Buscar

Bilinguismo_as línguas na educação de surdos

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 16 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 16 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 16 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

7 
UNIDADE 1: 
Bilinguismo – as línguas na educação de surdos 
 
 
 
 
 
 
Introdução 
 
As línguas expressam a capacidade específica dos seres humanos para a linguagem. A raça 
humana privilegia a linguagem, isto é, a linguagem é tão essencial para o ser humano que, 
apesar de todos os empecilhos que possam surgir para o estabelecimento de relações através 
dela, os seres humanos buscam formas de expressá-la. As diferentes línguas existentes na 
face da terra expressam muito mais do que essa capacidade para a linguagem, expressam as 
culturas, os valores e os padrões sociais. Portanto, as línguas refletem uma multiplicidade de 
fatores que as tornam diferentes e apresentam características intrínsecas de um grupo social 
específico. Uma grande parte dos surdos brasileiros usam a língua brasileira de sinais 
(Libras), uma língua visual-espacial que apresenta todas as propriedades específicas das 
línguas humanas. É uma língua utilizada nos espaços criados pelos próprios surdos, como por 
exemplo, nas associações, nos pontos de encontros espalhados pelas grandes cidades, nos 
seus lares e, quando possível, nas escolas. 
 
Esta unidade apresentará discussões que envolvem o bilinguismo. Entre elas, estaremos 
apresentando definições do que é ser bilíngue, como os surdos se constituem bilíngues e 
alguns dos papéis atribuídos pelos surdos à língua de sinais e à língua portuguesa. As línguas 
faladas
6
, as línguas de sinais, a oralidade e a escrita apresentam diferentes estatutos sociais, 
políticos, culturais e educacionais. 
 
No contexto brasileiro, desde a proibição do uso da língua de sinais em sala de aula até a 
liberação da mesma, bem como as diferentes ênfases dadas à língua falada ao longo dos anos, 
 
6 As línguas faladas são também conhecidas na literatura da área por linguais orais ou línguas oral-auditivas. 
 
O que vamos aprender nesta unidade? 
Aspectos que envolvem o bilinguismo. As variações implicadas no ser 
bilíngue. O status bilíngue da pessoa surda. 
 8 
caracterizaram políticas linguísticas que se basearam na imposição da língua falada, 
objetivando a assimilação da língua portuguesa padrão como modelo de sucesso escolar. Do 
completo desconhecimento da importância da língua de sinais para o processo de aquisição 
da linguagem ao ensino clínico-terapêutico para a recuperação da fala, percebe-se a 
reprodução de valores filosóficos e políticos que marcam a educação de surdos no Brasil até 
os dias de hoje. Mudar esse processo não significa simplesmente determinar os espaços que 
as línguas passarão a ocupar nas escolas que educam surdos, mas sim passar por um processo 
muito maior de reflexão, de (des-)estruturação, de formação de profissionais e criação de 
novos espaços de trabalho. Será preciso reconhecer o que representam as línguas para os 
próprios surdos. Não basta simplesmente decidir se uma ou outra língua passará a fazer ou 
não parte do programa escolar, mas sim tornar possível a existência das línguas, 
reconhecendo-as de fato. Assim se constitui o bilinguismo entre os surdos. 
 
1. O que significa ser bilíngue? 
 
Há várias discussões sobre o que significa ser bilíngue, com línguas faladas e com línguas de 
sinais. Há um mito de que ser bilíngue seja ser fluente como nativo em duas ou mais línguas. 
No entanto, as pesquisas mostram que isso não é bem assim. 
 
Bloomfield (1933, p. 56) introduz a noção de “controle” de duas línguas quando aborda a 
questão do ser bilíngue. No entanto, há certa idealização do bilinguismo compreendendo esse 
“controle” como controle nativo de duas línguas. Esse bilíngue idealizado é muito raro. 
Grosjean (1994) vai abordar o ser bilíngue considerando que, nesses casos, as línguas são 
usadas pela mesma pessoa em uma ou várias comunidades com diferentes funções. 
 
Há vários fatores importantes que devem ser considerados quando definimos bilinguismo, 
entre eles citamos os seguintes: 
 
