviada aos gálatas, expressam bem a disputa que o apóstolo Paulo conviveu ao longo de seu ministério com os grupos que contestavam seu chamado e sua mensagem pelos mais diversos motivos. Fisk (2018, p. 342) fornece um bom resumo, em três passos, para demonstrar a situação entre Paulo e a comunidade cristã em Corinto no momento da escrita deste texto: 1. Paulo, junto com Silvano e Timóteo (2 Co 1.19), passa um ano e meio pregando em Corinto (50-52 d.C.) e fundando a igreja coríntia (At 18.1-18). De acordo com Atos 18.12, essa visita coincidiu com o período de Gálio como governador provincial (de julho de 51 a junho de 52). Paulo, durante esse período, recebe alguma ajuda financeira externa (Fp 36 4.14-16) para completar a renda conseguida por ele mesmo (1 Co 9.3-18), mas não recebe nenhuma ajuda dos próprios coríntios (1 Co 9.12,15-18; 2 Co 11.7-9). 2. Paulo envia à igreja sua carta anterior (agora perdida) que, em parte, foi entendida de forma equivocada ou desconsiderada (1 Co 5.9-13). 3. Os membros da família de Cloe vieram até Paulo com as informações sobre os problemas em Corinto (1 Co 1.11,12; 5.1, 2; 11.18). Paulo foi uma pessoa dedicada e comprometida com a pregação do evangelho com vistas à conversão da maior quantidade de pessoas possível, independentemente dos sacrifícios que ele tivesse de fazer. No resumo anterior, fica evidente que o apóstolo não conseguia manter-se com o próprio trabalho de fazer tendas junto com o casal Priscila e Áquila. Os coríntios não se comoveram com a sua situação, a ponto de ele receber ajuda da comunidade de Filipos enquanto estava pastoreando a comunidade cristã em Corinto. Para a cultura grega, o trabalho operacional era desprezível, destinado aos escravos e pessoas sem instrução. O fato de Paulo trabalhar para sustentar-se, na visão desses coríntios, desqualificava-o como líder. Todavia, esse desprezo e falta de apoio não desanimaram o apóstolo ou tirou a sua simpatia pela comunidade; pelo contrário, ele continuou amando-os como se fossem sua própria família. A partir desse momento na carta, ele dispõe-se a interagir de forma mais enérgica com alguns membros, depois de receber as notícias de partidarismo e divisões no meio da comunidade. Exortar pessoas e orientar sobre como algo deve ser feito não é uma tarefa agradável, e poucas pessoas propõem-se a fazê-la. Paulo era motivado pelo amor ao Evangelho de Cristo, que o havia transformado e mudado completamente sua vida. 37 A exortação é uma característica típica do gênero literário “carta ou epístola”. Quando Paulo fazia uma exortação, geralmente era para iniciar o aprofundamento de um aconselhamento pastoral. Ele faz algumas exortações e orientações em forma de conselhos sobre o comportamento adequado aos cristãos dentro de sua comunidade. Como fundador daquela comunidade cristã, devia ser muito duro para ele exortar aquelas ovelhas, mas era necessário. As pessoas têm a tendência de preferir relacionar-se com as demais nos momentos descontraídos e que não precisam ficar controlando nada e nem ninguém. No entanto, as dissensões estavam trazendo prejuízos sérios à comunidade; algo precisava ser feito. Para exortá- los, primeiramente Paulo toma uma atitude humilde, não com imposição autoritária, por isso ele inicia com a frase “Rogo-vos”, chamando-os de irmãos, que sugere uma expressão de comunidade fraternal. Por fim, evoca a autoridade do nome de Jesus: “pelo nome de nosso Senhor Jesus Cristo”. 1.1.2 As dissensões prejudicavam a unidade da igreja (1.10b) Paulo havia ensinado aos coríntios o modelo de vida das primeiras comunidades cristãs, que tinham como principal característica a unidade no ouvir o ensinamento dos apóstolos, na comunhão, no partir do pão e nas orações (At 2.42-47; 4.32-35; 5.12-16; 9.31ss; 12.24ss). Entretanto, a comunidade era nova, e seus membros estavam acostumados com o modelo das sociedades romanas e gregas, organizadas a partir de cima (poderosos, cultos, pessoas de projeção). o apóstolo sempre lutou para manter a harmonia entre diferenças existentes dentro das primeiras comunidades cristãs. Ele certamente sofria com os diversos desentendimentos ao longo do seu pastoreio. Todavia, o apóstolo não podia esmorecer; tinha de tomar uma atitude e continuar conscientizando os membros das comunidades cristãs sobre o valor da unidade da igreja. Paulo estimula seus leitores a retomarem a harmonia, buscando a concordância entre 38 eles de tal forma que tivessem uma só voz. Ele incentiva que haja uma harmonia recíproca tanto na mente como na vontade. O funcionamento da Igreja de Cristo deve ser semelhante ao do corpo humano, ainda que limitado, criado perfeitamente por Deus e que reflete a unidade e a harmonia entre seus membros (1 Co 12.12-27). Paulo utiliza a palavra grega katartizein para demonstrar que Deus quer restaurar a harmonia dos membros da comunidade que estavam distanciados e divididos, tornando possível um julgamento ou opinião em consenso, na busca de uma harmonia perfeita, visando o bem da coletividade e a renúncia às atitudes divisionistas que estavam ocorrendo naigreja. O que Paulo almejava para a comunidade era uma vida comunitária solidária, que eles continuassem a viver juntos e em paz, que pensassem sobre a importância da unidade de forma que esta seja a motivação de todas as ações coletivas e individuais. Trata-se de uma harmonia tanto na doutrina quanto nos esforços e disposição para a coletividade. Para que haja harmonia, é preciso predisposição para tal. 1.1.3 Paulo identifica o problema e a fonte de sua informação (1.11) Paulo expõe diretamente o problema “contendas entre vós” e não esconde a fonte: “me foi comunicado pelos da família de Cloe”. Geralmente, as pessoas gostam de expor os problemas de forma anônima, assim não precisam comprometer-se. Cloe aparece somente uma vez no Novo Testamento. Não há informações adicionais sobre ela e sua família. Tem quem defenda que ela poderia ser moradora de Éfeso, local de onde Paulo estava escrevendo a carta, sendo uma comerciante e que seus empregados (família, escravos e livres) transitavam entre Corinto e Éfeso. Todavia, o texto indica que ela e sua família eram conhecidas pela igreja. Cloe provavelmente era uma senhora respeitada, do mundo gentílico, comprometida com o Reino e, por estar sofrendo 39 com a situação da igreja, comunica ao apóstolo. Certamente, ela fez isso pela confiança no chamado e autoridade outorgada por Deus a Paulo. Há uma grande diferença quando alguém comunica algum problema à liderança por inveja ou para prejudicar alguém enquanto há uma comunicação visando o bem comum. Quando o assunto é tratado diretamente, como Paulo o fez, e citando as fontes, comprova-se que o fato não é um boato, mas algo público e notório. A informação deu origem aos quatro primeiros capítulos da carta, que tratam das dissensões que estavam prejudicando a pregação da Palavra e o crescimento da igreja. Paulo novamente trata os seus leitores como “irmãos meus”, abordando o problema interno como uma família fraterna, com carinho e autoridade pastoral. Paulo tinha a intenção de resolver o problema de divisão que não se menciona o tempo que estava acontecendo ou se era algo permanente. Todavia, essa era uma atitude característica da própria sociedade, e a cultura de disputas e divisões estava sendo transferida também para a igreja. A cultura grega favorecia esse tipo de acontecimento, porém Paulo quer demonstrar que esse comportamento não é adequado para ser reproduzido dentro da igreja; ele favorece o relacionamento mais amigável e sob a coordenação dos líderes oficiais para tratar as diferenças de qualquer tipo que possa surgir na igreja. Paulo trata o assunto com a seriedade de que necessita, com o objetivo de contornar a situação com informação verídica e com o envolvimento de todas as pessoas que faziam parte da comunidade cristã de Corinto. 1.2 O Partidarismo na Igreja (1.12) 1.2.1 Tratamento inadequado das diferenças de opinião A palavra grega “eris”, traduzida por contenda, utilizada no versículo 11, significa discussão e discórdia. A maioria dos membros da 40 comunidade de Corinto havia perdido a percepção de que Cristo deve ser o centro de todas as coisas e faltava habilidade para lidar com opiniões diferentes, visando, ao mesmo tempo, a manutenção da harmonia dos envolvidos. A diversidade de opiniões pode ser benéfica, desde que não seja motivo de dissensões e ofensas às pessoas com ideias diferentes. O cristianismo era uma novidade em Corinto, cidade acostumada a receber pessoas de várias culturas. A nova ideia influenciava o contexto social, mas também era influenciada ao contextualizar-se. A igreja era heterogênea (classes sociais, pluralismo religioso, conflitos éticos e morais, entre outras diferenças), e, ao que parece, alguns viam na nova comunidade a possibilidade de ter mais influência sobre os outros (tendências imperialistas) por pura ambição. Todavia, as comunidades cristãs vieram com uma nova forma de organização e estilo de vida. O que prevalecia era a coletividade e a busca pela igualdade de oportunidades, pelo menos diminuir as diferenças. Paulo busca o resgate do modelo de gestão de Cristo. Contudo, não dá para atribuir esse comportamento somente para a comunidade cristã de Corinto. A contraposição de modelo de gestão na convivência era predominante em todo o território romano, e é evidente que, em algumas regiões, devido a características peculiares, eram mais ou menos que outras. Por isso, Corinto, conforme as informações já vistas na primeira lição, era um local onde esses comportamentos eram mais acentuados do que em outros locais. Nas primeiras comunidades cristãs, isso também fica evidente ao ler as cartas do Novo Testamento, embora não seja um problema exclusivo. Em sua segunda viagem missionária, em Corinto, Paulo depara-se pela primeira vez em seu ministério pastoral com um confronto interno acentuado, pessoas insubmissas ou mesmo judeus atraídos por Jesus, porém sem a mesma liberdade em Cristo como o apóstolo. Paulo sabia que teria de tratar o assunto, pois se fazia necessário uma cultura de 41 tratamento adequado das diferenças de opinião sob a direção do Espírito Santo. 1.2.2 Formação de grupos rivais Como resultado das dissensões, a comunidade acaba por dividir-se em quatro facções (grupos de Paulo, Apolo, Pedro e Cristo). Cada uma delas seguiu o seu pregador e líder preferido. Paulo, Apolo e Cefas não queriam o poder pelo poder, mas lideravam visando a confirmação do Reino de Deus. Por exemplo, Apolo estava com Paulo em Éfeso na época da escrita da carta (16.12). Há líderes que buscam influência por ambição e até conquistam seguidores, mas não para Cristo. Por outro lado, existem líderes bem intencionados, mas alguns de seus seguidores podem buscar em sua liderança formas de obter controle sobre os liderados e até ocupar o lugar do seu líder. Parece que era isso que estava acontecendo: usavam o nome de Paulo, Apolo, Pedro e até de Cristo para formarem grupos rivais devido à ambição pelo poder e supremacia por suposto conhecimento privilegiado. Talvez estivessem influenciados pela cultura de veneração a heróis da mitologia grega e do culto a personalidades, que influenciam cristãos até os dias de hoje. Paulo não se aliou nem mesmo àqueles que se diziam seus seguidores exclusivos. Outro líder em seu lugar poderia ter até desejado saber se existia algum grupo de pessoas defendendo o seu apostolado e sua liderança. No entanto, diferentemente de muitos líderes de sua época e da época atual, o apóstolo não se deixou levar pela possibilidade de controle e de dominação. A formação de grupos rivais não interessava a Paulo, assim como não deve interessar a nenhuma pessoa que esteja interessada no crescimento do Reino de Deus. É evidente que existem pessoas que extrapolam a questão do bom senso e acabam com as possibilidades de harmonia entre os liderados, mas essa não era a situação de Paulo. O apóstolo, em momento algum, nem em Corinto 42 ou qualquer outra comunidade cristã fundada ou cuidada por ele, deu a entender ou trouxe qualquer ensinamento que priorizasse uma liderança em detrimento da outra, de um grupo em detrimento de outro. Paulo estava ciente de que esse comportamento de formação de grupos rivais estava prejudicando o bom andamento da igreja e dificultando a pregação do evangelho. Infelizmente, ao longo da história da igreja, esse comportamento foi reproduzido e continua até os dias atuais. Paulo não se esquivou de tratar o problema em nome do amor ao evangelho e ao Reino de Deus. Há problemas que são difíceis de tratar, mas não podem ser ignorados devido aos impactos que podem trazer para a igreja. 1.2.3 Os tipos de grupos rivais O apóstolo não comenta sobre as peculiaridades de cada grupo, mas que cada um identificava-se com um dos quatro dos principais líderes da comunidade. Pelo contexto, parece que se baseavam no líder que os havia batizado. O apóstolo não menciona se toda a comunidade estava envolvida em algum tipo de grupo rival, o que parece improvável. Possivelmente, a maioria estava envolvida, porém não podemoscrer que todos os membros da comunidade estavam “cadastrados” em um dos grupos e tomavam-no como a sua bandeira. Uma coisa é certa: todos os membros estavam envolvidos no resultado desastroso que esse procedimento causava. Em um grupo social, é normal um pequeno grupo mais incisivo e dinâmico acabar influenciando os demais, a ponto de, às vezes, muitas pessoas participarem de certos grupos e nem saberem o motivo. Infelizmente, isso não é diferente na igreja. Diante disso, é importante o cristão saber sempre em quê e com quem está se envolvendo e qual o verdadeiro objetivo de tal movimento e atitude. 43 Os partidários de cada um dos grupos guiavam-se pelo estilo de ministério e liderança do líder preferido ou escolhido. Com base nisso, é possível conjecturar as especificidades de cada grupo: a) grupo de Paulo – os primeiros cristãos, principalmente os gentios e os devotos do judaísmo convertidos ao cristianismo; b) grupo de Apolo – membros que se converteram e entusiasmaram-se com seu estilo eloquente; c) grupo de Pedro – judeus de origem legalista e farisaica; d) grupo de Cristo – aqueles que se achavam mais santos do que os outros, com base na justiça própria. A preferência ou identificação por alguém é natural. O perigo é quando essa relação torna-se motivo para achar-se superior e classificar as outras pessoas como inferiores, para a prática de exclusão e o afastamento daqueles que não têm a mesma preferência ou identificação. Quem não se familiariza ou se simpatiza mais com um líder do que com outro? Quem não gosta mais de ouvir um estilo de pregação do que outro? Todavia, isso não precisa virar um cabo de guerra. O cristão deve tratar e ouvir a todos com o mesmo respeito e de tudo tirar o que se tem de melhor. 1.3 As Divisões e seus Perigos (1.13-17) 1.3.1 O perigo de tentar abafar os méritos da Cruz de Cristo (1.13) Paulo, após falar sobre a formação dos grupos rivais, aponta para a possível causa das discórdias entre eles. Parece que estavam “idolatrando” o fato de serem batizados por determinada pessoa, valorizavam mais o ser humano que os havia batizado do que o próprio sacrifício de Cristo (Rm 14.9; 1 Co 7.23). Paulo é categórico: “Está Cristo dividido? Foi Paulo crucificado por vós? Ou fostes vós batizados em nome de Paulo?”. O questionamento do apóstolo é direto: “Está Cristo dividido?”. Como se dissesse que, para atender à nova realidade da igreja em Corinto, Deus precisaria recortar o Corpo de Cristo em pedacinhos para justificar cada um dos grupos formados dentro da igreja. Isso, 44 se Deus fosse sujeitar-se aos desejos pessoais, como se a pessoa fosse mais importante do que Ele, com poder para determinar como o próprio Criador deve gerir o Universo e o mundo espiritual. A abrangência do questionamento paulino não é percebido por alguns leitores da carta. Uma pessoa que tem o seu corpo dividido não sobrevive; na realidade, é um estado de quem está morto. Evidente que toda analogia e figura que se utiliza de forma comparativa têm suas limitações, principalmente quando se compara o mundo material com o imaterial, o humano com o espiritual. Todavia, seguindo a metáfora do corpo utilizado por Paulo, comparando o Corpo de Cristo com a igreja, ele está dizendo que, se os coríntios tratassem a igreja como um corpo dividido, ela não subsistiria diante dos desafios daquela sociedade. O sacrifício de Cristo é o único eficaz para a justificação da humanidade. É o único e perfeito sacrifício aceito por Deus para remissão dos pecados. Essa era a causa do batismo de todo cristão. Eles estavam sendo batizados em memória do sacrifício de Cristo, sua morte e ressurreição, simbolizando a morte de “velho homem” e a ressurreição como “nova criatura”. Paulo mais uma vez é direto e incisivo. É como se ele questionasse: “Vocês estão pensando que eu, Apolo e Cefas fomos crucificados e oferecemos um sacrifício perfeito como o de Cristo para a vossa justificação? Vocês foram batizados em nosso nome ou em nome de Cristo?”. Na realidade, eles estavam tentando abafar os méritos da morte de Cristo na cruz com a “adoração” de seu “líder preferido”, e Paulo revela esse absurdo! Nos dias atuais, esse fato que aconteceu em Corinto tem-se repetido, algumas vezes por presunção e por orgulho de alguns líderes; outras vezes são promovidos por seguidores fanáticos. Juntam-se a esses os seguidores, dentre eles pessoas em busca real e sincera de Deus, e outros em busca de satisfação própria. Esses líderes ou falsos seguidores de Cristo subestimam o sacrifício 45 de Jesus, o único que morreu na cruz e tem o poder para restaurar o ser humano com Deus. 1.3.2 O perigo de ser um narcisista pós-moderno (1.14-16) Paulo faz um agradecimento que causa espanto e pode ser mal interpretado. Ele dá graças a Deus por ter batizado apenas algumas pessoas da comunidade: Crispo, ex-chefe de sinagoga (At 18.8), Gaio e a casa de Estéfanas. Ele descreve o motivo (v. 15) para que ninguém se vangloriasse por ter sido batizado por ele. Pode-se ter a impressão de que o apóstolo estava revoltado e ofendendo os seus leitores; todavia, na realidade, ele está mais uma vez sendo direto e claro. Diante do comportamento dos coríntios, de ficarem idolatrando os líderes que os batizaram, como se o batismo fosse diferente ou mudasse o status diante de Deus e das pessoas, dependendo de quem o realizasse, Paulo afirma que não gostaria de ter seu nome relacionado a tal comportamento. Se ele tivesse batizado várias pessoas, estas também poderiam estar usando o seu nome para vangloriar-se disso. A atitude de Paulo dá a entender que as pessoas batizadas por ele, que são mencionadas, entenderam o verdadeiro significado do batismo e glorificavam a Deus pelo resultado que era simbolizado pelo batismo, a justificação por meio do sacrifício de Cristo. O apóstolo não tinha a preocupação de manter o controle sobre as pessoas que se convertiam por intermédio dele para benefício próprio. A era atual, denominada como pós-moderna, tem como característica ter uma sociedade narcisista, que busca de forma desenfreada a satisfação dos próprios desejos e considera os outros meros objetos e meios de alcançar fins egoístas. Paulo seguia o modelo de Cristo, que amava as pessoas e usava os objetos. Ele não buscava ser “adorado” pelas pessoas, mas centralizava tudo em Cristo. 1.3.3 O perigo de pregar o evangelho por ostentação (v. 17) A sociedade de Corinto, influenciada pela cultura helenista (grega), valorizava em excesso o valor do conhecimento como forma de 46 ostentação. Uma das principais preocupações do apóstolo nesta carta, como em outras do mesmo período dirigidas ao ambiente fortemente influenciado pela cultura helênica, era o entusiasmo pelo “sedutor fascínio da retórica sofista, com sua programação de autopromoção, sua promessa de reconhecimento público e seu talento para produzir as facções” (FISK, 2018, p. 345). Essa busca pelo conhecimento que provesse forma de ostentação não era somente uma característica dos oponentes do apóstolo, mas também uma cultura que prevalecia no ambiente grego. A carta de Paulo evidencia que esse sentimento ainda estava presente entre membros da igreja. Paulo não confiava na “sabedoria de palavras”, mas na pregação do evangelho que havia transformado sua vida e era a força transformadora que movia a comunidade cristã. Fisk (2018, p. 345) afirma que o grande desafio de Paulo era “se manter firme contra os oradores profissionais e debatedores de improviso sem trair as fraquezas da mensagem que ele fora chamado a proclamar, e sem ceder sob a pressão diária que ele sentia em relação a todas as igrejas (2 Co 11.28)”. Paulo era conhecedor das técnicas de oratória, mas tinha uma característica mais reservada, diferentemente de Apolo, como veremos em capítulos posteriores. Essa característica de Paulo era explorada pelos seus opositores, desprezando seu estilo por não ser empolgante diante dos critérios gregos. O objetivo do apóstolo Paulo era passar a mensagem de uma forma simples, em especial no ambienteinterno da igreja, que era formada, na sua maioria, por pessoas simples. Ele não poderia falar para uma minoria de intelectuais da igreja e deixar os demais ouvindo sem entender o que se estava falando, como era o costume secular. Ele não tinha como ocupação principal buscar a aprovação de seu estilo e a busca de autopromoção. 47 As cartas paulinas e os relatos do livro de Atos apresentam um Paulo com objetivo bem definido quanto à simplicidade da pregação do evangelho. Ao contrário, é comum no meio evangélico ouvir pregadores confiando em sua capacidade: “Eu preguei em tal lugar, e tantos foram convertidos, e tantos foram batizados no Espírito Santo, [...]”. Pregadores que mudam o tom de voz, diferente de seu natural, para imitar pregadores de projeção nacional e internacional. Utilizam de técnicas de oratória não apropriadas para um púlpito de igreja, sempre com vistas à sua projeção pessoal de autoperformance. Pregadores com esse comportamento, em sua maioria, não possuem um preparo teológico adequado, não respeitam o texto bíblico e tentam utilizá-lo de acordo com seus objetivos e metas pessoais. Se for para fazer assim, melhor é ficar sentado e ouvir quem realmente tem experiência com Cristo e compromisso com a Palavra de Deus. De outra forma, o prejuízo será para a própria pessoa, as pessoas à sua volta e seus ouvintes desatentos para a intenção do preletor. A pregação do evangelho não é para projetar pregadores e nem para benefício próprio, mas para aplicação da eficácia da cruz de Cristo. O beneficiado deve ser aquele que nEle crê, pois o evangelho “é o poder de Deus para salvação de todo aquele que crê” (Rm 1.16). Capítulo 4 A Sabedoria Divina A mensagem da cruz é loucura para a sabedoria humana, mas é a manifestação do poder e sabedoria de Deus para salvação de todo aquele que crê na mensagem da cruz de Cristo. Texto bíblico em 1 Coríntios 1.18-31: 48 Porque a palavra da cruz é loucura para os que perecem; mas para nós, que somos salvos, é o poder de Deus. Porque está escrito: Destruirei a sabedoria dos sábios e aniquilarei a inteligência dos inteligentes. Onde está o sábio? Onde está o escriba? Onde está o inquiridor deste século? Porventura, não tornou Deus louca a sabedoria deste mundo? Visto como, na sabedoria de Deus, o mundo não conheceu a Deus pela sua sabedoria, aprouve a Deus salvar os crentes pela loucura da pregação. Porque os judeus pedem sinal, e os gregos buscam sabedoria; mas nós pregamos a Cristo crucificado, que é escândalo para os judeus e loucura para os gregos. Mas, para os que são chamados, tanto judeus como gregos, lhes pregamos a Cristo, poder de Deus e sabedoria de Deus. Porque a loucura de Deus é mais sábia do que os homens; e a fraqueza de Deus é mais forte do que os homens. Porque vede, irmãos, a vossa vocação, que não são muitos os sábios segundo a carne, nem muitos os poderosos, nem muitos os nobres que são chamados. Mas Deus escolheu as coisas loucas deste mundo para confundir as sábias; e Deus escolheu as coisas fracas deste mundo para confundir as fortes. E Deus escolheu as coisas vis deste mundo, e as desprezíveis, e as que não são para aniquilar as que são; para que nenhuma carne se glorie perante ele. Mas vós sois dele, em Jesus Cristo, o qual para nós foi feito por Deus sabedoria, e justiça, e santificação, e redenção; para que, como está escrito: Aquele que se gloria, glorie-se no Senhor. O modo de pensar e o modelo de vida do mundo são contrários ao pensamento divino. A mensagem da cruz é tida como um paradoxo para o pensamento e paradigma secular. Paulo adverte aos coríntios que se vangloriavam da história sapiencial grega que a sabedoria de Deus está em revelar-se somente por meio da cruz de Cristo, sem méritos humanos. 1.1 O Modo de Pensar de Deus não É como o do Mundo (v. 18,19). 1.1.1 A cruz de Cristo é loucura, uma pedra de tropeço para o mundo (1.18a) 49 Paulo utiliza a expressão “palavra da cruz”, que é rica em significados. Para entender-se essa expressão, é necessário conhecer a principal mensagem do Cristianismo, que aponta para um acontecimento histórico inesquecível e com um significado profundamente teológico. A cruz mencionada não era uma cruz comum, mas, sim, a cruz que recebeu o Filho de Deus para ser morto injustamente, porém dentro do planejamento de Deus para a salvação da humanidade — algo incompreensível pela sabedoria humana natural. Os gregos, os romanos e os judeus não conseguiam compreender a revelação da vitória de Cristo na cruz. Assim, a mensagem da justiça de Deus por meio da cruz de Cristo tornou-se para eles pedra de tropeço (Is 8.14; 1 Pe 2.7,8). Para os gregos, o herói era sempre o vencedor triunfante. Os romanos reservavam a morte de cruz para os subversivos, seus inimigos políticos, pessoas que eram consideradas um perigo para a manutenção do imperialismo romano. Para os judeus, a morte de cruz era uma maldição (Dt 21.23). Na cultura judaica, não se esperava um Messias que sofresse e morresse, muito menos um condenado à morte pelo supremo tribunal judaico. O legalismo havia cegado os judeus de tal forma que a mensagem da cruz parecia loucura, e a doutrina da justificação pela fé, uma blasfêmia. Para eles, a morte de Jesus na cruz era humilhante, amaldiçoada e repugnante (1 Co 1.23; Gl 5.11). As pessoas de cada uma das origens (gregos, romanos e judeus) tinham suas razões racionais para desacreditar da mensagem da cruz. Muitas vezes, quando nos relacionamos com uma pessoa de outra origem, não nos colocamos em seu lugar. Assim, corremos o risco de julgá-la, analisando a sua vida com base no mundo em que fomos criados. Por exemplo, quando analisamos a atitude de uma pessoa de origem muçulmana, se não buscarmos entender qual a sua visão de mundo, como as pessoas dentro da mesma cultura são criadas e ensinadas, corremos um risco de fazer uma péssima avaliação e julgamento. As pessoas que moravam na cidade de 50 Corinto tinham um imaginário formado a respeito da cruz, algo considerado desprezível, humilhante e vergonhoso. Isso lhes foi imposto pela cultura. De repente, é anunciada uma mensagem de salvação do Deus Criador para a humanidade que tem como símbolo a cruz; isso era inconcebível. Em função disso, faz-se necessário a abertura para a ação interpretativa do Espírito Santo para “entender” a mente de Deus e, assim, receber a iluminação do Espírito para que se possa ver a salvação por meio da cruz de Cristo. Isso não é possível por meio da sabedoria racional humana, mas somente pela sabedoria de Deus. Para entender as coisas espirituais, somente por meio de instrumentos espirituais. 1.1.2 A cruz de Cristo é poder de Deus, pedra angular para os salvos (1.18b) Rejeitar a mensagem traz uma desgraça irrevogável para o ser humano que se mantém nessa posição (2 Co 2.14-17; 4.3-5; 2 Ts 2.10). Para o Cristianismo, essa é a única forma de alcançar a sabedoria divina. A mensagem da cruz de Cristo apresenta um Deus que se faz fraco, impotente e vergonha para quem não conhece experiencialmente o evangelho. Por que um Deus se rebaixaria a tal ponto para comunicar-se com o ser humano? A tendência humana não é de buscar pelo anonimato e insignificância diante da avaliação dos critérios da sociedade greco-romana, como também não é na atual. A obra de Cristo satisfaz a necessidade da justiça de Deus pelo pecado da humanidade, pois anulou a sentença de morte. Assim, conquistou o direito da justiça perfeita que é atribuída a todo o que crê e aceita o sacrifício vicário de Jesus. A justiça de Cristo conquistada por meio de sua morte é imputada gratuitamente ao pecador que crê. Portanto, a única base da justificação é a justiça imputada de Cristo e não é inerente do ser humano. O fato de a justiça de Cristo ser a base da justificação acentua amplamente a graça de Deus. A graça tem como centro a cruz de Cristo, na qual tudo se converge, e os justificados são perfeitamente reconciliados. 51 A cruz de Cristo é loucura para o mundo e poder de Deus para os salvos. 1.1.3 A sabedoria de Deus prevalecerásobre a sabedoria do mundo (1.19) Paulo cita Isaías 29.14, mas faz opção pelo texto da Septuaginta, que é a versão grega do Antigo Testamento e preferida dos gentios e dos judeus da diáspora devido à facilidade da linguagem que lhes era comum. A tradução do texto hebraico é um pouco diferente: “A sabedoria dos sábios perecerá e a inteligência dos inteligentes desaparecerá”. Fica evidente a ação destruidora como algo natural de causa e efeito. Todavia, o que chama a atenção é o contexto do escrito do profeta, que Paulo faz uma aplicação para o caso de sua época com os coríntios. O texto de Isaías trata de um momento específico do povo de Israel, acusado de honrar a Deus apenas com os lábios, mas não com o coração (Is 29.13; Mt 15.8,9). Ele está falando a um grupo que se intitulava como povo de Deus e sábios, mas que o culto oferecido ao Senhor era de um coração distanciado do serviço a Deus e ao próximo. Os judeus da comunidade devem ter-se sentido mais atingidos com a mensagem, porém Paulo estava usando o exemplo da escritura judaica para demonstrar que mesmo pessoas que se dizem religiosas podem não estar baseadas na sabedoria de Deus. Paulo, em Romanos 1.21, usa a expressão “tendo conhecido a Deus, não o glorificaram como Deus”. Trata-se de uma pessoa que reconhece a existência de Deus por meio do conhecimento natural, mas não o reconhece como Deus. Uma coisa é reconhecer a existência, outra é submeter-se e glorificar a Deus. Alguém não religioso pode reconhecer racionalmente a existência de um ser supremo que criou todas as coisas, mas não em um Deus pessoal que se comunica com as criaturas que criou. Por isso, prefere viver como se Ele não existisse, uma vez que, nesse pensamento e usando uma linguagem popular, “Deus não se importa com o ser humano”, muito menos com os critérios éticos e morais que usa para viver sua vida. Nos dias atuais, para uma grande parte da 52 sociedade, é um retrocesso dizer que se acredita em Deus, e decadência maior é apresentar-se como servo de Deus, obediente às regras de fé e conduta estabelecidas na Bíblia. Esse é outro grupo de pessoas, que são totalmente céticas. Tanto o primeiro caso (crer na existência, porém ignorar Deus) quanto o segundo (não acreditar e ignorar a crença) são classificados como uma sabedoria que se extinguirá, sem efeito em termos de salvação. Por esse motivo, a sabedoria de Deus que provém salvação prevalecerá sobre a sabedoria do mundo, pois os seus efeitos salvíficos são eternos. Algumas pessoas, mesmo sabendo da existência de Deus e afirmando-se religiosas, têm como motivação seu interesse pessoal, priorizando a busca do poder, do prazer e da zona de conforto, mesmo que, para conquistá-los, precise praticar a injustiça. Essa prática é denominada por algumas pessoas como “ser esperto”. Como diz o apóstolo: “dizendo-se sábios, tornaram-se loucos” (Rm 1.22), uma vez que agir dessa forma é loucura para Deus. Por isso, há a necessidade de reconhecermos a glória de Deus, de sermos gratos por tudo o que Ele tem proporcionado e de em tudo glorificarmos o seu santo nome. Um dia, Deus destruirá “a sabedoria dos sábios” e “a inteligência dos inteligentes”, mas os salvos permanecerão para sempre. 1.2 Deus Oferece-nos a Vida Eterna e a Verdadeira Sabedoria (20- 25) 1.2.1 A vida eterna e a verdadeira sabedoria não podem ser obtidas por intermédio da intelectualidade ou do legalismo religioso Como visto na seção anterior, a sabedoria de Deus prevalecerá sobre a sabedoria humana. Essa é uma verdade eterna porque a vida eterna e a verdadeira sabedoria não podem ser obtidas por intermédio da intelectualidade ou do legalismo religioso. Deus, ao criar o ser humano, não tinha nenhum compromisso ou necessidade 53 de conceder a vida eterna. Em um pensamento humano e racional, Deus poderia criar o ser humano e as demais vidas e matérias do mundo por um tempo determinado, destruir sua criação e trazer à vida uma nova forma de criatura. Todavia, Deus não fez assim. Ele criou todas as coisas, inclusive o ser humano, para participar de um projeto pessoal de relacionamento eterno com sua criação. Contudo, Deus proveu um meio para revelar-se à sua criatura, uma revelação progressiva por meio de sua Palavra e outro direto e pessoal por meio de sua encarnação, “a expressa imagem da sua pessoa”, Jesus Cristo (Hb 1.1-3). O conhecimento experiencial de Deus não se alcança por meio de sabedoria humana e nem pelo legalismo religioso. Paulo, em Romanos 7.24, apresenta uma imagem antropológica do homem sem Deus: “miserável homem que eu sou! Quem me livrará do corpo desta morte?”