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Escatologia da Pessoa - vol

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Prévia do material em texto

Unidade	I
A	FENOMENOLOGIA	DA	MORTE
NÓS	TODOS	NOS	CONFRONTAMOS	COM	A	REALIDADE	DA	MORTE
1
A	ATITUDE	DO	INDIVÍDUO	DIANTE	DA	MORTE
1.1.	As	pessoas	estão	fugindo	da	morte
Das	colunas	da	revista	Manchete	e	dos	outdoors	que	vemos	nas	ruas,	rostos
jovens	riem	e	sorriem	para	nós.	O	programa	de	televisão	“Fantástico”	quase	não
apresenta	reportagens	sobre	asilos	de	velhos.	O	Brasil	é	nação	jovem.	O	que	os
nossos	contemporâneos	sabem	sobre	a	morte	reduz-se	a	um	conhecimento	geral
que,	aliás,	é	muitas	vezes	reprimido.	Não	se	fala	da	morte.
Não	existe	morte
O	que	lemos	sobre	pessoas	acidentadas	e	vítimas	fatais	só	se	refere	aos	outros,
nunca	a	nós	mesmos.	A	morte	está	confinada	ao	outro	lado	dos	muros	dos
hospitais	e	das	UTIs,	ou,	então,	presta-se	ao	sensacionalismo	para	os	que
assistem	às	notícias	de	telejornais	ou	para	os	que	leem	os	jornais.	Esta	situação
básica	não	foi	alterada	sequer	em	decorrência	do	interesse	despertado	pelas
chamadas	“reportagens	sobre	a	vida	após	a	morte”.
O	famoso	livro	Vida	depois	da	vida¹,	de	Raymund	A.	Moody,	alcançou	recorde
de	vendas	no	mundo	inteiro,	vindo	a	ser	o	precursor	de	uma	infinidade	de
reportagens	e	publicações	recentes	sobre	o	assunto.
Mas,	apesar	de	tudo	isso,	no	dia	a	dia	do	homem	comum,	o	tabu	da	morte	ainda
não	foi	quebrado.	De	nada	adiantou	à	Igreja	pôr	os	seus	fiéis,	todos	os	anos,	em
confronto	com	as	questões	sobre	a	morte	e	a	ressurreição,	de	acordo	com	o	seu
ciclo	litúrgico.	As	pessoas	não	gostam	de	falar	da	morte,	mesmo	em	caso	de
falecimento	de	familiares	mais	ou	menos	chegados.	E,	apesar	disso,	encontramos
na	morte	o	grande	mistério	do	ser	humano,	talvez	até	um	dos	maiores.	Se
questionarmos	o	que	vem	a	ser	o	homem,	então	a	resposta	a	essa	pergunta
dependerá	sempre,	de	algum	modo,	da	maneira	como	nos	posicionamos	ante	a
morte	de	determinado	homem.	Não	ante	a	morte	do	homem	como	indivíduo,
mas,	sim,	ante	a	própria	morte	como	fato.
FUGIR	DA	REFLEXÃO	SOBRE	A	MORTE	SIGNIFICA	FUGIR	DA
REFLEXÃO	SOBRE	O	HOMEM.
Assim,	pois,	a	rejeição	da	reflexão	sobre	a	morte	se	revela	como	sendo	a	rejeição
da	reflexão	sobre	o	ser	humano.
O	ser	humano	com	toda	a	sua	grandeza	e	a	sua	fraqueza,	com	a	sua	procura	do
infinito	e	a	lembrança	constante	das	limitações	que	lhe	são	impostas	pela	sua
“condição	humana”.	Talvez	seja	isso	que	nos	impede	de	tratarmos,	frente	a
frente,	da	questão	da	morte.	É	que	a	indagação	sobre	a	morte	está	forçosamente
associada	à	questão	do	fim	e	também	à	questão	se	após	o	fim	haverá	ainda
alguma	outra	coisa,	ou	não.
Se	a	morte	significa	o	fim	propriamente	dito,	então	é	certo	dedicar-se	à	vida	e
esquecer	a	morte:	assim,	não	há	morte	porque	eu	a	reprimo,	e	com	razão.	Assim,
a	morte	não	existe	porque	é	apagada	do	meu	consciente	para	que	eu	possa	viver.
O	que	conta,	então,	é	a	vida	e	nada	mais.	E	à	medida	que	a	vida	se	mostra	sem
sentido,	apesar	de	toda	insinuação	da	propaganda,	a	morte	também	se	torna	fato
absurdo	que,	de	repente,	surpreende	o	ser	humano.	Ou,	como	formulou	Fritz
Leist:	“A	falta	de	sentido	da	vida	e	o	absurdo	da	morte	fazem	um	pacto”.²
A	REFLEXÃO	SOBRE	A	MORTE	ESTÁ	LIGADA	À	REFLEXÃO	SOBRE	O
SENTIDO	DA	VIDA.
Dessa	forma,	o	ser	humano	se	defronta	com	o	paradoxo	do	significado	da	morte
ou,	por	outras	palavras,	o	paradoxo	consiste	em	não	se	poder	pensar	na	morte
nem	vivenciá-la,	independentemente	da	maneira	como	se	vive.	E	mais,	a
interpretação	da	morte	não	atingirá	o	seu	pleno	significado	nem	terá	a	seriedade
devida,	se	a	morte	for	dissociada	da	vida.	Toda	interpretação	desta	questão	deve
ser	feita	em	estrito	relacionamento	com	a	vida	passada	e	futura.
OCUPAR-SE	DA	MORTE	TORNA-SE	UM	OCUPAR-SE	COM	A	VIDA.
Quem	se	esquivar	da	discussão	sobre	a	morte	se	esquivará	da	discussão	sobre	o
que	chamamos	vida.	Elisabeth	Kübler-Ross,	famosa	pesquisadora	da	questão	da
morte,	afirma	o	mesmo,	do	ponto	de	vista	médico:	“Morrer	é	parte	integrante	da
vida,	tão	natural	e	previsível	quanto	nascer”.³	E	continua:	“Mas,	enquanto	o
nascimento	é	motivo	de	comemoração,	a	morte	transforma-se	em	terrível	e
inexprimível	assunto,	a	ser	evitado	de	todas	as	maneiras	na	sociedade	moderna.
Talvez	porque	nos	relembra	a	nossa	vulnerabilidade	humana,	apesar	de	todos	os
avanços	tecnológicos”.⁴
Nesta	argumentação,	o	ser	humano	é	reduzido	à	forma	genérica	da	existência	de
todos	os	seres	vivos.	Sendo	assim,	também	a	sua	morte,	na	sua	essência,	não
ultrapassa	o	significado	da	morte	desses	seres	vivos.	Contudo,	parece-me	que
esta	visão	não	toma	suficientemente	em	consideração	a	seriedade	existencial	da
morte	humana.	É	verdade	que	também	para	o	homem	a	morte	é	inevitável.	É
verdade	que	o	ser	humano	se	revela	impotente	perante	esse	fato.	Trata-se	de
fatos	que	reforçam	no	homem	a	tendência	à	fuga,	à	repressão,	acentuando	a
contradição	existencial	da	vida	humana	em	face	da	morte.	Revela-se,	portanto,
verdadeiro	o	que	Bernard	Duburque	afirma	em	seu	artigo	“La	Disparition	de	la
Camarde	et	l’avenir	de	l’homme”:	“A	morte,	ou	mais	exatamente,	o	pensamento
da	morte,	aniquilará	aquilo	que	constitui	a	minha	mais	profunda	realidade”.⁵
PROLONGAR	A	VIDA	PARA	FUGIR	DA	MORTE.
Portanto,	para	esquivar-se	dessa	aniquilação,	é	simplesmente	lógico	aspirar	ao
prolongamento	da	vida.	Eis	por	que	o	autor	citado	chega,	com	toda	a	razão,	à
afirmação	de	que	“o	prolongamento	da	esperança	de	vida,	e,	num	futuro	muito
próximo,	o	prolongamento	da	certeza	de	viver	é	uma	das	condições	essenciais
para	que	o	homem	(…)	possa	assumir-se	a	si	mesmo.	Assumir-se	total	e
livremente	perante	o	universo,	o	absoluto,	o	seu	Deus,	seja	qual	for	o	significado
que	se	atribua	a	esta	palavra,	contanto	que	seja	suficiente	para	dar	sentido	à	sua
vida”.
Apresenta-se	aqui	outra	vez	a	questão	do	sentido.	O	sentido	da	vida	humana	não
pode	ser	deduzido	a	partir	da	própria	duração	da	vida.	Muito	pelo	contrário,	o
prolongamento	da	vida,	por	sua	vez,	nos	leva	de	volta	à	pergunta	sobre	o	sentido
deste	prolongamento.	A	problemática	inicial	permanece	inalterada:
QUAL	É	O	SIGNIFICADO	DA	VIDA	HUMANA?
Toda	tentativa	de	responder	a	essa	pergunta	no	plano	de	um	humanismo	voltado
exclusivamente	para	este	mundo	torna-se	círculo	vicioso.	Para	podermos	escapar
à	malha	desse	mecanismo,	devemos	tratar	da	questão	da	vida	e	da	morte	do
homem	a	partir	de	um	horizonte	mais	aberto,	a	partir	de	uma	visão	libertadora
que	inclui	também	as	dimensões	religiosas.⁷
1.2.	Até	os	cristãos	estão	reprimindo	a	reflexão	sobre	o	fim	da	vida
No	plano	fenomenológico,	constatamos	uma	tendência	nítida	do	ser	humano	a
fugir	da	morte.	Poder-se-ia	indagar	se	atrás	dessa	tendência	não	se	esconde	algo
mais	do	que	a	simples	recusa	de	se	ocupar	das	formas	aparentes	do	fim	e	da
decomposição.	Podemos	perguntar	se	o	temor	arcaico	do	ser	humano	perante	a
morte	não	tem	causas	mais	profundas.
ATÉ	HOJE,	A	MORTE	É	ENCARADA	FUNDAMENTALMENTE	COMO	UM
FIM,	COMO	O	FIM	DA	VIDA.
Será	que	o	homem,	inconsciente	e	instintivamente,	estaria	recusando	aceitar	tal
fim?
Na	evidência	da	morte	e	na	falta	de	solução	mais	conveniente,	ele	reprime	o
pensamento	da	morte	como	tal.	E	isso,	apesar	de	a	religião	cristã	apresentar,	há
2.000	anos,	uma	alternativa	melhor.	Acontece,	porém,	que	muitos	de	nossos
contemporâneos	não	veem	aí	alternativa	nenhuma.	Ou,	então,	veem	aí	uma
alternativa	demasiadamente	presa	aos	conceitos	amedrontadores	do	juízo	e	do
fogo	do	inferno.	Inferno	ou	condenação	nada	mais	são	do	que	um	fim	radical,
um	não-ser	ou	um	não-ser-mais.
Se,	no	entanto,	até	na	esfera	das	mensagens	cristãs	se	impôs	a	ameaça	de	um	fim
absoluto,	o	dilema	que	se	nos	apresenta	é	profundo:	ou	encaramos	a	situação
heroicamente,	ou	sucumbimos	de	novo	à	fuga	e	à	repressão.	Hoje	em	dia,	parece
que	muitos	cristãos	escolheram	o	segundo	caminho…
Por	outra	parte,	nos	últimos	anos	verificamos	um	interesse	crescente	pelas
questões	relacionadas	com	a	morte.	Ainda	que	para	muitos	não	passe	de
interesse	superficial,	isto	é,	apesar	de	tudo,	um	sinal.
No	interesse	pelas	questões	da	morte	manifesta-se	a	tentativa	do	homem	de
descobrir	algo	mais	sobre	um	fenômeno	de	sua	existência	que	conservou	o	seucaráter	de	mistério.	E	atrás	de	todo	o	interesse	despertado	esconde-se	talvez	uma
esperança	muito	profunda,	a	esperança	de	que	este	mistério	não	se	revele	como
“mysterium	tremendum”,	a	esperança	de	que	a	morte	não	existe	como	fim	e
perecimento	da	vida.
1.3.	A	esperança	na	vida	após	a	morte	elimina	o	medo	ou	não?
De	todas	as	pesquisas	sobre	o	assunto,	deduzimos,	de	forma	bastante	clara,	um
fato	básico:	a	contradição	fundamental,	diante	da	qual	o	homem	se	encontra.
De	um	lado,	ele	deve	aceitar	a	própria	morte;	de	outro,	tem	uma	vontade
imanente	de	viver.
Percebe-se,	claramente,	que	esta	contradição	só	pode	ser	eliminada	mediante
uma	atitude	que	proporcione	a	esperança	num	“depois	da	vida”.
Contudo,	nem	mesmo	aceitando	uma	vida	após	a	morte	desaparece	a	indagação.
Bem	pelo	contrário,	ela	se	estende	também	ao	campo	religioso	e	teológico,
tendo-se	tornado,	antes,	um	problema	da	Teodiceia:	“Que	divindade	é	esta,	que,
tendo	criado	o	ser	humano,	deixa-o,	depois,	tornar-se	comida	para	os	vermes?”
Assim	formulou	o	problema	o	famoso	filósofo	Kierkegaard.
Entretanto,	um	refletir	sincero	sobre	a	morte	é	um	desafio	não	só	para	a	filosofia,
mas	também,	e	com	mais	razão,	para	a	teologia	e	a	fé.	A	fé	transmite	uma
imagem	de	Deus	aos	fiéis,	e	estes	serão	sustentados	por	ela	no	momento	do
morrer.	Esta	mesma	imagem,	contudo,	poderá	tornar-se	mais	um	motivo	de
medo	e	angústia.⁸
Com	relação	a	esse	problema,	descobrimos	já	nos	estudos	feitos	por	Solange
Rodrigues,	em	São	Paulo ,	um	quadro	bastante	sério:
“Embora	os	religiosos	que	responderam	ao	questionário	da	psicóloga	tenham
dito	que	as	pessoas	que	têm	fé	enfrentam	melhor	a	situação,	Solange	não	chegou
a	constatar	esta	verdade”.¹
Pelo	contrário,	ela	caracteriza	como	marcado	pelo	medo	o	estado	psíquico	das
pessoas	entrevistadas.
Em	nossa	própria	pesquisa,	sobre	a	atitude	das	pessoas	diante	da	morte,	realizada
em	1991/93,	chegamos	a	esse	mesmo	resultado.
