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FILOSOFIA COM VIVIANE CATOLÉ 1 2 FILOSOFIA COM VIVIANE CATOLÉ Em busca da imparcialidade O ponto de partida da teoria da justiça de Rawls é o seguinte problema: como evitar que nossas ideias sobre justiça sejam influenciadas por nossa posição social? Muitas vezes, em questões relativas à distribuição de bens sociais como a riqueza, as pessoas têm suas opiniões contaminadas por sua posição social, condição econômica e outras desigualdades individuais. Por exemplo, um homem muito rico pode julgar injusto que o Estado cobre um imposto elevado dos mais ricos e pequeno dos mais pobres. Ao contrário, pensará que o justo é cobrar o mesmo valor de todos. Assim, o que entendemos por justo ou injusto não parece ser uma verdade objetiva, mas apenas a expressão de um desejo individual, ou seja, o desejo de não ser prejudicado com impostos elevados. Para evitar que nossas ideias sobre justiça sejam influenciadas por nossa condição social, Rawls acredita que devemos ser imparciais. Essa é uma expressão do direito. Quando o juiz diz que o réu é culpado ou inocente com base mais na cor da sua pele ou condição econômica do que nas evidências disponíveis, dizemos que ele não foi imparcial. Isso é um problema grave, já que torna a decisão injusta. Não devemos condenar alguém porque é negro, branco, judeu, pobre ou rico. O ideal é que o juiz conduza o processo e tome sua decisão sem se deixar levar por essas características pessoais. Portanto, no direito, justiça significa, em parte, uma decisão imparcial. Rawls também adota essa ideia como um ideal. Ou seja, para o filósofo, uma sociedade justa é aquela que escolheríamos ao decidir como um juiz, de forma imparcial. O véu de ignorância O conceito de véu de ignorância é um dos mais importantes na teoria da justiça de Rawls. É ele que possibilita que pensemos de maneira imparcial. Podemos imaginar esse véu como uma venda que, ao invés de impedir que enxerguemos o que está em nossa frente, impede que saibamos quem somos. Ou seja, a partir do momento em que nos imaginamos com um véu A TEORIA DA JUSTIÇA [...] liberdades fundamentais, igualdade na composição de oportunidades sociais e, distribuição igual de renda. Primeiramente, cada pessoa deve ter um direito igual em um sistema extenso de iguais liberdades fundamentais e que seja compatível com o sistema similar de liberdades para outras pessoas e, consequentemente as desigualdades sociais e econômicas devem estar dispostas de modo que: a) se possa razoavelmente esperar que se estabeleça em 5 benefício de todos como b) estejam relacionadas a cargos e posições acessíveis a todos. (John Rawls) John Rawls foi um dos filósofos políticos mais influentes do século XX, ele nasceu em 1921 e veio a falecer no final de 2002. Ele foi professor na Cornell University e no Massachusetts Institute of Technology, logo depois ingressou no departamento de filosofia da Harvard University em 1962. Rawls permaneceu lá pelo resto de sua carreira. O professor é mundialmente conhecido pela sua obra de 1971, “Uma Teoria da Justiça”. FILOSOFIA COM VIVIANE CATOLÉ 3 de ignorância, já não sabemos se somos negros ou brancos, ricos ou pobres, homens ou mulheres, quais nossas habilidades naturais etc. Não conhecemos qualquer característica que nos diferencie dos outros. O véu da ignorância é uma situação equivalente a um estado original de natureza, onde cada um pode pensar nos princípios justos sem a pressão do seu estatuto social visto que não tem identidade, pode ser qualquer um. Rawls pensa que se uma pessoa ignora suas características individuais, será imparcial, pois terá que pensar em si considerando que pode ser várias pessoas diferentes. Faça esse experimento mental de se imaginar por trás de um véu de ignorância. Imagine que você não sabe quem é exatamente, mas sabe que vive numa sociedade plural. Imagine por um instante que é possível que seja homem, mulher, negro, branco, pardo, indígena, judeu, heterossexual, homossexual, transexual, rico, pobre, classe média, enfim, se imagine na pele de diferentes pessoas. Por fim, tente escolher o que seria justo pensado no que é melhor para