a) Papel da idade na maturação bilíngue (aquisição e aprendizagem) – ser bilíngue 
adquirindo as línguas desde bebê, porque os pais são surdos é diferente de ser bilíngue 
tendo contato com a L2 na fase adulta. Ter contato com duas ou mais línguas durante o 
crescimento é diferente de aprender uma L2 ao longo da vida. Assim, a idade com a 
qual a pessoa tem contato com as línguas tem um papel importante na sua constituição 
bilíngue. Em vários países, crianças crescem falando várias línguas em diferentes 
 9 
contextos e nem tem consciência sobre estarem usando mais de uma língua, embora o 
façam de forma natural e espontânea adequando-se a cada contexto. A aquisição 
precoce das línguas faz com que essas crianças tenham mais de uma L1, sendo 
bilíngues de mais de uma L1. Nesses casos, são bilíngues nativos. Algumas crianças 
vão ter a oportunidade de ir para outro país com sua família e passarão a ter contato 
com uma nova língua, uma L2, que será adquirida na interação com as pessoas daquele 
país. Neste caso, essas crianças estarão imersas em ambientes que usam outra língua, a 
sua L2, tendo a oportunidade de adquirir esta língua e tornarem-se falantes nativos 
desta língua. No entanto, dependendo da idade, percebe-se que a L2 por imersão pode 
ser adquirida, mas talvez, nunca será como a língua usada pelos falantes nativos dessa 
língua. A idade apresenta, portanto, um papel fundamental na constituição da pessoa 
bilíngue. No caso dos surdos, adquirir a língua de sinais precocemente e iniciar o 
contato com o português ao longo de sua vida terá impacto na sua constituição bilíngue. 
Esse bilinguismo, no entanto, é diferente daqueles que crescem com duas línguas, 
adquirindo-as de forma natural e espontânea, pois, para os surdos, a Libras pode ser 
adquirida na interação com os outros que usam essa língua, mas o português não. No 
caso do português, os surdos irão “aprender” esta língua. Então aqui, precisamos 
esclarecer a diferença entre aquisição e aprendizagem. A aquisição simplesmente 
acontece por meio da interação entre as pessoas, enquanto a aprendizagem precisa ser 
planejada por alguém que irá ensinar a língua. Os surdos vão aprender português por 
meio dos olhos; portanto, esta aprendizagem deve ser planejada pensando nesta forma 
bilíngue de ser. 
b) Quantidade e tipo de input de cada linguagem – a quantidade de input tem um 
papel essencial na constituição das pessoas bilíngues. Input significa acesso e 
oportunidade de interação na outra língua. A interação em uma língua deve acontecer 
por meio de input compartilhado, ou seja, deve haver acesso ao input. No caso dos 
surdos, apesar de eles crescerem em um país que fala o português, eles não tem um 
input compartilhado no português, uma vez que esse input é normalmente falado. Isso 
tem implicações no tipo de bilinguismo que os surdos vão se enquadrar. O português 
será compartilhado por meio do ensino desta língua, normalmente, por meio da escrita, 
que é visual. A experiência sensorial dos surdos via visão é muito saliente, tornando-os 
abertos para compartilhar uma língua visual-espacial, ou seja, a Libras. No entanto, a 
aquisição da Libras depende também da quantidade de input compartilhado nessa 
língua com a criança. As crianças surdas brasileiras, normalmente, são filhas de pais 
 10 
ouvintes que desconhecem a Libras. É fundamental que essas famílias busquem 
espaços para que essas crianças tenham acesso à Libras com qualidade, ou seja, 
interagindo com diferentes sinalizantes e em quantidade significativa, isto é, tendo 
várias horas de contato diário com a Libras, sua L1. A L1 será fundante, por ser 
adquirida de forma natural e espontânea mediante a interação com pessoas surdas 
sinalizantes. Essa língua constituirá os alicerces para a aprendizagem do português. O 
português como L2 também depende de exposição com qualidade e quantidade 
suficientes para constituir o surdo bilíngue. 
 
c) Assimetria/domínioentre dois sistemas – os bilíngues podem ter diferentes níveis 
de fluência nas línguas que usa. A assimetria foi constatada como algo muito comum 
entre bilíngues. Dificilmente os bilíngues são fluentes exatamente da mesma forma nas 
línguas que fala/sinaliza. É comum identificar mais fluência em uma língua do que na 
outra, de acordo com os diferentes contextos nos quais estas línguas são usadas. Por 
exemplo, eu posso ser fluente na leitura e na escrita do português, mas não ser fluente 
na escrita da Libras. Por outro lado, eu posso ser muito fluente na produção em Libras 
quando converso com amigos, mas não ser fluente para conversar em português. Isso 
pode se aplicar à mesma pessoa. A assimetria das línguas é determinada pela fluência 
que o ser bilíngue tem para falar/sinalizar, ouvir/ver, ler e escrever uma língua. Outro 
exemplo, o ser bilíngue de Libras, português e inglês pode ser muito fluente em Libras 
quando está com seus amigos surdos, mas não muito bom para falar em Libras em 
público. Por outro lado, essa mesma pessoa, pode ser excelente na redação do 
português, mas não conseguir escrever em inglês, embora consiga ler textos em inglês. 
Há muitas variações entre a fluência dos bilíngues nas línguas que domina. Vamos 
agora ver uma história de uma pessoa bilíngue que cresceu na Índia. Essa pessoa 
cresceu falando indiano e inglês, mas sua família falava inglês somente durante os 
jantares. Quando essa pessoa foi para uma escola na Inglaterra, ela viu que as pessoas 
falavam como ela falava no jantar e achava estranho e difícil usar esta língua em outros 
contextos que não fossem no jantar. Ela teve que aprender a usar inglês em outros 
contextos. Os surdos, normalmente, usam a Libras como a língua de interação e língua 
de acesso aos conhecimentos de mundo. O português é usado para ler e escrever, como, 
por exemplo, enviar e receber mensagens no celular e interagir em redes sociais. Dessa 
forma, percebe-se uma assimetria entre as duas línguas dos surdos bilíngues brasileiros: 
Libras e português. 
 11 
 