Uma	pesquisa	psicológica	sobre	a	atitude	de	crianças,	diante	de	Deus,	publicada
em	1997,	revela	o	seguinte	fato:	“Medo	de	Deus	é	o	que	mais	estressa
crianças”.¹¹
Não	dá	para	negar	que,	em	geral,	as	pessoas	têm	medo	da	morte,	e,	em	muitos
casos,	este	medo	não	está	sendo	diminuído	pela	sua	crença	religiosa	em	Deus,
mas	aumentado.¹²
Nós	deparamos	assim	com	o	grave	fato	de	que	a	fé,	em	muitos	casos,	não	tira	a
angústia	das	pessoas	diante	da	morte	nem	diante	do	que	vem	depois.	A
problemática	desta	constatação	deve	preocupar-nos	ainda	nos	capítulos	a	seguir.
A	partir	dos	resultados	das	pesquisas	respectivas,	verificamos	que,	ainda	hoje,
estamos	colhendo	os	frutos	de	uma	catequese	que,	durante	séculos,	trabalhou
demais	com	uma	pedagogia	centrada	na	ameaça	religiosa,	ao	invés	de	acentuar	o
amor.
A	consequência	deste	fato	é	um	medo,	muitas	vezes	reprimido	e	inconsciente,
diante	de	tudo	aquilo	que	vem	depois	da	morte.
Esse	medo	encontra	as	suas	razões	basicamente	nos	seguintes	conteúdos
religiosos:
—	Uma	falsa	imagem	de	Deus	(Deus	vingador).
—	Ameaças	metafísicas	indiretas.
—	Ameaças	apocalípticas	de	um	Deus	punidor.
—	Ameaças	de	ser	seduzido	pelo	diabo.
—	Ameaças	de	acabar	no	inferno.¹³
1	R.	A.	Moody,	Vida	depois	da	vida.
2	Fritz	Leist,	Gesundheit	und	Krankheit	der	Seele,	p.	34.
3	E.	Kübler-Ross,	Morte,	estágio	final	da	evolução,	p.	30.
4	Op.	cit.,	p.	30.
5	Ibid.,	in	Etudes,	Paris,	août-septembre,	1982,	p.	188.
6	Op.	cit.,	p.	189.
7	Cf.	John	Bowkler,	Os	sentidos	da	morte.
8	Cf.	sobre	este	assunto	o	livro	específico	do	autor,	sobre	o	medo	religioso	dos
cristãos	e	sua	superação:	Renold	J.	Blank,	Esperança	que	vence	o	temor,	1995.
9	Cf.	Folha	de	São	Paulo,	1º	de	julho	de	1983,	p.	14.
10	Cf.	Folha	de	São	Paulo,	ibid.
11	Folha	de	São	Paulo,	27	de	abril	de	1997,	cad.	3,	p.	1;	também:	O	Estado	de
São	Paulo,	28	de	fevereiro	de	1997,	cad.	A,	p.	19.
12	Cf.	Renold	J.	Blank,	op.	cit.,	pp.	15-32;	49-82;	145-161.
13	Cf.	Idem,	op.	cit.
2
A	ATITUDE	PSICOSSOCIAL	DIANTE	DA	MORTE
2.1.	O	século	XX,	marcado	pela	privatização	progressiva	do	morrer
Uma	pessoa	que	morre	quebra	a	rotina	daqueles	que	a	rodeiam.	Pelo	menos	isso
acontecia	até	o	começo	deste	século,	quando	o	morrer	se	dava	junto	à	família.
Como	se	dizia	antigamente,	depois	de	ter	posto	em	ordem	seus	assuntos	terrenos,
o	moribundo	se	deitava	para	morrer,	rodeado	de	amigos,	familiares	e
empregados	da	casa.	O	falecimento	era	ato	público	que,	com	toda	a	sua
dignidade	e	solenidade,	expressava	a	seriedade	do	que	acontecia	ali.
Philippe	Ariès,	em	seu	livro	O	homem	diante	da	morte,	relata	que	“os	médicos
higienistas	do	fim	do	século	XVIII	começaram	a	se	queixar	da	multidão	que
invadia	o	quarto	dos	moribundos.	Sem	grande	êxito,	já	que	no	início	do	século
XX,	quando	se	levava	o	viático	a	um	doente,	qualquer	pessoa,	até	os
desconhecidos	da	família,	podiam	entrar	na	casa	e	no	quarto	do	moribundo”.¹
Em	seu	livro	Os	cadernos	de	Malte	Laurids	Brigge,	o	poeta	Rainer	Maria	Rilke
descreve,	através	de	imagens	bastante	expressivas,	a	consternação	causada	pela
morte	de	uma	pessoa	naqueles	que	a	rodeiam:
“A	morte	do	camareiro	Christoph	Detlev	Brigge,	em	Ulsgaard.	Ele	jazia	no	meio
do	piso,	transbordando	imenso	do	uniforme	azul-marinho,	e	não	se	movia.	Em
seu	grande	e	estranho	rosto,	já	desconhecido	por	todos,	os	olhos	estavam
cerrados:	não	viam	mais	o	que	acontecia.	(…)	Mas	havia	algo	mais.	Era	uma
voz,	a	voz	que	há	sete	semanas	ninguém	conhecia,	pois	não	era	a	voz	do
camareiro.	Essa	voz	não	pertencia	a	Christoph	Detlev,	mas	à	morte	de	Christoph
Detlev.	Há	muitos,	muitos	dias,	a	morte	de	Christoph	Detlev	habitava	Ulsgaard	e
falava	com	todos,	e	exigia	coisas.	(…)	Exigia	e	gritava.	Depois,	quando	a	noite
baixava,	e	aqueles	entre	os	criados	exaustos	que	não	precisavam	vigiar	tentavam
dormir,	a	morte	de	Christoph	Detlev	berrava,	e	gemia,	e	urrava	tanto,	sem	parar,
que	os	cães,	uivando	juntos	no	início,	agora	emudeciam,	não	ousando	deitar-se,	e
tinham	medo,	sobre	as	longas	pernas	esguias	e	trêmulas.	Quando	as	pessoas	da
aldeia	ouviam	aqueles	urros	perpassando	a	ampla	e	prateada	noite	de	verão
dinamarquesa,	erguiam-se	como	nas	noites	de	tempestade,	vestiam-se,	ficavam
sentadas	ao	redor	do	lampião,	silenciosas,	até	tudo	acabar.	As	mulheres	prestes	a
dar	à	luz	eram	postas	nos	aposentos	mais	afastados,	nas	alcovas	mais	espessas;
ainda	assim	ouviam	tudo	como	se	estivesse	acontecendo	dentro	de	seus	próprios
ventres.	E	suplicavam	que	as	deixassem	levantar;	e	vinham,	brancas	e
volumosas,	sentar-se	junto	aos	demais	com	seus	rostos	diluídos.	(…)
A	morte	de	Christoph	Detlev,	morando	agora	em	Ulsgaard,	não	se	deixava
pressionar.	Chegara	para	ficar	dez	semanas,	e	foi	o	que	fez.	(…)
Aquela	não	era	a	morte	de	hidrópico	qualquer,	era	a	morte	perversa	e	principesca
que	o	camareiro	carregara	em	si	a	vida	toda,	e	alimentara	consigo	mesmo.	Todo
o	excesso	de	soberba,	poder	e	autoridade	que	não	conseguira	gastar	nos	dias
calmos,	entrara	na	sua	morte,	e	era	essa	morte	que	agora	se	alojava	em	Ulsgaard,
e	se	esbanjava”.²
O	que	é	descrito	aqui,	de	forma	poética	única,	é	a	inevitabilidade	do	morrer,	que
não	leva	em	conta	nenhuma	convenção	humana.	Com	ênfase	rara,	o	texto	de
Rilke	faz	observar	a	relação	indissolúvel	existente	entre	o	morrer	e	a	vida
anteriormente	vivida.	“…a	morte	perversa	e	principesca	que	o	camareiro
carregara	em	si	a	vida	toda,	e	alimentara	consigo	mesmo.”
Esta	morte	é	vivida	e	vivenciada	como	acontecimento	de	caráter	totalmente
público	e,	justamente	por	não	ser	ocultada,	torna-se	ainda	mais	comovente.
O	autor	citado	anteriormente,	Philippe	Ariès,	chama	nossa	atenção	repetidas
vezes	para	o	fato	de	não	se	ocultar	a	morte,	que	caracterizava	a	vivência	do
morrer	até	o	início	do	século	XX.	No	segundo	volume	de	sua	obra	O	homem
diante	da	morte,	encontramos	o	seguinte	comentário	sobre	o	assunto:
“Ainda	no	início	do	século	XX,	digamos	até	a	guerra	de	1914,	em	todo	o
Ocidente	de	cultura	católica	ou	protestante,	a	morte	de	um	homem	modificava
solenemente	o	espaço	e	o	tempo	de	um	grupo	social,	podendo	estender-se	a	uma
comunidade	inteira,	como,	por	exemplo,	a	aldeia.Fechavam-se	as	venezianas	do
quarto	do	agonizante,	acendiam-se	as	velas,	punha-se	água	benta:	a	casa	enchia-
se	de	vizinhos,	de	parentes,	de	amigos	murmurantes	e	sérios.	O	sino	dobrava	a
finados	na	igreja	de	onde	saía	a	pequena	procissão	que	levava	o	Corpus
Christi…”³
A	cerimônia	religiosa	tinha	seu	lugar	incontestável	em	todo	o	decurso	dos
acontecimentos,	e	todos	sabiam	que	ali	alguém	se	preparava	para	encontrar-se
com	seu	Criador	e	Senhor.
2.2.	A	privatização	do	morrer	significa	alienação	do	morrer
Com	a	instituição	da	assistência	médico-hospitalar,	com	a	transformação	das
condições	habitacionais,	do	ambiente	social	e	das	convenções	da	sociedade,
sobretudo	no	contexto	das	cidades	grandes	e	das	aglomerações	industriais,	tudo
mudou.	A	morte	perdeu	o	seu	caráter	de	cerimônia	pública	e	tornou-se	ato	de
caráter	cada	vez	mais	privado.	E	à	medida	que	o	internamento	de	doentes
incuráveis	acompanhou	o	aperfeiçoamento	da	assistência	médica,	assim	o
hospital	também	se	tornou	o	lugar	normal	para	se	morrer.	Isso	não	significa	só	a
privatização	do	morrer,	mas,	na	maioria	dos	casos,	a	alienação	do	morrer.
Alienação	esta	que	pode	alcançar	até	a	exclusão	dos	próprios	familiares.
Desta	maneira,	o	morrer	fica	desprovido	de	seu	sentido	e	assim	não	estamos
mais	conscientes	do	fato	de	a	morte	ser	parte	integrante	da	vida.	O	falecimento
de	um	ser	humano	se	transforma,	deste	modo,	em	caso	clínico,	e	a	morte	em
falência	da	arte	da	medicina.	O	morrer	perdeu	sua	dimensão	humana,	ou	esta
dimensão	foi	reprimida.	E,	justamente	com	esta	repressão,	extinguiu-se	também
do	consciente	de	muitas	pessoas	a	dimensão	religiosa	do	falecimento.
O	MORRER	PERDEU	SUA	DIMENSÃO	HUMANA	E	RELIGIOSA.
Mais	e	mais	vozes	têm-se	manifestado,	nos	últimos	anos,	contra	a	coisificação
do	ser	humano	nas	UTIs	de	clínicas	especializadas	em	atendimento	de	casos
fatais.
As	pesquisas	de	Elisabeth	Kübler-Ross	e	de	muitos	outros	contribuíram	para	que
hoje	se	pense	e	estude	seriamente	uma	reumanização	do	morrer.
2.3.	Onde,	nesta	situação,	há	lugar	para	a	religião?
Devemos	perguntar-nos,	porém,	onde	há	lugar	para	a	religião	em	tudo	isso.	Onde
estão	as	respostas	que	uma	teologia	moderna,	libertadora	e	orientada	pela	boa
nova	do	evangelho	pode	dar	à	questão	dos	moribundos?	Que	resposta	dar	às
perguntas	sobre	o	sentido	da	morte?	Para	número	cada	vez	maior,	ela	parece
absurda,	indigna	da	pessoa	humana,	ou,	simplesmente,	fato	amedrontador	e
horrível,	acontecimento	que	deve	ser	reprimido	na	consciência,	na	medida	do
possível.
“A	maneira	pela	qual	a	nossa	sociedade	nega	a	morte”,	diz	Elisabeth	Kübler-
Ross,	“não	traz	nem	esperança	nem	empresta	nenhum	sentido	a	este	fato,
somente	aumenta	nosso	medo	e	nossa	vontade	de	destruir.”⁴
O	problema	básico	da	negação	ou	da	repressão	da	morte,	aqui	formulado,	em	sua
essência	também	vale	para	a	realidade	latino-americana.	Temos	a	impressão	de
que	o	interesse	despertado	ultimamente	pela	questão	da	morte	ainda	é	muito
limitado.	A	fuga	domina	abertamente.	Não	gostamos	de	falar	da	morte.
Em	consequência	desta	atitude	fundamental,	frequentemente	falta	em	nossos
hospitais	a	preparação	do	moribundo	para	a	morte.	É	assim	que	muitas	vezes	se
esconde,	pelo	mais	longo	tempo	possível,	o	estado	do	moribundo,	não	só	dele
mesmo,	mas	também	de	seus	familiares.
Neste	contexto,	parece-nos	apropriado	chamar	a	atenção	para	uma	pesquisa
realizada	em	São	Paulo.	A	psicóloga	Solange	Rodrigues	tenta	esclarecer	o
significado	dos	valores	que	a	morte	tem	no	processo	de	morrer.	Em	artigo	do
jornal	Folha	de	São	Paulo,	de	1º	de	julho	de	1983,	ela	sintetiza	os	seus	resultados
da	seguinte	maneira:
“Cria-se	uma	espécie	de	redoma	junto	dos	pacientes,	onde	as	palavras	doença,
câncer	e	morte	são	cuidadosamente	evitadas.	A	família	recusa-se	a	tocar	no
assunto,	temendo	que	o	estado	clínico	da	pessoa	venha	a	piorar	e	com	receio	de
magoá-la.	Os	médicos	preferem	não	dizer	exatamente	aos	doentes	o	que	eles
têm,	transmitindo	a	notícia	aos	parentes	próximos”.
