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SILVIO JOSÉ LEMOS VASCONCELLOS VIVIAN DE MEDEIROS LAGO (organizadores) A PSICOLOGIA JURÍDICA E AS SUAS INTERFACES: um panorama atual Santa Maria, 2016 ORGANIZADORES Silvio José Lemos Vasconcellos Psicólogo (Universidade do Vale do Rio dos Sinos), Mestre em Ciências Criminais (PUC-RS) e Doutor em Psicologia (UFRGS). Professor Adjunto III da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Professor do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFSM. Coordenador do grupo de Pesquisa e Avaliação de Alterações da Cognição Social (PAACS) vinculado à Universidade Federal de Santa Maria. Vivian de Medeiros Lago Psicóloga (UCPel) e Graduada em Direito (UFPel). Possui especialização em Psicologia Jurídica (Ulbra) e é Mestra e Doutora em Psicologia (UFRGS). Atualmente é Pós-doutoranda em Psicologia no Grupo de Estudo, Aplicação e Pesquisa em Avaliação Psicológica (GEAPAP - UFRGS). Professora dos cursos de Psicologia da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS) e das Faculdades Integradas de Taquara (FACCAT). SUMÁRIO Organizadores Apresentação Sobre os autores Capítulo 1 As práticas de atuação do psicólogo no contexto jurídico Vivian de Medeiros Lago Tauany Brizolla Flores do Nascimento Capítulo 2 Elaboração de documentos psicológicos no contexto forense Sonia Liane Reichert Rovinski Capítulo 3 Perícia psicológica no direito do trabalho Helena Diefenthaeler Christ Capítulo 4 Relacionamento parental em situações de disputa de guarda: o que avaliar? Vivian de Medeiros Lago Denise Ruschel Bandeira Capítulo 5 Alienação parental: uma análise psicojurídica Victoria Muccillo Baisch Lilian Milnitsky Stein Capítulo 6 Sete erros na avaliação de situações de abuso sexual contra crianças e adolescentes Cátula da Luz Pelisoli Débora Dalbosco Dell’Aglio Steve Herman Capítulo 7 A Psicologia na socioeducação de adolescentes Analice Brusius Magale de Camargo Machado Capítulo 8 Incompreensões sobre a mente criminosa e as suas implicações éticas e jurídicas Silvio José Lemos Vasconcellos Roberta Salvador Silva Thiago Ferreira Mucenecki Jaíne Foletto Silveira Capítulo 9 Psicopatia: um olhar sobre a população feminina e suas implicações jurídicas Fernanda de Vargas Fernanda Xavier Ho�meister Priscila Flores Prates Silvio José Lemos Vasconcellos Capítulo 10 Análise do comportamento comunicativo – ACC: investigando pistas de dissimulação em depoimentos Rui Mateus Joaquim Mônica Azzariti Créditos SOBRE OS AUTORES Analice Brusius Psicóloga (Universidade do Vale do Rio dos Sinos) e Mestra em Ciências Sociais (Universidade do Vale do Rio dos Sinos). Psicóloga da Fundação de Atendimento Socioeducativo do Rio Grande do Sul. Atualmente é professora da Faculdade de Psicologia na Instituição Evangélica de Novo Hamburgo. Também possui formação em Justiça Restaurativa. Cátula da Luz Pelisoli Psicóloga (Universidade do Vale do Rio dos Sinos), Especialista em Psicoterapia Cognitivo-Comportamental pelo Instituto WP - Centro de Psicoterapia Cognitivo-Comportamental, Mestra e Doutora em Psicologia (UFRGS), com período de doutorado sanduíche na University of Hawaii at Hilo. Atualmente é Psicóloga Judiciária do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul na Comarca de Passo Fundo, professora da Faculdade João Paulo II e professora convidada do Instituto WP. Débora Dalbosco Dell’Aglio Psicóloga (PUC-RS), Mestra e Doutora em Psicologia do Desenvolvimento (UFRGS). Atualmente é docente do Programa de Pós- Graduação em Psicologia da UFRGS, orientadora de mestrado e doutorado, Editora da Revista Psicologia Re�exão e Crítica/Psychology e Coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Adolescência (NEPA/UFRGS). Denise Ruschel Bandeira Psicóloga (PUC-RS), Mestra e Doutora em Psicologia (UFRGS). É a atual Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFRGS, orientadora de mestrado e doutorado e Coordenadora do Grupo de Estudos, Aplicação e Pesquisa em Avaliação Psicológica. Fernanda de Vargas Psicóloga (Unifra), Especialista em Psicologia, ênfase em Saúde Comunitária (UFRGS) e Mestra em Psicologia com ênfase em Saúde (UFSM). Concluiu o Programa Especial de Graduação em Formação de Professores para a Educação Pro�ssional (PEG) pela UFSM, sendo assim Licenciada em Psicologia. Fernanda Xavier Ho�meister Psicóloga (Unifra), Pós-graduada em Avaliação Psicológica (UNISC) e Mestranda em Psicologia com ênfase em Saúde (UFSM). Concluiu o Programa Especial de Graduação em Formação de Professores para a Educação Pro�ssional (PEG) pela UFSM, sendo assim Licenciada em Psicologia. Helena Diefenthaeler Christ Psicóloga (PUC-RS) e Mestra em Psicologia Clínica (PUC-RS). Possui especialização em Psicologia Jurídica (Ulbra) e Formação em Psicoterapia de Técnicas Integradas (Instituto Fernando Pessoa). Atualmente é professora titular de graduação e pós-graduação da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões (URI/FW) e Diretora do Núcleo de Estudos e Atendimentos em Psicologia (Nexos). Jaíne Foletto Silveira Psicóloga (UFSM). Mestranda em Psicologia (UFSM). Lilian Milnitsky Stein Psicóloga (UFRGS), Especialista em Psicologia Escolar (PUC-RS). Mestra em Applied Cognitive Science (Ontario Institute for Studies in Education). Doutora em Cognitive Psychology (University of Arizona) e Pós- doutora (Universidad de Barcelona). Atualmente é professora titular do Programa de Pós-Graduação em Psicologia (PUC-RS). Magale de Camargo Machado Psicóloga (Universidade Vale do Rio dos Sinos), integrante da equipe no Centro de Atenção Psicossocial da Infância e Adolescência de Novo Hamburgo (CAPSi/NH). Doutora em Educação (UFRGS). É professora da Faculdade Instituição Evangélica de Novo Hamburgo (IENH), no curso de Psicologia. Pesquisadora em estágio pós-doutoral no exterior/Brasil- Universidade Paris 8/França. Mônica Azzariti Fonoaudióloga. Pós-graduada em Linguística (UGF), Pós-graduada em Segurança Pública (FIAVM). Especialista em voz (título concedido pelo CFFa). Mestre em Linguística (UERJ), pesquisadora do FSI Brasil. Professora do IPEBJ. Instrutora do curso de negociações com reféns do BOPE/RJ e perita no TJRJ. Priscila Flores Prates Psicóloga (Unifra), Especialista em Terapia Cognitivo- Comportamental (UFRGS) e Mestranda em Psicologia com ênfase em Saúde (UFSM). Atualmente é bolsista FAPERGS. Roberta Salvador Silva Psicóloga (Faculdades Integradas de Taquara). Especialista em Psicoterapia Cognitivo-Comportamental (PUC-RS), Mestra e Doutoranda em Psicologia também pela PUC-RS. Integra o Grupo de Pesquisa Neurociência Afetiva e Transgeracionalidade (GNAT), coordenado pela professora Adriane Arteche. Rui Mateus Joaquim Psicólogo. Mestre em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem pelo Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Ciências (UNESP). Doutorando do Programa de Ciências da Reabilitação do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da USP. Sonia Liane Reichert Rovinski Psicóloga (PUC-RS), Mestra em Psicologia Social e da Personalidade pela mesma universidade e Doutora em Psicologia (Universidade de Santiago de Compostela, ES). Atualmente, atua na área da Psicologia Forense como perita e assistente técnica. Coordena o curso de Especialização em Psicologia Jurídica da Projecto - Centro Cultural e de Formação (RS) e o curso de Especialização em Psicologia Jurídica do Instituto Sapiens (PR). Pós-doutoranda na área de avaliação psicológica forense (GEAPAP-UFRGS). Steve Herman Bacharel em Filoso�a pelo Reed College (Portland, EUA) e Doutor em Aconselhamento Psicológico pela Stanford University (Califórnia, EUA). Atualmente é professor assistente no Departamento de Psicologia da University of Hawaii at Hilo (EUA). Tauany Brizolla Flores do Nascimento Psicóloga (Faculdades Integradas de Taquara - FACCAT). Thiago Ferreira Mucenecki Psicólogo (Unifra), Especialista em Neuropsicologia pela Projecto - Centro Cultural e de Formação e Mestre em Psicologia da Saúde (UFSM). Atualmente é professor da Universidade RegionalIntegrada do Alto Uruguai e das Missões (URI-Santiago). Victoria Muccillo Baisch Advogada especialista em Direito de Família Contemporâneo e Mediação. Mestra em Psicologia pela Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) na área de concentração Cognição Humana. Advoga na área do Direito de Família e Sucessões e é professora convidada da Pós-Graduação em Direito de Família Contemporâneo e Mediação da FADERGS. APRESENTAÇÃO Conforme o dicionário Novo Aurélio, a palavra interface, em um dos seus signi�cados recorrentes, descreve um conjunto de elementos comuns entre duas ou mais áreas do conhecimento. Pode-se dizer, nesses termos, que a Psicologia, ao aproximar-se das ciências jurídicas, consolidou interlocuções e estabeleceu interfaces verdadeiramente dinâmicas. A Psicologia Jurídica é, portanto, um campo caracterizado por transformações que não cessam e diálogos que não se esgotam. Retratar um panorama atual dessa complexa área do conhecimento e seus desdobramentos no Brasil não é, por certo, uma tarefa simples ou diante da qual seja possível