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FILOSOFIA COM VIVIANE CATOLÉ 1 2 FILOSOFIA COM VIVIANE CATOLÉ SÓCRATES E OS SOFISTAS Sócrates (470-399 a.C.) foi um filósofo da Grécia antiga, o primeiro pensador do trio de antigos filósofos gregos, que incluía Platão e Aristóteles, a estabelecer os fundamentos filosóficos da cultura ocidental. “Conhece-te a ti mesmo” é a essência de todo seu ensinamento. Sócrates nasceu em Atenas, Grécia, no ano de 470 a.C. Filho de um escultor e pedreiro e de uma parteira, da sua infância nada se sabe. Em sua juventude, tomou parte de três campanhas militares. Entre 406 e 405 a.C., integrou o conselho legislativo de Atenas. Em 404 a.C. arriscou a vida por recusar-se a colaborar em manobras políticas arquitetadas pela dinastia dos Trinta Tiranos, que governavam a cidade. Homem feito, Sócrates chamava atenção não só pela sua inteligência, mas também pela estranheza de sua figura e seus hábitos. Corpulento, baixo, nariz chato, olhos saltados, vestes rotas, pés descalços, vagava pelas ruas de Atenas. Sócrates costumava passar horas, mergulhado em seus pensamentos. Quando não estava meditando solitário, conversava com seus discípulos, procurando ajudá-los na busca da verdade. Método socrático Sócrates dizia-se um “parteiro de ideias”. Assim como sua mãe, que trazia bebês ao mundo, Sócrates trazia ideias, mas não dele mesmo, mas, sim, das outras pessoas, que ao conversarem com ele, passavam pelo seu método. Sua missão era, sobretudo, a missão do diálogo, que levava as pessoas à “evidência da própria ignorância: situação que, não sendo ultrapassada, prenderia a alma num estéril engano”[i]. O método socrático de trazer as ideias das pessoas consistia em dois passos: Maiêutica – uma ferramenta retórica/argumentativa que consistia em sucessivas perguntas sobre a essência de algo, sobre o que é algo. Ironia – a resposta, em tom irônico, dada ao interlocutor servia para desconsertá-lo e mostrá-lo que o conhecimento que ele julgava ter estava, na verdade, incorreto. O método socrático conferiu ao filósofo o êxito de sua missão: levar a sua sabedoria ao povo ateniense. Ele foi um dos primeiros a tornar a questão pela essência das coisas assunto filosófico e, lutando contra o relativismo sofístico, falou da necessidade de se defrontar, não com as opiniões, mas com a verdade. “A verdade já está no próprio homem, mas ele não pode atingi-la, porque não só está envolto em falsas ideias, em preconceitos, como está desprovido de métodos adequados”. Sócrates e Platão Sócrates não deixou nada escrito, apenas c o n h e c e m o s seus ensina- mentos através de seus discípulos, especialmente por Platão, que transcreveu os pensamentos do mestre em seus célebres diálogos, mesclando-lhes às suas concepções pessoais. Nas obras, Apologia de Sócrates e Fédon, Platão faz a defesa de seu mestre diante dos juízes e relata os últimos momentos de sua vida. No diálogo Mênon, Platão mostra um exemplo clássico da aplicação da maiêutica, quando Sócrates leva um escravo ignorante a descobrir e formular vários teoremas de geometria. FILOSOFIA COM VIVIANE CATOLÉ 3 A Morte de Sócrates A cena da morte de Sócrates foi imortalizada pelo pintor francês Jacques-Louis David (1748 – 1825), na tela “A morte de Sócrates”, de 1787. Após gerar incômodos e burburinho entre pessoas influentes em Atenas, Sócrates recebeu uma acusação que partiu, principalmente, do poeta Meleto e do político e orador Anitos. “A acusação era grave: não reconhecer os deuses do Estado, introduzir novas divindades e corromper a juventude”[iii]. Isso significava que o pensador, já passado dos setenta anos de idade, seria julgado por um júri composto por outros cidadãos da pólis, e sua pena seria definida a partir do julgamento. Os relatos do julgamento de Sócrates podem ser conferidos no diálogo de Platão Apologia de Sócrates e também em Defesa de Sócrates, do também discípulo do pensador, Xenofonte. No ano 399 a.C., o tribunal dos heliastas, constituído por cidadãos provenientes de dez tribos que compunham a população de Atenas e