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Gerenciamento de riscos baseado em fatores humanos e cultura de segurança Estudo de caso de simulação computacional do comportamento humano durante a operação de escape e abandono em instalações offshore Gerardo Portela © 2014, Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei no 9.610, de 19/02/1998. Nenhuma parte deste livro, sem autorização prévia por escrito da editora, poderá ser reproduzida ou transmitida sejam quais forem os meios empregados: eletrônicos, mecânicos, fotográficos, gravação ou quaisquer outros. Copidesque: Wilton Fernandes Palha Revisão: Adriana Kramer Editoração Eletrônica: Thomson Digital Elsevier Editora Ltda. Conhecimento sem Fronteiras Rua Sete de Setembro, 111 – 16o andar 20050-006 – Centro – Rio de Janeiro – RJ – Brasil Rua Quintana, 753 – 8o andar 04569-011 – Brooklin – São Paulo – SP – Brasil Serviço de Atendimento ao Cliente 0800-0265340 atendimento1@elsevier.com ISBN: 978-85-352-7603-9 ISBN (versão eletrônica): 978-85-352-7604-6 Nota: Muito zelo e técnica foram empregados na edição desta obra. No entanto, podem ocorrer erros de digitação, impressão ou dúvida conceitual. Em qualquer das hipóteses, solicitamos a comunicação ao nosso Serviço de Atendimento ao Cliente, para que possamos esclarecer ou encaminhar a questão. Nem a editora nem o autor assumem qualquer responsabilidade por eventuais danos ou perdas a pessoas ou bens, originados do uso desta publicação. CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ P857g Ponte Junior, Gerardo Portela Gerenciamento de riscos baseado em fatores humanos e cultura de segurança : estudo de caso de simulação computacional do comportamento humano durante a operação de escape e abandono em instalações offshore / Gerardo Portela da Ponte Junior. - 1. ed. - Rio de Janeiro : Elsevier, 2014. 200 p. ; 24 cm. ISBN 978-85-352-7603-9 1. Segurança no trabalho - Brasil. 2. Acidentes - Brasil - Prevenção. 3. Indústria petrolífera. 4. Gás natural - Indústria. I. Título. 13-05669 CDD: 363.11 CDU: 331.4 mailto:atendimento1@elsevier.com Dedico este trabalho primeiramente a Deus, que criou todas as coisas e me deu Angélica como mulher, a minha filha Alana, o meu pai Gerardo, minha mãe Cléo, os irmãos Lincoln, Florence, e uma família maravi- lhosa que me apoia e incentiva. Também dedico este trabalho aos profissionais que priorizam o be- nefício das pessoas e da sociedade nos empreendimentos tecnológicos de todos os tipos. Agradecimentos Ao Professor José Márcio Vasconcellos da COPPE UFRJ, que nos orientou em direção do que há de mais avançado tecnologicamente, motivando e apontando caminhos para o sucesso. Ao Professor Louis Freund, que nos Estados Unidos estudou e acreditou em nossa proposta brasileira de trabalho abrindo as portas da San Jose State University, onde aprendemos muito sobre fatores humanos com os engenheiros e professores do Vale do Silício. Ao Professor David Krack que lecionou Engenharia de Segurança sob o apoio do International Students Department da University of Califórnia, que sempre nos recebeu com todo cuidado e atenção. Aos Professores Dracos Vassalos, Luis Guarin e toda a equipe do Kelvin Hydrodynamics Laboratory e da University of Strathclyde que nos ajudaram a realizar a parte mais difícil do trabalho. Em especial à minha instrutora, Professora Yasmine Hifi, que sempre dedicou tempo e conhecimento técnico à pesquisa realizada. Ao consultor técnico do Cenpes (Centro de Pesquisas da Petrobras), Guilherme da Silva Telles Naegeli, e aos gerentes (Petrobras) Carlos Cyranka, Dennis Botinelly, Antônio Luiz Fernandes dos Santos, Marcos Assayag e Maria de Fátima que viabilizaram as pesquisas que per- mitiram a realização deste trabalho. VII Agradecimento especial Agradecimento especial a duas famílias indispensáveis para a rea- lização deste trabalho. Primeiramente a família Mike, Kim e Phillip Kirouac, que nos receberam na pequena cidade de Campbell na Califórnia, nós um casal de brasileiros com um bebê de 2 meses. Nosso trabalho nos Estados Unidos não teria sido possível sem o apoio cons- tante da família Kirouac desde a instalação na cidade até a emissão dos certificados de conclusão do curso. Além disso, após toda sua dedicação na Califórnia, a família Kirouac ainda nos indicou outra família cristã escocesa para continuar o suporte em Glasgow, Escócia, UK. Aos queridos Roddy e Moira Shaw, que também nos receberam maravi- lhosamente bem em Glasgow, nós agradecemos igualmente por terem estado ao nosso lado, nos ajudando a superar as dificuldades típicas de uma família brasileira, sozinha, num país tão distante. Em nenhum mo- mento nos sentimos sós quando longe de nossa terra. Teremos sempre um carinho especial pelos americanos e escoceses que sempre serão lembrados por nós, simbolizados por esses amigos extraordinários. IX Prefácio Os conceitos de cultura de segurança e fatores humanos precisam ser abordados de forma prática no gerenciamento de riscos e na segurança de empreendimentos tecnológicos. Esses temas incluem aspectos subjetivos normalmente estranhos ao dia a dia dos engenheiros e técnicos em suas atividades rotineiras. Esta obra aborda tais conceitos sintetizando-os e indicando uma metodologia aplicável a qualquer empreendimento tecnológico. O estudo de caso escolhido para emprego da metodologia é a análise de segurança do sistema de escape e abandono de uma unidade de exploração e produção de óleo e gás offshore do tipo FPSO (Floating, Production, Storage and Offloading). A escolha de um FPSO foi baseada na pesquisa da tese de doutorado que originou o livro, mas os sistemas de escape e abandono têm aplicação generalizada em qualquer edificação, instalação ou meios de transporte. Sistemas de escape e abandono des- tacam a interação homem × sistema sempre presente em qualquer em- preendimento tecnológico, que se intensifica durante uma emergência. A pesquisa original criou um modelo 3D representativo de um FPSO e, através de simulações computacionais, considerou mais de 30 grupos diferentes de cenários acidentais que postulam vazamentos de gás, in- cêndios e avarias navais. Os resultados experimentais foram avaliados estatística e analiticamente, propiciando a identificação de oportunidades de melhorias de projeto, melhorias operacionais e na qualidade dos procedimentos. Isso resulta na elevação da qualidade do gerenciamento de riscos e segurança. As simulações desenvolvidas na pesquisa alcan- çaram a suficiente correspondência com as características técnicas e operacionais de um FPSO, bem como reproduziram os aspectos com- portamentais, aspectos de fatores humanos e aspectos de cultura de segurança que caracterizam o suposto grupo de operadores que opera unidades de exploração e produção de óleo e gás offshore do tipo FPSO. Plataformas de petróleo do tipo FPSO são instalações muito complexas, e por isso os especialistas, em seu estudo, alcançam adicionalmente resultados aplicáveis também às instalações terrestres como indústrias, edifícios, estádios, shoppings centers, campus universitários, hospitais, complexos hoteleiros e conglomerados de lazer. Ou seja, a metodologia empregada aplica-se a qualquer situação cuja movimentação de pessoas tenha importância. Os resultados também são aplicáveis aos problemas envolvendo a movimentação de pessoas em sistemas e veículos de trans- porte aéreo, marítimo e terrestre, sobretudo em situações de emergência. XI XII Prefácio Para interagir diretamente com o autor, acesse: gerardoportela. com.br ou risksafety.com.br O autor Lista de figuras Figura 2.1 Posicionamento relativo das estratégias de segurança 8 Figura 2.2 Influência sobre o ambiente projetado 20 Figura 2.3 Influências sobre o erro humano 22 Figura 4.1 Definição de problema e regra 51 Figura 4.2 Solução possível numa cultura legalista 52 Figura 4.3 Solução possível numa cultura de heroísmo52 Figura 4.4 Solução possível numa cultura de segurança forte 52 Figura 6.1 Tela de interface do software Evi (simulador) 119 Figura 6.2 Tela de interface do software EvE (editor do modelo 3D) 120 Figura 6.3 Modelo 3D do FPSO estudado 120 Figura 6.4 Arranjo geral final do FPSO estudado 122 Figura 6.5 Detalhe de módulo offshore e suas rotas de fuga 124 Figura 6.6 Exemplo de janela de interface para atribuição de fatores humanos ao POB 130 Figura 6.7 Exemplo de posicionamento dos agentes no FPSO 131 Figura 6.8 Apresentação das propriedades e dos efeitos sobre o agente e grid de propagação de incêndio 133 Figura 7.1 Avaria naval, com angulação instantânea de 16 graus 142 Figura 8.1 Modelo de tabela de enquadramento de evento acidental 147 XVII CAPÍTULO 1Introdução e roteiro de leitura 3Gerenciamento de riscos Este livro é baseado nos resultados obtidos em mais de 10 anos de trabalho e pesquisas em projetos de sistemas de segurança offshore e mais de 30 anos de efetiva atuação profis- sional na área de engenharia e tecnologia. Também serviram para o desenvolvimento do seu conteúdo as pesquisas realizadas durante os estudos de Doutorado em Gerenciamento de Riscos e Mestrado em Gestão de Tecnologia. Os estudos e pesquisas foram desenvolvidos na Universidade Federal do Rio de Janeiro (COPPE, CEFET/RJ), The California State University (San Jose, USA) e University of Strathclyde (Glasgow, UK). Com o objetivo de facilitar a compreensão da obra, apresentamos a seguir um resumo que serve como roteiro para a sua leitura. Os Capítulos 2 e 3 iniciam o trabalho com um levantamento da evolução dos modelos de gestão tecnológica nos últimos 40 anos, os modismos e paradigmas de gestão que prevaleceram em cada década e a influência histórica da gestão tecnológica no gerenciamento de riscos e segurança. É apresentado um levanta- mento conceitual sobre os temas erro humano e fatores humanos, cuja abordagem identifica aplicações práticas na gestão de ati- vidades de engenharia, especialmente em