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Autora: Profa. Sirlei Pitteri Colaboradoras: Profa. Sandra Castilho Profa. Christiane Mazur Doi Administração Financeira Professora conteudista: Sirlei Pitteri Possui pós‑doutorado em Economia das Organizações (FEA‑USP, 2015), mestrado e doutorado em Administração (USCS, 2006 e 2012, respectivamente), além de graduação em Física (IF‑USP, 1975). Quanto à experiência profissional, atuou como executiva do Citibank, gerente de projetos de TI para tesouraria, mercado de capitais e negócios internacionais (1975‑1987). Foi também diretora administrativa e financeira em empresa de construção civil (1988‑2003), consultora de empresas, professora e pesquisadora em administração (com ênfase em relações entre organizações, inovação em gestão, gestão das informações, governança corporativa e finanças corporativas). © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) P688a Pitteri, Sirlei. Administração Financeira / Sirlei Pitteri. – São Paulo: Editora Sol, 2024. 192 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517‑9230. 1. Administração. 2. Economia. 3. Mercado. I. Título. CDU 658.15 U519.55 – 24 Profa. Sandra Miessa Reitora Profa. Dra. Marilia Ancona Lopez Vice-Reitora de Graduação Profa. Dra. Marina Ancona Lopez Soligo Vice-Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Claudia Meucci Andreatini Vice-Reitora de Administração e Finanças Prof. Dr. Paschoal Laercio Armonia Vice-Reitor de Extensão Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora das Unidades Universitárias Profa. Silvia Gomes Miessa Vice-Reitora de Recursos Humanos e de Pessoal Profa. Laura Ancona Lee Vice-Reitora de Relações Internacionais Prof. Marcus Vinícius Mathias Vice-Reitor de Assuntos da Comunidade Universitária UNIP EaD Profa. Elisabete Brihy Profa. M. Isabel Cristina Satie Yoshida Tonetto Prof. M. Ivan Daliberto Frugoli Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Material Didático Comissão editorial: Profa. Dra. Christiane Mazur Doi Profa. Dra. Ronilda Ribeiro Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista Profa. M. Deise Alcantara Carreiro Profa. Ana Paula Tôrres de Novaes Menezes Projeto gráfico: Revisão: Prof. Alexandre Ponzetto Aline Ricciardi Talita Lo Ré Administração Financeira APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................9 INTRODUÇÃO ........................................................................................................................................................ 11 Unidade I 1 POLÍTICAS ECONÔMICAS E AS TAXAS DE JUROS ............................................................................... 15 1.1 Valor do dinheiro no tempo ............................................................................................................. 15 1.1.1 Como nasceu o conceito de juros .................................................................................................... 17 1.1.2 Padrão‑ouro e as taxas de câmbio .................................................................................................. 18 1.1.3 Intermediação financeira..................................................................................................................... 21 1.1.4 Do papel‑moeda ao dinheiro virtual .............................................................................................. 22 1.2 Políticas econômicas: fiscal, monetária e cambial.................................................................. 23 1.2.1 Inflação, deflação e estagflação ....................................................................................................... 24 1.2.2 Indicadores de inflação brasileiros ................................................................................................... 25 1.3 Sistema Financeiro Nacional (SFN) ............................................................................................... 26 1.3.1 Mercados monetário, de crédito, cambial e de capitais ......................................................... 27 1.3.2 Instituições normativas e reguladoras (CMN, Banco Central, CVM) .................................. 28 1.3.3 Ministro da Fazenda e Presidente do Banco Central ............................................................... 29 1.4 Políticas monetárias e taxas de juros ........................................................................................... 29 1.4.1 Taxa Selic .................................................................................................................................................... 31 1.4.2 Taxa CDI (DI) e os Certificados de Depósitos Interbancários (CDI) ..................................... 33 1.4.3 Spread bancário ....................................................................................................................................... 35 1.4.4 Taxa referencial (TR) ............................................................................................................................... 36 1.4.5 Taxa de juros de longo prazo (TJLP)................................................................................................. 36 1.5 Composição das taxas de juros....................................................................................................... 36 2 ECONOMIA BRASILEIRA E O AMBIENTE DA ADMINISTRAÇÃO ..................................................... 39 2.1 Como se formou a economia brasileira ...................................................................................... 39 2.1.1 Os primórdios da administração no Brasil .................................................................................... 40 2.1.2 O ambiente empresarial brasileiro nas décadas 1950‑1970 ................................................. 41 2.1.3 Os efeitos da globalização na economia brasileira ................................................................... 42 2.2 Panorama geral das empresas no Brasil ...................................................................................... 43 2.3 Visão sistêmica das atividades financeiras ................................................................................ 48 2.4 Funções do administrador financeiro .......................................................................................... 50 3 PLANEJAMENTO E ADMINISTRAÇÃO DO FLUXO DE CAIXA ............................................................ 52 3.1 Planejamento estratégico, tático e operacional ...................................................................... 52 3.2 Previsão orçamentária ........................................................................................................................ 54 3.3 Ciclo econômico, operacional e financeiro ................................................................................ 57 Sumário 3.4 Políticas de crédito e cobrança ....................................................................................................... 60 3.5 Exportações, importações e operações de câmbio ................................................................. 61 3.6 Fluxo de caixa como instrumento de gestão financeira ...................................................... 65 4 MÉTRICAS FINANCEIRAS PARA ANÁLISE DE INVESTIMENTOS ..................................................... 70 4.1 Como utilizar a calculadora financeira HP 12C ....................................................................... 70 4.2 Balanço patrimonial e demonstração do resultado do exercício (DRE) ......................... 73 4.2.1 Prazo ............................................................................................................................................................73 4.2.2 Grau de liquidez decrescente ............................................................................................................. 73 4.2.3 Demonstração do Resultado do Exercício (DRE) ........................................................................ 76 4.3 Conceitos e premissas para análise de investimentos .......................................................... 77 4.3.1 Projetando um fluxo de caixa ............................................................................................................ 79 4.4 Métricas financeiras (payback e Valor Presente Líquido – VPL) ........................................ 81 4.5 Análise de sensibilidade sobre o custo do capital ................................................................... 84 4.6 Taxa Interna de Retorno (TIR) ......................................................................................................... 85 4.6.1 Considerações sobre a TIR ................................................................................................................... 88 4.7 Índice de Lucratividade (IL) .............................................................................................................. 89 4.8 Projetos mutuamente excludentes ............................................................................................... 90 Unidade II 5 FONTES DE RECURSOS PARA CAPITAL DE GIRO ................................................................................. 98 5.1 Conceito de capital de giro .............................................................................................................. 98 5.2 Valor e objetivo das empresas ......................................................................................................... 