Esse	texto	reflete	uma	vez	mais	a	convicção,	não	externada,	de	que	o	morrer	e	a
morte	são	interpretados	como	falência	da	arte	da	medicina.	Parece	que,	para
muitos,	a	morte	alcança	o	significado	de	humilhação	para	todos	aqueles	que	se
esforçam	por	salvar	vidas.	A	este	fato	acrescenta-se,	de	um	lado,	a	angústia
latente	que	largas	camadas	de	nossa	população	sentem	em	relação	à	morte	e,	de
outro	lado,	observamos,	ao	mesmo	tempo,	uma	apatia	pronunciada	sobretudo
nas	áreas	dos	grandes	centros	urbanos.
2.4.	Morrer	e	as	situações	da	morte	como	vivência	cotidiana	dos	povos	do
Terceiro	Mundo
A	banalização	e	anonimidade	do	morrer	adquirem	maior	gravidade	ainda
quando,	além	de	constatadas	na	vivência	de	indivíduos	isolados,	tornam-se	a
experiência	cotidiana	de	grande	parte	de	uma	população.	Isso	é	o	que	acontece
de	maneira	generalizada	entre	os	povos	do	Terceiro	Mundo.
A	privatização	da	morte	no	século	XX:⁵
A	morte	deles	já	começa	como	a	“morte	social”	muito	antes	do	próprio	fato	de	a
vida	acabar.	E,	ao	acontecer	finalmente	a	morte	física,	o	indivíduo	submerge	na
imensa	massa	daqueles	que	não	têm	voz	nem	nome.
A	morte	do	filho	de	lavrador	analfabeto	e	a	do	marginal	ou	do	mendigo	nos
subúrbios	dos	grandes	centros	urbanos	não	é	interpretada	como	sendo	falência
da	medicina,	porque	aí	não	entram	em	jogo	os	cuidados	médicos.	Mortes	como
essas	só	podem	ser	interpretadas	muitas	vezes	como	sendo	o	resultado	de
estruturas	marcadas	pelo	desprezo	da	vida	em	si,	ou	especialmente	da	vida	do
pobre.
CONTRADIÇÃO	ENTRE	AS	SITUAÇÕES	DE	MORTE	SOCIAL	E	A
MENSAGEM	DO	DEUS	QUE	QUER	A	VIDA.
O	desprezo	da	vida,	porém,	nos	põe	em	oposição	àquele	que	se	definiu	como	não
sendo	“Deus	de	mortos,	mas	sim	de	vivos”	(Mc	12,27).	Este	Deus	que	quer	a
vida	revelou-se	nas	ações	de	Jesus	de	Nazaré.	Ele	lutou	para	que	os	homens
“tenham	a	vida	e	a	tenham	em	abundância”	(Jo	10,10).	Esta	vida,	porém,	começa
aqui	e	agora,	na	história	concreta,	desde	que	Jesus	debelou	as	forças	de
desumanização	do	homem.	Nas	palavras	dele,	os	cristãos	vêm-se	apoiando	há
dois	milênios,	mas,	apesar	de	tudo,	a	experiência	da	morte	social	não	acabou	—
muito	pelo	contrário:
“Nas	nações	pobres	do	mundo	—	o	Sul	—	a	expectativa	média	de	vida	é…
inferior	a	50	anos.	Nos	países	mais	pobres	do	Sul,	uma	criança	entre	quatro
morre	antes	dos	5	anos	de	idade	e	mais	de	50%	estão	condenadas	ao
analfabetismo	vitalício.	No	Sul	vivem	hoje	800	milhões	de	pessoas	em	condição
de	pobreza	ou	miséria	absoluta	com	cerca	de	500	milhões	sofrendo	de
subnutrição	de	proteínas	em	alto	grau”.⁷
No	quadro	mundial,	são	cerca	de	110.000	pessoas	que	morrem	de	fome	por	dia.
“Segundo	a	FAO,	50	milhões	de	pessoas	morrem	de	fome	no	mundo
anualmente,	dezessete	milhões	das	quais	são	crianças	menores	de	5	anos.”⁸
“Hoje	ninguém	pode	ignorar	que,	em	continentes	inteiros,	são	inumeráveis	os
homens	e	as	mulheres	torturados	pela	fome,	inumeráveis	as	crianças
subalimentadas,	a	ponto	de	morrer	grande	parte	delas	em	tenra	idade	e	o
crescimento	físico	e	o	desenvolvimento	mental	de	muitas	outras	correrem
perigo”.
Na	sua	encíclica	Populorum	progressio,	o	papa	Paulo	VI	denuncia	esta	situação
com	palavras	muito	claras:
Devido	ao	agravamento	da	crise	econômica,	este	quadro	de	mortandade	se
agrava	cada	vez	mais.	É	esta	dança	macabra	que	se	apresenta	com	as	mesmas
características	na	esmagadora	maioria	dos	países	do	hemisfério	sul.
A	isto	se	acrescenta	a	ameaça	da	morte	causada	pelas	guerras	ou	perseguições
ideológicas.¹
Por	trás	dos	números	de	milhares	e	dezenas	de	milhares	de	mortos,	escondem-se
as	tragédias	mortais	de	povos	inteiros.	Esconde-se	também	a	dura	realidade,	e	a
experiência	de	muitos	desses	nossos	povos	marcados	por	perseguições	de
cristãos,	só	comparáveis	às	que	foram	desencadeadas	no	Império	Romano	pagão.
Juan	Hernández	Pico	resume	esse	fato	com	as	seguintes	palavras	muito	claras:
“Na	AL	hoje	são	assassinados	cristãos	inocentes,	crianças	ainda	dependentes	do
seio	materno	e	adultos	pertencentes	ao	laicato,	à	vida	religiosa	e	à	hierarquia”.¹¹
Os	mártires	reaparecem.
É,	pois,	absolutamenteverdadeiro	o	que	Florisvaldo	Saurin	Orlando	escreve:	“A
experiência	da	morte	é	uma	das	mais	generalizadas	e	múltiplas	em	nosso
continente:	morte	física	e	moral,	individual	e	coletiva,	como	acontecimento
inevitável	e	fruto	da	limitação	humana…”¹²
Encarando	todos	esses	fatos,
é	tarefa	urgente	de	uma	teologia	libertadora	despertar	a	consciência	para	o
significado	humano	e	sacramental	daquele	acontecimento	que	chamamos	“o	fim
da	vida”.
Através	de	uma	teologia	da	morte,	devemos	redescobrir	a	força	que	se	esconde
atrás	da	mensagem	cristã	sobre	a	morte;	mas	devemos	conscientizar-nos	também
de	que	essa	força,	na	consciência	de	nosso	povo,	foi	enterrada	por	muito	tempo,
devido	a	uma	visão	exageradamente	ameaçadora.
DEVEMOS	REDESCOBRIR	O	DEUS	DA	VIDA.
Devemos	redescobrir	o	Deus	da	vida,	para	que	assim	a	morte	se	transforme	em
vida;	em	vida	real	que	se	realiza	na	história	concreta,	transformando	esta	história
naquele	reino	da	vida	que	Jesus	Cristo	denominou	o	Reino	de	Deus.
1	Philippe	Ariès,	O	homem	diante	da	morte,	p.	21.
2	Rainer	Maria	Rilke,	Os	cadernos	de	Malte	Laurids	Brigge,	pp.	10-12.
3	Op.	cit.,	vol.	II,	p.	612.
4	Elisabeth	Kübler-Ross,	Interviews	mit	Sterbenden,	p.	21.
5	Cf.	Robert	Kastenbaum	e	Ruth	Aisenberg,	Psicologia	da	morte,	pp.	149-214.
6	Idem,	op.	cit.,	p.	185.
7	Roger	Riddell,	in	Concilium,	160	—	1980/10,	p.	42
8	Felix	Moracho,	Na	escola	da	fé,	p.	77.
9	Paulo	VI,	O	desenvolvimento	dos	povos,	n.	45.
10	Orientierung	14/15	(46),	aug,	1982,	p.	154.
11	Concilium,	183	—	1983/3,	p.	57.
12	F.	S.	Orlando,	“As	oportunidades	da	espiritualidade	da	cruz	na	América
latina”,	em	VV.	AA.,	A	cruz,	teologia	e	espiritualidade,	p.	83.
3
A	COMPREENSÃO	CLÍNICO-TANATOLÓGICA	DO
MORRER
Mediante	pesquisas	atuais	sobre	a	morte,	ficou	claro	mais	uma	vez	que	o
fenômeno	do	morrer	está	estreitamente	relacionado	com	todos	os	planos	da
existência	humana.	Às	questões	médicas	e	psicológicas	devem	ser	acrescentados
os	aspectos	de	caráter	jurídico	e	sociológico,	além	das	contribuições	da	filosofia
e	da	teologia.
Mencionaremos	a	seguir,	de	forma	sucinta,	alguns	dos	aspectos	mais	importantes
deste	extenso	problema.	Para	estudo	mais	aprofundado	sobre	o	tema,
recomendamos	a	literatura	específica.¹
3.1.	O	termo	“morrer”,	encarado	do	ponto	de	vista	médico
O	fim	do	morrer,	considerado	aqui	como	fenômeno	existencial,	é	alcançado	na
morte.
As	opiniões	sobre	o	momento	preciso,	em	que	a	morte	se	consuma,	têm
divergido	muito	nos	últimos	anos,	principalmente	por	causa	da	influência	do
aprimoramento	cada	vez	maior	da	técnica	no	campo	da	medicina.
Foi	constatado	que	era	pouco	preciso	o	que	até	há	pouco	tempo	era	visto	como	a
situação	final,	isto	é,	a	parada	cardíaca	e	respiratória.	Hoje	em	dia,	diferencia-se
a	morte	de	cada	órgão	em	separado	—	a	chamada	morte	orgânica.
A	morte	de	uma	pessoa	estará	consumada	quando	não	forem	mais	registradas
ondas	elétricas	cerebrais.	Klaus	Thomas	diz,	porém,	que	a	“morte	do	homem”,
no	sentido	de	morte	integral	do	organismo	humano,	“não	deve	ser	equiparada	ao
conceito	médico	de	morte	cerebral”.²	Isto	porque	as	experiências	clínicas	dos
anos	passados	demonstram	claramente	que	quase	cada	órgão	humano	tem	a	sua
própria	morte	por	si	mesmo.	Apesar	de	ser	o	cérebro	uma	parte	essencial	do	ser
humano,	nem	a	sua	morte	pode	ser	interpretada	como	a	morte	de	tudo	o	que
chamamos	de	“corpo”.
Hans	Küng	aponta	o	fato	de	que,	apesar	de	uma	pessoa	já	ter	sido	considerada
morta	por	diagnóstico	feito	com	base	em	eletroencefalograma,	“ela	pode	ser
reanimada,	por	exemplo,	em	casos	de	resfriamento	passivo	ou	de
envenenamento	por	doses	excessivas	de	sedativos”.³
A	partir	destes	dados,	concluímos	ser	necessário	distinguir	claramente	entre	o
momento	da	morte	clínica	e	o	da	morte	vital	propriamente	dita.	Esta	última	é
caracterizada	“pela	perda	irreversível	das	funções	vitais”,⁴	ou,	ainda,	como	“o
estado	do	corpo,	do	qual	é	impossível	voltar	à	vida”.⁵
Entre	o	momento	da	morte	clínica	e	o	da	morte	vital	há,	via	de	regra,	um	espaço
de	tempo	de	aproximadamente	cinco	minutos,	e	em	casos	extremos	este	período
pode	ser	de	até	trinta	minutos.
Do	ponto	de	vista	da	medicina,	o	morrer	acontece	da	seguinte	forma:
3.2.	Quadro	psicossocial	do	morrer
Partindo-se	de	uma	perspectiva	orientada	antes	pelo	ponto	de	vista	psicossocial,
deveríamos	diferenciar	esse	esquema	ainda	mais,	fazendo	a	distribuição	entre
viver	conscientemente	o	morrer	e	o	que	vem	depois,	isto	é,	o	que	a	seguir
chamaremos	de	morrer	clínico.
Na	qualidade	de	fenômeno	existencial	e	psicossomático,	o	morrer	inicia-se
muito	antes	da	morte	clínica.	Para	Martin	Heidegger,	a	totalidade	da	existência
humana	é	um	ser-para-a-morte.	E	ele	entende,	com	isso,	“um	ser	que	não
caminha	simplesmente	para	o	acontecimento	futuro,	isto	é,	para	a	morte;	ao
contrário,	o	homem	é	um	ser	que,	mal	nasceu,	já	começa	a	morrer.	O	morrer	está
intimamente	ligado	à	existência	humana…	Morrer	é	uma	forma	de	ser	que	o
homem	assume	com	sua	existência”.⁷	Assim,	então,	o	morrer	inicia-se	de	fato
com	o	nascimento	da	pessoa.
Curiosamente,	este	ponto	de	vista	que	era	ainda	aceito	incondicionalmente	no
período	barroco,	traz	sérios	problemas	à	maioria	dos	contemporâneos	do	grande
filósofo	existencial.
A	interligação	entre	os	problemas	citados	acima	e	a	problemática	da	repressão	do
pensamento	da	morte	já	foi	comentada	anteriormente.
Do	ponto	de	vista	vigente	hoje	em	dia,	o	morrer	é	tido	por	aquele	período	de
vida,	mais	ou	menos	longo,	com	o	qual	o	ser	humano	tem	de	se	conformar,	uma
vez	por	todas	e	muitas	vezes	a	contragosto,	de	que	sua	vida	findará	em	breve.
Desse	modo,	podemos	ampliar	da	seguinte	maneira	o	esquema	apresentado
anteriormente:
3.3.	Experiências	e	relatos	de	pessoas	clinicamente	mortas,	mas	reanimadas
pela	medicina
Nos	últimos	anos,	grande	número	de	pesquisas,	sérias	em	sua	maioria,	tem-se
ocupado	de	vivências	relatadas	por	pacientes	mortos	do	ponto	de	vista	clínico
que,	mediante	esforços	médicos,	foram	trazidos	de	volta	à	vida.
