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22 O conhecimento humano Sociedade do conhecimento Filosofi a e sabedoria Arte e Filosofi a: pensamento e sentimento Conhecimento CAPÍTULO Estudaremos neste capítulo: 1 Habilidades da BNCC: EM13CHS101 EM13CHS104 EM13CHS106 EM13CHS501 A xícara de chá remete ao uso das coisas pelo ser humano. S te fa n G le b o w s k i/ S h u tt e rs to ck Observe a imagem da abertura deste capítulo e responda: 1. Qual é a diferença entre conhecimento e sabedoria? 2. Qual é a importância do contexto na produção do conhecimento? O bule de café na mesa do centro da sala, cortejado de chávenas cuidadosamente dispostas sobre pires, no uso doméstico a que se destina, nos abre, mais que muitos discursos, para o reino da liberdade… O bule, na ternura de sua forma de uso, despeja alegre o café nas xícaras que, com suas alças, se estendem pressurosas às nossas mãos. Donde advém esse fantástico acontecimento? Advém da doação livre do ser. Na mundanidade do mundo, em todos os objetos de uso, nós somos os receptores e admiradores do espetáculo do ser. BUZZI, Arcângelo R. Introdução ao pensar: o ser, o conhecimento e a linguagem. Petrópolis: Vozes, 2006. p. 69. 5P_PIT_EM_1S_C1_FILO_CA_CAP1.indd 2 08/09/20 08:04 3 F il o s o f ia O conhecimento humano No cotidiano, a realidade nos aparece como algo pronto, fa- miliar e rotineiro. Ao nos aproximarmos de uma mesa de café, por exemplo, usamos os objetos disponíveis (bule, xícara, colheres, flo- res, petiscos) de forma quase automática, sem qualquer reflexão sobre o que é ser bule ou xícara, nos limitando a utilizá-los a nosso bel-prazer. E assim fazemos durante todo o nosso dia, na nossa relação com todas as coisas e objetos que nos circundam. Mas será que o conhecimento se limita aos objetos disponíveis e à sua utilização? Ou a construção do saber envolve outras dimen- sões do conhecimento além daquilo que é útil e concreto? Apesar dessa realidade aparentemente normal e familiar, ocorre algo extraordinário porque funda o mundo, que é o pro- cesso de produção do conhecimento. Esse processo se dá pela relação do humano com o mundo, que se determinam numa re- lação complexa de ocupação, dependência e desvelamento de significados. Tudo que está incluído no mundo, cada pessoa, cada instrumento e o uso que fazemos deles, se constitui numa com- plexa rede de relações articuladas e significativas, sendo impos- sível pensar ser humano e mundo como coisa em separado, como substâncias distintas. […] Todo objeto é sempre objeto-para-uma consciência e nunca objeto-em-si e toda consciência é sempre consciência-de-um-objeto e nunca consciência "vazia". Considerações heideggerianas sobre a psicoterapia e a técnica. In: BASTOS, Rogério Lustrosa. Psicologia, microrrupturas e subjetividades. Rio de Janeiro: E-papers, 2003. O conhecer humano transcende as determinações da natu- reza, agregando a capacidade de superar os instintos pelo uso da razão e pela habilidade de poder se indagar sobre as coi- sas e sobre si mesmo. Embora a relação do ser humano com o mundo seja diferente daquela estabelecida pelos animais entre si, e deles com os demais objetos do mundo, o modo como o conhecimento se processa depende sempre de um contexto, de um horizonte de relações significativas onde ele é desvelado e compreendido. É importante enfatizar que não se trata de uma relação entre duas realidades externas e desligadas uma da outra; sujeito e obje- to são dois polos dependentes de uma relação intencional na cons- ciência. Perceber um objeto é intencioná-lo e torná-lo significativo. As árvores me começam Uma violeta me pensou, me encostei no azul de sua tarde. Sabedoria pode ser que seja estar uma árvore Uma palavra abriu o roupão para mim, ela deseja que eu a seja