99 5.2.1 Os principais métodos de valuation de empresas ...................................................................101 5.2.2 Conceito de migração do valor (influxo, estabilidade e escoamento) ............................102 5.2.3 Como aumentar o valor das empresas ........................................................................................106 5.3 Fontes de recursos para capital de giro.....................................................................................106 5.3.1 Ciclo de vida das empresas ...............................................................................................................107 5.4 Financiamento interno .....................................................................................................................108 5.4.1 Análise da estrutura de capital da empresa...............................................................................108 5.4.2 Custo Médio Ponderado de Capital (CMPC) ..............................................................................109 5.4.3 Alavancagem financeira ......................................................................................................................111 5.4.4 Análise de alavancagem em cenários externos ........................................................................113 5.5 Financiamento com terceiros (bancos)......................................................................................115 5.6 Operações no mercado monetário ..............................................................................................116 5.6.1 Notas promissórias (commercial papers) .................................................................................... 116 5.6.2 Emissão de debêntures ....................................................................................................................... 117 5.7 Operações no mercado de crédito...............................................................................................120 5.7.1 Hotmoney ............................................................................................................................................... 120 5.7.2 Desconto de títulos ............................................................................................................................. 122 5.7.3 Factoring ................................................................................................................................................. 124 5.8 Leasing financeiro ..............................................................................................................................125 5.8.1 Análise de decisão entre capital próprio ou leasing .............................................................. 126 6 MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS – PARTE I ............................................................................130 6.1 Entendendo o mercado de valores mobiliários ......................................................................130 6.2 Como migrar da empresa Ltda. para Sociedade por Ações (SA) .....................................131 6.2.1 Separação entre a propriedade e a gestão ................................................................................ 133 6.2.2 Diferenças entre empresas de capital fechado e capital aberto ...................................... 135 6.2.3 Abertura, oferta pública, negociação e fechamento ............................................................. 135 6.3 Comissão de Valores Mobiliários (CVM) ....................................................................................136 6.4 Bolsas de valores e mercados de balcão ...................................................................................138 6.4.1 Ações ordinárias e ações preferenciais ....................................................................................... 140 6.4.2 Mercado primário e secundário ......................................................................................................141 6.5 Segmentos da B3 para empresas listadas na bolsa ..............................................................141 6.6 Índices representativos do mercado de ações ........................................................................142 6.7 Retorno e risco no mercado de valores mobiliários .............................................................144 Unidade III 7 MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS – PARTE II ...........................................................................151 7.1 Conceito de mercado de futuros .................................................................................................151 7.1.1 Conceito de commodities ................................................................................................................. 152 7.2 Conceito de derivativos ...................................................................................................................156 7.2.1 Swap cambial ........................................................................................................................................ 158 7.2.2 Hedge cambial ...................................................................................................................................... 162 7.2.3 Non Deliverable Foward (NDF) ....................................................................................................... 164 7.3 Desmobilização de ativos e Fundos de Investimentos Imobiliários (FII) ......................167 7.3.1 Conceito e estrutura dos FII ............................................................................................................ 168 7.3.2 Direitos e deveres dos investidores em FII ................................................................................. 169 7.3.3 Categorias de FII e vantagens sobre outros investimentos .................................................170 8 TENDÊNCIAS DE INVESTIMENTOS EM EMPRESAS DE CAPITAL ABERTO .................................173 8.1 Conceitos emergentes sobre meio ambiente e mudanças climáticas ..........................174 8.1.1 Protocolo de Kioto ...............................................................................................................................176 8.1.2 Acordo de Paris ..................................................................................................................................... 177 8.1.3 Fundo da Amazônia ............................................................................................................................ 179 8.2 Conceito de fundos ESG (environmental, social and governance) ................................179 8.3 Conceito de ativos e passivos ambientais ................................................................................181 8.4 Conceito de GRI (Global Report Initiative) ..............................................................................182 8.5 Conceito de relato integrado.........................................................................................................183 9 APRESENTAÇÃO As últimas décadas do século passado foram ricas em pesquisas a fim de compreender os reflexos dos avanços tecnológicos na vida das empresas e das pessoas. O sociólogo espanhol Manuel Castells dedicou doze anos (1984‑1996) ao estudo do impacto das tecnologias da informação sobre as sociedades em viagens por diversos países com variados níveis de desenvolvimento econômico, social, político e cultural. Quando a pesquisa estava em fase de conclusão, a internet se consolidou como o padrão de comunicação mundial, alterando de modo significativo todos os países visitados e, consequentemente, essa mudança precisava ser considerada. Mais três anos de estudos e observações, e os dados foram divulgados (comentados em três volumes com o título Sociedade em rede: a era da informação; O poder da identidade; e Fim de milênio). Uma das conclusões mais importantes para a nossa disciplina foi constatar o surgimento da globalização financeira, também conhecida como mundialização financeira. De acordo com Castells (2000), a economia global agora é uma rede de segmentos econômicos interconectados com um papel decisivo na economia de cada país e de muitas pessoas. As transações financeiras internacionais, que antes demoravam até uma semana para serem liquidadas, passaram a ser efetivadas instantaneamente, em tempo real. Se, por um lado, os pagamentos e recebimentos ganharam rapidez, por outro, a globalização facilitou a obtenção de lucro com a intermediação financeira. Isso transformou os modos de produção do mundo e surgiram novos modelos de negócios, mais complexos que aqueles do século passado. Ao longo do século XX, a evolução das ideias e as práticas gerenciais se adaptaram às incertezas com relativa facilidade e conforto, pois o ambiente empresarial estava relativamente organizado, principalmente logo após o fim da Segunda Guerra, em 1945. Isso permitiu que as empresas atuassem dentro de seus domínios corporativos e as incertezas externas tornaram‑se, de certo modo, gerenciáveis. Entretanto, a década de 1990 ficou marcada por uma infinidade de acontecimentos de importância histórica que provocaram uma ruptura nos padrões gerenciais estabelecidos. Novos modelos de negócio, novas profissões, novas oportunidades, mas também muitas rupturas em negócios bem‑sucedidos no passado. O cenário econômico, social e político do século XXI vem se consolidando em torno de um novo paradigma – o contexto pós‑industrial – caracterizado por mudanças profundas em todos os aspectos do cotidiano das pessoas. O desempenho das organizações, voltado para práticas adequadas ao ambiente industrial, é insuficiente nesse novo contexto, complexo e desconfortável, marcado por novos paradigmas de desenvolvimento econômico, político, social e ambiental. Criar prosperidade, descentralizar poderes por processos democráticos e transparentes, diminuir as desigualdades entre os povos, melhorar a condição de vida das pessoas e preservar o meio ambiente são 10 ações cada vez mais importantes, porém muitas vezes tais objetivos se apresentam contraditórios nas estratégias empresariais. A preocupação das empresas com questões externas ao seu ambiente