. Nessa condição, está tanto o sábio grego como o escriba ou mestre do judaísmo (1.20) que não se rendeu aos pés de Cristo. Paulo afirma que esse ser humano “não conheceu a Deus pela sua sabedoria” (v. 21). Ele prefere adorar “a criatura em lugar do Criador” (Rm 1.25). A sabedoria de Deus não apela para a sofisticação intelectual nem para o entusiasmo espiritual, mas para a cruz de Cristo (1 Co 1.17-25,30; 2.6-8), para o compartilhar dos sofrimentos de Jesus e o testemunho de vida (Rm 8.17; 2 Co 1.5; 4.10; Cl 1.24; Fl 3.10ss). O ser humano, sobretudo o judeu piedoso, acredita que pode construir sua própria justiça pelo cumprimento da Lei (Rm 9.31; 10.3; Fl 3.9). Paulo esclarece que nenhum ser humano será justificado pelas obras da Lei (Fl 3.6-21; Rm 3.20–4). A vida é temporária e limitada (1 Co 5.10; 7.31), e, ao final dela, o juízo de Deus virá. Paulo destaca que, no juízo de Deus, não será requerido obras realizadas pelo ser humano, mas pelos “frutos de justiça, que são por Jesus Cristo, para glória e louvor de Deus” (Fl 1.11). Da mesma forma que Paulo fala da desgraça do homem natural sem Deus, ele também fala que o mistério que estava oculto é revelado para a salvação em Cristo (Cl 1.26; Rm 3.26; 5.9,11; 7.6; 1 Co 54 15.20; 2 Co 6.2; Cl 1.22). A loucura da pregação salva os que creem (1 Co 1.21). 1.2.2 A verdadeira sabedoria não se revela por determinação humana Um grande equívoco do ser humano é achar que pode determinar como Deus deve agir e o que Ele deve fazer. O ser humano às vezes chega ao cúmulo de achar que está no mesmo patamar de Deus, tendo o pensamento de que tudo foi criado em razão de seu próprio ser e tudo deve convergir para sua satisfação pessoal e autopromoção. Ele sente-se na condição de ter o poder de prever o que Deus está pensando e vai além, achando que pode mudar o que Deus pensa em fazer para que seja feito do seu jeito e conforme sua vontade pessoal. Esse tipo de pessoa, quando na igreja, entende que a Bíblia foi escrita para que ele faça uma eisegese (colocar dentro do texto a sua opinião própria), em vez de uma exegese (extrair do texto o que ele quer e tem a dizer), para que o texto seja aplicado em seu benefício. Pessoas com esse pensamento, quando usam os púlpitos para pregar, utilizam aqueles chavões: “Deus, eu determino!”; “Deus, eu exijo!”; “Se eu sou um HOMEM de Deus, que...!”, entre outros que se ouvem em alguns púlpitos nos dias atuais, mas principalmente em alguns programas televisivos e radiofônicos. Os judeus pediam sinais para evidenciar o poder de Deus, como se pudessem colocá-lo dentro de seus limites. Alguns personagens bíblicos pediram sinais para Deus e não foram reprovados: Ezequias (2 Rs 19.29; 20.8), Gideão (Jz 6.37,39). Por outro lado, Acaz foi reprovado por recusar o sinal a ele oferecido (Is 7.12). Parece uma contradição de Paulo, mas, na realidade, o que estava sendo reprovado era a motivação. Vários judeus presenciaram os sinais de Jesus, mas não creram por causa da maldade no coração (buscavam motivos para confrontá-lo). Existem muitas pessoas semelhantes em nossas igrejas. 55 O versículo 23 deixa claro que a preocupação principal da pregação paulina era Jesus Cristo crucificado e ressurreto como único meio de justificação do pecador por parte de Deus em virtude da fé. Quem não dá ouvido a essa mensagem não recebe outras formas humanas de mediação. Paulo tinha experiência, como judeu, da rejeição da mensagemda cruz de Cristo, porque também era um escândalo para ele. Como cidadão formado também na cultura grega, ele não via em Jesus nenhum atrativo para segui-lo. Isso o levou a uma resistência violenta; já como cristão, ele reconhece a graça de Deus sobre sua vida por Deus revelar o seu Filho (Gl 1.15ss). Alguns gregos com tendências gnósticas (pré-gnosticismo) criam que já haviam alcançado o conhecimento necessário, por isso eram vaidosos e desconsideravam os outros, como os gregos de Filipos (Fl 3.17-19). Eles faziam descaso do ensino de Paulo, considerando-o ingênuo tanto no conteúdo quanto na maneira de passar o conteúdo (1 Co 4.6,8,10,18). Dessa forma, eles não davam abertura para iluminação do Espírito Santo por meio da Palavra. Mesmo assim, Paulo não deixava de pregar o evangelho, que é “poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê” (Rm 1.16) para que alguns dos ouvintes pudessem voluntariamente crer (10.14-17). 1.2.3 Cristo, a verdadeira sabedoria que garante a vida eterna (1.24,25) Para Paulo, por mais sabedoria intelectual que o ser humano tenha, não tem como comparar com a sabedoria em conhecer a Cristo. Ele tinha experiência pessoal com a comparação da sabedoria conforme o mundo e a sabedoria de Deus. A sua bibliografia demonstra como todo o tempo em que se dedicou à sabedoria secular e ao conhecimento religioso, com base no conhecimento humano, foi por ele considerado como nada, diante da experiência que passou a ter com Jesus a partir de Damasco. Com isso, Paulo 56 não queria dizer que o conhecimento adquirido anteriormente não tinha valor. O que ele afirma é que não teria valor nenhum se continuasse desconsiderando o conhecimento da cruz de Cristo. Quando Paulo aceitou a Cristo como o seu Senhor e Salvador, o apóstolo encontrou nEle a resposta perfeita para todos os seus anseios. O apóstolo descobriu em Cristo o poder de Deus que, como judeu, buscava e não encontrava no judaísmo e no conhecimento adquirido até então. Após seu conhecimento experiencial de Jesus, Paulo pôde perceber Deus nas coisas simples, nas pessoas até então desprezíveis para ele, como os cristãos que perseguia e considerava um povo abominável. Paulo identifica claramente Cristo como a sabedoria de Deus: “Cristo, poder de Deus e sabedoria de Deus” (v. 24) e “Cristo, o qual para nós foi feito por Deus sabedoria”. Ele faz isso dentro de um contexto de oposição entre a sabedoria humana e a sabedoria divina (1.17- 31), ou seja, a sabedoria humana contrapõe ao próprio Cristo. Logo, o ser humano pela forma natural não consegue entender o projeto de Deus para a salvação da humanidade por meio de Cristo. Isso é um absurdo para o ser humano natural. Cristo é a revelação plena da sabedoria divina, e a cruz é a concretização mais completa para a vida eterna com Deus. Paulo afirma que Jesus foi feito em espírito vivificante e que garante a ressurreição dos salvos (1 Co 15.45-58). Assim, o mistério da Sabedoria divina preexistente (1 Co 8.6) é revelado em Cristo e em sua cruz e está disponível a todo o que crê para a vida eterna. Aqueles que encontram na cruz de Cristo a solução para seus pecados e identificam-se com Ele na sua morte participarão de sua ressurreição. O que para o ser humano é fraco e sem vida, para Deus é o que proporciona a vida eterna. O evangelho que para o mundo é loucura, na realidade, é mais sábio do que a sabedoria de homens; por mais fraco que seja considerado, é mais forte do que toda a força dos seres humanos juntos. 57 1.3 A Verdadeira Sabedoria está em Conhecer a Cristo Crucificado (26-31). 1.3.1 Na cruz de Cristo, o orgulho humano é derrotado (1.26,27) Quando Paulo cita o mundo, ele refere-se ao sistema organizado de valores sociais que não reconhecia a Deus, com costumes e práticas que a igreja confrontava (1 Co 5–6, 8–11); por isso, o destaque dado ao pecado do orgulho e do mau uso do poder na carta. No entanto, na cruz de Cristo, Deus destruiu a sabedoria dos sábios e aniquilou a inteligência dos entendidos (1 Co 1.19). Quando cita os sábios deste mundo, ele refere-se, na sua maioria, aos filósofos gregos, que eram fascinados pela retórica sofista, profissionais que viviam da transmissão do conhecimento sofista e que usurpavam seus discípulos; quando cita os poderosos, ele refere-se às pessoas influentes e com poder político; quando cita os nobres, incluía toda a alta classe formada por aristocratas. Porém, a maioria dos cidadãos de Corinto e dos membros da igreja tinha suas origens nas classes baixas. Dessa forma, é possível deduzir que os causadores das dissensões e principais problemas da comunidade eram pessoas consideradas “mais importantes” segundo o conceito da cultura em Corinto. A arrogância predominava na cultura dos coríntios. Eles acreditavam que eram melhores do que os estrangeiros. Paulo desafia-os a examinar a comunidade cristã para perceberem que a sua maioria não era composta de pessoas da alta classe, mas dos humildes do mundo. Paulo desafiou o orgulho que era a causa de divisões dentre os membros da igreja ao comparar o homem com Deus (1 Co 1.20-25) e, depois, ao comparar a igreja com o mundo ao seu redor (1 Co 1.26-31). Os argumentos paulinos revelam a grandeza da sabedoria de Deus, o Criador de todas as coisas, que havia salvado os desprezíveis do mundo que vieram de bom grado 58 até Ele, para que ninguém tivesse em que se apoiar para vangloriar- se. Jesus afirmou: “E a vida eterna é esta: que conheçam a ti só por único Deus verdadeiro e a Jesus Cristo” (Jo 17.3). Essa afirmação é um grande obstáculo para a sabedoria humana, pois, para conhecer a Deus, será preciso dar crédito a essa mensagem (1 Co 1.21). Desse modo, Paulo afirma que sua pregação não consistiu em sabedoria de palavras (1 Co 1.17), pois o poder está no conteúdo da mensagem — o que foi uma afronta aos gregos, que eram grandes apreciadores da arte da oratória. Paulo afirma que a maioria das pessoas que havia recebido a iluminação e dado crédito à mensagem da cruz de Cristo não era considerada sábia, poderosa ou nobre. O plano de salvação de Deus é perfeito e não se conforma às prioridades do mundo (Rm 12.2), que considera a verdade da cruz uma loucura. A salvação eterna é mais valiosa do que toda fama, toda riqueza e todo sucesso que o mundo oferece, pois são bens temporários e terão seu fim. Na cruz de Cristo, Deus inverte os valores da força em fraqueza, chama fraco o que o mundo considera forte e chama forte o que o mundo considera fraco (1 Co 1.23,27; Êx 4.10; 1 Sm 16.12; 1 Rs 17.9,12). 1.3.2 O salvo alcança a sabedoria de Deus na Cruz de Cristo (1.28,29) Confiar em si somente em consonância com o mundo que se opõe a Deus é vangloriar-se diante de Deus (v. 29). Aquele que é dominado pelos poderes influentes do mundo e que vive sob o domínio do pecado tem por traço característico o “glorificar-se”. Em contraste, Paulo afirma que Deus escolheu as coisas “vis” e “desprezíveis”, o que humanamente não tem valor, pois Ele não olha para a aparência. Ao usar esses dois termos (vis e desprezíveis) para referir-se à maioria da população que era da classe de escravos, Paulo prende a atenção da maior parte de seus leitores em Corinto. 59 Sem dúvida, muitos cristãos coríntios eram pessoas que não tinham valor aos olhos do mundo, pessoas consideradas apenas como objeto ou instrumento de trabalho e servidão, mas estas acharam graça aos olhos de Deus. Aquele que tem a experiência da cruz aprende a ser humilde a exemplo de Jesus em seu ministério e testemunho de vida, mesmo que seja uma pessoa culta, que tenha posses e de influência na sociedade. No livro de Provérbios, a sabedoria é vista como um antídoto contra o orgulho e algo que deve ser buscado com todo o ânimo (16.16,17). Quem a encontra sempre agirá com humildade (Pv 11.2). O orgulhoso é desprovido de lucidez e bom senso, pois está pronto a fazer o mal se os seus interesses forem colocados em risco (Pv 6.17,18). Quando confrontado, não tem autocontrole, pois é inseguro, inflexível, assim como os destinatários da carta dePaulo. A pessoa orgulhosa busca o poder para proteger-se da sua insegurança; além disso, é desprovida de sabedoria e leva uma vida de prepotência e arrogância. Desse modo, ela vê as pessoas como objetos, e não como criaturas de Deus e nem como seu próximo. As pessoas nessa situação tendem a lutar constantemente para manter o seu status quo. Por isso, tratam as pessoas subordinadas ou em condições de dependência como se nunca fossem precisar delas. Essas pessoas investem nos relacionamentos com pessoas em condições financeiras e de poder semelhantes com vistas em trocas de favores e interesses. Elas vivem uma vida de insegurança constante, sempre com medo de perder o poder; consequentemente, não dormem enquanto não maquinarem o que fazer para manterem-se no controle (Pv 4.16; Sl 36.4; Is 57.20; Mq 2.1). Trata-se de uma vida sem paz e tranquilidade, uma constante insegurança pelo sentimento de culpa e medo. Em geral, o altivo usa as pessoas como se fossem objetos em seu benefício e para a manutenção do poder (Pv 16.19). No entanto, o temor do Senhor é apontado como o princípio da sabedoria (Pv 1.7). 60 Quem teme ao Senhor é humilde, e o seu trabalho é realizado para a glória de Deus e para o bem do próximo. O poeta recomenda uma vida simples e humilde. Melhor a pobreza que pode ser fruto de contexto sócio-histórico (Pv 28.6), porém construída por meio da integridade e justiça (Pv 28.11). A experiência de vida demonstra que as pessoas que alcançam a excelência na vida são aquelas que conseguem extrair o melhor das coisas simples (Pv 23.5). Já os soberbos que pensam desfrutar o melhor da vida terminam em uma vida que não valeu a pena ser vivida, ou seja, em ruínas. 1.3.3 A glória de Deus é revelada na cruz de Cristo (1.30,31) Nos versículos anteriores, as possibilidades humanas de alcançar a verdadeira sabedoria foram reduzidas; agora, o apóstolo exalta as absolutas possibilidades de Deus. Paulo começa com uma afirmação reconfortante para aqueles que estavam amparados na cruz de Cristo. Ele assegura que estes são dEle por meio da graça e misericórdia divina. Essas pessoas estavam enxertadas em Cristo, que é feito junto aos que creem, sabedoria pré-existente de Deus. Outrora eram orgulhosos, tolos, ignorantes e estavam debaixo da ira e maldição de Deus por causa do pecado, agora justificados por meio do sacrifício de Cristo, separados (santificação) para Deus mediante a redenção do crucificado. O salvo sabe que está protegido mediante a cruz e ressurreição de Cristo, mas também deve estar sensibilizado que sua salvação tem validade enquanto viver nessa fé (Gl 5.4). Paulo deixa claro que a glória não estava nos falsos mestres que usavam de partidarismo e divisões com intenções egoístas. A glória da Igreja está na cruz de Cristo, que conduz para a vida eterna com Deus. O profeta Jeremias já afirmava: Assim diz o Senhor: Não se glorie o sábio na sua sabedoria, nem se glorie o forte na sua força; não se glorie o rico nas suas riquezas. Mas o que se gloriar, glorie-se nisto: em me entender e me 61 conhecer, que eu sou o Senhor, que faço beneficência, juízo e justiça na terra; porque destas coisas me agrado, diz o Senhor (9.23,24, ACF). Paulo, em outras palavras, está dizendo: “membros da comunidade de Corinto, em vez de gloriarem-se em seus líderes preferidos que os batizaram, gloriem-se no Senhor, pois dEle vem a nossa salvação e a nossa garantia de vida eterna.” Capítulo 5 O Caráter da Pregação de Paulo O poder da pregação não está no conhecimento secular ou no desempenho da oratória, mas na fidelidade à mensagem do evangelho, sabedoria de Deus. Texto bíblico em 1 Coríntios 2.1-16: E eu, irmãos, quando fui ter convosco, anunciando-vos o testemunho de Deus, não fui com sublimidade de palavras ou de sabedoria. Porque nada me propus saber entre vós, senão a Jesus Cristo e este crucificado. E eu estive convosco em fraqueza, e em temor, e em grande tremor. A minha palavra e a minha pregação não consistiram em palavras persuasivas de sabedoria humana, mas em demonstração do Espírito e de poder, para que a vossa fé não se apoiasse em sabedoria dos homens, mas no poder de Deus. Todavia, falamos sabedoria entre os perfeitos; não, porém, a sabedoria deste mundo, nem dos príncipes deste mundo, que se aniquilam; mas falamos a sabedoria de Deus, oculta em mistério, a qual Deus ordenou antes dos séculos para nossa glória; a qual nenhum dos príncipes deste mundo conheceu; porque, se a conhecessem, nunca crucificariam ao Senhor da glória. Mas, como está escrito: As coisas que o olho não viu, e o ouvido não ouviu, e não subiram ao coração do homem são as que Deus preparou para os que o amam. 62 Mas Deus no-las revelou pelo seu Espírito; porque o Espírito penetra todas as coisas, ainda as profundezas de Deus. Porque qual dos homens sabe as coisas do homem, senão o espírito do homem, que nele está? Assim também ninguém sabe as coisas de Deus, senão o Espírito de Deus. Mas nós não recebemos o espírito do mundo, mas o Espírito que provém de Deus, para que pudéssemos conhecer o que nos é dado gratuitamente por Deus. As quais também falamos, não com palavras de sabedoria humana, mas com as que o Espírito Santo ensina, comparando as coisas espirituais com as espirituais. Ora, o homem natural não compreende as coisas do Espírito de Deus, porque lhe parecem loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente. Mas o que é espiritual discerne bem tudo, e ele de ninguém é discernido. Porque quem conheceu a mente do Senhor, para que possa instruí-lo? Mas nós temos a mente de Cristo. Neste capítulo, iremos conhecer a educação secular e religiosa do apóstolo Paulo. Ele foi um estudante dedicado e um ministro compromissado com a mensagem do evangelho. Ainda que caluniado e ofendido pelos “sábios” da comunidade de Corinto, ele não usou sua capacidade humana para defender-se ou se vangloriar, mas ocupou-se em apresentar a mensagem simples da cruz de Cristo. 1.1 Paulo Era Capacitado e Tinha Chamado de Deus 1.1.1 A origem e a visão globalizada de Paulo Paulo era um cidadão do mundo greco-romano. Ele tinha uma boa origem e uma boa formação (NEVES, 2019, pp. 48-57). A defesa mais comum é de que Paulo nasceu em Tarso, cidade próxima à Costa Mediterrânea, que, em 67 a.C., foi anexada à recém-criada província da Cilícia, vindo a tornar- se a sua capital administrativa (At 9.11,30; 11.25; 15.23,41, 22.3; Gl 1.21). Tarso era um dos eixos do comércio internacional que ligava o mundo semita, o planalto Anatólio e as poleis gregas viradas para o Egito e Europa. Essa posição estratégica transformou a cidade em um dos grandes centros culturais do Oriente helenizado. Paulo provavelmente passa nessa cidade o período da infância e da 63 adolescência, onde teve contato com a educação helênica e estudou retórica (2 Co 10.10). Alguns estudiosos defendem que Paulo não nasceu em Tarso, mas chegou ali na sua infância. Afirmam que ele tenha nascido em Giscalis, norte da Galileia, terra natal do famoso João de Giscala, líder da grande guerra judaica do século XIV, local de onde seus pais foram expulsos quando o exército romano devastou a província da Judeia, desencadeando uma diáspora de judeus (MURPHY- O’CONNOR, 2008, pp. 27-33; DEISSMANN, 1926, 90). É possível que Paulo tenha sido concebido na cidade de Giscalis, e, com a expulsão pelos romanos, seus pais fogem para Tarso, onde ele nasceu na primeira década do século I d. C. Paulo, portanto, era um pouco mais novo do que Jesus, porém a diferença de idade não era muito significativa. Mesmo sendo contemporâneo de Jesus e, provavelmente, tendo estado em Jerusalém durante o ministério dEle, é pouco provável que tenham se encontrado. Murphy-O’Connor (2008, p. 70) defende que o costume dos fariseus em fase de formação concentrarem-se em seus estudos pode ter sido o motivo da ausência do encontro entre eles: “o total empenho de Paulo nos seus estudos eliminava qualquer curiosidade por aquilo que lhe fosse estranho”. Assim, não há evidência de que Paulo e Jesustenham se encontrado pessoalmente. 1.1.2 Paulo, um cidadão romano Paulo afirma ser um cidadão romano (At 16.37,38; 22.25-29; 23.27; 25.10-12). Era comum na época de Paulo a prática que iniciou com o imperador Augusto, a “dupla cidadania” (cidadão da cidade natal e, ao mesmo tempo, ser cidadão Romano). Hengel (1991, 98-100) afirma que não era tão simples reivindicar a cidadania romana, ou seja, ser um cidadão da famosa polis de Tarso. A cidadania correspondia também a um grande privilégio político e status social. 64 Poucas décadas antes do nascimento de Paulo, Atenodoro, professor do imperador Augusto, tinha limitado as concessões de cidadanias por meio do rendimento mínimo, definido como 500 dracmas (rendimento de dois anos de trabalho de um legionário). Dessa forma, o fato de Paulo e sua família terem a cidadania romana demonstra que eles faziam parte tanto da elite política como também econômica de Tarso. Lucas, o autor do livro de Atos dos Apóstolos, deixa algumas evidências da condição privilegiada de Paulo. Como exemplos, podem ser citados: 1. Pagamento dos rituais de purificação de quatro nazireus (At 21.23). Esses rituais eram onerosos; 2. Expectativa de Félix em receber suborno de Paulo (At 24.26). Ele não teria essa expectativa se não existisse a possibilidade; 3. Pagamento da viagem a Roma e o apelo feito ao imperador (At 25.11); 4. Locação de uma casa durante dois anos em Roma (At 28.30). Outra possibilidade de obtenção de cidadania romana era por meio da prestação de serviços relevantes. Pfeiffer (2006, p. 1475) defende essa ideia. Ele afirma que o pai de Paulo “deve ter recebido sua cidadania por ter prestado algum serviço relevante ao governo romano”. Independentemente de como Paulo obteve a sua cidadania romana, uma coisa é certa: ele era um cidadão romano e, quando necessário, fez uso dos direitos que essa cidadania proporcionava. Dentre os privilégios de ser um cidadão romano, estavam: a) garantia de julgamento com direito à resposta, se exigido, perante o próprio César; b) imunidade legal dos açoites antes da condenação; c) imunidade em relação à crucificação. Assim sendo, Paulo era cidadão romano, oriundo de uma família de imigrantes judeus, circuncidado ao oitavo dia do seu nascimento, falava aramaico (At 22.1), além do grego, do hebraico e do latim. Ele 65 tinha uma sólida formação educacional e cultural. O apóstolo pertencia à tribo de Benjamim; inclusive, seu nome judeu, Saulo, tem origem no nome do primeiro rei de Israel, também um benjamita (Rm 11.1; Fl 3.4,5; 2 Co 11.22). 1.1.3 A formação educacional, religiosa e ministerial de Paulo Segundo Atos ٢٢.٣, Paulo afirma ter sido criado na cidade de Jerusalém, sendo instruído no estudo da Torá aos pés de Gamaliel e como membro integrante do grupo dos fariseus. Gamaliel foi o membro do sinédrio e aquele que interveio no julgamento dos discípulos, sugerindo que não fosse tomada nenhuma ação precipitada para não correr o risco de estar “combatendo contra Deus” (At ٥.٣٨,٣٩). Ele era um dos rabinos mais respeitados em Jerusalém. O início de seus estudos deu-se na cidade de Tarso, onde havia uma das três maiores universidades do mundo, da qual saíram vários filósofos da escola estóica e manteve a tradição retórica até o século II d.C., o que demonstra o nível intelectual dos moradores da cidade. Saulo, como todo judeu, recebe educação hebraica no meio familiar, como também na sinagoga, estudando as Escrituras e aprendendo o hebraico e, talvez, o aramaico. Como um judeu da diáspora, recebe educação helenista. Todavia, provavelmente entre o fim de sua adolescência e início da juventude, ele vai a Jerusalém para ser instruído pelo mestre fariseu mais reconhecido da época para ser um exímio cumpridor da “lei de seus pais” por meio do rigor dos ensinos de Gamaliel. O livro de Atos testemunha que o apóstolo tornou-se mais radical na intolerância religiosa do que seu próprio mestre. Paulo tinha intimidade com a versão grega do Antigo Testamento, a Septuaginta (LXX), que o ajudará na utilização de determinados conceitos terminológicos na escrita de suas cartas. Em um novo momento de sua vida, após sua conversão no caminho de Damasco, ele dirige-se à Arábia dos Nabateus (Gl 1.17). Em seguida, retorna para Damasco e fica nessa cidade por 66 três anos (Gl 1.17,18); depois sobe para Jerusalém e fica por um período de 15 dias com os apóstolos Pedro e Tiago (Gl 1.18-20). Ele viaja para Síria e Cilícia (Gl 1.21) e, após esse período de preparação, ele é enviado pela igreja em Jerusalém, juntamente com Barnabé, para a Antioquia. Somente depois, ele é enviado para suas viagens missionárias. Desse modo, fica claro que o apóstolo Paulo não saiu evangelizando e abrindo igrejas logo após a sua conversão, mas teve um longo processo de capacitação para o exercício de seu chamado ministerial. 1.1.4 A autoridade do apostolado de Paulo Após a “experiência de Damasco”, que descreve sua conversão do judaísmo para o cristianismo, ocorre um longo período de preparação. Ele dedica uma parte expressiva de sua existência à itinerância proselitista, defendendo a nova fé alcançada em Cristo. Hurlbut (١٩٩٦, p.٣٠) afirma que, “em toda a história do cristianismo, nenhuma conversão a Cristo trouxe resultados tão importantes e fecundos para o mundo inteiro como a conversão de Saulo”. Portanto, a biografia de Paulo é empolgante e muito rica sob o aspecto historiográfico e literário. O seu chamado e sua autoridade apostólica não poderiam ser questionados como o faziam alguns aproveitadores que se inseriram na comunidade cristã em Corinto. Quando Paulo escreveu aos Gálatas, afirma que o seu chamado, a exemplo de outros modelos de chamados do Antigo Testamento, deu-se no próprio ventre de sua mãe. Isso não quer dizer que o apóstolo sabia desde o início que seu chamado seria com os gentios, mas que Deus já o sabia na sua presciência. Ele assevera que entendeu o chamado quando Deus revelou a ele o seu próprio Filho, Jesus. Dessa forma, argumenta que ele não fora chamado pelos apóstolos, mas pessoalmente pelo Jesus Ressurreto, defendendo, assim, a legitimidade de seu apostolado, acrescentando que, ao ser chamado, não partiu para consultar os apóstolos em Jerusalém. Esse relato é relevante quando se avalia a autoridade do apostolado e de seus escritos como inspirados, tão 67 defendido pelo Paulo nas Cartas, como também em Corinto. Ele defendia a legitimidade de seu apostolado devido ao questionamento dos falsos mestres que se levantavam nas comunidades cristãs, que o atacavam com o objetivo de manchar a sua imagem e evitar que fosse ouvido e influenciasse pessoas por meio da mensagem de seu evangelho. 1.2 A Confiança de Paulo não Estava em seu Intelecto (2.1-9) 1.2.1 Paulo reconhecia que sua capacitação era para a glória de Deus A biografia do apóstolo Paulo contribui para o entendimento de seu próprio chamado para ser o apóstolo dos gentios. Ao mesmo tempo em que era um judeu, ele era um cidadão romano, influenciado pela cultura helenista (cultura grega), um cidadão da diáspora; além disso, passou a ser também um cristão — uma mistura cultural greco-romana, judaica e, por último, cristã. Paulo adquiriu uma grande experiência ao longo de décadas de contato com o evangelho. Uma experiência acumulada com a conversão, preparação para o exercício do ministério e viagens missionárias com várias conversões, mas também com muito sofrimento e decepções humanas. Por trás desse histórico, fica evidente a mão de Deus conduzindo a vida, respeitando o livre-arbítrio do apóstolo. Ele, em suas decisões, seguiu o caminho que veio conduzir sua vida pessoal ao encontro da vontade divina de constituí-lo como o último apóstolo a ser chamado por Jesus. O conhecimento experiencial de Deus leva as pessoas a valorizarem o poder do evangelho que transforma a vida e conduz a uma reconciliação com Deus. Paulo tinha essa convicção, pois a transformação que ele teve depois da estrada de Damasco mudou completamente a sua vida e atitudes; por isso ele não se envergonhavado evangelho. Apesar das dificuldades e os sofrimentos pelo amor ao evangelho, ele mantinha a firmeza de sua fé, pois tinha convicção de sua comunhão com Deus, seu chamado e da esperança da vida eterna com Deus. Paulo, com toda a sua 68 experiência intelectual e ministerial, reconhecia sua dependência de Deus e buscava com humildade atribuir a glória a Ele. 1.2.2 Paulo não usava sua capacitação e experiência para ostentação (2.1-5) Paulo continua no mesmo tom fraterno com seus leitores e, mais uma vez, chama-os de irmãos. Ele faz os seus destinatários lembrarem-se da última vez que estiveram juntos. Pelas qualidades e experiência que tinha, o apóstolo poderia chegar com alardes e imponência em sua fala — isso se fosse o antigo Paulo. Ele chama a atenção para o Paulo transformado, que não estava preocupado em causar impressões bombásticas e chamar para si os holofotes. Ele falou com simplicidade, procurando ser claro a todas as pessoas, sem complicações. Paulo relembra que seu intuito não era mostrar-se forte, dono de si, mas, pelo contrário, com fraqueza, temor e em grande tremor (emoção da mente responsável por afetar o corpo). Ele fez questão de não ser venerado pela sua sabedoria ou demonstração de poder, mas apontou para o poder de Deus. A fé de seus ouvintes não deveria ser construída sobre a sabedoria ou poder de homem, mas sobre a sabedoria e poder de Deus. Isso é diferente de muitos pregadores dos dias atuais, que parecem os adversários de Paulo em Corinto e gostam de chamar atenção para si e demonstrar conhecimento que não têm. Alguns com anéis de formatura no dedo, porém com pouca instrução, querendo ser ou demonstrar o que não são; estes mudam a postura da fala para demonstrar que são espirituais e dominar suas plateias, ameaçando com supostas revelações, dentre outras formas de dominação de público. Quem tem o chamado e algo para apresentar para o povo de Deus não precisa ostentar ou demonstrar poder; basta pregar a Palavra com responsabilidade e fidelidade, deixando ser guiado pelo Espírito Santo, pois o resultado vem de Deus. 69 1.2.3 Paulo confiava na revelação do mistério da sabedoria de Deus (2.6-9) A cultura grega era influente na comunidade de Corinto. Para os gregos, a busca de sabedoria somente era possível com muita investigação, averiguação e questionamentos a respeito da verdade — algo que não era para qualquer um, mas, sim, para a elite da sociedade helênica. A busca da verdade é a aspiração de todo ser humano, e todos têm esse direito. Paulo conhecia bem esse meio em sua origem em Tarso, mas, depois de toda a sua experiência, descobriu o lugar que está a fonte da sabedoria, que tem em Cristo sua maior revelação. O autor da carta aos Hebreus afirma que Jesus é o reflexo de sua glória e a expressão de seu ser (Hb 1.3). Como um sábio grego poderia aceitar isto, um homem que foi condenado como criminoso e teve a morte mais humilhante ser a expressão exata de Deus? No entanto, até a ignorância desses sábios, movida pela arrogância e pelo orgulho, é cumprimento do que estava escrito a respeito das bênçãos do Reino messiânico. Nenhum homem natural tem visto, ouvido e compreendido as coisas que Deus preparou para aqueles que o amam (Is 64.4). Paulo era como esses sábios ignorantes, mas descobriu a revelação dos mistérios de Deus e nunca mais trocou isso pelas ofertas de poder do mundo. 1.3 Tudo de que Precisamos Saber para Recebermos a Salvação (2.10-16) 1.3.1 A sabedoria de Deus é revelada pelo Espírito Santo (2.10,11) Paulo afirma que o Espírito Santo prescruta todas as coisas, nada lhe fica encoberto (Pv 15.3; 1 Co 2.10; Hb 4.13). Uma frase curta, porém profunda. Quem pode conhecer a mente de Deus ou ser seu conselheiro? (Rm 11.34; Jó 11.7). A obra do Espírito Santo vai até 70 as profundezas de Deus, coisas incompreensíveis ao ser humano e demais criaturas, riquezas inexauríveis da sabedoria e do conhecimento de Deus (Rm 11.33). Paulo reforça que quem conhece as coisas de Deus não são os sábios do mundo, mas o Espírito de Deus. Paulo faz uma analogia para comparar o espírito do homem com o Espírito de Deus. O ser humano vangloria-se, mas seu conhecimento natural tem dificuldades para conhecer até suas próprias motivações interiores. Os pensamentos de Deus não são os pensamentos dos seres humanos (Is 55.8). Ele é o criador e doador do espírito do ser humano (Gn 2.7; Zc 12.1). Deus conhece a mente do ser humano, mas o ser humano é incapaz de conhecer a mente de Deus. O poder de Deus para a salvação da humanidade não é nenhuma mensagem secreta, como era uma prática entre os gregos em relação à salvação por conhecimento privilegiado e secreto. Trata-se do plano divino para salvação da humanidade por meio do sacrifício de Cristo e revelada pela pregação do evangelho. No entanto, nem todas as pessoas conseguem compreender esse processo da encarnação e ressurreição de Jesus, que garante a justificação e cria uma nova natureza de cima, de modo que o fruto testifica uma nova vida separada (santificação). Essa dificuldade de entendimento que Paulo vem repetindo sobre a loucura que é para o homem natural sem Deus a mensagem da vitória da cruz, que para tal homem era uma vergonha e maldição. Essa iluminação somente recebe aquele que não se agarra à sabedoria humana, mas deixa-se conduzir pelo Espírito Santo. Deus, por meio do Espírito Santo, torna conhecida aos crentes a sua sabedoria (Mt 11.25; 16.17). O Espírito Santo prepara a pessoa que o recebe para que possa ver a verdade do evangelho, que conduz para a cruz de Cristo. Todavia, muitos não querem deixar-se conduzir para não serem também chamados de loucos. 