Do lugar onde estou, já fui embora. BARROS, Manoel. Livro sobre nada. São Paulo: Record, 1996. p. 65-71. Fragmento. Nesse processo complexo e dinâmico de conhecer, o mundo não pode ser reduzido apenas a um espaço geométrico, determinado pelo conjunto de coisas físicas e espaciais, sem relação entre si e sem significado. Foco no tema O mundo não pode ser percebido como uma massa amorfa, um objeto passivo, apreendido por um sujeito que o pensa e determina. O objeto participa do processo de conhecimento. É possível entender como isso funciona por meio de um modo pri- vilegiado de revelar o cotidiano que é a obra de arte. Ao indagarmos sobre a obra de arte, o que buscamos é a sua origem, aquilo que fornece às coisas a sua identidade, ou seja, o fundamento que se encontra na base de sua existência. A obra nos evoca e nos remete a algo, revelando a si mesma, o artista e a própria arte. Seja uma poesia, uma música, um con- to literário, uma escultura ou um quadro: o que a arte quer nos mostrar? Um par de sapatos, de Vincent van Gogh, 1886. Óleo sobre tela de 37,5 cm 3 45 cm. Coleção Vincent van Gogh Fundation. Rijksmuseum, Amsterdã. R e p ro d u ç ã o /M u s e u N a c io n a l d a H o la n d a ( R ijk s m u s e u m ), A m s te rd ã Quantas vezes vimos sapatos como esse nos pés de milhares de trabalhadores, na labuta diária do campo ou das cidades? Eles são tão iguais: cobertos do pó vermelho da terra, o couro amassa- do e cheio de dobras, alguns furos devido ao desgaste do tempo e da lida diária. Esse cenário é tão comum, sem atrativo algum que pudesse chamar nossa atenção ou despertar nosso interesse. Talvez até sentimos um certo desprezo, pensando como alguém pode vestir algo tão velho e desajeitado. Eis que, de repente, nos deparamos com esse objeto repre- sentado – sem artifício algum – na tela de um pintor consagrado mundialmente, e não compreendemos o porquê da escolha de um objeto tão insignificante. 5P_PIT_EM_1S_C1_FILO_CA_CAP1.indd 3 08/09/20 08:04 4 Esse espanto nos provoca a compreender os motivos do artista, nos perguntando da sua percepção so- bre o objeto. Após o espanto inicial, a cada olhar lançado e sua leitura, o sentido dado à tela é atualizado, confrontando passado e presente. Aos poucos, a nossa visão se identifica com alguns elementos que nos são familiares e se conecta a lembranças, ao valor da terra, do trabalho, costurando significações que se transformam em indagação. Por quê? Que mistério esse objeto possui, que nos toca tão profundamente? O que o hábito e o cotidiano encobrem desse utensílio? Leia o texto de Heidegger e descubra o que ele pode agregar sobre isso. Da escura abertura do interior gasto dos sapatos, fi ta-nos a difi culdade e o cansaço dos passos do trabalhador. Na gravidade rude e sólida dos sapatos está retida a tenacidade do lento caminhar pelos sulcos que se estendem até longe, sempre iguais, pelo campo sobre o qual sopra um vento agreste. No couro está a umidade e a fertilidade do solo. Sob as solas insinua-se a solidão do caminho do campo, pela noite que cai. […] Por este apetrecho passa o calado temor pela segurança do pão, a silenciosa alegria de vencer uma vez mais a miséria, a angústia do nascimento iminente e o tremor ante a ameaça da morte. Este apetrecho pertence à terra e está abrigado no Mundo da camponesa. […] De cada vez, já noite alta, a camponesa, com um cansaço forte mas saudável, tira os sapatos e, de cada vez que, de madrugada ainda escura, volta a lançar mão deles, ou de cada vez que, em dia de festa, passa por eles, tudo isso ela sabe, sem considerar e observar. O ser-apetrecho do apetrecho consiste, sem dúvida, na sua serventia. O que se passa aqui? Que é que está em obra na obra? A pintura de Van Gogh constitui a abertura do que o apetrecho, o