organizacional ganhou intensidade com a globalização. A abrangência e a instantaneidade na difusão das informações já apontam que todas as áreas do conhecimento são bem‑vindas para o refinamento das práticas de gestão, tanto das organizações públicas quanto privadas. As empresas brasileiras foram inseridas na economia globalizada a partir da década de 1990. Desde então, já não basta aos profissionais de finanças conhecer e dominar técnicas clássicas e cálculos financeiros para garantir retornos positivos às empresas. Elas esperam desses profissionais decisões que vão além das atribuições tradicionais. Assim, torna‑se necessário um profundo conhecimento do ambiente no qual as empresas estão inseridas. Embora o grau de complexidade seja maior ou menor em função do porte da empresa, a área financeira se situa no centro de todas as decisões, tanto daquelas tomadas no passado quanto as que serão tomadas no futuro. As empresas, de qualquer porte ou localização geográfica, possuem, pelo menos, quatro grandes áreas, mesmo aquelas pequenas, em que uma ou duas pessoas exerçam todas as funções: vendas, produção, administração e finanças. Podemos afirmar, sem exagero, que a área financeira depende muito mais do ambiente externo do que as demais. Você deve estar se perguntando: e a área de vendas? Se a empresa não vender, ela não terá receitas, esse é um elemento fundamental para a sua sobrevivência. E se os produtos ou serviços que ela produzir não apresentarem valor para os clientes? E a administração, que concentra as áreas de apoio e recursos humanos? Se algo der errado, a empresa também terá muitas dificuldades. De fato, essas perguntas são importantes, porém essas áreas dependem muito mais dos fatores internos da empresa. Um planejamento confiável, um bom conhecimento do público‑alvo, uma competência eficaz na produção de bens e serviços e um bom desempenho administrativo são importantes e necessários. Diferentemente da área financeira que, por mais competente que seja na aplicação das técnicas e dos cálculos financeiros, depende fortemente de acontecimentos externos, inclusive daqueles que ocorrem do outro lado do planeta. Ela está ligada, também, às políticas econômicas, às normas do sistema financeiro e dos impostos que incidem sobre bens e serviços. Podemos exemplificar com as notícias que nos chegam diariamente: conflitos geopolíticos, questões climáticas e ambientais, pandemias, entrevistas equivocadas de autoridades governamentais e assim por diante. Todos esses acontecimentos vêm no noticiário acompanhados da frase “o dólar 11 subiu e a bolsa caiu”. Além disso, sempre que os governos precisam de recursos, o jeito mais fácil e rápido é aumentar os impostos dos setores produtivos. Assim, o administrador financeiro precisa ter uma visão transdisciplinar e atualizada dos movimentos internos e externos a fim de adotar uma postura inovadora diante das frequentes mudanças no ambiente competitivo globalizado e também diante da complexidade crescente do mundo dos negócios. Além disso, ele deve dominar fluentemente os cálculos financeiros, especialmente para discutir com os agentes financeiros. O Sistema Financeiro Brasileiro (SFB) é um dos mais avançados do mundo e qualquer descuido nas decisões pode colocar a empresa em risco, com operações “criativas”. As decisões de investimentos e financiamentos devem privilegiar os retornos operacionais, criando valor para os acionistas. Esta disciplina, portanto, trata dos fundamentos e dos conceitos da administração financeira necessários para uma gestão eficiente e tomada de decisão eficaz, bem como para a obtenção dos resultados dela esperados no curto, médio e longo prazo, tanto para as pequenas e médias empresas quanto para as grandes corporações. INTRODUÇÃO Para entender as conexões entre o ambiente externo e interno das empresas, abordaremos os fundamentos e os conceitos em três unidades que se complementam. Na unidade I, composta por quatro tópicos,trataremos dos fundamentos e conceitos da administração financeira, abordando as instituições externas que determinam as regras para as finanças nas empresas. O primeiro tópico tem como finalidade apresentar as políticas econômicas e seus reflexos nas taxas de juros praticadas no Brasil. Inicia‑se apresentando o valor do dinheiro ao longo do tempo, como nasceram os conceitos de juros e das taxas de câmbio. Em seguida, aborda o surgimento do modelo de negócio da intermediação financeira e as políticas econômicas que interferem diretamente nos índices de inflação e nas taxas de juros. Na sequência, apresenta o Sistema Financeiro Nacional (SFN) e as instituições normativas, supervisoras e executoras das políticas monetárias e operações nos quatro mercados: monetário, de crédito, cambial e de capitais. Por fim, apresentamos as principais taxas de juros que constituem as bases para todas as operações financeiras e como elas são formadas. O tópico 2 traz uma visão geral da economia brasileira e o ambiente da administração no Brasil. Inicia‑se com um breve histórico sobre como se formou a economia brasileira e o panorama geral do perfil das empresas brasileiras. Por fim, apresentamos uma visão sistêmica das principais atividades empresariais e como elas se relacionam com a área financeira. Concluímos o tópico apresentando as funções do administrador financeiro. O tópico 3 trata do planejamento e da administração do fluxo de caixa nos níveis estratégico, tático e operacional, abordando os pontos de controle importantes para a manutenção da sustentabilidade financeira ao longo do tempo. Vamos descrever os processos envolvidos para elaborar a previsão 12 orçamentária e prosseguimos detalhando como analisar os ciclos econômico, operacional e financeiro. Em seguida, apresentamos um passo a passo para estabelecer políticas de crédito e cobrança e os processos envolvidos em operações internacionais com operações de câmbio. Encerramos com exemplos de fluxo de caixa como instrumento da gestão financeira e simulações financeiras para negociar com fornecedores e clientes. O tópico 4 apresenta as métricas financeiras para análises de investimentos. Apresentamos alguns recursos e técnicas para auxiliar na análise financeira de novos projetos, como abrir uma filial, iniciar as atividades de exportações, modernizar as instalações com novas tecnologias, entre outros. Por meio da utilização de planilhas eletrônicas, apresentamos exemplos de análises de investimentos, projetamos um fluxo de caixa futuro e calculamos as métricas financeiras a fim de analisar a viabilidade econômica e financeira. As métricas básicas são payback, payback descontado e Valor Presente Líquido (VPL). Fazemos, ainda, uma análise de sensibilidade sobre o custo de capital por meio dos conceitos de taxa interna de retorno (TIR). O tópico termina com o conceito de projetos mutuamente excludentes e o cálculo do índice de lucratividade (IL) para auxiliar na decisão sobre qual projeto aumenta mais a riqueza da empresa. Na unidade II, composta por dois tópicos, trataremos das fontes de recursos para obtenção de capital de giro. O tópico 5 apresenta, inicialmente, o conceito de capital de giro. Em seguida, falaremos sobre o valor e os objetivos das empresas, como elas ganham ou perdem valor e como aumentar‑lhes o valor. Na sequência, vemos as quatro principais fontes de recursos para obtenção de capital de giro. As duas primeiras, tratadas nesse tópico, são financiamento interno e financiamento por terceiros. No financiamento interno, é necessário utilizar técnicas de análise de estrutura de capital da empresa, acompanhar com frequência o Custo Médio Ponderado de Capital (CMPC) e conhecer o conceito de grau de alavancagem financeira. A segunda fonte de recursos é a empresa obter financiamentos com terceiros, principalmente bancos. Apresentamos as principais operações no mercado monetário, debêntures e notas promissórias, e as principais operações no mercado de crédito, hotmoney, descontos de títulos e factoring. Por fim, apresentaremos as operações de leasing, especialmente o leasing financeiro, e um exemplo de análise de decisão entre capital próprio ou leasing na aquisição de equipamentos. O tópico 6 trata da terceira fonte de recursos: a abertura de capital das empresas no mercado de valores mobiliários. Iniciamos apresentando os fundamentos do mercado de valores mobiliários, que comumente é conhecido como mercado de capitais. Na sequência, apresentamos o ciclo básico para as empresas abrirem o capital, como efetuar ofertas públicas, as negociações e o fechamento do capital, quando necessário. Muito importante considerar que, para atuar nesse mercado, as empresas precisam estar constituídas em sociedade por ações (SA). Assim, precisamos destacar as diferenças entre empresas limitadas, sociedade por ações de capital fechado e sociedade por ações de capital aberto. É muito relevante conhecer noções de governança corporativa a fim de entender como o grau de maturidade da governança corporativa nas empresas interfere, mais ou menos, nos retornos e riscos dos investimentos em ações. 