projeto, construção e operação. O trabalho pesquisou o impacto do elemento humano em acidentes, as consequências do erro humano e as concepções de modelos de gestão para o gerenciamento adequado dos pro- blemas relacionados com o erro humano. No Capítulo 4 são apresentadas estratégias de aplicação dos conceitos de cultura de segurança e fatores humanos nas ativi- dades de gestão relacionadas com o gerenciamento de riscos e segurança nos empreendimentos tecnológicos. O texto descreve uma forma atualizada de abordagem dos assuntos relacionados à segurança e gerenciamento de riscos, identificando os principais vícios prejudiciais ao processo, mostrando a importância da multidisciplinaridade, da influência dos aspectos subjetivos e imprevisíveis nas decisões de aceitação ou não de riscos. O texto resume em sete princípios de fatores humanos e em sete princí- pios de cultura de segurança os principais conceitos identificados no estudo dos temas. Essa consolidação é apresentada como uma estratégia de aplicação prática dos conceitos de fatores humanos e cultura de segurança em empreendimentos tecnológicos. O Capítulo 5 descreve a importância dos sistemas de escape e abandono para o objetivo de priorização de proteção à vida humana em qualquer empreendimento tecnológico. O texto explica a escolha do sistema de escape e abandono como objeto 4 CAPÍTULO 1 Introdução e roteiro de leitura de estudo de caso para a aplicação dos conceitos de cultura de segurança e de fatores humanos em empreendimentos tec- nológicos como, por exemplo, instalações offshore, inshore, onshore e at shore (marítimas, costeiras, terrestres e na costa). É apresentado o potencial de uso de ferramentas de simulação computacional para o estudo e melhoria dos sistemas de escape e abandono de instalações offshore, aplicáveis também na melhoria do gerenciamento de riscos e segurança de empreendimentos tecnológicos em geral. Nos Capítulos 6 e 7 o trabalho faz uma investigação sobre a aplicação de ferramentas de simulação computacional de es- cape e abandono em instalações offshore, especialmente do tipo FPSO (Floating, Production, Storage and Offloading). O texto descreve a tecnologia desenvolvida para adequar o uso de um software de simulação computacional de escape e abandono às características técnicas de um FPSO. A tecnologia desenvolvida para a definição de cenários de emergências em instalações off- shore é descrita de modo que tais cenários possam alcançar a representatividade necessária para serem usados na realização de simulações tecnicamente corretas, realistas e com corres- pondência operacional. Os Capítulos 8 e 9 relatam os parâmetros e as metodologias adotadas na estratégia de abordagem do sistema de escape e abandono, com base nos resultados de mais de 4.000 simulações computacionais em mais de 30 grupos de cenários acidentais postulados para instalações offshore. Os resultados dessas simu- lações são apresentados de forma consolidada após a realização de análises estatísticas e qualitativas dos valores obtidos com as simulações. As considerações finais e a conclusão são apresentadas no Capítulo 10 e resumem os resultados teóricos e práticos, através de uma abordagem que inclui o conceito atualizado de geren- ciamento de riscos e segurança, bem como a importância e os meios de inserção dos conceitos de cultura de segurança e fatores humanos nas estratégias de proteção de empreendimentos tecno- lógicos. A conclusão do livro sugere oportunidades de melhorias e demonstra a aplicabilidade dos conceitos e resultados obtidos em quaisquer outros empreendimentos tecnológicos. CAPÍTULO 2Cultura de segurança SUMÁRIO DO CAPÍTULO 2.1 Paradigmas organizacionais e consequências para a segurança ................................................................. 7 2.1.1 Paradigma mecanicista da década de 1970 ...........9 2.1.2 Paradigma orgânico da década de 1980 ..............11 2.1.3 Paradigma holístico da década de 1990 ..............13 2.1.4 Paradigma da globalização da década de 2000 .....14 2.1.5 Tendência no início do terceiro milênio ................17 2.2 Conceito de cultura de segurança ...................................... 18 2.3 Conceitos básicos de fatores humanos e erro humano ......... 19 7Gerenciamento de riscos 2.1 PARADIGMAS ORGANIZACIONAIS E CONSEQUÊNCIAS PARA A SEGURANÇA Assim como o dia a dia das pessoas, o mundo tecnológico e corporativo também tem seus modismos e sofre a influência das constantes mudanças de tendências que se renovam de tempo em tempos. Podemos nos lembrar de várias tendências que surgiram, alcançaram seu máximo de aceitação e depois caíram em desuso de forma similar ao que acontece com os modismos do cotidiano das pessoas. Os modismos acabam deixando marcas, algumas definitivas que passam a simbolizar um determinado período e caracterizar determinadas décadas. Tais modismos de gestão tecnológica e organizacional in- fluenciam as atividades das empresas, dos seus gestores técnicos, das pessoas e da sociedade. Por isso, o gerenciamento de riscos e o tratamento das questões de segurança não poderiam passar isentas por essa influência, ora positiva, ora negativa, exercida pelos paradigmas organizacionais de seu tempo, contribuindo, assim, para o movimento do pêndulo da segurança. Ou seja: as estratégias de segurança oscilam entre um máximo e um mínimo de rigor, passando sempre por um ponto de equilíbrio no qual, devido à dinâmica organizacional, nunca permanecem. A posi- ção estratégica varia sob a influência de fatores como acidentes recentes, traumas corporativos, traumas sociais entre outros que conduzem o pêndulo da segurança para o ponto de mais alta proteção. Em contrapartida, outros fatores, como o excesso de autoconfiança, custos excessivos, competitividade influenciam a posição do pêndulo da segurança para o lado oposto, em que se busca a proteção mínima suficiente (Figura 2.1).Para um bom trabalho estratégico de segurança, é preciso entender bem em que posição o pêndulo da segurança se encontra na organização e na sociedade em que ela se insere, considerando o estágio de desenvolvimento da tecnologia envolvida, e assim concluir se ainda é possível ceder espaços ou se já estamos no limite máximo de risco aceitável. A partir desse entendimento, são definidos os fatores estratégicos para limitar a aproximação operacional dos dois picos desse movimento pendular, tanto para evitar uma proteção tão elevada que inviabilize a operação/ empreendimento, assim como para impedir que haja proteção insuficiente, o que pode levar ao acidente. O objetivo é manter a máquina operacional em funcionamento seguro, estável mes- mo sob a influência das variações inevitáveis na abordagem 8 CAPÍTULO 2 Cultura de segurança da segurança, às vezes circunstanciais, tão frequentes na vida organizacional. Além dos paradigmas organizacionais, inúmeros fatores ex- ternos compõem uma influência cultural sobre a percepção e aceitação de riscos. Essas informações incluem opinião pública, tradições familiares, tradições regionais, educação, histórico de vida individual e comunitária, as redes de comunicação eletrônica conhecidas – como as redes sociais –, a mídia, influências geo- gráficas e históricas, religião, supertições, acidentes anteriores, traumas sociais, naturais, pessoais etc. Todo esse conjunto de influências participa da formação da cultura de segurança, que, por sua vez, exerce influência específica sobre a percepção e a aceitação de riscos. Uma das formas de materialização dessa cultura de segurança são os efeitos de sua influência nos registros que compõem as le- gislações, normas e procedimentos. Por exemplo: após um aciden- te socialmente traumático, os procedimentos relacionados com o evento podem ser modificados, as rotinas podem ser alteradas e os equipamentos podem ser substituídos. Isso pode acontecer tanto em nível internacional, nacional e empresarial, como em âmbito individual e familiar. Trata-se da cultura geral gerando a FIGURA 2.1 Posicionamento relativo das estratégias de segurança. 9Gerenciamento de riscos cultura de segurança propriamente dita, a qual influencia direta- mente a percepção e aceitação de riscos. A influência socioeconômica na legislação afeta as rotinas operacionais e a execução de tarefas. Tal influência resulta na alteração da probabilidade de ocorrer o erro humano e o acidente. São de grande importância os aspectos associáveis à cultura de segurança para a origem dos eventos acidentais. Entre as razões originais para os acidentes estão a falha técnica, a fa- lha humana e eventos externos ao sistema produtivo como questões naturais, econômicas ou sociais, estes considerados componentes formadores da cultura de segurança. As ações individuais e coletivas têm suas condições de controle de ris- cos e de perigos alteradas por questões organizacionais e por condições ambientais e isso também faz parte da cultura de segurança. De acordo com nossas pesquisas, o conceito de cultura de segurança definido pela IAEA Safety Series No 75-INSAG-4 (1991) é o que possibilita uma aplicação prática e sistemática por parte das organizações em problemas de engenharia e tec- nologia. De acordo com a IAEA Safety Series No 75-INSAG-4, Cultura de segurança é o conjunto de características e atitudes das organizações e indivíduos, que estabelece que uma prioridade absoluta seja dada a segurança nuclear de modo que esta receba a devida atenção pela sua importância. A partir dessa definição, buscamos a extensão da aplicação do conceito de cultura de segurança para os demais empreendimentos tecnológicos, além das fronteiras da engenharia nuclear, o que será melhor explicado ao longo deste trabalho. Apresentamos a seguir um resumo dos paradigmas organiza- cionais (um dos principais componentes de formação da cultura de segurança) que caracterizaram as últimas décadas. Ressalta- mos a influência desses paradigmas nas questões associadas ao gerenciamento de riscos e segurança e a consequente evolução conceitual da abordagem de tais temas. 