1.3.2 Disposição para receber o Espírito de Deus (2.12,13) 71 Paulo apresenta a confortadora garantia de que o ser humano, mesmo com as suas limitações, pode receber o Espírito Santo, que é dado gratuitamente por Deus. Todavia, ele coloca de um lado os que recebem o espírito do mundo, e do outro os que recebem o Espírito Santo, que vem de Deus. O espírito do mundo é o sistema organizado com base na injustiça e corrupção, como era o Império Romano com as suas ramificações no patronato e na elite da sociedade grega. Quem recebe esse espírito não se submete a ser conduzido pelo Espírito Santo de Deus, pois teria que abdicar de muitos dos prazeres desfrutados sem medida e ter uma disciplina ética e moral. Isso não quer dizer que Deus escolhe uns para receber a iluminação do Espírito Santo e outros não. O Espírito Santo fica disponível a quem quiser. No entanto, a paixão humana descontrolada e a concupiscência interna do ser humano impedem-no de receber o Espírito de Deus. Por isso, Paulo diz que quem recebeu o Espírito de Deus é ensinado por Ele, assim vive as realidades espirituais e pode discernir a vida sob a sabedoria de Deus. Para aprender, é preciso ter disposição e vontade para submeter-se ao mestre que ensina: o Espírito Santo. Por outro lado, aqueles que recebem o Filho de Deus como seu Senhor recebem com Ele todas as coisas que acompanham a salvação em Cristo. Pois, se Deus entregou seu Filho, sem dúvida dá com Ele todas as coisas (Rm 8.32). Os crentes tomam posse do dom da salvação por meio da fé da obra vicária de Cristo mediante a obra do Espírito Santo. Isso é possível pela mensagem da cruz, que, no versículo 13, Paulo passa a referir-se à sua pregação, bem como dos demais companheiros que não se baseavam na sabedoria humana, e sim na sabedoria de Deus, porquanto eram realizadas sob a inspiração do Espírito Santo. 1.3.3 O salvo tem a mente de Cristo e fala a linguagem do Espírito (2.14-16) 72 O apóstolo segue seu argumento para diferenciar o ser humano natural do ser humano espiritual. O primeiro pertence ao mundo como sistema de governo, não tem o Espírito Santo como seu guia e segue o seu próprio instinto natural (Jd 19), enquanto o segundo pertence a Deus, tem o Espírito Santo e segue a Jesus como seu Senhor, não faz sua própria vontade, mas busca fazer a vontade do Pai. Na comunidade de Corinto, existia um grupo de pessoasque se considerava espiritual com base na sabedoria humana e considerava os demais como crianças espirituais. Paulo rebate esses membros arguindo que, se eles estavam questionando a mensagem da cruz de Cristo e considerando-a loucura e incoerente, então, na realidade, eles que eram crianças espirituais e não passavam de um ser humano natural que “não compreende as coisas do Espírito de Deus” (v. 14). Paulo coloca-se no grupo dos espirituais, que viviam em comunicação com o Espírito Santo e podiam julgar a respeito dessas coisas, e não poderiam ser julgados por eles, pois não entendiam das coisas espirituais. O ser espiritual julga todas as coisas por meio da direção do Espírito Santo e usa as Escrituras como referencial de fé e conduta. Julgar todas as coisas não significa que o cristão espiritual seja um especialista em cada área da vida, mas que, no que se refere à missão na qual o chamou Deus, ele é capaz de avaliar todas as coisas espiritualmente. Paulo conclui a discussão no versículo 16 citando o profeta Isaías (Is 40.13): “Porque quem conheceu a mente do Senhor, para que possa instruí-lo?”. Ele mesmo responde: os salvos que têm a mente de Cristo, a quem Deus revelou o seu Espírito Santo (v. 10) e quem recebeu “o Espírito que provém de Deus” (v. 12). Capítulo 6 A Imaturidade Espiritual dos Coríntios 73 A imaturidade espiritual traz muitos prejuízos, como a dificuldade de trabalhar em equipe, a estagnação da fé e a improdutividade espiritual. Texto bíblico em 1 Coríntios 3.1-23: E eu, irmãos, não vos pude falar como a espirituais, mas como a carnais, como a meninos em Cristo. Com leite vos criei e não com manjar, porque ainda não podíeis, nem tampouco ainda agora podeis; porque ainda sois carnais, pois, havendo entre vós inveja, contendas e dissensões, não sois, porventura, carnais e não andais segundo os homens? Porque, dizendo um: Eu sou de Paulo; e outro: Eu, de Apolo; porventura, não sois carnais? Pois quem é Paulo e quem é Apolo, senão ministros pelos quais crestes, e conforme o que o Senhor deu a cada um? Eu plantei, Apolo regou; mas Deus deu o crescimento. Pelo que nem o que planta é alguma coisa, nem o que rega, mas Deus, que dá o crescimento. Ora, o que planta e o que rega são um; mas cada um receberá o seu galardão, segundo o seu trabalho. Porque nós somos cooperadores de Deus; vós sois lavoura de Deus e edifício de Deus. Segundo a graça de Deus que me foi dada, pus eu, como sábio arquiteto, o fundamento, e outro edifica sobre ele; mas veja cada um como edifica sobre ele. Porque ninguém pode pôr outro fundamento, além do que já está posto, o qual é Jesus Cristo. E, se alguém sobre este fundamento formar um edifício de ouro, prata, pedras preciosas, madeira, feno, palha, obra de cada um se manifestará; na verdade, o Dia a declarará, porque pelo fogo será descoberta; e o fogo provará qual seja a obra de cada um. Se a obra que alguém edificou nessa parte permanecer, esse receberá galardão. Se a obra de alguém se queimar, sofrerá detrimento; mas o tal será salvo, todavia como pelo fogo. Não sabeis vós que sois o templo de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós? Se alguém destruir o templo de Deus, Deus o 74 destruirá; porque o templo de Deus, que sois vós, é santo. Ninguém se engane a si mesmo: se alguém dentre vós se tem por sábio neste mundo, faça-se louco para ser sábio. Porque a sabedoria deste mundo é loucura diante de Deus; pois está escrito: Ele apanha os sábios na sua própria astúcia. E outra vez: O Senhor conhece os pensamentos dos sábios, que são vãos. Portanto, ninguém se glorie nos homens; porque tudo é vosso: seja Paulo, seja Apolo, seja Cefas, seja o mundo, seja a vida, seja a morte, seja o presente, seja o futuro, tudo é vosso, e vós, de Cristo, e Cristo, de Deus. A comunidade cristã foi chamada para dar continuidade à missão de Cristo e pregar o evangelho para salvação de almas. No entanto, algumas pessoas da comunidade estavam na contramão desse projeto, provocando dissensões e divisões. Paulo afirma que a imaturidade de alguns era empecilho para o cumprimento da missão. Neste capítulo, iremos analisar por que membros da comunidade cristã em Corinto ainda eram crianças na fé, o que estava impedindo o crescimento espiritual e o perigo que estava correndo devido à imaturidade espiritual. 1.1 Os Coríntios Eram Imaturos na Vida Cristã (3.1-3) 1.1.1 Os cristãos em corinto ainda eram carnais (3.1a) Os cristãos de Corinto na época da carta tinham pouco tempo de conversão e não tinham um suporte espiritual de outra estrutura eclesiástica. Eles haviam saído do paganismo e do judaísmo, mas muito do paganismo e do judaísmo ainda não haviam saído deles. Estavam andando há pouco tempo no difícil caminho cristão, e muitos dos desejos carnais ainda estavam dominando suas vidas. O 75 porte da cidade era convidativo para quem não estava com sua vida espiritual bem estruturada: Os vícios da luxúria e do jogo faziam parte dos esportes mais interessantes de Corinto. [...] Em todas as ruas e praças da cidade se viam templos e altares dedicados às divindades da terra ou importadas de fora. [...] sacerdotisas moravam, em lindas casinhas, ao redor do santuário, servindo à fantástica divindade com o sacrifício voluntário do seu pudor e a prostituição do seu corpo. [...] Essas sacerdotisas da luxúria cultural gozavam em Corinto de honras tanto no templo como no teatro, quer na praça, quer no fórum, lhes competiam os primeiros lugares; eram “pessoas sagradas”, porque sacrificavam à deusa o tesouro da sua dignidade feminina. [...] Corinto era a metrópole mundial da luxúria. [...] O lugar era magnífico: uma cidade cosmopolita com meio milhão de habitantes e 21 quilômetros de circunferência; com 23 templos, soberbas galerias ladeadas de lojas de luxo, 5 grandes mercados, famosas termas, duas “basilikés”, numerosos teatros e anfiteatros, um dos quais com 22.000 assentos; dois portos a banharem a cidade pelo norte e pelo sul (RHODEN, 1999, pp. 209,233). Semelhante ao comportamento de alguns cristãos nos dias atuais, os coríntios ainda participavam secretamente de alguns costumes da sociedade e que não eram coerentes com o evangelho e, ao mesmo tempo, participavam das reuniões da comunidade cristã com uma aparência de “santos” e com facilidade de fazerem julgamentos e críticas sem intuito de melhorias para o Reino de Deus. Todavia, nesta perícope em estudo, Paulo dá mais ênfase ao lúcifer da inteligência (ser igual a Deus) do que ao demônio da carne, pois é mais fácil alguém reconhecer a sua miséria moral do que o idólatra da inteligência e sabedoria humana. Na contemporaneidade não é diferente. Muitos desses idólatras da sabedoria humana, 76 principalmente líderes, continuam causando um grande estrago nas comunidades cristãs por ainda serem carnais e buscarem seus próprios benefícios em detrimento da obra de Deus. Paulo destaca que a comunidade ainda tinha muitos comportamentos carnais e, como consequência, tinha uma fé exclusivista, fechada e egoísta. Paulo critica essa fragilidade da fé dos coríntios e exorta-os a evoluírem de uma fé infantil para a maturidade cristã. Como os coríntios daquela época, atualmente muitos se comportam da mesma maneira, sem a base sólida da Palavra, são levados por qualquer questionamento sobre sua fé, como novidades científicas, inovações de novas denominações ou de líderes religiosos que surgem a cada dia (Ef 4.14), buscando uma teologia do consumo que atenda os seus desejos carnais. 1.1.2 Os coríntios são chamados de crianças espirituais no sentido negativo (3.1b) Toda analogia é incompleta e precisa ser tratada com cuidado. Por exemplo, Pedro também utiliza a figura da criança, mas no sentido positivo: “desejai afetuosamente, como meninos novamente nascidos, o leite racional, não falsificado, para que, por ele, vades crescendo” (1 Pe 2.2). Jesus também a utilizou no sentido positivo: “Em verdade vos digo que qualquer que não receber o Reino de Deus como uma criança não entrará nele” (Lc 18.17). Pedro destaca o apetitesaudável pelo leite racional, ou seja, alimentar-se da Palavra de Deus, enquanto Jesus destaca a simplicidade e humildade de uma criança, o ser criança na malícia, e não na mente. Nesse sentido, é gratificante ser chamado de criança por ser faminto pela Palavra de Deus ou por ser simples e humilde, a exemplo de Jesus. Diferente de Pedro e de Jesus, Paulo compara os coríntios a uma criança no sentido negativo, na incapacidade de compreensão da 77 seriedade do evangelho e na inconstância. Em 1 Coríntios 2.6, Paulo afirma: “falamos sabedoria entre os perfeitos” (1 Co 2.6); agora ele descreve os coríntios como crianças em Cristo (1 Co 3.1). O próprio Paulo afirma que ele alcançaria a maturidade perfeita somente na hora da ressurreição dos mortos, em um sentido escatológico (Fp 3.11-15). Em Filipenses 3.12, a expressão “perfeito” tem o sentido de que o cristão vive tanto interior como exteriormente a vida cristã a partir do momento em que se apropria plenamente do evangelho. Eles haviam conhecido o evangelho, mas não estavam vivendo experiencialmente o evangelho. Há uma grande diferença entre ter conhecimento e aplicar o conhecimento. Existem pessoas que têm vários anos de cristão, conhecem a Bíblia de capa a capa e vangloriam-se disso, mas ainda não conhecem Jesus experiencialmente. No sentido espiritual, ainda são crianças engatinhando lentamente na vida cristã. 1.1.3 O cristão infantil não pode alimentar-se de alimento sólido (3.2) Os pais responsáveis sempre darão a comida aos filhos conforme eles podem suportar. O apóstolo, como pai espiritual dos coríntios, também tinha esse cuidado de alimentá-los conforme podiam absorver. Desde o início da carta, é perceptível a maneira amável com que Paulo fala de um assunto complexo. Ninguém, em seu estado normal, gosta de ficar “pegando no pé” de outra pessoa, ter de ficar orientando o tempo todo e deixando-a dependente em tudo. Os pais também vivem cada momento com seus filhos, mas a expectativa é que eles cresçam e assumam suas responsabilidades e suas vidas. Estas são as principais funções dos pais amar, orientar e dar apoio para que os filhos desenvolvam-se e cresçam de forma saudável. 78 Paulo afirma que, devido à imaturidade dos coríntios, ele teve de alimentá-los como leite. O autor da Carta aos Hebreus afirma que aquele “que ainda se alimenta de leite não está experimentado na palavra da justiça, porque é menino”. O alimento sólido é somente para os adultos que têm os sentidos exercitados para discernir tanto o bem como o mal (Hb 5.13,14). Os coríntios estavam em processo lento de crescimento e achavam-se adultos e prontos; no entanto, estavam equivocados. Paulo chama-os de crianças na fé. Pessoas imaturas espiritualmente não suportam ser corrigidas e geralmente distorcem as palavras e os ensinos recebidos. Todavia, eles precisavam alimentar-se das doutrinas rudimentares da fé cristã. Paulo já havia enviado uma carta, que se perdeu, repleta de ensinamentos referentes à moralidade, eclesiologia e escatologia. Nessa carta, ele continua falando de algo sólido, porém de forma mais branda. Assim, ele difere quanto à forma, mas não deixa de apresentar o conteúdo que era necessário. Aproveitando a analogia de Paulo, ele teve de fazer uma “papinha” com o conteúdo para facilitar a ingestão do alimento espiritual. 1.2 O que nos Impede de Crescermos na Fé? 1.2.1 Alimentar o sentimento de inveja (3.3) O tema inveja foi estudado por diversos pensadores. Entre eles, podemos citar: a) o famoso filósofo grego Aristóteles (384-322 a. C.); b) o poeta romano Ovídio (43 a. C. – 17 ou 18 d. C.); c) o político e filósofo Francis Bacon (1561-1626); d) o médico neurologista e criador da psicanálise, Sigmund S. Freud (1856- 1939); entre outros. Pela etimologia, a palavra inveja é formada pelos étimos latinos in (dentro de) + videre (olhar), que indicam um olhar maléfico que penetra no outro de forma destrutiva. Segundo Zimmerman (2001, p. 225), o sujeito invejoso é aquele que se recusa a ver e a 79 reconhecer as diferenças entre ele e o outro, uma vez que esse outro possui as qualidades de que ele necessita e que almeja ter. Aristóteles tratava a inveja como uma das 14 paixões que caracterizam a alma humana. Para ele, “as paixões são todos aqueles sentimentos que, causando mudança nas pessoas, fazem diferir seus julgamentos”. No caso da inveja, ela é a paixão que interfere no julgamento do indivíduo, causando-lhe um “pesar pelo sucesso evidente de que gozam os iguais”. Ele defende que a pessoa geralmente sente inveja daqueles que são semelhantes (idade, classe social, reputação, proximidade, entre outros) e dificilmente terá esse sentimento por pessoas consideradas bem inferiores ou bem superiores a si (ARISTÓTELES, 2003, p. XIV, 67). Dessa forma, o indivíduo sente inveja de seus competidores diretos, que estão praticamente “em pé de igualdade”. Para Klein, a inveja vai além de desejar o que é do outro, pois também pode gerar o desejo de que o outro não possua o que tem, ou seja, não importa se uma pessoa não tenha algo, desde que o outro também não possua o objeto desejado (KLEIN, 1991, p. 205; ZIMMERMAN, 2001, p. 225). O invejoso tenta mostrar-se confiante e superior, mas é motivado pela sua baixa autoestima, considera-se incapaz de conquistar o objeto de desejo e faz a opção por destruí- lo. Os agitadores dos grupos rivais tentavam desprezar e humilhar a Paulo para sobressair, porque, na realidade, tinham inveja dele e de quem pudesse ser seu “concorrente” no fruto de seu desejo, a meta almejada. Por isso, o cristão precisa controlar esse sentimento presente em todos os seres humanos com a ajuda do Espírito Santo. 1.2.2 Promover contendas e dissensões (3.3) O apóstolo coloca as contendas e dissensões na sequência da inveja. Nem sempre as contendas e dissensões são geradas pela 80 inveja; elas também podem ser geradas pela ambição, pelo desejo de prestígio e destaque, pela soberba, dentre outros desejos. No entanto, geralmente a inveja promove contendas e dissensões (Rm 13.13; 1 Co 3.3,4; Tg 3.14). A inveja que corroía o coração de alguns coríntios estava corroendo a unidade da igreja por meio das contendas e dissensões, consequência da falta de controle de sentimentos e de desejos (1 Co 1.11; 2 Co 12.20; Gl 5.20), e também apontou, com frequência, o ciúme e os mesmos sentimentos, antes citados, como problemas internos da comunidade. Parece que, mesmo com a insistência de Paulo, muitos continuaram em seus comportamentos destrutivos e ainda reproduziram em seus descendentes ou companheiros. Todavia, o fato de algumas pessoas não ouvirem o bom conselho não é motivo para não o dar, pois alguém vai ouvi-lo e mudar de atitude. Para este e para algumas pessoas que tenham relacionamento com Ele, o conselho trará bons resultados. Jesus, pouco antes de sua Paixão, ainda estava “preocupando-se” com esses comportamentos entre seus discípulos: “e houve também entre eles contenda sobre qual deles parecia ser o maior” (Lc 22.24). Os discípulos não estavam sendo acusados dos pecados que geralmente causam grandes escândalos, mas de serem contenciosos entre si. Esse mal é mais comum do que parece e continua bem presente nas comunidades cristãs contemporâneas. As pessoas que costumam promover contendas e dissensões são consideradas crianças espirituais. Os coríntios haviam recebido o Espírito e a sabedoria de Deus (2.2), mas agiam como se tivessem somente a sabedoria do mundo. O comportamento e atitudes rotineiras junto à família, ao trabalho, à comunidade cristã, entre outras partes interessadas, era como se a presença do Espírito Santo não fizesse diferença em suas vidas. O ser humano, cristão ou não, não é uma máquina na mão de Deus; ele tem o livre-arbítrio para tomar decisões. Entretanto, é bom 81 sempre lembrar-se de que o Espírito Santo está à disposição para dirigir a vida daquele que quiser e a Ele voluntariamente se submeter. 1.2.3 Falta de capacidade de trabalhar em equipe (3.4,5) Para Paulo, cada pessoa era parte de uma grandeunidade; ele partia do pessoal para o comunitário. Os coríntios moviam-se no sentido contrário; criavam divisões e enfraqueciam o sentido comunitário. A proposta de Paulo era o trabalho em equipe, a comunidade como Corpo de Cristo, para a superação de divisões e partidarismo. No início dessa carta, Paulo não a assina sozinho; ele inclui o irmão Sóstenes. Quando escreve a Carta aos Tessalonicenses, da mesma forma, ele menciona: “Paulo, Silvano, e Timóteo”, dentre outros exemplos de que o apóstolo não trabalhava sozinho. Aos coríntios muitas vezes enviou Timóteo e Tito, bem como contava com alguns dos primeiros cristãos que batizou e sempre foram fiéis companheiros na comunidade. Paulo era um grande exemplo de quem tinha capacidade para trabalhar em equipe, e muitos dos coríntios ouviram-no e aprenderem com ele, e outros que ouviram falar sobre a sua vida e comportamento infelizmente não aprenderam a trabalhar como ele. Dentre os quatro grupos mencionados anteriormente que disseminavam divisões na comunidade, Paulo comenta sobre apenas dois (Paulo e Apolo). Esses dois grupos provavelmente eram os que mais o preocupavam. Paulo assevera que ele e Apolo eram apenas ministros a serviço do Reino de Deus, que faziam um trabalho de equipe. Os coríntios que não sabiam trabalhar em equipe ficavam defendendo o que achavam ser o mérito de cada um dos líderes, enquanto Paulo e Apolo apenas queriam unir suas forças em prol de um objetivo comum. O trabalho em equipe pode ser desenvolvido com grupos diferentes, mas o objetivo deve ser comum. 1.3 O Perigo da Estagnação na Fé (3.10-23) 82 1.3.1 Substituir o verdadeiro fundamento imobiliza a fé (3.10,11) Paulo utiliza uma nova metáfora, a figura da arquitetura, para exemplificar a importância de estar sobre bons fundamentos. Ele apresenta-se como um sábio arquiteto que faz um bom fundamento em uma construção, pois, se o fundamento não for bom e sólido, compromete toda a construção. Contudo, antes ele afirma que fez segundo a graça de Deus. Ele mantinha o cuidado de não se apresentar como o perfeito e superior, mas como um servo de Deus que ali estava para servir a comunidade. Por isso, o apóstolo era alguém que, mesmo diante das dificuldades, dos momentos de desânimo e da tristeza, como muitas que passou por causa do comportamento dos coríntios e pela reação deles às suas orientações, mantinha a sua fé inabalada. Inabalada não no sentido de nunca sentir fraqueza, desânimo e tristeza, mas de superar esses sentimentos. A fé de Paulo não estava alicerçada na sua formação educacional e religiosa ou dos feitos em seu ministério, mas na cruz de Cristo. Isso ele sempre deixava claro aos seus ouvintes e leitores. O que Paulo combate em Corinto não é a oposição entre a fé e a razão, mas o mau uso da razão com intenções orgulhosas para obter resultados facciosos. Alguns membros utilizavam raciocínios fundamentados em valores da sociedade secular, que não levavam em conta o evangelho da cruz e geravam divisões na igreja. Paulo não era somente um arquiteto sábio e um construtor capacitado, mas também um competente empreiteiro. Quando chega à cidade de Corinto, ele elabora o planejamento para lançar os alicerces da estrutura daquela comunidade e, quando chegam seus fiéis cooperadores, Silas e Timóteo, ele também os envolve e orienta-os na construção do edifício (igreja de Deus) sob a base do bom fundamento planejado (At 18.4,5). Paulo tomava como base a própria Escritura (1 Co 1.19,31; 2.9, 3.19) para demonstrar que não se pode ir além da verdade do evangelho, que apresenta a salvação por meio da cruz de Cristo. 83 “Porque ninguém pode pôr outro fundamento, além do que já está posto, o qual é Jesus Cristo” (3.11). Alguns coríntios estavam estagnados na fé por substituírem o verdadeiro fundamento dado por Paulo. Esse é um perigo para todos os cristãos que seguirem esse mau exemplo. 1.3.2 Ignorar o juízo de Deus pode comprometer a vida eterna com Ele (3.12-17) Em continuidade na utilização da metáfora da construção, o apóstolo comenta sobre a importância dos materiais a serem usados para construir o edifício, que precisam estar em conformidade com a qualidade e durabilidade da fundação. A base da fundação estabelecida por Deus é sua revelação máxima em Jesus; então, essa base deve refletir em cada fase da construção. Paulo apresenta em ordem decrescente de importância seis materiais, em que o ouro é o mais precioso, e a palha o menos precioso de todos. Paulo usa a comparação para mostrar o que as pessoas fazem com a revelação de Deus em Jesus Cristo. Alguns vivem segundo a Palavra, aplicam-na à vida diária e progridem espiritualmente. Estes constroem suas casas espirituais com os melhores materiais (metais e pedras preciosas). Por outro lado, outros levam uma vida cristã de aparência; estes constroem as suas casas com os piores materiais (madeira, barro e palha). Essa é uma séria advertência sobre o que se faz com a própria vida espiritual, pois toda causa tem sua consequência, e toda ação tem uma reação. Paulo, sendo julgado por alguns coríntios, dentro da lógica racional, fora considerado indigno. Todavia, diante de Deus, suas obras foram consideradas dignas de receber a coroa da justiça (2 Tm 4.6,7). Paulo, sendo livre, fez-se servo para ganhar almas para Cristo (1 Co 9.19), aproxima-se do mundo do trabalho e dos trabalhadores (At 18.3; 1 Ts 2.9) e prega o evangelho de forma voluntária, sem buscar privilégios (1 Co 4.12; 9.1-22; 2 Co 1.19; 11.7-9; At 18.5). Paulo afirma ter-se anulado para que Cristo vivesse 84 nele (Gl 2.20); ele dispôs-se a passar por consequências semelhantes da práxis libertadora: contradição, perseguição e morte. Paulo adverte seus acusadores de que todas as pessoas terão de prestar contas de suas obras diante de Deus. Provavelmente, o apóstolo traz à lembrança desse dia porque seus acusadores viviam como se ele não existisse e estavam ignorando o julgamento divino. Paulo declara que quem realiza a obra de Deus de forma fraudulenta não ficará para sempre encoberto. 1.3.3 O perigo de gloriar-se na sabedoria humana (3.18-23) O discurso sobre a tensão na comunidade cristã de Corinto vai chegando ao fim, e o apóstolo ressalta aos coríntios a riqueza que o salvo possui em Cristo. Trata-se de algo que deve ser valorizado para a glória de Deus e nunca para tornar-se sábio aos próprios olhos, pois tal comportamento é loucura para Deus. Ele alerta sobre o perigo de afastar-se da verdadeira doutrina da Palavra de Deus e apegar-se à sabedoria humana como vanglória. Paulo retorna à discussão que havia tido anteriormente sobre a sabedoria (1 Co 1.20-25, 2.6). Paulo aconselha a fazer como ele: rejeitar a sabedoria mundana e tornar-se tolo aos olhos do mundo. Os coríntios tinham aparência de piedade, mas eram guiados pelo elevado conceito que tinham de si mesmo. Paulo adverte-os para não serem sábios aos próprios olhos, pois Deus apanha os sábios em sua própria astúcia (1 Co 3.18,19). O problema não é ter capacitação e cultura, mas usá-las para sobrepor-se ao próximo. Como os coríntios, algumas pessoas vangloriam-se por terem sido influenciadas por pessoas que são consideradas como grandes intelectuais; no entanto, ignoram e menosprezam aqueles que têm fé em Deus e no sacrifício vicário de Cristo. Em alguns ambientes intelectuais, a fé tem sido alvo de escárnio, e as pessoas que se apresentam como cristãs e tementes a Deus têm sido humilhadas. 85 Paulo tranquiliza os coríntios que não se gloriavam na sabedoria e declara que o presente e o futuro pertenciam a eles (vv. 22,23). Capítulo 7 É Deus que Dá o Crescimento O cristão, como lavrador na lavoura de Deus, pode plantar a melhor semente, adubar, limpar e podar, mas somente Deus é quem pode fazer chover e dar o crescimento à plantação. Texto bíblico em 1 Coríntios 3.6-9 e Atos 18.24-28, respectivamente: Eu plantei, Apolo regou; mas Deus deu o crescimento. Pelo que nem o que planta é alguma coisa, nem o que rega, mas Deus, que dá o crescimento. Ora, o que planta e o que rega são um;mas cada um receberá o seu galardão, segundo o seu trabalho. Porque nós somos cooperadores de Deus; vós sois lavoura de Deus e edifício de Deus. [...] E chegou a Éfeso um certo judeu chamado Apolo, natural de Alexandria, varão eloquente e poderoso nas Escrituras. Este era instruído no caminho do Senhor; e, fervoroso de espírito, falava e ensinava diligentemente as coisas do Senhor, conhecendo somente o batismo de João. Ele começou a falar ousadamente na sinagoga. Quando o ouviram Priscila e Áquila, o levaram consigo e lhe declararam mais pontualmente o caminho de Deus. Querendo ele passar à Acaia, o animaram os irmãos e escreveram aos discípulos que o recebessem; o qual, tendo chegado, aproveitou muito aos que pela graça criam. Porque com grande veemência convencia publicamente os judeus, mostrando pelas Escrituras que Jesus era o Cristo. Paulo, ao falar sobre o desempenho e a contribuição que ele e Apolo deram à comunidade cristã em Corinto, utiliza uma metáfora 86 da plantação na agricultura. O apóstolo afirma que plantou a semente das Boas Novas nos corações dos coríntios e que ele foi o pioneiro. Apolo foi o seu sucessor e regou a plantação e ajudou os coríntios a tornarem-se mais fortes na fé. No entanto, Paulo ensina que o crescimento é somente Deus que pode dar. 1.1 Paulo Plantou a Semente das Boas Novas nos Corações dos Coríntios (3.6a) 1.1.1 Paulo foi o pioneiro na comunidade cristã de Corinto Paulo utiliza de um cenário agrícola para aplicar a metáfora da plantação, uma vez que ele semeou onde ninguém tinha proclamado a Cristo ainda. Provavelmente, enquanto escrevia, recordava-se da sua segunda viagem missionária. Durante essa viagem, ele fundou as comunidades cristãs da Galácia, de Filipos, de Tessalônica e de Corinto (At 15.36–8.22). Antes de chegar à cidade de Corinto, o apóstolo teve uma passagem rápida e frustrante pela capital da Grécia, Atenas. Uma passagem intermediária para o destino final que era Corinto. Paulo não menciona o trabalho desenvolvido em Atenas na sua carta aos Tessalonicenses (1 Ts 3.1). Todavia, Lucas relata que Paulo prega na sinagoga e na Ágora, além de discursar no célebre areópago, nos altos do mercado, sobre o qual se erguia a majestosa Acrópole. Poucos lhe dão atenção, mas Dionísio, o areopagita, Damaris e alguns outros se convertem (At 17.16-34). Por fim, Paulo chega à cidade de Corinto, onde fica por um ano e meio (At 18.1-17). Corinto era uma cidade que perdera a influência política, mas que se mantinha como um centro de cultura universalmente reconhecido. Tratava-se de uma cidade comercial próspera e moderna, com dois portos que se abriam um na parte ocidental sobre o mar Adriático e o outro na parte oriental sobre o mar Egeu, que facilitava o transporte de mercadorias — um grande potencial para a pregação do evangelho (plantação). 87 Paulo conhece um casal de cristãos, Priscila e Áquila, que haviam sido expulsos de Roma, em cumprimento ao decreto do imperador Cláudio em 49 a.C. Esse decreto determinava a expulsão dos judeus de Roma por causa de algumas insurreições contra o Império Romano, principalmente devido ao descontentamento judaico com os impostos e tributos (At 18.2). O casal era companheiro de Paulo na atividade de fazer tendas, que era a fonte de renda e de subsistência deles (1 Co 4.12). Esse casal, com certo destaque para a esposa, desenvolveu um valioso apoio ao apóstolo, à comunidade de Corinto, como também à comunidade de Éfeso, para onde se transferiram na sequência (Rm 16.4; 1 Co 16.19). Enquanto estava ainda em Corinto, Paulo tem uma grata e dupla surpresa: a chegada de Silas e Timóteo, acompanhados com ajuda financeira das igrejas da Macedônia (At 18.5; 1 Ts 3.6). Com isso, ele ganha um tempo para SEMEAR a Palavra durante a semana. Paulo, mesmo com oposições dos judeus, mantém sua pregação na sinagoga por um período desconhecido. A recompensa vem com algumas conversões. Entre elas, a família de Estéfanas (1 Co 1.16), Crispo, o chefe da sinagoga, e Gaio (1 Co 1.14; Rm 16.23). Depois de uma séria perseguição dos judeus, a comunidade muda-se para a casa de certo Justo. Rohden destaca essa notável conquista do apóstolo no embate com a sinagoga dos judeus, a conversão de Estéfanas, Justo e Crispo: Um abastado catecúmeno de Corinto, por nome Estéfanas, abraçou o Evangelho, ele com toda a sua família. “Primícia da Ásia”, é o lindo título que Paulo dá a esse nobre soldado de Cristo. [...] Ticio Justo, membro da colônia romana de Corinto e proprietário da casa grande ao lado da sinagoga, abraçou publicamente o Evangelho lançando, assim, uma ponte entre as rodas cultas da sociedade romana e o Cristianismo nascente. De encontro a todos os cálculos de Paulo, foi ter com ele, daí a pouco, o próprio chefe da sinagoga israelita e manifestou o desejo de aderir 88 à igreja do Nazareno. Chama-se Crispo. Juntamente com ele foi batizada toda a sua família (ROHDEN, 1999, p. 213). A partir de então, formaram-se vários outros grupos nas casas, e a semente das Boas Novas plantada nos corações dos coríntios foi se desenvolvendo. 1.1.2 Paulo continuou plantando mesmo na ausência Na terceira viagem missionária de Paulo, enquanto estava em Éfeso, ele continuava acompanhando a comunidade de Corinto de longe. Éfeso foi um local estratégico para o apóstolo supervisionar ministerialmente as comunidades que havia fundado anteriormente e comunicar-se com elas (comunidades de Corinto, da Galácia e de Filipos). Pela porta aberta para evangelização em Éfeso, Paulo decide ficar mais tempo na cidade, postergando sua partida para Corinto; entretanto, mantém contato com os membros dessa comunidade por meio de carta (1 Co 16.8,9). Na primeira carta, o apóstolo comenta sobre a relação da comunidade jovem com os que praticam imoralidades. Essa carta está entre as “cartas perdidas” do apóstolo. Paulo havia enviado Timóteo a Corinto para reorganizar a comunidade dividida pelos conflitos (1 Co 16.10,11). Quando Timóteo retorna com notícias da comunidade, ele informa que algumas pessoas estavam anunciando mensagens com intuito de deturpar a mensagem paulina, “outro evangelho” (2 Co 3.1; 10.12- 14; 11.4). A reação do apóstolo é imediata: ele escreve uma nova carta, que é enviada por meio de Tito à comunidade, para rebater os falsos mestres e proteger a igreja. Como resposta aos insultos recebidos pelos adversários de “seu evangelho”, Paulo escreve a carta em lágrimas (2 Co 2.3-5; 7.8-12; 10-13). O apóstolo estava ausente, mas continuava plantando a Palavra no coração dos irmãos de Corinto. 1.2 Paulo dá graças a Deus pelo crescimento solidário dos coríntios 89 Enquanto ainda estava na sua terceira viagem missionária, Paulo reencontrou-se com Tito, que também retornava de Corinto. Ele estava preocupado com a reação que os coríntios haviam tido com a forma enérgica que havia escrito a última carta. No entanto, Tito traz boas notícias: a comunidade havia recebido com respeito a sua mensagem e havia realizado uma coleta para ajudar os irmãos de Jerusalém que passavam por necessidade (2 Co 7.6,7,13-16). Paulo fica contente com o amadurecimento da comunidade. Ele agradece a Deus na presença dos macedônios pelo amor e pela disponibilidade dos coríntios de ajudar a comunidade cristã em Jerusalém (2 Co 7.5). A ação dos coríntios é contagiante, e a comunidade da Macedônia (Filipos e Tessalônica) também se mobiliza para angariar ofertas e organizar uma grande coleta para a irmandade de Jerusalém (2 Co 8.1-4). O Espírito Santo estava atuando na semeadura de Paulo, agora unidos pela solidariedade. Paulo, mais aliviado com as notícias de Tito, resolve escrever uma nova carta, conhecida como a “Carta de Reconciliação” aos Coríntios (2 Co 1.1–2.13; 7.5-16). Por fim, Paulo passa pela Grécia e chega a Acaia, onde permanece por um período de três meses, sua terceira e última viagem a Corinto (2 Co 12.14). A comunidade de Corinto, nessa última viagem, aparentemente se encontrava pacificada. Pelo menos é o que transparece a carta que Paulo escreveu aos romanosnesse período em que estava hospedado na casa de Gaio. Auxiliado pelo amanuense Tércio, ele escreve à comunidade romana sem citar nenhum inconveniente nessa sua última estada em Corinto. 