prescindir de uma pluralidade de olhares. Para tanto, torna-se necessário agregar perspectivas distintas e, ao mesmo tempo, complementares. Mais do que reunir concepções, é preciso, para esses �ns, produzir interlocuções. Dessa forma, a obra A Psicologia Jurídica e as suas Interfaces: um panorama atual objetiva não apenas retratar a realidade hodierna e multifacetada dessa complexa área do conhecimento, mas também explicitá-la a partir das suas interconexões e possibilidades epistêmicas. Temas abrangentes, a exemplo da socioeducação de adolescentes em con�ito com a lei; alienação parental e disputa de guarda; avaliação de situações de abuso sexual; perícias e produção de documentos jurídicos; bem como questões relacionadas à avaliação psicológica na esfera criminal e outros temas perpassam os diferentes capítulos deste livro. Se, por um lado, ao longo deste trabalho, algumas segmentações tornam-se necessárias como forma de melhor organizá-lo, por outro, é possível identi�car o caráter integrador que o perfaz. Uma integração que, no que se refere à Psicologia Jurídica, permite fortalecer interfaces historicamente consolidadas, bem como subsidiar, em termos teóricos, práticas incipientes. A partir dessa perspectiva, as autoras Vivian de Medeiros Lago e Tauany Brizolla Flores do Nascimento discorrem, no primeiro capítulo desta obra, sobre as práticas do psicólogo jurídico nos diferentes campos de interface da Psicologia com o Direito. As atividades são descritas a partir da divisão entre área Cível e área Penal, evidenciando trabalhos mais consolidados, como perícias e acompanhamento psicológico, assim como práticas mais recentes, como a mediação, o depoimento especial e a justiça restaurativa. No segundo capítulo, a autora Sonia Rovinski discorre sobre a elaboração de documentos psicológicos forenses na área cível. Além dos cuidados éticos necessários e das demandas da escrita técnico-cientí�ca, também são discutidas as peculiaridades especí�cas da estrutura e conteúdo do laudo pericial e do parecer crítico do assistente técnico. O capítulo três, de autoria de Helena Diefenthaeler Christ, trata sobre perícias psicológicas no âmbito do Direito do Trabalho. A autora destaca a importância de avaliar a queixa apresentada, de considerar possíveis simulações, de realizar diagnóstico e de estabelecer o nexo de causalidade entre o dano e a ação praticada pelo empregador. Essas perícias podem envolver depressão, transtorno de estresse pós- traumático, estresse ocupacional, síndrome de burnout, além de situações como assédio sexual e assédio moral. No capítulo quatro, intitulado Relacionamento parental em situações de disputa de guarda: o que avaliar?, as autoras Vivian de Medeiros Lago e Denise Ruschel Bandeira assinalam os aspectos do relacionamento parental que são relevantes para de�nir a guarda dos �lhos. Os estudos teórico e empírico realizados oferecem diretrizes sobre o que deve ser considerado no momento de fazer uma recomendação de quem deverá �car com a guarda, ou o tipo de guarda e direito de convivência. O quinto capítulo, de autoria de Victoria Muccillo Baisch e Lilian Milnitsky Stein, analisa aspectos jurídicos e psicológicos da temática da alienação parental. A sugestionabilidade infantil, com possibilidade de formação de falsas memórias na criança vítima de alienação parental, e suas implicações do fenômeno no âmbito jurídico também são discutidas. Cátula Pelisoli, Débora Dalbosco Dell’Aglio e Steve Herman escreveram o sexto capítulo desta obra, que aponta e discute sete erros frequentes na avaliação de situações de abuso sexual contra crianças e adolescentes. Os equívocos abordados podem causar impactos signi�cativos nas vidas das pessoas envolvidas e, por isso, é importante buscar minimizar os riscos de erros nessas avaliações. No sétimo capítulo da obra, as autoras Analice Brusius e Magale de Camargo Machado exploram a temática da socioeducação de adolescentes. Re�exões interessantes sobre o trabalho da Psicologia com adolescentes autores de ato infracional que cumprem medidas socioeducativas de internação são apresentadas. A articulação teórica aliada à realidade de trabalho das autoras permite uma compreensão do trabalho do psicólogo nessa seara. No capítulo oito, os autores Silvio José Lemos Vasconcellos, Roberta Salvador Silva, Thiago Ferreira Mucenecki e Jaíne Foletto Silveira desenvolvem uma análise do estado atual de conhecimento sobre uma das temáticas mais controversas da Criminologia. Mais do que explicar como algumas pesquisas básicas são desenvolvidas nesse campo, o trabalho visa tecer considerações sobre as implicações éticas desses achados. Aborda, portanto, uma interface histórica e, ao mesmo tempo atual, envolvendo o Direito Penal e as ciências da mente. O nono capítulo, elaborado por Fernanda Xavier Ho�meister, Fernanda de Vargas, Priscila Flores Prates e Silvio José Lemos Vasconcellos, contempla a avaliação da psicopatia em mulheres e suas implicações jurídicas. Explicitar os impasses que caracterizam essa interface da Psicologia com o Direito é, portanto, o objetivo maior do trabalho em questão. Para tanto, considerações sobre a sintomatologia da psicopatia também integram a citada proposta. No capítulo �nal desta obra, os autores Mônica Azzariti de Pinho Barbosa e Rui Mateus Joaquim tecem considerações sobre um campo recente de atuação dos psicólogos jurídicos e fonoaudiólogos forenses: a análise do comportamento comunicativo. Explicitando essa recente interface da Psicologia com o Direito Penal, o trabalho elucida os pressupostos teóricos que fundamentam essa prática, bem como as possibilidades relacionadas a esse campo especí�co de atuação pro�ssional. Re�exões sobre a necessidade de fundamentar o trabalho de forma ética e bem embasada também integram o capítulo que encerra a obra. De um modo geral, esta obra ilustra, tal como o subtítulo sugere, um panorama atual da própria Psicologia Jurídica. Nesses termos, ao longo de dez capítulos, os autores buscam caracterizar diferentes áreas relacionadas à interface entre Direito, Psicologia e outras ciências a�ns, apontando direções e indicando possibilidades de aperfeiçoamento no que se refere a esse mesmo diálogo. O livro objetiva, portanto, não apenas informar sobre determinadas práticas e seus respectivos aportes teóricos, mas também contribuir para aprimorá-las dentro da ampla realidade que perfaz a Psicologia Jurídica. CAPÍTULO 1 AS PRÁTICAS DE ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO NO CONTEXTO JURÍDICO Vivian de Medeiros Lago Tauany Brizolla Flores do Nascimento A Psicologia Jurídica é reconhecida como especialidade pelo Conselho Federal de Psicologia há quatorze anos. Como tal, ainda é uma das especialidades mais recentes no Brasil e, por isso, tem sido alvo de inúmeras discussões acerca das múltiplas solicitações convergidas a quem atua nesse campo interdisciplinar(BRITO, 2012). Embora tenha havido uma ampliação do trabalho do psicólogo jurídico na última década, a demanda ainda é muito associada ao exercício da avaliação psicológica, em que o pro�ssional busca diagnosticar as condições psicológicas dos sujeitos em con�ito com a lei. Assim, o psicólogo busca desmisti�car esse rótulo adquirido ao longo da história, implementando outras ações e práticas no contexto jurídico (AGUIAR, 2005). Muitas pessoas têm uma ideia equivocada ou distorcida do que faz um psicólogo jurídico. Isso se deve à grande in�uência da mídia que, diversas vezes, relaciona o psicólogo jurídico à aplicação de uma determinada lei e também a um desconhecimento por parte da sociedade em geral (HUSS, 2011). Assim sendo, o presente capítulo tem como objetivo apresentar as diferentes possibilidades de atuação do psicólogo jurídico, enfocando as áreas Cível e Criminal. Os capítulos seguintes da obra explorarão temas especí�cos dentro dessas atuações. Psicologia Jurídica A de�nição de Psicologia Jurídica ainda é debatida entre os psicólogos atualmente (HUSS, 2011). Para o autor, a especialidade refere- se, exclusivamente, à “aplicação da psicologia clínica ao Poder Judiciário” (p. 23), com foco na avaliação e tratamento, enquanto que em um nível mais abrangente a Psicologia Jurídica pode ser vista como a aplicação da Psicologia, em geral, no auxílio do sistema legal. Clemente (1998) e Muñoz Sabaté (1980) citados por Trindade (2004), ao buscarem de�nir a Psicologia Jurídica, discutem alguns conceitos. O primeiro a de�ne de maneira mais teórica, como sendo o estudo comportamental de indivíduos que, por alguma razão, devem se desenvolver em um contexto juridicamente controlado, além do estudo da evolução das leis que orientam esses espaços. Já o segundo, ao falar sobre a Psicologia para o Direito, a de�ne como uma ciência intimada a prestar auxílio no exercício do Direito. Altoé (2003, p. 118) de�ne o trabalho da Psicologia Jurídica como o de “informar, apoiar, acompanhar e dar orientação pertinente a cada caso atendido nos diversos âmbitos do Sistema Judiciário”, prestando auxílio aos pro�ssionais do Direito. Brito (2005) disserta que, inicialmente, a