Os	depoimentos	mais	conhecidos	sobre	o	assunto,	ao	lado	dos	estudos	de
Elisabeth	Kübler-Ross,	são	os	relatos	de	150	pessoas	que	estiveram	por	algum
tempo	clinicamente	mortas,	e	que	R.	A.	Moody	reuniu	no	seu	livro	Vida	depois
da	vida.	No	prefácio,	E.	Kübler-Ross	explica	o	seguinte:	“A	pesquisa,	como	a
que	o	Dr.	Moody	nos	apresenta	no	seu	livro,	é	que	nos	esclarecerá	muitas
questões	e	confirmará	o	que	tem	sido	ensinado	há	2.000	anos:	que	há	vida	depois
da	morte”.⁸
Esta	proposição	admite,	de	antemão,	que,	a	partir	dos	estudos	mencionados,	é
possível	deduzir-se	indícios	claros	do	que	acontece	com	o	ser	humano	depois	da
morte	e	que	realmente	acontece	algo.	Partindo	do	ponto	de	vista	imparcial	e
científico,	devemos	manter	em	mente	o	fato	de	que	todos	esses	relatos	de
pessoas	clinicamente	mortas,	que	são	conhecidos	até	hoje,	tratam	do	que	se
passa	aquém	daquela	fronteira	que	foi	denominada	aqui	de	morte	vital.	Eles
todos	provêm	daquela	zona	limítrofe	da	vida	humana	existente	entre	a	morte
clínica	e	a	morte	vital.	Alfred	Läpple	a	denomina	“terra	de	ninguém	entre	este	e
o	outro	mundo”. 	Por	conseguinte,	todas	estas	experiências	também	não	podem
esclarecer	o	que	ocorre	com	o	ser	humano	depois	da	morte	vital.
Mas,	por	outro	lado,	deve-se	aceitar	que,	com	base	na	semelhança	da	maioria
dos	relatos	conhecidos	até	o	presente	momento,	esses	relatos	podem,	pelo
menos,	nos	dar	indicações	sobre	determinadas	experiências	vividas	durante	a
morte	clínica,	indícios	estes	que,	dentro	do	contexto	de	nossa	indagação,	talvez
possam	ser	reunidos	sob	a	palavra-chave	“vivência	na	morte”,	mas	não	após	a
morte.
Se	examinarmos	os	principais	elementos	dos	relatos	sobre	o	morrer,	reunidos	por
diversos	pesquisadores,¹ 	notaremos	sobretudo	quatro	experiências	básicas	que
se	repetem	frequentemente:
—	“O	homem	encontra-se	fora	de	seu	corpo”.
—	“Aparece	diante	dele	um	caloroso	espírito	de	uma	espécie	que	nunca
encontrou	antes	—	um	espírito	de	luz”.
—	“Este	ser	pede-lhe,	sem	usar	palavras,	que	reexamine	sua	vida,	e	o	ajuda,
mostrando	uma	recapitulação	panorâmicae	instantânea	dos	principais
acontecimentos	de	sua	vida”.¹¹
—	“Uma	ampliação	do	horizonte	do	eu	humano,	geralmente,	ligado	a	um	estado
de	felicidade”.¹²
Sem	nos	aprofundarmos	muito	na	questão	quase	insolúvel	sobre	até	que	ponto	é
que	se	trata	aqui	de	vivências	e	que	já	se	encontram	além	da	nossa	experiência
humana	de	vida,	podemos	constatar	que	as	revelações	dos	relatos	sobre	o	morrer
não	contradizem	absolutamente	o	que	pode	ser	afirmado	sobre	a	morte	com	base
na	revelação	cristã.	Pelo	contrário,	é	extremamente	interessante	observar	que	os
relatos	sobre	o	panorama	da	vida	ressaltam	que	não	se	trata	de	ser	julgado	ou
não.
O	panorama	da	vida	está	antes	ligado	à	visão	de	um	ser	de	luz.	R.	A.	Moody
afirma	a	esse	respeito:	“O	que	é,	talvez,	o	mais	incrível	elemento	comum	dos
relatos	que	estudei,	certamente	o	elemento	que	exerce	o	mais	profundo	efeito
sobre	o	indivíduo,	é	o	encontro	com	uma	luz	muito	brilhante…	Apesar	da
manifestação	inusitada	da	luz,	ninguém	expressou	qualquer	dúvida	de	que	se
tratasse	de	um	ser,	um	ser	de	luz…	um	ser	pessoal…	O	ser	quase	imediatamente
dirige	certo	pensamento	à	pessoa…	como	se	fosse	uma	pergunta.
Entre	as	traduções	que	ouvi,	estão	as	seguintes:	‘Você	está	pronto	para	morrer?’.
‘O	que	é	que	você	fez	de	sua	vida	que	possa	mostrar?’,	e	‘O	que	você	fez	com
sua	vida	já	é	suficiente?’…	Inicialmente,	devo	insistir	que	a	questão,	profunda	e
final	como	parece	ser	no	seu	impacto	emocional,	não	é	feita	como	uma
condenação.	Todos	parecem	concordar	que	o	ser	de	luz	não	faz	a	pergunta	para
acusar	ou	para	ameaçar,	pois	sentem	todos	o	total	amor	e	aceitação	vindos	da
luz,	qualquer	que	seja	a	resposta”.¹³
Diante	de	tais	pesquisas	sobre	a	experiência	de	moribundos	reanimados,
podemos	nos	perguntar	se	estas	experiências	confirmam	de	certa	maneira,	no
plano	científico,	aquilo	que	a	teologia	sempre	dizia.	É	grande	a	tentação	de
buscar	nestes	resultados	de	pesquisas	apoio	ao	discurso	teológico.	Devemos,
porém,	ter	consciência	de	que,	do	ponto	de	vista	científico,	uma	equação	“ser	de
luz	=	Cristo”	não	pode	ser	aceita.	O	que	se	pode	dizer	é	apenas	isto:	os
resultados	das	pesquisas	mencionadas	não	contradizem	aquilo	que	a	teologia	e	a
fé	cristã	sempre	formulavam.	E	se	as	experiências	recentes	da	ciência	revelaram
que	o	moribundo	vivencia	depois	da	morte	clínica	um	“panorama	de	vida”,	então
também	este	resultado	não	é	contraditório	a	uma	visão	teológica.	Na	morte,	diz	a
teologia,	será	impossível	para	o	ser	humano	ignorar	a	sua	própria	vida.
1	Cf.,	por	exemplo,	Klaus	Thomas,	Warum	Angst	vor	dem	Sterben,	pp.	11-26.
2	Klaus	Thomas,	op.	cit.,	p.	27.
3	Hans	Küng,	Ewiges	Leben?,	p.	34.
4	R.	A.	Moody,	Vida	depois	da	vida,	p.	142.
5	Ibid.
6	Hans	Küng,	op.	cit.,	p.	35.
7	Joseph	Moeller,	Zum	Thema	Menschsein,	p.	36.
8	R.	A.	Moody,	op.	cit.,	p.	9.
9	Alfred	Läpple,	Der	Glaube	an	das	Jenseits,	p.	89.
10	Além	dos	relatos	de	Moody,	são	também	de	grande	interesse	as	fontes	e
relatos	sobre	estudos	que	Hans	Küng	e	Klaus	Thomas	citam.	Sobre	os	resultados
mais	recentes	das	pesquisas	tanatológicas	respectivas,	vide	também:	Renold	J.
Blank,	A	morte	em	questão.
11	Cf.	R.	A.	Moody,	op.	cit.,	pp.	27-28.
12	Veja	Hans	Küng,	Ewiges	Leben?,	p.	26,	e	também	Klaus	Thomas,	Warum
Angst	vor	dem	Sterben,	pp.	47-73.
13	R.	A.	Moody,	op.	cit.,	pp.	62-65.
4
CONSIDERAÇÕES	PSICOLÓGICAS:	AS	PESSOAS	NO	CONFRONTO
DIRETO	COM	A	MORTE
4.1.	Comportamento	do	moribundo	em	face	do	morrer
Em	tempos	normais,	agimos	“sem	realmente	jamais	acreditar	em	nossa	própria
morte;	como	se	acreditássemos	piamente	em	nossa	(…)	imortalidade	física.
Tencionamos	dominar	a	morte”.¹
Na	época	em	que	estamos	para	morrer,	isto	não	é	mais	possível.	E	assim	o	ser
humano	se	encontra	perante	o	conflito	fundamental	entre	aceitar	este	fato	e	a	sua
vontade	imanente	de	autoconservação.
Para	Kierkegaard	esta	é	a	problemática	existencial	por	excelência:	“Saber	que	o
homem	é	comida	para	os	vermes.	Este	é	o	terror:	ter	emergido	do	nada,	ter	um
nome,	consciência	do	próprio	eu,	sentimentos	íntimos	profundos,	um	cruciante
anelo	interior	pela	vida	e	pela	autoexpressão	e,	apesar	de	tudo	isso,	morrer.
Parece	uma	burla,	pela	qual	um	tipo	de	homem	cultural	se	rebela	ostensivamente
contra	a	ideia	de	Deus.	Que	espécie	de	divindade	criaria	tão	complexa	e
extravagante	comida	para	vermes?”²
O	protesto	de	Bernard	Duburque,	de	que	“la	mort	est	injustifiable”,³	visto	a	partir
da	perspectiva	de	Kierkegaard,	apresenta-se	com	toda	a	sua	grandeza.
Ocupar-se	dela	é	a	exigência	inevitável,	que	se	apresenta	ao	moribundo.	E	daí
surgirá	forçosamente	também	a	pergunta	sobre	seu	relacionamento	com	Deus.
Contudo,	este	é	problema	relacionado,	por	um	lado,	com	a	vida	anteriormente
vivida	e,	por	outro	lado,	com	o	fato	de	se	aceitar	ou	não	uma	vida	depois	da
morte.
No	que	se	refere	à	influência	das	convicções	religiosas	sobre	o	comportamento
dos	moribundos,	Elisabeth	Kübler-Ross	se	manifesta	antes	com	reservas.	Ela
observou,	no	decorrer	de	suas	pesquisas,	que	o	morrer	do	homem	normalmente
se	dá	em	cinco	fases,	de	duração	bastante	variada.⁴
1.	Choque	e	incredibilidade.	Não	querer	aceitar	o	fato	como	verdadeiro	e
isolamento.
2.	Ira,	rancor,	raiva,	inveja.	(Por	que	logo	eu?)	Brigas	com	Deus	e	com	o	mundo.
3.	Negociação	(tentativa	de	prorrogar	o	inevitável).
4.	Depressão	(sentimento	de	perda	irreparável).
5.	Aprovação	(o	ser	humano	consente	a	morte).
Segundo	estudos	da	pesquisadora	Kübler-Ross,	em	tais	situações	o
comportamento	de	doentes	devotos	“quase	não	difere	do	dos	pacientes	sem	fé”.⁵
Ela	admite	ter	“deparado	somente	com	poucos	fiéis	realmente	crentes”,	durante
suas	investigações,	e	continua:	“A	fé,	porém,	ajudou	estes	poucos.	Eles	se
comportavam	de	forma	semelhante	aos	ateístas	convictos.	A	grande	maioria	dos
pacientes	encontravam-se,	por	sua	vez,	em	algum	ponto	entre	estes	dois	grupos	e
manifestavam	uma	fé	que,	por	causa	de	suas	angústias	e	seus	conflitos,	não	era
suficiente	para	libertá-los,	de	fato,	interiormente”.
A	correlação	aqui	esboçada	apenas	por	alto,	entre	a	fé	pessoal	e	a	angústia	em
face	da	morte,	pode	ser	vista	mais	claramente	no	estudo	feito	por	J.	Wittowsky.
Em	suas	pesquisas,	ele	entrevistou,	segundo	a	escala	americana	“Death	Anxiety
Scale”,	pessoas	de	idade	entre	67	e	91	anos,	que	vivem	em	asilos	de	velhos.
Deste	estudo	resultou	uma	relação	significativa	entre	o	grau	de	angústia	perante
a	morte	e	as	atitudes	religiosas	fundamentais	dos	entrevistados.	“Quanto	mais
firme	a	convicção	religiosa,	tanto	menor	era	a	angústia	em	face	da	morte.”⁷
Chegou-se	a	esses	resultados	após	ter-se	aplicado,	em	um	hospital	norte-
americano,	um	programa	de	pesquisas,	no	qual	foram	observados	durante	oito
meses	oitenta	e	quatro	moribundos,	seguindo-se	acurados	métodos	psicológicos.
No	resumo	dos	resultados	lá	obtidos,	Raymond	C.	Carey	escreve	o	seguinte:	“O
aspecto	mais	importante	da	variável	religiosa	era	a	qualidade	da	orientação
religiosa	—	mais	do	que	mera	filiação	ou	aceitação	verbal	de	crenças	religiosas.
Pessoas	intrinsecamente	religiosas	(aquelas	que	tentavam	integrar	suas	crenças
em	seu	estilo	de	vida)	tinham	maior	ajustamento	emocional	que	os	não
cristãos”.⁸	(Ver	quadro	das	pp.	35-36).
4.2.	Comportamento	do	ministro	religioso	em	face	do	morrer
O	morrer	do	homem	tem	ou	não	tem	um	sentido?
A	morte	humana	nada	mais	é	que	o	inexplicável	escândalo	de	uma	vida	que
termina?
Ou	será	que	esta	morte	deve	ser	encarada	como	novo	começo?
“Os	homens	morrem	e	não	são	felizes”,	grita	Calígula,	na	obra	de	Camus, 	e	o
grito	dele	se	junta	ao	brado	de	Jesus	crucificado	que	também	morreu	gritando.
No	seu	clamor,	diz	Jürgen	Moltmann,	não	era	apenas	“a	divindade	de	seu	Deus	e
Pai	que	estava	em	jogo”,¹ 	mas	também	o	sentido	de	tudo	aquilo	que	é	vida
humana.
No	morrer	de	Jesus,	assim	como	no	de	qualquer	outro	ser	humano,	surge	o
paradoxo	insolúvel	de	que	ali	se	finda	algo	que	nunca	mais	e	de	modo	nenhum
podemos	reencontrar	nesta	nossa	vida	aqui.
Diante	deste	fato	inegável,	chega	ao	fim	tudo	aquilo	que	as	pesquisas	da
Psicologia	e	da	Tanatologia	ou	da	Medicinatêm	para	oferecer.
O	único	discurso	que	ainda	pode	agir,	agora,	é	o	da	fé.	É	o	representante	desse
discurso	que	está	sendo	desafiado.