1.3 Apolo Regou a Semente Plantada por Paulo (1 Co 3.4-9; At 18.24-28) 1.3.1 Apolo, o filósofo cristão (At 18.24,25) Apolo, forma abreviada de Apolônio, era um judeu da diáspora (origem judaica, porém de cultura grega), natural de Alexandria (At 18.24). Ele destacava-se pela sua eloquência na oratória e pelo conhecimento hábil das 90 escrituras judaicas. Portanto, ele era da escola judaico-helênica de Alexandria. Um dos grandes nomes dessa escola é o do judeu Fílon, que promoveu a união entre a teologia judaica com a filosofia grega, em especial Platão, alegorizando os textos das Escrituras para aproximar-se da cultura grega. Provavelmente, Apolo foi discípulo de Fílon e influenciado pela sua interpretação alegórica. Portanto, suas mensagens representavam um cristianismo de elegância platônica. Ele conseguia provar com perspicácia a messianidade profética de Jesus, mas ainda não conhecia o sentido transcendente de sua morte, ressurreição, união mística de Cristo com a igreja, dentre outras experiências do cristianismo. O texto informa que ele “era instruído no caminho do Senhor; e, fervoroso de espírito, falava e ensinava diligentemente as coisas do Senhor, conhecendo somente o batismo de João” (v. 25). Em outras palavras, era verdade o que ele ensinou sobre Jesus e a sua doutrina, mas não era toda a verdade: era eloquente, mas não conhecia o batismo no Espírito Santo. Ele tinha uma formação cristã semelhante a daqueles “discípulos” que Paulo encontrou em Éfeso, que também não sabiam mais nada senão do batismo de João (At 19.1-3). É possível que esse cristianismo incompleto de Apolo e dos discípulos que Paulo encontrou em Éfeso refletisse a situação da igreja de Alexandria daquela época. Possivelmente, ela tenha iniciado com discípulos que tinham ouvido a pregação de João Batista em Israel e conheciam Jesus de ouvir falar, de testemunhos 91 e relatos sobre sua vida. Todavia, não tiveram sequência após o nascimento das comunidades cristãs fora do território judeu com a expansão de alguns discípulos e, em especial, com o apóstolo Paulo. Alguns textos do evangelho segundo escreveu João sugerem a ideia de que ainda existiam seguidores de João Batista mais ou menos distantes dos cristãos e que foi necessário que o evangelista, no intuito de aproximarem-nos, destacasse o entrosamento entre João Batista e Jesus (Jo 1.15,29-36; 3.26-30; 5.33; 10.41). 1.3.2 Apolo sucede Paulo em Corinto (At 18.27,28) Enquanto Paulo continuava à sua segunda viagem missionária, Apolo chegava a Éfeso (1 Co 18.23-28). O seu conhecimento das Escrituras e a sua eloquência chamam atenção até de Priscila e Áquila (At 18.27). O casal cristão percebe que os discursos de Apolo eram profundos, porém intelectualistas, e faltavam a experiência do evangelho. Rhoden faz um interessante comentário sobre o encontro entre Apolo e o casal de cristãos: Áquila e Priscila admiravam sinceramente a inteligência, a facúndia e o idealismo religioso do conferencista – mas não se sentiam plenamente satisfeitos. Faltava aos discursos de Apolo alguma coisa... um elemento sagrado... aquele fogo divino que ardia sempre no fundo dos sermões de Paulo, aquela veemência da fé, aquela mística sublime que, quando jorrava dos lábios de Paulo, parecia rasgar todos os véus da materialidade e descortinar novos mundos de beleza sobrenatural. Os discursos de Apolo eram profundos e geniais, porém, unilateralmente intelectualistas. Faltava-lhe a 92 sacralidade mística que constitui suprema harmonia da ciência e da fé. Apolo insistia mais na “gnosis” (conhecimento) do que na “pistis” (fé). Nesse relato, fica evidente por que Apolo caiu nas graças dos coríntios: ele ainda insistia mais na base do conhecimento humano do que no poder de Deus. Então, o casal convida-o para a sua casa e fazem o discipulado dele, e Apolo, mesmo com todo o conhecimento e desenvoltura, coloca-se aos pés do casal para aprender do evangelho de Cristo. Os irmãos de Éfeso enviam Apolo a Corinto com uma carta de recomendação aos presbíteros da igreja. Essas cartas eram comuns na diáspora judaica (At 28.21) e também entre os cristãos (Rm 16.1,2; 2 Co 3.1; Cl 4.10). O conhecimento, a eloquência e a excelente oratória ao rebater vigorosamente os judeus em público e demonstrar pelas Escrituras que Jesus era o Messias conquistam os coríntios. No entanto, com sua perspicácia e sinceridade, ele percebe o perigo de cisão entre os neófitos de Corinto e retorna para Éfeso. Isso demonstra a integridade do seu caráter e a lealdade das suas intenções. Apolo é citado várias vezes nas cartas paulinas, demonstrando que tinha por ele uma alta estima (1 Co 1.12; 3.4-6,22; 4.6; 16.12; Tt 3.13). Provavelmente, foi por esse motivo que Lucas julgou apropriado inserir o episódio com Apolo no livro de Atos dos Apóstolos, intercalando na narrativa das viagens missionárias do apóstolo. 1.3.3 Apolo ajudou os cristãos de Corinto a tornarem-se mais fortes na fé Na Primeira Carta aos Coríntios (1 Co 3.4-9), Paulo dá um destaque especial ao trabalho de Apolo, pois este era alguém que havia conquistado um grupo de pessoas da comunidade de Corinto a ponto de defenderem uma “bandeira” com o nome dele. O apóstolo 93 apresenta Apolo como seu sucessor no ministério da Palavra em Corinto, mesmo que não tenha sido preparado e enviado por ele para atender à comunidade. Paulo reconhece o ministério e o chamado de Apolo ao afirmar que havia regado onde ele havia plantado. Rhoden também comenta sobre a repercussão das preleções de Apolo entre os irmãos em Corinto: “Aí chegado – diz o historiador – prestou excelentes serviços aos fiéis, graças aos seus talentos, porque rebatia vigorosamente os judeus em público, demonstrando pelas Escrituras que Jesus era o Messias”. Tão vasta foi a repercussão dos seus discursos, que em breve se tornaram o tema obrigatório de todas as conversas em Corinto. Falava ao ar livre, porque não havia local na cidade que comportasse a multidão dos ouvintes. Este, sim, é nosso homem! – exclamavam os “intelectuais” de Corinto – Não é como aquele Paulo, que de filosofia nada entende, aquele bárbaro, sem estilo nem retórica... Este sim! Orador para a “elite”, era isto que faltava em Corinto... E logo se formaram dois partidos: - Eu sou do partido de Apolo! – Eu também! – Eu também! – Eu sou de Paulo! – intervinham outros, descrentes da filosofia e avessos à retórica (RHODEN, 1999, p. 248). Quando Apolo percebeu a boa recepção por meio da carta de recomendação e que as pessoas que ouviram as suas mensagens passaram a admirá-lo a ponto de formarem grupos em defesa de sua liderança, poderia tomar vantagem disso. Todavia, ele tinha um bom caráter e estava comprometido com a obra de Deus. Ele não era um oportunista. Certamente, o seu exemplo serviu para que alguns neófitos que formavam grupinhos fortalecessem sua fé no dono da obra, Jesus. Ele retorna a Éfeso e lá vai encontrar o apóstolo dos gentios e aprender aos seus pés, sendo-lhe útil em seu ministério. 1.4 A Obra de Deus Envolve muitos Cooperadores (3.7-9) 94 1.4.1 A obra de Deus é feita por cooperadores voluntários e comprometidos Os coríntios estavam brigando por seus líderes preferidos. Toda organização precisa de líderes, porém existem liderados que não aprendem a caminhar sozinhos. Assim, ficam totalmente dependentes de seus líderes a ponto de endeusá-los e considerá- los insubstituíveis. A pessoa não pode ser valorizada mais do que a própria comunidade a qual pertence. Por isso, Paulo sempre apontava para a cruz de Cristo. Paulo coloca-se na mesma posição de Apolo: cooperador de Deus. Paulo mostra que, independentemente dos grupos formados em seus nomes, ele e Apolo não tinham nenhum partidarismo ou divisão; a preocupação deles era com o Reino de Deus. Para eles, os valores fundamentais do cristianismo eram a doutrina e a fé,e não os pregadores. O apóstolo defende que ele e Apolo são meros instrumentos de Deus na vida dos membros da comunidade, assim como os demais cooperadores voluntários e comprometidos que também atuavam na obra do Senhor. Paulo e Apolo não eram rivais e, na qualidade de servos de Cristo, serviram à comunidade cristã de Corinto para a glória de Deus. Diante disso, Paulo afirma: “ora, o que planta e o que rega são um” (v. 8a). O numeral 1 aparece no gênero neutro em grego para indicar que ambas as pessoas pertencem à mesma categoria na lavoura de Deus. Paulo dedicou-se por 18 meses plantando e cuidando da plantação de Deus e, quando foi para Éfeso, deixou em Corinto uma comunidade cristã ainda no início de sua caminhada, pois era necessário continuar expandindo a pregação do evangelho. Quando Apolo esteve com os coríntios, na ausência do apóstolo, ele regou e continuou cuidando da plantação sem interesse em colher o que Paulo havia plantado. Ele ajudou os neófitos a crescerem na fé, reafirmando o ensino de Paulo e mostrando pelas Escrituras que Jesus era o Cristo (At 18.28). 95 Um trabalho em equipe e com um objetivo comum: esse era o compromisso dos cooperadores voluntários a serviço do Reino de Deus. Paulo e Apolo sentiam-se honrados em fazer um serviço que Deus poderia fazer ou delegar aos anjos, que é anunciar a mensagem do evangelho. No entanto, Deus delegou aos seres humanos que, de forma voluntária e comprometida, dispõem-se a fazê-lo. Paulo não está desmerecendo o trabalho para o qual os pregadores são chamados; pelo contrário! Quando ele escreve aos romanos, ele afirma categoricamente: “Como, pois, invocarão aquele em quem não creram? E como crerão naquele de quem não ouviram? E como ouvirão, se não há quem pregue?” (Rm 10.14). 1.4.2 Os cooperadores plantam e regam, mas somente Deus pode dar o crescimento Paulo defende que tanto o seu trabalho como o de Apolo eram importantes, mas teriam sido em vão se Deus não tivesse dado o crescimento como resultado da plantação e dos cuidados dos dois. Por isso, embora o trabalho dos dois tivesse sido vital para o nascimento da igreja em Corinto, eles reconhecem que somente Deus é que merecia receber o louvor. A expressão grega Theos (Deus) no fim do versículo 7 da frase é enfática, e isso é inegociável. Somente a Deus todo o louvor e toda a glória! Paulo e Apolo tinham dons distintos dados por Deus e reconheciam que não há crescimento natural e saudável sem o Senhor. O lavrador pode preparar a terra, lançar a melhor semente, adubar e limpar, mas somente Deus pode fazer chover e germinar a semente. Por isso, Paulo adverte aos coríntios que os méritos devem ser atribuídos a quem tem esse poder, e não aos lavradores. Com o trabalho de Paulo, Apolo e dos demais cooperadores da obra, Deus deu um crescimento de tal forma que a igreja de Corinto cresceu por toda a província da Ásia, tornando-se o núcleo do cristianismo na região. 96 De vez em quando, ouve-se no meio evangélico sobre pessoas anunciando líderes, pregadores e pregadoras como “o GRANDE HOMEM ou a GRANDE MULHER de Deus” em vez de chamá-los “o homem ou a mulher do GRANDE DEUS”. Que toda honra e toda glória sejam dadas a Deus! Os verbos gregos no texto indicam que tanto o trabalho de Paulo como o de Apolo eram temporários, mas o trabalho de Deus é contínuo e permanente. Paulo e Apolo um dia partiram de Corinto para não mais retornar, mas Deus continuou fazendo a igreja crescer e faz até os dias de hoje. Em outras palavras, é como se Paulo estivesse dizendo: “Parem com suas rixas absurdas por busca de reconhecimento por tarefas ou suposta sabedoria humana. O que fazemos não é nada se comparado com a atividade de Deus. Por isso, concentre-se somente nEle, pois é Ele quem salva e faz a igreja crescer.” 1.4.3 Disposição para servir Paulo e Apolo estavam alinhados com o exemplo de Cristo, que afirmou ter vindo ao mundo para servir, e não para ser servido (Mt 20.28). Jesus, durante a sua última refeição com seus discípulos, lavou-lhes os pés para ensiná-los como deveriam proceder entre eles e com as demais pessoas (Jo 13.1-16). O trabalho de lavar os pés era considerado uma das tarefas mais servis da época. Isso era levado tão a sério que Carson (2007, p. 462) afirma que “alguns judeus insistiam que não se devia exigir de escravos judeus que lavassem os pés de outros; esse trabalho devia ser reservado para escravos gentios ou para mulheres, crianças e discípulos”. Jesus assume o lugar dessas pessoas ao levantar-se da Ceia, vestir-se como servo (Jo 13.4,5) e lavar os pés dos seus discípulos. Ele, que se apresentara aos discípulos como Mestre e Senhor (Mt 20.28; Mc 10.45), age como servo (Fp 2.5-11). 97 O lava-pés, além da partilha do amor, retratava a solidariedade aos marginalizados, uma atitude na contraposição da postura opressora das autoridades romanas e seus representantes — uma referência ao Servo Sofredor de Isaías, despido de qualquer atitude de prepotência e que cuida de forma desinteressada dos desfavorecidos. O último momento de convivência de Jesus com seus discípulos deveria ser marcante e inesquecível. O gesto de Jesus na última refeição iria deixar claro que a vida cristã não faz sentido se não for acompanhada do serviço e do amor ao próximo, conforme o exemplo deixado por Jesus durante sua vida e ministério (Lc 22.24-27; Jo 13.13-16). Jesus coloca-se na posição de um escravo fazendo o serviço mais desprezível daquela cultura, o lava-pés, em um momento de grande expectativa dos discípulos, que aguardavam a implantação do Reino messiânico e, consequentemente, a libertação do jugo romano. Trata-se de um Reino do qual pretendiam fazer parte do comando, pois eram as pessoas de confiança de Cristo. Jesus revela de forma progressiva a realidade de seu Reino, diferentemente do reino político e de dominação que os discípulos e outros aguardavam; um Reino de solidariedade e serviço. Enquanto as pessoas, inclusive os discípulos, disputavam a posição de maior domínio e poder, Jesus apresenta-se como o menor e mais humilde. Paulo aprendeu com o exemplo deixado por Jesus e reconhecia o seu lugar de auxiliar e servo de Deus. Essa disposição para servir deu-lhe confiança quando se deparou com a morte (2 Tm 4.6-8). Infelizmente, como alguns dos coríntios, muitas pessoas na atualidade não compreenderam o modelo diaconal de Jesus e das primeiras comunidades cristãs e procuram ser servidos em vez de servir. Estes podem conquistar reconhecimento, poder e ter um histórico de anos de “serviços prestados”, mas continuam meninos na fé, sem entender a verdade do evangelho por causa da indisposição em servir. 98 Capítulo 8 A Impureza da Igreja de Corinto: Repreensões e Exortações A disciplina consciente e responsável é necessária por respeito ao Corpo de Cristo e para a salvação de quem comete o ato que escandaliza o sacrifício de Cristo. Texto bíblico em 1 Coríntios 5.1-13: Geralmente, se ouve que há entre vós fornicação e fornicação tal, qual nem ainda entre os gentios, como é haver quem abuse da mulher de seu pai. Estais inchados e nem ao menos vos entristecestes, por não ter sido dentre vós tirado quem cometeu tal ação. Eu, na verdade, ainda que ausente no corpo, mas presente no espírito, já determinei, como se estivesse presente, que o que tal ato praticou, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo, juntos vós e o meu espírito, pelo poder de nosso Senhor Jesus Cristo, seja entregue a Satanás para destruição da carne, para que o espírito seja salvo no Dia do Senhor Jesus. Não é boa a vossa jactância. Não sabeis que um pouco de fermento faz levedar toda a massa? Alimpai-vos, pois, do fermento velho, para que sejais uma nova massa, assim como estais sem fermento. Porque Cristo, nossa páscoa, foi sacrificado por nós. Pelo que façamos festa, não com o fermento velho, nem com o fermento da maldade e da malícia, mas com os asmos da sinceridade e da verdade. Já por carta vos tenho escrito que não vos associeis com os que se prostituem; isso não quer dizer absolutamente com os devassosdeste mundo, ou com os avarentos, ou com os roubadores, ou com os idólatras; porque então vos seria necessário sair do mundo. Mas, agora, escrevi que não vos associeis com aquele que, dizendo-se irmão, for devasso, ou avarento, ou idólatra, ou maldizente, ou beberrão, ou roubador; com o tal nem ainda comais. Porque que tenho eu em julgar 99 também os que estão de fora? Não julgais vós os que estão dentro? Mas Deus julga os que estão de fora. Tirai, pois, dentre vós a esse iníquo. Paulo registra um problema na comunidade que era um verdadeiro escândalo de ordem moral, inconcebível até mesmo no paganismo. Um dos membros da comunidade estava amasiado com sua madrasta. O apóstolo censura duramente a comunidade, que parecia estar indiferente com a vexatória situação. Ele propôs uma ação que não era e continua não sendo agradável: a aplicação da disciplina para preservação da comunidade como Corpo de Cristo. A disciplina deve ser aplicada com amor, e não por vanglória ou imposição de poder e dominação. 1.1 O significado de Disciplina (5.1-5) 1.1.1 Respeito e cuidado com o Corpo de Cristo (5.1-3) 100 Paulo inicia o capítulo dizendo que “geralmente se ouve que há vós um ato imoral” que tem causado escândalo (v. 1). A igreja em Corinto não ficou alheia às práticas imorais da cidade, e Paulo vê-se obrigado a repreender até um caso de fornicação de uma madrasta com o seu enteado (1 Co 5.1). O texto não deixa claro como se deu a relação dos dois, se o filho seduziu a madrasta e tirou-a do pai, ou se conservou o relacionamento sob o disfarce do casamento. Paulo não estava sendo leviano em sua acusação, ou seja, não era uma suspeita incerta. Ele estava certo de que o relacionamento imoral era de conhecimento público e causava um grande escândalo dentro e fora da igreja; logo, um caso extremo e que exigia uma ação firme e bem executada. O apóstolo afirma que nem mesmo entre os gentios havia tal imoralidade sexual, tradução da expressão grega porneia. O casamento ou concubinato com a madrasta era condenado tanto pelos judeus quanto também pelos gentios. No Antigo Testamento, há uma proibição clara quanto à atividade sexual entre um homem e a esposa de seu pai (Lv 18.8; 20.11; Dt 22.30). A punição para esse pecado era a morte. A lei romana proibia tal situação mesmo que o pai houvesse morrido. Esse relato mostra-nos que nem todos que frequentam as igrejas estão verdadeiramente libertos. O apóstolo não estava expondo os envolvidos indevidamente, pois o fato não era segredo para ninguém. Ele estava censurando os líderes que estavam preocupados com a imagem própria e causando divisões, em vez de tratar do caso grave que estava causando prejuízo à igreja em Corinto. O ato já se havia tornado um escândalo público e não era somente de conhecimento dos membros da comunidade. Provavelmente, o fato era tema de algumas conversas dos membros e de também das outras pessoas; algo precisava ser feito e rápido. A disciplina deve ser aplicada quando outros meios de persuasão como aconselhamento e orientação pastoral não surtirem efeitos. A disciplina não é um ato de vingança, mas uma atitude terapêutica 101 para cura de um grande mal que esteja afetando a igreja, que Paulo compara a um corpo; portanto, uma atitude de respeito e cuidado com o Corpo de Cristo. A disciplina era necessária para preservar o “Templo de Deus” (3.16,17; 6.19). 1.1.2 A disciplina é uma decisão que deve ser tomada em conjunto (5.4) A aplicação da disciplina com exclusão de membros é uma ação extrema a ser tomada na igreja, que tem a responsabilidade de fazê-lo. Essa atitude não é uma das mais populares. No entanto, dependendo do impacto para a igreja e para a sociedade, não pode ser evitada. Paulo assevera que essa era uma decisão que deveria ser tomada em conjunto (v. 4). Quando uma pessoa toma uma decisão complexa sozinha, corre o risco de errar e, em vez de trazer benefícios, pode trazer malefícios para a(s) família(s) envolvida(s), bem como a comunidade em geral. O grupo que tomará a decisão deve ser formado por pessoas idôneas, com boa reputação e que não tenha nenhum conflito de interesse com o caso a ser julgado (Mt 18.15-17). Paulo reforça que a decisão em conjunto deve ser tomada “em nome de nosso Senhor Jesus Cristo” e “pelo poder de nosso Senhor Jesus Cristo”. Calvino faz uma importante consideração em relação a essa ressalva do apóstolo: Pois não é suficiente estarmos reunidos, se isso não é feito no nome de Cristo; pois até mesmo os ímpios se congregam para maquinar seus males, seus planos iníquos. Além do mais, para que a reunião seja celebrada no nome de Cristo, duas coisas são requeridas: (1) que tenha início com a invocação de seu nome; e (2) não se deve realizar nada que não esteja em conformidade com sua Palavra. Portanto, que as pessoas reunidas estejam comprometidas de só agir depois que o Senhor seja invocado com toda sinceridade, rogando que sejam guiados por seu Espírito e que todos seus planos sejam, por sua graça, dirigidos 102 rumo a resultados benéficos. [...] Em suma, quando Paulo impele os coríntios a se reunirem no nome de Cristo, ele solicita não tanto que usem o nome de Cristo ou o confessem com seus lábios (porque também os ímpios podem fazê-lo), mas que o busquem sinceramente, com todas as veras do coração. Além do mais, ao dizer isso, ele indica a seriedade e importância do que está dizendo. [...] Daí inferirmos quão importante é a excomunhão legítima aos olhos de Deus, visto que ela depende do poder de Deus (CALVINO, 2003, p. 160). 1.1.3 Disciplina é um tratamento para cura espiritual (5.5) A História da Igreja deixa claro que já houve muitos abusos com a aplicação da disciplina. Muitas pessoas foram excomungadas e excluídas por motivos banais ou por diferenças pessoais entre lideranças e liderados. Era utilizada mais como instrumento de intimidação, de interesse e de poder do que com objetivo de cura e transformação de vida para a salvação. Paulo aqui pode parecer incoerente com seu ensino de comunhão (1.9), mas sua intenção era de preservação tanto da comunidade quanto da pessoa envolvida no escândalo. A expressão utilizada “seja entregue a Satanás” tem causado perturbações em alguns leitores bíblicos, mas isso não significava que o membro estava definitivamente perdido. Durante a História da Igreja, até personagens importantes do cristianismo como Crisóstomo interpretavam as palavras do apóstolo nesse versículo, aliado também a 1 Timóteo 1.2 e a Tito 3.10 (ensino considerado herético), como a aplicação de algum castigo físico muito severo. Todavia, o texto não aponta para esse tipo de aplicação, mas, sim, no sentido de disciplina de excomunhão por um período de tempo para, depois, reintroduzi-lo em caso de mudança de comportamento. Não há como negar que a pessoa disciplinada que não tenha mais ligação com a igreja estará mais exposta a ser 103 seduzida a continuar nas mesmas práticas ou ainda se entregar de forma mais ampla à vida escrava do pecado. Paulo esclarece que a disciplina era para “destruição da carne” (v. 5); se ele mudasse de rumo e de comportamento, o seu espírito seria salvo. Dessa forma, fica claro que a intenção do apóstolo não era descartar os envolvidos, mas salvar suas almas. O sofrimento também serve aos sábios propósitos de Deus (Jo 9.3). Na situação atual, ele estava em “comunhão” com a igreja, mas, em contrapartida, com a sua alma perdida. Jesus veio ao mundo para destruir as obras do Diabo (1 Jo 3.8), libertando o ser humano do pecado, mas também o libertando do sofrimento provocado pelas sequelas da sedução ao pecado. Jesus “andou fazendo o bem e curando a todos os oprimidos do diabo, porque Deus era com ele” (At 10.38). 1.2 A Disciplina como Preservação da Santidade da Igreja (5.6-9) 1.2.1 A analogia do fermento velho (5.6,7) Os primeiros convertidos gentílicos ao cristianismo ainda mantinham um baixo padrão moral, e essa foi uma das grandes dificuldades da Igreja Primitiva. Aqueles que passaram primeiro pela religião judaica tinham geralmenteum padrão moral acima dos demais gentios, pois os simpatizantes ao judaísmo eram fortalecidos nessa área por meio do impacto da Lei Mosaica, que sustentava um ideal moral e elevou esse padrão dos simpatizantes. Muitos desses foram convencidos pelo poder do Espírito Santo durante as pregações dos apóstolos e discípulos de Jesus. Dessa forma, havia o risco de o padrão dos gentios, na questão da moralidade, ser abaixo dos devotos do judaísmo convertidos ao cristianismo. Goudge (1915, pp. 37,38) afirma que esse perigo para a Igreja Primitiva foi tratado de duas maneiras: 1) foi inserida uma advertência contra a fornicação entre 104 as disposições disciplinares aos cristãos gentílicos no Concílio de Jerusalém (At 15.29); 2) o próprio apóstolo Paulo doutrinava, em especial em 1 Coríntios, a total incoerência de impureza moral com a posição espiritual do cristão. Todavia, o caso específico a que estamos tratando (incesto com a madrasta) era condenado até pelos gentios. Para mostrar o quão nociva era a atitude displicente e descuidosa de alguns coríntios, que se consideravam tão superiores aos outros e deleitavam-se nos seus próprios erros a ponto de ficarem indiferentes ao caso grave que estava acontecendo, Paulo recorre a uma analogia utilizando uma figura da tradição dos judeus. Presumidamente, entre os opositores de Paulo, muitos eram judeus convertidos ao Cristianismo. Eles, em nome da liberdade, em vez de tratar do caso, orgulhavam-se disso (5.2,6). Então, o apóstolo usa a metáfora do fermento, elemento que era proibido na preparação da Páscoa. Essa metáfora também fora utilizada por Jesus (Mc 8.15) e por Paulo (Gl 5.9) sempre no sentido negativo. Paulo usa a metáfora para exemplificar que o pecado não tratado alastra-se rapidamente assim como o fermento na preparação do pão. Interessante ressaltar que Paulo não se refere somente ao caso de incesto, mas também ao comportamento dos coríntios orgulhosos e facciosos. O capítulo 6 da Carta demonstra que o fermento da imoralidade já estava agindo na igreja. Por isso, a necessidade de retirar o fermento do meio da igreja (pecado deliberado). 1.2.2 Exortação à pureza cristã (5.8) Paulo exorta que, em vez de utilizar o fermento velho da velha natureza, eles deveriam fazer a festa da Páscoa com os pães asmos (sem fermento) da sinceridade e da verdade. O fermento velho e ultrapassado pode estragar toda a massa. Na Bíblia, na maioria das vezes em que é citado, o fermento é tido como um 105 símbolo do que é mau e prejudicial, com exceção de Mateus 13.33 e Lucas 13.21. A alusão à preparação e participação da Páscoa judaica fornece uma ilustração para a vida da comunidade cristã. Da mesma forma que, durante a celebração da Páscoa (celebração da ação libertadora de Deus na saída do Egito), era lançado fora todo tipo de fermento (Êx 12.15), assim também a igreja deveria purificar-se, retirando de seu meio todo tipo de pecado (Ef 4.22-24; Cl 3.10). A igreja, semelhante às práticas do judaísmo, deveria manter a Ceia da Páscoa, porém trazendo o novo sentido com vistas à cruz de Cristo. Paulo apresenta Cristo como o verdadeiro Cordeiro Pascal. O evangelista João, quando descreve a morte de Jesus, compara-a com a morte do cordeiro pascal, fazendo relações até nos mínimos detalhes: “Porque isso aconteceu para que se cumprisse a Escritura, que diz: Nenhum dos seus ossos será quebrado” (Jo 19.36). O sangue de Cristo aspergido na cruz é a causa da libertação espiritual daqueles que aceitam seu sacrifício como meio de redenção, assim como o sangue do cordeiro pascal era a libertação da maior das 10 pragas que ocorreram no Egito: a morte (Êx 12.13). Portanto, a manutenção da pureza é uma forma de gratidão e respeito ao sacrifício vicário de Cristo. Paulo afirma que eles deveriam fazer a festa da Páscoa com pães asmos (sem fermento) da sinceridade e da verdade. A alusão à preparação e participação da Páscoa judaica fornece uma ilustração para a vida da comunidade cristã. No novo Israel de Deus, a igreja universal de Cristo, a celebração da libertação dá-se no culto da Ceia do Senhor, que Paulo vai orientar sobre os procedimentos durante a celebração mais à frente na carta. Paulo, por meio da analogia entre a Páscoa judaica e a Ceia do Senhor, está alertando os coríntios sobre a alegria que os cristãos devem sentir por estarem limpos do pecado por meio do sangue de Cristo. Por isso, ele incentiva a celebração da salvação e liberdade em Cristo (Fp 2.12) e exorta à pureza cristã, 106 em consagração na busca de fazer a vontade de Deus (Rm 12.1,2; 1 Pe 2.5). Para uma comunidade cristã que fosse impactante e transformadora, era necessário que a igreja apresentasse-se com um comportamento puro, digno e alternativo ao comportamento imoral da sociedade em Corinto, que fosse capaz de atrair as pessoas de boa vontade para o evangelho de Cristo. 1.2.3 Paulo já havia advertido a igreja por carta sobre a prostituição (5.9,11,12) Paulo cita uma carta que se perdeu. Nesta, ele já havia advertido sobre os perigos de associar-se às pessoas da comunidade que se prostituíam, pois tal comportamento não poderia ser incentivado nem tolerado dentro da comunidade cristã. Como o texto foi perdido, não temos informações adicionais sobre o conteúdo da breve carta. Contudo, é possível identificar que os coríntios não tinham interpretado o conteúdo de forma correta — talvez até por isso ela tenha se perdido. Então, Paulo reforça o que tinha em mente quando escreveu a carta: Mas, agora, escrevi que não vos associeis com aquele que, dizendo-se irmão, for devasso, ou avarento, ou idólatra, ou maldizente, ou beberrão, ou roubador; com o tal nem ainda comais. Porque que tenho eu em julgar também os que estão de fora? Não julgais vós os que estão dentro? (1 Co 5.11,12). Como visto, a imoralidade sexual era um assunto recorrente e que ainda continuava preocupando o apóstolo devido ao comportamento de alguns e a tolerância de outros. Paulo chega ao ponto de pedir a excomunhão do membro incestuoso e a aplicação de uma disciplina severa proporcional ao dano — provavelmente é por essa razão que ele repete a expressão “imoralidade sexual” 107 quatro vezes (5.1,9,10,11). Talvez, na carta perdida, o apóstolo tenha usado a expressão de forma geral; aqui ele é bem direto e cita o caso específico de uma pessoa imoral (v. 11). A vida do “velho homem”, a vida pregressa antes de conhecer o evangelho, deveria ficar no passado. Como membro da comunidade de Cristo, o cristão deveria ter uma vida separada, principalmente da prostituição, que era uma prática comum e tolerada na cidade de Corinto. Paulo é severo na sua admoestação e, nessa carta, ele amplia a lista de pessoas que se diziam irmãos e não eram. Ele exorta: “não vos associeis com aquele que, dizendo-se irmão, for devasso, ou avarento, ou idólatra, ou maldizente, ou beberrão, ou roubador” (v. 11) e acrescenta que “com o tal nem ainda comais” (v. 11). Na época, as refeições comunitárias eram compartilhadas com a Ceia do Senhor (1 Co 10.14-22; 11.17-34), como será visto em capítulo específico deste livro. Portanto, era necessário valorizar a vivência na comunidade fraternal, fruto do sacrifício de Cristo. 1.3 O Cuidado com a Pessoa depois da Disciplina (5.10,12a,13) 1.3.1 O cristão deve amar o pecador e odiar o pecado Paulo distingue entre o tratamento com a pessoa que vive na prática do pecado dentro da comunidade e a pessoa na mesma condição fora da igreja. No entanto, nas duas situações, a essência é a mesma, pois a orientação bíblica é de amar o pecador e odiar o pecado. No entanto, o apóstolo diferencia o tratamento ao membro da comunidade que se diz cristão e continua com a mesma prática de vida anterior, uma vez que, como membro, ele está automaticamente se submetendo às normas internas da igreja. De outra forma, essa pessoa não precisaria inserir-se no meio da comunidade. Paulo tem em mente algumas pessoas que não querem nada com o evangelho; na realidade, elas aproximam-se do evangelho e da comunidade cristã com o intuitode tirar vantagens ou obter benefícios. O tratamento equilibrado e disciplinador dentro das normas da igreja certamente coíbe a atitude dessas pessoas. 108 Paulo exorta alguns coríntios por serem complacentes com o pecado e ainda se orgulharem dessa suposta liberdade (5.2,6). A questão diz respeito à disciplina da igreja. O membro que continua em práticas imorais torna-se uma mancha na integridade da Igreja (2 Pe 2.13; Jd 12). A comunidade cristã, no que concerne à jurisdição específica da igreja, não pode coadunar com o pecado praticado por pessoas em seu ambiente interno, porquanto a complacência funciona como incentivo à continuidade da prática do pecado e contamina o meio. A disciplina é para um caso que realmente requer tal ação, se a pessoa realmente estiver em busca de mudança de vida, o pecador irá arrepender-se e voltar às práticas separadas para a vida cristã (2 Ts 3.14,15). Entretanto, Paulo quer evitar que os membros queiram viver isolados da sociedade em que estão inseridos. Afinal, eles dividem o mesmo espaço. Isso, todavia, não significa que precisem ter as mesmas práticas; pelo contrário, os cristãos devem ser testemunhas do Evangelho (v. 10b). Jesus, na oração sacerdotal, pediu ao Pai: “Não peço que os tires do mundo, mas que os livres do mal” (Jo 17.15). O próprio Jesus foi acusado várias vezes de ser amigo dos cobradores de impostos e pecadores, que eram odiados pelos judeus, pois se sentava à mesa com eles (Mt 11.19; Lc 15.2). Isso era um grande escândalo para alguns líderes religiosos. 