par de sapatos da camponesa, na verdade é. HEIDEGGER, M. A origem da obra de arte. Trad. Maria da Conceição Costa. São Paulo: Edições 70, 1977. p. 25-26. A arte provoca o pensar para além do hábito, desencobrindo aquilo que estava encoberto e revelando o ser do objeto. A obra de arte funda o mundo, abrindo espaço para que as coisas do cotidiano apareçam na sua origem. Esse caráterinquietante da arte, no processo de ocultação e desocultação da essência do ser e seu surgimento como verdade (aletheia, como denominavam os gregos), é o tema que interessa à Filosofia. Embora ofuscado pelo hábito, o ser do utensílio não nos revela um par de sapatos, mas, também, o mundo da camponesa e tudo que a cerca: a terra a que pertence, sua relação com a natureza, a luta diária. A imagem dos sapatos velhos e gastos nos apresenta a manhã que se inicia no seu caminho diário para o campo, evi- denciando o trabalho árduo, o frio no inverno rigoroso ou o suor da lida nos dias quentes no verão. O fato é que, ao olharmos os sapatos representados na tela de Van Gogh – espantados ou admira- dos –, nos sentimos afetados profundamente por ela. Não nos interessa se aquelas botas existiram ou não, se pertenciam à camponesa ou a outra pessoa; o que nos orienta transcende a tela: a bela imagem da camponesa totalmente entregue e confiante ao seu caminhar e à sua terra, sem sequer perceber se é longo e interminável o caminho. Caminhar é preciso. O que nos afeta nos sapatos de Van Gogh é o “seu uso” pela camponesa na sua rotina, é essa entrega à quietude de sua existência, recriando a caminhada diária que alimenta o mistério do nascimento cons- tante de si mesma, de sua essência, sua origem e de todas as coisas, tornando cada dia cheio de graça, para mim, para você, para todas as pessoas e coisas. Ao revelar o mundo da camponesa, a obra não pretende lhe transportar da realidade pobre e medío- cre em que se encontra para uma pintura, criando uma existência menos sofrida. Ao contrário, a obra faz a realidade da camponesa acontecer na sua originalidade, a cada momento, pois na simplicidade dos seus atos diários residem todas as dádivas da terra. Na lida dura, na simplicidade dos gestos, na pobreza da vida da camponesa se esconde o respeito ao que a terra presenteia a cada dia, para todos. Essa rela- ção de acolhimento e de apropriação não se refere apenas à obra de arte, mas à terra que acolhe e abriga o mundo, e ao ser que se encontra no mundo. Na banalidade da rotina da camponesa se esconde o mistério de toda a realidade. Não se refere mais à serventia do utensílio, mas ao ser. Descobrimos o ser apetrecho do apetrecho. Mas como? Não através de uma descrição e explicação de um apetrecho de calçado realmente presente; não mediante um relatório sobre o processo de fabricação de sapatos; também não mediante a utilização real dada aqui ou ali, a apetrechos de calçado, mas apenas graças ao fato de nos pormos perante o quadro de Van Gogh. Foi este que falou. Com a proximidade da obra, estivemos de repente, num outro lugar que não aquele em que habitualmente costumamos estar. HEIDEGGER, M. A origem da obra de arte. Trad. Maria da Conceição Costa. São Paulo: Edições 70, 1977. p. 27. 5P_PIT_EM_1S_C1_FILO_CA_CAP1.indd 4 08/09/20 08:04 5 F il o s o f ia Vale ressaltar que a intenção neste capítulo não é estudar acerca de determinada teoria filosófica ou sobre o pensamento de um filósofo específico, mas proporcionar a experiência do fi- losofar a partir de alguns recortes sobre o que é o conhecimento, em especial do pensamento de Heidegger, sobre o ser e a Arte, que fundam a Filosofia contemporânea, e seus fundamentos des- de os povos primitivos. Acima de tudo, ressalta-se aqui que não se pode reduzir algo tão complexo, como o conhecimento e