Psicologia Jurídica era solicitada basicamente, pelo Poder Judiciário, para a realização de avaliações e exames. Já, atualmente, a autora entende que a especialidade busca expor aos pro�ssionais do Direito uma determinada situação sob outro olhar que não o do Direito, mas o da Psicologia. Para uma melhor compreensão da Psicologia Jurídica, é importante, didaticamente, dividi-la em inserções no âmbito penal/criminal e no âmbito cível (HUSS, 2011). Essa divisão advém de uma separação legal entre o Direito Penal e Civil, cujos propósitos divergem e, consequentemente, trazem diferenças ao papel do psicólogo que desenvolve trabalhos voltados para um ou outro âmbito. O Direito Civil diz respeito ao direito privado de cada cidadão, sendo que ao ocorrer a violação desse direito, causando alguma injustiça e/ou prejuízo, caberá à pessoa que sofreu a injustiça decidir tomar alguma atitude legal ou não. A violação de determinados direitos civis pode ocorrer intencionalmente ou por negligência, quando um indivíduo está em um nível elevado de desatenção, por exemplo. Dentro da esfera do Direito Civil, as principais atuações do psicólogo estão ligadas às áreas de guarda dos �lhos, responsabilidade civil, danos pessoais e indenização a trabalhadores (HUSS, 2011). Além das citadas anteriormente, destacam-se como áreas de atuação no Direito Civil: interdição judicial, destituição do poder familiar, adoção, regulamentação de visitas em casos de divórcio dos pais e trabalho com adolescentes autores de atos infracionais (LAGO et al., 2009). Já o Direito Penal tem seu cerne nos atos cometidos contra a sociedade em geral, cabendo ao Estado proibir determinados comportamentos, de�nir o que será, ou não, considerado crime e julgar quais condutas serão passíveis de punição. Assim, o objetivo principal do Direito Penal é prevenir o cometimento de crimes bem como manter um senso de justiça na sociedade. Dessa forma, as principais áreas de atuação do psicólogo, nesse campo, estão ligadas à inimputabilidade e responsabilidade criminal, tratamento de agressores sexuais e capacidade para se submeter a julgamento (HUSS, 2011). Ainda incluem- se nas demandas do psicólogo no Direito Penal as práticas em Institutos Psiquiátricos Forenses e no Sistema Penitenciário (LAGO et al., 2009). Principais campos de atuação e suas demandas Os principais campos de atuação do psicólogo jurídico estão relacionados ao Direito Civil e ao Direito Penal. Acerca do Direito Civil sugere-se uma subdivisão em Direito de Família, Direito da Criança e do Adolescente e Direito do Trabalho, justi�cando-a por ser didaticamente adequado e por se tratar de varas diferentes nas execuções dos processos (HUSS, 2011; LAGO et al., 2009). Direito Civil No Direito de Família observa-se a solicitação de um psicólogo jurídico, principalmente, em casos de divórcio litigioso, disputa de guarda e regulamentação do direito de convivência. Nessas situações, o psicólogo contribui com os operadores do Direito fornecendo informações sobre a dinâmica familiar dos envolvidos no con�ito, auxiliando nas decisões judiciais (LAGO et al., 2009). O divórcio pode ser entendido como a anulação de um casamento perante a lei, consequência de uma ruptura conjugal anterior. Assim, caso o juiz ou as partes julguem necessário, podem solicitar o trabalho de um psicólogo para prestar auxílio durante o processo. A principal demanda do psicólogo nesse contexto é apresentar, como perito exterior ao tribunal, subsídios técnicos que possam auxiliar na resolução do processo, trabalhando no sentido de minimizar as consequências negativas que um divórcio possa vir a apresentar a todos os sujeitos envolvidos (COSTA et al., 2009; ROSA et al., 2005). A atuação do psicólogo também pode estar voltada à mediação quando existir a possibilidade de acordo entre as partes e, também, como avaliador (perito) se assim solicitado pelo juiz (LAGO et al., 2009). Com isso, as intervenções do psicólogo devem auxiliar em obter uma maior clareza sobre a situação psicológica do caso, procurando ser realizadas totalmente com base em teoria cientí�ca visando o bem-estar de todos os envolvidos (TRINDADE, 2004). A disputa de guarda é o con�ito familiar que mais demanda auxílio da Psicologia ao Direito. Dessa maneira, o principal trabalho do psicólogo é o de realizar perícia psicológica, ou seja, realizar uma avaliação psicológica, solicitada pelo juiz, com o objetivo de oferecer contribuições para sua tomada de decisão (MACIEL; CRUZ, 2009). Assim, nota-se ser fundamental avaliar a qualidade do relacionamento da criança com ambos os genitores e com outros responsáveis que tomam conta dela por meio da competência parental, ou seja, avaliar o conjunto de práticas que os pais e/ou responsáveis assumem ao cuidar e se responsabilizar por seus �lhos (MACIEL; CRUZ, 2009). Vale destacar que é papel do psicólogo, ao realizar uma perícia de disputa de guarda, assegurar que sejam preservados sempre os interesses da criança envolvida, e não somente os de um dos genitores (LAGO; BANDEIRA, 2008). Conforme o tipo de guarda determinado na decisão judicial, podem ser de�nidos aspectos relacionados ao direito de convivência/visitas. Após essa decisão, se ainda houver con�itos relacionados a ela, o psicólogo pode ser chamado pelo juiz para, após avaliar a dinâmica familiar, sugerir alguma intervenção para a resolução desse con�ito (LAGO et al., 2009). Outro papel que o psicólogo pode desempenhar na área de interface com o Direito de Família é o de mediador. A mediação é uma prática alternativa na resolução de con�itos, em que as partes possuem autonomia para buscar acordos, contando para isso com a �gura do mediador. No Brasil, tem se tornado cada vez mais frequente a utilização da mediação no contexto familiar, para auxiliar ex-cônjuges no processo de divórcio. Embora aindanão regulamentada em nosso país, essa técnica tem sido utilizada por pro�ssionais de diferentes áreas, de forma voluntária. Não é uma prática de uso exclusivo do psicólogo, podendo ser utilizada por advogados, assistentes sociais, sociólogos, por exemplo. Independentemente da área de formação do pro�ssional, é importante que ele conheça não apenas sobre as leis que regulamentam o divórcio, mas também sobre os processos psicológicos envolvidos. Como bem apontam Chaves e Maciel (2005), o divórcio envolve muito estresse, pois demanda um período de transição da família para se adaptar a uma situação nova. Assim sendo, as autoras defendem o serviço de Mediação nas Varas de Família como um meio de oferecer suporte a essas famílias, orientando-as e esclarecendo-as quanto a esse evento, buscando um trabalho de fortalecimento das relações parentais, a �m de que perdurem após o término da relação conjugal. O psicólogo que atuar como mediador familiar procurará, por meio de encontros e entrevistas com os membros da família, facilitar a comunicação entre eles, objetivando uma solução consensual, que respeite os direitos das crianças e dos adolescentes. O psicólogo deverá ser neutro na relação, não lhe cabendo opinar, sugerir, decidir ou impor nada. Uma vez realizado o acordo entre as partes, esse passa a ser um compromisso entre todos os envolvidos (SILVA, 2006). Por ter sido elaborado pelas próprias partes, espera-se que o acordado seja cumprido de forma mais efetiva do que se imposto judicialmente. O psicólogo que desenvolve trabalhos na área do Direito de Família, seja como perito (nomeado pelo juiz), assistente técnico (contratado pelas partes para questionar tecnicamente as análises do perito) ou mediador, deve buscar conhecimentos interdisciplinares, que envolvem, muitas vezes, legislações. É importante buscar constante atualização, dominando temas e leis que envolvem, por exemplo, os tipos de guarda e a alienação parental. Esse último tema será abordado de forma mais especí�ca no capítulo 5. No Direito da Criança e do Adolescente nota-se a demanda de um psicólogo nos casos de adoção e destituição do poder familiar. Percebe- se também o trabalho de psicólogos com adolescentes autores de atos infracionais (LAGO et al., 2009). Nos casos de adoção, o principal trabalho do psicólogo, nos Juizados da Infância e da Juventude, é o de participar da seleção da família que pretende fazer a adoção e acompanhar todo o processo. Assim, nota-se a utilidade de intervenções psicológicas no sentido de poder, com base no conhecimento cientí�co sobre as relações humanas, predizer o sucesso do processo, bem como precaver sobre possíveis problemas que possam vir a ocorrer (WEBER, 2005). Dessa forma, o psicólogo irá intervir como um facilitador na formação de vínculos, devendo ser capaz de amparar emocionalmente e favorecer a habituação entre a criança e a nova família (ALVARENGA; BITENCOURT, 2013). Para que se viabilize o desenvolvimento sadio de uma criança, o mais adequado é que ela esteja com sua família, quando esta exerce com e�cácia os cuidados parentais. Porém, muitas famílias não obtêm sucesso no desempenho desse cuidado, prejudicando o desenvolvimento físico, psíquico e social da criança. Nos casos em que é