d) Interação e separação de dois sistemas linguísticos – os bilíngues têm as línguas 
que possui ativas, os dois sistemas estão disponíveis. No entanto, as pessoas bilíngues 
parecem ter um controle sobre essas línguas de acordo com os contextos 
sociolinguísticos que se apresentam. Por exemplo, nos estudos que desenvolvemos com 
crianças bilíngues, já percebemos que as crianças ouvintes bilíngues bimodais, em 
Libras e português, usam as duas línguas em vários contextos por estarem em 
ambientes essencialmente bilíngues bimodais, ou seja, seus pais surdos são bilíngues e 
elas convivem com familiares falantes de português. Como a criança percebe que é 
possível usar as duas línguas para garantir o entendimento, ela utiliza as duas ao mesmo 
tempo quando avalia ser pertinente. Por outro lado, em vários momentos elas usam 
apenas uma ou outra, dependendo do seu interlocutor. Isso mostra que as línguas estão 
disponíveis e ativas e podem interagir em diferentes níveis. A interação entre as línguas 
pode ocorrer envolvendo aspectos de ordem linguística, havendo uma síntese das 
gramáticas das duas línguas, dependendo da situação. O português dos surdos 
bilíngues apresenta esta interação com vários indícios de síntese gramatical da Libras 
com o português. Isso é muito comum entre falantes bilíngues. Por outro lado, vários 
estudos indicam que há separação entre as línguas de um falante bilíngue. De fato, 
claramente, o repertório lexical destas línguas está separado. Além disso, a gramática 
específica de cada uma das línguas também está separada. No entanto, elas podem sim 
interagir. Essa interação é analisada por vários indícios das produções de pessoas 
bilíngues. Um deles é a alternância de línguas (code-switching), em que os bilíngues em 
contextos específicos, normalmente quando interagem com outros bilíngues, alternam 
de uma língua para a outra. Essas alternâncias obedecem restrições linguísticas e são 
usadas de forma criativa para potencializar a comunicação. No caso dos bilíngues 
bimodais, incluindo os surdos bilíngues, é muito comum haver a sobreposição de uma 
língua sobre a outra (code-blending), que caracteriza a produção simultânea das duas 
línguas, o que é possível por essas línguas se apresentarem em modalidades distintas. 
 
e) Fatores socio-psicológicos: fenômeno da progressão e regressão – há também 
fatores sócio-psicológicos que apresentam um papel relevante na vida dos bilíngues. 
Temos vários relatos de pessoas bilíngues consideradas fluentes na sua L2 que 
“empacam” diante de certas situações. Por exemplo, pessoas bilíngues que tem uma L2 
a mais de 15 anos usando essa língua em vários contextos podem travar na hora de ter 
 12 
que apresentar uma palestra nessa língua. Há outros relatos de bilíngues que conseguem 
conversar fluentemente na L2 com vários falantes nativos, mas quando se deparam com 
alguns falantes nativos, se enrolam e não conseguem falar nesta L2. O que acontece 
nesses casos? Essa pessoa bilíngue claramente tem bom conhecimento de sua L2, mas 
outros fatores interferem no seu desempenho nessa língua. Muitos surdos, por exemplo, 
relatam que conseguem usar o português fluentemente para enviar mensagens no 
celular e interagir nas redes sociais, mas quando precisam escrever um texto na escola, 
empacam. Os diferentes contextos sociais e as diferentes pessoas com as quais os 
bilíngues vão interagir nas línguas que usam podem interferir e causar problemas e 
dificuldades no uso dessas línguas. Isso é muito comum entre bilíngues. Além disso, 
parece que há situações que os bilíngues tiram de letra em uma língua, mas não na outra 
língua, em função do contexto. O papel social das línguas é fundamental no 
desempenho dos bilíngues. Além disso, o fator psicológico pode imprimir 
consequências na produção e compreensão dos bilíngues. Há uma história de um 
bilíngue fluente em português e inglês que diante da polícia federal, no setor de 
imigração, não conseguia entender absolutamente nada do que o policial falava. A 
tensão do processo de imigração parece ter bloqueado a sua compreensão do inglês, 
mas, na verdade, essa pessoa tinha competência para compreender as perguntas do 
policial. Isso também acontece com vários surdos diante de processos de seleção e 
avaliação que utilizam o português. Vários surdos relatam que têm dificuldade com o 
português nesses contextos. Provavelmente, a tensão psicológica tem uma influência 
negativa na performance desses surdos bilíngues. 
 