13 Na unidade III, composta pelos tópicos 7 e 8, abordaremos as operações no mercado de futuros, derivativos, Fundos de Investimentos Imobiliários (FII) e as tendências de investimentos para empresas de capital aberto. No tópico 7, abordaremos os conceitos e fundamentos das operações no mercado de futuros, conceito de commodities, operações com derivativos, incluindo as principais modalidades: swap cambial, hedge cambial e non deliverable foward (NDF). Em seguida, detalharemos as operações de estruturação de FII, tanto a partir da desmobilização de ativos como de imóveis construídos para essa finalidade. O tópico termina destacando os direitos e deveres dos investidores e vantagens dos FII sobre outros investimentos. O tópico 8 encerra a disciplina com as tendências de investimentos para empresas de capital aberto, participantes do grupo de empresas inovadoras que se destacam das demais por seus objetivos estratégicos, voltados para as questões emergentes no mundo globalizado. Entre os temas que serão apresentados, falaremos sobre neutralidade de carbono, economia circular, justiça climática, pegada ecológica, descarbonização, bioeconomia e conservação baseada na natureza. Em seguida, vamos apresentar um breve resumo sobre as principais ações globais que vêm sendo promovidas desde a década de 1990, iniciando com o Protocolo de Kioto, o Acordo de Paris e o Fundo da Amazônia. Por fim, estudaremos os conceitos de ativos e passivos ambientais, que são gerenciados nos balanços patrimoniais, a origem do conceito internacional de GRI (Global Report Initiative) e o conceito de relato integrado, que vem sendo adotado pelas grandes empresas de capital aberto no Brasil. Desejamos uma experiência agradável na leitura deste livro‑texto e sucesso na carreira profissional que você escolheu. 15 ADMINISTRAÇÃO FINANCEIRA Unidade I 1 POLÍTICAS ECONÔMICAS E AS TAXAS DE JUROS Explicaremos a relação entre as políticas econômicas e seus reflexos na composição das taxas de juros praticadas no Brasil. Por que isso é importante? No Brasil, as sucessivas crises econômicas e políticas ao longo de mais de dois séculos, bem como a regulação excessiva do Estado na economia, interferem negativamente na vida das empresas. Desse modo, como as políticas econômicas estão intimamente relacionadas com o sistema financeiro, é muito importante compreender profundamente as duas instituições que mais fragilizam as empresas: os bancos e os governos. Assim, apresentaremos um breve histórico sobre o valor do dinheiro no tempo, o surgimento do conceito de juros e das taxas de câmbio e como as políticas econômicas podem afetar a gestão das empresas, principalmente daquelas que não têm estrutura jurídica para se defender dos imprevistos do ambiente externo: as pequenas e médias empresas. 1.1 Valor do dinheiro no tempo Quandorefletimos sobre o valor do dinheiro no tempo, logo surge uma curiosidade: desde quando existe dinheiro? Em que momento da história da civilização começamos a utilizá‑lo para efetuar trocas? As trocas sempre existiram na vida da sociedade. As pessoas interessadas em algum produto ou serviço precisavam encontrar um meio de obter os seus desejos. Antigamente, essa relação era mais simples do que é hoje. O valor dos bens era definido na negociação para a troca de produtos entre as pessoas. Essa relação era conhecida como escambo, que não usava moeda. No escambo, o valor é a quantidade de produtos trocados por outros produtos. Esse sistema de trocas ainda é utilizado em condições específicas, como em algumas regiões que praticam a agricultura de subsistência, por exemplo, Amazônia, Pantanal ou em outras mais distantes dos grandes centros urbanos, em que o pequeno produtor leva parte da sua produção de frutas e verduras em um mercadinho próximo para trocar por produtos essenciais, como combustível, sal, utensílios domésticos, entre outros. Quando as trocas começaram a ficar mais frequentes, o escambo passou a ter algumas dificuldades para se concretizar. A primeira delas foi a coincidência de interesses. Por exemplo, uma pessoa, que criava galinhas e possuía um excedente delas, desejava obter trigo, assim, precisaria encontrar alguém que produzisse esse produto, tivesse um excedente dele e, ainda, estivesse interessado em obter galinhas. 16 Unidade I Figura 1 – Exemplo de escambo Disponível em: https://tinyurl.com/2632v88r. Acesso em: 25 set. 2023; Disponível em: https://tinyurl.com/y38rfzs7. Acesso em: 25 set. 2023; e Disponível em: https://tinyurl.com/5aah55md. Acesso em: 25 set. 2023 Se isso não fosse possível, a pessoa com excedente de trigo poderia encontrar um terceiro indivíduo com excedente em outro produto, como mel. A pessoa com excedente em galinhas poderia trocá‑las por mel e, em seguida, trocá‑lo por trigo, que era seu objetivo final. A segunda dificuldade era estabelecer valor ou preço para trocar suas mercadorias: quantos quilos de trigo são necessários para receber em troca um litro de mel? Quantas galinhas são necessárias para receber em troca um litro de mel? O terceiro problema do escambo era a dificuldade de fracionar alguns bens. Nos casos anteriores, o mel poderia ser fracionado, o trigo também, mas a galinha, não. 17 ADMINISTRAÇÃO FINANCEIRA O quarto problema era que alguns produtos não podiam ser estocados para formar reserva de valor. As dificuldades com o escambo levaram as pessoas a observar que certos produtos eram muito demandados e aceitos por todos. Esses produtos poderiam ser utilizados como meio de troca comum. Um produto que era muito demandado na Roma Antiga era o sal. Muitos pagamentos de bens e serviços eram pagos com sal, originando o termo salário. Esses produtos muito demandados foram denominados de moeda‑mercadoria. Os metais preciosos eram raros, muito utilizados por sua utilidade e aceitos por todos. Assim, logo viraram meio de troca comum. Dessa forma, surgiram as primeiras moedas, pequenos pedaços de metal com peso e valor definidos, carimbadas com o selo oficial de quem as emitiu, com garantia de qualidade, peso e valor. As trocas agora podiam ser feitas por meio de moedas, mas seu valor ainda era ligado ao valor do material com que elas eram produzidas. As moedas podiam ser estocadas e se tornarem reservas de valor. Essa característica deu origem às primeiras casas especializadas em prestar serviços para guardar a reserva de valor mediante uma remuneração pelo serviço prestado. Foi assim que surgiu o conceito de juros. 1.1.1 Como nasceu o conceito de juros Esse novo modelo de negócio tinha como objetivo principal a custódia dos valores e emitia recibos dos valores depositados, permitindo que o dono das moedas pudesse resgatá‑las. Esses recibos passaram a ser utilizados para aquisição de bens e serviços, originando o papel‑moeda. Além de cobrar para guardar o ouro, essas casas começaram a emprestar dinheiro e a cobrar um valor adicional pelo serviço. Vale ressaltar que essa prática de comercializar dinheiro, cobrando por esse empréstimo, não era bem vista pela sociedade da época. A exigência de um encargo como pagamento, em troca de um empréstimo de bens ou serviços, não era um conceito socialmente aceito na vida comunitária das sociedades primitivas. Empréstimos tinham a função de aliviar um aperto, ou uma situação difícil de alguém, e o costume aceitável era não esperar nada mais em troca, a não ser uma retribuição do mesmo tipo. Tirar vantagem da dificuldade circunstancial de outro membro da mesma comunidade não era, com razão, um comportamento bem‑visto (Kerr, 2011, p. 59). A palavra utilizada para essa cobrança era usura, prática considerada abusiva naquela época. Essa prática antiética levou os legisladores a distinguir quantitativamente o ilegal do legal por meio da limitação do valor cobrado. Buscava‑se traçar uma linha divisória, separando o que seria uma cobrança legal e justa daquilo que seria uma cobrança abusiva. 18 Unidade I A expressão usura passa, então, a designar as cobranças abusivas e o termo juro passa a designar uma cobrança legal. No período da Revolução Industrial (séculos XVIII e XIX), em que prevaleceu a ideologia do liberalismo, a Inglaterra e a maioria dos países europeus abandonaram completamente o controle sobre as taxas de juros, embora a preocupação com cobranças ilegais ainda existisse. Os contratos individuais passaram a fazer uso dos dispositivos que possibilitavam a renegociação dos contratos quando os juros eram considerados abusivos pelo devedor (Kerr, 2011). No Brasil, houve períodos de maior liberalismo com a cobrança dos juros alternados com os de menor tolerância. Em 1933, no governo provisório de Getúlio Vargas, foi decretado, pela primeira vez no país, um valor máximo legal para as taxas de juros em 6% a.a. Mas esse decreto durou pouco tempo. Outra tentativa de limitar os juros foi na Constituição Federal de 1988, que estabeleceu um limite em 12% a.a. Porém, em 2003, a Emenda Constitucional número 40 revogou esse artigo, de modo que a limitação dos juros deixou de existir. Saiba mais Veja a reportagem publicada pela organização da sociedade civil Auditoria Cidadã da Dívida, em que a pauta é a liberdade dos juros no Brasil. AUDITORIA CIDADà DA DÍVIDA. Usura é crime! Estamos sendo roubados! Brasília, 13 set. 2022. Disponível em: https://tinyurl.com/4bryca9v. Acesso em: 25 set. 2023. A intensificação das trocas, do comércio e da produção forçou as sociedades a rever o conceito ético da cobrança de juros por empréstimos, embora ainda demorasse muito tempo até que se percebesse a importante função social do crédito e, consequentemente, dos juros (Kerr, 2011). 1.1.2 Padrão‑ouro e as taxas de câmbio A adoção do sistema monetário padrão‑ouro no século XIX é um dos eventos mais importantes na história do mercado financeiro internacional. Antes de o padrão‑ouro ser criado, os países geralmente utilizavam ouro e prata como método de pagamento no comércio internacional. O principal problema nisso é que o valor desses metais era muito afetado pela oferta. Por exemplo: a descoberta de uma nova mina de ouro fazia com que os preços do metal caíssem. 