Como	é	que	ele	reage?	Qual	a	sua	atitude?	Qual	a	sua	resposta?
O	já	citado	livro	de	R.	Kastenbaum	e	R.	Aisenberg,	Psicologia	da	morte,¹¹
apresenta	vasto	material	a	respeito	do	papel	e	do	comportamento	do	ministro
religioso	diante	do	moribundo.
O	quadro	seguinte	mostra	as	conclusões	mais	importantes	dos	dois	autores.	(Ver
quadro	das	pp.	38-39)
4.3.	O	discurso	religioso	corre	o	perigo	de	não	corresponder	aos	anseios	das
pessoas
O	morrer	coisificado	em	hospital	já	representa	luxo	inacessível	para	milhões	de
pessoas	neste	continente.	A	experiência	dessas	pessoas	é	marcada	por	outra
forma	de	coisificação	que	vivem	dia	após	dia:	a	fome,	a	doença,	a	miséria	social
e	a	marginalização	em	situação	de	pobreza	desumana	“e	que	se	exprime,	por
exemplo,	em	mortalidade	infantil,	em	falta	de	moradia	adequada,	em	problemas
de	saúde,	salários	de	fome,	desemprego	e	subemprego,	desnutrição,	instabilidade
no	trabalho,	migrações	maciças	forçadas	e	sem	proteção”.¹²
Além	dessas	experiências,	escrevem	os	bispos	em	Puebla,	existem	ainda	os
outros	sofrimentos	causados	por	guerras;	existem	“angústias	provocadas	pela
violência	da	guerrilha,	do	terrorismo	e	dos	sequestros,	efetuados	por	extremistas
de	sinais	diversos”.¹³
Assim,	a	vivência	do	morrer	inicia-se	muitas	vezes	como	a	vivência	de	“morte
social”,	muito	antes	da	constatação	da	morte	clínica.	Na	experiência	cotidiana	de
milhões	de	pessoas,	a	vida	toma	significado	negativo,	transformando-se	em
verdadeiro	“viver-para-a-morte”.	Em	uma	realidade	destas,	uma	teologia	da
morte	vê-se	várias	vezes	ameaçada.
a)	Tentação	de	formular	mensagem	de	consolo
Por	um	lado,	essa	teologia	é	exposta	ao	perigo	de	tornar-se	apenas	simples
consolo	pelo	anseio	de	vida	melhor	depois	da	morte,	contribuindo	assim	de
maneira	culposa	para	o	estabelecimento	e	a	fixação	das	estruturas	injustas.
b)	Perigo	de	se	perder	a	dimensão	transcendente	da	mensagem
Por	outro	lado,	a	teologia,	confrontada	com	as	angústias	e	os	anseios	concretos
dos	homens,	é	exposta	também	a	outro	perigo.	É	o	perigo	de	perder	de	vista	sua
relação	transcendente.
Isto	poderia	ir	até	o	ponto	em	que	essa	teologia	ficaria	voltada	apenas	para	a
existência	terrena,	tornando-se	assim	uma	espécie	de	sociologia	religiosa	ou	de
sociopsicologia.
c)	Perigo	de	se	habituar	à	morte
E,	por	último,	temos	um	terceiro	perigo	que,	contudo,	não	deve	ser
negligenciado:	o	elemento	do	hábito.	Estamos	na	situação	em	que	o	morrer
degenera	em	acontecimento	cotidiano,	banal	e	sem	sentido:	uma	situação,	em
compensação,	em	que	esse	mesmo	morrer	atingiu	importância	cada	vez	mais
comercial	como	estímulo	para	a	tensão	de	telespectadores.	Numa	situação
dessas,	a	teologia	corre	o	extremo	perigo	de	também	se	habituar	à	morte.
d)	Perigo	de	se	contentar	com	as	respostas	e	fórmulas	habituais
O	hábito,	porém,	impede	a	elaboração	de	nova	linguagem	sobre	o	morrer.
Contenta-se	com	as	respostas	tradicionais	estabelecidas	no	decorrer	de	uma
história	milenar.	No	entanto,	as	perguntas	de	hoje	não	podem	mais	ser	aclaradas
com	fórmulas	do	passado.	Isso	é	válido,	principalmente,	para	a	matéria	tratada
neste	livro.
Sob	a	pressão	desse	múltiplo	dilema,	não	é	fácil	reformular	e	proclamar	o	caráter
sacramental,	isto	é,	significativo,	do	morrer	do	ser	humano.	Mas	é	justamente	aí
que	se	situa	a	tarefa	e	o	dever	de	uma	teologia	que	se	considera	libertadora.
De	um	lado,	esta	teologia	deve,	de	maneira	muito	sincera,	tomar	a	sério	o	fato
indiscutível	de	que	com	a	morte	desaparece	um	ser	humano.	Do	outro	lado,	esta
mesma	teologia	é	chamada	a	despertar	aquela	esperança	que	forma	o	núcleo	da
boa	nova	sobre	Jesus	Cristo.
1	G.	Zilboorg,	Fear	of	Death,	cit.	em	Ernst	Becker,	A	negação	da	morte,	p.	35.
2	Ernst	Becker,	op.	cit.,	p.	111.
3	B.	Duburque,	“La	disparition	de	la	camarde	et	l’avenir	de	l’homme”,	em
Etudes,	août-set.,	p.	188.
4	E.	Kübler-Ross,	Interviews	mit	Sterbenden,	pp.	41-119.
5	Op.	cit.,	p.	220.
6	Ibid.
7	Vide	J.	Wittowsky,	Tod	und	Sterben,	Ergebnisse	der	Thanatopsychologie,
Heidelberg,	1978.
8	Carey,	R.	C.,	cit.	em	Elisabeth	Kübler-Ross,	Morte,	estágio	final	da	evolução,
p.	115.
9	Albert	Camus,	Caligula,	p.	27.
10	Jürgen	Moltmann,	Der	gekreuzigte	Gott,	p.	144.
11	R.	Kastenbaum	e	R.	Aisenberg,	op.	cit.,	pp.	96-98;	189-198.
12	Conclusões	da	Conferência	de	Puebla,	n.	29.
13	Ibid.,	n.	43.
Unidade	II
PRESSUPOSTOS	TEOLÓGICOS	DE	UMA	NOVA	TEOLOGIA	DA
MORTE	PARA	O	HOMEM	DE	HOJE
1
A	TEOLOGIA	DEVE	SER	CAPAZ	DE	DESPERTAR	A
ESPERANÇA	DA	VIDA
Hoje	em	dia,	acumulam-se	as	situações	e	as	experiências	da	morte.	Não	se	trata
apenas	da	morte	individual,	mas,	sim,	de	muitas	outras	situações	da	morte.	A
morte	pela	condição	de	miséria,	a	morte	pelo	desespero,	a	ameaça	da	morte	pelas
estruturas	injustas,	pela	destruição	do	meio	ambiente,	pela	droga.	Mas	todas
estas	situações	culminam	sempre	na	destruição	do	ser	humano,	na	sua	morte
individual.
O	DEUS	DA	VIDA	ESTÁ	CONTRA	AS	SITUAÇÕES	DE	MORTE.
Numa	situação	destas,	uma	teologia	baseada	na	boa	nova	de	Jesus	Cristo	é
chamada	a	dar	novo	testemunho.	Deve	essa	teologia	testemunhar	que	o	nosso
Deus	é	o	Deus	da	vida,	denunciando	as	situações	de	morte.	E,	ao	mesmo	tempo,
deve	dar	testemunho	de	que	o	sentido	do	morrer	se	relaciona	inevitavelmente
com	o	sentido	da	vida.	Baseada	nesta	convicção,	a	fé	em	Jesus	Cristo	pode
libertar	do	terror,	em	face	da	morte.
O	DEUS	DA	VIDA	LIBERTA	DO	TERROR	EM	FACE	da	MORTE.
A	mensagem	do	Deus	da	vida	pode	libertar	também	da	banalidade	que	hoje
reduz	a	morte	e	a	vida	de	tantas	pessoas	a	existência	insignificante,	escondida
em	algum	lugar	no	meio	da	massa,	seja	atrás	das	máquinas,	seja	de	escrivaninhas
de	uma	sociedade	industrializada,	que	visa	exclusivamente	ao	lucro;	seja	ainda
na	marginalização	devida	a	uma	pobreza	encarada	como	vergonha.	“A	existência
da	maioria”,	escreve	Max	Frisch	em	seu	romance	Die	Schwierigen,	“é	existência
de	escravos	que	se	alegram	por	já	haver	transcorrido	mais	um	mês	de	sua	vida”.¹
De	fato,	parece	ser	cada	vez	mais	verdadeiro	o	que	Fritz	Leist	já	tinha	afirmado
em	1968:	“Vivemos	um	esvaziar	de	sentido	nunca	antes	observado”.²
Esta	perda	de	significado	não	poupa	sequer	a	questão	da	morte	do	ser	humano;
pelo	contrário,	a	consequência	de	vida	sem	sentido	é	morte	também	sem	sentido.
O	DEUS	DA	VIDA	DÁ	SENTIDO	ATÉ	À	MORTE.
Em	tal	situação,	as	mensagens	cristãs	são	exortadas	mais	do	que	nunca	a	ser	uma
boa	nova	para	o	homem	de	hoje,	boa	nova	que	lhe	proporcione	novo	sentido	de
viver.
O	DEUS	DA	VIDA	DÁ	SENTIDO	TAMBÉM	À	VIDA	VIVIDA.
A	MENSAGEM	DO	DEUS	DA	VIDA	DEVE	SER	TRANSMITIDA	EM
LINGUAGEM	DE	HOJE.
O	homem	de	hoje	não	fala	mais	a	mesma	linguagem	como	se	falou	no	início	do
século.	Sua	compreensão	do	mundo	difere	totalmente	da	das	pessoas	da	época
do	Concílio	de	Trento.
Os	símbolos	que	os	nossos	pais	ainda	compreendiam	se	tornaram	enigmas	para
os	filhos.	Eles	estão	acostumados	com	a	linguagem	dos	meios	de	comunicação	e
o	pensamento	de	uma	época	marcada	pela	tecnologia	e	pelo	consumo.
Perante	tal	situação,	uma	das	tarefas	mais	importantes	da	teologia	atual	da	morte
é	encorajar	e	formar	uma	linguagem	que	o	homem	de	hoje	compreenda.
Esta	linguagem	não	se	pode	omitir	de	entrar	no	pensamento	científico-
tecnológico	do	homem	contemporâneo.
Mas	também	não	pode	distanciar-se	dos	fatos	socioeconômicos,	pelos	quais	é
marcada	a	realidade	latino-americana.	Além	do	problema	da	banalização	da
vida,	deve-se	tomar	em	consideração	o	pressentimento	muito	difundido	da
insignificância	desta	vida.	Pressentimento	este	que	tem	suas	raízes	na	crescente
marginalização	de	grandes	camadas	da	população.
São	elas,	em	primeiro	lugar,	que	esperam	do	teólogo	um	discurso	que	responda
às	suas	experiências	concretas	e	existenciais.
1.1.	Apoiar-se	nas	experiências	existenciais
Os	modelos	teóricos	de	interpretação	filosófica	mostraram-se	inadequados	para
responder	aos	anseios	dos	homens	confrontados	com	a	morte.	O	resultado	dos
estudos	médico-psicológicossobre	a	questão	do	morrer	também	não	são
suficientes	para	nos	proporcionar	um	ponto	de	partida	satisfatório.
Em	tais	circunstâncias,	é	oportuno	buscarmos	outros	caminhos,	apoiando-nos
nas	experiências	existenciais	do	ser	humano.
Estas	experiências	existenciais,	porém,	devem	ser	integradas	naquilo	que	a
teologia	tem	a	dizer	sobre	o	morrer	e	a	morte.	E,	ao	mesmo	tempo,	temos	de
comparar	o	discurso	teológico	com	os	resultados	mais	atuais	das	pesquisas
científicas.	A	partir	desse	ponto	poderemos	tentar	transpor	o	abismo	que	detém	e
separa	o	homem	do	século	XX	(orientado	pelas	ciências	exatas)	das	verdades	da
teologia,	que	se	apresentam	de	forma	simbólica	e	mitológica.
Distinguem-se	três	grupos	de	perguntas,	cujos	objetivos	podem	ser	formulados
da	seguinte	maneira:
1.	O	que	revelam	as	atuais	pesquisas	sobre	o	morrer	e	a	morte	do	homem?
2.	Que	afirmações	sobre	o	morrer	e	a	morte	podem	ser	obtidas	a	partir	de	uma
reconsideração	da	essência	das	mensagens	cristãs?
3.	Podemos	encontrar	razões	para	que	o	homem	possa	superar	o	terror	da	morte,
não	como	fuga,	e	sim	como	atitude	de	vida	responsabilizada	e	responsável?
Os	resultados	dessa	série	de	pesquisas	devem	ser	formulados	pela	teologia	em
linguagem	que	o	homem	de	hoje	reconheça	e	compreenda	como	“a	sua”.	Isso
não	significa,	de	modo	algum,	vulgarização	ou	até	falsificação	das	verdades
teológicas	fundamentais.	É	antes	a	consequência	de	uma	exigência	que	deve	ser
feita	a	toda	teologia	considerada	séria.	Ela	deve	ser	servidora	da	palavra	de	Deus
e,	em	consequência,	servidora	dos	homens,	cuja	linguagem	deve	falar,	a	fim	de
ser	entendida.
1	Cit.	em	Fritz	Leist,	op.	cit.,	p.	27.
2	Id.,	ibid
2
A	BÍBLIA	FUNDAMENTA	UM	DISCURSO	DE	ESPERANÇA
2.1.	Deus	é	um	Deus	que	optou	pela	vida
A	tradição	bíblica	nos	apresenta	o	Deus	que	é	todo	amor,	e	essa	tradição	nos
mostra	como	ele	provou	ser	o	Deus	vivo,	desde	sua	entrada	na	história.	O	Deus
que	dá	vida	ao	ser	humano	e,	para	o	qual,	aliar-se	a	ele	sempre	tem	este
significado:	optar	pela	vida,	e	não	pela	morte.