Passemos agora a discutir em mais detalhes sobre algumas condições do input que atuam 
sobre a constituição do ser bilíngue, conforme segue: 
 
a) Condições naturais e não naturais 
 Uma das questões a serem consideradas está relacionada com a questão sensorial. As 
experiências sensoriais das crianças surdas impõe o acesso à linguagem por meio da 
visão e restringem o acesso à linguagem por meio da audição. Os surdos têm 
experiências com sons que são diferentes das experiências vivenciadas por aqueles que 
ouvem. A língua falada não é processada auditivamente pelos surdos e, portanto, nessa 
modalidade, não está disponível, assim como acontece com as crianças ouvintes que 
crescem ouvindo uma ou mais línguas. Ouvir é uma condição natural de crianças 
 13 
ouvintes, mas não é uma condição natural para crianças surdas. Por outro lado, ver é 
uma condição natural que está disponível para crianças surdas. Dessa forma, elas 
naturalmente acessam uma língua de sinais. O acesso natural a uma língua desencadeia 
a aquisição da linguagem. No caso das crianças surdas, quando elas são filhas de pais 
surdos, elas acessam naturalmente a língua de sinais, ou seja, essas crianças tem 
disponível um input acessível e natural. A aquisição natural e espontânea de uma língua 
é tratada como algo comum entre crianças que ouvem, pois elas crescem rodeadas por 
pessoas quefalam a(s) língua(s) a(s) qual/quais estão expostas. O simples fato de ela 
estar diante dessas pessoas e interagir com elas desencadeia o processo de aquisição da 
linguagem. O input natural é aquele que está disponível e acessível à criança. No caso 
das crianças surdas, filhas de pais ouvintes, se não houver uma preocupação dos pais 
em oportunizar um ambiente acessível na língua de sinais, elas podem não desencadear 
o processo de aquisição da linguagem, uma vez que elas não percebem os sons da 
língua falada de forma espontânea. Há tentativas de superar a falta da audição por meio 
de vários mecanismos de intervenção. No entanto, essa alternativa não será natural nem 
espontânea, mas sim um programa de tratamento que poderá ou não ser bem sucedido. 
A experiência da surdez implica na condição de poder ou não acessar uma língua de 
forma natural e espontânea. Dependendo da forma como isso for conduzido, a criança 
terá ou não a oportunidade de desencadear a sua linguagem de forma natural e 
espontânea. O ensino da língua portuguesa oral para surdos é um processo terapêutico 
que envolverá atividades específicas desenvolvidas por um profissional fonoaudiólogo. 
Não é, portanto, um processo natural nem espontâneo, como a aquisição da língua 
portuguesa falada por crianças ouvintes. Já o ensino da língua portuguesa escrita para 
surdos é um processo pedagógico que envolverá atividades desenvolvidas por um 
professor. Portanto, é um processo que envolverá intervenção por parte de um agente, o 
professor, na formação linguística do aluno. Tanto para as crianças surdas quanto para 
crianças ouvintes, o processo de aprendizagem da escrita não é natural nem tão 
espontâneo, pois dependerá dessa intervenção do professor e da aprendizagem dos 
aspectos ortográficos e discursivos da escrita. Porém, para as crianças surdas, esse 
processo é menos natural ainda, já que as crianças ouvintes tem acesso à modalidade 
oral da língua portuguesa escrita, mas as crianças surdas não. 
 
b) Condições formais: escola e mídias 
 A escola é o espaço no qual a criança terá acesso às línguas. No caso das crianças 
 14 
surdas, é um espaço fundante, pois é onde a criança surda terá acesso natural e 
espontâneo à língua de sinais na relação com colegas e professores sinalizantes, além 
de também caracterizar o espaço formal para aprender a língua de sinais, a língua 
portuguesa, outras línguas e outros conhecimentos escolares. No espaço escolar, a 
criança surda terá oportunidade de aprender sobre as línguas que usa. As mídias se 
juntam à escola para potencializar a relação com as línguas envolvidas no processo 
educacional das crianças surdas, uma vez que envolverão a produção e visualização de 
vídeos em Libras, bem como a possibilidade de interação síncrona na língua portuguesa 
(por meio de chats de conversação) e assíncrona (por meio do envio e recebimento de 
e-mails e mensagens de celular, por exemplo). 
 