comprovada a exposição da criança a esses riscos, os pais poderão vir a perder o direito do poder familiar sobre seus �lhos (ALBORNOZ, 2009). Com isso, torna-se fundamental a intervenção de um psicólogo que, inserido em equipe multipro�ssional, tem como trabalho a realização de perícia psicológica, a �m de subsidiar a decisão do juiz por deferir, ou não, a decisão de destituição do poder familiar (FANTE; CASSAB, 2007; LAGO et al., 2009). Além de um acompanhamento psicológico, o psicólogo deve agir de modo a assegurar os direitos fundamentais e favorecer a promoção da saúde mental da criança e de sua família de origem (CESCA, 2004). Uma solicitação frequente aos psicólogos são as perícias envolvendo suspeita de abuso sexual, as quais podem estar associadas a processos de destituição do poder familiar. Tais avaliações são um desa�o aos pro�ssionais da área da saúde mental, em virtude de alguns fatores, como a idade da criança supostamente abusada, o que implica limitações na comunicação verbal. Conforme apontam Schaefer, Rossetto e Kristensen (2012), especialmente nas situações de abuso intrafamiliar, a criança nem sempre consegue identi�car aquele ato como abusivo, em virtude da relação estabelecida com seu cuidador, quem deveria zelar por sua proteção. As perícias judiciais de suspeita de abuso sexual, solicitadas por autoridades jurídicas, buscam uma con�rmação, ou não, do fato. A preocupação com as consequências advindas do abuso não se caracteriza como tipicamente papel da Psicologia Jurídica, mas sim do contexto clínico. Contudo, conforme destacam Gava, Pelisoli e Dell’Aglio (2013), essa con�rmação da ocorrência do abuso deve respeitar os limites das técnicas psicológicas, que deverão ser abrangentes e compreensivas, integrando diferentes fontes de informação. Pelisoli, Gava e Dell’Aglio (2011) discutem em seu artigo sobre a tomada de decisão em situações de abuso sexual infantil. Destacam o elevado índice de discordâncias evidenciado na literatura, o que leva a crer que possam existir posicionamentos errôneos acerca da existência do fato. Tais erros podem signi�car tanto falsos positivos (quando o abuso de fato ocorreu) quanto falsos negativos (quando o fato ocorreu e o pro�ssional, por meio de sua avaliação, entende que não). Infelizmente, falsas acusações de abuso sexual têm se tornado frequentes, manifestando-se como uma forma de alienação parental, ou seja, uma forma de romper totalmente o vínculo entre a criança e o genitor. É muito importante que o psicólogo esteja atento a essas possibilidades ao conduzir seu trabalho, como forma de garantir a qualidade de sua avaliação. Além das questões relacionadas ao poder familiar, entre elas a avaliação de suspeita de abuso sexual, existe o trabalho desenvolvido com os adolescentes em con�ito com a lei, aos quais são aplicadas medidas socioeducativas. Tais medidas objetivam incitar a presença do adolescente infrator na sociedade de maneira positiva, bem como ajudá- lo a dominar a situação de estar, temporariamente, afastado dela (LAGO et al., 2009). Nesse sentido, o psicólogo deve desenvolver intervenções que possam minimizar, a partir das redes externas de apoio do adolescente, a ocorrência de atos infracionais quando este retornar à sociedade. Zappe e Ramos (2010), ao estudarem o per�l de adolescentes privados de liberdade em Santa Maria/RS, referem à necessidade da criação de políticas sociais básicas que objetivem o desenvolvimento saudável de crianças e adolescentes, bem como o desenvolvimento de atividades em que os adolescentes possam se sentir incluídos e reconhecidos, estimulando-os a optar por tais atividades ao cometimento de atos infracionais. O cumprimento das medidas socioeducativas, sentenciadas pelo juiz, pode dar-se em meio aberto, como, por exemplo, em instituições de semiliberdade e liberdade assistida ou em meio fechado, em unidades de internação, podendo o psicólogo atuar nos dois espaços. Assim, cabe ao psicólogo planejar as rotinas do dia a dia dos adolescentes, atentando para o cumprimento das regras da instituição, bem como organizar atividades que ocupem o tempo ocioso e desenvolver, em conjunto com o adolescente, a construção do Plano Individual de Atendimento (PIA), em que o psicólogo assume o papel de ouvinte e orientador do adolescente, autor de seu próprio plano a partir de suas re�exões sobre o que está vivenciando e o que fará no futuro. Ainda, é papel do psicólogo vincular a unidade de internação a outros programas e serviços visando ao atendimento das necessidades, atuais e futuras, do adolescente, buscando facilitar o momento da saída da internação. O pro�ssional deve também ser capaz de identi�car indícios de situações de violência dentro da instituição, tomando as providências cabíveis, bem como de identi�caradolescentes em grande sofrimento mental e realizar os encaminhamentos pertinentes, documentando todo o trabalho conduzido com o adolescente. Também, o pro�ssional participa do relatório técnico elaborado por equipe interdisciplinar, encaminhado ao judiciário, acerca da personalidade do adolescente infrator (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2010a). Além do trabalho desenvolvido nas Varas de Família e de Infância e Juventude, existe também o trabalho nas Varas de Direito Civil. Nesses casos, o psicólogo, na maior parte das vezes, busca investigar a ocorrência de danos psíquicos e avaliar possíveis casos de interdições judiciais (LAGO et al., 2009). Para tais práticas de perícia psicológica forense, o psicólogo lança mão de seu conhecimento teórico-técnico na área da Psicologia, adaptando-o às normas legais, diferentemente de uma avaliação clínica (ROVINSKI, 2000). Dano psíquico pode ser de�nido como sendo algo impossível de ser averiguado objetivamente, “devendo esta tarefa �car a cargo de um perito com formação na área da saúde mental e experiência forense” (SILVA JUNIOR, 2006). França (2004) classi�ca-o como uma deterioração das funções psíquicas, em consequência de uma ação deliberada ou culposa de alguém. Castex (1997), citado por Rovinski (2000, p. 195), menciona os estudos em que aponta que visto sob o prisma da psicologia forense: [...] o dano (psíquico) supõe a existência de uma agressão produzida por um evento sobre o psiquismo de uma pessoa, de forma a provocar uma perturbação, distúrbio, disfunção, transtorno e/ou diminuição de uma dimensão vital, de modo a caracterizar-se como dano não patrimonial. O trabalho do psicólogo, nesse contexto, dá-se como avaliador em busca de comprovar, ou não, o nexo de causalidade entre o dano psíquico reclamado e o evento traumático desencadeador. É importante que o psicólogo busque se empenhar, por meio da perícia psicológica, em mensurar o nível de funcionamento psicológico do sujeito antes da ocorrência do evento, para que haja uma comparação com o nível de funcionamento atual, sendo possível detectar se houve prejuízo ou não do psiquismo do sujeito (HUSS, 2011). Assim, ao realizar a perícia, e para que se con�rme a existência de fato de um dano psicológico, o psicólogo deve identi�car comprometimentos psicológicos que não existiam anteriormente ao evento traumático desencadeador (MACIEL; CRUZ, 2009). A interdição judicial ocorre quando o sujeito perde a capacidade de gerenciar sua própria pessoa e seus bens (TEIXEIRA; RIGONATTI; SERAFIM, 2003). Na maior parte das vezes, a interdição é deferida ao sujeito quando ele não possui mais discernimento su�ciente para a prática dos atos da vida civil, podendo ser consequência de uma de�ciência mental ou enfermidade. Nesses casos, o papel do psicólogo é, por meio de perícia psicológica, sugerir ao juiz se o sujeito apresenta ou não algum aspecto que o impeça de gerir sua própria vida (LAGO et al., 2009). Ainda dentro da área do Direito Civil, é possível a atuação do psicólogo nos contextos ligados ao Direito do Trabalho, em questões relacionadas a acidentes de trabalho e requerimento de indenizações. Dessa maneira, o psicólogo trabalha na realização de perícias com a �nalidade de veri�car se existem danos psicológicos causados por doenças ou acidentes relacionados ao trabalho (LAGO et al., 2009). Cabe ao psicólogo observar a possibilidade de simulação e/ou exagero dos sintomas por parte do trabalhador com a intenção de aumentar o valor indenizatório (HUSS, 2011). Cruz (2002) destaca a importância da perícia psicológica na área do trabalho para o aprimoramento do diagnóstico dos efeitos do trabalho sobre as condições de saúde do trabalhador. O aumento das doenças musculoesqueléticas relacionadas ao trabalho acarreta, normalmente, sintomas como o estresse, a depressão e a ansiedade. Vale destacar que o psicólogo perito deve não apenas identi�car tais sintomas, mas também estabelecer o nexo de causalidade entre eles e o trabalho desempenhado pelo indivíduo, a �m de caracterizar o sofrimento psíquico. Uma última observação em relação às perícias psicológicas na área trabalhista diz respeito à demanda por avaliações envolvendo assédio moral. Battistelli, Amazarray e Koller (2011) apontam que o fenômeno não é uma situação