19 ADMINISTRAÇÃO FINANCEIRA Figura 2 – Sistema monetário padrão‑ouro Disponível em: https://l1nq.com/CAaxw. Acesso em: 25 set. 2023. A partir do padrão‑ouro, a emissão do papel‑moeda torna‑se garantida pelo ouro. Os governos precisavam de uma grande reserva desse metal para emitir o equivalente em papel‑moeda. Durante o final do século XIX, as economias de todos os principais países haviam adotado o padrão‑ouro e “atrelado” suas moedas ao valor da onça de ouro. Ao longo de tempo, a diferença no preço de uma onça de ouro entre duas moedas se tornou a taxa de câmbio para essas duas moedas. Isso representou a primeira maneira oficial de realizar câmbio de moedas. O períodode 1880 a 1944 é conhecido como a época do padrão‑ouro clássico. Durante esse tempo, a maioria dos países aderiu a esse modelo. Foi também um período de crescimento econômico sem precedentes e de forte comércio de mercadorias, trabalho e capital entre os países. Em julho de 1944, quando a Segunda Guerra ainda estava se desenrolando na Europa e no sudeste asiático, 730 representantes das 44 nações aliadas se reuniram no Mount Washington Hotel em Bretton Woods, New Hampshire (EUA), para a Conferência Monetária e Financeira das Organização das Nações Unidas (ONU). Essa reunião teve o objetivo de encontrar meios de governar a economia internacional e discutir políticas econômicas a serem adotadas pelos países. Os representantes dos países capitalistas acreditavam que a ausência do Estado na economia contribuiu para a eclosão das duas grandes guerras e para a depressão econômica, ocasionada pela quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque, gerando a crise de 1929. 20 Unidade I Foi a primeira vez que um sistema monetário foi negociado detalhadamente entre os países. Seu legado está nas instituições do Fundo Monetário Internacional e parte do Banco Mundial. O centro do acordo foi um sistema de câmbio de taxas fixas entre os países. Os valores de suas moedas foram atrelados ao dólar, estabelecendo uma taxa fixa de US$ 35 a 1 onça de ouro. O peso de 1 onça de ouro equivale a 31,10349 gramas. Figura 3 – Dólar como moeda de reserva mundial Disponível em: https://tinyurl.com/wmv398uk. Acesso em: 25 set. 2023. Isso fez com que o dólar se tornasse a moeda de reserva do mundo, pois ele assumiu o papel que o ouro possuía antes, no padrão‑ouro. Além de se tornar “a moeda do mundo”, o dólar se tornou aquela com maior poder de compra devido à sua convertibilidade ao ouro. O acordo de Bretton Woods só durou até 1971. O dólar era a única moeda que possuía convertibilidade com o ouro e, ao final da Segunda Guerra, os Estados Unidos mantinham aproximadamente 65% das reservas globais de ouro. Assim, se qualquer empresa na França precisasse importar algum produto de alguma empresa no Japão, ela teria de entregar ouro para o Banco Central dos Estados Unidos, que faria a conversão desse ouro em dólar. Esses dólares iriam para o Banco Central do Japão, que os converteria na moeda local, o yen. Dessa forma, todas as operações internacionais eram efetuadas em dólar, com a participação dos bancos centrais dos países envolvidos nas negociações. 21 ADMINISTRAÇÃO FINANCEIRA No entanto, os Estados Unidos, em guerra com o Vietnã (1955‑1975), passaram a emitir dólares sem lastro em ouro para a manutenção de armas e pessoas no conflito. Ocorreu uma inflação em que mais dólares inundavam o sistema financeiro global, e as reservas de ouro americanas dificilmente dariam conta de abarcá‑la. A confiança no dólar começou a diminuir na medida em que se tornava aparente que os Estados Unidos não seriam capazes de arcar com seus compromissos se todos que possuíssem dólares desejassem convertê‑los em ouro. Em 1971, os Estados Unidos só possuíam ouro para cobrir 22% dos dólares que circulavam na economia mundial. Assim, o presidente Nixon foi obrigado a desvincular o dólar das reservas de ouro e todas as potências econômicas para o câmbio flutuante (Zelina, 2012). Saiba mais Veja estes vídeos de economistas defensores do padrão‑ouro como o único sistema que pode controlar a inflação e melhorar a vida das pessoas: COMO funciona um padrão ouro? 2020. 1 vídeo (8 min). Publicado pelo canal EconoFácil. Disponível em: https://l1nq.com/0l3YZ. Acesso em: 25 set. 2023. VOLTAREMOS a um padrão ouro? 2020. 1 vídeo (8 min). Publicado pelo canal EconoFácil. Disponível em: https://l1nq.com/VCX5T. Acesso em: 25 set. 2023. 1.1.3 Intermediação financeira As casas de custódia de valores marcam o início do modelo de negócio de intermediação financeira. Os recibos emitidos aos proprietários dos valores em custódia não passavam de um pedaço de papel, assinado por uma instituição, garantindo que havia uma quantidade de ouro equivalente ao valor do recibo. Contudo, o valor e a aceitação desses recibos dependiam da credibilidade da instituição que os emitia, ou seja, a confiança dos portadores de que aquele papel representava, de fato, um bem de valor. Essas instituições passaram a, além de cobrarem para guardar o ouro, emprestar dinheiro e a cobrar juros, transformando‑se nos bancos de hoje em dia. 22 Unidade I Poupadores e investidores (Depositam R$) (Recebem R$) Recebem juros Pagam juros Instituições financeiras Tomadores de empréstimos Figura 4 – Esquema de intermediação financeira A intermediação financeira pode ser esquematizada de modo muito simples. Ao longo do tempo, as operações foram se sofisticando, porém a base continua sendo a mesma. De um lado, temos os poupadores e investidores, que possuem uma certa quantia de dinheiro que eles não utilizaram para suas despesas rotineiras. De outro lado, temos os tomadores de empréstimos, que gastaram mais dinheiro do que possuíam para suas despesas rotineiras. Um intermediário financeiro aproxima os dois e ocorre uma operação em que o investidor empresta uma quantidade de dinheiro ao tomador por um determinado período. Após esse período, o tomador devolve o dinheiro ao investidor acrescido de um valor adicional como rendimento pelo uso do dinheiro. Esse valor adicional corresponde aos juros. 1.1.4 Do papel‑moeda ao dinheiro virtual A emissão de moeda passou a ser exclusiva dos governos depois de algum tempo. Atualmente, apenas os bancos centrais dos países têm permissão para emitir moeda. Ela não tem mais um valor atrelado ao ouro. O valor da moeda está vinculado aos bens e serviços produzidos por aquele país. Seu valor ainda depende da credibilidade do emissor, ou seja, dos bancos centrais dos países (Kerr, 2011). Lembrete O sistema câmbio fixo foi descontinuado em 1971, quando o dólar foi desvinculado das reservas de ouro nos Estados Unidos. Assim, os países foram adotando o sistema de câmbio flutuante a partir de então. No Brasil, o sistema de câmbio flutuante foi adotado a partir de 1999, porém o Banco Central adota o sistema híbrido. Ou seja, quando necessário, o Banco Central intervém na economia para controlar a alta cotação do dólar. Com o passar do tempo, surgiram outros tipos de moeda, como os cheques, os cartões de crédito e de débito e, por fim, são poucas as pessoas que utilizam dinheiro físico para comprar bens e serviços. Os registros eletrônicos nas instituições financeiras utilizam o Cadastro de Pessoa Física (CPF) ou Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) para movimentar os valores depositados entre as pessoas 23 ADMINISTRAÇÃO FINANCEIRA e empresas por meio de transferências, que recebem diversos nomes, sendo o mais atual o Pix. Mas os bancos centrais do mundo todo estão estudando uma nova modalidade de moeda: Central Bank Digital Currency (CBDC), ou, em português, Moeda Digital de Banco Central, que já existe em alguns países e no Brasil deve ser implantada em breve. 1.2 Políticas econômicas: fiscal, monetária e cambial Os juros são de extrema importância no processo de intermediação financeira. Quando são altos, estimulam a poupança; quando são baixos, estimulam o consumo. Por sua vez, o consumo alto estimula o aumento da produção e, consequentemente, dos investimentos. Assim, a gestão da economia pelos órgãos do governo, encarregados dessa tarefa, tem vários objetivos, como atingir o pleno emprego, distribuir riqueza, defender o poder aquisitivo da moeda e permitir que a economia cresça. As ações do governo para esse fim são denominadas políticas econômicas, que se dividem em política fiscal, cambial e monetária. A política fiscal é o principal instrumento do setor público pela qual o governo gerencia o orçamento do Estado. O orçamento é a diferença entre as receitas e despesas do governo em um período. Quando as receitas são maiores que os gastos, tem‑se um superávit;e quando as receitas são menores, um déficit. A receita é obtida através da arrecadação de impostos. As despesas são mais variadas, contabilizando os gastos com pagamentos de funcionários, construção e manutenção de escolas, hospitais, pagamentos de juros da dívida, entre outros. A política cambial é utilizada para controlar as relações comerciais e financeiras que envolvem países diferentes, principalmente nas operações de exportação e importação. Quando o Brasil exporta bens e serviços, ocorre uma entrada de dólares na economia e, quando importa, ocorre uma saída de dólares. A situação de equilíbrio é avaliada pela balança comercial ao gerar saldo positivo ou negativo entre a exportação e importação de bens e serviços. A política monetária é a parte da política econômica que cuida do controle da oferta da moeda e das taxas de juros visando manter a estabilidade do valor da moeda, manter uma balança de pagamentos equilibrada e buscar o pleno emprego. O principal órgão do governo executor da política monetária é o Banco Central (também chamado BC ou Bacen), encarregado da emissão da moeda, da regulação do crédito, da manutenção do padrão monetário e do controle do câmbio. Ele atua diretamente sobre o controle da quantidade de moeda em circulação, buscando defender o poder de compra. A política monetária pode ser restritiva ou expansionista. O objetivo da política restritiva é reduzir a quantidade de moeda em circulação e tornar os empréstimos mais caros por meio de uma taxa básica de juros mais elevada. Ou seja, o Banco Central busca diminuir a quantidade de dinheiro em circulação a fim de desaquecer a economia e evitar a inflação. 24 Unidade I Por sua vez, o objetivo da política expansionista é tomar medidas que aumentem a quantidade de dinheiro em circulação, diminuindo a taxa básica de juros e desonerando os empréstimos. Assim, o aumento da quantidade de dinheiro em circulação aquece a economia e, consequentemente, ocorre o crescimento econômico. 