c) Idade e tempo 
 Quanto à idade e ao tempo, temos algumas pesquisas que mostram os seus efeitos 
(Quadros e Cruz, 2011; Quadros, 1997). Foi verificado que a aquisição de uma língua 
precoce é fundamental para o desencadeamento da linguagem, mas que também o 
tempo de exposição tem efeitos no desenvolvimento da linguagem. Crianças surdas 
com pais surdos adquirem a língua de sinais precocemente e parecem estabelecer uma 
base consolidada de linguagem que favorece a aquisição de outras línguas. Por outro 
lado, foram avaliados vários adolescentes e adultos surdos que não tiveram acesso à 
língua de sinais nos primeiros anos de vida e foram constatados diferentes níveis de 
efeitos na linguagem. Os níveis avaliados de linguagem compreendem a aquisição por 
volta dos 4-5 anos de idade, 6-7 anos de idade e 8-9 anos de idade, sendo esse último 
um nível final do processo de aquisição. Os adultos e adolescentes que tiveram contato 
com a língua de sinais tardiamente, ou seja, depois da fase da puberdade, demonstraram 
alguns problemas no desempenho das avaliações. Eles não conseguiram compreender 
níveis mais complexos de textos em Libras, que corresponderiam ao segundo e ao 
terceiro nível, evidenciando dificuldades na compreensão e na produção de estruturas 
envolvendo mais de um referente (uso de pontos no espaço) e complexidade no 
encadeamento das informações. Por outro lado, observamos que alguns, mesmo tendo 
acesso tardio à Libras, parecem ter superado algumas dessas dificuldades ao longo do 
tempo. Assim, parece haver um efeito do tempo de exposição à língua, além da idade 
dos primeiros contatos com essa língua. Por exemplo, foi verificado que um adulto de 
32 anos que começou a aprender a Libras por volta dos 14 anos, já contava com 18 
anos de exposição à Libras (mais do que uma criança de 9 anos de idade). Isso parece 
 15 
ter ajudado na compreensão mais apurada, assim como na produção mais estruturada na 
Libras. No entanto, de modo geral, mesmo assim percebe-se alguns aspectos que esses 
adultos tiveram dificuldades em processar. Normalmente, os problemas identificados 
estão relacionados com o uso gramatical do espaço de forma consistente, tanto no nível 
da compreensão como no nível da produção. Assim, a idade e o tempo apresentam 
repercussão no processo de aquisição da linguagem e, portanto, também na constituição 
do ser bilíngue. Com relação ao português escrito, os fatores idade e tempo de 
exposição são extremamente relevantes. Eles devem ser levados em consideração tanto 
pelas famílias das crianças surdas quanto pelos seus professores de português. Expor a 
criança surda a diversas situações significativas que envolvam a presença do português 
escrito, como a interação com livros de histórias e jogos, desde cedo, com certeza 
ajudará essa criança a ter uma melhor consolidação da aprendizagem do português 
escrito, tanto em termos afetivos quanto linguísticos. 
 
d) Tipos de bilíngue 
Como já citamos no início deste material, os tipos de pessoas bilíngues que existem são 
inúmeros. Há bilíngues que crescem com várias línguas; há bilíngues que usam uma 
língua em casa e outra fora de casa; há bilíngues que usam uma língua, mas entendem 
outras línguas; há bilíngues que se tornam bilíngues ao longo da vida entre outros. De 
modo geral, teríamos bilíngues nativos (que crescem adquirindo mais de uma língua) e 
bilíngues não-nativos (que aprendem sua segunda língua em um determinado momento 
da vida, posteriormente à fase de aquisição da primeira língua). 
 
Podemos sintetizar, pois, três tipos de aquisição bilíngue: 
 
1) Aquisição bilíngue simultânea (2L1) – se a criança adquire duas ou mais línguas 
durante os primeiros três ou quatro anos de idade. 
2) Aquisição infantil de segunda língua (L2) – se o início da aquisição da segunda 
língua acontece entre as idades de cinco e dez anos. 
3) Aquisição “adulta” de L2 – quando ocorre depois dos dez anos. 
 
Esses tipos de aquisição bilíngue vão também ser determinados por diferentes fatores 
ambientais. Há crianças entre cinco e dez anos, por exemplo, que vão iniciar aulas de uma 
segunda língua em uma escola de línguas (em seu próprio país) e outras que irão morar em 
 16 
um país que utiliza a segunda língua, que será adquirida por meio de imersão – ou seja, por 
estar em contato com usuários daquela língua em período integral. Isso também pode 
acontecer com adultos que passam a ter contato com uma segunda língua por razões 
profissionais ou pessoais que determinam que estejam em outro país por um determinado 
período da vida. Há uma diferença significativa entre estar imerso na segunda língua ou estar 
aprendendo a segunda língua em um contexto de sala de aula. 
 
Além disso, há também fatores relacionados com o estatuto das línguas em si. Os pais que 
falam uma língua que não é reconhecida no país onde estejam, por exemplo, podem ter 
dificuldades em manter o uso de sua língua com o seu filho, em função do impacto social quea língua tem na vida da criança. Apesar disso, a criança entende a língua usada pelos pais, 
tornando-se bilíngue – embora não produza a língua, respondendo apenas na língua da ampla 
maioria dos falantes desse determinado país. Como vocês podem perceber, ser bilíngue 
apresenta inúmeras variedades. 
 
As crianças surdas são bilíngues? 
 
Van den Bogaerde e Baker (2005) fizeram um estudo comparando crianças ouvintes e 
crianças surdas filhas de pais surdos. Elas observaram que os pais surdos usam a língua de 
sinais holandesa e o holandês de forma simultânea em diferentes contextos, tanto com os 
seus filhos ouvintes, como com os seus filhos surdos. Eles usam muito mais o holandês 
simultaneamente com a língua de sinais holandesa com os seus filhos ouvintes, mas também 
foram observadas várias co-ocorrências dessas duas línguas com os filhos surdos. Isso 
acontece porque esses pais surdos são bilíngues e tomam proveito da sua condição bilíngue, 
potencializando a comunicação. Por sua vez, as crianças surdas crescem com a língua de 
sinais, mas já começam a aprender sobre o holandês e a sua existência. No caso das crianças 
surdas, filhas de pais ouvintes, que tenham contato com a língua de sinais desde pequenas 
por meio de programas de pais que utilizam a língua de sinais ou por contato com outros 
adultos surdos, a língua falada vai começar a adentrar a vida desta criança por meio visual. 
Kuntze (2008) menciona o uso de soletração de palavras em inglês por crianças surdas como 
algo que está presente na vida das crianças surdas que estão em programas educativos 
bilíngues. As crianças bem pequenas que ainda não leem nem escrevem, soletram várias 
palavras do inglês, embora não tenham consciência de que sejam letras formando palavras. 
Parece que inicialmente, elas analisam a soletração como sinais e, somente, ao serem 
 17 
alfabetizadas mais tarde, se dão conta de sua composição formada por unidades menores, as 
letras. As crianças surdas em contato com a língua de sinais muito cedo, portanto, são 
bilíngues, pois significam formas que representam a língua falada na sua comunicação, por 
estarem em um ambiente em que a língua falada está presente por meio da escrita. 
 