1.3.2 O processo disciplinar deve ser aplicado em um ambiente de responsabilidade, crescimento, perdão e graça A Igreja, como Corpo de Cristo, não cumprirá seu propósito divino se deixar de atuar na cura espiritual de seus membros. Jesus traz uma orientação específica em Mateus 18.14-18 que merece ser citada: Assim também não é vontade de vosso Pai, que está nos céus, que um destes pequeninos se perca. Ora, se teu irmão pecar contra ti, vai e repreende-o entre ti e ele só; se te ouvir, 109 ganhaste a teu irmão. Mas, se não te ouvir, leva ainda contigo um ou dois, para que, pela boca de duas ou três testemunhas, toda palavra seja confirmada. E, se não as escutar, dize-o à igreja; e, se também não escutar a igreja, considera-o como um gentio e publicano. Em verdade vos digo que tudo o que ligardes na terra será ligado no céu, e tudo o que desligardes na terra será desligado no céu. Nessa perícope, Jesus já antecipa a função da disciplina e exclusão para as comunidades cristãs que se formariam no futuro, assim como era uma prática comum na comunidade judaica (Lc 6.22; Jo 9.22). Em certas associações e comunidades da sociedade atual, essa prática continua em seus próprios regimentos internos e estatutos. Porém, a exclusão da igreja é uma pena muito mais terrível do que a exclusão de qualquer outra associação da sociedade. No sentido espiritual, ser excluído do Corpo de Cristo é uma “punição” terrível. Agora, imagine para quem aplica a disciplina e a exclusão de forma injusta, ou seja, alguém se utilizando de forma errada do poder que lhe é atribuído (3 Jo 10). Por isso, Paulo recomenda que a aplicação da disciplina deve ser “em nome de nosso Senhor Jesus”, com a autoridade recebida, mas no “poder de Nosso Senhor Jesus” (Mt 18.18; Jo 20.23), como já dito. A disciplina eclesiástica deve ser um exercício de misericórdia e amor. Para que isso seja uma realidade na igreja, ela deve ser aplicada em um ambiente de responsabilidade (Corpo de Cristo), crescimento (superação e mudança para melhor), perdão (olhar de misericórdia) e graça (não é uma moeda de troca) que deve permear as nossas igrejas. Quando Paulo escreve aos tessalonicenses, orienta para que o membro em disciplina seja advertido como um irmão (2 Ts 3.15). Cada membro deve ajudar o outro em suas dificuldades, nunca julgar precipitadamente ou criticar, sabedor de que todos somos devedores e dependentes da graça de Deus. O cristão não deve achar que é melhor do que os outros por estar, em determinado 110 momento, numa situação espiritual melhor. A igreja e, em especial, os líderes têm a responsabilidade de proteger a reputação dos membros e evitar a exposição desnecessária, além das potenciais fofocas. 1.3.3 A disciplina não significa abandono da pessoa disciplinada O processo disciplinar é uma forma de respeito ao Corpo de Cristo e tem como objetivo contribuir para que a pessoa disciplinada alcance o arrependimento. É um tratamento espiritual, um momento de reflexão sobre os atos cometidos e o que precisa melhorar para estar dentro da vontade de Deus. Todavia, a pessoa não pode ser deixada sozinha para lidar com a situação. Quanto melhor assessorada por representantes da igreja, mais eficiente será o resultado do processo de restauração daqueles que tropeçam. Os membros devem ser constantemente orientados sobre como devem lidar com as pessoas com dificuldades na vida espiritual, quer sejam disciplinadas, quer não. No caso de uma disciplina, o objetivo deve ser claro para a membresia; deve ser explicado que não é um ato para rejeição ou para cortar as relações. Pelo contrário, os membros devem relacionar-se com a pessoa em disciplina normalmente. A pessoa deve ser encorajada a frequentar as reuniões da igreja e continuar ouvindo a Palavra de Deus. A pessoa disciplinada não pode ser abandonada e tratada com preconceito — afinal, todas as pessoas são sujeitas a falhas. A orientação bíblica para quem está em comunhão é “vigiar para que não caia”. Aos que caíram em alguma falha, a igreja deve oferecer apoio. É de suma importância que a igreja tenha uma equipe capacitada para acompanhar as pessoas que passam pela disciplina. Se possível, um treinamento oficial da igreja, elaborado e aplicado por instrutores experientes que comprovadamente demonstrem amor pelas almas e, acima de tudo, sejam comprometidos com o Reino de Deus. A disciplina é uma forma de confrontar o cristão que pecou com seu pecado e mostrar que, apesar de tudo, a igreja certamente o ama e deseja vê-lo 111 restaurado; por isso, ela não o abandonará e continuará discipulando-o. Capítulo 9 Paulo Censura a Contenda entre os Irmãos O cristão deve evitar as contendas judiciais com membros da igreja, pois qualquer acerto é melhor do que uma contenda jurídica, principalmente com um irmão de fé. Texto bíblico em 1 Coríntios 6.1-11: Ousa algum de vós, tendo algum negócio contra outro, ir a juízo perante os injustos e não perante os santos? Não sabeis vós que os santos hão de julgar o mundo? Ora, se o mundo deve ser julgado por vós, sois, porventura, indignos de julgar as coisas mínimas? Não sabeis vós que havemos de julgar os anjos? Quanto mais as coisas pertencentes a esta vida? Então, se tiverdes negócios em juízo, pertencentes a esta vida, pondes na cadeira aos que são de menos estima na igreja? Para vos envergonhar o digo: Não há, pois, entre vós sábios, nem mesmo um, que possa julgar entre seus irmãos? Mas o irmão vai a juízo com o irmão, e isso perante infiéis. Na verdade, é já realmente uma falta entre vós terdes demandas uns contra os outros. Por que não sofreis, antes, a injustiça? Por que não sofreis, antes, o dano? Mas vós mesmos fazeis a injustiça e fazeis o dano e isso aos irmãos. Não sabeis que os injustos não hão de herdar o Reino de Deus? Não erreis: nem os devassos, nem os idólatras, nem os adúlteros, nem os efeminados, nem os sodomitas, nem os ladrões, nem os avarentos, nem os bêbados, nem os maldizentes, nem os roubadores herdarão o Reino de Deus. E é o que alguns têm sido, mas haveis sido lavados, mas haveis sido santificados, mas haveis sido justificados em nome do Senhor Jesus e pelo Espírito do nosso Deus. 112 Alguns cristãos da comunidade de Corinto estavam levando outros irmãos à justiça para resolver suas diferenças. Paulo irrita-se com tal comportamento e orienta-os a tratar as questões internamente para não escandalizar a igreja e para não trazer maiores prejuízos à unidade da igreja e das famílias. Paulo afirma que a igrejatem mais competência de julgar as questões internas do que o sistema de justiça romano. 1.1 O Direito e o Sistema de Justiça Romano 1.1.1 O universo jurídico romano O sistema judicial atual herdou muito do sistema jurídico e social do Império Romano. Os romanos tiveram de desenvolver uma estrutura que atendesse a sociedade, que era nitidamente litigiosa devido à complexidade de gestão e de um império tão abrangente como o romano. Paulo deixa claro que, no universo jurídico romano, a prática da injustiça era comum. As decisões eram tomadas com objetivo de favorecer os patronos ricos, que ele denomina como “poderosos”. Keener (2005, p. 52) afirma que a maioria dos processos litigiosos daquela época estavam relacionados a questões de propriedade entre os ricos, sendo que algumas rixas eram simplesmente pretextos para vingar agravos e perseguir pessoas consideradas inimigas. Dessa forma, as questões precisavam ser intermediadas pelo sistema jurídico romano, que dava a palavra final de resolução do problema. Todavia, a jurisprudência não era exercida com imparcialidade pelos representantes da “justiça romana”, pois a sociedade romana ficou conhecida por ser corrupta e ter por comum a prática do suborno. 1.1.2 O modelo de funcionamento dos tribunais romanos nos dias de Paulo Os tribunais romanos possuíam jurisdição e deliberavam sobre processos que envolvessem cidadãos romanos em todo o império. 113 Para as demais pessoas que não tinham cidadania romana, o Império Romano tinha como política respeitar a “tradição local” ou as “leis da terra” dos povos romanizados como forma de fortalecer a estabilidade social. Porém, quando as leis provinciais entravam em conflito com as leis ou costumes romanos, podiam ser feitos apelos aos tribunais romanos. Nesse caso, o imperador era a autoridade competente para tomar a decisão final. As questões legais eram julgadas pelos magistrados e, especialmente, pelo governador romano. Em Corinto, o Fórum do governador ficava no centro da Ágora; em sua volta, havia vários templos e estátuas que representavam deuses pagãos. Conforme o costume romano, os julgamentos eram realizados voltados para essas estátuas, que simbolizavam entidades religiosas. As sentenças tinham de ser proferidas de dia porque acreditavam que o deus Júpiter estaria presente para assistir os debates e iluminaria a decisão nos julgamentos. O trabalho do tribunal não era gratuito; havia despesa financeira com advogados. Quem não tivesse dinheiro para pagar advogados dependia do auxílio de um patrono. Sendo assim, o acesso era somente para as pessoas que tinham recursos para contratar especialistas. Vale ressaltar também que imperava em Roma o modo de produção escravista. De tal modo, escravos não tinham direitos a serem reclamados. Nos demais casos, os juízes ficavam às portas das cidades para julgar questões, uma espécie de “tribunal de pequenas causas”, quando procurados por aqueles que se diziam lesados. 1.1.3 O direito romano e a estrutura social na sociedade de Corinto Na sociedade greco-romana, o homem prevalecia sobre a mulher, os pais sobre os filhos, e os senhores sobre os escravos. A mudança de comportamento e relacionamento proposto pelo evangelho contrastava muito com a cultura do império. Pelo que tudo indica, o modelo e as práticas dos processos litigiosos dos tribunais romanos, que estavam relacionados a questões de 114 propriedade, repetiam-se nos conflitos da comunidade cristã em Corinto. Em seu estudo sobre a influência de uma minoria privilegiada nos problemas abordados na Primeira Carta aos Coríntios, Hoefelmann faz o seguinte comentário: Coisa semelhante se verifica na questão dos processos diante de tribunais pagãos (1 Cor 6,1-11). Os processos envolvem questões de dinheiro e de negócios (v. 4). Ora, pessoas de poucos bens ou sem bens não tem condições de encaminhar processos semelhantes. São as pessoas influentes que, com o auxílio de hábeis advogados, podem defender sua compreensão de direito diante do tribunal. No versículo 5 o próprio Paulo parece aludir de forma irônica ao status social dos litigantes: quem se julga “sábio” deveria ser suficientemente inteligente para saber resolver seus litígios (HOEFELMANN, 1996, p. 29). Pelo que tudo indica, os irmãos mais abastados que, desde antes de sua conversão, eram beneficiados pelos tribunais romanos continuavam bem alinhados com esse universo jurídico — infelizmente, para tirar vantagem sobre os irmãos mais pobres e indefesos perante a “justiça” dos tribunais romanos. Logo, a estrutura social na sociedade de Corinto era injusta e privilegiava as diferenças; não havia igualdade de oportunidades, os ricos e poderosos ditavam as regras, e os pobres e os marginalizados não tinham como se defender e nem quem os defendesse. A injustiça e opressão dos vulneráveis era uma questão cultural. O modelo de produção escravista determinava as relações sociais. Paulo buscava impedir que o modelo de governo que regulava as estruturas e relações sociais da cidade determinasse a forma de vida dentro da comunidade cristã — uma luta difícil de ser superada, assim como é nos dias atuais. 1.2 A Estrutura de Funcionamento das Comunidades Cristãs e o Poder de Julgamento (6.7,8) 1.2.1 A estrutura de funcionamento das comunidades cristãs 115 O modelo hierárquico do Império Romano influenciava a estrutura da igreja. No entanto, a pregação cristã da solidariedade e o projeto da igualdade certamente influenciaram o pensamento das pessoas de menor poder aquisitivo e cultural, que vislumbravam a possibilidade de ascensão e mais liberdade dentro da nova comunidade. Por outro lado, os líderes das famílias passam a ser questionados quanto à manutenção do modelo estatal hierarquizado e opressor. A igreja em Corinto era organizada nas casas de alguns de seus membros. Ela teve a sua origem na casa de Justo, que ficava ao lado da sinagoga e vivia inserida no meio dos pobres do cais do porto de Corinto e que participava ativamente de tudo (1.26; 7.21). Segundo Costa e Rodriguez, a igreja local era uma cópia do modelo do Estado, mas com alguns avanços: A igreja doméstica funcionava como núcleo da comunidade cristã. A família era maior do que as nossas famílias de hoje. Havia familiares, clientes, sócios, escravos. Era como uma miniatura do estado. [...] a igreja se adaptou à organização do estado e isso trouxe muitas consequências, especialmente para a liderança da comunidade. O cabeça da família, chamado paterfamilias, exercia autoridade legal sobre o grupo cristão daquele lugar. O domínio natural do paterfamilias nas igrejas domésticas explica muito do patriarcalismo que dominou a Igreja desde as suas origens. Por outro lado, dentro da igreja doméstica, a mãe de família, muito provavelmente, tinha função significativa. [...] De fato, notamos que Paulo faz referência a mulheres que organizaram e lideraram comunidades em suas casas. [...] A igreja doméstica tornava possível a vida comunitária [...]. Na maioria das vezes, a conversão do paterfamilias, por causa de sua autoridade, era acompanhada de todos os componentes da sua casa. Isso explica a variedade de nível social e cultural dos componentes das primeiras comunidades cristãs, e fazia a diferença entre o Cristianismo e as associações religiosas greco-romanas que 116 agregavam, separadamente, pessoas de alto nível, pessoas das classes inferiores, ou ainda, só mulheres (COSTA E RODRIGUES, 2008, pp. 116-118). Como visto, a família não era somente os parentes próximos, mas também os agregados. As decisões passavam pela figura do cabeça da família, e, quando este se convertia, toda a casa deveria segui-lo na sua decisão — o que poderia caracterizar algumas falsas conversões modelo familiar seguia o modelo do estado; todavia, algumas evoluções nos relacionamentos interpessoais ocorreram nas famílias que se converteram ao cristianismo. A mulher passa a ter um papel mais significativo, e as conversões das famílias, formadas por várias classes sociais, passam a reunir-se em conjunto nasreuniões religiosas, diferentemente do que ocorria no modelo estatal, como falado. A igreja local passa a ser um conjunto dessas famílias; com isso, surge um grande desafio na nova forma de relação entre os diversos membros. A cultura não muda de um dia para o outro; a evolução é lenta. Todavia, Paulo insiste nos princípios do evangelho e na mudança de estilo de vida dentro das famílias e entre as famílias da comunidade. Em uma comunidade cristã nova como a de Corinto, os conflitos e a busca dos “direitos” institucionalizados pelo império seria inevitável, mas o apóstolo não poderia desanimar diante desse desafio. Ele insiste na implantação e manutenção dos valores do evangelho. Hoje, a igreja não consegue mudar a forma de organização capitalista pós-moderna, nem impedir que o modelo influencie sua cultura, mas, pelo menos internamente, pode promover uma relação mais igualitária. 1.2.2 Paulo propõe um modelo de conciliação de conflitos para a igreja local (6.1-6) O conflito faz parte da realidade constante da vida do ser humano. 117 Por esse motivo, Paulo apresenta uma série de conflitos na Carta aos Coríntios: • A divisão partidária dos membros da igreja (1 Co 1) • O escândalo do incesto e a convivência da igreja (1 Co 5) • Conflitos entre irmãos sendo submetidos aos tribunais pagãos (1 Co 6) • Libertinagem e prostituição (1 Co 6) • Práticas pagãs no relacionamento conjugal e sexual (1 Co 7) • Possibilidade ou não de comer carnes sacrificadas aos ídolos (1 Co 8,10) • A participação das mulheres na celebração do culto (1 Co 11) • Participação da Ceia do Senhor sem solidariedade (1 Co 11) • Utilização dos dons espirituais (1 Co 12,14) • Ceticismo quanto à ressurreição (1 Co 15) Para todos os conflitos, inclusive a submissão dos conflitos internos aos tribunais pagãos, o apóstolo apresenta proposta de espiritualidade e autonomia da igreja em relação ao poder imperial. Para ele, a comunidade cristã possui uma sabedoria superior à sabedoria das autoridades passageiras deste mundo (1 Co 2.6). Considerando o sistema ideológico e dominante greco-romano, Paulo apresenta uma forma inovadora de gestão independente e exclusiva para a comunidade cristã. Segundo Ferreira, nesse modelo, estão presentes duas propostas basilares: Essa perícope (vv. 1-11) deixa entrever uma postura ultraconsciente do Apóstolo. Ele apostou em algo, totalmente novo. O modo de produção escravagista romano e a sociedade 118 elitista grega não conheciam e nem tinham experiência do que Paulo sugeriu aqui. Ele propôs à comunidade de Corinto duas coisas fundamentais: a) a solidariedade do grupo; b) que a comunidade de Corinto resolvesse, autonomamente, seus assuntos internos, deixando de lado, a interferência do Estado (FERREIRA, 2013, p. 90). Paulo era um homem culto e sabia que, para uma sociedade como a da grande metrópole de Corinto, ele precisaria de um sistema jurídico para controlar os potenciais litígios. Uma cidade com diversidade tão acentuada de classes sociais, culturais e ideológicas era uma fonte de conflitos, em especial com a crescente classe de novos ricos, principais usuários do sistema jurídico imperial. No entanto, ele entendia que muitos desses conflitos poderiam ser resolvidos dentro da comunidade cristã, sem interferência do Estado. Assim, Paulo reconhece a importância desse processo de julgamento romano para a sociedade secular, porém destaca que a igreja tem um papel superior ao estabelecido no mundo secular. Ele faz isso numa perspectiva escatológica (Dn 7.22; 1 Ts 4.16-17; Mt 19.28; Lc 22.28-30), pois afirma que a igreja julgará o mundo (1 Co 6.2), como também os anjos (1 Co 6.3; Jd 6; 2 Pe 2.4). Evidente que isso é no futuro, e os salvos estarão em outro nível corporal e de conhecimento, mas, de toda forma, o apóstolo quer destacar o privilégio da Igreja como povo de Deus. Paulo propõe uma forma de valorizar o poder de resolução de problemas que a igreja pode exercer para resolver seus conflitos internos sem a necessidade de envolver pessoas externas. Se a igreja tem essa prerrogativa futura de julgamento do mundo e dos anjos, os problemas internos gerados por rixas entre os irmãos, comum em qualquer grupo humano, poderiam muito bem ser resolvidos pelas autoridades eclesiásticas e de forma justa. Paulo não estava incentivando a comunidade a isolar-se totalmente do mundo secular, mas que ela pudesse blindar-se das injustiças do sistema jurídico romano. Como afirma Ferreira (2013, p. 92): 119 “estando vivendo na sociedade desigual e injusta, os cristãos precisavam criar mecanismos de sobrevivência dentro da própria comunidade na base da justiça”. Paulo, com riqueza literária, utiliza da ironia ao afirmar que o mais desprezível dos membros da igreja teria melhores condições de julgamento do que os poderosos juízes romanos, uma vez que, como cristão, teria como base de julgamento os princípios cristãos (1 Co 6.4). Ele questiona se não havia na comunidade pessoa sábia o suficiente para julgar as rixas internas da comunidade (v. 5), em vez de submeter conflitos internos ao julgamento de injustos (v. 6). Por isso, o apóstolo propõe que as questões entre os irmãos fossem julgadas dentro do ideal igualitário cristão, sem favorecimentos injustos, tendo como base os princípios da fé cristã e Deus como o soberano. É evidente que, tanto na época do apóstolo quanto hoje, existem questões que não podem ser tratadas internamente, mas que precisam ser levadas até a justiça secular, conforme determina a própria lei do país. 1.2.3 O poder de julgamento da igreja estava condicionado à prática da justiça (6.7,8) Como visto anteriormente, o modelo estatal continuava influenciando os relacionamentos dentro da comunidade cristã. Se havia conflito e rixas a serem levadas a julgamento, era porque algumas pessoas continuavam tirando vantagens dos próprios irmãos da comunidade. No entanto, Paulo afirma que tanto os que estavam causando danos quanto os lesados estavam errados. Em 1 Coríntios 6.7, ele incentiva aqueles que foram lesados a sofrerem a injustiça sem buscar os recursos jurídicos, recorrendo, assim, aos ensinamentos de Cristo no Sermão da Montanha (Mt 5.39ss), o que reforça também em 1 Tessalonicenses 5.15. Quem abre mão assim de seus direitos? No entanto, em muitas situações, o prejuízo será menor se assim proceder. Pelo menos, essa era a recomendação de Paulo para o caso específico que estava ocorrendo na 120 comunidade de Corinto. Esse comportamento seria mais fácil ainda para pessoas que já tinham uma boa condição financeira e social, como parece ser o caso de quem estava levando os assuntos aos tribunais romanos. Um pobre e marginalizado não teria acesso, a não ser por questões menores, que eram julgadas pelos juízes ficavam às portas das cidades. A atitude dos coríntios foi considerada pelo apóstolo como uma traição à comunidade cristã, pois a coloca em contradição com seus ensinamentos. Uma vez recorrido aos tribunais da cidade, o relacionamento dos envolvidos, incluindo suas famílias, estaria comprometido. Considerando a cultura da época de como eram arranjadas as famílias, um percentual significativo da igreja poderia envolver-se, e o prejuízo para o Reino seria grande. Paulo afirma que o comportamento dos coríntios, em vez de ser uma prática de justiça, era uma prática de injustiça: “Mas vós mesmos fazeis a injustiça e fazeis o dano e isso aos irmãos” (v. 8). 1.3 Conflitos e Disputas Podem Comprometer a Vida Eterna com Deus (6.9-11) 1.3.1 Os injustos não irão herdar o reino de Deus (6.9) Como visto, o modelo estatal continuava influenciando os relacionamentos dentro da comunidade cristã. Paulo volta-se para os defraudadores dos irmãos e adverte o comprometimento da vida eterna com Deus devido às injustiças praticadas. O comportamento deles não estava coerente com o novo relacionamento que o cristão deve ter com Deus e seu próximo. Paulo estava dirigindo-se a uma minoria de maior poder aquisitivo nas comunidades, como dito anteriormente. Desse modo, fica mais fácil o conselhode Paulo para que assumisse o suposto prejuízo alegado segundo a justiça do Império Romano. Na sociedade secular, os pobres, os escravos e os marginalizados não tinham praticamente nenhum poder ou direito; já na comunidade cristã, Paulo incentivava o exercício da cidadania celeste e a distribuição do poder com base na graça de Deus. A 121 comunidade cristã deveria ser uma extensão do Reino de Deus, uma sociedade onde todos são iguais e da mesma família. Lazier (1991, p. 65) afirma que eram os membros que entravam nos tribunais pagãos que cometiam injustiça e defraudavam. Os seus litígios eram julgados diante de deuses instalados ao redor do Fórum e financiados por recursos financeiros adquiridos num sistema injusto, que era o modo de produção escravista greco- romano. Paulo, ao longo da Carta, deixa claro que a cruz de Cristo acaba com as divisões de classes e nivela todos os grupos de pessoas, pois, mediante o sacrifício de Cristo, todos foram lavados, justificados e santificados em nome do Senhor Jesus. Os membros que estavam defraudando os irmãos e aqueles que estavam levando os irmãos aos tribunais de forma leviana poderiam até ganhar a causa na justiça humana e obter bens, mas não iriam herdar a maior das riquezas: o Reino que Deus preparou para os salvos. Paulo traz o tema em forma de pergunta para enfatizar a consequência das ações injustas de alguns membros da comunidade. Paulo viveu uma vida solidária com os que sofriam e tinham sido impedidos pela sociedade de terem uma vida justa, pois a elite apropriava-se do produto de seu trabalho. Paulo pagou um preço alto por levantar a bandeira da liberdade, da justiça, da solidariedade, do amor e da igualdade diante da sociedade romana. 1.3.2 Os irmãos fraudulentos estavam na mesma condenação dos juízes injustos (6.10) Então, Paulo volta-se para os defraudadores dos irmãos e adverte o comprometimento da vida eterna com Deus devido às injustiças praticadas. O comportamento deles não estava coerente com o novo relacionamento que o cristão deve ter com Deus e seu próximo. A reprimenda paulina é forte; ele iguala quem defrauda o irmão com os: a) devassos; b) idólatras; c) adúlteros; d) efeminados; e) ladrões e roubadores; f) os avarentos; g) os bêbados; h) os maldizentes (v. 10). Portanto, todos debaixo da mesma condenação. 122 Em 1 Coríntios 6.1, o termo “injusto” é empregado para referir-se aos juízes dos tribunais romanos; já em 1 Coríntios 6.9, o mesmo termo é empregado aos próprios cristãos que cometem injustiça. Desse modo, são colocados em pé de igualdade. Assim, quem procede da maneira dos juízes injustos também não tem condições de julgar dentro da comunidade. Se não suportar pacientemente a injustiça de irmãos é considerada por Paulo uma atitude errada para um cristão, quão pior é praticar a injustiça; por isso, o teor da reprimenda paulina. Todos os pecados citados por Paulo certamente fizeram parte do estilo de vida anterior de um ou outro membro da comunidade de Corinto. Assim, o apóstolo incita os seus ouvintes a reconhecerem a graça divina a seu favor, que os havia resgatado de uma vida de miséria espiritual por meio do perdão de seus pecados. Do mesmo jeito que haviam sido alcançados pela graça de Deus, eles deveriam agir com amor e compaixão com os demais membros da comunidade. Uma vez justificados, eles não deviam submeter-se a uma nova condenação. Uma vez santificados, não deviam contaminar-se novamente com o pecado. Uma vez lavados, não deviam sujar-se com as imundícias da carne. 1.3.3 Os coríntios estavam colocando a salvação em risco por questões banais (6.11) Conflitos e disputas internas estavam sendo levadas diante dos juízes pagãos, que não tinham o perfeito entendimento de como funcionava a organização das comunidades cristãs (At 18.12-16). As decisões tomadas por esses juízes poderiam ter um impacto negativo nos relacionamentos internos da comunidade, pois não teriam como base os princípios cristãos. O texto não fala quais eram os litígios que os irmãos estavam levando aos tribunais romanos, mas é possível que fossem 123 questões irrelevantes e sem maiores implicações pessoais, inclusive com base nos novos princípios recebidos pelo cristianismo. Por isso, as pessoas mais indicadas para resolver esses conflitos seriam os próprios líderes da comunidade. Mas, e se mesmo assim as partes envolvidas não entrassem em acordo? Certamente, os conflitos judiciais seriam inevitáveis. E hoje, quais questões deveriam ser tratadas nas igrejas? A igreja está estruturada para tratar dos assuntos internos? São questionamentos que ficam para reflexão. Embora haja questões que, por lei, têm que ser submetidas às autoridades legais, outras questões menores e que não implicam crimes podem ser tratadas por líderes cristãos capacitados e qualificados na igreja. Capítulo 10 Seu Corpo É Membro de Cristo O cristão é livre para fazer o que quiser; no entanto, aquele que quer andar dentro da vontade de Deus deve rejeitar ser dominado pelos pecados sexuais. Texto bíblico em 1 Coríntios 6.12-20: Todas as coisas me são lícitas, mas nem todas as coisas convêm; todas as coisas me são lícitas, mas eu não me deixarei dominar por nenhuma. Os manjares são para o ventre, e o ventre, para os manjares; Deus, porém, aniquilará tanto um como os outros. Mas o corpo não é para a prostituição, senão para o Senhor, e o Senhor para o corpo. Ora, Deus, que também ressuscitou o Senhor, nos ressuscitará a nós pelo seu poder. Não sabeis vós que os vossos corpos são membros de Cristo? Tomarei, pois, os membros de Cristo e fá-los-ei membros de uma meretriz? Não, por certo. Ou não sabeis que o que se ajunta com a 124 meretriz faz-se um corpo com ela? Porque serão, disse, dois numa só carne. Mas o que se ajunta com o Senhor é um mesmo espírito. Fugi da prostituição. Todo pecado que o homem comete é fora do corpo; mas o que se prostitui peca contra o seu próprio corpo. Ou não sabeis que o nosso corpo é o templo do Espírito Santo, que habita em vós, proveniente de Deus, e que não sois de vós mesmos? Porque fostes comprados por bom preço; glorificai, pois, a Deus no vosso corpo e no vosso espírito, os quais pertencem a Deus. O sexo foi criado por Deus com um propósito específico: dar continuidade à humanidade e prazer sexual no casamento. Contudo, algumas pessoas têm deturpado esse propósito. O apóstolo Paulo faz sérias recomendações aos coríntios com relação ao uso do corpo. A cultura de imoralidade da cidade de Corinto reforçava a seriedade com que Paulo adverte os cristãos para não cederem a qualquer motivo que pudesse levá-los à imoralidade sexual e a contaminar o corpo, que é templo do Espírito Santo. 1.1 A Liberdade em Cristo não Pode Ser Confundida com Libertinagem (6.12) 1.1.1 Fazer tudo o que se deseja não é liberdade, mas escravidão (6.12) Paulo censura a tolerância com a promiscuidade sexual, cujo contexto da carta dá a entender que estava se tornando algo normal entre eles. O apóstolo fala com um tom forte e de ameaça. Na sequência, como seu costume, desenvolve argumentos para embasar sua advertência, como forma de apoio espiritual aos seus destinatários. Os coríntios achavam que podiam fazer tudo o que quisessem em nome da liberdade em Cristo, sem prejuízo para a vida espiritual. Assim, tornavam-se escravos da paixão, que dominavam suas vontades e atos. Provavelmente, eles estavam 125 retendo grande porção de sua antiga licenciosidade incorporada dos costumes da cidade. Igualmente, eram criados pretextos para legitimarem suas atividades, como a mal interpretada liberdade cristã. Desse modo, práticas consideradas como pecado passavam a ser consideradas comuns. Outro extremo era a prática dos gnósticos. Para eles, o que se faz com o corpo é indiferente, desde que mantenha o espírito puro, ou seja, o que se faz com o corpo, que é matéria má, não tem efeito sobre a vida espiritual. As crenças gnósticas causaram tremenda confusão na igreja de Corinto, e Paulo precisou demonstrar que o corpo do cristão é para a glorificaçãoa Deus pelo uso que se faz com ele. O gnosticismo imperou até o terceiro século, quando surge o maniqueísmo, que aproveita pouco de suas ideias em sincretismo com elementos do zoroastrismo, hinduísmo e judaísmo. O corpo em pecado poderia ser redimido por meio de penitências corporais, como jejuns, flagelos, mortificações (comer, beber e dormir), entre outras formas de castigar o corpo com o intuito de dominá-lo e purificá-lo. Foi uma interpretação equivocada que levou muitos a utilizar a castidade e a virgindade como meios mais eficazes para purificar o corpo e a alma. Segundo Strabeli, essas práticas continuam torturando muitas pessoas em seus complexos de culpa: Hoje em dia, embora a teologia já tenha dado grandes passos na compreensão do homem como unidade ôntica, isto é, entendendo-o como realmente é: todo corpo, toda alma, embora a concepção do homem seja profundamente antropológica e bíblica, valorizando o corpo humano, e reconhecendo todas as suas potencialidades, sua beleza, sua espiritualidade (ele é “templo do Espírito Santo”) assim há muita gente que ainda tem medo do próprio corpo. Para muitos ele é ainda instrumento de pecado e terrível inimigo da alma. É preciso mudar profundamente esse modo de ver e de considerar o corpo humano. Deus não o fez mal nem ele é ou se tornou mal. Deus fez tudo bom e muito bom (Gênesis 1,31). (STRABELI, 1998, 62). 126 A argumentação do apóstolo é a sacralidade do corpo humano daquele que está em Cristo. Ele reforça que Cristo morreu na cruz para resgate tanto da parte espiritual quanto da material do ser humano, ou seja, o seu corpo. A falta de respeito ao corpo torna-o profano em vez de objeto de glorificação a Deus. Paulo, ao afirmar que o corpo do cristão é templo do Espírito Santo, ensina que o respeito ao corpo deve ser similar ao respeito ao próprio templo, tido como sagrado principalmente pelos judeus. 1.1.2 Livre é aquele que está “em Cristo” (2 Co 5.17) Para Paulo, somente aquele que está em Cristo tem a liberdade real. A expressão “em Cristo” era querida pelo apóstolo. Ela aparece 86 vezes nas cartas de atribuição paulina, e isso sem considerar expressões análogas como “nele” e “no qual”. Quando uma palavra é utilizada com frequência por um autor, ela torna-se uma palavra- chave para a interpretação do texto. Assim, o cristão salvo: • É justificado em Cristo (Rm 3.24) • É batizado em Jesus Cristo (Rm 6.3) • Está vivo para Deus em Cristo (Rm 6.23) • Torna-se livre de toda condenação em Cristo (Rm 8.1) • Não pode ser separado do amor de Deus que está em Cristo (Rm 8.39) • Se fala a verdade, é em Cristo (Rm 9.1) • Se está ligado aos seus irmãos, é porque está em Cristo (Rm 12.5) • Vive e morre para o seu Senhor Jesus Cristo (Rm 14.8) • Se pode gloriar-se, é somente em Cristo (Rm 15.17) • Tem esperança em Cristo (1 Co 15.19) 127 • Se colabora na causa do evangelho, assim o faz em Cristo (Rm 16.3,9) • Se é aprovado, é em Cristo (Rm 16.10) • Ama seus irmãos em Cristo (1 Co 16.24) • Permanece firme em Cristo (2 Co 1.21) • Fala com Deus como alguém que está em Cristo (2 Co 12.19) • Tem liberdade verdadeira em Cristo (Gl 2.4) • Em Cristo para ser justificado em Cristo (Gl 2.16) • É abençoado sobremaneira em Cristo (Ef 1.3) • Espera em Cristo (Ef 1.12) • Assenta-se nos lugares celestiais em Cristo (Ef 2.6) • É criação de Deus realizada em Cristo (Ef 2.10) • O viver é Cristo (Fp 1.21) • Gloria-se não em si mesmo, mas em Cristo (Fp 3.3) • Tem a promessa da vida (eterna) em Cristo (2 Tm 1.1) • Recebeu graça, desde a eternidade, em Cristo (2 Tm 1.9) • Possui o conhecimento do supremo bem em Cristo (Fl 6) • O coração somente pode ser reanimado em Cristo (Fl 20) Como se pode perceber na lista, a maioria das cartas atribuídas ao apóstolo Paulo destaca o “estar em Cristo”. Desde a justificação até a ressurreição, tudo é por meio de Cristo. Por isso, até para 128 gloriar-se tem de ser somente em Cristo (1 Co 15.19). Infelizmente, alguns cristãos coríntios, em nome de uma liberdade equivocada do estar em Cristo, na realidade, estavam “em Adão”. 