2.1.1 Paradigma mecanicista da década de 1970 Os ícones de desenvolvimento tecnológico popularizados nos anos 1970 foram: a chegada do homem à Lua, a transmissão de TV via satélite e em cores, a substituição das válvulas por transistores, a fita cassete para gravação de áudio, as calculadoras 10 CAPÍTULO 2 Cultura de segurança eletrônicas portáteis, os relógios digitais, os primeiros te- lejogos rudimentares. O controle estatístico de processos, a programação de cronogramas tipo PERT-CPM e o controle de qualidade também ganham espaço e são exemplos de ferramentas de gestão tecnológica. Os computadores começam a ser usados pelas grandes corporações, e programações em Fortran (que é usado até hoje) eram ensinadas nas faculdades de engenharia e transferidas para os computadores através de uma mídia hoje completamente obsoleta: cartões de papel perfurados. Foi uma década na qual a especialização tornou-se o objetivo daqueles que buscavam estar tecnológica e cientificamente atua- lizados. Quanto mais especializado, melhor. Essa tendência foi legitimada por um modo cartesiano newtoniano de pensar, que prevalece desde a origem do método científico no século XVII, e obteve imensos avanços e resultados tecnológicos ao longo de séculos, sempre fundamentados nos conceitos propostos por René Descartes (1637) e, posteriormente, aperfeiçoados por Isaac Newton (1687), os quais praticamente definiram o que conhecemos então como método científico. O valor do método estava associado em conhecer as partes, os detalhes e a partir daí é que se poderia chegar ao entendimento do todo como consequência. Cada parte funciona como o com- ponente de uma máquina maior, logo, se cada parte funcionar perfeitamente, a máquina também funcionará com perfeição. Esse é o chamado paradigma mecanicista. A repercussão desse conceito nas atividades do dia a dia da engenharia e da tecnologia resultou na valorização dos equipamentos e seus desempenhos, uma vez que estes eram as partes do todo, e pensava-se que se cada parte obtiver o desempenho ideal, consequentemente o todo também alcançará o melhor desempenho. Para fazer cada parte funcionar bem, o foco tecnológico do paradigma mecanicista era centrado no desempenho do equipamento e no detalhamento dos procedimentos associados a cada parte. Isso resultou numa década dedicada à confiabilida- de, cuja prioridade foi associada à qualidade dos equipamentos e procedimentos e os esforços concentrados na fase de projeto. Os procedimentos eram elaborados de tal maneira a evitar o risco de estar sob a influência do erro humano, mas minimi- zando o papel do indivíduo, cuja principal tarefa era aplicar os procedimentos. Em termos de segurança, um acidente marcou os anos 1970. O incidente nuclear de Three Mile Island USA, em 28 de março 11Gerenciamento de riscos de 1979. O paradigma mecanicista da década de 1970 não foi eficiente para evitar esse tipo de acidente, mesmo tendo criado várias proteções através de barreiras sobrepostas. Para cada siste- ma (parte) da usina (todo) havia uma proteção, mas mesmo assim houve liberação limitada para a contenção de gases radioativos acima do esperado, embora sem danos para a população e meio ambiente. Os melhores procedimentos e equipamentos reunidos pelo projeto da usina não foram suficientes para evitar o acidente que quase se tornou uma catástrofe ambiental de consequências extremamente graves. Durante a emergência, os operadores mostraram-se desorientados e confusos, com dificuldade de iden- tificar o cenário de degradação que se estabelecia. Verificou-se a necessidade de aperfeiçoamento da confiabilidade, do desempe- nho e da atitude do elemento humano, independentemente da qualidade dos equipamentos e procedimentos. Com o acidente de Three Mile Island em 1979, enfatizou-se a importânciado conceito de defesa em profundidade, o qual consiste em prever falhas técnicas, humanas ou organizacionais e evitá-las através de sucessivas linhas de defesa em todas as fases da vida de uma instalação industrial. 2.1.2 Paradigma orgânico da década de 1980 Nos anos 1980, os resultados mais popularizados do desen- volvimento tecnológico foram as missões dos ônibus espaciais, o videocassete, os primeiros e limitados computadores pes- soais, as agendas eletrônicas, entre outros. No campo político, a segunda parte da década foi marcada pelas mudanças nos regimes comunistas da Europa Oriental que culminaram com a queda do muro de Berlim, estabelecendo um novo cenário para o desenvolvimento técnico e científico. Em termos de gestão tecnológica, foi uma década marcada por ondas bem-sucedidas de vendas de modelos e propostas de planos de reengenharia e qualidade total que serviram para seguidas reorganizações tanto bem-sucedidas quanto desastrosas. Quase sempre inspiradas no sucesso da indústria japonesa e nos trabalhos profícuos de W.E. Deming (1982), essas ferramentas de gestão tecnológica proliferaram e algumas foram massificadas, como a MASP (Me- todologia de Análise e Solução de Problemas) e o 5S, baseado nas 5 palavras japonesas de iniciação à chamada qualidade total. A informatização chega às atividades de rotina das grandes em- presas, ainda com monitores monocromáticos e drivers externos, 12 CAPÍTULO 2 Cultura de segurança sendo necessário agendar horários para utilização das máquinas que eram disponibilizadas em pools para grupos de profissionais que precisavam se alternar. Houve uma valorização do desempenho humano, seu com- prometimento e sua confiabilidade em seguir procedimentos. Não mais apenas a valorização dos equipamentos e procedimentos. Era necessário considerar a interação dos processos técnicos com os recursos humanos e também a questão da atitude do elemento humano diante do trabalho técnico a ser feito. Foi uma década dedicada a levar em conta os erros humanos, o que se tornou o ponto de partida para se mostrar que a confiabilidade humana suplantava o conceito da aplicação pura e simples dos procedimentos. O paradigma mecanicista que via a organiza- ção e a tecnologia como uma gigantesca máquina cujo sucesso resultava do perfeito funcionamento de cada equipamento que compunha as partes evoluiu para o paradigma orgânico, no qual o homem e a máquina juntos passam a definir o êxito do resultado organizacional. Mesmo assim, em 26 de abril de 1986, um dos mais emblemá- ticos acidentes de todos os tempos aconteceu na Usina Nuclear de Chernobyl, URSS. Apesar da rigidez dos projetos e procedimen- tos de segurança adotados em usinas nucleares, e mesmo com to- da experiência e disciplina operacional soviética, o grave acidente causou a perda instantânea e simultânea da primeira e segunda barreiras de defesa em profundidade (em geral são seis barreiras na indústria nuclear: natureza cerâmica do combustível, reves- timento do combustível, vaso de pressão do reator, blindagem radiobiológica, vaso de contenção de aço, edifício de concreto reforçado). A terceira barreira não tinha sido projetada para evitar liberação de materiais radioativos em cenários com tal grau de degradação das duas primeiras barreiras e, como consequência, houve uma liberação inaceitável de parte do núcleo radioativo para o meio ambiente. O vazamento foi detectado em países da Europa como a Holanda e causou contaminação e perda de vidas. A catástrofe resultou na comprovação de que a confiabilidade humana no cumprimento de normas, o desempenho humano no projeto e operação da planta, não foram suficientes para evitar o acidente catastrófico de tamanha magnitude. O paradigma orgânico possuía uma limitação associada à influência da ges- tão sobre as atividades operacionais. Ordens superiores para a realização de testes de segurança em um momento operacional inoportuno haviam sido dadas durante a operação em Chernobyl 13Gerenciamento de riscos e foram seguidas pelos operadores, o que levou ao grave acidente. Identificou-se que nesse tipo de situação, a segurança precisaria ir além dos limites da confiabilidade humana, da qualidade dos equipamentos e da rigidez no cumprimento de normas e ordens hierárquicas. Entendeu-se necessário desenvolver uma cultura de segurança acima de regras, normas e equipamentos e que propicie a priorização da segurança no tempo certo, ou seja: quando ainda é possível evitar uma catástrofe. 2.1.3 Paradigma holístico da década de 1990 Os símbolos tecnológicos mais populares dos anos 1990 foram a Internet, o CD, os produtos da MicrosoftTM, a telefonia celular, as armas eletrônicas (Guerra do Golfo), entre outros. Em termos de gestão tecnológica, o tema ambiental, que já vinha ocupando cada vez mais espaço nas décadas anteriores, atinge o seu ponto de mutação sob a influência de autores como Fritjof Capra (1982), físico, doutor pela Universidade de Viena e fundador do Elmwood Institute na Califórnia. Ele publicou diversas obras que discutem diferenças e semelhanças entre ciência e espiritualidade, os quais apresentam uma abordagem muito mais radical em relação à questão de proteção ambiental. A revolução da questão ambiental na ciência e tecnologia veio para ficar a partir dos anos 1990, mas também deixou para trás ameaças questionáveis como a ideia de que a poluição prevista para os dias de hoje nos obrigaria a usar permanente- mente máscaras nos grandes centros urbanos, temores como o polêmico efeito de destruição da camada de ozônio, com sua variante mais ampla, o chamado efeito estufa, bem como mais recentemente o aquecimento global tão temido, apesar de que a temperatura da Terra só tenha sido cientificamente monitorada nos últimos três séculos, tempo insuficiente para qualquer conclusão definitiva se considerarmos o tempo de existência do planeta. A microinformática já estava disseminada e aliada à in- ternet, a qual era quase sempre acessada por conexão telefô- nica. Foi