De qualquer forma, o bebê surdo está tendo acesso a alguns elementos da língua falada, que 
servem como o início de uma aquisição bilíngue, mas o bebê não está adquirindo as duas 
línguas ao mesmo tempo. O acesso à língua falada é, portanto, parcial, restrito à visualização 
dessa língua (não à escuta da mesma), enquanto o acesso à língua de sinais é completo, 
quando a criança tem contato com adultos surdos sinalizantes. 
 
Existe uma variabilidade entre os pais surdos quanto ao tipo de input que oferecem aos seus 
filhos surdos. Há pais surdos que usam a língua de sinais associada à articulação de palavras 
do português por serem bilíngues e por terem sido oralizados por muitos anos. Por outro 
lado, há pais surdos que não articulam nenhuma palavra, mesmo tendo sido oralizados. 
Estamos dando dois exemplos para ilustrar a grande variabilidade entre as formas usadas 
pelos próprios surdos que vão servir de referência para os seus filhos. Essas diferenças 
podem estar representadas na mesma família, por exemplo, com uma mãe que faz questão de 
usar a articulação orofacial de forma sistemática associada à sua produção em sinais e um pai 
que não movimenta a boca, a não ser para representar expressões faciais associadas aos 
sinais. Essa variação entre os surdos que servem de referência para as crianças surdas pode 
ser observada também entre pais ouvintes que vão usar mais ou menos o português ao 
conversar usando a libras com o seu filho surdo. 
 
Essas diferenças estão relacionadas com a funcionalidade das duas línguas para esses pais 
surdos e ouvintes. Na medida em que eles usam mais ou menos as duas línguas em diferentes 
contextos, as crianças tomam mais proveito da condição de ser bilíngue. 
O bilíngue pode escolher usar uma e/ou outra língua. As pesquisas com bilíngues bimodais 
(Quadros et al, 2011) tem evidenciado que as línguas estão sempre disponíveis ao bilíngue. 
Ele pode optar em usar uma das línguas e reter a outra ou até usar as duas, dependendo do 
contexto sociolinguístico. Por exemplo, bilíngues de línguas faladas com outros bilíngues 
dessas mesmas línguas tendem a alternar as línguas (usar o code-switching). No caso dos 
bilíngues bimodais, língua falada e língua de sinais, é possível usar a sobreposição de línguas 
(code-blending), ou seja, usar as duas línguas simultaneamente. Isso é possível porque as 
 18 
línguas usam canais articulatórios diferenciados. 
 
Os adultos surdos são bilíngues? 
 
Lucas e Valli (1992) analisaram surdos adultos americanos interagindo entre si e com 
ouvintes. Eles constataram que os surdos americanos que participaram da pesquisa são 
bilíngues, eles usam as línguas (falada e de sinais) em diferentes contextos e manifestam o 
uso das duas línguas simultaneamente por razões sociolinguísticas quando conversam entre si 
e quando conversam com outros surdos, embora de formas diferenciadas. 
 
2. O bilíngue surdo: Libras e português 
 
Para os surdos, a língua de sinais é uma das formas mais expressivas de manifestar suas 
culturas. Quando usamos o artigo definido em “a língua” e “o meio”, referimo-nos à língua e 
ao meio por meio dos quais os surdos efetivamente interagem, ou seja, a língua de sinais. A 
língua de sinais brasileira é “a” língua em que a comunidade surda dos centros urbanos do 
Brasil expressa suas ideias, pensamentos e arte, “a” língua que é usada como meio de 
interação social, cultural e científica. Os falantes nativos dessa língua conversam, planejam, 
sonham, brigam, contam estórias explorando meios riquíssimos e complexos que são 
próprios de uma língua de sinais. 
 
A língua de sinais também representa, neste momento histórico, a língua que os surdos têm 
orgulho de usar. Isso significa dizer que as representações de não língua instituídas ao longo 
dos anos através de sua proibição, finalmente, cedem espaço para a sua valorização enquanto 
língua para os próprios surdos. Para muitos surdos, ainda, o português passa a ser o vilão da 
história, pois é representado como a língua de sacrifício, a língua de tortura. Sendo assim, 
percebe-se um movimento de negação da língua falada como uma forma de autoproteção, 
devido ao fato de, por muitos anos, o português ter sido imposto em detrimento da língua de 
sinais – pois se acreditava que ela era ruim, que impossibilitaria a aquisição do português. O 
reconhecimento da língua de sinais inverte a lógica instituída até então, assim o português 
passa a ser negado pelos surdos. O português nesta lógica representa, portanto, uma ameaça, 
é uma língua que pode servir para excluir os surdos. 
 