escolhidos, por meio da tiragem de sorte, reuniu-se com 500 ou 501 membros. Difícil tarefa aguardava os juízes: julgar Sócrates, conhecida mas controvertida figura. Cidadão admirado e enaltecido por alguns – particularmente pelos jovens -, era, entretanto, criticado e combatido por outros, que nele viam uma ameaça para as tradições da polis e um elemento pernicioso à juventude. O trecho citado acima reforça a tese de que Sócrates foi julgado e condenado por não se deixar levar pela ordem estabelecida, mas sempre questionar o conhecimento tido como correto. No tribunal em que o filósofo foi julgado, a defesa ficava por conta do réu. Ao contrário do que muitos réus faziam na época, Sócrates não lançou apelos misericordiosos, utilizando sua posição social, sua família e seus filhos como meio de comover os membros do júri. Essa prática é vista pelo Direito, hoje, como uma tática falaciosa. Trata-se do argumentum ad misericordium, ou apelo para a misericórdia, que não apresenta uma estrutura lógica argumentativa, mas tenta vencer pela emoção. Sócrates recusou tecer esse tipo de defesa por considerar que um apelo à misericórdia seria quase que uma aceitação da denúncia. Sócrates manteve-se firme em apresentar argumentos que contradissessem as falas de seus acusadores, porém essa atitude não foi suficiente para que o filósofo fosse absolvido. Condenado pela maioria dos votos, cabia a Sócrates fixar a sua pena. Meleto queria a pena de morte. O exílio, que seria também um exílio político (vida que Sócrates não queria para ele), também foi cogitado. Amigos sugeriram para ele o pagamento de uma multa. Sócrates, porém, não aceitou nem o exílio e nem a multa, pois sua consciência consideraria esse ato uma espécie de aceitação da culpa, que ele julgava não carregar. Ficou definido, então, que sua pena seria a morte. Após a condenação e a sentença, Sócrates proferiu as seguintes palavras: – Cidadãos! Tanto aqueles que dentre vós induzistes as testemunhas a perjurarem, levantando falso testemunho contra mim, quanto os que vos deixastes subornar, deveis, de força, sentir-vos culpados de grande impiedade e injustiça. Mas eu, por que haveria de crer-me empequenecido se nada se comprovou do que me acoimam? Jamais ofereci sacrifícios a outras divindades [...]. Quanto aos jovens, seria corrompê-los, habituá-los à paciência e à frugalidade? Atos contra os quais a lei pronuncia a morte, como a profanação dos templos, o roubo com efração, a venda de homens livres, a traição à pátria, meus próprios acusadores não ousam dizer que os haja cometido. Surpreso pois, pergunto a mim mesmo qual o crime por que me condenais à morte. [...] Estou certo que tanto quanto o passado, me renderá o porvir o testemunho de que nunca fiz mal a ninguém, jamais tornei ninguém mais vicioso, mas servia os que comigo privavam ensinando- lhes sem retribuição tudo o que podia de bem.”[v] Sócrates dizia que, ao conversar com as pessoas pelas ruas de Atenas, ele estava levando a sua missão, com responsabilidade, à frente – aquela missão que ele julgou ter ao conversar com o oráculo, de levar o 4 FILOSOFIA COM VIVIANE CATOLÉ conhecimento aos outros por ser o mais sábio homem da Grécia. A virtude, julgava Sócrates, só poderia ser obtida mediante o conhecimento verdadeiro dos conceitos e das essências, e a sua missão era mostrar às pessoas que elas poderiam obter tal conhecimento, começando por um processo de autoanálise que findaria no questionamento e no conhecimento do mundo. Por perturbar a ordem vigente, esse foi o real motivo da condenação e da sentença de Sócrates. Em 399 a.C., o filósofo recebeu o cálice contendo cicuta, o veneno utilizado para sua execução. Ele mesmo bebeu o conteúdo do cálice e, poucos minutos depois, morreu. PESSANHA, J. A. M. Sócrates – vida e obra. In: SÓCRATES. Os pensadores. Seleção, introdução e notas de José AméricoMotta Pessanha. São Paulo: Nova Cultural, 1987, p. 8. XENOFONTE. Apologia de Sócrates. Trad. Líbero Rangel de Andrade. In: SÓCRATES. Os pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1987, p. 164.