também nos anos 1990 que chegaram os primeiros notebooks. O novo paradigma que se estabelece nos anos 1990 é chamado de holístico por enfatizar o valor da visão do todo. Faz contrapon- to ao paradigma mecanicista e ao método cartesiano de análise compartimentada que prevaleceu desde a origem do método 14 CAPÍTULO 2 Cultura de segurança científico, influenciada pelos conceitos de Descartes (1637) Newton (1687). O paradigma holístico não contradiz o método científi- co tradicional, baseado na especialização e na análise deta- lhada de cada parte para chegar ao conhecimento do todo. Pelo contrário, o paradigma holístico reconhece os resultados produzidos pelo método científico tradicional, mas passa a agregar e a valorizar a necessidade da visão do todo para que a especialização e a análise específica de cada parte não ve- nham a se perder por falta de orientação, comprometimento e objetivo com o todo que justifica cada parte. O paradigma holístico trabalha pontualmente, localmente, mas com a visão do todo muito bem definida e posicionada no mais alto grau de importância científica. O paradigma holístico que prevaleceu nos anos 1990 valoriza o ser humano, a informação, as maneiras diferentes de pensar sobre o mesmo tema, a intuição, a flexibilidade, a inovação, o questionamento e a capacidade de aprender. Em termos de gestão, revela o estreito relacionamento entre o estilo de ge- renciamento e liderança com os resultados de segurança. Es- tabelece uma relação entre o grau de comprometimento de cada indivíduo e os resultados para a segurança. O acidente nuclear de Chernobyl, nos anos 1980, influenciou a década de 1990 e provocou uma mudança de paradigma em termos de segurança e gerenciamento de riscos. As lições foram aprendidas a um altíssimo preço, mas em contrapartida desenvolveu-se o conceito de cultura de segurança, o qual extrapola os mecanismos nor- mativos, hierárquicos e coercitivos gerando um poderososenso comum em defesa da segurança (incluindo o meio ambiente), especialmente por tornar-se um senso de defesa cultural da segurança, independente de forças externas para aqueles in- divíduos que o assimilam. 2.1.4 Paradigma da globalização da década de 2000 Como consequência de um processo originado nos anos anteriores, na década de 2000 a revolução da internet se con- solidou. O uso de e-mails passou a ser massificado e oficiali- zado como documento pelas organizações, e a transferência de arquivos e dados eletrônicos de forma relativamente segura foi facilitada pela melhoria obtida com a tecnologia da banda larga, que suplantou a limitada conexão discada. Vídeos e imagens 15Gerenciamento de riscos passaram a ser transferidos ao redor de um mundo cada vez mais globalizado, com muito mais rapidez, através de computa- dores portáteis, notebooks e outros dispositivos como telefones celulares. O comércio eletrônico tornou-se acessível a um maior número de consumidores, as redes sociais surgiram e se proli- feraram de modo diversificado. Novos canais de comunicação como o YouTube e os portais de notícias revolucionaram o acesso à informação de interesse jornalístico. As transações comerciais, bancárias e aquisições em bolsas de valores foram facilitadas pelo acesso seguro à compra pela internet. O uso do papel foi reduzido no dia a dia da vida corporativa e até mes- mo eliminado oficialmente em muitas das rotinas do cidadão comum. Um dos símbolos dos avanços tecnológicos da década de 2000 foi a substituição dos monitores catódicos (tubo de ima- gem) por tecnologia de plasma e LCD, tanto para computadores como para novos aparelhos de televisão. As telas passaram do formato 4:3 para 16:9, adequando-se às novas tecnologias de alta definição de imagem em HD, HDMI e 3D. A transmis- são de TV por satélite, cabo e internet se proliferou e abriu competição com a televisão aberta. Toda a imprensa escrita, falada e televisiva passou a concorrer com a rapidez da in- ternet, e muitos veículos não suportaram essa concorrência sem mudanças radicais. Porém o evento de maior influência na década de 2000 foi o surpreendente ataque terrorista de 11 de setembro de 2001, que desestabilizou a ordem mundial através de ações até então imaginadas apenas em roteiros cinematográficos, contra a maior potência do planeta: os Estados Unidos da América. O ataque provocou um profundo questionamento sobre a segurança de Nova York, dos Estados Unidos e do mundo, agora compro- vadamente vulnerável em relação a ações que não podem ser impedidas apenas pelo sofisticado armamento de ataque e defesa existente até então. O ataque de 11 de setembro exerceu uma enorme influência nas demandas relacionadas com a segurança pública e, grande parte dessas demandas foi encaminhada para os engenheiros. O tema da segurança pública e antiterrorismo tomou tal vulto, que máquinas, equipamentos, projetos arquitetônicos, veículos terrestres, marítimos e aéreos tiveram seus projetos alterados e atualizados em resposta aos novos cenários de risco postulados. A tecnologia passou a ser não apenas fundamental, mas a própria 16 CAPÍTULO 2 Cultura de segurança arma de inteligência, talvez única, capaz de enfrentar as novas ameaças. Neste cenário conturbado em que várias guerras se desenca- dearam, outro componente importantíssimo agravou a situação econômica mundial interferindo com os paradigmas de gestão adotados pelas organizações do planeta. Após um ciclo de pros- peridade que se encerrou em 2007, a crise hipotecária americana foi o fato iniciador de um processo de crise econômica mun- dial, agravada pelo processo paralelo de globalização que tanto propagou os benefícios tecnológicos, como propagou também os elementos de contaminação da crise econômica além de radicalizar a competitividade entre empresas e países. Todas as organizações tiveram de ajustar seus paradigmas de gestão considerando as consequências do evento de 11 de setembro e da crise econômica mundial. A cultura de segurança e o geren- ciamento de riscos também se submeteram às consequências desses ajustes e mudanças. Num sentido mais amplo, podemos dizer que o sucesso do ataque terrorista de 11 de setembro, derrubando as torres do World Trade Center em Nova York, pode ser considerado um acidente inesperado, no qual a cultura de segurança mundial mostrou-se frágil por não ter dado a devida atenção à ques- tão da maior dependência entre os atores mundiais, o que teria tornado as insatisfações associadas aos desequilíbrios sociais, econômicos e éticos motivos suficientes para que as facilidades tecnológicas do terceiro milênio fossem usadas numa vingança “sem armas”, pelo menos do ponto de vista do que era conside- rado como armas até então. Para o gerenciamento de riscos e segurança, os traumas decorrentes de 11 de setembro e da crise econômica mundial da década de 2000 tornaram-se influências que impuseram marcas definitivas para os critérios de aceitação de riscos. Os cenários de riscos que pareciam absurdos e impossíveis passaram a ser alvo prioritário de investimentos e desenvolvi- mentos tecnológicos. Essa lição de que não existe impossível, apesar de ser antiga, ainda não tinha tido, para alguns, uma evidência tão objetiva e constrangedora como foi o choque de aeronaves lotadas de passageiros com as torres gêmeas do World Trade Center e com o prédio do Pentágono, quartel general responsável pela segurança da maior potência do planeta. 17Gerenciamento de riscos 2.1.5 Tendência no início do terceiro milênio Toda a história da ciência (e da filosofia, quando esta era a única a oferecer as respostas) continua presente, influenciando nossos tempos, nossa tecnologia e, consequentemente, a se- gurança envolvida na evolução tecnológica da sociedade. Os paradigmas modificam-se, mas deixam marcas, e até mesmo os modismos vão, mas voltam ajustados, modificados ou exata- mente como antes. Tais fatores do passado, mais os fatores do presente e as expectativas sobre o futuro tecnológico criam uma resultante em termos de segurança e posicionam o pêndulo da segurança num ponto de equilíbrio dinâmico que oscila entre a proteção máxima e mínima. Os profissionais envolvidos em produzir soluções para problemas de segurança precisam ter a capacidade de fazer uma boa leitura do momento tecnológico presente, e para isso estar abertos à multiplicidade disciplinar e incluir – além de todas as especialidades disponibilizadas pela engenharia como opção de solução – as novas especialidades que envolvem subjetividade. Estas, embora não tão precisas, são necessárias para melhorar a interação homem × sistema e reduzir as consequências dos inevitáveis erros humanos. Segurança envolve ir até o limite em que a engenharia pode prever como as coisas podem acontecer e se permitir imaginar o que, além disso, pode acontecer. A partir desse limite, o especialista em segurança precisa exercitar em sábia dose sua subjetividade, pois as análises matemáticas, estatísticas e simulações nunca passarão de referências, por melhores que sejam, sendo por isso preciso ter a criatividade aguçada e ao mesmo tempo o equilí- brio para limitá-la, mas sempre, sem exceção, considerando o imponderável, o inesperado, o elemento surpresa presente em toda a natureza e sua interação com o homem e com a vida. Já foi o tempo em que a ciência e a engenharia sobreviviam apenas com a verdade dos números. Realmente, os números não mentem, mas também ajudam a esconder pelo menos algumas partes da verdade. Como exemplo de mudanças originadas fora do contexto puramente técnico e que geram reflexos na abordagem do tema segurança no início do terceiro milênio, podemos destacar as demandas técnicas geradas pelo ataque terrorista de 11 de setembro de 2001. O fato incomum e antes imaginado apenas como um roteiro cinematográfico gerou uma demanda tecnoló- gica enorme por novos recursos de segurança associados a esses 18 CAPÍTULO 2Cultura de segurança novos cenários, que envolvem o terrorismo e a sabotagem. São controles que vão desde a monitoração da Internet, de softwa- res e proteção contra vírus eletrônicos, até scanners de corpo inteiro (portáteis) em aeroportos, modificações nas cabinas das aeronaves, modificações em projetos de construção civil, urbanísticos, preocupação com a sabotagem industrial, e uma demanda multidisciplinar de recursos e tecnologias a serem inseridos, criados ou recriados para um novo contexto. Dessa forma, hoje a engenharia está sendo convidada a responder também a essa demanda e, possivelmente, em breve poderemos assistir a segurança pública, individual, social e até policial sofrendo uma transmutação para tornarem-se mais um campo da engenharia de segurança. Para os que desenvolvem soluções de segurança, o mais im- portante não é criar denominações e termos para definir os novos paradigmas que se apresentam e se renovam permanentemente num processo contínuo. O importante é percebê-los a cada mo- mento e manter o equilíbrio dinâmico do pêndulo da segurança entre a proteção máxima e a proteção mínima, cabível, viável e possível, a qual permita evitar que a máquina da segurança deixe de funcionar e o acidente aconteça. 