1.2.1 Inflação, deflação e estagflação Inflação, em uma definição informal, é o aumento generalizado de preços em uma economia, o que provoca a redução do poder aquisitivo da moeda. Deflação, por sua vez, é o contrário, uma redução generalizada de preços na economia. Em geral, inflação alta está ligada a crescimento alto. Quando as coisas vão bem, as pessoas consomem mais, e se a oferta não acompanhar o crescimento da demanda, haverá espaço para o aumento de preços, gerando inflação. Crescimento alto é algo desejável, mas inflação alta não. Para lidar com esses dois objetivos conflitantes (controlar a inflação e estimular o crescimento), o Brasil adota, desde 1999, o sistema de metas de inflação e garante autonomia ao Banco Central para combater apenas a inflação, ainda que isso possa significar sacrifício ao crescimento econômico. Após a Primeira Guerra Mundial (1914‑1918), o termo inflação passou a ser amplamente empregado como sinônimo de enormes aumentos de preços e da base monetária nos países da Europa, principalmente Alemanha, Áustria e Rússia. Até a década de 1930, a inflação geralmente era definida como um aumento anormal na oferta de dinheiro sem um correspondente aumento na oferta de bens e serviços. Após os estudos de John Maynard Keynes, entretanto, os economistas passaram a dar menos ênfase à quantidade de dinheiro como principal determinante dos preços e do consumo total. O consumo corrente passou a ser considerado mais como uma função da renda, assim, o foco da definição de inflação passou para o aumento de preços. A consequência direta da definição de inflação como um aumento no nível geral de preços e da deflação como uma redução foi estabelecer um índice de preços por meio do cálculo de uma média ponderada de preços individuais, índice esse utilizado para medir a variável inflação. Porém, os diversos preços individuais em uma economia variam diferentemente. Desse modo, qualquer índice de preços fornece apenas uma tendência central das variações dos diversos preços individuais da economia. Como o nome indica, estagflação combina estagnação econômica com a inflação. A estagflação na economia corresponde a uma situação de recessão econômica com a diminuição do nível de emprego. Essa situação se caracteriza pela ausência de instrumentos da política econômica que regulem a economia. Diz‑se que um país está em estagflação quando se registra uma estagnação no seu desenvolvimento econômico seguido de inflação persistente. 25 ADMINISTRAÇÃO FINANCEIRA Esse termo surgiu na década de 1970 para descrever a crise econômica mundial. As suas causas estavam no superaquecimento das economias dos países desenvolvidos, com a explosão da procura por bens e serviços, mas com a diminuição da oferta por conta das limitações colocadas pelos países produtores de petróleo e, consequentemente, pela diminuição de atividades em setores dependentes do petróleo. Isso levou a um aumento de desemprego e depreciação das moedas. 1.2.2 Indicadores de inflação brasileiros Existem vários índices de preços no mercado brasileiro, apurados por diversas entidades. Embora todos busquem medir a inflação, cada índice tem um objetivo, calculado de acordo com sua metodologia própria. O gráfico publicado no site Ricieri (s.d.) apresenta a inflação nos Índice de Preços ao Consumidor Ampliado (IPCA) e Índice Geral de Preços do Mercado (IGP‑M). 40% IGP‑M x IPCA (Acumulado 12 meses) 35% 2016 2017 2018 2019 IGP‑M IPCA 2020 2021 2022 30% 25% 20% 15% 10% 5% 0% ‑5% Figura 5 – Variação do IGP‑M e IPCA entre 2016 e 2022 O IPCA é a taxa de inflação oficial brasileira, enquanto o INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor) é o indicador de referência para o desempenho dos planos de benefícios da Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil (Previ). Outro índice importante é o IGP‑M, divulgado pela Fundação Getúlio Vargas. Esse índice foi concebido para equalizar correções de alguns títulos do governo. Atualmente é utilizado para correções de tarifas de energia elétrica e contratos de aluguéis. 26 Unidade I Saiba mais Veja o vídeo para saber mais sobre os principais indicadores brasileiros: IPCA, IGP‑M e INPC: O que é inflação e como impacta os investimentos. 2021. 1 vídeo (11 min). Publicado pelo canal InfoMoney. Disponível em: https://l1nq.com/BypBc. Acesso em: 25 set. 2023. 1.3 Sistema Financeiro Nacional (SFN) O Sistema Financeiro Nacional (SFN), também denominado Sistema Financeiro Brasileiro (SFB), pode ser definido como o conjunto de instituições, produtos e instrumentos que viabilizam a transferência de recursos ou ativos financeiros entre os investidores e os tomadores de recursos da economia. Bancos e caixas econômicas BCB Banco Central do Brasil CVM Comissão de Valores Mobiliários Susep Superintendência de seguros privados Previc Superintendência nacional de previdência complementar CNPC Conselho Nacional de Previdência Complementar CNSP Conselho Nacional de Seguros Privados CMN Conselho Monetário Nacional Moeda, crédito, capitais e câmbio Ór gã os n or m at iv os Su pe rv is or es Op er ad or es Seguros privados Previdência fechada Cooperativas de crédito Instituições de pagamento** * Dependendo de suas atividades corretoras e distribuidoras também são fiscalizadas pela CVM. ** As instituições de pagamento não compões o SFN, mas são reguladas e fiscalizadas pelo BCB, conforme diretrizes estabelecidas pelo CMN. Demais instituiçoes não bancárias Bolsa de mercadorias e futuros Bolsa de valores Seguradoras e resseguradores Entidades abertas de previdência Sociedades de capitalização Corretoras e distribuidoras* Administradoras de consórcios Entidades fechadas de previdência complementar (fundos de pensão) Figura 6 – Estrutura organizacional do SFN Disponível em: https://tinyurl.com/28yrfhwv. Acesso em: 25 set. 2023. 27 ADMINISTRAÇÃO FINANCEIRA O SFN, ou SFB, é um dos mais avançadosdo mundo, sua solidez se deve a uma gestão macroeconômica comprometida com a estabilidade. A formação do sistema financeiro brasileiro começou em 1808 pela fundação da primeira instituição financeira nacional: o Banco do Brasil. Uma das poucas instituições dessa espécie no mundo, naquela época, ao lado do Ricks Banck, da Suécia (1694) e do Banco de França (1800). Nas décadas de 1950, 1960 e 1970, novas instituições e estruturas de regulação foram criadas, como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), hoje entre as maiores agências de fomento do mundo, e o Sistema Financeiro de Habitação (SFH), dedicado a financiamentos imobiliários. Também foram instituídos o Conselho Monetário Nacional (CMN), órgão federal superior responsável pela fixação das diretrizes da política monetária brasileira, o Banco Central, encarregado da execução das políticas monetárias e da regulação e supervisão do sistema financeiro, e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), dedicada à regulação e supervisão do mercado de valores mobiliários. A figura 6 divide, na barra vertical, três funções do SFN: órgãos normativos, supervisores e operadores. As áreas de atuação são três. A primeira abrange os mercados monetário, mercado de crédito, mercado de capitais e mercado de câmbio. A segunda trata dos seguros privados e a terceira trata da previdência complementar. Como órgãos normativos, temos o primeiro deles, o CMN, responsável pelas normas dos quatro grandes mercados: monetário, de crédito, de capitais e cambial. O segundo órgão normativo é o Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP), responsável por estabelecer as normas do segmento de seguros. O terceiro deles é o Conselho Nacional de Previdência Complementar (CNPC), responsável por definir normas e regulamentos sobre a previdência complementar (BCB, [s.d.]a). Os mercados de seguros e previdência complementar não fazem parte dos assuntos tratados nesta disciplina. Contudo mais informações podem ser obtidas no portal do governo, como indicado na fonte da figura anterior. 1.3.1 Mercados monetário, de crédito, cambial e de capitais O mercado monetário concentra as operações para controle da oferta de moeda e das taxas de juros de curto prazo a fim de garantir a liquidez da economia. O Banco Central do Brasil atua nesse mercado praticando a política monetária definida pelo CMN. O controle da liquidez da economia pode ser efetuado pela venda ou recompra de títulos públicos, como Letras do Tesouro Nacional (LTN), por exemplo. No mercado monetário, também são negociados títulos privados emitidos por bancos e por empresas. Os mais importantes são os Certificados de Depósitos Interbancários (CDI), negociados exclusivamente entre instituições financeiras, e os Certificados de Depósitos Bancários (CDB), vendidos ao público em geral. As empresas, por sua vez, emitem debêntures e notas promissórias, conhecidas também pela expressão, em inglês, commercial papers. 28 Unidade I No mercado de crédito, atuam diversas instituições financeiras e não financeiras, prestando serviços de intermediação de recursos de curto e médio prazo para tomadores que necessitam de recursos para consumo ou capital de giro. O Banco Central é o principal órgão responsável por controlar e fiscalizar esse mercado. Nesse mercado, as instituições financeiras podem atuar na intermediação de forma direta ou indireta. Quando atuam diretamente, a instituição financeira recebe recursos de investidores, assumindo a obrigação de lhes devolver o montante, ou seja, o capital investido acrescido de juros. A instituição financeira que intermediou a operação fica devedora dos recursos captados. No balanço patrimonial da instituição financeira, esse valor faz parte da posição passiva. De posse desses recursos, a instituição realiza empréstimos e financiamentos a tomadores de crédito. Esses empréstimos fazem parte da posição ativa no balanço patrimonial da instituição financeira, pois ela fica credora dos recursos emprestados. Os juros cobrados pelo banco na posição ativa são mais altos do que os pagos na posição passiva, cuja diferença de taxas é denominada spread. Na intermediação indireta, as instituições atuam apenas como intermediárias, cobrando uma comissão pelos serviços. O mercado de capitais tem como objetivo canalizar recursos em médio e longo prazos por meio de operações de compra e de venda de títulos e valores mobiliários efetuadas entre empresas, investidores e intermediários. A CVM é o principal órgão responsável pelo controle, normatização e fiscalização desse mercado. O mercado de câmbio é aquele onde são negociadas as trocas de moedas estrangeiras por reais (R$). O Banco Central do Brasil é o responsável pela administração, pela fiscalização e pelo controle das operações de câmbio pela política cambial (BCB, [s.d.]a). 