1.1.3 Estar em Adão, o oposto de estar em Cristo Na carta que escreveu aos romanos, Paulo utiliza uma expressão para caracterizar o oposto de estar “em Cristo”. Ele usa a expressão estar “em Adão”. Em Romanos 5.12-19, o apóstolo compara e contrasta a vida e a obra de dois homens que afetaram toda a humanidade. Assim, pode-se dizer que há duas humanidades: aquela que está em Adão e aquela que está em Cristo, em virtude da fé (NEVES, 2015, pp. 77-87). Aos coríntios, Paulo afirma que da mesma forma como todos morrem em Adão, todos serão vivificados em Cristo (1 Co 15.22). Para ele, o estar “em Cristo” remodela a vida do ser humano em todas as suas esferas e aspectos (2 Co 5.17). O novo convertido passa a ser a imagem do próprio Cristo. A nova criatura “em Cristo” vive de um modo inteiramente novo e em oposição às pessoas “sem Cristo”. Todos os seres humanos estão “em Adão”, até que passam, mediante a fé, a estar “em Cristo”. “Em Cristo” descreve a posição da pessoa remida, livre da tirania do pecado. Os que estão “em Cristo” têm um relacionamento com Ele por meio da fé. O propósito é tornar os que estão em Cristo mais parecidos com Cristo, para o louvor de sua glória (2 Co 3.18; Ef 1.4- 6). No entendimento de Paulo, a vida em Cristo era caracterizada por contradições. O mundo ainda está debaixo da maldição do pecado e, por isso, não é o lugar ideal para viver. No entanto, em Cristo, é possível conviver com o mundo sem conformar-se com ele (Rm 12.1,2) e manter a integridade de uma vida cristã à espera da redenção final. Portanto, fazer tudo o que a vontade da carne quer é estar em Adão. Paulo recomenda viver a liberdade de Cristo, dominando a vontade da carne e vivendo em espírito, em Cristo. 129 1.2 O Pecado no Corpo Afeta a Alma e o Espírito (6.13-19) 1.2.1 A sarkx (o pecado no corpo) e a comunidade do Espírito Santo Pecado ( hamartia) é errar o alvo, algo que se faz contra a vontade de Deus. O pecado separa o ser humano de Deus e destitui-o da glória de Deus (Rm 3.23). Paulo afirma que Deus manifesta sua ira ( orgê) contra o pecado e toda impiedade humana (Rm 1.18; 2.5-8), mas que os salvos não estão destinados para serem consumidos pela ira de Deus (1 Ts 5.9,10) por estarem em Cristo, a propiciação de todo aquele que crê (Rm 3.25; 5.8,9; 6.17-23). Jesus destruiu o poder do pecado na cruz, na qual o salvo está unido em Cristo para não mais servir ao pecado como escravo (Rm 6.6,7). Por isso, Paulo encoraja o cristão a considerar-se morto para o pecado e servo da justiça, apresentando o fruto para santificação (Rm 6.11-22). Paulo utiliza a expressão grega sarkx, geralmente traduzida por carne, que tem um significado específico, a velha natureza do ser humano, que muitas vezes pode impedi-lo de praticar o bem (Rm 7.5,18,25). Paulo estimula o cristão a mortificar a carne (Rm 8.13;13.14; Cl 3.5). Os coríntios, em vez de mortificarem a velha natureza, estavam retomando as velhas práticas que eram comuns para a sociedade de Corinto. Poucas igrejas cristãs abrigaram tantos fiéis como a igreja em Corinto. A comunidade alastrou-se por toda a província de Acaia, “tornando-se o núcleo do cristianismo na península helênica” (RENAN, 2003, p. 185). No entanto, infelizmente, a igreja em Corinto não ficou alheia às práticas imorais da cidade. Nem todas as pessoas que frequentam as igrejas estão verdadeiramente libertas. Por isso, a necessidade, assim como Paulo, de tratar dos assuntos para o bem da edificação da igreja. Todavia, a cada dia, fica mais difícil pela ideologia dominante, que protege inclusive alguns atos considerados imorais e antiéticos pela Bíblia e pelas doutrinas cristãs. Existia um número considerável de cortesãs sagradas, 130 prostitutas sagradas que serviam no templo dedicado à deusa do amor (Vênus/Afrodite). Alguns teólogos como Renan (2003, pp. 182,183) afirmam que o grande templo abrigava mais de mil dessas prostitutas cultuais. Parece exagerado para aépoca, mas o número deveria ser considerável. Assim, as relações entre homens e mulheres eram múltiplas, sem o menor pudor. Paulo adverte sobre o perigo das relações sexuais imorais entrarem na igreja, a comunidade que é Corpo do Espírito Santo. Ele fala que a atração sexual continua viva entre os membros da comunidade. Assegura que, durante o ato sexual, o corpo do homem e da mulher passam a pertencer um ao outro, formando uma única carne (1 Co 7.4). Em uma relação extraconjugal, o cristão cede o corpo, que é para o Senhor, à prostituição, profanando-o (1 Co 6.13). Assevera que o corpo do cristão é membro do Corpo de Cristo e não poderia ser entregue a uma prostituta (1 Co 6.15). Ferreira (2013, p. 94) afiança que Paulo utilizou essa expressão grega “soma” para corpo “porque entendia que, na relação sexual, estava presente todo o ser da pessoa, como na experiência da doença e da cura, da morte e da ressurreição”. Desse modo, é possível compreender a preocupação de Paulo com a promiscuidade sexual que assolava a comunidade de Cristo e como isso poderia minar a comunhão dos membros da comunidade com o Espírito de Deus. A população de Corinto tinha um slogan: Tudo me é permitido. Esse slogan não servia para a igreja e continua não servindo. Paulo complementa-o, “tudo me é permitido, mas nem tudo convém” ao cristão. Pode parecer que o apóstolo era contrário à liberdade, mas não é a verdade. Na carta que escreveu aos gálatas, ele esclarece 131 qual é a liberdade que há em Cristo. O apóstolo advertiu-os para que não usassem essa liberdade genuína como pretexto para servir à carne e transformá-la em libertinagem (Gl 5.1-13). Em 1 Coríntios 6.15,16, Paulo parece contraditório ao misturar alimentação que está relacionado com a nutrição com a prática sexual. Parece confuso, mas, na realidade, ambas tratam de necessidades físicas. Entretanto, no conceito defendido por ele, do ser integral, a alimentação e a sexualidade vão além de meras necessidades físicas. O que estiver fora das restrições, da normalidade, rebaixaria o ser humano a escravo dessas necessidades. Por isso, Paulo afirma: “mas eu não me deixarei dominar por nenhuma”. De tal modo, Paulo critica no versículo 16 o prazer por prazer. O cristão, portanto, deve unir-se com alguém do sexo oposto que também se uniu ao Senhor; assim estariam no mesmo Espírito (1 Co 6.17). Lembrando que quem está com o Senhor não se dá à fornicação ( porneia), mas pratica o ato sexual dentro das bênçãos do matrimônio. 1.2.2 Corpo, alma e espírito na cultura do Novo Testamento Para entender o conceito de corporeidade apresentado por Paulo na carta, faz-se necessário conhecer um pouco qual era a visão da civilização hegemônica helênica, abrangente em todo o Império Romano no ocidente, incluindo o mundo semita israelita. Os gregos desenvolveram uma antropologia especialmente platônica, que era dicotomista (ser humano em duas partes: corpo e alma). Nessa visão, a alma era supervalorizada, a parte do bem, e o corpo a parte do mal, consequentemente desvalorizado e considerado o cárcere da alma. Por outro lado, a concepção hebraica considerava o ser humano em sua totalidade, ou seja, não se via a alma sem corpo e nem o corpo sem a parte espiritual. Por isso, na narrativa judaica da criação, não se menciona a criação do corpo, mas do ser humano sem distinção de partes, de forma integral. A visão dicotômica somente aparecia em literaturas judaicas influenciadas pelo helenismo, como nas 132 literaturas pseudoepígrafas. No Novo Testamento, por influência paulina, prevaleceu o ponto de vista judaico. Ferreira (2003, p. 40) apresenta os cinco eixos do corpo apresentados por Paulo na Primeira Carta aos Coríntios: 1) A comunidade como Corpo de Cristo; 2) Embate com os espiritualistas/esclarecidos (uma linha filosófica de Corinto sobre o corpo); 3) O corpo na vida sexual; 4) o corpo na Última Ceia; 5) A ressurreição do corpo. O apóstolo Paulo, apesar de inserido profundamente na cultura grega, preservou a força da antropologia semítica, que via o ser humano como um todo. O ser humano como espírito, ruah em hebraico e pneuma em grego, significa pessoa-corpo-alma e extrapola os limites de sua existência como carne-corpo-alma para comunicar-se com a esfera divina. A maior referência dessa esfera transcendental por meio do espírito é a experiência da ressurreição de Jesus, que apresenta uma nova possibilidade de existência humana. Essa possibilidade é apresentada por Paulo como argumento favorável em defesa de uma vida que preserva o corpo no texto em estudo, mais precisamente em 1 Coríntios 6.14,17: “Ora, Deus, que também ressuscitou o Senhor, nos ressuscitará a nós pelo seu poder. [...] Mas o que se ajunta com o Senhor é um mesmo espírito”. Ferreira (2013, p. 41) afirma que, quando Paulo queria falar dos dotes humanos da inteligência natural, “ele usava como em 1 Cor 14,14- 15 a palavra ‘ noos’ (mente para distingui-la do significado de ‘pneuma’ espírito). Esta significa o próprio ser do homem, no que tem de natural-espiritual”. Para Paulo, no sentido teológico, o termo pneuma significava o próprio ser de Deus atuando sobre o mundo criado. Para ele, o campo de atuação entre Deus e o ser humano está sob o domínio do Espírito Santo (1 Co 2.10). Assim, na visão paulina, o ser humano obtém o Espírito divino somente por meio da fé (Gl 3.2,5,14,26,28; 1 Co 6.11). Por isso, houve a oposição ferrenha em carne e em espírito, descrita por Paulo em 1 Coríntios 2.10. 1.2.3 A comunidade como templo do Espírito Santo (6.19) 133 A tipologia bíblica utiliza alguns termos simbólicos para representar uma pessoa ou coisa. Em 1 Coríntios 6.19, Paulo adverte “Ou não sabeis que o nosso corpo é o templo do Espírito Santo, que habita em vós, proveniente de Deus, e que não sois de vós mesmos?”. Ele utiliza o corpo como representante do Templo. Quando se refere ao templo, ele invoca o imaginário que o Templo de Jerusalém tinha sobre os destinatários, com toda a sua representatividade. Um lugar de encontro com Deus, em que as pessoas adoravam-no e reverenciavam-no como santos, ou seja, um lugar separado para uso exclusivo de adoração a Deus. A intenção de Paulo é que as pessoas com esse imaginário fossem identificadas como Igreja, parte do Corpo de Cristo, santificando-se e oferecendo seus corpos como sacrifícios vivos para o louvor e glória de Deus (Rm 12.1,2). Na Segunda Carta aos Coríntios, Paulo utiliza novamente essa tipologia (2 Co 5.1): “Porque sabemos que, se a nossa casa terrestre deste tabernáculo se desfizer, temos de Deus um edifício, uma casa não feita por mãos, eterna, nos céus”. Assim, quem cuidar adequadamente deste tabernáculo, que é o corpo recebido, como excelentes mordomos receberá um novo tabernáculo na eternidade, superior a este que é corruptível. O corpo humano é temporário, mas o que fazemos com ele determinará como será a eternidade. Alguns teólogos, como o pastor Elienai Cabral (2003, p. 57), usam uma comparação entre o Tabernáculo e o Templo com o conceito do corpo tricotômico: corpo como o Átrio externo, o Lugar Santo como a alma e o Santo dos Santos como o espírito. Didaticamente, a comparação é válida. Assim como as partes do Templo deveriam ser respeitadas, da mesma forma o cristão deve cuidar das partes do ser como um todo, como partes integrantes e inter-relacionadas. A Carta descreve alguns grupos que se intitulavam de Paulo, ou de Apolo, ou de Cefas, porém Paulo desmascara-os afirmando que eles eram simplesmente cooperadores do Evangelho; a comunidade era do Espírito Santo, que verdadeiramente era a fonte de vida e crescimento. Ninguém, por mais influente, eloquente e conhecedor das Escrituras que fosse, deveria tomar para si os créditos, pois não 134 se teria êxito sem a ação do Espírito Santo. Paulo deixa isso bem claro, além de recomendar ações coletivas para reduzir ao máximo as indivualidades (1 Co 12–14). Eles eram agentes do evangelho e cooperadores dos mistérios de Deus (1 Co 4.1). Daí a afirmação de que a comunidade e o corpo do cristãosão templo de Deus, um lugar santo, morada de Deus. Se o Espírito de Deus tivesse liberdade de ação, não haveria espaço para as imoralidades que dominavam a cidade de Corinto. No entanto, dentro da comunidade, havia um grupo que é chamado por Paulo de “fortes”; estes se achavam “perfeitos” e cheios do Espírito de Deus e julgavam que podiam fazer o que quisessem com o corpo, pois isso não atingiria o espírito (1 Co 6.12; 10.23). Se o corpo é templo do Espírito Santo, então a comunidade e os seus membros são mordomos do corpo, que pertence a Deus. Por isso, deve ser conservado (Rm 12.1,2; 1 Co 6.20). Todas as ações e motivações dos membros do corpo devem ser conscientes com vistas ao louvor e à glória de Deus. Se o campo de atuação do Espírito de Deus é a comunidade, esta precisa viver em espírito, pois é devedora não à carne, para viver na promiscuidade sexual, mas à graça de Deus, assim sendo guiado pelo espírito para mortificar as obras carne (Rm 8.12-17). 1.3 A Imoralidade É uma Tentação Constante na Vida do Crente (6.20) 1.3.1 Fomos comprados por bom preço; diga não à tentação (6.20a) Paulo, com o intuito de incentivar o cristão diante de uma tentação constante, destaca o preço da justificação (v. 20a). A doutrina da justificação é a forma fundamental e mais pessoal com que Paulo expressa a mensagem do agir de Deus para a salvação escatológica. Goppelt (2003, p. 379) afiança que a doutrina da justificação pela fé tem ocupado o centro das atenções da teologia neotestamentária. Ela é o cerne da teologia paulina, utilizada especialmente quando em confronto direto com o ensino judaico ou dos judeus-cristãos. Paulo contra-argumenta que basta ao ser 135 humano ter fé na eficácia do sacrifício de Cristo na cruz para Deus declará-lo justo. Segundo Jeremias (2005, pp. 72,73), a doutrina da justificação não pode ser entendida sem a antítese entre achar a graça de Deus pela fé e pelas obras meritórias do ser humano. Paulo utiliza essa antítese para combater o judaísmo e o cristianismo judaizante, que defendiam que o ser humano encontra a graça de Deus quando cumpre a vontade divina por meio da Lei Judaica. Quem procura estabelecer sua própria justiça, ou mistura a fé com as obras não alcança a justificação, que é alcançada somente por aqueles que confiam na obra de Jesus para a justificação somente pela fé. Jeremias afirma que Deus concede a sua misericórdia com base numa façanha, porém complementa que essa façanha não é do próprio ser humano, e sim de Cristo na Cruz: “[...] a mão que apanha a obra de Cristo e a dirige para Deus. A fé diz: eis a façanha — O Cristo morreu por mim na cruz (Gl 2.20)”. MacArthur (2005, p. 11) afirma que essa doutrina é a mais importante da teologia evangélica. Ele cita Lutero para defender que a doutrina da justificação é o princípio fundamental da Reforma, que define se uma igreja está em pé ou caindo. A denominação que não preserva esse princípio tende ao liberalismo e à apostasia da fé, ao desvio da doutrina bíblica central. O abandono dessa doutrina era a base da apostasia de Israel (Rm 10.3). Alguns tendem a outro extremo ao declarar que a obediência à lei moral de Deus é facultativa e, com isso, procuram mudar a graça de Deus em libertinagem. Os gálatas são chamados à atenção por Paulo por desprezar o sacrifício de Cristo e confundir a justificação com a santificação, confiando nas obras de justiça (Gl 1.6,9), o que Paulo chama de outro evangelho. Quando Martinho Lutero traduziu Romanos 3.28, ele acrescentou “somente” para dar ênfase “[...] pela fé somente”. Do ponto de vista linguístico, Lutero tinha razão de traduzir assim por ser uma característica da língua semítica, o fato da palavra “somente” e “só” ser omitida. 136 A justificação pela fé é uma doutrina bíblica que acertadamente exclui a necessidade de obras meritórias para a salvação do ser humano, porém não abre possibilidade para o outro extremo, do antinomismo; a justificação produz outro processo, que é o da santificação. Assim, a justificação dá-se pela fé na obra vicária de Cristo; porém, uma vez justificado, inicia-se o processo da santificação, que é permanente. Por isso, diga não à tentação! 1.3.2 Resistir à tentação e glorificar a Deus com corpo e espírito (6.20b) Paulo conclui a perícope advertindo: “Porque fostes comprados por bom preço; glorificai, pois, a Deus no vosso corpo e no vosso espírito, os quais pertencem a Deus”. Ele chama à memória o preço que Cristo pagou pela comunidade, a morte vergonhosa de cruz. Por gratidão, o cristão deve glorificar a Deus por meio de seu corpo (não o profanando) e espírito, pois foi criado para o louvor e a glória de Deus (Is 43.7; Ef 1.11,12; 1 Co 10.31). Quando o desejo da carne quiser dominá-lo, lembre-se do bom preço pelo qual você foi comprado. Em Cristo, a humanidade renasce para uma vida plena. A graça tem muito mais a oferecer, e o tempo da graça é eterno, sendo, portanto, infinitamente maior do que o tempo da escravidão no pecado e morte espiritual. A participação na morte (justificação) e na ressurreição de Cristo (glorificação) faz-nos passar da morte para a vida. Uma vez justificado e participante do processo de santificação, os cristãos já estão vivendo a vida eterna com Deus. A graça redentora de Cristo assegura a entrada no gozo de uma vida interminável na presença de Deus, que não se interrompe com a morte física. Dessa forma, a graça de Cristo apresenta um novo complexo gerado pelo seu ato de justiça: justiça–justificação–vida eterna. A pessoa que tem a mente de Cristo discerne as coisas espirituais, mesmo no mundo material, e usa os membros do corpo a serviço da justiça (2 137 Co 2.14,15), uma vida que glorifica a Deus com corpo e espírito (v. 20b). 1.3.3 Quem resiste à tentação (guerra espiritual) da imoralidade pertence a Deus (6.20c) Paulo, na Carta aos Gálatas, afirma que existe uma guerra entre os desejos da carne e os desejos do espírito, descrevendo o que é o fruto do espírito e quais são as obras da carne (Gl 5.16-26). Para exemplificar essa guerra entre o espírito e a carne, convido você para refletir sobre a ilustração do homem que tinha um gato e um pássaro sob seus cuidados. Certo homem tinha um pássaro e um gato. Ele cuidava com carinho dos dois; porém, como o gato era mais manhoso e aproximava-se mais, o homem priorizou a sua atenção ao felino e foi deixando de lado o pássaro. O descuido com o pássaro era tão grande que ele ficou bem fraco, magro e perdeu quase todas as suas penas. Em um determinado dia, o homem saiu para passear, e o gato, ainda não satisfeito com tudo o que vinha recebendo, pulou na gaiola para comer o pássaro. O homem retorna a tempo para salvá-lo. Ele manda o gato embora e passa a cuidar com carinho do pássaro, que volta a ter a saúde e a beleza de antes. Na ilustração, o gato é uma figura da carne, e o pássaro, por sua vez, é uma figura do espírito. O vencedor dessa guerra vai depender de quem você cuida e alimenta. A quem você tem alimentado mais? Capítulo 11 Paulo Responde Questões a Respeito do Casamento 138 O casamento deve ser bem planejado e realizado de forma segura para amenizar as dificuldades de uma vida a dois e desfrutar plenamente das bênçãos do matrimônio. Texto bíblico em 1 Coríntios 7.1-16,39,40: Ora, quanto às coisas que me escrevestes, bom seria que o homem não tocasse em mulher; mas, por causa da prostituição, cada um tenha a sua própria mulher, e cada uma tenha o seu próprio marido. O marido pague à mulher a devida benevolência, e da mesma sorte a mulher, ao marido. A mulher não tem poder sobre o seu próprio corpo, mas tem-no o marido; e também, da mesma maneira, o marido não tem poder sobre o seu próprio corpo, mas tem-no a mulher. Não vos defraudeis um ao outro, senão por consentimento mútuo, por algum tempo, para vos aplicardes à oração; e, depois, ajuntai-vos outra vez, para que Satanás vos não tente pela vossa incontinência. Digo, porém, isso como que por permissão e não por mandamento. Porque quereria que todos os homens fossem como eumesmo; mas cada um tem de Deus o seu próprio dom, um de uma maneira, e outro de outra. Digo, porém, aos solteiros e às viúvas, que lhes é bom se ficarem como eu. Mas, se não podem conter-se, casem-se. Porque é melhor casar do que abrasar-se. Todavia, aos casados, mando, não eu, mas o Senhor, que a mulher se não aparte do marido. Se, porém, se apartar, que fique sem casar ou que se reconcilie com o marido; e que o marido não deixe a mulher. Mas, aos outros, digo eu, não o Senhor: se algum irmão tem mulher descrente, e ela consente em habitar com ele, não a deixe. E se alguma mulher tem marido descrente, e ele consente em habitar com ela, não o deixe. Porque o marido descrente é santificado pela mulher, e a mulher descrente é santificada pelo marido. Doutra sorte, os vossos filhos seriam imundos; mas, agora, são santos. Mas, se o descrente se apartar, aparte-se; porque neste caso o irmão, ou irmã, não está sujeito à servidão; mas Deus chamou-nos para a paz. Porque, donde sabes, ó mulher, se 139 salvarás teu marido? Ou, donde sabes, ó marido, se salvarás tua mulher? A mulher casada está ligada pela lei todo o tempo em que o seu marido vive; mas, se falecer o seu marido, fica livre para casar com quem quiser, contanto que seja no Senhor. Será, porém, mais bem- aventurada se ficar assim, segundo o meu parecer, e também eu cuido que tenho o Espírito de Deus. Na época da escrita da Carta, a comunidade cristã de Corinto havia sido fundada há pouco tempo, por isso tinha muitas dúvidas a respeito de várias coisas, entre elas sobre o casamento e a castidade. Graças ao questionamento que eles fizeram ao apóstolo, hoje temos registradas no cânon bíblico várias orientações sobre o assunto. Paulo recomenda o casamento como um projeto de Deus e algo bom, entretanto inclui algumas regras para que ele seja benéfico para a vida espiritual do casal e das famílias envolvidas. 1.1 O Casamento É Bom (7.1-5) 1.1.1 O cristão pode abster-se do relacionamento sexual no casamento (1 Co 7.1)? Peixoto (2008, p. 20) afirma que “as Cartas aos Coríntios são uma constante pergunta pelo que fazer e como fazer com a novidade da vida cristã”. A dicotomia dos gnósticos diferenciava-se da crença da tradição judaica e dos ensinos de Paulo. Eles acreditavam que a matéria era má e distinguia-se do espírito, considerado bom. Isso provocava dúvidas nos habitantes de Corinto, inclusive os cristãos. A doutrina gnóstica estava provocando nos moradores dois tipos de comportamento: o primeiro levava as pessoas a fazerem o que bem entendessem com o corpo, uma vez que a crença era de que as práticas não afetavam o espírito; o segundo comportamento era o inverso, baseado na mesma crença dicotômica: já que o corpo era matéria má, melhor não fazer nada com ele para mortificá-lo. 140 Portanto, dois extremos, no qual o primeiro comportamento pecava pelo excesso, e o segundo por falta, quando não dentro dos propósitos específicos de Deus para o cristão. O versículo 1 começa com a resposta de Paulo a um questionamento da comunidade: “Ora, quanto às coisas que me escrevestes, bom seria que o homem não tocasse em mulher”. Essa era a orientação dos mestres ascetas da época. Por isso, pode-se ter a impressão de que o apóstolo está concordando com a crença de que o corpo era mal e precisava ser mortificado, ou seja, nenhum homem deveria tocar em mulher para não se contaminar alimentando os desejos da carne. Todavia, ele irá demonstrar que utiliza o pensamento para recomendar outra prática. A perspectiva é masculina; não se pergunta isso em relação ao corpo feminino, o que caracteriza o pensamento machista e patriarcal na cultura em Corinto. O comportamento ascético frutificou na igreja. Os membros da igreja começaram a aderir a abstinência sexual, mesmos os casados. O entendimento era que, se o corpo é mau e desprezível, o sexo, que torna os dois corpos um só, também é inapropriado. Isso se tornou um grande problema. Imagine um casal em que cada um dos cônjuges tem uma motivação ou libido diferente, em que um tinha o sexo como desprezível, enquanto o outro tinha por essencial e necessário. Corria-se o risco do casal que tinha o sexo somente pelo prazer buscá-lo em outra fonte. Surge, também motivado por esse pensamento, o celibato, em que a pessoa tinha por meta nunca mais em sua vida fazer sexo, ou seja, abstenção total e permanente. O celibato é uma opção bem específica e pessoal, mas na época nem sempre era a própria pessoa que decidia, pois o casamento poderia ser uma imposição dos pais. Os coríntios perguntaram sobre o assunto porque certamente estava provocando distúrbios na comunidade. Provavelmente, o prejuízo dessas crenças e comportamentos para a igreja era desanimador. Costa e Rodrigues (2008, p. 121) afirmam que, entre 141 os membros da comunidade, existiam alguns que “procuravam impor absoluto ascetismo sexual à comunidade toda, proibindo as relações sexuais no casamento, excluindo a possibilidade de novos casamentos e até procurando romper casamentos já realizados”. Eles acrescentam que alguns até consideravam-se “já participantes da nova era, alguns coríntios imaginavam-se com a vida imortal dos anjos. [...] não havia nenhuma necessidade de nova procriação e, portanto, não se justificavam mais as relações sexuais”. Os extremos na prática sexual na igreja de Corinto ajudam a entender toda a argumentação do apóstolo em relação ao comportamento sexual à igreja em Corinto. Paulo responde aos questionamentos afirmando que tanto o casamento quanto o celibato eram opções legítimas para o cristão. Para isso, bastava uma tomada de decisão sincera e responsável, ou seja, uma vez tomada, deveria ser levada às últimas consequências. Não bastava tomar a decisão para arrepender-se na sequência. O mais importante é a pessoa estar em paz e em obediência a Deus, do que irracionalmente optar por sacrifícios tolos, que não agregam nada na vida espiritual. 1.1.2 Paulo recomenda o casamento e orienta sobre o sexo entre cônjuges (1 Co 7.2-5) Quando o cristianismo chegou à grande metrópole de Corinto, era novidade e conseguiu vários fiéis. No entanto, como afirma Peixoto (2008, p. 20), “Toda nova ideia interage com o contexto social, altera a realidade e é alterada ao contextualizar-se”. Mesters e Orofino (2008, p. 51) afirmam que, em Corinto, “a vida sexual era muito livre. Chamar uma moça de coríntia era o mesmo que chamá-la de prostituta. ‘Viver a modo de coríntio’ era o mesmo que frequentar a prostituição”. O apóstolo cita a prostituição tão acentuada na cidade como um perigo tanto para aqueles que queriam ficar solteiros como para os casais que estavam se propondo a abster-se do relacionamento sexual. Para muitos, o prazer é culpa e o sexo é 142 pecado, e alguns levam esse conceito para dentro do próprio casamento, como se fosse um mal necessário para que haja procriação. Assim, definido o número de filhos por família, uma vez gerados, abandona-se ou se evita a prática sexual. Parece um absurdo para os dias atuais, mas essa prática ainda acontece e não com pouca frequência em algumas comunidades cristãs. O prazer sexual é uma bênção de Deus se praticado dentro das orientações bíblicas. (NEVES, 2019, pp. 63-104). Contudo, Paulo “reconhece que poucas pessoas têm disposição psicológica e fisiológica necessária para manter inativa sua capacidade sexual” (COSTA E RODRIGUES, 2008, p. 120). Então, ele recomenda o casamento e a prática saudável da vida sexual do casal. Paulo recomenda aos casados a prática sexual constante, permitindo a exploração do corpo pelo seu cônjuge, visando, além da procriação, o prazer de ambos. Aqui Paulo surpreende com o tratamento igualitário em relação ao gênero, ressaltando a dignidade da mulher. Coloca a esposa como possuidora dos mesmos direitos e responsabilidades, com voz para decidir de igual para igual como o esposo sobre o comportamento a ser adotado nas relações sexuais entre o cônjuge. Paulo afirma que cada cônjuge tem o poder sobre o corpo do outro para desfrutar do prazer sexual. Essa recomendaçãopaulina não dá liberdade para abusos de nenhuma das partes, como se tivessem “direito” de fazer sexo quando, como e onde desejar. Por isso, é importante o bom relacionamento do casal para um sexo prazeroso e sem constrangimento e, acima de tudo, com respeito à dignidade um do outro. Como Paulo havia sido questionado sobre o uso da abstinência sexual entre os cônjuges a pretexto de santificação, ele orienta que isso só pode ocorrer com o consentimento mútuo. Trata-se de um breve momento de abstenção para dedicação ao jejum e oração para não serem tentados à prostituição e à prática sexual ilícita. Mesters e Orofino comentam sobre as correntes filosóficas que defendiam o estilo de vida de promiscuidade de Corinto e como 143 Paulo procura responder os questionamentos que são gerados pela comunidade cristã da cidade: Elas diziam: “o corpo pertence à matéria e não contribui em nada. O que importa é o espírito!” Essa moral contrastava com a moral sexual bem mais severa do Antigo Testamento que vinha da sinagoga e que começava a ser vivida nas comunidades. Por isso, alguns caíam no outro extremo e achavam que sexo devia ser evitado, mesmo entre os casados. Havia muita confusão e discussão. Por isso, escreveram uma carta pedindo uma orientação (1 Cor 7,1). Eles querem saber: - “É bom para o homem abster-se de mulher?” (1 Cor 7,1) – “Se o marido não é cristão e não quer mais viver com a mulher cristã, esta pode separar-se dele?” (1 Cor 7,12-13) – “Judeu que se torna cristão pode fazer operação para desfazer o sinal da circuncisão?” (1 Cor 7,17-18) – “Moça que não quer casar. Pode? O pai pode obrigá-la a casar?” (1 Cor 7,25-40). Não eram problemas fáceis de serem resolvidos (MESTERS e OROFINO, 2008, p. 51). Os problemas citados realmente não eram e continuam não sendo fáceis de resolver. A comunidade cristã já havia experimentado a nova forma de viver, apesar das influências ainda presentes. O Evangelho estava inculturando-se ao meio. Muitos dos questionamentos que eram feitos ao apóstolo já tinham uma resposta praticamente pronta devido à tradição já existente. Quando isso ocorria, ele usava termos como “eu recebi o que também vos ensinei” (1 Co 11.23). Outros questionamentos eram novidade. Por esse motivo, ele utilizava outros termos como “digo eu, não o Senhor” e “dou, porém, o meu parecer” (1 Co 7.12,25). Ainda hoje, existem assuntos que surgem nas igrejas que não têm uma resposta pronta e acabada por questões culturais, entre outras. 144 Assim, há a necessidade de pessoas experientes e para orientar os fiéis. No entanto, ainda não continua fácil resolver muitas questões sobre sexualidade, pois a igreja cristã cada vez mais se depara com confrontos que desafiam suas doutrinas. Mesters e Orofino comentam sobre alguns desafios atuais: Hoje, também há muitos problemas nesta questão do sexo e acontecem coisas que revelam uma confusão muito grande. A TV e as revistas propagam um comportamento sexual bem diferente do que se ensinava antigamente. Orientada pelas novelas, a juventude toma liberdades que dão susto nos pais. Há maridos que saem do interior para procurar serviço na cidade e deixam a esposa em casa como “viúva de marido vivo”. [...] E há muitos outros problemas graves: relacionamento sexual instável, sexo sem compromisso, gravidez precoce e mãe solteira; dimensão erótica da vida que invade tudo e promove costumes livres; camisinha, aborto, pílulas, mãe solteira, passeata gay de milhões de pessoas, etc. Tem gente que aprova tudo; tem outros que desaprovam tudo. Não são problemas fáceis de serem resolvidos (MESTERS E OROFINO, 2008, p. 52). Graças aos questionamentos da comunidade cristã em Corinto, as orientações paulinas sobre essas questões foram registradas por escrito; mas, como visto, ainda temos muitos desafios pela frente quando se trata da vida sexual da sociedade e os conflitos de ideologias com a comunidade cristã. 