2.2 CONCEITO DE CULTURA DE SEGURANÇA É a combinação de compromissos e atitudes, nas organizações e indivíduos, que estabelecem como prioridade absoluta que os assuntos relacionados com a segurança recebam atenção certa no tempo certo. Esse conceito foi adaptado para a aplicação geral, em empreendimentos tecnológicos, a partir do conceito original de cultura de segurança da International Atomic Energy Agency – IAEA Safety Series No 75-INSAG-4, que define: “Cultura de segurança é o conjunto de características e atitudes das organi- zações e indivíduos, as quais estabelecem que uma prioridade absoluta seja dada a segurança nuclear de modo que esta receba a devida atenção pela sua importância.” Muitas vezes, dedicamos toda atenção à segurança o tempo todo e mesmo assim não temos o resultado de uma cultura de segurança consistente que é a atenção certa no tempo certo. Atenção certa no tempo certo é o que pode ser reconhecido como tecnologia (como se faz) de segurança. 19Gerenciamento de riscos Atenção certa significa não apenas seguir normas, estabe- lecer controles, fazer inspeções, fazer o melhor treinamento e utilizar os melhores recursos disponíveis de segurança. Atenção certa significa a atitude na medida exata para evitar o acidente. Tempo certo significa não apenas prontidão, dedicação per- manente, cuidado constante, verificação redundante, aperfei- çoamento contínuo nas melhores práticas de segurança. Tempo certo significa a atitude no momento exato no qual um acidente pode ser evitado. Não adianta adotar permanentemente todos os procedimentos e boas práticas de segurança se, num único momento (tempo cer- to) em que uma ação (atenção certa) capaz de evitar um acidente precisar ser realizada e isso não acontecer. Resumindo: é preciso saber exatamente que ação deve ser adotada, e a hora boa de ser adotada é a que consegue evitar o acidente. 2.3 CONCEITOS BÁSICOS DE FATORES HUMANOS E ERRO HUMANO Dados da Primatech Specialists in Safety, Security and Risk USA (2008) indicam que entre 50% e 90% dos incidentes indus- triais podem ser atribuídos a erros humanos. Na realidade, 100% dos acidentes estão associados a algum tipo de falha humana. Os valores citados devem ser compreendidos como referentes aos acidentes que apresentam como causa raiz, ou seja, a causa mais importante para a ocorrência do evento o erro humano. A análise de falha humana lida com as falhas que as pessoas podem cometer em suas interfaces com os processos de engenharia. Quanto mais cedo a análise de falha humana é realizada, maior sua eficiência em reduzir a probabilidade de erro humano, por isso é importante uma abordagem baseada na análise de falha humana desde a fase de projeto. As falhas humanas e suas consequências são influenciadas diretamente pelo projeto para fatores humanos do empreendi- mento tecnológico como um todo. Consideramos neste trabalho os fatores humanos aqueles que podem aumentar ou diminuir a possibilidade de o homem cometer erros, sendo esses fatores estabelecidos como resultado de um projeto ou empreendimento tecnológico. Ou seja, o erro humano pode ou não acontecer de- pendendo dos fatores humanos envolvidos na forma de interação 20 CAPÍTULO 2 Cultura de segurança homem × sistema criada a partir do projeto ou empreendimento tecnológico. O projeto para fatores humanos pode ser fruto de um trabalho realizado de forma consciente e com essa intenção explícita por parte dos projetistas. Mas vai também ser estabelecido mesmo quando houver total ignorância em relação a esse tipo de abor- dagem. Isso acontece porque todo empreendimento tecnológico gera em algum momento um tipo de interface homem × sistema, com características próprias, o que no final acaba se constituindo num projeto para fatores humanos, consciente ou não, criado com a devida técnica ou não, diminuindo os riscos de erro humano ou aumentando-os conforme a habilidade e o conhecimento de fato- res humanos. Como numa sequência natural de causas e efeitos, a cultura geral exerce inúmeras influências sobre a organização e esta, por sua vez, cria sua própria cultura organizacional. Dela, uma cultura de segurança se estabelece e influencia o tratamento dado aos fatores humanos, que são aqueles que geram o ambiente de indução ao erro (Figura 2.2). Temos como exemplo de grandes acidentes catastróficos, cujas investigações identificaram causas principais diretamente associadas ao erro humano nos projetos e nos demais processos de engenharia: Explosão de Planta Química em Flixborough UK, 1974; Acidente Nuclear de Three Mile Island USA, 1979; Vazamento Tóxico em Planta Química, Bhopal, 1984; Acidente FIGURA 2.2 Influência sobre o ambiente projetado. 21Gerenciamento de riscos Nuclear de Chernobyl, 1986; Incêndio e Explosão da Plataforma Offshore Piper Alpha, UK, 1988. Uma análise do erro humano e sua influência sobre a ocorrên- cia dos acidentes permite perceber o quão é importante investir em um bom projeto de fatores humanos. Podemos observar pelas evidências que as condições naturais, que também são responsáveis por acidentes catastróficos, são em grande parte imprevisíveis e estão fora do controle absoluto dos projetos de engenharia. Por outro lado, o projeto de engenharia consi- derado mais seguro mesmo assim estará exposto à interação homem × sistema e, consequentemente, à influência das limita- ções humanas, que também são inevitáveis. Ou seja, mais cedo ou mais tarde, em alguma circunstância o ser humano comete erro. Sendo assim, a engenharia precisa enfrentar as limitações impostas pela natureza, e isso já vem historicamente sendo feito através do desenvolvimento tecnológico. Mas a engenharia pre- cisa também atuar sobre os fatores humanos que podem reduzir as consequências do erro humano, uma vez que o erro humano propriamente dito é inevitável, bem como terremotos, furacões, tempestades, nevascas, enchentes. Ou seja, assim como a enge- nharia deve oferecer segurança aos riscos naturais, deve também fazer o mesmo para os riscos decorrentes do erro humano. A Figura 2.3 ilustra o conceito descrito. O ideal é projetar sistemas de segurança que contemplem mecanismos de proteção contra o erro humano a partir de uma análise dos fatores humanos estabelecidos pelo projeto como um todo. O erro humano é um tema complexo e multidisciplinar. De modo simplificado, através de uma abordagem prática contex- tualizada para a engenharia, podemos classificar os tipos de erro humano em: j Falta de habilidade (ex.: pular uma etapa). j Desconhecimento de regras (ex.: acionar o botão errado). j Falta de experiência e vivência (ex.: diagnóstico incorreto de um problema). j Violações (ex.: ações proibidas, diferentes da prescrita).Os princípios básicos de fatores humanos aplicáveis aos pro- jetos de engenharia podem ser identificados como: j Equipamentos e plantas devem servir humanos e precisam ser projetados com o ser humano em mente. 22 CAPÍTULO 2 Cultura de segurança j Os indivíduos possuem capacidades e limitações diferentes, o que resulta em implicações importantes para os projetos de engenharia. j O projeto de plantas, equipamentos e os procedimentos influenciam o ambiente humano, o que indiretamente cria um projeto para fatores humanos associado. j Equipamentos, procedimentos, ambientes e pessoas não existem isoladamente, sendo requerida uma orientação sistêmica que inclua a relação entre esses quatro fatores. Há duas abordagens importantes para a proteção contra o erro humano: uma com enfoque na melhoria do desempenho humano e outra com enfoque na melhoria do projeto de fatores humanos. A segunda abordagem é a que gera a maior demanda dos projetistas de sistemas de engenharia de segurança e pode ser compreendida conceitualmente através dos seguintes itens: j Projetar para pessoas, removendo as oportunidades para erro humano. FIGURA 2.3 Influências sobre o erro humano. 23Gerenciamento de riscos j Prover oportunidades de recuperação facilitando as mudanças e a discussão de opções enquanto o projeto ainda está no papel. j Projetar mecanismos à prova de falhas nos sistemas ou pelo menos associar mecanismos de mitigação de falhas. j Orientação sistêmica desde o projeto, de equipamentos, ambiente, procedimentos e pessoas, já que a incidência de erros pode ser reduzida com maior eficiência quando essa orientação sistêmica ocorre desde o projeto. Modelos conceituais e/ou matemáticos para tentar simular o comportamento humano são desenvolvidos alternando o uso de ferramentas baseadas em métodos determinísticos, lógica fuzzy, dados históricos e avaliações subjetivas. Porém, mesmo com os métodos desenvolvidos, permanece a dificuldade em predizer um erro humano. Trabalhos científicos de levantamento de dados estatísticos indicam como estratégia o desenvolvimento de métodos que organizem a investigação das interferências dos componentes sociais externos, na cultura de segurança que influencia direta- mente a execução das tarefas operacionais. CAPÍTULO 3Fatores Humanos e Engenharia SUMÁRIO DO CAPÍTULO 3.1 Da ergonomia ao conceito de fatores humanos .................... 