a verdade, em conceitos fechados e prontos. O conhecer não cabe em teorias; é um campo aberto a um horizonte de infinitas possibilidades – uma espécie de “pote de ouro do arco-íris” –, tanto no que se refere aos mo- dos de conhecer quanto aos seus instrumentos. E que é preciso alargar nossa visão antropocêntrica, que tem o ser humano como centro do conhecimento, e nos abrirmos para uma relação de conhecimento que considere a totalidade como um sistema inte- grado e tendente ao equilíbrio. O ser das coisas equivale ao seu ser utilizadas pelo homem. O homem, portanto, não é um espectador do grande teatro do mun- do: o homem está no mundo, envolvido nele, em suas vicissitudes. E transformando o mundo, ele forma e se transforma a si mesmo. O ser-no-mundo do homem se expressa pelo cuidar das coisas; do mesmo modo, o seu ser-com-os-outros se expressa pelo cuidar dos outros, coisa que constitui a estrutura basilar de toda possível relação entre os homens. REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da fi losofi a 6: de Nietzsche à Escola de Frankfurt. São Paulo: Paulus, 2006. p. 205. Teeteto: o conhecimento vem da alma Sócrates, uma das maiores referências da história da Filo- sofia, já se preocupava com essa questão do conhecimento há mais de 2 mil anos. Agora você vai conhecer as ideias desse filósofo sobre o tema, por meio de um diálogo com seu aluno Teeteto, registrado por Platão. As ideias desse filósofo genial ainda surgirão em outros capítulos. No momento, leia um trecho do diálogo citado. Sócrates — […] Cria coragem, pois, e responde à minha per- gunta: No teu modo de pensar, o que é conhecimento? Teeteto — A meu parecer, tudo o que se aprende com Teodoro é conhecimento, geometria e as disciplinas que enumeraste há pouco, como também a arte dos sapateiros e a dos demais arte- sãos: todas elas e cada uma em particular nada mais são do que conhecimento. Sócrates — És muito generoso, amigo, e extremamente liberal; pedem-te um, e dás um bando; em vez de algo simples, tamanha variedade. Teeteto — Que queres dizer com isso? Sócrates — Talvez nada; porém vou explicar-te o que penso. Quando te referes à arte do sapateiro, tens em mira apenas o conhe- cimento de confeccionar sapatos, não é verdade? E a marcenaria, será outra coisa além do conhecimento da fabricação de móveis de ma- deira? E em ambos os casos, o que defi nes não é o objeto do conheci- mento de cada um? […] Mas o que te perguntei, Teeteto, não foi isso: do que é que há conhecimento, nem quantos conhecimentos particu- lares pode haver; minha pergunta não visava a enumerá-los um por um; o que desejo saber é o que seja o conhecimento em si mesmo. PLATÃO. Teeteto. Trad. Carlos Alberto Nunes. Feira de Santana: Universidade Estadual de Feira de Santana, Acrópolis (Filosofi a), s.d. Disponível em: <www2.uefs.br/fi losofi a-bv/pdfs/platao_09.pdf>. Acesso em: 21 jan. 2020. Sócrates nos convida a refletir de forma mais profunda sobre a essência das coisas e dos conceitos. Ele não pretende defini- ções reduzidas sobre o conhecimento, nem uma lista com suas formas, tipos e ações; ele deseja saber a sua essência: “o que é conhecimento?”. Por isso, ele ironiza a definição inicial de Teete- to, de que o conhecimento fosse sensação, dizendo-lhe que os animais também sentem, e que se cada um é a medida de todas as coisas, para que se dar ao trabalho de aprender algo? Veja o trecho a seguir. Sócrates – Conhecimento, disseste, é sensação? […] é a defi nição de Protágoras; por outras palavras ele dizia a mesma coisa. Afi rmava que “o homem é a medida de todas as coisas, da existência das que existem e das que não existem”. […] Não quererá ele, então, dizer que as coisas são para mim conforme me aparecem, como serão para ti segundo te aparecerem? Pois