1.2 A Indissolubilidade do Casamento (7.10-16,39,40) 1.2.1 O ideal original do casamento cristão (7.10,11) O ideal é que o homem e a mulher casem-se, constituam família e sejam felizes para sempre (Gn 2.24; Mt 19.6). Paulo é categórico na carta: “Todavia, aos casados, mando, não eu, mas o Senhor, que a mulher se não aparte do marido. Se, porém, se apartar, que fique sem casar ou que se reconcilie com o marido; e que o marido não deixe a mulher”. Mesmo já tendo defendido sua autoridade apostólica 145 (5.5,12, 6.18; 7.5,8), para falar sobre a indissolubilidade do casamento, Paulo reporta à autoridade de Jesus. Ele usa as palavras de uma tradição oral do evangelho que talvez tenha ouvido de outros apóstolos, como Pedro (Gl 1.18,19), pois ainda não se tinha os evangelhos por escrito. O que Paulo afirma é semelhante ao que foi registrado no evangelho segundo Marcos (Mc 10.2-11). O texto trata de uma discussão de Jesus com fariseus sobre o divórcio. Jesus remete à escritura judaica citando o relato da criação (Gn 1.27; 2.24) e acrescenta o seu comentário: “Portanto, o que Deus ajuntou, não o separe o homem” (Mc 10.9). Na sequência, quando os discípulos quiseram mais informação sobre o divórcio, Jesus acrescentou: “E ele lhes disse: Qualquer que deixar a sua mulher e casar com outra adultera contra ela. E, se a mulher deixar a seu marido e casar com outro, adultera” (Mc 10.11,12).Observe que Jesus menciona primeiro o marido e, depois, a mulher, enquanto Paulo comenta somente “que a mulher não se aparte do marido” (1 Co 7.10). Todavia, ele é mais duro do que o registro em Mateus, em que Jesus deixa a alternativa de casamento por motivos de adultério (Mt 5.31,32; 19.3-10). O paralelo em Lucas 16.18 omite a exceção. Jesus estava sendo questionado pelos fariseus adeptos das ideias da escola do rabino Hilel, que defendiam o direito de o marido dar carta de divórcio por qualquer motivo. Note que, em Mateus, a decisão é faculdade do marido, e não da esposa (v. 9). Como interpretar as diferenças de interpretações? O evangelho de Mateus foi escrito para um público judaico em que, culturalmente, o marido podia mandar a esposa embora por qualquer motivo, mas a mulher não tinha nenhum direito de divorciar-se do marido. O Evangelho de Marcos, por sua vez, foi escrito para gentios em um contexto greco-romano. Nessa cultura, diferentemente da cultura 146 judaica, a mulher tinha o direito de tomar a iniciativa de separar-se do marido. O relato da criação citado por Jesus no Evangelho de Marcos retrata o ideal originário do casamento cristão, ou seja, um casamento indissolúvel. O profeta Malaquias também se refere à narrativa do Gênesis e denuncia o divórcio como uma quebra da aliança por meio do marido (Ml 2.14-16). Jesus estava dialogando com religiosos judeus que viviam de acordo com a Lei Mosaica e permitiam a carta de divórcio (Dt 24; Ml 2.16). Ao ser questionado sobre essa liberalidade, Jesus afirma que ela surgiu devido à dureza do coração deles. Era uma forma de proteção da mulher, pois, se repudiada pelo marido, não poderia casar mais e ficava exposta à miséria e à prostituição. Paulo estava falando para um público no qual a prostituição era aceita pela maioria. Ele prescreve que a esposa que deixar o seu cônjuge deve ficar sem casar-se ou, então, se reconciliar com o seu esposo. Fica evidente a questão cultural na normatização do casamento. 1.2.2 Casamento com descrente antes da conversão (7.12-16) A comunidade cristã de Corinto também quer uma orientação do apóstolo nos casos de um homem ou uma mulher converter-se e o cônjuge não querer seguir a mesma fé. O primeiro conselho do apóstolo também é a conservação do casamento: “se algum irmão tem mulher descrente, e ela consente em habitar com ele, não a deixe. E se alguma mulher tem marido descrente, e ele consente em habitar com ela, não o deixe” (vv. 12,13). Paulo usa uma expressão polêmica, pois afirma que o descrente será santificado pelo cônjuge cristão. No sentido inverso do judaísmo, que defendia que a impureza manchava as coisas puras, o apóstolo defende que o cônjuge cristão santifica o cônjugenão cristão. Todavia, ele libera o divórcio caso o descrente queira separar-se (7.15,16, 27,28,39). Ele não quer dizer que o descrente irá tornar-se moralmente santo só pelo fato de ser casado com um 147 cristão ou uma cristã. O ser humano não é capaz de santificar ou salvar outro, mas pode influenciar positivamente e melhorar o relacionamento do casal e dos filhos. Paulo descreve uma nova situação: a não concordância do cônjuge descrente: “Mas, se o descrente se apartar, aparte-se” (v. 15). Nesse caso, Paulo apresenta uma exceção. No entanto, a exceção não era algo comum entre os judeus e os costumes greco- romanos, no qual se supunha que a família (casa) tivesse religião única. Todavia, mesmo na exceção, existiam regras a serem seguidas, ou seja, isso seria possível somente se o casal não conseguisse viver pacificamente sua diversidade religiosa. Todavia, se houve questionamento, é porque existiam casos destes na igreja. 1.2.3 Casamento opressivo em nome da lei (7.39,40) As exceções de Jesus e de Paulo são para os casos de dureza de coração e um casamento opressivo em nome da lei e dos costumes, fortemente impactado pela questão cultural. Contudo, fica o questionamento sobre qual procedimento tomar nos dias atuais em um contexto cultural diferente. Pode-se obrigar uma pessoa a manter um casamento opressivo em nome da lei ou mesmo optar por falta de opção à castidade (7.39,40)? Paulo utiliza uma expressão semelhante quando escreve aos romanos (Rm 7.1-25). O texto pode ser utilizado para analisar os costumes daquela época, mas a intenção primeira do apóstolo não era essa. Por isso, há a importância de analisar sempre o contexto antes de fazer a interpretação de um texto (NEVES, 2015, pp. 92- 93). No primeiro verso, o apóstolo identifica para quem ele estava falando: “aos que sabem a lei”. A partir do segundo versículo, é utilizada a figura do matrimônio para exemplificar o papel da lei na vida espiritual das pessoas. Para aquele que está sob a lei, esta tem domínio sobre ele enquanto viver (v. 1). Logo, na relação do matrimônio, pela lei, a mulher está sujeita ao marido enquanto ele viver. Todavia, uma vez morto o marido, a mulher está livre para casar-se novamente. Entretanto, enquanto o marido estiver vivo, a 148 mulher estará em adultério se tiver um relacionamento amoroso com outro homem. Na figura do matrimônio, a morte torna-se o meio libertador. Sem a morte, a “mulher” está presa ao “marido”. Os preceitos da lei são dados como terminados com a morte. Trata-se de um princípio universal como uma sentença legal para qualquer tipo de lei: grega, romana ou judaica. Considerando que toda figura é limitada e não pode ser utilizada na sua integridade, devemos trabalhar com o que nos é fornecido pelo autor, entendendo que as informações oferecidas são suficientes para entender sua mensagem. Todavia, não tem como não fazer uso de hipóteses. No verso ٣, o autor afirma: “De sorte que, vivendo o marido, será chamada adúltera se for doutro marido”. Ele trabalha com a possibilidade da intenção da quebra de vínculo por uma das partes para uma nova aliança e continua dizendo: “mas, morto o marido, livre está da lei e assim não será adúltera se for doutro marido”. A expressão “livre está da lei” demonstra uma situação de alívio, como de uma pessoa que vive debaixo da opressão e vive pensando em libertar-se, mas que fica presa às questões legais. Parece justo um cônjuge desejar a morte do outro para “ficar livre” para casar novamente? Você acha um absurdo isso, acha que não existem pessoas nessa situação? Jesus deixou uma pergunta interessante: a lei foi feita por causa do ser humano ou ao contrário? Costa e Rodrigues (2008, p. 123) apresentam uma tabela que resume bem as recomendações e as concessões feitas pelo apóstolo Paulo em 1 Coríntios 7.1-40, que incluem também outros assuntos ao do casamento: Versículos Grupo Paulo recomenda 149 Paulo aceita 1-7 Casados/as Permanecer em sua Abster-se das relações por relação sexual algum tempo 8,9 Descasados Permanecer sozinhos Casar-se de novo 10,11 Casados/as Permanecer como Separar-se estão sem casar-se de novo 12-16 Casados/as com não Permanecer como 150 Separar-se cristãos estão 17-24 Judeus, pagãos, Permanecer como Aproveitar a oportunidade escravos estão para libertar-se 25-38 Não casados/as Permanecer sem se Casar-se comprometidos/as casar 39,40 Viúvas Permanecer sem se Casar-se 151 casar Resumo Todos Permanecer como Mudar de posição estão Fonte: Costa e Rodrigues (2008, p. 123). 1.3 O Casamento não Deve Ser Usado como Fuga 1.3.1 O casamento não pode ser usado como fuga da solidão O casamento não é garantia de ausência de solidão. O casal deve complementar-se e ter uma boa convivência. No entanto, existem casais aparentemente “bem casados” e que um dos cônjuges ou os dois vivem solitários. Para a felicidade do casal, deve existir intimidade entre eles, pois a boa intimidade emocional melhora, inclusive, o relacionamento sexual. Os solteiros e viúvos devem ter isso em mente quando optarem pelo casamento — o primeiro para os solteiros ou o segundo para os viúvos. Há pessoas que se sentem solitárias em sua família e em sua vida de solteiro e criam expectativas de resolver seus problemas com o casamento. Elas correm o risco de buscar a reprodução de seu ambiente de convivência atual no casamento. Por isso, durante o namoro e o noivado, o cristão deve ter certeza de que a outra pessoa é capaz de ampará-lo em todos os momentos que precisar, e ele, da mesma forma, à pessoa amada. A pessoa não deve priorizar em encontrar alguém que a faça feliz, e sim buscar fazer a outra pessoa feliz. Se os dois pensarem assim, a probabilidade de um casamento feliz aumenta significativamente. 152 Para um relacionamento permanente, é necessário sentir-se seguro de que haverá possibilidades de um bom diálogo nos momentos de maior fragilidade. Que seja alguém que se preocupe de verdade com os sentimentos e esteja pronto para ajudar, compartilhando o apoio. A indiferença é o pior dos comportamentos para um casal. Na dúvida, não se case e espere o momento certo. 1.3.2 O casamento não pode ser usado como fuga da tentação sexual Paulo afirma que, “por causa da prostituição, cada um tenha a sua própria mulher, e cada uma tenha o seu próprio marido” (7.2) e diz aos solteiros e às viúvas: “se não podem conter-se, casem-se. Porque é melhor casar do que abrasar-se” (7.9). Ele não faz tais afirmações de forma displicente. O casamento não é uma decisão a ser tomada de qualquer maneira; a escolha deve ser bem feita, e o momento deve ser bem adequado. Os jovens e os viúvos devem tomar a decisão pelo casamento somente após ter segurança de que é a melhor decisão a ser tomada, e não por ter dificuldades com a tentação sexual. O casamento também não é garantia de plena satisfação sexual. Por isso, a recomendação de Paulo em 1 Coríntios 7.3-5, dentre outras. Dependendo da situação, Paulo afirma que é melhor ficar solteiro(a). Paulo também ressalta a dignidade da mulher e coloca a esposa como possuidora dos mesmos direitos e responsabilidades, com voz para decidir, juntamente com o esposo, a respeito do comportamento a ser adotado no relacionamento sexual. Esse comportamento já deve ser observado durante o namoro e noivado. Se a pessoa amada não respeita limites e não oferece um tratamento digno, melhor não deixar para resolver isso no casamento. O planejamento do casamento, em todos os sentidos, deve ser feito pelos dois, sempre tendo as orientações bíblicas como referência. 153 1.3.3 O casamento não pode ser usado como fuga das dificuldades da vida A vida tem suas dificuldades e varia de pessoa para pessoa. O próprio Jesus afirmou que teríamos aflições no mundo (Jo 16.33). Os problemas são os mais variados como ansiedade, financeiros, emocionais, entre outros. Tais coisas têm levado pessoas a momentos de angústias e sofrimentos. Algumas pessoas veem no casamento uma oportunidade de fuga de alguns dessesproblemas. Todavia, essa também não é a melhor forma de entrar em um matrimônio. As pesquisas sobre os motivos na escolha do cônjuge apontam, dentre as principais motivações, a transgeracionalidade com base nos modelos conjugais parentais, a busca por similaridades ou por complementaridades. A primeira referência de avaliação das pessoas são os modelos aprendidos nas famílias de origem e no seu ambiente sociocultural, que podem ser seguidos ou evitados, dependendo das experiências de cada um, com vistas a uma convivência mais harmônica possível dentro do casamento próprio. Outra referência influente é a busca de similaridades na pessoa escolhida, de características pessoais, na maioria das vezes com vistas a reforçar suas imagens. Também se destaca a busca por complementariedade. De forma geral, a busca pela formação de um todo e satisfação completa de suas necessidades, uma projeção no parceiro de determinados aspectos com deficiência na própria personalidade. Diferente do que geralmente é propagado “de que os opostos se atraem”, os estudos apontam que a maioria das pessoas procuram por aqueles que têm os mesmos gostos, ou seja, similares (religião, idade, cultura, raça, preferências, entre outros). De forma geral, essas motivações não são excludentes, e as pessoas priorizam as características que lhe são mais importantes. 154 Para o cristão, os princípios gerados a partir do evangelho devem ser priorizados e ajustados às principais motivações. Você que é solteiro(a) ou viúvo(a), valorize-se, faça tudo para ter um casamento feliz e, consequentemente, venha a formar uma família feliz para a glória de Deus. Capítulo 12 Da Circuncisão e dos Alimentos Sacrificados aos Ídolos O legalismo não salva ninguém. O que salva é a fé no sacrifício vicário de Cristo, que tem como base o amor sacrificial. Texto bíblico em 1 Coríntios 7.18,19; 8.1-13: É alguém chamado, estando circuncidado? Fique circuncidado. É alguém chamado, estando incircuncidado? Não se circuncide. A circuncisão é nada, e a incircuncisão nada é, mas, sim, a observância dos mandamentos de Deus. Ora, no tocante às coisas sacrificadas aos ídolos, sabemos que todos temos ciência. A ciência incha, mas o amor edifica. E, se alguém cuida saber alguma coisa, ainda não sabe como convém saber. Mas, se alguém ama a Deus, esse é conhecido dele. Assim que, quanto ao comer das coisas sacrificadas aos ídolos, sabemos que o ídolo nada é no mundo e que não há outro Deus, senão um só. Porque, ainda que haja também alguns que se chamem deuses, quer no céu quer na terra (como há muitos deuses e muitos senhores), todavia, para nós há um só Deus, o Pai, de quem é tudo e para quem nós vivemos; e um só Senhor, Jesus Cristo, pelo qual são todas as coisas, e nós por ele. Mas nem em todos há conhecimento; porque alguns até 155 agora comem, no seu costume para com o ídolo, coisas sacrificadas ao ídolo; e a sua consciência, sendo fraca, fica contaminada. Ora, o manjar não nos faz agradáveis a Deus, porque, se comemos, nada temos de mais, e, se não comemos, nada nos falta. Mas vede que essa liberdade não seja de alguma maneira escândalo para os fracos. Porque, se alguém te vir a ti, que tens ciência, sentado à mesa no templo dos ídolos, não será a consciência do que é fraco induzida a comer das coisas sacrificadas aos ídolos? E, pela tua ciência, perecerá o irmão fraco, pelo qual Cristo morreu. Ora, pecando assim contra os irmãos e ferindo a sua fraca consciência, pecais contra Cristo. Pelo que, se o manjar escandalizar a meu irmão, nunca mais comerei carne, para que meu irmão não se escandalize. A comunidade judaica em Corinto era forte e bem posicionada, e isso se refletia também na igreja com a conversão de alguns judeus ao cristianismo. Na comunidade cristã, existiam alguns judeus convertidos influentes que mantinham ainda certas regras do judaísmo e queriam impô-las também aos cristãos gentios. Outro assunto que estava dividindo as opiniões e causando dissensões entre os coríntios era a compra da carne nos açougues, que, naquela cultura, vendiam as carnes que sobravam dos sacrifícios que eram realizados em oferta aos deuses romanos, gregos e locais. 1.1 O Propósito da Circuncisão na Antiga Aliança 1.1.1 A circuncisão judaica teve sua origem em Abraão Passados 24 anos da primeira vez que Deus prometeu a Abrão descendência e uma grande nação, quando ele estava com 99 anos, novamente apareceu o Senhor a Abrão; porém, nessa narrativa (Gn 17.1-22), é incluído um novo aspecto da promessa. Na perícope de Gêneses 17.4-14, fica evidente a participação distinta de Deus e de Abraão. Na primeira parte de Gênesis 17.4-8, que 156 inicia com a expressão “Quanto a mim”, fica evidente a participação ativa de Deus, que é a realização da promessa em resposta à preocupação de Abraão que se inicia em Gênesis 15.3, que é consolidada com a finalização da passagem em Gênesis ١٧.٨, “serei o seu Deus” (ARA), uma garantia da presença divina perene na vida de Abraão e sua descendência. No início da perícope de Gênesis 17.9-14, fica evidente a participação ativa de Abraão no imperativo de Deus: “quanto a ti” (ARA). Todavia, não era somente para Abraão, mas também para sua descendência. Essa condicional definiria a manutenção ou não da aliança entre Deus e Abraão. Deus estabelece um sinal para o pacto ou aliança com Abraão sobre sua promessa. A partir de Abraão, todos os seus descendentes masculinos e as pessoas do sexo masculino que estivessem junto a sua casa deveriam fazer a circuncisão como sinal da aliança com Deus. Doravante, o rito deveria ser realizado no oitavo dia de vida e simbolizava a inserção do indivíduo no povo eleito por Deus, segundo a promessa feita a Abraão. Moody informa que a circuncisão não era algo inédito, mas já utilizada por outros povos: Como símbolo ou sinal de aliança, Abraão e seus descendentes teriam de adotar o rito da circuncisão e obedecer rigorosamente aos mandamentos à mesma referentes. Assim apresentariam aos povos vizinhos um lembrete perpétuo de sua dedicação e completa sujeição a Jeová. A circuncisão não era um rito novo. Nem se limitava ao povo hebreu. Era largamente praticado em muitas regiões do mundo, especialmente no Egito e Canaã. Os assírios e babilônicos, entretanto, recusavam-se a participar dele (MOODY, 1986, p. 33). A desobediência a esse compromisso resultaria na expulsão da comunidade, e isso poderia significar vagar pelo deserto, ser transformado em escravo e até mesmo a morte. Portanto, a circuncisão tornou-se um símbolo muito importante para Abraão e 157 seus descendentes, pois representava a aliança de Deus com o povo que se formou a partir do patriarca e era tido como uma garantia da presença e proteção contínua de Deus. 1.1.2 A circuncisão passou a ser um ritual obrigatório da Lei de Moisés A prática da circuncisão, iniciada por Abraão, com o tempo passa a tornar-se um requisito obrigatório na Lei Mosaica, conforme Levítico 12.2,3. A não observância dessa regra poderia ser punida com a morte. Sua importância também era evidenciada com a obrigatoriedade de ser feita no oitavo dia, mesmo que coincidisse com o dia de sábado, tornando-se mais importante do que o próprio dia sagrado para os judeus. Destarte, esse ritual passa a ter uma importância fundamental entre os judeus, em especial, com a instituição do judaísmo formalizado. Contudo, antes de Paulo afirmar sobre a proeminência da circuncisão espiritual sobre a circuncisão física, o Pentateuco (Dt 10.16; 30.6) e os profetas do Antigo Testamento, como Jeremias, já davam esse destaque (Jr 4.4; 9.25). Portanto, mesmo no Antigo Testamento, já se entendia que o ritual não pode ser mais importante do que as pessoas, mas a maioria não compreendia dessa maneira e preferia manter a religiosidade. Os judeus acreditavam que eram superiores aos gentios por serem herdeiros da promessa feita por Deus a Abraão e também por serem os receptores da Lei. Eles mantinham sua identidade e exclusivismo por meio do ritual da circuncisão, que apenas aumentava a arrogânciae a hipocrisia dos judeus. Eles buscavam a Deus, mas de maneira equivocada. Os rituais e as práticas de purificação e pretensa santificação não foram suficientes para alcançarem a tão sonhada justificação diante de Deus. Por isso, a alegria e a satisfação dos gentios coríntios, simpatizantes do judaísmo, ao ouvirem a mensagem de Paulo de que eles não precisavam do ritual para serem justificados diante de Deus, desde que aceitassem a Jesus e o seu sacrifício vicário em favor deles. 158 A religiosidade e o legalismo não salvam. Algumas pessoas buscam a religiosidade, a manutenção de uma aparência de pureza, espiritualidade e santidade, ou seja, uma vida hipócrita que não liberta ninguém. A dificuldade judaica de entender a verdadeira mensagem do evangelho fica evidente ao lermos nos relatos dos evangelhos os inúmeros conflitos entre os principais líderes judaicos com o ensinamento de Jesus. 1.1.3 Abraão não foi justificado pela circuncisão (Rm 4.9-12) Paulo faz um grande tratado sobre a justificação pela fé no capítulo 4 da carta que escreveu aos romanos. Ele começa o versículo 9 com uma pergunta: a bem-aventurança da justificação era somente para os circuncidados ou também se aplicava aos incircuncisos? Ele mesmo responde que Abraão foi justificado (Gn 15.6) 24 anos antes de ser circuncidado (Gn 17). A pergunta e a resposta do apóstolo tinham o objetivo de fornecer argumento contra o ensinamento dos rabinos, de que era necessário ser circuncidado para ser justificado. Em Gênesis 15.6, Abrão tinha 75 anos, e a instituição da circuncisão na ratificação da promessa do nascimento de Isaque ocorre quando ele estava com 99 anos de vida. Desse modo, Paulo comprovou que a circuncisão não foi um pré-requisito para justificação de Abraão, visto que ele havia sido justificado pela fé (Gn 15.6). Paulo procura demonstrar nos versículos de 9 a 12 que Deus vai tratar os incircuncisos da mesma forma que os circuncidados, como ele defende em 1 Coríntios 7.18. O exemplo da justificação de Abraão demonstra que a circuncisão serviu apenas como um sinal externo do estado de justo como dom de Deus. A circuncisão não lhe acrescentou nada, apenas simbolizava o que já havia ocorrido, a justificação de Abraão e a esperança do cumprimento da promessa. Para Paulo, a relevância da circuncisão dava-se pela sua relação com a fé e com a justiça imputada por meio da fé, ou seja, ela simbolizava e selava a fé que Abraão possuía, ao contrário do que 159 os judeus propagavam: um mundo dividido entre os circuncisos e os incircuncisos, justos e pecadores condenados. Eles priorizavam o ritual em detrimento da fé. A comunidade judaica considerava os rituais como meios de justificação diante de Deus. Segundo a doutrina rabínica, no juízo final, Deus perdoará somente os circuncidados, e esse ensinamento paulino traria uma grande dificuldade para os leitores do apóstolo. Por isso, ele pacientemente inicia uma nova fase de explicações. Os hipócritas que se gloriam de obras também disfarçam por intermédio de sinais externos. A circuncisão era motivo de orgulho judaico por ser considerada a base da justiça procedente da lei, e, por isso, os judeus consideravam-se superiores aos demais povos. Essa pode ser uma prática ainda comum em algumas igrejas dos dias atuais, pois alguns cristãos apegam-se aos rituais e consideram-se superiores aos outros membros que não se dedicam às mesmas práticas. O argumento paulino destrói o que era considerado como um grande argumento dos judeus: “[...] são postos por terra os privilégios reivindicados por Israel. A justiça de Deus não se limita ao âmbito da circuncisão, no qual o próprio Abraão já entrou justificado” (KÄSEMANN, 2003, p. 141). Para o desespero dos judaizantes, Paulo afirma que a verdadeira circuncisão é aquela que se dá no coração, independentemente de ritual externo. Se a fé e a justificação de Abraão ocorrem antes da circuncisão, ele também é o pai dos gentios que creem, independentemente de circuncisão. Porém, não exclui os judeus ao afirmar que, se a circuncisão é um sinal da justificação de Abraão, ele também é pai dos judeus circuncisos, os quais tiveram a mesma fé que o patriarca e receberam a circuncisão como um sinal, e não como requisito para a justificação. Segundo Barth (2003, p. 200), nenhum rito ou qualquer forma de religiosidade ou o fato de pertencer a uma religião é uma circunstância preponderante para Deus, mas a fé e os frutos oriundos dela. 160 1.2 A Circuncisão e o Cristianismo (7.18,19) 1.2.1 O Concílio de Jerusalém deliberou sobre a questão da circuncisão Com a expansão do evangelho para os territórios gentios, por meio da evangelização de Paulo, surgiram muitos conflitos com relação à circuncisão, entre outros pontos da Lei de Moisés. Quando Paulo e Barnabé estavam em Antioquia, no Orontes, pessoas da Judeia insistiram na necessidade de os novos convertidos serem circuncidados. Paulo, Barnabé e Tito são enviados pela comunidade de Antioquia para realizarem uma visita a Jerusalém, 14 anos depois do primeiro encontro com Pedro, ocorrido logo após sua conversão. Em Jerusalém, eles participam do Concílio com os Apóstolos (At 15.1-29; Gl 2.1-10), que passou a ser conhecido como o Concílio de Jerusalém, uma reunião importante para definir o que deveria ser observado pelos cristãos gentios e o que eram práticas exclusivas para os judeus. Um dos temas principais era a necessidade ou não realização cirúrgica da circuncisão para os cristãos gentios. Esse ritual, que para os judeus era um tipo de “selo” da eleição por pertencimento ao “verdadeiro povo de Deus”, era uma alusão à aliança entre Deus, Abraão e seus descendentes. A decisão foi de que a circuncisão seria obrigatória somente para os judeus. Após o concílio, Barnabé e Paulo voltam para Antioquia. Judas e Silas são enviados com eles, levando uma carta que esclarece as decisões do Concílio. É nessa ocasião que Pedro visita-os na Antioquia (Gl 2.11-21). A notícia sobre a decisão tomada no Concílio deve ter sido recebida com grande alegria pela comunidade dos gentios, que não se sentia incluída nessa tradição judaica específica e nacional. 1.2.2 Não deve haver distinção entre circuncisos e incircuncisos na igreja (7.18) 161 No capítulo 7 da Carta, em resposta aos questionamentos dos coríntios, de repente, Paulo interrompe o assunto do casamento e começa a falar sobre a circuncisão. Esse deveria ser um assunto que incomodava a comunidade dividida entre judeus e gentios. Esse ritual era tão relevante para identificar o judeu com sua fé que, na época do Império Grego, muitos judeus apóstatas, para garantir a fidelidade aos gregos, reverteram a circuncisão por meio de cirurgias. Diferentemente do que Paulo fez na Carta aos Romanos, em que escreveu um tratado, em especial o capítulo 4, como vimos anteriormente, na Carta aos Coríntios, ele é bem objetivo e direto: “É alguém chamado, estando circuncidado? Fique circuncidado. É alguém chamado, estando incircuncidado? Não se circuncide”. Acima de tudo, ele também estava embasado por uma decisão colegiada do Concílio, com apoio da liderança cristã em Jerusalém. Paulo orienta que, quando um judeu se convertesse ao cristianismo, ele não deveria tentar desfazer cirurgicamente sua circuncisão para ter aparência de gentio, pois foi chamado para ser um judeu entre os judeus. Da mesma forma, quando um gentio se convertesse ao cristianismo, ele não precisava circuncidar-se para tornar-se como um judeu. Cada um da maneira que estava deveria servir a Cristo em paz e sem necessidade de discussões infrutíferas e desnecessárias sobre rituais religiosos que não são essenciais para a salvação. Em Cristo, não há mais separação entre judeus e gentios. A igreja é uma comunidade de salvos em Cristo, como uma unidade, independentemente de quaisquer diferenças. Quando escreve aos romanos, [...] o apóstolo atribui a Abraão o título de pai de todo aquele que crê em Cristo, e não apenas e exclusivamente de uma nação. [...] A justiça de Deus se manifesta na salvação por meioda fé em Cristo, 162 que está disponível a todo ser humano que nEle crê, independente de gênero, nação, cor, classe social, faixa etária, entre outras formas de distinção (NEVES, 2015, pp. 66, 157). 1.2.3 A verdadeira circuncisão é a do coração (7.19) Na Carta aos Romanos, Paulo afirma que os judeus ensinavam, mas não praticavam a Lei. Portanto, de nada valeria um sinal externo se as práticas não condiziam com o que ensinavam. Paulo afirma que a verdadeira circuncisão é aquela que acontece no interior do ser humano, em seu coração (Rm 2.25-29; 1 Co 7.19). Entretanto, isso não significa que o exterior não seja importante, mas, sim, que o interior do ser humano é que transforma o seu exterior, e não o contrário. A circuncisão e a lei somente têm valor se for uma representação do que realmente está no interior. Jesus disse que o ser humano é contaminado pelo que está dentro do seu coração, e não no seu exterior (Mt 7.15). Não adianta viver de aparência, uma religiosidade firmada na exterioridade e rituais. O que está no interior de uma pessoa será expresso por meio do seu falar, de como trata ao próximo, de como lida com os negócios, entre outros comportamentos. O ser humano deve ser valorizado pelo que é, e não pelo que aparenta ser. 1.3 Alimentos Sacrificados aos Ídolos (8.1-13) 1.3.1 Funcionamento dos açougues em Corinto nos dias de Paulo No capítulo 8, o apóstolo introduz um novo problema que estava ocorrendo na comunidade cristã de Corinto: as dissensões por causa da carne que era comprada nos açougues da cidade. No primeiro século, os açougues da cidade de Corinto vendiam as sobras das carnes dos animais que eram sacrificados aos ídolos nos templos pagãos. Quem quisesse ter carne na refeição tinha de ir aos açougues do templo. Comprar nesses açougues era uma rotina normal na cidade e não era problema para seus habitantes, com exceção da comunidade judaica. Como na época não havia a 163 facilidade para guardar e preservar alimentos, a compra era praticamente diária para quem podia e tinha condições financeiras. Mester e Orofino trazem algumas informações sobre a rotina nesses açougues: Um dos grandes problemas das primeiras comunidades cristãs nas cidades do Império Romano era a questão das carnes que tinham sido sacrificadas em templos pagãos e depois eram colocadas à venda nos açougues. Numa grande cidade como Corinto, onde não havia eletricidade nem geladeira, a carne tinha que ser comprada diariamente. Ora, havia um grande número de sacrifícios pela manhã nos inúmeros templos dentro da cidade. A única oportunidade de comprar carne fresca eram estas carnes oferecidas aos ídolos pagãos. Todas as donas de casa iam aos açougues dos templos comprar carne fresca. Era costume e tradição da cidade (MESTER E OROFINO, 2008, pp. 58, 59). O mercado de carne era controlado pelos templos, por negociantes privados ou pelo Estado. Dessa forma, quanto mais cultos e sacrifícios, mais aquecia o mercado e o comércio local e, consequentemente, mais lucro para quem tinha o controle. Peixoto afirma que, pouco depois da época de Paulo, o império usou da repressão ao culto cristão para não prejudicar a economia da cidade: Um governador que viveu pouco tempo depois de Paulo, falará que, com a repressão ao culto cristão — que aconselhava não comer as carnes vendidas no mercado, por todas elas serem oferecidas aos “deuses” do estado ou das religiões permitidas, chamando-as de idolatria e subserviência cívica — o comércio de carnes da cidade voltou a crescer. A queda na oferta de carne fazia o preço da carne subir e acumulava gado nos pastos causando problemas à economia. Como solucionar o problema do subaquecimento do mercado e fazer circular dinheiro? Incentivando os cultos (PEIXOTO, 2008, p. 37). 164 A festa também acontecia nos pátios dos templos, chamados banquetes sagrados, dos quais todas as pessoas podiam participar livremente (8.10), semelhantemente a algumas refeições beneficentes dos dias atuais. Em Corinto, para uma grande maioria, essa era praticamente a única oportunidade de comer carne. 1.3.2 A controvérsia na comunidade cristã em Corinto Com a chegada da comunidade cristã na cidade e a mudança de crenças e comportamento devido à conversão das pessoas, conflitos surgiram dentro da comunidade. Alguns membros continuaram comprando e comendo carnes sem preocupação; outros influenciados pela crença judaica, que tinha certa influência nas comunidades cristãs, deixaram de comprar. Comer alimentos sacrificados aos ídolos também foi um dos principais assuntos, junto com a circuncisão, no Concílio que aconteceu em Jerusalém (At 15.22-29). A recomendação da igreja de Jerusalém era para abster-se da carne sacrificada aos ídolos. Para os cristãos de origem judaica, comer da carne sacrificada aos ídolos era semelhante ao ato de fazer os sacrifícios. Por outro lado, os cristãos vindos do paganismo não se incomodavam, pois sempre haviam comido dessa carne. Um conflito estabeleceu-se dentro das comunidades, inclusive dentro da própria família. Essa era uma das questões levadas pela comunidade até Paulo, solicitando orientações de como proceder. 1.3.3 Orientações e conselhos de Paulo sobre alimentos sacrificados aos ídolos Paulo, na realidade, oferece dois procedimentos que entende ser coerentes. Em primeiro lugar, a orientação para quem tinha uma consciência mais esclarecida, ou seja, aqueles que não acreditavam em outros deuses além do único Deus criador. Para estes, recomenda-se que continuem no mesmo procedimento e comprem 165 o que tiver no açougue (8.4-6), semelhantemente ao discurso de Jesus em Marcos 7.14-30. Em 1 Coríntios 10.25, Paulo é mais claro: “Comei de tudo quanto se vende no açougue, sem perguntar nada, por causa da consciência”. Em segundo lugar, a orientação é para aqueles que têm a consciência fraca, que dizem acreditar em um único Deus, mas, na prática, temem os deuses que chamam de falsos. Paulo recomenda que essas pessoas não comam carne (8.7). Paulo refere-se à crença judaico-cristã do monoteísmo, ou seja, só há um Deus verdadeiro — a crença que é resumida no credo judaico (Dt 6.4; Sl 86.10; Is 44.8; 45.5). Os judeus recitavam esse credo duas vezes ao dia, pela manhã e ao fim da tarde. A igreja cristã herdou esse credo, mas não utiliza essa prática. Alguns crentes da comunidade não seguem o raciocínio de Paulo e ficam com a consciência contaminada (8.7). Eles não comem, mas escandalizam-se se alguém comer a carne vendida no açougue. Na sequência, Paulo recomenda aos primeiros: “vede que essa liberdade não seja de alguma maneira escândalo para os fracos” (v. 9), que ficavam com suas consciências contaminadas (v. 7). Em outras palavras, Paulo está dizendo que não há problemas, mas, devido aos fracos, os fortes devem evitar comprar a carne do açougue, como uma forma de apaziguar os ânimos na comunidade (8.8-13). Capítulo 13 A Santa Ceia, o Amor e a Ressurreição O sacrifício de Jesus na cruz foi o maior exemplo de amor. Nele nós temos a garantia da vida eterna com Deus. Texto bíblico em 1 Coríntios 11.23-25; 13.8-13; 15.51-58. 