1.3.2 Instituições normativas e reguladoras (CMN, Banco Central, CVM) O CMN, presidido pelo Ministro da Fazenda, é o órgão normativo responsável pelas políticas monetária, de crédito e cambial. É o órgão deliberativo máximo do SFN. Ao CMN compete estabelecer as diretrizes gerais das políticas monetária, cambial e creditícia, regular as condições de constituição, funcionamento e fiscalização das instituições financeiras e disciplinar os instrumentos de política monetária e cambial. O Banco Central do Brasil é o órgão executor das políticas do SFN. Foi criado pela Lei n. 4.595, de 31 de dezembro de 1964, sendo o principal executor das orientações do CMN e responsável por garantir o poder de compra da moeda nacional. A CVM é o órgão normativo responsável pelo desenvolvimento, disciplina e fiscalização do mercado de valores mobiliários. Sua principal atribuição é fiscalização da emissão e da negociação de títulos emitidos pelas sociedades por ações de capital aberto para as bolsas de valores funcionarem de acordo com os princípios éticos e legais (BCB, [s.d.]a). 29 ADMINISTRAÇÃO FINANCEIRA 1.3.3 Ministro da Fazenda e Presidente do Banco Central Os dois cargos públicos mais importantes do SFN são os do Ministro da Fazenda e do Presidente do Banco Central. O Ministro da Fazenda é quem cuida de toda a receita do Governo Federal e organiza a maneira como o dinheiro é gasto. É o Ministro da Fazenda quem libera verbas para os outros ministérios, para os governos estaduais e municipais e também para o pagamento de emendas parlamentares. É função do Ministro da Fazenda conversar com empresários e investidores a fim de alinhar as expectativas entre as necessidades de impostos pelo governo e as solicitações de desonerações em segmentos importantes para gerar empregos. Em conjunto com os ministérios do Planejamento, do Desenvolvimento da Indústria e Comércio e o do Trabalho, o Ministro da Fazenda coordena as negociações com o Congresso Nacional (Câmara dos Deputados e Senado Federal) para o aceite dos planos econômicos e emendas à constituição. Todo esse processo envolve negociação, além do Congresso, com governadores, prefeitos, empresários ou outros ministros. A política está no dia a dia do cargo e seu ocupante responde diretamente ao Presidente da República. O Ministro da Fazenda ainda auxilia o Presidente da República para administrar as contas do governo. É um cargo técnico e político. O presidente do Banco Central é o responsável por cuidar da solidez do sistema bancário do país e pela condução das políticas monetária, cambial, de crédito e de relações financeiras com o exterior. Quando falamos de política monetária, o principal instrumento que o Banco Central possui para cumprir seu maior objetivo, o combate à inflação, é a taxa básica de juros, a taxa Selic. O presidente do Banco Central tem autonomia operacional. Isso significa que não deve aceitar interferências na condução da política monetária. É um cargo técnico que costuma ser ocupado por economistas ou executivos vindos do mercado financeiro, tem autonomia operacional e, além de ser responsável pelo sistema bancário, sua missãoé controlar a inflação (Castro, 2016). 1.4 Políticas monetárias e taxas de juros Os instrumentos mais usuais de que o Banco Central dispõe para executar a política monetária são depósito compulsório, mercado aberto, mais conhecido como open market, e redescontos bancários. O impacto que as alterações no recolhimento de depósitos compulsórios causam na economia está relacionado com o efeito multiplicador bancário. Os bancos comerciais e as instituições que atuam com depósitos à vista criam moeda ao fazer empréstimos. A essa moeda criada denomina‑se moeda escritural ou moeda bancária. O efeito multiplicador bancário e a criação de moeda escritural ocorrem porque os bancos recebem depósitos à vista, mas sabem que não precisam ter todo o dinheiro disponível o tempo todo para os correntistas. Estatisticamente, apenas uma parte pequena do total de recursos precisa estar 30 Unidade I disponível. Assim, os bancos podem emprestar o restante, se não houver qualquer impedimento para que isso aconteça. A mesma moeda em circulação, que é de propriedade do correntista, agora está nas mãos dos bancos, aumentando a quantidade de dinheiro na economia. Por conta disso, o Banco Central controla a quantidade de dinheiro disponível para empréstimos nos bancos por meio de depósitos compulsórios, limitando, assim, o efeito multiplicador bancário. Quanto maior o depósito compulsório, menos dinheiro sobra para o banco emprestar e menor será o efeito multiplicador bancário e de criação da moeda escritural. A tabela a seguir foi elaborada pelo Banco Central, apresentando o histórico das mudanças nas regras das principais modalidades de recolhimentos compulsórios e direcionamentos obrigatórios implementadas pelo Banco Central entre os anos de 2016 e 2019. Tabela 1 – Critérios para estabelecer percentuais de depósitos compulsórios Tipo Alíquotas Recursos livres***Recolhimento compulsório Exigibilidade adicional Direcionamento obrigatório Recursos à vista 45% → 21% 0% Crédito rural 34% → 30% Microfinanças 2% 19% → 47% Recursos a prazo 25% → 31% 11% → 0% ‑ 64% → 69% Depósitos de poupança Rural: 15,5% → 20% Livre: 24,5% → 20% 5,5% → 0% Rural 74% → 60% Livre 65% Rural 5% → 20% Livre: 5% → 15% * Alterações nas alíquotas de recolhimentos compulsórios e direcionamentos. * Regras de janeiro de 2016 versus dezembro de 2019. *** Percentual de cada captação que fica disponível para livre aplicação por parte da instituição após o recolhimento compulsório e o direcionamento obrigatório. Adaptada de: BCB ([s.d.]b). Observação O Banco Central usa a expressão recolhimento compulsório como sinônimo de depósito compulsório, termo usualmente utilizado pela mídia especializada em mercado financeiro e pelos profissionais da área financeira. No sistema Cosif (Consolidado Contábil do SFN), a expressão utilizada é reservas compulsórias. 31 ADMINISTRAÇÃO FINANCEIRA O processo de colocação de títulos da dívida pública no mercado financeiro é feito por meio do mercado aberto, mais conhecido como open market. A colocação de títulos no mercado retira a moeda de circulação e, portanto, reduz a liquidez da economia. Quanto mais títulos lançados, menor a liquidez e, consequentemente, menos dinheiro na economia e aumento na taxa de juros. Essa é a lei da oferta e da demanda. Em sentido contrário, quando o governo recompra seus títulos, o dinheiro volta para a economia. Quanto mais títulos forem recomprados, mais aumenta a liquidez, ou seja, mais dinheiro na economia e diminuição da taxa de juros. Entre os instrumentos de política monetária, esse é o que causa efeito mais rapidamente. Saiba mais Veja o vídeo para saber mais sobre o mercado aberto, também conhecido como open market, além das dicas para as certificações da Anbima (CPA 10, CPA 20, CEA e AAI): OPEN market: Como Funciona? l Anbima na prática (CPA 10, CPA 20, CEA e AAI). 2020. 1 vídeo (8 min). Publicado pelo canal T2 Educação. Disponível em: https://tinyurl.com/ycxf4zap. Acesso em: 25 set. 2023. Quando os bancos comerciais necessitam tomar recursos, podem recorrer ao Banco Central em uma operação chamada redesconto. A garantia desses empréstimos geralmente é feita por meio de títulos emitidos por instituições financeiras. O Banco Central aceita esses títulos e os desconta a uma taxa prefixada, definindo o prazo de liquidação da operação, geralmente um dia, é o overnight. O controle da liquidez da economia por meio desse instrumento ocorre pela alteração das taxas cobradas, dos prazos máximos para liquidação, dos limites máximos permitidos para redesconto. Também são controlados os títulos aceitos como garantia. Quanto mais rígido for o Banco Central nas operações de redesconto, mais reservas os bancos terão de manter em caixa, menos dinheiro disponível para emprestar e menor será a criação de moeda escritural (Kerr, 2011). 1.4.1 Taxa Selic Selic é a sigla para Sistema Especial de Liquidação e Custódia, criada em 1979 pelo Banco Central e pela Associação Nacional das Instituições do Mercado Aberto (Andima) com o objetivo de tornar mais transparente e segura a negociação de títulos públicos. Na década de 1970, a custódia dos títulos públicos no Brasil ainda era feita por processo manual, o que incluía desde o arquivamento por instituição até a movimentação física nos cofres dos bancos, com grande risco de fraude e de extravio dos papéis. 