Não	obstante	a	evolução	da	compreensão	da	morte,	esta	convicção	se	estende
por	todas	as	camadas	da	história	da	revelação.	Esta	convicção	se	evidencia,	com
clareza	plástica,	nos	relatos	do	Gênesis¹	e	apresenta-se	com	brevidade
programática	na	literatura	sapiencial	dos	Provérbios.	E	podemos	ver	nitidamente
aqui	que	os	conceitos	de	vida	e	morte	não	se	esgotam	no	domínio	da	biologia,
mas,	pelo	contrário,	lemos	em	Pr	8,35-36	o	seguinte:
“Pois,	quem	me	acha,	encontra	a	vida	e	alcança	o	favor	de	Javé.	Mas	quem	me
ofende,	prejudica-se	a	si	mesmo;	os	que	me	odeiam	amam	a	morte”.
O	que	aqui	está	fundamentado	torna-se,	por	fim,	realidade	na	imagem	de	Deus,
revelada	em	Jesus.
Deus	“não	é	Deus	de	mortos,	mas	sim	de	vivos”	(Mc	12,27).
Este	é,	pois,	o	ponto	de	partida	para	se	superar	a	morte,	sem,	contudo,
desesperar:	à	antinomia	entre	o	ser	humano	e	a	morte	corresponde	ainda	outra
antinomia	entre	Deus	e	a	morte.	Mas	esse	Deus	não	aboliu	a	antinomia	em	Jesus
Cristo.	Ele	padeceu-a,	suprimindo-a,	desta	maneira,	em	favor	da	vida.	A	morte
continua	sendo	o	termo,	mas,	depois	do	fim,	surge	novo	começo.
Esta	é	a	esperança	daqueles	que	creem.	A	partir	dela	é	que	a	pessoa	terá
condições	para	enfrentar	a	morte	e	seu	odioso	evento.	Só	a	esperança	é	que
vence,	por	fim,	o	absurdo	da	morte.
2.2.	Jesus	Cristo,	base	e	fundamento	de	nossa	esperança
A	nossa	esperança	não	está	perdida	no	espaço.	Mas	baseia-se	na	confiança
depositada	na	lealdade	de	um	Deus,	“o	qual	faz	viver	os	mortos	e	chama	à
existência	as	coisas	que	não	existem”	(Rm	4,17).
Deus	deu	provas	de	sua	lealdade	na	ressurreição	daquele	que	não	abandonou	a
confiança	nele	depositada,	nem	mesmo	quando	estava	preso	na	cruz,	naquela
forca	abominável	da	Antiguidade.	Em	Jesus	Cristo,	o	próprio	Deus	morreu	“a
morte	violenta	dos	criminosos	na	cruz,	a	morte	do	abandono	total	por	Deus”.²
“Meu	Deus,	meu	Deus,	por	que	me	abandonaste?”	(Mc	15,34).
Mas	ao	grito	horrível	e	absolutamente	incompreensível	de	tal	abandono	total	por
Deus	não	seguem	o	nada	e	o	silêncio,	mas,	sim,	a	ressurreição,	três	dias	depois.
E	“o	Deus	humano	de	todos	os	homens	ímpios	e	abandonados	por	Deus”³
reaparece.	Um	sinal	de	esperança	para	todos	aqueles	que,	do	contrário,	não
poderiam	mais	ter	nenhuma	esperança.
A	consequência	disto	é	evidente	e	foi	formulada	com	precisão:
“Irmãos,	não	queremos	que	ignoreis	o	que	se	refere	aos	mortos,	para	não
ficardes	tristes	como	os	outros	que	não	têm	esperança.	Se	cremos	que	Jesus
morreu	e	ressuscitou,	assim	também	os	que	morreram	em	Jesus	Deus	há	de	levá-
los	em	sua	companhia”.
(1Ts	4,13-14).
O	que	se	diz	aqui	sobre	os	cristãos	estende-se	em	1Cor	15,12-18.20-22	a	toda	a
humanidade.	As	frases	do	apóstolo	a	este	respeito	foram	formuladas	de	maneira
tão	expressiva	como	nenhuma	publicação	posterior	jamais	o	fez.	Elas	contêm
todo	o	mistério	da	esperança	humana	e	da	lealdade	de	Deus.
“Ora,	se	se	prega	que	Cristo	ressuscitou	dos	mortos,	como	podem	alguns	dentre
vós	dizer	que	não	há	ressurreição	dos	mortos?	Se	não	há	ressurreição	dos
mortos,	também	Cristo	não	ressuscitou.	E,	se	Cristo	não	ressuscitou,	vã	é	a	nossa
pregação	e	também	é	vã	a	vossa	fé.	Além	disso,	seríamos	falsas	testemunhas	de
Deus,	pois	atestamos	contra	Deus	que	ele	ressuscitou	a	Cristo,	quando	de	fato
não	o	ressuscitou,	se	é	que	os	mortos	não	ressuscitam.	Pois,	se	os	mortos	não
ressuscitam,	também	Cristo	não	ressuscitou.	E,	se	Cristo	não	ressuscitou,	vã	é	a
vossa	fé,	e,	portanto,	continuais	nos	vossos	pecados,	estando	perdidos,	também,
aqueles	que	adormeceram	em	Cristo…	Mas	não!	Cristo	ressuscitou	dos	mortos,
primícias	dos	que	adormeceram.	Com	efeito,	visto	que	a	morte	veio	por	um
homem,	também	por	um	homem	vem	a	ressurreição	dos	mortos.	Como	todos
morrem	em	Adão,	em	Cristo	todos	receberão	a	vida.”
(1Cor	15,12-18.20-22)
Nestas	frases	está	fundamentado	o	que,	como	novo	constitutivo,	deve	determinar
a	vida	e	a	morte	das	pessoas:	a	fé	em	que	aquele	Deus	da	vida	também	é	leal	e
conserva	esta	lealdade	para	com	o	homem	para	além	da	morte.
O	DEUS	DA	VIDA	É	FIEL	AOS	HOMENS.
Esta	fé,	porém,	não	está	perdida	no	espaço;	ela	é	sustentada	e	assegurada	pelo
testemunho	da	ressurreição	de	Jesus.	O	que	antecipou	em	Jesus	Deus	fará
também	conosco;	esta	é	a	convicção	de	fé	em	que	São	Paulo	se	baseia.	Com
isso,	a	ressurreição	de	Jesus	torna-se	sinal	de	esperança	para	todos	os	homens
que,	marcados	pelas	disputas	e	lutas	desta	vida,	desesperadamente	indagam,	em
face	da	morte,	qual	o	sentido	de	todos	os	seus	esforços.	“Pela	ressurreição”,
afirma	Benedito	Ferraro,	“Deus	aceita	a	luta	de	Jesus	e	ao	mesmo	tempo	abre
aos	homens	uma	perspectiva	de	futuro,	onde	as	barreiras	que	impedem	a	integral
libertação	do	homem	já	não	terão	a	última	palavra”.⁴
A	mensagem	de	esperança,	formulada	pela	Revelação:
Na	ressurreição	de	Jesus,	Deus	revela-se	de	maneira	que	vai	muito	além	de	todas
as	afirmações	anteriormente	feitas	sobre	ele.	Deus	define	a	si	próprio	como	o
Deus	QUE	RESSUSCITA	OS	MORTOS.
2.3.	Deus	é	o	Deus	que	ressuscita	os	mortos
O	que	Deus	manifestou	em	Jesus	como	sacramento	e	sinal	de	sua	presença	que
dá	vida	e	liberta	da	morte	prova	ser,	de	fato,	nova	definição	de	si	mesmo.
Aquele	que	afirmou	ser	ele	próprio	a	vida;	aquele	que,	no	decurso	da	história	do
homem,	demonstrou	ser	ativo	e	redentor,	esse	mesmo	Deus	prova	agora	ser
também	aquele	que	ressuscita	dos	mortos	e	que	não	admite	a	morte.	Ele	se
mostra	como	aquele	que,	fiel	à	sua	natureza,	opta	pela	vida	e	contra	a	morte,
sempre	e	em	todos	os	lugares.	E	esta	atividade	de	Deus	que	proporciona	vida	é,
aqui	e	agora	como	sempre,	ação	histórica	e	concreta	que	conduz	à	liberdade.	Por
ocasião	do	êxodo	do	Egito,	Deus	libertou	“o	povo	de	um	tirano	histórico	(…)	e
aqui	Jesus	é	libertado	da	tirania	da	morte	para	a	liberdade”.⁵
O	que	aconteceu	com	Jesus,	porém,	é	a	essência	e	o	âmago	da	boa	nova	da
páscoa	e	ao	mesmo	tempo	antecipação	daquilo	que	sucederá	a	cada	pessoa:
Deus	ressuscita	dos	mortos!
Se	ele	assim	procede,	podemos	então	deduzir	que	isso	não	acontece	apenas	paratornar	a	impelir	o	homem	ressuscitado	para	o	nada,	condenando-o.	Para	tanto,
não	seria	preciso	que	Deus	primeiro	o	salvasse	da	morte.
Assim	sendo,	conclui-se	ser	possível	vencer	a	angústia	ante	a	condenação	e	o
julgamento	com	ousada	confiança	básica	naquele	que	faz	reviver	para	a	vida,	e
não	para	a	morte;	com	ousada	atitude	de	fé	naquele	Deus	que	só	tem	boas
intenções	para	com	o	homem.	O	Deus	anunciado	por	Jesus	é	o	Deus	amoroso,	“o
qual	faz	viver	os	mortos	e	chama	à	existência	as	coisas	que	não	existem”	(Rm
4,17).	Na	dialética	deste	amor	divino	“a	morte	de	Jesus	Cristo	revela,	assim,	a
verdade	do	ato	de	salvação	de	Deus”.
2.4.	O	homem	é	salvo,	porque	Deus	o	adotou	como	filho	em	Jesus	Cristo
A	partir	desta	perspectiva,	desenvolveu-se,	nas	primeiras	gerações	cristãs,	aquela
certeza	de	salvação	esperada	e	esperançosa,	que	fazia	da	mensagem	sobre	a
morte	e	a	ressurreição	de	Jesus	uma	feliz,	venturosa	e	boa	notícia,	um	“eu-
angelion”.	Aquele	que	tem	fé	sabe	estar	seguro	na	certeza	de	nova	vida,
transmitida	por	Jesus	ressuscitado,	vida	que	já	se	inicia	muito	antes	da	morte,
vida	na	qual	a	morte	já	perdeu	o	seu	aspecto	assustador,	porque	não	vai	dar	no
nada,	mas,	sim,	em	nova	existência	em	Deus…
Consequentemente,	à	luz	da	ressurreição,	o	fim	da	vida	transforma-se	em	algo
completamente	novo	para	o	pensamento	secularizado	e	revela-se	como	segundo
nascimento:	renascimento.
E	assim	como	todo	nascimento	abre	para	o	homem	caminhos	que	o	conduzem	a
novos	e	alargados	horizontes	de	vida,	assim	também	a	morte	arranca	o	ser
humano	do	isolamento	e	do	enclausuramento,	a	fim	de	lhe	proporcionar	formas
de	ser	totalmente	novas	e	imprevisíveis.
A	partir	desta	perspectiva,	parece	decorrência	natural	chamar	Jesus	Cristo	de
“primogênito	de	toda	criatura”	(Cl	1,15).
“Ele	é	o	primeiro	de	uma	multidão	de	irmãos,	da	multidão	dos	filhos	adotivos	de
Deus	(Hb	2,12),	mas	nascido	de	Deus	de	maneira	única	como	o	próprio	Filho
único	de	Deus,	pois	é	em	Jesus	Cristo	que	Deus	nos	reconhece	como	seus
filhos.”⁷
Na	epístola	aos	Romanos,	São	Paulo	reforça	ainda	mais	este	pensamento,
fazendo	referência	ao	envio	do	Espírito:
“Não	recebestes	o	espírito	de	escravos,	para	recair	no	temor,	mas	recebestes	um
espírito	de	filhos	adotivos,	pelo	qual	clamamos:	Abba!	Pai!	O	próprio	Espírito	se
une	ao	nosso	espírito	para	testemunhar	que	somos	filhos	de	Deus”	(Rm	8,15-17).
Joseph	Moingt	frisa	este	novo	e	imponente	aspecto	da	autorrevelação	de	Deus;
revelação	que	serve	para	eliminar	o	último	vestígio	de	angústia	ante	o	Deus
terrível	e	condenador.
“Assim	a	morte	de	Cristo	nos	ensina	que…	a	nossa	salvação	consiste	em	tornar-
nos	filhos	de	Deus	a	título	de	herdeiros	de	Cristo…	Deus	nos	salva,	revelando
ser	Pai	cheio	de	amor,	revelando	o	seu	amor	a	nós,	seu	amor	ferido;	isto	é
revelação	que	possibilita	a	nossa	fé,	pois	ela	provoca	o	nosso	amor.”⁸
1	Gn	2,7:	“Então	Javé,	Deus,	modelou	o	homem	com	a	argila	do	solo,	insuflou
em	suas	narinas	um	hálito	de	vida,	e	o	homem	se	tornou	um	ser	vivente”.
2	Jürgen	Moltmann,	Der	gekreuzigte	Gott,	p.	265.
3	Id.,	ibid.,	p.	181.
4	Benedito	Ferraro,	A	significação	política	e	teológica	da	morte	de	Jesus,	p.	230.
5	Jürgen	Moltmann,	Der	gekreuzigte	Gott,	p.	176.
6	Joseph	Moingt,	“La	révélation	du	salut	dans	la	mort	du	Christ”,	em	Mort	pour
nos	péchés,	p.	158.
7	Cit.	em	J.	Moingt,	op.	cit.,	p.	160.
8	Ibid.
3
O	PROBLEMA:	A	CONFIANÇA	NA	SALVAÇÃO
ENFRAQUECEU	NO	DECORRER	DA	HISTÓRIA
Para	a	fé	baseada	na	esperança,	é	extremamente	trágico	o	deslocamento	da
ênfase,	ocasionado	pelas	perseguições	sofridas	pelos	cristãos	nos	séculos	II	e	III.
Nestes	séculos	desviou-se	cada	vez	mais	a	atenção	daquela	certeza	de	salvação
que	proporciona	felicidade.	O	que	então	se	transformava	no	centro	das	atenções
era	a	indagação	sobre	o	que	sucederia,	na	morte,	àqueles	que	não	creem,	aos
perseguidores,	aos	ímpios.