27 3.2 Analfabetismo tecnológico como ameaça à segurança ........ 30 3.3 Fatores humanos, engenharia e segurança offshore ............. 31 27Gerenciamento de riscos 3.1 DA ERGONOMIA AO CONCEITO DE FATORES HUMANOS A ergonomia pode ser definida como o estudo da interação homem × sistema e dos fatores que afetam essa interação. A palavra sistema, neste contexto, tem como significado máquinas, instalações e empreendimentos tecnológicos que geram interação com o homem. Isso inclui desde os objetos de uso pessoal até equipamentos como aviões, navios, automóveis, instalações in- dustriais complexas, equipamentos de alta tecnologia, veículos espaciais, refinarias, usinas nucleares, plataformas offshore, abrangendo assim praticamente todo o resultado de trabalho tecnológico. Até mesmo uma pesquisa científica que não produza um resultado físico e material que venha a interagir diretamente com as pessoas pode ser considerada, numa visão mais ampla, como objeto de estudo da ergonomia, já que seus resultados podem influenciar a sociedade e consequentemente interagir de alguma forma com os indivíduos. Originalmente a ergonomia assumiu uma característica híbri- da, sendo uma disciplina formada pela integração de fragmentos de vários ramos do conhecimento. Tal característica motivou cientistas de diferentes áreas a trabalharem em conjunto para o al- cance de problemas complexos multidisciplinares. A abordagem inicial adotada pela ergonomia para solução desses problemas pode ser denominada como AHT (Adaptar o Homem ao Traba- lho). Tal abordagem é focada em projetar máquinas e métodos eficientes e depois buscar pessoas que possam se enquadrar nas tarefas geradas por esses métodos e máquinas, ou pelo menos que possam ser treinadas para esse fim. A base da abordagem AHT é que todo o sistema projetado possui características específicas e exige também que as pessoas tenham características específicas para executar suas tarefas, especialmente para alguns tipos de sistemas, como, por exem- plo, para a pilotagem de avião de caça ou para a operação de reator nuclear de potência. Entretanto, a sociedade, bem como a legislação trabalhista cada vez mais enfatizam a igualdade de oportunidades para todos e questionam se realmente é necessário um perfil específico para a execução de uma dada tarefa ou se isso é requerido porque o projetista não explorou os recursos de engenharia suficientemente para permitir que uma maior parcela da população pudesse executar a tarefa adequadamente. 28 CAPÍTULO 3 Fatores Humanos e Engenharia Diante desses questionamentos a ergonomia evoluiu pa- ra uma nova abordagem que pode ser denominada de ATH (Adaptar o Trabalho ao Homem). Nessa forma de abordagem reside a essência do correto entendimento da ergonomia. A abordagem ATH possibilita que os projetos sejam melhorados de forma a propiciar condições mais eficientes de interação homem × sistema, alcançáveis por uma diversidade maior de pessoas. Evidentemente, alguns sistemas específicos possuem carac- terísticas que tornam inviável uma abordagem completamente ATH. É o caso de pilotos militares cuja estatura precisa ser limitada para evitar a amputação de pernas em caso de ejeção em emergência. Porém, excetuando-se esses casos extremos, um projeto com abordagem ATH oferece melhores condições de segurança, melhor eficiência operacional, maior igualdade de oportunidades e responsabilidade social. Muitos pesquisadores contribuíram para que a evolução da ergonomia, dentre os quais destacamos Jastrzebowski que em 1857, na Polônia, elaborou o tratado filosófico de ergonomia. Murrell (1949), no Reino Unido, reinventou o nome ergonomia logo após a Segunda Grande Guerra. Acreditava-se que o nome poderia ser confundido com economia. O termo ergonomia na Europa estava muito associado com as ciências biológicas. Foi então que nos Estados Unidos surgiu o termo fatores humanos com rota científica ancorada em Psicologia. Temas similares aos abordados pela ergonomia faziam parte dos temas também tratados por fatores humanos. Enquanto a ergonomia permanecia com foco maior nas questões biológicas, fatores humanos enfatizava a integração dos aspectos compor- tamentais humanos aos processos que compõem os sistemas. Fatores humanos alcançaram notável sucesso no projeto de grandes sistemas na indústria aeroespacial, em particular através da NASA, agência espacial americana, e do próprio programa espacial americano. A ergonomia europeia permaneceu mais fragmentada e tem tradicionalmente sido mais associada às ciências básicas, limitando-se a um determinado tópico ou área específica de aplicação. Apesar dessas diferenças, não deve haver preocupação com relação ao uso dos dois termos. Nos Estados Unidos, a Human Factors Society (HFS) recentemen- te modificou seu nome para Human Factors and Ergonomics Society HFES (2012) (http://www.hfes.org/web/Default.aspx). Atualmente, o termo fatores humanos é considerado mais amplo, http://www.hfes.org/web/Default.aspx 29Gerenciamento de riscos abrangendo ergonomia, confiabilidade humana como partes. A disciplina fatores humanos deve ser estudada considerando-se dois pontos de vista principais. O primeiro com foco voltado para o ambiente de indução ao erro humano. Sob esse ponto de vista o erro humano é inevitável, e cabe aos engenheiros atuar desde o projeto em todos os fatores que formam o ambiente de indução ao erro na interação homem × sistema. O objetivo é re- duzir ou eliminar as consequências dos erros humanos, os quais, como os fenômenos naturais,são inevitáveis. O segundo ponto de vista para estudo da disciplina de fatores humanos é focado no erro humano propriamente dito. Neste caso é necessária uma base relativamente profunda de psicologia em associação às ferramentas de engenharia. Esse segundo ponto de vista aborda com maior profundidade questões cognitivas, comportamentais e sociais. Em ambos os pontos de vista os componentes de objetividade da engenharia e de subjetividade do comportamento humano precisam ser dosados para que resultados objetivos sejam alcançados. Fatores humanos é um tema multidisciplinar que contempla vários ramos do conhecimento científico e tecnológico, tais co- mo: engenharia, psicologia, biomecânica, antropometria, física, probabilidade e estatística, comunicação, sociologia, além de estar relacionado com o conceito de cultura de segurança. As aplicações de engenharia para a melhoria da interface dos sis- temas homem × sistema abordam os seguintes temas de estudo em fatores humanos: j análise de riscos biomecânico j projeto centrado no usuário j análise de riscos do trabalho estático j análise de riscos do trabalho repetitivo j projeto e avaliação de trabalho manual j demanda de trabalho psicológico: estresse e fadiga j demanda de trabalho (sobrecarga) j estresse ambiental j projeto e análise de influência da temperatura j ambiente visual j audição, som, ruído e vibração j processamento humano de informação e carga de trabalho mental j projeto de painéis e controles operacionais j processamento da informação, memória e linguagem 30 CAPÍTULO 3 Fatores Humanos e Engenharia j erro humano j análise de acidentes e segurança j análise de projetos e interação (homem × sistema) 3.2 ANALFABETISMO TECNOLÓGICO COMO AMEAÇA À SEGURANÇA Um tema também a ser tratado por abordagem de fatores humanos ameaça as sociedades tecnológicas. Trata-se da dispari- dade entre produtos que dependem da tecnologia para funcionar e o ambiente em que se inserem. Essa disparidade ocorre tanto do ponto de vista da disponibilidade da tecnologia suplementar necessária para o bom funcionamento do equipamento, bem como do ponto de vista da capacitação mínima do usuário. É o que acontece, por exemplo, com usuários de telefones celulares em locais com indisponibilidade de rede, ou quando o usuário não conhece as funcionalidades tecnológicas e tem dificuldade para usar o aparelho. Não só esses produtos, mas a maioria dos atuais projetos de engenharia depende de fatores, como dis- ponibilidade e capacitação tecnológica para funcionar, e com segurança. O progresso tecnológico requer o aumento do nível de conhecimento e habilidade dos usuários. Como resultado, alguns usuários têm habilidades e conhecimentos para manter a segurança do trabalho, enquanto outros não entendem por com- pleto a tecnologia usada e, por isso, desconhecem os perigos em potencial associados à tecnologia envolvida na máquina. O nível social e econômico influencia o grau de analfabetismo tecnológico devido ao menor acesso à tecnologia oferecido às camadas sociais mais baixas. Os engenheiros precisam projetar equipamentos, sistemas e ambientes seguros que incorporem cada vez mais tecnologia, mesmo para aqueles usuários que possuem pouco conhecimento tecnológico ou pouco entendimento sobre os recursos tecnoló- gicos disponibilizados pelo projeto. Também devem considerar uma eventual indisponibilidade de tecnologias associadas a esse projeto. A percepção de perigos, os julgamentos e a tomada de ações corretivas para evitar acidentes não podem ser deixadas por conta de usuários despreparados. Isso deve acontecer desde situações relacionadas com instalações industriais complexas até o uso diário de produtos, como um telefone celular. Por exem- plo, um celular pode não ter como funcionar numa determinada 31Gerenciamento de riscos região por falta de cobertura, ou ainda que funcione, mas se suas funções forem de difícil entendimento por parte dos usuários tecnologicamente menos instruídos, o risco existe. Tais eventos também podem acontecer com grandes navios, de capacidades imensas de carga, que se forem operados em portos sem o co- nhecimento tecnológico adequado podem se acidentar durante o carregamento. Levar alta tecnologia para sociedades pouco desenvolvidas tecnologicamente, ou a públicos despreparados, pode sujeitar pessoas a riscos ignorados se o projeto não tiver uma abordagem de segurança específica para essas situações. 