166 Porque eu recebi do Senhor o que também vos ensinei: que o Senhor Jesus, na noite em que foi traído, tomou o pão; e, tendo dado graças, o partiu e disse: Tomai, comei; isto é o meu corpo que é partido por vós; fazei isto em memória de mim. Semelhantemente também, depois de cear, tomou o cálice, dizendo: Este cálice é o Novo Testamento no meu sangue; fazei isto, todas as vezes que beberdes, em memória de mim. A caridade nunca falha; mas, havendo profecias, serão aniquiladas; havendo línguas, cessarão; havendo ciência, desaparecerá; porque, em parte, conhecemos e, em parte, profetizamos. Mas, quando vier o que é perfeito, então, o que o é em parte será aniquilado. Quando eu era menino, falava como menino, sentia como menino, discorria como menino, mas, logo que cheguei a ser homem, acabei com as coisas de menino. Porque, agora, vemos por espelho em enigma; mas, então, veremos face a face; agora, conheço em parte, mas, então, conhecereicomo também sou conhecido. Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e a caridade, estas três; mas a maior destas é a caridade. Eis aqui vos digo um mistério: Na verdade, nem todos dormiremos, mas todos seremos transformados, num momento, num abrir e fechar de olhos, ante a última trombeta; porque a trombeta soará, e os mortos ressuscitarão incorruptíveis, e nós seremos transformados. Porque convém que isto que é corruptível se revista da incorruptibilidade e que isto que é mortal se revista da imortalidade. E, quando isto que é corruptível se revestir da incorruptibilidade, e isto que é mortal se revestir da imortalidade, então, cumprir-se-á a palavra que está escrita: Tragada foi a morte na vitória. Onde está, ó morte, o teu aguilhão? Onde está, ó inferno, a tua vitória? Ora, o aguilhão da morte é o pecado, e a força do pecado é a lei. Mas graças a Deus, que nos dá a vitória por nosso Senhor Jesus Cristo. Portanto, meus amados irmãos, sede firmes e constantes, sempre abundantes na obra do Senhor, sabendo que o vosso trabalho não é 167 vão no Senhor. Um dos principais assuntos da carta é a cruz de Cristo, que já foi abordado em capítulos anteriores. Neste último capítulo, será dado destaque a outros ensinos que são principais na Carta, como a Ceia do Senhor, o poema do amor, a ressurreição e o destino do cristão salvo. 1.1 Orientações sobre a Celebração da Ceia do Senhor (11.23-32) 1.1.1 Paulo repreende as divisões durante a celebração da Ceia do Senhor (11.17-22) As comunidades cristãs primitivas participavam do “Ágape”, uma refeição comum que tinha por objetivo a comunhão dos membros. Com o tempo, a refeição “Ágape” foi unida à Ceia do Senhor. O evento era ou deveria ser a expressão máxima da fraternidade e comunhão da comunidade. Todavia, até nesses momentos os coríntios deixavam prevalecer as divisões. Em vez de uma refeição compartilhada, aqueles que tinham melhores condições comiam suas refeições em separado das demais pessoas com menor poder aquisitivo (v. 18-20). Paulo chega a afirmar que, enquanto “um tem fome, o outro embriaga-se” (v. 21). Ele reforça: “desprezais a igreja de Deus e envergonhais os que nada têm?” (v. 22). Os que chegavam mais cedo não esperavam pelos demais (v. 33). O apóstolo afirma que não pode louvá-los pelo comportamento à mesa, pois o que era para ser a maior expressão de fraternidade transformou-se num exemplo do que não poderia ocorrer em uma comunidade cristã (v. 17). A igreja estava reproduzindo as distinções opressoras da sociedade de Corinto. Infelizmente, aquilo não era exemplo de uma Ceia do Senhor. 168 Um momento para comemorar-se a igualdade e fraternidade conquistadas pelo sacrifício de Cristo estava evidenciando uma prática opressiva e injusta das pessoas que conduziram Jesus até a cruz. Os evangelhos deixam claro que, enquanto Jesus pregava, curava e ensinava as pessoas, os seus adversários observavam-no de longe, entre uma e outra discussão sobre as tradições. Todavia, quando Ele aproxima-se do centro da religião e entra em confronto com as práticas realizadas no Templo, construído para ser casa de oração e adoração a Deus, com abuso e exploração da fé dos fiéis, os principais líderes colocam no seu coração matá-lo para manter o status quo. Da mesma forma, os coríntios estavam fazendo uso de um ambiente de adoração e celebração da vitória na cruz para vangloriarem-se e mostrarem-se superiores aos outros. O exemplo que deveria ser lembrado é do Deus que se fez carne, que morreu de forma humilhante e vergonhosa aos olhos da sabedoria humana para resgatar a humanidade, incluindo a comunidade cristã de Corinto. 1.1.2 Um olhar para o passado, o modelo da Ceia do Senhor (11.23- 25) O que o mau exemplo dos coríntios gerou de bom foi o registro mais antigo da celebração eucarística. Os evangelhos sinóticos narram sobre a última Ceia de Jesus com seus discípulos, mas foram registrados décadas depois da Carta de Paulo aos Coríntios. Olhando para trás, a Ceia do Senhor aponta para a centralidade da morte de Cristo (v. 24-25): o pão simbolizando o corpo de Cristo “que é partido por vós”, e o vinho simbolizando o sangue vertido na cruz. A base para a absolvição de todo pecador no julgamento divino é a morte de Cristo. Por isso, há a orientação para celebrar a Ceia do Senhor em memória da morte de Cristo, pois é por meio da eficácia do sacrifício de Jesus que alcançamos o perdão de nossos pecados e a garantia da vida eterna com Deus. 169 A morte de Jesus e seus efeitos não podem ser esquecidos pelo cristão — “fazei isto, [...] em memória de mim” . Quanto mais for lembrada, mais gratidão o cristão deve mostrar por meio de seu testemunho. Graças à Ceia do Senhor, os cristãos estão periodicamente lembrando a morte de Jesus, porém nem sempre com o respeito e prática que deveriam. O evangelho de Mateus registra que a morte de Jesus é acompanhada de sinais (27.51-56). Os sinais demonstram que sua morte não foi em vão, mas tinha atingido o objetivo principal (o véu da separação do Templo rasga-se em dois, terremoto, as rochas fendem-se, e muitos mortos ressuscitam). Vamos ater-nos aqui no primeiro sinal para demonstrar a grande barreira que foi quebrada com a morte de Jesus. O véu do Templo é o símbolo de inacessibilidade do ser humano comum a Deus, necessitando de intermediário para entrar no Santo dos Santos. O acesso era permitido somente ao sumo sacerdote uma vez ao ano. A morte de Jesus rasgou o véu da separação e deu livre acesso do ser humano a Deus. A obra de Cristo satisfaz a necessidade da justiça de Deus pelo pecado da humanidade, pois anulou a sentença de morte. Assim, conquistou o direito da justiça perfeita, que é atribuída a todo o que crê e aceita o sacrifício vicário de Jesus. A justiça de Cristo conquistada por meio de sua morte é imputada gratuitamente ao pecador que crê. Portanto, a única base da justificação é a justiça imputada de Cristo, que não é inerente do ser humano. O fato de a justiça de Cristo ser a base da justificação acentua amplamente a graça de Deus. A graça tem como centro a cruz de Cristo para onde tudo se converge, e os justificados são perfeitamente reconciliados. A morte, que é tida como maldita pelos judeus e como controle de subversão para os romanos, torna-se símbolo da vitória de Jesus sobre a própria morte, uma morte vitoriosa que produz vida eterna (NEVES, 2017, pp. 118-120). 170 Os coríntios, em vez de serem gratos pelos efeitos da morte de Cristo em suas vidas, comportavam-se como se a morte de Jesus não tivesse significado nenhum. Com que atitude você tem participado da celebração da Ceia do Senhor? 1.1.3 Um olhar para dentro, o autoexame preventivo para não ser condenado (11.26-32) Celebrar a Ceia do Senhor é testemunhar a morte e a ressurreição de Jesus enquanto se aguarda a sua volta, bem como o estabelecimento definitivo e pleno do Reino de Deus. Infelizmente, Paulo afirma que alguns membros da comunidade cristã de Corinto estavam participando da Ceia para “sua própria condenação” (v. 34). A atitude deles durante a celebração era “indigna” por “não discernir o corpo do Senhor”, um reflexo da vida prática dos corintos, pessoas doentes e mortas espiritualmente devido às motivações do coração. Por isso, o apóstolo recomenda que, ao participar da celebração da Ceia, cada um examine a si mesmo para não ser condenado com o mundo (11.27-29). O autoexame deveria ser coletivo e individual, ou seja, como a comunidade estava comunicando o valor do evangelho na interação entre seus membros e a participação individual nesse resultado. Paulo destaca que deveriam ser revistas as atitudes contraditórias que estavam ocorrendo na própria Ceia do Senhor, as quais refletiam o dia a dia deles, para uma correção de rumo. A Ceia do Senhor faz a função do refletor que aponta para a cruz de Cristo. Nela, o participante da Ceia deve ver-se crucificado com Cristo; caso contrário, deve rever suas atitudes para não ser condenado com o mundo. Paulo adverte: “quando somos julgados, somos repreendidos peloSenhor, para não sermos condenados com o mundo” (v. 32). 171 Quando o cristão participa da celebração da Ceia do Senhor, é como se afirmasse que ele está preparado para a volta de Cristo, que reconhece o valor do sacrifício de Jesus, que tem levado uma vida de participação dos sofrimentos dEle pelo evangelho e que espera ansioso pelo seu retorno, com a esperança firme de que estará ceando com o Senhor — contudo não mais em uma terra corruptível, em um corpo corruptível que precisa ser alimentado. Maranata! Ora, vem, Senhor Jesus! 1.2 O Poema do Amor (13.1-13) 1.2.1 A causa das divisões na comunidade de Corinto era a falta de amor O texto do capítulo 13 traz um dos mais belos poemas de todos os tempos. O texto também é conhecido como O Hino do Amor. Ele provavelmente era um dos cânticos entoados nas celebrações das comunidades cristãs. Como muitos cânticos de nossos dias, é uma letra muito bonita que muitas vezes está bem longe da realidade cristã no dia a dia. Na carta, Paulo deve ser interpretado à luz de seu contexto, ou seja, da principal motivação da escrita pelo apóstolo, os constantes conflitos e divisões da comunidade cristã em Corinto. A vida em comunidade, para que seja fraterna e feliz, exige a prática do amor. Sem ela, a comunidade deixa de existir como local seguro e acolhedor. O poema deixa claro que o amor manifesta-se nas coisas mais simples do cotidiano, diferentemente da busca constante da comunidade de Corinto — o que não é diferente das comunidades atuais. Paulo utiliza o poema para demonstrar que a falta de amor é a principal causa das divisões na igreja. Muitos cristãos ainda buscam a autopromoção e esquecem-se de valorizar as coisas simples e duradouras, a exemplo dos irmãos em Corinto. 1.2.2 A proeminência do amor sobre os dons (13.1-7) 172 Paulo termina o capítulo 12 aconselhando os coríntios a buscarem os melhores dons, mas ele ainda iria apresentar-lhes “um caminho ainda mais excelente” (12.29-31). Na sequência, Paulo apresenta O Hino do Amor para continuar a passar orientações de como utilizar os dons. A comunidade cristã orgulhava-se da grande manifestação dos dons nas reuniões, em especial do dom de línguas e das profecias. O apóstolo assevera que isso, além de outros dons, inclusive a entrega de todos os bens para os pobres ou mesmo entregar o corpo para ser queimado, de nada valeria se não fosse por amor. A palavra do apóstolo soa até estranho: como pode uma pessoa fazer tudo isso sem amor? Se Paulo afirma tal coisa, é porque isso é possível. Pessoas que fazem caridades e manifestam dons especiais, dentre outras coisas, e atitudes que deixam as pessoas maravilhadas, podem estar fazendo somente para a sua autopromoção. Na Carta, o apóstolo deixa claro que existiam pessoas assim, e, pela forma da escrita, a maioria tinha esse estilo de vida. Então, Paulo afirma que o amor é paciente, prestativo, não é invejoso, não se ostenta, não é orgulhoso, não é inconveniente, não se irrita, não guarda rancor, não tem prazer na injustiça, tem prazer na verdade, tudo perdoa, tudo crê, tudo espera e tudo suporta (13.4-7). Quem tem esse amor em sua plenitude? 1.2.3 A perenidade do amor: ele jamais passará (1 Co 13.8-13) Na parte final do poema, o apóstolo enfatiza a perenidade do amor: todos os dons, carismas e serviços deixarão de existir, mas o amor não passará! Sabemos que os dons e serviços são importantíssimos para a comunidade, mas eles não permanecerão para sempre. O ser humano somente irá superar seus limites por meio de sua capacidade de amar. Paulo assegura que somente quem tem 173 maturidade espiritual é capaz do amor verdadeiro. Ele afirma: “Quando eu era menino, falava como menino, sentia como menino, discorria como menino, mas, logo que cheguei a ser homem, acabei com as coisas de menino”. O apóstolo já havia chamado os coríntios de infantis e, aqui, ele reforça a infantilidade e a necessidade de crescimento espiritual. Os coríntios valorizavam em demasia o dom de línguas, profecias e o conhecimento, preferiam o que não era permanente em detrimento do que é eterno e faz parte da própria natureza de Deus: o amor. O amor é como uma característica genética de Deus, que comprova a paternidade divina. A maturidade cristã supõe a fé, a esperança e o amor, todavia a maior das virtudes é o amor (v. 13). 1.3 A Ressurreição e o Destino do Cristão Salvo (1 Co 15) 1.3.1 A fé na ressurreição de Jesus é a garantia da vida eterna com Deus (15.1-34) O livro de Atos registra que Paulo, antes de chegar à cidade de Corinto, teve uma experiência amarga em Atenas devido à sua pregação sobre a ressurreição. O público estava atento à mensagem de Paulo. Ao mencionar Jesus e a ressurreição ( anástasis), os gregos pensavam tratar-se de um casal de deuses (At 17.18). Todavia, quando percebem que Paulo falava sobre a ressurreição de Cristo, a rejeição foi automática: “E, como ouviram falar da ressurreição dos mortos, uns escarneciam, e outros diziam: Acerca disso te ouviremos outra vez. E assim Paulo saiu do meio deles” (At 17.32,33). Os gregos acreditavam que a alma era imortal e, devido à visão dualista, ela vivia aprisionada no corpo mortal. O corpo era visto como impedimento para a alma realizar-se plenamente. No entanto, mesmo nessa experiência negativa, algumas pessoas creram (At 17.34). 174 Em Corinto, não era diferente, e mesmo algumas pessoas da comunidade voltaram a ter dúvidas e influenciar outras. Então, Paulo reafirma a fé na ressurreição de Jesus (1 Co 15.20-28), que garante a vitória definitiva sobre o pecado e acesso aos futuros da árvore da vida (Gn 3.22-24; Ap 22.2). “Se esperamos em Cristo só nesta vida, somos os mais miseráveis de todos os homens” (1 Co 15.19). Ainda hoje, muitas pessoas duvidam desse fato histórico. No entanto, McDowel afirma que existem as evidências diretas e as evidências circunstanciais para a comparação de um fato. Ele traz uma boa explicação, com exemplo prático, sobre a diferença entre as duas formas de evidências: Por exemplo, em um assalto, o testemunho de uma pessoa que viu o assaltante sacar uma arma e atirar no caixa da loja é uma evidência direta. Mas (1) a comprovação de que o homem foi visto entrando na loja imediatamente antes do tiroteio; (2) uma nota de venda mostrando que ele tinha comprado o revólver; (3) as impressões digitais na arma e na caixa registradora; e (4) um registro balístico mostrando que a bala saiu de sua arma — todas estas são evidências circunstanciais. (MCDOWELL, 1994, p. 140) McDowel (1994, pp. 141-148) apresenta cinco evidências circunstanciais para comprovar a ressurreição de Cristo: a igreja, o domingo, o batismo, a Ceia do Senhor e a transformação de vida. De forma resumida, a base de suas argumentações são: • A igreja, um fenômeno histórico - A igreja surgiu na própria cidade onde Jesus foi crucificado, morto e sepultado. Assumir-se membro da igreja era arriscar a própria vida. Se os discípulos não tivessem tanta convicção, será que arriscariam suas vidas e a de seus familiares? 175 • O domingo, um fenômeno sociológico – Os judeus, mesmo os convertidos ao cristianismo, tinham receio de quebrar a guarda do Sabbath porque temiam uma maldição. Para deixarem uma vida de tradição e treinamento religioso, teria de ser algo muito impactante. A mudança deu-se porque a ressurreição de Jesus foi no domingo. “Não sei de outro evento histórico celebrado 52 vezes por ano” (MCDOWELL, 1994, p. 142). • Duas ordenanças de Cristo: o batismo e a Ceia do Senhor – O batismo é um testemunho público para confissão de fé do novo crente em Jesus e sua ressurreição. O batismo é uma ordenança de Jesus que passou a ser obedecida pela igreja, com base na ressurreição histórica de Jesus, e não, simplesmente, em mais um dogma. O cristão participa da Ceia com reconhecimento de que Cristo morreu por ele e ressuscitou em um corpo glorificado, assim como o corpo que espera receber um dia. Tomar parte desse ato em memória de Jesus até que Ele volte foi uma recomendação de Cristo. • A transformaçãode vida, fenômeno psicológico – Na época seguinte à morte de Jesus, se uma pessoa confessasse sua fé em Cristo como seu Senhor, manifestando crer em sua divindade e, consequentemente, em sua ressurreição, teria sua vida em risco iminente. Por isso, quando alguém se convertia e dizia-se cristão, a sua vida tinha uma transformação radical. 1.3.2 Deus dará ao cristão salvo um corpo glorioso (15.35-50) Paulo, para falar sobre a ressurreição dos salvos e a transformação espiritual do corpo, retoma uma imagem utilizada por Jesus: o grão de trigo que deve morrer para gerar vida (Jo 12.24; 1 Co 15.35-38). A planta gerada pela semente é bem diferente desta. O corpo que Deus dá à vida que nasce da semente morta parece não ter sido 176 gerada da semente. Ninguém planta uma figueira ou qualquer outro tipo de árvore pronta. O que se planta é a semente, na esperança que se transforme em uma árvore correspondente. A esperança da ressurreição transcende a realidade, vai além do que se vê. Quem tem a fé na ressurreição é capaz de ter esperança contra toda esperança (Rm 4.18). Corpo e sangue não podem herdar o Reino de Deus (1 Co 15.47- 50); por isso: “Semeia-se o corpo em corrupção, ressuscitará em incorrupção. Semeia-se em ignomínia, ressuscitará em glória. Semeia-se em fraqueza, ressuscitará com vigor. Semeia-se corpo animal, ressuscitará corpo espiritual” (1 Co 15.42-44). Deus dá a cada semente o corpo que quer (1 Co 15.38). 1.3.3 Os cristãos salvos serão arrebatados por Deus (15.51-58) Entre os gentios, havia muitas dúvidas a respeito da ressurreição pregada por Paulo. Para eles, a morte era um dos pré-requisitos para a ressurreição. Uma das suas preocupações era de Jesus voltar e, estando vivos, não terem seus corpos transformados. Paulo responde que nem todos morrerão, mas, num momento tão rápido que o ser humano não consegue mensurar, os mortos ressurgirão incorruptíveis, e os vivos serão transformados e revestidos da incorruptibilidade (1 Co 15.51-53). Ele destaca que se cumprirá a palavra da Escritura: “Tragada foi a morte pela vitória. Onde está, ó morte, o teu aguilhão? Onde está, ó inferno, a tua vitória?” (1 Co 15.54,55). A morte foi vencida na cruz. Jesus, ao assumir a cruz, fez do instrumento de tortura e humilhação para os gentios um sinal de salvação e ressurreição para os cristãos salvos. Ressurreição sem cruz é como uma corrida sem objetivos (1 Co 9.27). A força da cruz de Cristo é a ressurreição; as duas são a concretização do amor (1 Co 13). Ressurreição é o dom absoluto de Deus e a vitória definitiva sobre qualquer forma de morte (1 Co 15.26,56-58). Quando Cristo manifestar-se, os cristãos salvos serão semelhantes a Ele (1 Jo 177 3.2), isto é, revestidos de incorruptibilidade e de imortalidade (1 Co 15.54). Por isso, a finalização do capítulo 15: “Portanto, meus amados irmãos, sede firmes e constantes, sempre abundantes na obra do Senhor, sabendo que o vosso trabalho não é vão no Senhor” (v. 58). Considerações Finais APrimeira Carta aos Coríntios foi escrita por Paulo quando este estava em Éfeso durante sua terceira viagem missionária, entre 54 e 55 d.C. Ela tinha como objetivo dar orientações a partir de informações recebidas da própria comunidade. A análise das respostas do apóstolo trouxe-nos alguns ensinamentos, conforme a seguir. Os partidarismos e as divisões eram resultado da imaturidade espiritual e da dificuldade em distinguir a sabedoria humana da sabedoria de Deus (cruz de Cristo). A maneira como o apóstolo inicia a Carta a uma comunidade com tantos problemas como em Corinto é um bom exemplo de como tratar assuntos complexos de forma positiva. Paulo, enquanto dá graças pela vida de seus destinatários, também os alerta sobre manter a fidelidade para o Dia do Senhor. Ele introduz um assunto que aprofundará mais tarde: os dons de Deus, que não definem grau de espiritualidade e são concedidos para o serviço e o bem comum. As divisões internas na igreja de Corinto estavam prejudicando a unidade da comunidade e tirando o foco principal da missão da igreja. Alguns membros estavam vangloriando-se pela proximidade ou por terem sido batizados por um líder específico; assim, estes valorizavam mais a pessoa que os havia batizado do que o próprio sacrifício de Cristo. Paulo repudia a arte da retórica e da sabedoria humana em contraste com a loucura da cruz, a sabedoria de Deus. Ele reforça que a loucura da cruz, a mensagem do Cristo crucificado, que era 178 considerada loucura tanto para romanos, gregos e judeus, é a medida exata da verdadeira sabedoria divina. Paulo teve sua formação educacional e religiosa em duas das principais cidades de sua época (Társis e Jerusalém), incluindo sua formação religiosa aos pés do principal rabino do judaísmo, Gamaliel. Paulo não se vangloriava disso, mas de sua experiência de conversão, de sua disposição para receber o Espírito de Deus e de ter a mente de Cristo para a glória de Deus. O exemplo da imaturidade cristã dos coríntios evidencia o perigo da fragilidade da fé infantil e a necessidade do crescimento espiritual. Os coríntios ainda eram carnais, não conseguiam trabalhar em equipes, pois alimentavam o sentimento da inveja e promoviam contendas e dissensões na comunidade. O exemplo negativo dos coríntios ensina-nos a manter os fundamentos sólidos, a buscar sabedoria divina e a conservar uma vida de comunhão para termos um crescimento espiritual constante. Paulo, de forma didática, utilizando a metáfora da plantação, demonstra que todos nós somos cooperadores na obra de Deus. Podemos ter habilidade para arar, plantar, regar, podar, entre outras atividades na lavoura de Deus, mas somente Ele dá vida e o crescimento necessário. Deus deve ser louvado e adorado, nunca o ser humano. A disciplina deve ser aplicada de acordo com sua abrangência e quando outros meios de persuasão, como aconselhamento e orientação pastoral, não surtirem efeitos. Ela é um meio de preservar o Corpo de Cristo e a santidade na igreja. O objetivo é cura espiritual. Diante dos inúmeros conflitos internos da comunidade levados aos tribunais romanos, o apóstolo propõe um modelo de conciliação de conflitos interno tendo como base o modelo de vida cristã comunitária, igualitária e fraternal. Paulo adverte que quem não acatasse sua sugestão estaria correndo o risco de ser classificado com os demais pecadores e condenados à perdição eterna. 179 O ambiente imoral de Corinto e o conceito dualista de que o corpo era mau estavam influenciando o comportamento dos membros da igreja. Alguns coríntios achavam-se livres para fazer o que bem entendessem com o seu corpo. Paulo corrige essa atitude e ensina que o corpo pertence ao Senhor e não foi feito para a imoralidade sexual. A verdadeira liberdade está em Cristo. Ser livre é poder dizer não à imoralidade e à prostituição e preservar o templo do Espírito Santo. O casamento é bom e abençoado por Deus, e o celibato é somente para jovens e viúvas que têm o dom para permanecer nesse estado. A ideia original do casamento é que ele dure até que a morte separe os cônjuges; todavia, devido à dureza do coração, muitos casais não chegam até o fim juntos. Por isso, o casamento não pode ser usado para fugir da solidão, da tentação sexual ou das dificuldades da vida; ele deve ser bem planejado e oferecer segurança ao casal. Os conflitos entre os judeus-cristãos e os cristãos gentios também estavam presentes em Corinto. Quanto à circuncisão, Paulo é bem prático em sua orientação: cada um fique como está. A circuncisão não passa de um ritual externo com significado específico aos judeus. Quanto à carne sacrificada aos ídolos, ele esclarece que estes nada são e que só existe um Deus. No entanto, para evitar mais conflitos na comunidade, quando necessário, Paulo orientou que não se comesse a carne sacrificada. A celebração da Ceia do Senhor aponta para a cruz e conduz o participante a olhar para dentro de si em busca de aperfeiçoamento em Cristo. O poema do amor reflete sua plenitude no amor oferecido por Jesus na cruz e quenunca passará. A ressurreição de Cristo garante a nossa ressurreição e a transformação em um corpo espiritual. Que o aprendizado com a Primeira Carta aos Coríntios contribua para o nosso amadurecimento espiritual. Referências 180 ARRINGTON, French L.; STRONSTAD, Roger. Comentário Bíblico Pentecostal: Novo Testamento. Volume 2: Romanos – Apocalipse. Rio de Janeiro: CPAD, 2012. AZEVEDO, Israel Belo de. O Fruto do Espírito: A vida cristã como ela deve ser. São Paulo: Editora Sepal, 2003. BARTH, Karl. Carta aos Romanos: Tradução e comentários Lindolfo K. Anders. São Paulo: Novo Século, 2003. CABRAL, Elienai. Mordomia Cristã: Aprenda como servir melhor a Deus. Rio de Janeiro: CPAD, 2003. CALVINO, João. 1 Coríntios. São Bernardo do Campo – SP: Edições Parakletos, 2003. CARSON, D. A. O Comentário de João. São Paulo: Shedd Publicações, 2007. COSTA, Julieta Amaral da; RODRIGUEZ, Silvana Verônica. 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Temas complexos que, ao serem balizados pela Palavra de Deus, perdem potencial de trazer problemas à vida pessoal e espiritual do cristão. A Bíblia precisa ser a regra de fé e conduta de todo cristão e, exatamente por isso, nela é possível encontrar orientações sobre os diversos assuntos que emergem durante a vida, e não seria diferente ao discutirmos sobre sexo, dinheiro e poder. Nesta obra, ao tratar da cobiça e do orgulho, o pastor Natalino das Neves demonstra o que os textos bíblicos do Antigo e Novo Testamento falam sobre esses temas complexos que, ao serem balizados pela Palavra de Deus, perdem potencial de trazer problemas à vida pessoal e espiritual do cristão. Livro escrito como texto de apoio à revista Lições Bíblicas de Jovens do 2º trimestre de 2019 da Escola Dominical, comentadas também pelo autor do livro, pastor Natalino das Neves. Compre agora e leia 186 http://www.mynextread.de/redirect/Amazon+%28BR%29/3036000/9786586146042/9788526318670/e49a494a4bc55f7b15d81e03b45f9e09 O Verdadeiro Pentecostalismo Soares, Esequias 9786586146134 160 páginas Compre agora e leia O Verdadeiro Pentecostalismo foi escrito para ajudar a esclarecer os pontos essenciais da fé pentecostal. Os pentecostais são conhecidos por suas relações e experiências com a manifestação do Espírito de Deus, mas sua característica básica é o batismo no Espírito Santo, com seus dons e manifestações, como a glossolalia, as profecias, as curas e as outras operações de maravilhas. O objetivo é mostrar e explicar a 187 http://www.mynextread.de/redirect/Amazon+%28BR%29/3036000/9786586146042/9786586146134/c884628f456654aac3c33e3855ad0dbe doutrina pentecostal no seu aspecto bíblico, teológico e prático. A base de nossa fé não são experiências humanas e nem as emoções dos crentes, mas a Palavra de Deus. No entanto, elas não estão descartadas, mas submetidas às Escrituras, porque servimos a um Deus vivo que continua a se comunicar com seus filhos e filhas, de todas as idades, de todos os lugares, de todas as épocas e de todos os estratos sociais (At 2.13-21). Compre agora e leia Do que você tem medo? Jeremiah, Dr. David 188 http://www.mynextread.de/redirect/Amazon+%28BR%29/3036000/9786586146042/9786586146134/c884628f456654aac3c33e3855ad0dbe9788526314184 264 páginas Compre agora e leia VOCÊ PODE VENCER O MEDO! Todos temos medo de algo, seja do fracasso, sucesso, solidão, multidão, morte, vida. A lista é interminável. Ninguém está imune ao medo. O medo assombra os fracos e os fortes, os jovens e os velhos, os pobres e os ricos. É o elemento que nos coloca a todos no mesmo nível. Alguns medos assaltam-nos apenas momentaneamente, passando quase tão rapidamente quanto surgem. Mas outros nos atacam por toda a vida. Instalam-se na mente aniquilando todo senso de segurança e, por vezes, chegam a assumir o controle da vida. Mas não tenha medo! Há esperança. Em Do que Você tem Medo? David Jeremiah Identifica e explica o que está no cerne de nove de nossos maiores medos e estabelece um plano bíblico para vencer cada um deles. Examina também um determinado medo que deve fazer parte de nossa vida diária: o temor de Deus. Um Produto CPAD. Compre agora e leia 189 http://www.mynextread.de/redirect/Amazon+%28BR%29/3036000/9786586146042/9788526314184/771bf0fab983d89414ee9708ac0e00c9 http://www.mynextread.de/redirect/Amazon+%28BR%29/3036000/9786586146042/9788526314184/771bf0fab983d89414ee9708ac0e00c9 História dos Hebreus Josefo, Flávio 9788526313491 1568 páginas Compre agora e leia Em História dos Hebreus o autor escreve com detalhes os grandes movimentos históricos judaicos e romanos. Qualquer estudante da Bíblia terá em Flávio Josefo descrições minuciosas de 190 http://www.mynextread.de/redirect/Amazon+%28BR%29/3036000/9786586146042/9788526313491/0425f9bc0bbed69efa60b373c7ad00fe personagens do Novo Testamento (Evangelhos e Atos), tais como: Pilatos, os Agripas, os Herodes e inúmeros outros pormenores do mundo greco-romano, tornando esta obra, depois da Bíblia, a maior fonte de informação sobre o povo Judeu. Um produto CPAD. Compre agora e leia Como ter o Coração de Maria no Mundo de Marta Weaver, Joanna 9788526312302 256 páginas Compre agora e leia 191 http://www.mynextread.de/redirect/Amazon+%28BR%29/3036000/9786586146042/9788526313491/0425f9bc0bbed69efa60b373c7ad00fe http://www.mynextread.de/redirect/Amazon+%28BR%29/3036000/9786586146042/9788526312302/ca2183a1c100137e805a904295aec153 Um convite para toda mulher que sente que não é piedosa o suficiente ... não está amando o suficiente ... não está fazendo o suficiente. A vida de uma mulher hoje não é realmente tão diferente da de Maria e Marta no Novo Testamento. Como Maria, você deseja se sentar aos pés do Senhor ... mas as demandas diárias de um mundo ocupado simplesmente não o deixam em paz. Como Marta, você ama Jesus e realmente quer servi-lo ... mas luta com cansaço, ressentimento e sentimentos de inadequação. Então vem Jesus, bem no meio de sua movimentada vida Maria / Marta - e ele estende o mesmo convite que fez há muito tempo às duas irmãs de Betânia. Com ternura, ele convida você a escolher "a melhor parte" - uma vida alegre de intimidade na "sala de estar" com ele, que flui naturalmente para o "serviço de cozinha" para ele. Como você pode fazer essa escolha? Com sua nova abordagem à história familiar da Bíblia e suas estratégias criativas e práticas, Joanna mostra como todos nós - Maria e Marta - podemos nos aproximar de nosso Senhor, aprofundando nossa devoção, fortalecendo nosso serviço e fazendo as duas coisas com menos estresse e maior alegria. Compre agora e leia 192 http://www.mynextread.de/redirect/Amazon+%28BR%29/3036000/9786586146042/9788526312302/ca2183a1c100137e805a904295aec153 Document Outline Folha de Rosto Créditos Prefácio Introdução Capítulo 1. A Primeira Carta de Paulo à Igreja de Corinto Capítulo 2. Ação de Graças pela Igreja de Corinto Capítulo 3. Divisões na Igreja Capítulo 4. A Sabedoria Divina Capítulo 5. O Caráter da Pregação de Paulo Capítulo 6. A Imaturidade Espiritual dos Coríntios Capítulo 7. É Deus que Dá o Crescimento Capítulo 8. A Impureza da Igreja de Corinto: Repreensões e Exortações Capítulo 9. Paulo Censura a Contenda entre os Irmãos Capítulo 10. Seu Corpo É Membro de Cristo Capítulo 11. Paulo Responde Questões a Respeito do Casamento Capítulo 12. Da Circuncisão e dos Alimentos Sacrificados aos Ídolos Capítulo 13. A Santa Ceia, o Amor e a Ressurreição Considerações Finais Referências 193 Folha de Rosto Créditos Prefácio Introdução Capítulo 1. A Primeira Carta de Paulo à Igreja de Corinto Capítulo 2. Ação de Graças pela Igreja de Corinto Capítulo 3. Divisões na Igreja Capítulo 4. A Sabedoria Divina Capítulo 5. O Caráter da Pregação de Paulo Capítulo 6. A Imaturidade Espiritual dos Coríntios Capítulo 7. É Deus que Dá o Crescimento Capítulo 8. A Impureza da Igreja de Corinto: Repreensões e Exortações Capítulo 9. Paulo Censura a Contenda entre os Irmãos Capítulo 10. Seu Corpo É Membro de Cristo Capítulo 11. Paulo Responde Questões a Respeito do Casamento Capítulo 12. Da Circuncisão e dos Alimentos Sacrificados aos Ídolos Capítulo 13. A Santa Ceia, o Amor e a Ressurreição Considerações Finais Referências