Dentro	deste	contexto,	quanto	mais	o	interesse	se	voltava	para	a	literatura
apocalíptica,	originalmente	gentio-judaica,	e	para	suas	terríveis	e	horripilantes
imagens	do	juízo	e	do	castigo,	tanto	mais	o	otimismo	da	certeza	fundamental	de
salvação	era	encoberto	outra	vez	pelo	medo.	O	que	a	princípio	fora	escrito	com
intenções	pedagógicas,	visando	à	intimidação	e	à	conversão	dos	perseguidores
de	cristãos,	não	alcançou	seu	objetivo	de	modo	algum.	Os	perseguidores	não	se
converteram.	Entretanto,	diante	das	visões	ameaçadoras,	os	cristãos,	por	sua	vez,
perderam	de	vista	o	aspecto	mais	importante	de	sua	boa	nova.	Pois,	com	o	passar
dos	séculos,	as	perseguições	acabaram,	mas	as	terríveis	imagens	apocalípticas
ficaram.	Segundo	Herbert	Vorgrimler,	elas	são	“o	motivo	principal	que	faz	com
que,	sob	o	efeito	do	pensamento	moderno,	emancipatório,	a	morte	se	torne	tabu
também	para	os	cristãos”.¹
Para	fazer	frente	a	esta	evolução	negativa	é	que	hoje	somos	exortados	a	aclamar
a	mensagem	original	de	Jesus	Cristo,	a	mensagem	do	Deus	fiel,	que	ama	os
pecadores	e	os	segue	até	na	experiência	terrível	e	assustadora	de	sua	própria
desunião,	onde	Deus	é	abandonado	por	Deus,	a	fim	de	que	nenhum	homem
jamais	seja	abandonado	novamente	por	ele.	E	por	isso	é	verdadeira	a	afirmação
teológica	de	que	o	Deus	estrangulado	em	Jesus	foi	o	último	ser	que	teve	de
morrer	gritando	de	dor	e	de	desespero.	Pois	ele,	em	seu	grito	de	abandonado
total	de	Deus,	extrapolou	e	venceu	todo	e	qualquer	abandono	deste	Deus.
DEUS	NOS	AMA	À	MANEIRA	DE	DEUS:	SEM	LIMITES.
E	tudo	isto	porque	Deus	amou	o	ser	humano	como	somente	ele	poderia	amar,	ou
seja,	infinitamente.	E	quem	ama	quer	a	comunhão	com	o	ser	amado.	Que	outro
argumento	mais	convincente	do	que	este	poderíamos	encontrar	para	a	certeza	de
salvação	do	ser	humano,	para	a	salvação	do	homem	perdido,	errante	e	carregado
de	culpa,	que	no	fim	da	sua	vida	se	encontra	diante	dos	escombros	de	tantas	e
tantas	ocasiões	perdidas?	A	única	coisa	que	lhe	resta	é	a	convicção	da	fé	de	ser
aceito	e	amado,	apesar	de	sua	culpa.
O	HOMEM	É	ACEITO	E	AMADO,	APESAR	DE	SUA	CULPA.
Essa	convicção	requer	coragem,	exige	a	coragem	de	se	confiar	totalmente	em
Deus,	de	deixar	“Deus	estar	aí	para	mim”.	Isto	foi	o	que	Jesus	fez,	e	sem	se
decepcionar.	Quando	o	homem	também	permitir	que	Deus	esteja	aí	para	ele,	uma
vez	que	é	nisto	que	consiste	o	otimismo	daquele	que	crê,	ele	não	sofrerá
decepção,	tampouco	como	o	primeiro	homem	não	a	sofreu,	com	cuja	morte	Deus
se	identificou	por	completo.
DEIXAR	DEUS	ESTAR	AÍ	PARA	MIM.
Com	Jesus	Cristo,	o	Deus	da	vida	se	identificou	não	somente	na	morte,	mas
também	na	ressurreição.	E	esta	identificação	ocorreu	como	sinal	e	antecipação
do	que	acontecerá	com	todas	as	pessoas:	Não	há	nem	haverá	fim	com	a	morte!
Tampouco	haverá	na	morte	tirano	vingativo,	e	sim	o	Deus	que	ama	e	perdoa.
Não	haverá	choro	apocalíptico	nem	ranger	de	dentes,	e	sim	a	feliz	união	com
aquele	que	desde	o	início	me	amou.
Nesta	verdade	consiste	a	verdadeira	boa	nova	que	Jesus	nos	trouxe.
1	Herbert	Vorgrimler,	Der	Tod	im	Denken	und	Leben	des	Christen,	p.	68.
4
O	DESAFIO	PARA	A	TEOLOGIA	DO	SÉCULO	XXI:
SUPERAR	O	MEDO,	APESAR	DE	NOSSA	CULPABILIDADE
Com	base	na	confiança	fundamentada	nos	capítulos	anteriores,	o	homem	se
torna	capaz	de	enfrentar	com	esperança	aquele	momento	em	que	sua	vida	se
torna	definitiva.	Em	que	nada	mais	pode	ser	alterado	ou	modificado.
Este	momento,	como	vimos,	em	nada	é	fim.	A	vida	continua	depois	da	morte.	E,
sendo	assim,	não	é	possível	fechar	os	olhos	perante	a	vida	vivida	até	agora,	nem
fugir	para	outras	atividades.
Uma	vida	que	continua	depois	da	morte	me	confronta,	indispensavelmente	e	sem
a	mínima	possibilidade	de	poder	fugir,	com	tudo	o	que	fiz	na	minha	vida	e	da
minha	vida.
A	CRENÇA	NA	VIDA	PÓS-MORTAL	ME	CONFRONTA	TAMBÉM	COM	AS
MINHAS	CULPAS.
É	justamente	uma	teologia	bem-intencionada	que	até	hoje,	talvez,	não	chegou	a
considerar	suficientemente	o	fato	de	que	a	crença	na	vida	após	a	morte	pode
aumentar	o	temor	perante	a	morte.	Efetivamente,	para	a	grande	massa	dos	que
creem	na	vida	eterna	sem,	contudo,	tirar	dessa	crença	a	força	para	uma	vida
cristã,	a	hipótese	de	uma	vida	eterna	equivale	a	uma	terrívelconsequência:
“A	morte	é	a	visualização	da	culpa”,¹	afirma	Karl	Rahner,	e	Eberhard	Jüngel	leva
adiante	este	pensamento	ao	afirmar	que	“a	morte	cobre	com	sua	sombra	não	só	a
vida	humana.	Essa	sombra	é,	antes,	o	aumento	assustador	de	uma	sombra	mais
original	que	brota	da	nossa	vida	e	recai	sobre	o	nosso	fim.	As	sombras	da	morte
recaem	unicamente	sobre	a	nossa	vida	sempre	cheia	de	culpas”.²	No	entanto,	a
culpa	inextinguível	significa	inferno	e,	ante	tal	alternativa,	a	reação	do	homem
só	pode	ser	de	desespero	ou,	então,	de	fé.
Esta	fé,	desde	o	princípio,	deve	enfrentar	uma	pergunta	crítica,	ou	seja,	deve
indagar	se	está	em	condições	de	guiar	o	ser	humano	rumo	à	verdadeira	libertação
da	angústia	da	morte,	libertação	que,	na	dialética	da	morte	e	da	vida,	se
manifeste	na	existência	do	ser	humano,	vivida	concretamente	aqui	e	agora.
1	Cit.	em	Paul	Ansgar	(org.):	Grenzerfahrung	Tod,	p.	25.
2	Eberhard	Jüngel,	“Der	Tod	als	Geheimnis	des	Lebens”,	em	Grenzerfahrung
Tod,	p.	25.
5
UMA	FÉ	CONFIANTE	NA	SALVAÇÃO	DEVE	SE
TRANSFORMAR	EM	PRÁTICA	DE	VIDA
Desde	o	momento	em	que	os	fiéis	podem	sentir-se	amparados,	apesar	de	suas
culpas,	pelo	Deus	que	os	ama	e	que	os	quer	salvar	a	todo	o	preço,	a	fé	destes
cristãos	pode	voltar	àquela	certeza	feliz	de	ser	salvos,	que	marcou	o	pensamento
dos	primeiros	cristãos.
Não	há	mais	lugar	para	o	medo,	e	em	vez	de	cada	um	cuidar	de	maneira	até
egoísta	de	salvar	a	sua	própria	alma,	sobrará	energia	para	se	preocupar	com	o
mundo	e	com	o	que	é	a	própria	tarefa	do	cristão.
A	PRIMEIRA	TAREFA	DO	CRISTÃO	NÃO	É	CUIDAR	DE	SUA	PRÓPRIA
SALVAÇÃO.	A	PRIMEIRA	TAREFA	DO	CRISTÃO	É	TRABALHAR	PARA
QUE	O	REINO	DE	DEUS	SE	REALIZE.
Libertado	do	medo	e	das	preocupações	angustiadas	com	a	“salvação	de	sua
alma”,	a	fé	pode	tornar-se	prática	de	vida	transformadora.	Práxis	que	se
atualizará	no	contexto	da	realidade	social,	cultural	e	econômica	de	cada
indivíduo.	Quando	isto	não	acontece,	há	fundamento	para	suspeitar	de	que	a	fé,
como	base	ideológica	de	fuga,	assume	a	função	única	de	suprimir	a	ameaça	da
eternidade	amedrontadora.	Essa	tentativa,	porém,	está	desde	já	fadada	ao
insucesso,	devido	à	contradição	que	lhe	é	inerente.
5.1.	Problemática	da	mensagem	religiosa	opressiva
O	medo	da	morte	e	do	inferno,	ainda	hoje	tão	frequente	entre	os	cristãos,
manifesta	que,	neste	contexto,	o	discurso	teológico	não	atingiu	mudança
significativa	de	consciência	em	vastas	camadas	da	população.	Mas	convém	notar
que	já	passou	o	tempo	em	que	“as	supostas	mensagens	cristãs	puderam	usar	a
morte	como	instrumento	para	a	manipulação	do	ser	humano,	pintando	a	morte
dos	ateus	com	cores	horripilantes”.¹
As	consequências	daquela	época	ainda	não	foram,	de	modo	algum,	superadas.
Contudo,	não	são	mais	os	ateus	que	têm	medo.	Este	medo	encontra-se	no
coração	daqueles	muitos	cristãos	que	não	praticam	sua	fé	como	convicção	vivida
na	prática.	Conforme	afirma	Elisabeth	Kübler-Ross,	o	medo	se	encontra	no
coração	daqueles	que,	estando	em	algum	ponto	entre	os	dois	polos,	professam
uma	fé	“que,	em	conflitos	e	angústias,	não	foi	suficiente	para	alcançar	a
verdadeira	salvação	interior”.²
Não	podemos	nos	esquivar	da	afirmação	de	que	para	muitos	cristãos	ainda	hoje	a
mensagem	cristã	parece	ser	basicamente	uma	coerção,	no	sentido	de	se	ter	uma
práxis	de	vida	sob	a	constante	pressão	da	imagem	de	inferno	e	julgamento	nada
libertadora.	Esta	visão	poderia	ser	também	um	dos	motivos	pelos	quais	grande
número	de	fiéis,	sobretudo	de	jovens,	se	distancia	sempre	mais	da	Igreja.
UMA	MENSAGEM	RELIGIOSA	OPRESSIVA	PODE,	PELA	VIA	DA
PROJEÇÃO,	CRIAR	SITUAÇÕES	OPRESSIVAS.
Além	disso,	poderia	ser	tarefa	bastante	compensadora	para	uma	futura	pesquisa
religioso-psicológica	definir	até	que	ponto	determinadas	situações	de	opressão
social	e	espiritual	encontram	sua	causa	última	também	na	chamada	“opressão
metafísica”;	numa	opressão	que	sob	a	forma	de	projeção	coletiva	tem-se
manifestado,	por	sua	vez,	em	situações	opressivas	da	práxis	social.	A	relação
existente	entre	agressão	e	repressão	da	angústia	da	morte,	apontada	por	Sigmund
Freud,	deveria	ser	incluída	nesta	reflexão.
Em	face	desta	problemática,	a	teologia	que	se	diz	libertadora	é	exortada	a
examinar	de	forma	crítica	suas	mensagens.	Não	pode	ser	suficiente	trazer	de
volta	à	consciência	o	fato	de	que	a	libertação	do	homem	por	Deus	sempre
contém	uma	dimensão	sociopolítica.	Não	basta	mostrar	que	muitas	vezes	esta
dimensão	foi	completamente	esquecida.
Tudo	isso	será	um	tanto	teórico,	enquanto	permanecerem,	tanto	no	consciente
como	no	subconsciente	dos	destinatários	desta	mensagem,	as	imagens	opressivas
e	atemorizadoras	do	Deus	que	exige	satisfação.	É	verdade	que,	na	maioria	dos
casos,	essas	imagens	são	reprimidas,	mas	nem	por	isso	deixam	de	ser	atuais.
Basta	um	rápido	lance	de	olhos	para	as	experiências	da	práxis	pastoral	para
confirmar	esta	constatação.
Se	é	que	no	decorrer	da	proclamação	libertadora	do	evangelho,	a	morte	do	ateu,
descrita	com	cores	assustadoras,	apenas	é	substituída	pela	morte	de
representantes	de	determinadas	classes,	pintadas	também	com	cores
assustadoras,	então,	na	verdade,	a	antiga	ameaça	do	julgamento,	longe	de	ser
vencida,	simplesmente	mudou	de	destinatário.	Quem	pode	garantir,	indaga	o
nosso	povo	com	razão,	que	o	destinatário	não	mudará	outra	vez?	De	fato,	o
inferno	e	o	julgamento	continuarão	sendo	ameaça,	ainda	que	digam	respeito
somente	aos	outros.
É	de	suma	importância	que	o	leitor	entenda	corretamente	esta	exposição.	Não	se
trata	de	negar	a	seriedade	do	que	a	Bíblia,	pelas	imagens	de	julgamento	e
inferno,	mostra	ser	a	possibilidade	de	perda	completa	do	sentido	existencial	da
vida.	Trata-se,	antes	de	mais	nada,	da	exigência	de	refletir	novamente	sobre	o
que	constitui	a	verdadeira	esperança	da	fé	cristã.	Trata-se	da	conscientização	de
que	o	“morrer	entregando-se	a	Deus…	é	ato	de	aperfeiçoamento	purificador,
iluminador	e	salvador”,³	marcado	por	julgamento	misericordioso.	Não	é	o
momento	da	condenação	ameaçadora.	A	meu	ver,	essa	esperança	representa
começo	convincente	para	a	proclamação	da	práxis	libertadora,	baseada	no
evangelho.