nova nas relações laborais, embora nos últimos anos tenha atingido diferentes contextos de trabalho e categorias pro�ssionais. A prática envolve atos abusivos, que ocorrem de forma sistemática e repetida, prejudicando a integridade física ou psíquica do trabalhador. Nessas situações, cabe ao psicólogo avaliar não apenas o indivíduo, mas também seu contexto de trabalho e as relações ali estabelecidas. Direito Penal No que diz respeito ao Direito Penal, a atuação do psicólogo se dá, principalmente, no Sistema Penitenciário e nos Institutos Psiquiátricos Forenses. Nesse sentido, Arantes (2005) destaca que a atuação do psicólogo, relacionada ao Direito Penal, é de predominância avaliativa no auxílio ao Judiciário. Por outro lado, Vettorazzi e Brito (2005) apontam que, contemporaneamente, o Direito Penal não atua com o objetivo de punir, mas sim de prestar auxílio na readaptação social dos apenados. A elaboração de laudos, pareceres e relatórios técnicos, em equipe multidisciplinar, é a principal atividade do psicólogo no Sistema Penitenciário. Porém, existem outras atividades desenvolvidas por psicólogos nesse contexto, como: atenção psicológica individual e grupal, atendimentos psicológicos emergenciais, encaminhamentos, reuniões de equipe, atuação nas relações institucionais, atuação em rede, promoção de eventos, recrutamento e seleção e elaboração de projetos e pesquisas (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2009). O psicólogo, ao restringir-se somente à elaboração de laudos e pareceres no contexto penitenciário, pode gerar uma rotulação do sujeito apenado. Assim, a intervenção do psicólogo deve ser no sentido de promover a cidadania, buscando sempre a reintegração do apenado à sociedade, de forma que esse sujeito possa optar por práticas não criminalizadas (VETTORAZZI; BRITO, 2005). Kolker (2005), ao estudar o sistema penitenciário brasileiro, a�rma que, por haver um desconhecimento por parte do psicólogo sobre os reais problemas das instituições prisionais e por, na maior parte das vezes, o trabalho do psicólogo se reduzir a tarefas disciplinares e ‘julgamentos’ sobre os presos, os pro�ssionais encontram muita di�culdade em realizar um trabalho que possibilite um auxílio psicológico à população carcerária. Aos sujeitos que violam a lei e apresentam algum transtorno mental lhes é decretada, pelo juiz, uma medida de segurança e esses são encaminhados aos Institutos Psiquiátricos Forenses (IPFs) (LAGO et al., 2009). Esses sujeitos são considerados inimputáveis, que é quando o indivíduo não possui um estado mental básico, exigido pela lei, não podendo ser considerado culpado ao cometer um crime (HUSS, 2011). Nesse sentido o trabalho do psicólogo no IPF é o de, em equipe multidisciplinar, realizar perícia psicológica sobre os pacientes que são encaminhados ao local por decisão judicial (LAGO et al., 2009). Além das possibilidades de atuação do psicólogo jurídico descritas acima, existem outros tipos de trabalho que não se enquadram especi�camente como pertencentes ao Direito Civil ou Direito Penal, mas que também podem ser considerados uma prática da Psicologia Jurídica. Entre eles, serão comentados o Depoimento Especial e a Justiça Restaurativa. Depoimento Especial – inicialmente denominado ‘Depoimento sem dano’, é um projeto que foi desenvolvimento pioneiramente no Rio Grande do Sul a partir de 2003. A proposta consiste em retirar crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual da sala de audiência, conduzindo- as a um ambiente mais acolhedor, para que sejam inquiridas por um pro�ssional com maior conhecimento acerca da técnica de entrevista (CEZAR, 2007). Psicólogos e assistentes sociais recebem treinamento especí�co para que estejam habilitados a realizar esse tipo de trabalho.A sala em que ocorre o depoimento possui equipamentos audiovisuais que permitem a comunicação com a sala de audiência. A criança é informada sobre esses procedimentos, estando ciente de que está sendo �lmada e assistida. Essa prática suscita opiniões divergentes entre os pro�ssionais, tanto da área da Psicologia como do Serviço Social. Já houve tentativas por parte tanto do Conselho Federal de Serviço Social (CFSS) quanto do Conselho Federal de Psicologia (CFP) de impedir a oitiva de crianças por meio do Depoimento Especial (Resolução 554/2009 do CFSS e Resolução 10/2010 do CFP). Entretanto, mandados de segurança foram impetrados contra o CFSS e o CFP, garantindo que assistentes sociais e psicólogos possam atuar no Depoimento Especial sem sofrer quaisquer penalidades. Pelisoli, Dobke e Dell’Aglio (2014) apresentam interessante discussão sobre o tema, em que destacam a importância que deve ser dada às crianças e aos adolescentes vítimas de abuso sexual, para além das divergências sobre se o Depoimento Especial seria ou não tarefa do psicólogo. As autoras apontam a necessidade dos pro�ssionais buscarem quali�cação técnica, tecnológica e ética relacionada tanto à equipe quanto à instituição judiciária. Sugerem, ainda, o desenvolvimento de estudos empíricos com os pro�ssionais que já vêm utilizando-se dessa metodologia, a �m de buscar um constante aprimoramento dessa técnica. Justiça Restaurativa – com um aumento signi�cativo do número de delitos cometidos no Brasil, fez-se necessário o uso de novas medidas judiciais, mais adequadas e e�cientes a cada situação, sugerindo-se assim a implementação da Justiça Restaurativa no país. Esse modelo de justiça, opcional e de certa forma informal, pressupõe uma interação de conversação entre as partes envolvidas em um con�ito (ofensor, vítima e comunidade, se necessário), sob a orientação de um facilitador, com o objetivo de solucionar esse con�ito, em comum acordo, reparando o dano sofrido pela vítima e restaurando o vínculo entre as partes. Assim, a Justiça Restaurativa leva em consideração, além da aplicação de uma punição ao infrator, os aspectos emocionais e comunitários envolvidos no con�ito (PINTO, 2005; PRUDENTE, 2008). Como práticas restaurativas dentro dos programas de Justiça Restaurativa existem três principais possibilidades, por meio das quais o psicólogo poderá trabalhar na função de facilitador: mediação entre vítima e ofensor, conferências de família e círculos restaurativos. Na mediação entre vítima e ofensor, as partes encontram-se para, com o auxílio de um facilitador capacitado a propiciar diálogo, conversar acerca do con�ito ocorrido, de�nir responsabilidades sobre o fato e, de alguma forma, reparar a vítima pelo dano sofrido. Em momento anterior a essa etapa, é possível o encontro, em separado, da vítima e do ofensor com o facilitador para que as partes sintam-se melhor preparadas para o encontro restaurativo posterior (PALLAMOLLA, 2009). Nas conferências de família, o processo é similar ao da mediação, porém, ocorre geralmente quando o infrator prejudica mais pessoas além de uma só vítima. Nesses casos, participam familiares, amigos e comunidade das partes que auxiliam na elaboração do acordo de reparação da(s) vítima(s). Utiliza-se com frequência essa prática nos casos que envolvem adolescentes autores de atos infracionais (PALLAMOLLA, 2009). Os círculos restaurativos são utilizados pelo programa da Justiça Restaurativa e em outros casos, como para resolução de um con�ito escolar, por exemplo, sem o envolvimento do Poder Judiciário. Na utilização pela Justiça Restaurativa, além da presença da(s) vítima(s) e do(s) ofensor(es), para a discussão e reparação de um con�ito, participam amigos, família, comunidade das partes além de qualquer outro sujeito que queira se integrar ao círculo (PALLAMOLLA, 2009). Com o objetivo de auxiliar no processo, o facilitador, presente em todas as etapas das práticas restaurativas, tem como função incitar o diálogo entre as partes, induzindo para que tomem as rédeas da situação e apresentem papel ativo na resolução e reparação do con�ito. Buscando afastar laços de hostilidade entre as partes, o facilitador deve trabalhar no sentido de propiciar uma negociação direta entre os envolvidos, coordenando o processo a �m de evitar possíveis excessos (AZEVEDO, 2005; PINTO, 2005). Para essa tarefa, assim como na mediação, podem ser recrutados psicólogos bem como pro�ssionais de outras formações, como Serviço Social e Direito, por exemplo. Visto que a formação do psicólogo é voltada ao entendimento dos processos mentais, envolvendo a prática de técnicas que possibilitam adequado manejo das relações humanas, torna-se de grande valia a participação desse pro�ssional na atuação como facilitador, podendo contribuir mais assertivamente na reparação do con�ito estabelecido. Considerações �nais Este capítulo teve como objetivo caracterizar brevemente as principais formas de atuação do psicólogo jurídico. A maioria das atividades citadas será melhor descrita e aprofundada nos capítulos seguintes da obra. Importante salientar que as possibilidades de trabalho não se esgotam nas aqui mencionadas, uma vez que a Psicologia Jurídica é uma área ainda em desenvolvimento e, portanto, novas demandas nessa interface com o Direito podem surgir. Independentemente da prática que o psicólogo jurídico exerça, vale ressaltar que deverá agir pautado em princípios éticos, respeitando os limites da ciência psicológica. Algumas solicitações advindas dos operadores do Direito podem exigir respostas categóricas que nem sempre a Psicologia poderá fornecer. Importante estar ciente disso e buscar fortalecer o papel do psicólogo jurídico, por meio de trabalhos de qualidade, que, de fato, contribuam com o Direito, proporcionando, assim, benefícios àqueles indivíduos envolvidos na demanda. Referências AGUIAR, A. Psicologia jurídica e políticas públicas no campo da reinserção social de reclusos. In: CRUZ, R. et al. (Org.). O trabalho do psicólogo no campo jurídico. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2005. p. 259-271. ALBORNOZ, A. Perspectivas no abrigamento de crianças e adolescentes vitimizados. In: ROVINSKI, S.; CRUZ, R. (Orgs.). Psicologia jurídica: perspectivas teóricas e processos de intervenção. São Paulo: Vetor, 2009. p. 181-194. ALTOÉ, S. 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Assim, o alcance das informações trazidas pelo psicólogo estará diretamente relacionado à sua capacidade para a escrita de tais documentos, em que cuidados éticos e metodológicos serão essenciais para o exercício de uma boa prática pro�ssional. No contexto forense, são dois os documentos de interesse técnico: o laudo pericial e o parecer técnico. O uso de cada um deles estará diretamente relacionado ao tipo de atividade desempenhada pelo psicólogo na dinâmica do processo judicial. Conforme a atual legislação (BRASIL, 2015), sempre que se �zer necessária a prova técnica �ca previsto tanto o trabalho do perito o�cial quanto o do assistente técnico. O psicólogo perito tem como função assessorar o juiz na matéria que lhe compete, é pessoa de con�ança deste agente jurídico e apresenta seu trabalho em um documento denominado laudo. Já o psicólogo assistente técnico é pessoa de con�ança da parte litigante e tem como função auxiliá-la naquilo que considerar correto, com o objetivo de garantir os direitos de seu cliente nas questões que se relacionam à prova técnica, tendo como principal atividade a realização de um parecer crítico frente ao laudo do perito. Assim, os documentos produzidos por esses pro�ssionais possuem �nalidades diferentes e terão peculiaridades especí�cas quanto à estrutura e ao conteúdo. Independente das diferenças que os referidos documentos possam apresentar, tanto o laudo quanto o parecer crítico remetem-nos ao campo comum da interdisciplina por serem solicitados por pro�ssionais de uma área diferente da Psicologia, no caso, por pro�ssionais da área do Direito (RAMIRES, 2006). Essa intersecção de áreas de conhecimento distintas produz questões éticas complexas, na medida em que exige a integração de visões epistemológicas diferenciadas, produzidas tanto pelo mundo do dever ser do Direito quanto pelo mundo do ser da Psicologia (ROVINSKI, 2013). Discutir a produção dos diferentes tipos de documentos psicológicos no contexto forense nos obriga, em primeiro lugar, a abordar questões que são pertinentes atoda e qualquer escrita realizada nesse campo interdisciplinar e, após, a buscar as especi�cidades relacionadas às funções de cada um deles. Assim, se inicia este capítulo com a apresentação das questões comuns referentes às contradições decorrentes do campo interdisciplinar, dos cuidados éticos necessários e das demandas da escrita técnico-cientí�ca, para depois especi�car as diferenças de estrutura e conteúdo próprias a cada um dos documentos. O campo da interdisciplinaridade A literatura tem demonstrado que os autores tendem a compartilhar a ideia de que Psicologia e Direito possuem um mesmo objeto de intervenção quando buscam a compreensão e a predição da conduta humana (URRA, 2002). No entanto, diferenças importantes seriam observadas quanto aos valores, premissas básicas e métodos de aproximação e compreensão dessas duas ciências. Conforme Melton et al. (1997), diferenças epistemológicas e de concepção de mundo não teriam como ser eliminadas e precisariam ser administradas por aqueles técnicos que fossem atuar nesse contexto de trabalho. Para os autores, os dois pontos de maior importância quanto a essas incompatibilidades dizem respeito à concepção de homem e à natureza dos fatos abordados. Em relação à primeira questão-problema, temos a controvérsia do livre arbítrio versus determinismo. Enquanto a Psicologia busca a explicação ou previsão dos fatores que determinam a conduta, o Direito precisa estabelecer responsabilidades individuais, por meio do pressuposto de que o homem é livre por natureza. Para a Psicologia, que busca em suas teorias a explicação ou justi�cativa da conduta, �ca difícil justi�car a ideia de comportamentos ‘voluntários’, conceito essencial para a aplicação da pena pelo agente jurídico. Assim, na escrita dos documentos, muito cuidado deve ser tomado quando a demanda jurídica exigir que se discuta sobre conceitos que envolvam a compreensão de motivação, de liberdade ou autodeterminação. Para os autores anteriormente mencionados, nesse campo interdisciplinar, a melhor solução estaria no psicólogo evitar opiniões sobre a questão �nal da matéria legal, sempre que esse posicionamento não �zesse sentido para o paradigma da própria Psicologia, evitando-se que termos psicológicos possam ser mal interpretados pelos agentes jurídicos. Em outras palavras, os dados psicológicos que forem apresentados nos documentos escritos devem ser fornecidos aos agentes jurídicos de modo a que façam sentido para a demanda legal, mas sempre deixando a esses últimos o julgamento moral. A segunda questão diz respeito à natureza dos fatos. Na Psicologia, a construção do referencial teórico ocorre por intermédio da experimentação cientí�ca, na comparação de grupos e sujeitos, chegando-se sempre a achados probabilísticos. Para o Direito, que necessita aplicar a lei, por meio de decisões irrevogáveis, há a necessidade de se trabalhar com ‘níveis de certeza’. Em função dessa exigência, muitas vezes, na tentativa de ter seu informe aceito pelos agentes jurídicos, o psicólogo sente-se pressionado a expressar seus achados com níveis de certeza que não podem ser justi�cados pela ciência. Para Melton et al. (1997), a ética obrigaria os pro�ssionais a serem explícitos quanto aos níveis de certeza de seus dados, ainda que com esse procedimento seus documentos pudessem perder força como prova nos tribunais. A preocupação dos psicólogos deveria voltar-se tanto para o aumento do grau de certeza de suas hipóteses, mediante o incremento de pesquisas empíricas, quanto para a busca da sensibilização dos agentes jurídicos em relação aos problemas básicos de predição e �exibilidade que se constituem em limitações de seu trabalho técnico (LÖSEL, 1992). Para �nalizar, cabe salientar o risco que corre o psicólogo na escrita de seus informes, nesse campo interdisciplinar, quanto à possível contaminação com a lógica discursiva típica dos agentes jurídicos. Para o Direito, o �m último de sua atuação será sempre a busca da ‘justiça’, podendo-se, para tanto, utilizar a lógica da argumentação, com uma apresentação dos fatos que leve ao convencimento ou à persuasão da vontade daquele que tem o poder de tomada de decisão. A Psicologia, de modo contrário, deve utilizar a lógica formal, mediante o uso de métodos cientí�cos de pesquisa, para demonstrar seus achados (ROVINSKI, 2013). A Psicologia também deve manter seu compromisso com a justiça, mas sua prática é pautada pela imparcialidade e pelo limite da ciência. Nessa prática interdisciplinar, é relativamente comum encontrarem-se procedimentos dos agentes jurídicos no sentido de distorcer ou desquali�car os achados descritos em informes psicológicos, gerando relacionamentos tensos entre os pro�ssionais. Cabe ao psicólogo forense compreender que tais procedimentos dizem respeito ao enquadre de atuação daqueles pro�ssionais e que eles não podem pontuar sua argumentação, sob o risco de desquali�car os documentos produzidos. O psicólogo forense deve manter-se sempre dentro do referencial teórico e técnico da Psicologia, respeitando as limitações quanto ao tipo de conhecimento que pode oferecer e ao alcance de seus dados. Ainda que seus achados tendam a �car em níveis baixos de certeza em relação ao que é esperado pelo judiciário, o corpo de conhecimento oferecido trará sempre contribuições para a melhor compreensão do fato que está sendo julgado. Deve-se lembrar de que qualquer tentativa de exagero quanto aos achados ou à própria capacidade do pro�ssional será sempre um desserviço ao Sistema de Justiça. Princípios éticos na produção de documentos As questões éticas relacionadas à produção de documentos forenses iniciam-se muito antes da escrita desses documentos, envolvendo cuidados quanto às relações estabelecidas com os diferentes atores e os procedimentos de avaliação propriamente ditos. Conforme Bush, Connell e Denney (2006), o contexto adversarial que caracteriza o ambiente forense tende a criar relações de hostilidade entre os