3.3 FATORES HUMANOS, ENGENHARIA E SEGURANÇA OFFSHORE As atividades tecnológicas associadas à engenharia, como a segurança offshore, a exploração, produção e refino de pe- tróleo, exigem constante atualização e atenção às novas formas de abordagem técnica e à crescente complexidade de soluções em projetos, instalações e atividades operacionais. Um lapso de sensibilidade e atenção sobre as novas ideias e novas soluções nesse mercado pode significar a perda de competitividade, além de transformar projetos – e projetistas – que estão seguramente na liderança desse processo, em projetos – e projetistas – superados tecnologicamente, sem espaço competitivo no mercado, num curto espaço de tempo. Especialmente, nos últimos 30 anos, as atividades tecnoló- gicas associadas à engenharia vêm adotando uma linha que as aproxima de valores novos, como preservação do meio ambiente, busca da qualidade e excelência, aumento de segurança, respon- sabilidade social, igualdade de oportunidades, visão globalizada de consequências, entre outros. Primeiramente, o despertar pelas questões ambientais que ocorreu, em especial nos anos 1980. Depois a questão da busca da excelência e da qualidade nos anos 1990. Finalmente, no início do novo milênio, as questões sociais se aliam às ambientais, formando uma nova consciência sobre a extensão de cada projeto, instalação e operação de engenharia. Agora, o produto é comprado juntamente com seus efeitos ao meio ambiente, à sociedade e à economia, pagando-se um preço compatível não só com o desempenho e com a qualidade do pro- duto, mas também com os seus efeitos ambientais e sociais. Uma instalação industrial, uma refinaria, uma plataforma offshore 32 CAPÍTULO 3 Fatores Humanos e Engenharia valem não apenas pela sua produtividade e eficiência técnica, mas também têm seu valor avaliado pelos efeitos produzidos na sociedade, na economia e no meio ambiente. Neste cenário de início de milênio, é possível imaginar que cada vez mais será requerida dos engenheiros a realização de pro- jetos, instalações e operações mais harmoniosas com a natureza, com a sociedade e com o equilíbrio econômico. As máquinas, projetos e intervenções humanas feitas pela engenharia parecem estar transcendendo as limitações do modelo lógico-matemático clássico, para adotar um novo modelo mais abrangente, rico e completo, sem abandonar a lógica matemática original, porém contemplando uma visão maior dos efeitos de cada uma das inter- venções promovidas pela engenharia no indivíduo, na sociedade, na economia e no meio ambiente. Os novos produtos precisam interagir com muito mais preci- são e eficiência, porque resolvem problemas em cenários muito mais complexos do que aqueles das últimas décadas do milênio anterior. A comunicação homem × sistema precisa ser muito mais bem desenvolvida, com menos frases incompletas, além da inversão do processo: em vez de os homens tentarem se tornar máquinas, as máquinas, os projetos e as instalações precisam se aproximar mais do homem, do comportamento humano. Isso envolve todas as áreas, mas o crescente aumento de complexidade tecnológica afeta em especial uma área básica: a segurança. Não é mais possível regredir no grau de complexidade da teia de relações requerida para manter o nível tecnológico de nossos tempos. Portanto, os projetos, máquinas e instalações precisam ser operados num grau cada vez maior de complexidade e risco. Embora a automação venha viabilizando sistemas mini- mamente operados com elevado percentualde ações automáticas, mesmo assim, a interação homem × sistema torna-se ainda mais crítica. Se, por um lado, o número de operadores é reduzido pela diminuição de tarefas manuais, por outro lado esses operadores passam a atuar em situações mais críticas, nas quais o nível de complexidade dos problemas supera a capacidade da máquina e o automatismo não mais oferece soluções. A aplicação dessa abordagem em termos de engenharia é geral, serve para todas as atividades e especializações. Mas, par- ticularmente no âmbito da segurança e análise de risco offshore, há um grande espaço a ser preenchido até que os projetos de unidades offshore saiam do conceito AHT (Adaptar o Homem ao Trabalho) para o conceito ATH (Adaptar o Trabalho ao Homem). 33Gerenciamento de riscos Ainda é preciso evoluir os projetos atuais para que possam in- corporar o conceito de projeto externo, que busca aprimorar a interação homem × sistema, por meio de uma ampla visão no que se refere aos efeitos comportamentais do projeto na execução final de tarefas e organização do trabalho, sem prejuízo para o projeto interno, que já se refere à interação homem × sistema com os equipamentos e instalações propriamente ditos. Com a tendência de redução do número de pessoas nas unida- des de exploração e produção offshore, tais plataformas exigirão operadores mais capacitados e preparados para uma carga maior de tarefas. Isso pode gerar uma disparidade entre o novo conceito de plataforma com o operador e o ambiente operacional que ainda pos- sui uma cultura tradicional e diferente. Se o projeto não incorporar conceitos de fatores humanos adequadamente, pode-se estabelecer uma situação de analfabetismo tecnológico. Ilustrativamente, seria como um advogado brasileiro que tivesse de defender uma causa no Japão em japonês. A despeito de toda a capacidade técnica, o desconhecimento dos novos códigos e linguagens cria um ambiente onde as ações poderiam ser confundidas como decorrentes de uma espécie de analfabetismo, gerando consequências desastrosas, principalmente no âmbito da segurança e aumento de riscos. Seguindo o padrão clássico do projeto de sistemas de segu- rança, a maioria dos projetos atuais na área offshore demanda dos engenheiros soluções de segurança voltadas para a prevenção de acidentes baseadas na eliminação ou redução de condições inseguras. Mas a outra face do problema, a proteção contra o ato inseguro, não é tão explorada pelos projetistas, e um dos motivos é a carência de ferramentas que atendam essa demanda no âmbito da engenharia clássica. Para preencher essa lacuna, é necessária a inclusão de conceitos de fatores humanos, capazes de contemplar, além da engenharia clássica, os aspectos subjetivos e multidis- ciplinares indispensáveis para prover soluções de segurança associadas aos atos inseguros e erros humanos. Como incluir tecnologicamente nos projetos de máquinas e instalações prote- ção contra erros humanos? Melhorando a interface homem × sis- tema, melhorando o ambiente, a cultura, o conhecimento técnico, as máquinas. A resposta para a proteção contra erros humanos paradoxalmente inclui melhorar todos os aspectos envolvidos, exceto o próprio homem. O homem comete erros, e os projetos devem conviver e estar preparados para essa realidade, em vez de requerer ou esperar que o homem venha a se descaracterizar de sua natureza e se torne perfeito, à prova de erros. 34 CAPÍTULO 3 Fatores Humanos e Engenharia Ferramentas clássicas, como a matemática e a estatística, devem ser acrescidas dos aspectos não modeláveis matemática e estatisticamente, como são as características comportamentais, culturais e sociais dos usuários da interface homem × sistema. A forma de inclusão dessas características subjetivas requer ferra- mentas capazes de reunir tanto os aspectos modeláveis matemá- tica e estatisticamente como a influência de aspectos subjetivos, através de simulações definidas com base nos procedimentos praticados e nas particularidades de cada cenário acidental pos- tulado. Características antropométricas e biomecânicas, estas de maior afinidade com as ferramentas clássicas, também devem ser consideradas para o projeto de sistemas de segurança mais eficientes e com soluções mais completas e realistas. Ampliando a abordagem tradicional dos projetos para contemplar também fatores humanos em suas soluções de segurança, os projetistas estarão minimizando o impacto do comportamento humano nos acidentes e projetando para o comportamento humano. Projetos que não contemplam conceitos de fatores humanos em suas soluções de segurança possuem um limitador quase inacessível: o próprio homem. Esses projetos deixam para o bom senso dos envolvidos a responsabilidade pela segurança do usuário, clientes, população e sociedade. Quando esse bom senso se soma com um projeto omisso quanto ao tratamento dos fatores humanos, pode ser produzido um certo tipo de falha do sistema, e, consequentemente, um acidente sem justificativa aparente. Normalmente, chama-se a isso de fatalidade. Dentro de uma abordagem de fatores humanos não existe fatalidade, mas sempre há um fato original, sempre há causas, e os projetos devem ser concebidos com essa consciência. O desejo de ser seguro é comum a todos e pode ser apurado pelo chamado bom senso. Mas as ações requeridas para o alcance da segurança não são comuns, dependem da experiência anterior, da habilidade, do ambiente e de todos os fatores humanos envolvidos com a intervenção tecnológica do homem no ambiente e na sociedade em que se insere. No caso, por exemplo, de projetos de sistemas de segurança offshore, dentre as inúmeras situações de emergência, a mais extrema é a de escape e abandono da unidade. Nesse caso, a decisão pelo abandono é tomada depois de constatado que o grau de degradação da segurança da instalação chegou a um es- tágio tal cujo risco em permanecer já não mais se justifica. São projetadas rotas de fugas e definidas estratégias prévias para 35Gerenciamento de riscos fazer frente