si, considerando que está por trás de um véu de ignorância. PARA O BENEFÍCIO DOS MENOS FAVORECIDOS A teoria da justiça de Rawls afirma que a diferença de riqueza só é justa na medida em que beneficie os menos favorecidos. Ou seja, não é igualitária nesse aspecto, já que aceita a desigualdade, mas dentro de certas condições. Quais são essas condições? Imagine uma sociedade totalmente igualitária. Essa não é uma sociedade muito inovadora e dedicada à produção, pensa Rawls, porque as pessoas não têm tanto incentivo para trabalhar. Por que alguém se preocuparia, por exemplo, em criar uma nova tecnologia se não irá ganhar com isso nada além do que já ganha? Portanto, pensa o autor, se permitir a desigualdade contribuir para aumentar a riqueza, haveria mais riqueza para ser distribuída e mesmo os não tão favorecidos sairiam ganhando. Sendo assim, de acordo com o principio da diferença, um pouco de desigualdade seria justa. Por que as pessoas na posição original iriam escolher o princípio da diferença? Não seria mais sensato escolher uma distribuição igualitária? Rawls acredita que não, porque mesmo as pessoas menos favorecidas seriam beneficiadas pela desigualdade. Igualdade equitativa de oportunidades Por fim, Rawls acredita que, numa sociedade justa, a desigualdade deve ser relacionada a cargos que qualquer pessoa possa acessar em condição de igualdade equitativa de oportunidades. Isso quer dizer, em primeiro lugar, que as profissões são acessíveis a qualquer pessoa. Ninguém é proibido, por exemplo, de ser médico ou professor com base em sua raça, gênero, religião. Desde que qualificada para exercer a função, uma pessoa pode se candidatar a qualquer profissão. Em segundo lugar, quer dizer que deve haver uma igualdade real de oportunidades, não apenas formal. Sabemos que a educação que uma pessoa recebe e outros fatores influenciam nas oportunidades que terá na vida. Assim, para que exista realmente igualdade de oportunidades, todos devem ter acesso à educação com a mesma qualidade e até mesmo coisas mais básicas, como alimentação e saúde. A Teoria da Justiça de John Rawls e a Constituição Federal A questão sobre o que ser ou não uma sociedade justa pode ser respondida com várias respostas, dependendo do direcionamento da pergunta. Quando abordamos a riqueza gerada pela sociedade e de que forma os seus bens são distribuídos, dependendo da localidade em que é abordada, gera sentimentos de tristeza diante das grandes desigualdades sociais. Aristóteles, em seu livro “Ética a Nicômaco”, analisou o papel exercido pelas leis e pelas virtudes na vida da comunidade política, onde, para ele, toda ação e omissão humanas em sociedade visam a um bem específico, no qual “a justiça é a virtude que nos leva a desejar o que é justo e evitar o que é injusto” (ARISTÓTALES, 1999), buscado em si mesmo ou como meio para a consecução de outro mais elevado O Estado, no exercício da função social, tem sua ação regulada pelos princípios da justiça distributiva e as escolhas dos melhores mecanismos de alocação dos recursos públicos pelos Poderes constituídos, gerando conflitos à vida em sociedade, em que os recursos são escassos diante das inesgotáveis necessidades individuais e coletivas. Assim como também é de conhecimento que vários cargos públicos são ocupados por "indicações" ou "promessas", mas não por merecimento ou competências. 4 FILOSOFIA COM VIVIANE CATOLÉ EXERCÍCIO 1. (ENEM PPL 2021) Para Rawls, a estrutura básica mais justa de uma sociedade é aquela que alguém escolheria se não soubesse qual viria a ser seu papel particular no sistema de cooperação daquela sociedade. LOVETT, F. Uma teoria da justiça de John Rawls. Porto Alegre: Penso, 2013. A teoria da justiça proposta pelo autor, conforme exposto no texto,pressupõe assumir uma posição hipotética chamada de a) reino de Deus. b) mundo da utopia. c) véu da ignorância. d) estado de natureza. e) cálculo da felicidade. 