diferentes pro�ssionais que ali atuam e, mesmo, entre os pro�ssionais psicólogos que exercem os diferentes papéis na dinâmica processual (perito x assistente técnico), gerando riscos à objetividade e à �dedignidade dos dados colhidos para o processo de avaliação. Para os autores, os princípios éticos baseados nos valores humanos de respeito à autodeterminação e de garantias de não prejuízos à saúde deveriam direcionar a atividade técnica, de modo a gerar documentos que apresentassem um trabalho competente, baseado em informações e procedimentos que pudessem fundamentar su�cientemente os achados e os resultados apresentados. O Conselho Federal de Psicologia, responsável pela regulamentação da atividade dos psicólogos, já tem editado diversas resoluções normativas que tratam da prática do psicólogo forense, com o objetivo de garantir um trabalho mais ético. No entanto, é no Código de Ética Pro�ssional do Psicólogo (CEPP) que vamos encontrar as diretrizes básicas de nossa deontologia. O atual CEPP, editado em 2005 (CFP, 2005), difere do anterior por não possuir nenhuma seção especí�ca que trate das relações com a Justiça, obrigando o psicólogo, em sua prática forense, a buscar as orientações necessárias nas determinações genéricas do Código. Shine (2009), em uma pesquisa com laudos das Varas de Famílias da cidade de São Paulo, que foram denunciadas por má prática ao Conselho Regional de Psicologia, identi�cou alguns artigos do CEPP como os mais citados na fundamentação de tais denúncias. O primeiro deles trata sobre os deveres fundamentais do psicólogo, de: “Prestar serviços psicológicos em condições de trabalho e�cientes, de acordo com os princípios e técnicas reconhecidos pela ciência, pela prática e pela ética pro�ssional” (Art. 1º, alínea ’c’, CEPP); o segundo refere-se ao que é vedado à pratica pro�ssional, de: “Estabelecer com a pessoa do atendido relacionamento que possa interferir negativamente nos objetivos do atendimento” (Art. 2º, alínea ‘m’, CEPP). Tais artigos, como se pode observar, referem-se, respectivamente, a problemasno uso da técnica pro�ssional (desde os procedimentos iniciais de avaliação pericial até a escrita do documento) e no estabelecimento do tipo de relacionamento com o sujeito atendido (geralmente quando o pro�ssional envolve-se na defesa de interesses das partes litigantes), con�rmando que, muitas vezes, problemas apontados em documentos forenses produzidos por psicólogos não se referem à própria escrita ou à sua estrutura, mas a procedimentos técnicos de avaliação e à postura pro�ssional anteriores à confecção do documento. A discussão sobre tais problemas não se encontra no escopo deste capítulo, mas deve estar presentes no horizonte do pro�ssional que se pronti�car a atuar nessa área de trabalho com competência e ética. A Resolução 07/2003 (CFP, 2003), que trata do Manual de Elaboração de Documentos Escritos produzidos pelo Psicólogo, descreve os cuidados éticos a serem respeitados nesse tipo de produção em três grandes áreas: das relações com a pessoa atendida, sigilo e alcance das informações. Na área das relações com a pessoa atendida, o Código de Ética Pro�ssional do Psicólogo (CFP, 2005) veda: “Ser perito, avaliador ou parecerista em situações nas quais seus vínculos pessoais ou pro�ssionais, atuais ou anteriores, possam afetar a qualidade do trabalho a ser realizado ou a �delidade aos resultados da avaliação” (Art. 2º, alínea ‘k’, CEPP, 2005). Essa orientação busca impedir, principalmente, que se confundam os vínculos terapêuticos com os de trabalho pericial. Isso porque, no primeiro existe um contrato de sigilo que uma vez estabelecido não poderá ser rompido por outro que não tenha essa mesma abrangência. Assim, uma vez tendo estabelecido vínculo terapêutico com a pessoa do atendido, independente do tempo que possa ter transcorrido desse atendimento, o pro�ssional não poderá mais exercer frente ao paciente o papel de perito ou parecerista. Na área relacionada ao sigilo devem ser observados os seguintes artigos do CEPP (CFP, 2005): Art. 9º É dever do psicólogo respeitar o sigilo pro�ssional a �m de proteger, por meio da con�dencialidade, a intimidade das pessoas, grupos ou organizações, a que tenha acesso no exercício pro�ssional. Art. 10 Nas situações em que se con�gure con�ito entre as exigências decorrentes do disposto no Art. 9º e as a�rmações dos princípios fundamentais deste Código, excetuando-se os casos previstos em lei, o psicólogo poderá decidir pela quebra de sigilo, baseando sua decisão na busca do menor prejuízo. Parágrafo único – Em caso de quebra de sigilo previsto no caput deste artigo, o psicólogo deverá restringir-se a prestar as informações estritamente necessárias. Art. 11 Quando requisitado a depor em juízo, o psicólogo poderá prestar informações, considerando o previsto neste código. As questões de quebra de sigilo no CEPP dizem respeito mais aos pro�ssionais da área da saúde, que, eventualmente, são chamados para depor em juízo sobre pacientes que estão aos seus cuidados. Esses casos devem ser analisados com cuidado, pois o pro�ssional não tem a obrigação de romper com o contrato de sigilo prévio estabelecido apenas porque foi chamado pelo juiz. A quebra de sigilo necessita de argumentos fortes, que possam ser justi�cados por meio dos princípios fundamentais do Código de Ética e, geralmente, se relacionam à segurança (física ou psíquica) de seu paciente ou pessoas próximas a ele. Por outro lado, deve-se lembrar de que o paciente tem o direito de solicitar do psicólogo terapeuta informações de seu prontuário, desde que expresse e assine sua autorização. Essa prática é respaldada pelo Art. 10 da Resolução 08/2010 (CFP, 2010), no qual �ca vedado ao psicólogo: Produzir documentos advindos do processo psicoterápico com a �nalidade de fornecer informações à instância judicial acerca das pessoas atendidas, sem o consentimento formal destas últimas [...]. (grifo da autora do capítulo). Na realização de laudos periciais, o pro�ssional perito está compromissado em informar ao juiz os dados psicológicos pesquisados que são pertinentes à questão legal, não possuindo com seu cliente o mesmo contrato de sigilo que se tem no contexto clínico. Mesmo assim, a comunicação deve respeitar normas éticas, de modo a preservar dentro do possível o sigilo das informações. Em função de os documentos forenses transitarem em um contexto interdisciplinar, a decisão quanto ao que deve ser informado aos agentes jurídicos segue as orientações do Código de Ética quanto à comunicação com pro�ssionais não psicólogos, conforme é especi�cado no Art. 6º, alínea ‘b’: “Compartilhará somente informações relevantes para quali�car o serviço prestado, resguardando o caráter con�dencial das comunicações, assinalando a responsabilidade, de quem as receber, de preservar o sigilo” (CFP, 2005). Aqui, o sentido de ‘informações relevantes’ relaciona-se ao princípio da pertinência, em que apenas os dados relevantes para a matéria legal e/ou aqueles que justi�cam as conclusões do perito devem ser comunicados. Outro artigo que deve ser trazido à discussão é aquele que se refere ao relacionamento com os meios de comunicação. É relativamente comum que situações que envolvam violência tenham repercussão na mídia, colocando os peritos forenses em evidência quando se buscam respostas a esses problemas. Diz o Código: “Art. 2º – Ao psicólogo é vedado: q) Realizar diagnósticos, divulgar procedimentos ou apresentar resultados de serviços psicológicos em meios de comunicação, de modo a expor pessoas, grupos ou organizações” (CFP, 2005). Portanto, não cabe ao psicólogo comentar com a mídia casos de repercussão nos quais possa ter atuado, e não poderá emitir opiniões técnicas sobre pessoas que não conheceu e que não estiveram sob sua avaliação. Quanto à devolução dos resultados da avaliação devem ser consideradas as seguintes alíneas do Artigo 1º que trata das responsabilidades do psicólogo: f ) Fornecer, a quem de direito, na prestação de serviços psicológicos, informações concernentes ao trabalho a ser realizado e ao seu objetivo pro�ssional; g) Informar, a quem de direito, os resultados decorrentes da prestação de serviços psicológicos, transmitindo somente o que for necessário para a tomada de decisões que afetem o usuário ou bene�ciário; h) Orientar, a quem de direito, sobre os encaminhamentos apropriados, a partir da prestação de serviços psicológicos, e fornecer, sempre que solicitado, os documentos pertinentes ao bom termo do trabalho. (CFP, 2005). As alíneas que tratam desse assunto referem-se sempre à devolução para aquele que ‘de direito’ deve receber as informações. Cunha (1993) entende, de maneira geral, que a devolução é de responsabilidade de quem encaminhou o processo, isto é, se o pedido de uma avaliação for feito pelo médico ou juiz, é a eles que os resultados devem ser remetidos, cabendo-lhes a comunicação aos avaliados. Nesse caso, não estaria o psicólogo se abstendo da devolução, mas apenas encaminhando-a a quem seria o receptor do processo. Outro aspecto a ser considerado é a dinâmica processual. É