a essa emergência, porém cada operação de escape e abandono tem suas características muito particulares, exigindo decisões também rápidas e muitas vezes contraditórias com as estratégias previamente definidas. Um dos mais famosos exem- plos de situação de evacuação e abandono malsucedidos foi a do clássico acidente da plataforma fixa de Piper Alpha, ocorrido no Mar do Norte em 1988, quando 167 pessoas morreram seguindo corretamente os procedimentos e mantendo-se no casario da plataforma, aguardando um resgate que jamais chegou. Os sobre- viventes, 62 tripulantes, em sua maioria tomaram a decisão de se lançar diretamente ao mar, contrariando todos os procedimentos e estratégias previamente definidos para esse tipo de emergência. Os procedimentos, estratégias, rotas de fuga, cultura opera- cional e sistemas de segurança da Piper Alpha foram projetados e definidos sem uma análise completa, incluindo fatores humanos. Foram projetadas apenas com as ferramentas de engenharia clássica, obedecendo a regras de dimensões de rotas de fuga, estimativa de tempo. Os fatores humanos associados à emergên- cia real foram ignorados ou subestimados em sua importância. Contemplar fatores humanos nos projetos de segurança offshore representa primeiramente evoluir da engenharia clássica para a engenharia resiliente, com regulações funcionais baseadas em fa- tores humanos e capazes de fazer, durante uma emergência, que a instalação retorne a sua condição inicial, preservando os sistemas e as estratégias de projeto. Mais que isso, um degrau acima seria evoluir ainda mais, da engenharia resiliente para a engenharia robusta, na qual os sistemas homem × sistema robustos, com regulações estruturais baseadas em fatores humanos modificam o ambiente externo e a estrutura interna do projeto em resposta a uma perturbação. Sistemas robustos não se limitam a garantir as funções originais de projeto. Plataformas offshore projetadasem engenharia robusta po- dem, diante de uma emergência, eliminar funções de projeto e criar funções inéditas para solucionar perturbações, como se o projeto pudesse ser corrigido e transformado durante a emer- gência com a fluidez de uma máquina de aparência quase viva, propiciada pela presença e intensa interação humana com a mes- ma. Para que um empreendimento alcance esse patamar de ro- bustez, um profundo conhecimento de fatores humanos deve ser considerado desde o projeto até a operação do empreendimento. Para o desenvolvimento de sistemas homem × sistema des- se nível, é necessário um estudo de projeto mais amplo com 36 CAPÍTULO 3 Fatores Humanos e Engenharia ferramentas que possibilitem simulações mais ricas e diversifica- das dos cenários acidentais possíveis. Um erro é tentar modelar matematicamente – e com ferramentas clássicas – aspectos sub- jetivos e de fatores humanos que não se enquadram na engenharia clássica. Outro erro é ignorar os fatores humanos e considerar apenas os resultados obtidos com as ferramentas da engenharia clássica, criando uma disparidade entre projeto e realidade, o que pode custar vidas preciosas. Projetos de engenharia robusta que contemplem conceitos de fatores humanos propiciam ambiente externo × sistema; homem × sistema bem conectados. No terreno onde a engenharia clássica e os modelos matemá- ticos não podem prover resultados confiáveis, é possível estender os resultados obtidos, considerando os conhecimentos multidis- ciplinares sobre fatores humanos. Não fazê-lo é empobrecer a análise técnica e gerar resultados tão incompletos em relação à realidade que podem levar a soluções, regras e estratégias grotescas, como as que aconteceram em Piper Alpha. Lá, 167 pessoas morreram seguindo uma estratégia e procedimentos carentes de conhecimentos de fatores humanos e projetados em disparidade com a situação real da emergência de que deveriam fazer frente. Apenas a engenharia clássica é insuficiente para o projeto de sistemas de segurança complexos, uma vez que os acidentes envolvem sempre aspectos de imprevisibilidade, aspectos subjetivos, forças naturais, e, principalmente, fatores humanos desde o projeto, passando pela fabricação/construção até a operação. Com a evolução tecnológica e o aumento da qualidade técnica, as causas de acidentes relacionadas com a tecnologia vêm de- crescendo, e as relacionadas com a organização e cultura vêm aumentando, conforme dados levantados pela Primatech (2008). Curiosamente, as causas relacionadas ao erro humano têm di- minuído em quantidade, mas a sua influência tornou-se muito maior porque quando acontecem têm maior possibilidade de gerar situações catastróficas, já que a intervenção humana nos proces- sos operacionais está se dando em níveis cada vez mais elevados de complexidade de consequências. Dessa forma, a experiência profissional passou a ser muito mais importante e o seu valor tem sido resgatado nos últimos anos. Para fazer um bom projeto de evacuação e abandono de unidade offshore, por exemplo, não basta uma boa simulação da movimentação de pessoas no layout da unidade, nem apenas cálculos precisos da velocidade das pes- soas pelas diferentes rotas de fuga. É fundamental a experiência 37Gerenciamento de riscos operacional em situações de emergência desse porte, para incluir nas análises de projeto muito mais do que resultados numéricos e estatísticos, mas as possíveis reações comportamentais, psico- lógicas dentro de um contexto cultural, social e ambiental em que a unidade se insere. Para isso, é necessária a experiência operacional, neste caso insubstituível. Este livro incluiu em seu estudo de caso dados e informações acumulados por décadas de experiência operacional em harmonia com as ferramentas es- tatísticas e computacionais, com o objetivo de se alcançarem simulações o mais realistas possíveis. Do ponto de vista técnico e científico, o surgimento de possibilidade de simular, ainda que de forma limitada, a in- teração social e emocional que pode ocorrer em um ambiente homem × sistema real em estado de emergência constitui uma verdadeira ruptura tecnológica. As reações e consequências as- sociadas aos comportamentos indissociáveis de toda atividade humana possibilitam, ainda, o aprimoramento do estudo dessa interação entre homem e sistema. CAPÍTULO 4Estratégias para gerenciamento de riscos SUMÁRIO DO CAPÍTULO 4.1 Segurança e limite da engenharia ...................................... 41 4.2 Abordagem atualizada de segurança e gerenciamento de riscos ........................................................................... 43 4.3 Cultura de segurança em substituição ao legalismo e heroísmo ........................................................................ 47 4.4 Segurança, meio ambiente e multidisciplinaridade .............. 53 4.5 Princípios de fatores humanos para gerenciamento de riscos e segurança ........................................................ 55 4.5.1 Princípio 1: Centralização de objetivos nas pessoas .......................................................56 4.5.2 Princípio 2: Adaptação do projeto ao homem ........57 4.5.3 Princípio 3: Controle da interação homem × sistema ..............................................57 4.5.4 Princípio 4: Proteção contra o erro humano ..........58 4.5.5 Principio 5: Superioridade da decisão humana .....58 4.5.6 Princípio 6: Não mecanização do trabalho humano ............................................................59 4.5.7 Princípio 7: Inclusão de projeto antropométrico e psicológico .....................................................59 4.6 Princípios de cultura de segurança para gerenciamento de riscos e segurança ........................................................ 60 4.6.1 Princípio 1: Multidisciplinaridade ........................60 4.6.2 Princípio 2: Subjetividade...................................60 4.6.3 Princípio 3: Priorização ......................................61 40 CAPÍTULO 4 Estratégias para gerenciamento... 4.6.4 Princípio 4: Atenção certa ..................................61 4.6.5 Princípio 5: Tempo certo .....................................61 4.6.6 Princípio 6: Inclusão de projeto de fatores humanos ...........................................................61 4.6.7 Princípio 7: Inteligência técnica ..........................62 4.7 Princípios de eficiência para gerenciamento de riscos e segurança ........................................................ 62 4.7.1 Princípio 1: Descarte de riscos desnecessários ......63 4.7.2 Princípio 2: Respeito às leis naturais ...................63 4.7.3 Princípio 3: Simplicidade ...................................64 4.7.4 Princípio 4: Concisão de regras ...........................64 4.7.5 Princípio 5: Combate ao legalismo .......................64 4.7.6 Princípio 6: Combate ao heroísmo .......................65 4.7.7 Princípio 7: Humildade ......................................66 4.8 Lições aprendidas com eventos acidentais ......................... 67 4.8.1 Titanic e Costa Concordia ....................................67 4.8.2 Acidente nuclear de Fukushima...........................74 4.8.3 Acidente no voo 447 Rio de Janeiro-Paris ............79 4.8.4 Queda de meteorito na Rússia .............................84 4.8.5 Incêndio na boate Kiss em Santa Maria, RS .........88 4.8.6 Furacão Sandy, Nova York, USA ..........................98 4.8.7 Desmoronamentos por tempestades de verão, Brasil ................................................101 41Gerenciamento de riscos O termo segurança tem sido usado pela engenharia por décadas, mas há no seu uso alguma imprecisão. Se fosse o nome de um produto, vender segurança não seria uma atividade honesta, pois segurança absoluta é impossível de ser obtida. Também há uma dificuldade na língua portuguesa, que utiliza o mesmo termo para questões relacionadas com os acidentes em geral, como também para questões de segurança
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