5.2.	A	supressão	da	força	opressiva	do	inferno	liberta	para	a	superação	dos
infernos	do	mundo
Se	a	partir	da	visão	do	Cristo	ressuscitado,	o	inferno	e	sua	força	opressiva
perdem	seu	significado,	é	este	fato	então	que	libertará	o	homem,	que	poderá
assim	dedicar-se	à	superação	dos	infernos	deste	mundo.
Jürgen	Moltmann	formulou	de	modo	extraordinariamente	claro	este	significativo
marco	inicial	da	proclamação	libertadora.
Chamando	nossa	atenção	para	1Cor	15,55,	mostra	a	correlação	existente	entre
superar	o	inferno	por	intermédio	de	Cristo	e	uma	práxis	de	vida	daí	decorrente,
que	busca	a	libertação	a	partir	do	evangelho.⁴
“O	inferno	está	aberto;	podemos	caminhar	livremente	por	ele,	o	que	não	é	válido
somente	para	o	inferno	de	Cristo,	mas	para	todos	os	infernos	deste	mundo.	Deus
deixou	despontar	o	seu	futuro	no	crucificado.	Desta	maneira,	surge	um
vislumbre	de	aurora	também	sobre	os	cemitérios	da	história	e	sobre	os	locais	de
execução,	bem	como	sobre	os	pequenos	infernos	do	nosso	dia	a	dia…	Caso
Cristo	tenha	realmente	ressuscitado,	isto	levaria	então	à	rebelião	da	consciência
contra	os	infernos	na	terra	e	contra	todos	aqueles	que	os	aquecem.	Pois	a	res-
surreição	deste	condenado	é	atestada	pelo	homem,	na	rebelião	contra	a	con-
denação	do	ser	humano,	e	assim	também	posto	em	prática.
Quanto	mais	a	esperança	acreditar	realmente	no	inferno	sucumbido,	tanto	mais
ela	será	militante	e	política	no	sucumbir	dos	infernos	brancos,	pretos	e	verdes
dos	barulhentos	e	silenciosos.”⁵
Com	base	nesta	perspectiva,	a	reconsideração	do	que	constitui	a	verdadeira
esperança	da	fé	cristã	prova	ser	exigência	primordial.	Por	fim,	a	esperança
também	constitui	o	fundamento	que	rege	todos	os	compromissos	ligados	à
exigência	de	melhorar	todas	as	situações	de	pecado	social	e	injustiça.
“Ajudar	o	homem	a	passar	de	situações	menos	humanas	a	situações	mais
humanas”⁷	faz	supor	que	“se	destina”	a	estas	pessoas	“algo	mais	do	que	aquilo
que	a	vida	pode	lhe	dar,	isto	é,	vida	depoisda	morte.”⁸
Mas	a	experiência	existencial	dessa	esperança	origina-se,	como	Herbert
Vorgrimler	escreve	com	bastante	propriedade,	“das	experiências	positivas	e	das
experiências	de	que	existe	sentido,	vivenciadas	durante	esta	vida”,	ou	seja,	“na
práxis	concreta	da	liberdade,	da	justiça,	da	reconciliação…	Por	isso	é	que	a
esperança	cristã,	que	extrapola	a	morte,	não	pode	desviar	sua	atenção	dos
problemas	deste	mundo	e	tampouco	pode	levar	à	atitude	de	passividade	e
indiferença	em	relação	aos	movimentos	de	libertação.	Se	os	cristãos	não
erradicarem	a	servidão	e	as	injustiças,	eles	impedirão	assim	que	as	promessas	de
Deus	sejam	ouvidas	e	não	darão	lugar	às	experiências	de	que	há	sentido	na	vida.
Estas	experiências	levam	à	esperança,	que	extrapola	a	morte.	Deste	modo,	torna-
se	claro	quão	despojado	de	esperança	é	o	egoísmo	de	salvação,	voltado	somente
para	a	sua	salvação	individual	numa	vida	após	a	morte”.
A	ESPERANÇA	CRISTÃ	QUE	EXTRAPOLA	A	MORTE	NÃO	PODE
DESVIAR	SUA	ATENÇÃO	DOS	PROBLEMAS	DESTE	MUNDO.
1	Herbert	Vorgrimler,	Der	Tod	im	Denken	und	Leben	des	Christen,	p.	37.
2	Elisabeth	Kübler-Ross,	Interview	mit	Sterbenden,	p.	220.
3	Hans	Küng,	op.	cit.,	p.	79.
4	“A	morte	foi	absorvida	na	vitória.	Morte,	onde	está	a	tua	vitória?	Morte,	onde
está	o	teu	aguilhão?”
5	Jürgen	Moltmann,	Unkehr	zur	Zukunft,	p.	84
6	.Conclusões	da	Conferência	de	Puebla,	n.	28.
7	Ibid.,	n.	90.
8	Herbert	Vorgrimler,	Der	Tod	im	Denken	und	Leben	des	Christen,	p.	44.
9	Id.,	ibid.	p.	45.
6
Resumo:	A	FORMAÇÃO	DE	CONCEITOS	POSITIVOS	SOBRE	A	VIDA
APÓS	A	MORTE
6.1.	Situação	na	época	de	Israel
6.2.	Evolução	da	concepção	de	vida	para	uma	vida	pós-morte
6.3.	Influência	do	pensamento	grego
6.4.	Surgimento	da	ideia	sobre	a	ressurreição	dos	mortos
6.5.	Tarefa	para	a	pastoral	de	hoje
Unidade	III
A	EXPERIÊNCIA	DO	SER	HUMANO	NA	MORTE
I
O	QUE	SIGNIFICA	“ESTAR	NA	MORTE”?
Quando	a	vida	do	ser	humano	termina,	ele	entra	numa	situação,	chamada	de	“na
morte”.
É	essencial	termos	consciência	daquilo	que	esta	expressão	significa:
Não	implica,	de	maneira	nenhuma,	o	processo	de	morrer.	Ninguém	pode
acreditar	que,	naquele	processo	muitas	vezes	penoso	e	doloroso,	o	homem	seja
capaz	de	experimentar	mais	do	que	o	fenômeno	do	morrer	em	si.
A	expressão	“na	morte”	quer,	pelo	contrário,	acentuar	a	distinção	entre	o
processo	do	termo	da	vida	que	normalmente	chamamos	de	“morrer”	e	aquilo	que
acontecerá	quando	aquele	processo,	no	plano	fenomenológico,	chegou	ao	seu
fim.
Na	primeira	parte	deste	livro,	foi	usada	para	este	fim	a	noção	de	“a	morte	vital”.
Uma	vez	consumada	esta	“morte	vital”,	então	estamos	naquela	situação	que
podemos	chamar	“na	morte”.
“Na	morte”	significa	então	a	situação	do	ser	humano	exatamente	naquele
momento,	onde,	no	plano	fenomenológico,	situamos	a	morte	vital.
O	sofrimento	do	morrer	passou,	a	possibilidade	de	ser	reanimado	depois	da
morte	clínica	passou;	agora,	o	homem	se	encontra	“na	morte”.	Naquela	situação
consciente	de	incapacidade	total,	da	qual	se	falou	na	primeira	parte	deste	livro.	A
noção	de	tempo	não	existe	mais,	a	noção	de	espaço	não	existe	mais,	uma	nova
dimensão	se	abre,	à	qual	damos	o	nome	de	“eternidade”.
É	neste	limite,	“na	morte”,	que	o	homem	se	encontra	pela	primeira	vez	com
Deus.
O	HOMEM	NA	MORTE
II
NA	MORTE,	A	ALMA	NÃO	SE	SEPARA	DO	CORPO
1
O	modelo	tradicional	daquilo	que	acontece	na	morte
Nós	todos	interiorizamos	desde	criança	o	modelo	resumido	em	seguida.	Em
todos	os	livros	de	catequese	é	essa	a	informação,	e	ela	está	sendo	transmitida
assim	pela	maioria	das	catequistas	às	crianças	de	uma	nova	geração	cristã:
Na	morte,	a	alma	se	separa	do	corpo	e	entra	numa	nova	dimensão,	chamada
ETERNIDADE.	Nesta	nova	dimensão,	a	alma	da	pessoa	está	sendo	julgada	por
Deus	no	assim	chamado	JUÍZO	PARTICULAR.	Conforme	o	resultado	deste
Juízo,	a	alma	ou	entra	diretamente	no	inferno,	ou,	depois	de	ter	passado	talvez
certo	tempo	no	PURGATÓRIO,	entra	no	céu.	Ela	aguarda,	numa	situação	de
felicidade	ou	de	tormento,	a	chegada	do	JUÍZO	FINAL.
Quando	o	momento	deste	segundo	juízo	chegar,	acontecerá	também	a
RESSURREIÇÃO	DO	CORPO	e,	de	novo	conforme	o	resultado	dos	dois
julgamentos,	a	alma	humana,	agora	reunida	com	o	seu	corpo,	passará	para	toda	a
eternidade	numa	situação	de	felicidade	total,	chamada	CÉU,	ou	de	tormento
inimaginável,	chamado	INFERNO.
São	estas,	em	poucas	palavras,	as	expectativas	religiosas	ensinadas	por	séculos	e
interiorizadas	por	gerações	de	cristãos	até	os	dias	de	hoje.
Podemos	resumir	esta	perspectiva	tradicional,	fazendo	uso	de	um	esquema
gráfico,	onde	o	destino	da	pessoa	humana,	na	morte,	aparece	da	seguinte
maneira:
O	que	acontece	com	a	pessoa	humana	na	morte?
O	desenho	mostra,	de	maneira	bastante	clara,	aquilo	que	no	fundo	é,	até	hoje,	a
crença	da	maioria	dos	cristãos	sobre	os	acontecimentos	na	morte.
Esta	morte	só	atinge	o	corpo.
O	corpo	morre,	nós	assistimos	à	sua	morte;	depois	da	morte	consumada,	falamos
deste	corpo	em	termos	de	cadáver.	Este	cadáver	podemos	tocar	e	ver	e	é	ele	que
enterramos.
Desta	forma,	acaba	aquilo	que	podemos	testemunhar	com	os	nossos	sentidos.
Mas	será	que	isso	é	tudo?
A	nossa	religião	diz	que	não!
Ela	diz	que	a	vida,	depois	da	morte,	continua.
No	entanto,	como	é	possível	compreender	esta	verdade	com	a	nossa	razão,
quando	estamos	diante	da	verdade	inegável	do	cadáver?	Eis	a	grande	pergunta	a
que	a	religião	tinha	de	responder.	No	passado,	ela	o	tentou,	recorrendo	ao
modelo	dualista	de	uma	alma	que,	na	morte,	se	separa	do	corpo.
2
O	MODELO	ANTROPOLÓGICO	DUALISTA	DE	UMA	ALMA
QUE,	NA	MORTE,	SE	SEPARA	DO	CORPO	PARECE
EXPLICAR,	DE	MANEIRA	FÁCIL,	A	FÉ	NUMA	VIDA	APÓS	A
MORTE
Para	manter	viva	a	fé	numa	vida	depois	da	morte,	apesar	da	evidência	de	um
cadáver	sem	vida,	o	modelo	tradicionalmente	usado	na	religião	cristã	recorre	à
ideia	de	que	o	homem	seria	composto	de	corpo	e	alma.	O	corpo,	nesta	união,	é	a
parte	mortal,	enquanto	a	alma	é	a	parte	imortal.	Na	morte,	diz	o	modelo,	a	alma
se	separa	do	corpo,	e	entra	em	nova	dimensão,	chamada	Eternidade.	Nessa
eternidade,	ela	vive	como	ser	espiritual,	até	que,	num	futuro	muito	distante,
chegue	o	FINAL	DOS	TEMPOS.	Neste	Final	dos	Tempos	acontecerá	a
Ressurreição	do	corpo	e	o	Juízo	Final.
Este	modelo	foi	capaz	de	explicar	de	maneira	satisfatória	o	fato	inegável	da
existência	de	um	cadáver,	de	um	corpo	sem	vida	e,	apesar	disso,	permitir	manter
a	fé	de	que	a	vida	depois	da	morte	continua.	A	base	que	possibilita	manter	esta	fé
é	formada	por	um	modelo	antropológico	antigamente	chamado	dualista;	hoje	se
fala	mais	do	modelo	binário.	Conforme	tal	modelo,	a	essência	do	homem	é	a
alma	espiritual.	Esta	alma	é	imortal	e,	na	morte,	se	separa	do	corpo	para
continuar	sua	existência	sem	vínculo	material.
2.1.	Origem	e	história	do	modelo	antropológico	binário	(dualista)
A	origem	deste	modelo	nada	tem	que	ver	com	a	revelação	bíblica,	mas,	sim,	com
uma	religião	pagã	do	século	VII	a.C.,	a	assim	chamada	“Religião	Órfica	da
Trácia”,	na	Grécia	antiga.	A	partir	desta	origem,	a	concepção	binária	ou	dualista
do	homem	passou	por	toda	uma	história	de	evolução	e	adaptação,	até	finalmente
se	fixar	também	no	cristianismo.
Desde	os	primeiros	séculos	da	era	cristã,	essa	concepção	se	tornou	o	modelo
dominante	no	cristianismo,	sustentado	pela	filosofia	do	neoplatonismo	e	pela
ideologia	religiosa	da	gnose	e	de	seu	dualismo	cosmológico.
As	várias	etapas	desta	história	de	absorção	de	concepções	dualistas	estão
representadas	no	esquema	da	página	seguinte.	É	importante	frisar	que,	a	partir	do
século	IV	d.C.,	sobretudo	depois	de	Agostinho,	a	compreensão	cristã	do	destino
humano	após	a	morte	baseia-se,	cada	vez	mais,	no	modelo	dualista	helênico.¹
Este	modelo	antropológico	já	era	o	dominante	dentro	do	império	greco-romano
antes	da	era	cristã	e,	depois	do	desaparecimento	deste	império,	continuou	dentro
do	pensamento	cristão	e	permanece	até	os	dias	de	hoje.	Ele	se	fixou	de	tal
maneira,	que	muitos	cristãos	estão	convencidos	de	que	estamos	diante	de	um
fato	de	revelação	divina.	Pensam	que	a	base	do	modelo

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