32 Unidade I Com o sistema Selic, títulos e cheques foram substituídos por simples registros eletrônicos, gerando ganhos em eficiência e agilidade, já que as operações são fechadas no mesmo dia em que se realizam. É importante distinguir a Selic Meta da Selic Over, também conhecida como Selic Efetiva. A Selic Meta é definida pelo Comitê de Política Monetária (Copom), e a Selic Over é determinada pela média ponderada das taxas de operações interbancárias, realizadas entre o Banco Central e as instituições financeiras, com garantias de títulos públicos. A ilustração a seguir utiliza as Letras do Tesouro Nacional (LTN) como garantia da operação entre os bancos na composição da Taxa Selic Over. Bancos tomadores Dia D LTN R$ Composição da taxa Selic Over ou Selic Efetiva Selic Bancos emprestadores Bancos tomadores Dia D+1 LTN R$ + juros Bancos emprestadores Taxa Selic efetiva C xi C xi C xi C xi C C n n� � � � � � ( ) ( ) ( )... ( ) ( 1 1 2 2 3 3 1 2 CC Cn3... )� Figura 7 – Composição da taxa Selic over ou Selic efetiva O esquema seguinte ilustra o cálculo da média ponderada no prazo de um dia para as operações interbancárias lastreadas com títulos públicos. Selic Bancos tomadores Taxa Selic Over= 13,3467% a.a. Bancos emprestadores R$ 150.000 R$ 150.000 R$ 200.000 R$ 200.000 R$ 300.000 13,2% a.a. 13,6% a.a. 13,4% a.a. 13,3% a.a. R$ 300.000 R$ 100.000 R$ 100.000 Taxa Selic Over x x x � � �( . , ) ( . , ) ( . , )150 000 13 2 200 000 13 4 100 000 13 6 �� � � � ( . , ) ( . . . . ) 300 000 13 3 150 000 200 000 100 000 300 000 x Taxa Selic Over = 10 010 000 750 000 . . . Figura 8 – Exemplo de cálculo da taxa Selic Over/Selic Efetiva. O prazo de todas as operações é um dia (overnight) 33 ADMINISTRAÇÃO FINANCEIRA O Copom foi instituído em 1996 e é formado pelo presidente do Banco Central, seus diretores e alguns chefes de departamento. Ele é responsável pelo estabelecimento da Selic Meta, que é a taxa básica de juros da economia. Nas reuniões do Copom, que ocorrem no mínimo a cada 45 dias, estabelece‑se a meta para a taxa Selic Meta. A mesa de operações do Banco Central procura atuar nos leilões do mercado aberto para atingir essa meta. Após a reunião do comitê, publica‑se uma ata da reunião. Ela costuma ser lida com atenção pelos diversos agentes econômicos com o intuito de entender o que foi discutido. Nessa ata, o Copom informa também o viés da taxa. Um viés de alta autoriza o presidente do Banco Central a determinar um aumento da taxa antes da próxima reunião, sem consultar o comitê. Um viés de baixa é o oposto, e o viésneutro indica que somente na próxima reunião do Copom a taxa básica de juros da economia será reavaliada. Como a Selic Meta é a taxa básica de juros, o Banco Central remunera sua dívida interna por essa taxa e ela é utilizada pelas instituições financeiras para compor as taxas de juros que serão adotadas. Ela é expressa em porcentagem ao ano. Saiba mais A reportagem seguinte apresenta uma reflexão sobre a evolução da Taxa Selic Meta, aprovada nas reuniões do Copom, em que verificamos como a política monetária está relacionada com as demais políticas econômicas (fiscal e cambial). FERRARI, H. Banco Central mantém taxa Selic em 13,75%. Poder 360, 26 out. 2022. Disponível em: https://l1nq.com/RZb5I. Acesso em: 25 set. 2023. 1.4.2 Taxa CDI (DI) e os Certificados de Depósitos Interbancários (CDI) Os Certificados de Depósitos Interbancários (CDI) são utilizados para lastrear as operações que ocorrem exclusivamente entre instituições financeiras. Essas operações são registradas na Central de Custódia e Liquidação Financeira de Títulos (Cetip). Do mesmo modo que ocorre com os títulos públicos no Selic, a Cetip calcula a taxa média ponderada dessas operações realizadas a cada dia e publica a taxa média de Depósitos Interbancários CDI (DI) do dia anterior. Devido à importância da taxa CDI (DI) para o mercado financeiro, a Andima calcula uma prévia dessa taxa, considerando apenas as maiores transações do dia, e as publica no mesmo dia à noite. 34 Unidade I A taxa CDI (DI) é uma referência muito importante da taxa de juros para o mercado brasileiro. Ela é amplamente utilizada para, por exemplo, servir como meta de rentabilidade para fundos de renda fixa conforme referência em outras operações do mercado financeiro, como operações de hotmoney, e para indexar outros tipos de operações financeiras, por exemplo CDB‑DI. Desde 1998, a taxa CDI (DI) é anunciada como taxa efetiva anual. A ilustração seguinte utiliza os Certificados de Depósitos Interbancários (CDI) como garantia da operação entre os bancos na composição da taxa CDI (DI). Composição da taxa CDI (DI) Cetip Bancos tomadores Dia D CDI R$ Bancos emprestadores Bancos tomadores Dia D+1 CDI R$ + juros Bancos emprestadores Taxa CDI DI c xi c xi c xi c xi c C C n n( ) ( ) ( ) ( )... ( ) ( ... � � � � � � 1 1 2 2 3 3 1 2 3 �� Cn) Figura 9 – Composição da taxa CDI (DI) O esquema seguinte ilustra o cálculo da média ponderada no prazo de um dia para as operações interbancárias lastreadas com títulos privados. Cetip Bancos tomadores Taxa CDI (DI)= 14,3467% a.a. Bancos emprestadores R$ 150.000 R$ 150.000 R$ 200.000 R$ 200.000 R$ 300.000 14,2% a.a. 14,6% a.a. 14,4% a.a. 14,3% a.a. R$ 300.000 R$ 100.000 R$ 100.000 Taxa CDI DI x x x ( ) ( . , ) ( . , ) ( . , ) ( � � � �150 000 14 2 500 000 14 4 100 000 14 6 3300 000 14 3 150 0000 200 000 100 000 300 000 . , ) ( . . . . ) x � � � Taxa CDI DI( ) . . . = 10 760 000 750 000 Figura 10 – Exemplo de cálculo da taxa CDI/DI. O prazo de todas as operações é um dia (overnight) 35 ADMINISTRAÇÃO FINANCEIRA 1.4.3 Spread bancário A palavra spread vem do inglês e significa, em português, extensão, largura, envergadura. A palavra é utilizada no mercado financeiro justamente com o sentido de distância entre duas taxas de juros. Quando falamos em spread bancário, geralmente nos referimos à distância entre a taxa básica de juros – a Selic Meta – e as taxas praticadas pelas instituições financeiras. O gráfico seguinte, publicado no jornal Valor Econômico, ilustra o histórico da evolução dos spreads praticados entre março de 2011 a agosto de 2022. A linha verde representa operações com empresas, a linha azul representa as operações com pessoas físicas e a linha laranja representa o spread médio nos períodos indicados. 35 26,06 33,07 24,38 Total PJ PF 18,64 8,72 ago/22out/16mar/11 23,61 12,15 17,65 10,22 30 25 20 15 10 5 Figura 11 – Evolução do spread bancário em pontos percentuais entre março de 2011 a agosto de 2022 Podemos observar que os spreads bancários para empresas são bem menores que os spreads para pessoas físicas. O termo spread é utilizado sempre que quisermos avaliar a distância entre duas taxas de juros, mas também para avaliação gerencial das movimentações financeiras em um determinado dia. Investidores Taxa média ponderada spread= 6,25% a.m. ‑3,46% a.m.=2,79% a.m. Taxa média investidores= 3,46% a.m. (15.000 x 2)+(20.000 x 2)+(100.000 x 4)+(1.000 x 0,5) 15.000+20.000+100.000+1.000 Taxa média ponderada= 470.500 136.000 Taxa média tomadores= 6,25% a.m. (30.000 x 6)+(50.000 x 6,5)+(25.000 x 7)+(31.000 x 5,5) 30.000+50.000+25.000+31.000 Taxa média ponderada= 850.500 136.000 Taxa média ponderada Tomadores R$ 15.000 x 2,0% a.m. R$ 30.000 x 6,0% a.m. R$ 20.000 x 2,0% a.m. R$ 50.000 x 6,5% a.m. R$ 100.000 x 4,0% a.m. R$ 25.000 x 7,0% a.m. R$ 1.000 x 0,5% a.m. R$ 31.000 x 5,5% a.m. Intermediação financeira (bancos) Figura 12 – Conceito de spread bancário 36 Unidade I Para efeito de exemplo, todas as operações foram efetuadas no mesmo prazo, em regime de capitalização composto, utilizando taxas de juros ao mês. No dia a dia, essas operações ocorrem em prazos diferentes desde que a instituição mantenha uma posição positiva, ou seja, a capacidade de pagamento das instituições financeiras precisa ser permanente. Assim, os prazos devem entrar nos cálculos das médias ponderadas de investidores e tomadores. 1.4.4 Taxa referencial (TR) A taxa referencial (TR) foi criada em 1991 com a intenção de ser uma taxa básica de juros para substituir os Bônus do Tesouro Nacional (BTN), indexador utilizado até então e que havia sido extinto. Essa taxa foi criada para servir como base para reajustes de contratos antigos (em OTN ou BTN), remuneração em cadernetas de poupança, do dinheiro bloqueado pelo Plano Collor e na correção de débitos de impostos, taxas e demais obrigações fiscais. Atualmente, ela é utilizada para remunerar cadernetas de poupança, FGTS e títulos da dívida agrária (TDA‑E). 1.4.5 Taxa de juros de longo prazo (TJLP) A taxa de juros de longo prazo é aplicada em linhas de financiamento do BNDES, recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), do Fundo de Participação PIS‑Pasep e do Fundo da Marinha Mercante (FMM). Ela pode, ainda, de acordo com a resolução do Banco Central, ser utilizada como remuneração em todas as operações ativas e passivas praticadas no mercado financeiro nacional. 1.5 Composição das taxas de juros O gráfico apresenta a função que determina as taxas de juros. Quanto maior a incerteza no retorno do capital investido, maior é a taxa de juros. As incertezas no retorno do capital investido dependem de muitos fatores na composição do spread bancário. Incerteza no retorno do capital investido Taxa de juros Taxa real Taxa nominal Inflação Taxa de risco (spread) Taxa livre de risco (Selic) Figura 13 – Composição das taxas de juros 37 ADMINISTRAÇÃO FINANCEIRA Basicamente, existem três componentes obrigatórios na composição das taxas de juros. O primeiro é a taxa livre de risco, ou seja, é a taxa básica de juros definida pelo Copom – a Selic Meta. O segundo componente é a taxa de risco, representada pelo spread bancário, composto por fatores internos e externos às instituições financeiras. E o terceiro é a inflação no período. Assim, a soma dos três componentes constitui a taxa nominal, também conhecida como taxa bruta. A taxa real é a taxa nominal quando descontamos a inflação do período. Por isso ela é real, pois reflete o quanto de dinheiro você realmente ganhou com uma determinada operação, retirando a inflação que está embutida na taxa bruta. São vários os fatores envolvidos na determinação do spread bancário. A ilustração seguinte, publicada no jornal Valor Econômico, demonstra os percentuais que compõem o spread bancário. 50 Decomposição do spread bancário Em % 39,2 33,8 30,9 27,627,6 28,128,1 27,827,8 2017 2018 2019 18,018,0 20,3 19,7 15,2 Inadimplência