 
 19 
Alguns surdos que já não veem a língua falada no país como uma ameaça à sua língua 
passam a utilizar o português como língua de poder. As políticas de assimilação, tanto de um 
lado como de outro, transformam-se em políticas “aditivas” (Cummins, 2000). Ter mais de 
uma língua não representa mais um problema com diferentes repercussões, mas sim mais 
poder, mais elasticidade cognitiva, mais flexibilidade social etc. Isto é, não se vê mais como 
desvantagem se apropriar da outra língua, mas como vantagem em vários sentidos (cognitivo, 
social, cultural, político e linguístico). 
 
Nos espaços educacionais, há muito ainda a acontecer para que uma política linguística 
aditiva seja de fato instaurada. A educação bilíngue para surdos convive com todas essas 
variáveis, o que torna o processo truncado. Os próprios surdos estão assumindo alguns 
espaços e transformando algumas realidades. As línguas passam a ter diferentes 
representações entre os professores e os intérpretes, que começam a se dar conta das 
complexidades intrínsecas à situação bilíngue com que também estão se deparando. 
 
No caso específicoda criança surda, o contexto em que esse processo de aquisição da 
primeira língua acontece é aquele em que as crianças têm a chance de encontrar o outro 
surdo, ou seja, além de ver os sinais, ela precisará ter “escutas” para sua produção em sinais 
(Souza, 2000), ou seja, elas precisam ter interlocutores em Libras. A escola torna-se, 
portanto, um espaço linguístico fundamental, pois será onde a criança surda terá a 
oportunidade de contato com a língua de sinais brasileira. 
 
O português será a língua significada através da escrita. A sua aquisição dependerá de sua 
representação enquanto língua, com funções relacionadas ao acesso às informações e 
comunicação entre os pares surdos e entre surdos e ouvintes, por meio da escrita. Entre os 
surdos fluentes em português, o uso da escrita faz parte do seu cotidiano através de diferentes 
tipos de produção textual, em especial, destaca-se a comunicação através de chats e e-mails. 
 
No entanto, atualmente, a aquisição do português escrito por crianças surdas ainda é baseada 
no ensino do português para crianças ouvintes que adquirem o português falado como 
primeira língua. A criança surda é colocada em contato com a escrita do português para ser 
alfabetizada seguindo os mesmos passos e materiais utilizados nas escolas com as crianças 
falantes de português. Várias tentativas de alfabetizar a criança surda através do português já 
 20 
foram realizadas, desde a utilização de métodos artificiais de estruturação de linguagem até o 
uso do português sinalizado
7
 
8
. 
 
A partir dos vários estudos sobre o estatuto de diferentes línguas de sinais e seu processo de 
aquisição, muitos autores passaram a investigar o processo de aquisição por alunos surdos de 
uma língua escrita que representa a modalidade oral-auditiva (Andersson, 1994; Ahlgren, 
1994; Ferreira-Brito, 1993; Berent, 1996; Quadros, 1997 entre outros). A aquisição do sueco, 
do inglês, do espanhol, do português por alunos surdos é analisada como a aquisição de uma 
segunda língua. Esses educadores e pesquisadores pressupõem a aquisição da língua de sinais 
como aquisição da primeira língua e propõem a aquisição da escrita da língua oral-auditiva 
como aquisição de uma segunda língua. Sobre a aquisição da segunda língua por alunos 
surdos, apresentam-se alguns pressupostos fundamentais: 
 
(a) o processamento cognitivo espacial especializado dos surdos; 
(b) o potencial das relações visuais estabelecidas pelos surdos; 
(c) a possibilidade de transferência da língua de sinais para o português; 
(d) as diferenças nas modalidades das línguas no processo educacional; 
(e) as diferenças dos papéis sociais e acadêmicos cumpridos por cada língua; 
(f) as diferenças entre as relações que a comunidade surda estabelece com a escrita tendo em 
vista sua cultura; 
(g) um sistema de escrita alfabética diferente do sistema de escrita das línguas de sinais; e 
(h) a existência do alfabeto manual, que representa uma relação visual com as letras usadas 
na escrita do português. 
 