2. Uma sociedade é uma associação mais ou menos autossuficiente de pessoas que em suas relações mútuas reconhecem certas regras de conduta como obrigatórias e que, na maioria das vezes, agem de acordo com elas. Uma sociedade é bem ordenada não apenas quando está planejada para promover o bem de seus membros, mas quando é também efetivamente regulada por uma concepção pública de justiça. Isto é, trata-se de uma sociedade na qual todos aceitam, e sabem que os outros aceitam, o mesmo princípio de justiça. RAWLS, J. Uma teoria da justiça. São Paulo: Martins Fontes, 1997 (adaptado) A visão expressa nesse texto do século XX remete a qual aspecto do pensamento moderno? a) A contraposição entre bondade e condição selvagem do Naturalismo. b) A relação entre liberdade e autonomia no Liberalismo. c) A convenção entre cidadãos e soberano do Absolutismo. d) A independência entre poder e moral no Racionalismo. e) A dialética entre o indivíduo e governo autocrata do Idealismo. 3. (Enem/2014 – PPL) A justiça é a primeira virtude das instituições sociais, como a verdade o é dos Através do chamado “véu da ignorância”, já abordado nesse estudo, as pessoas, por desconhecerem as posições religiosas ou morais de si mesmas e dos outros, escolheriam princípios de justiça para governar as estruturas básicas da sociedade. O único princípio prévio a ser aceito pelas partes na posição original é o da igualdade de liberdade de consciência. Com regras e princípios justos formulados nesta posição de igualdade, permitiriam distribuir justamente bens e direitos para construir uma sociedade mais justa. O único princípio prévio a ser aceito pelas partes na posição original é o da igualdade de liberdade de consciência. Trazendo sua teoria à luz da Constituição Federal Brasileira de 1988, é possível verificar que os primeiros princípios da liberdade já foram construídos, pois apresenta todas as garantias individuais, bem como direitos civis e políticos defendidos por Rawls, como por exemplo, direitos ao livre pensamento, direitos de votar e ser votado, direitos de moradia, direito a uma educação de qualidade, entre outros, sendo descritos como indispensáveis à plena realização do ser humano e, por conseguinte, como algo que deve ser distribuído indistintamente a todos. Rawls partia de uma premissa de que a desigualdade pode ter um ponto positivo, desde que essa desigualdade seja controlada, pois se tornaria como motivação, mas quando muito acentuada, poderia ocasionar uma tensão social, explicada por alguns estudiosos, como eventos de criminalidade urbana. A justiça ficou marcada em sua teoria com o princípio da diferença. Tal desigualdade auxilia na promoção da justiça por equidade. Segundo o princípio da diferença, “(..) só serão permitidas as desigualdades sociais e econômicas que visem os benefícios dos membros menos favorecidos da sociedade” (SANDEL, 2015, p.164). FILOSOFIA COM VIVIANE CATOLÉ 5 sistemas de pensamento. Cada pessoa possui uma inviolabilidade fundada na justiça que nem mesmo o bem-estar da sociedade como um todo pode ignorar. Por essa razão, a justiça nega que a perda de liberdade de alguns se justifique por um bem maior partilhado por todos. RAWLS, J. Uma teoria da justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2000 (adaptado). O filósofo afirma que a ideia de justiça atua como um importante fundamento da organização social e aponta como seu elemento de ação e funcionamento o a) magistrado. b) indivíduo. c) governo. d) povo. e) Estado. 4. O justo e o bem são complementares no sentido de que uma concepção política deve apoiar-se em diferentes ideias do bem. Na teoria da justiça como equidade, essa condição se expressa pela prioridade do justo. Sob sua forma geral, esta quer dizer que as ideias aceitáveis do bem devem respeitar os limites da concepção política de justiça e nela desempenhar um certo papel. RAWLS, J. Justiça e democracia. São Paulo: Martins Fontes, 2000 (adaptado). Segundo Rawls, a concepção de justiça legisla sobre ideias do bem, de forma que a) as ações individuais são definidas como efeitos determinados por fatores naturais ou constrangimentos sociais. b) o homem é compreendido como determinado e livre ao mesmo tempo, já que a liberdade limita-se a um conjunto de condições objetivas. c) o próprio estatuto do homem como centro do mundo é abalado, marcando o relativismo da época contemporânea. d) o estudo da origem e da história dos valores morais concluem a inexistência de noções absolutas de bem e mal. e) as intenções e bens particulares que cada indivíduo almeja alcançar são regulados na sociedade por princípios equilibrados. 