temerário o psicólogo oferecer ao sujeito uma devolução antes de encaminhar ao juiz os resultados levantados, considerando-se que esse fato poderia interferir nos prazos processuais de defesa, que passam a contar a partir da ciência das partes do documento emitido pelo perito (BRASIL, 2015). Nada impede que o psicólogo forense coloque-se à disposição do periciado para o esclarecimento de dúvidas em relação ao laudo, mas apenas após o documento tornar-se público em audiência com o juiz ou através de publicação o�cial. Conforme Rovinski (2013), deve-se tomar cuidado para não criar uma via de comunicação independente ao processo judicial, quando o psicólogo deixaria seu papel de assessor dos agentes jurídicos para assumir a coordenação do próprio processo. Esse tipo de atitude extrapolaria a função da perícia e colocaria o pro�ssional frente a situações que não poderia manejar. Concluindo, pode-se a�rmar que discutir ética na escrita de documentos pressupõe revisar procedimentos técnicos quantoà prática pro�ssional, quando, independente do contexto de trabalho e do nível de con�dencialidade, cuidados deverão ser tomados em relação ao que será escrito e da forma como será escrito, evitando-se uma prática iatrogênica. O Código de Ética Pro�ssional do Psicólogo é a principal referência e deve orientar os psicólogos desde as primeiras etapas do trabalho de avaliação até a escrita do relatório. Nesse sentido, os autores Melton et al. (1997) e Heilbrun (2001) sugerem a revisão dos procedimentos técnicos em três grandes momentos: pré, durante e pós- avaliação. Os cuidados com a construção dos documentos forenses se encontram inseridos nessa última etapa, quando se deveriam: respeitar a relevância dos dados para a questão jurídica (evitar detalhes que possam embaraçar o periciado ou pôr em risco seus direitos, evitar conclusões valorativas que são pertinentes aos agentes jurídicos); fundamentar suas conclusões nos achados que foram descritos; referir as fontes de suas informações e evitar linguagem excessivamente técnica. Princípios técnicos da linguagem escrita Os documentos forenses escritos por psicólogos devem seguir a redação o�cial utilizada para as diferentes esferas do poder público. Essa redação se caracteriza por uma comunicação técnico-cientí�ca de natureza o�cial, que tem como destinatário o juízo que determinou a perícia. Para Lichtenberger et al. (2004), a importância da qualidade do texto apresentado no relatório diz respeito não somente à capacidade de escrita do psicólogo, mas também se re�ete na credibilidade do leitor quanto à capacidade técnica daquele para a atividade de avaliação psicológica. Segundo Brandimiller (1996), a redação o�cial que caracteriza o laudo e o parecer crítico deve pautar-se pelo padrão culto de linguagem (denotativo), pela impessoalidade e pela formalidade e padronização. Explica o autor que esse estilo de linguagem implica não somente na correção gramatical, mas no uso de vocabulário universal, em que se evita o uso de gírias e termos regionais. O padrão culto de linguagem exige o empenho na busca de palavras certas para o que se quer expressar e construções sintáticas adequadas para assegurar a fácil compreensão do texto e sua precisão. A linguagem denotativa signi�ca o uso das palavras e expressões no sentido próprio e literal, sem o uso de sentido �gurado ou metafórico. A impessoalidade signi�ca que o sentido dado à matéria é impessoal, ainda que tenha uma exclusiva autoria. A comunicação é feita entre sujeitos que naquele momento estão investidos em determinada função. Assim, o autor do documento deve utilizar a terceira pessoa do singular para referir-se a si mesmo e dar preferência ao uso dos termos como autor e réu (ou requerente e requerido), após identi�car os sujeitos da ação. Por �m, a padronização diz respeito às características relativas à forma e à estrutura dos documentos, como será visto mais adiante. A Resolução 07/2003 (CFP, 2003), que trata do Manual de Elaboração de Documentos Escritos produzidos pelo Psicólogo, apesar de não especi�car os documentos da área forense, descreve princípios técnicos semelhantes da linguagem escrita, sempre com a preocupação de favorecer a e�cácia da comunicação. Conforme especi�cado nessa Resolução, os documentos devem apresentar uma redação bem estruturada e de�nida para expressar o que se quer comunicar, além de ter uma ordenação que possibilite a compreensão por quem os lê, fornecida pela estrutura, composição de parágrafos ou frases e correção gramatical. O emprego de frases e termos deve ser compatível com as expressões próprias da linguagem pro�ssional, evitando a diversidade de signi�cações da linguagem popular, considerando a quem o documento será destinado. A comunicação deve ter clareza, concisão e harmonia. A clareza se traduz pela estrutura frasal, sequência ou ordenamento adequado dos conteúdos, explicitação da natureza e função de cada parte na construção do todo. A concisão se veri�ca no emprego da linguagem adequada, da palavra exata e necessária, buscando o equilíbrio entre uma redação lacônica ou o exagero de uma redação prolixa. Por �m, a harmonia se traduz na correlação adequada das frases, no aspecto sonoro e na ausência de cacofonias. As peculiaridades relacionadas ao propósito dos documentos escritos no contexto forense também resultarão em diferenças quanto à escrita. A primeira diferença é que esse tipo de relatório não será dirigido a outros pro�ssionais da área da Psicologia, mas a pro�ssionais da área do Direito, que não estão acostumados à área de conhecimento. Assim, é fundamental que se evitem jargões técnicos, ou, se for estritamente necessário, que sejam explicados para o público leigo (MELTON et al., 1997). O uso excessivo de termos técnicos pode ser considerado ‘exibicionismo’ por parte do relator, que além de di�cultar a compreensão do problema poderá gerar constrangimento no esclarecimento dos fatos. O mesmo cuidado deve ser dado quanto ao uso de acrônimos ou de abreviaturas, que podem não ser do conhecimento dos agentes jurídicos (por exemplo, usar TDAH para Transtorno do Dé�cit de Atenção com Hiperatividade) (HUSS, 2011; LICHTENBERGER et al., 2004). Outro aspecto a ser considerado diz respeito ao processo judicial propriamente dito, isto é, à dinâmica adversarial, quando o relatório é escrutinado por aquele que não tiver interesse em seus resultados, com o objetivo de desquali�cá-lo. Nesse momento, a presença de baixa qualidade de escrita será motivo para desquali�car ou mesmo embaraçar seu relator (MELTON et al., 1997). Por �m, chamamos a atenção, ainda, quanto aos riscos na forma de o perito apresentar seus argumentos. Segundo Cruz (2005, p. 275), quatro problemas deveriam ser evitados nessa questão. Primeiro, o psicólogo não pode emitir juízo de valor, usando expressões do tipo “personalidade fraca” ou “bom temperamento”. Segundo, deve evitar a expressão de “dogmas”, como “apesar de instável, acreditamos em seu pleno restabelecimento”. Terceiro, deve cuidar com incorreções teóricas e técnicas, como o uso de expressões do tipo: “falta maturidade” ou “não dispõe de recursos intelectuais”. Por �m, deve evitar impropriedade na escrita e no uso de termos, como a expressão “seu desempenho na avaliação foi muito razoável”. Princípios técnicos de estruturação dos documentos Os principais documentos técnicos utilizados no contexto forense, seja na área cível ou na criminal, são o laudo por parte do perito e o parecer crítico por parte do assistente técnico. Em função de esses documentos apresentarem �nalidades diferenciadas, apresentarão estrutura própria compatível com sua especi�cidade técnica. Ambos os documentos estão previstos na Resolução 07/2003 (CFP, 2003), que trata do Manual de Elaboração de Documentos Escritos produzidos pelo Psicólogo, ainda que ali não sejam abordados quanto ao seu uso no contexto forense. Assim, nesta seção discorre-se sobre as orientações gerais do Conselho Federal de Psicologia quanto à estrutura desses documentos, relacionando-as com o campo atual do conhecimento cientí�co e buscando complementá-las com outras informações necessárias para sua adaptação ao contexto legal. Os documentos laudo e parecer serão discutidos separadamente. 1. Laudo Psicológico A literatura que aborda propostas sobre a estrutura do Laudo Psicológico forense tem enfatizado a importância de se evitar a busca de uma estrutura única e in�exível de laudo, que teria apenas a função de reforçar uma postura dogmática e mecanicista de seu relator (BIRCZ- MINIAN, 2001). O mais importante seria compreender a �nalidade e os limites éticos do documento proposto para, então, de�nir os conteúdos mínimos que deveriam estar presentes, de modo a garantir a qualidade técnica. De maneira geral, o laudo deveria ser compreensível para uma audiência leiga, incluindo os dados mais relevantes para a questão legal, com suas respectivas fontes de informação (PACKER; GRISSO, 2011). Para Karson e Nadkarni (2013), o laudo forense é um documento de comunicação sobre
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