Os alunos são dependentes das habilidades da sua primeira língua, particularmente, daquelas 
relacionadas ao letramento na primeira língua. Na perspectiva do desenvolvimento cognitivo, 
a aquisição de uma segunda língua é similar ao processo de aquisição da primeira língua. No 
entanto, no caso dos surdos, deve ser considerada a inexistência de letramento escrito na 
primeira língua. Os surdos não são letrados na escrita de da Libras quando se deparam com o 
português escrito. A escrita passa a ter uma representação na língua portuguesa para os 
 
7 No Brasil, os métodos artificiais de estruturação de linguagem mais difundidos são a Chave de Fitzgerald e o 
de Perdoncini. Português sinalizado é um sistema artificial adotado por escolas especiais para surdos. Tal 
sistema toma sinais da língua de sinais e os usa na estrutura do português. Há vários problemas com esse 
sistema no processo educacional de surdos, pois, além de desconsiderar a complexidade linguística da língua de 
sinais brasileira, é utilizado como um meio de ensino do português. Para mais detalhes, ver Quadros (1997). 
8 Para mais detalhes sobre a produção escrita do português de alunos surdos, ver a unidade 2. 
 21 
surdos se mediada através de uma língua que possua significação para eles. As palavras não 
são ouvidas pelos surdos, eles não discutem sobre as coisas e seus significados no português; 
por outro lado, isso acontece na língua de sinais. Assim, a escrita do português é significada a 
partir da língua de sinais. 
 
Existe a escrita da língua de sinais (Sign Writing), um sistema não alfabético que representa 
as unidades espaciais-visuais dessa língua. No entanto, ela não é difundida o suficiente ainda. 
Caso o fosse, os surdos poderiam ser letrados na sua própria língua, o que favoreceria, 
provavelmente, a aquisição da escrita do português. 
 
O português enquanto segunda língua apresenta características de aquisição observadas em 
processos de aquisição de outras línguas: observa-se variação individual tanto no nível do 
êxito como no processo, nas estratégias e nos objetivos; há fossilização, ou seja, 
estabilização de certos estágios; há também a indeterminação das intuições (em relação ao 
que é e o que não é permitido na gramática da língua-alvo) e pode haver influência de 
fatores afetivos. 
 
A segunda língua apresentará vários estágios de interlíngua, isto é, no processo de aquisição 
do português, os surdos apresentarão um sistema que não mais representa a primeira língua, 
mas que ainda não representa a língua alvo. Apesar disso, esses estágios da interlíngua 
apresentam características de um sistema linguístico com regras próprias e que vai em 
direção à segunda língua. Isto é, a interlíngua não é caótica e desorganizada, mas apresenta 
hipóteses e regras que começam a delinear outra língua que já não é mais a primeira língua 
daquele que está no processo de aquisição da segunda língua. Na produção textual dos alunos 
surdos, observa-se esse processo (Brochado, 2002). 
 
A criança surda pode ter acesso à representação gráfica da língua portuguesa – processo 
psicolinguístico da alfabetização – e à explicitação e construção das referências culturais da 
comunidade letrada. A tarefa tornar-se-á possível se o processo for de alfabetização de 
segunda língua, sendo a língua de sinais reconhecida e efetivamente a primeira língua. 
 
Nesse processo, há vários momentos em que se faz necessária a análise implícita e explícita 
das diferenças e semelhanças entre a língua de sinais brasileira e o português. Nesse sentido, 
há processos de tradução em que ocorre a tradução dos conhecimentos adquiridos através da 
 22 
língua de sinais, dos conceitos, dos pensamentos e das ideias para o português. Como diz 
Karnopp (2002), “as pessoas não constroem significados em vácuo”. 
 
O ensino do português pressupõe, portanto, a aquisição da língua de sinais brasileira – “a” 
língua da criança surda. A língua de sinais também apresenta um papel fundamental no 
processo de ensino-aprendizagem do português. A ideia não é simplesmente uma 
transferência de conhecimentos da primeira língua para a segunda língua, mas sim um 
processo paralelo de aquisição e aprendizagem em que cada língua apresenta seus papéis e 
valores sociais representados. 
 
Reflexões finais desta unidade 
 
As políticas linguísticas atuais ainda enfatizam o caráter instrumental da língua de sinais 
brasileira na educação de surdos. As línguas que fazem parte da vida dos surdos na sociedade 
apresentam papéis e representações diferenciadas caracterizando uma forma bilíngue de ser. 
O fato de os surdos adquirirem a língua de sinais como uma língua nativa fora do berço 
familiar demanda à escola um papel que outrora fora desconhecido. A escola passa a ser o 
ambiente de aquisição da linguagem, mesmo quando os paisaprendem a língua de sinais e 
participam desse processo. 
 
Além disso, a aquisição do português não se dará por meio de um ensino de português como 
língua materna, como é previsto nos currículos. No caso dos surdos, esse processo exige uma 
abordagem com base no ensino de segunda língua. As variáveis que entram em cena nesse 
contexto particular devem ser consideradas, pois, o português, apesar de ser uma segunda 
língua, não é uma língua estrangeira para os surdos brasileiros. Além disso, essa língua 
passará a fazer parte da vida dos surdos pelos olhos e não pelo ouvido, ou seja, o ensino se 
aterá à língua escrita. 
 
É tempo de reconhecer de fato a Libras como primeira língua dos surdos, a língua portuguesa 
enquanto sua segunda língua e a riqueza cultural que a comunidade surda traz com suas 
experiências sociais, culturais e científicas. As políticas linguísticas brasileiras devem 
considerar esse contexto. A educação de surdos não pode mais continuar refém da falta de 
conhecimento dos profissionais que estão envolvidos na educação desses sujeitos. Neste 
momento histórico, a situação bilíngue dos surdos está posta.

Continue navegando