5. Considerando o princípio da diferença de Ralws, assinale a alternativa INCORRETA: a) o princípio da diferença seria escolhido na posição original como a forma mais justa de distribuir a riqueza de uma sociedade. b) uma das formas pelas quais a desigualdade pode beneficiar a sociedade como um todo, e em particular os menos favorecidos, segundo Rawls, é gerando incentivo ao trabalho e à inovação. c) a desigualdade econômica entre as pessoas se justifica, uma vez que elas são diferentes. d) o princípio da diferença afirma que a desigualdade econômica deve ser aceita apenas na medida em que beneficie os menos favorecidos. 6. Segundo Rawls, uma sociedade justa é aquela que garante uma série de liberdades individuais, igualdade de oportunidades e garante que a desigualdade econômica beneficie os menos favorecidos. Na opinião do autor, por que essa seria uma sociedade justa? Assinale a alternativa INCORRETA. a) Porque seria escolhida na posição original. b) Porque essa sociedade seria escolhida se refletirmos de forma imparcial sobre o que é justo. c) Porque é essa sociedade que pessoas numa situação de igualdade escolheriam como a melhor possível. d) Porque assegura a completa igualdade econômica entre todos. 7. Sobre o conceito de posição original de Rawls, é INCORRETO afirmar que a) a posição original se refere à posição física em que os membros da sociedade se encontram no momento de largada na disputa pela riqueza social. b) o objetivo de se fazer a escolha dos princípios de justiça por trás de um véu de ignorância é garantir a imparcialidade. c) o que justifica a criação da posição original e o véu de ignorância é o fato de que o homem geralmente tem suas ideias influenciadas pelos próprios interesses. d) as pessoas responsáveis por escolher como será distribuída a riqueza da sociedade se encontram sob um véu de ignorância. 8. Sobre o conceito de véu de ignorância de Rawls, é INCORRETO afirmar que a) é uma metáfora usada para se referir a ideia de imparcialidade. 6 FILOSOFIA COM VIVIANE CATOLÉ Anotações: b) é usado para simbolizar uma situação em que os indivíduos não têm conhecimento sobre sua condição econômica, seu gênero, raça e outras características individuais. c) tem um significado literal e se refere a um véu feito de pano que as pessoas devem usar para fazer um contrato social. d) é usado para simbolizar uma situação de igualdade entre indivíduos. 9. (Fundatec – 2016) “Há crianças vendidas por pais extremamente pobres a quem tem dinheiro e falta de escrúpulos para as comprar; pessoas cujo rendimento não permite fazer mais do que uma refeição por dia; jovens que não têm a menor possibilidade de adquirir pelo menos a escolaridade básica; cidadãos que estão presos por terem defendido as suas ideias. Perante casos destes, sentimos que as nossas intuições morais de justiça e igualdade não são respeitadas. Surge assim a pergunta: Como é possível uma sociedade justa? Este problema pode ter formulações mais precisas. Uma delas é a seguinte: Como deve uma sociedade distribuir os seus bens? Qual é a maneira eticamente correta de o fazer? Trata-se do problemada justiça distributiva. A pergunta que o formula é a seguinte: Quais são os princípios mais gerais que regulam a justiça distributiva? A teoria da justiça de John Rawls é uma das respostas mais influente a este problema". (VAZ, 2006). John Rawls, na sua obra Uma teoria da justiça (1971), argumenta que a maneira pela qual podemos entender a justiça é perguntando a nós mesmos - como pessoas racionais e com interesses próprios - com quais princípios de organização da sociedade concordaríamos em uma situação originária. De acordo com o argumento contratualista proposto por Rawls, a situação originária é concebida como: a) Um estado de natureza. b) Um estado de bem-estar coletivo. c) Uma situação hipotética de equidade. d) Uma situação de guerra de todos contra todos. e) Um estado de paz perpétua. GABARITO 1.C 2. 3.B 4.E 5.B 6.D 7.A 8.C 9.C