eu e tu somos homens. […] Por ve- zes não acontece, sob a ação do mesmo vento, um de nós sentir frio e o outro não? Um de leve, e o outro intensamente? […] Nesse caso, como diremos que seja o vento em si mesmo: frio ou não frio? Ou teremos de admitir com Protágoras que ele é frio para o que sentiu arrepios e não o é para o outro? Não é dessa maneira que ele aparece a um e a outro? Se a verdade para cada indivíduo é o que ele alcança pela sensação; se as impressões de alguém não encontram melhor juiz senão ele mesmo, e se ninguém tem autoridade para dizer se as opiniões de outra pessoa são verdadeiras ou falsas, formando, ao revés disso, cada um de nós, sozinho, suas opiniões, que em todos os casos serão justas e verdadeiras: de que jeito,amigo, Protágoras terá sido sábio, a ponto de passar por digno de ensinar os outros e de receber salários astronômicos, e por que razão teremos nós de ser ignorantes e de frequentar suas aulas, se cada um for a medida de sua própria sabedoria? PLATÃO. Teeteto. Trad. Carlos Alberto Nunes. Feira de Santana: Universidade Estadual de Feira de Santana, Acrópolis (Filosofi a), s.d. Disponível em: <www2.uefs.br/fi losofi a-bv/pdfs/platao_09.pdf>. Acesso em: 21 jan. 2020. Ao final do diálogo, admitindo que definir a essência do co- nhecimento não seja possível em sua totalidade, ele alerta que a apreensão do objeto pelo sujeito deve estar fundamentada em clareza, descrição e distinção, e que essas habilidades não são percebidas pelos sentidos, porque elas vêm da alma. O verdadei- ro se manifesta aos olhos do corpo e do espírito. No entanto, cerca de 2500 anos depois de Sócrates, esse diá- logo continua nos iluminando, e temas filosóficos como o que é o conhecimento, a verdade, a felicidade, entre tantos outros, conti- nuam nos indagando e pendentes na sua conceituação final; nos desafiando e mostrando que a mera linguagem não é suficiente para explicá-los. Para concluir o tema, pediremos emprestado à literatura o poe- ma de Fernando Pessoa, que nos fala, de outra forma, em outra lin- guagem, dessa abertura da alma refletida por Sócrates, necessária 5P_PIT_EM_1S_C1_FILO_CA_CAP1.indd 5 08/09/20 08:04 6 à aventura do conhecimento para além das aparências, essa busca incessante, que Pessoa denomina “A eterna novidade do mundo”. O meu olhar é nítido como um girassol. Tenho o costume de andar pelas estradas Olhando para a direita e para a esquerda, E de vez em quando olhando para trás… E o que vejo a cada momento É aquilo que nunca antes eu tinha visto […] Sinto-me nascido a cada momento Para a eterna novidade do Mundo… Eu não tenho fi losofi a: tenho sentidos… Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é, Mas porque a amo, e amo-a por isso, Porque quem ama nunca sabe o que ama Nem sabe porque ama, nem o que é amar… Amar é a eterna inocência, E a única inocência é não pensar PESSOA, Fernando. In: Poemas de Alberto Caeiro. 10. ed. Lisboa: Ática, 1993. Camponesa ceifando o trigo, de Vincent van Gogh, 1889. Óleo sobre tela de 43 cm 3 33 cm. Museu Van Gogh, Amsterdã. A la m y /F o to a re n a Conheça mais pinturas de Van Gogh, neste vídeo, em que elas estão em movimento: https://youtu.be/ShEJyly4zOg. Acesso em: mar. 2020. Fique por dentro 1. Origem signifi ca aquilo a partir e através do qual uma coisa é o que ela é e como ela é. O que algo é, como ele é, denominamos sua essên- cia. A origem de algo é a proveniência de sua essência. A pergunta pela origem da obra de arte pergunta pela proveniência de sua essência. HEIDEGGER, Martin. A origem da obra de arte. Portugal: Edições 70, 2005. p. 35. Segundo Heidegger, ao indagarmos sobre a obra de arte, o que buscamos é a sua origem, aquilo que fornece às coisas a sua identidade. De que forma essa questão interessa à Filosofia? 2. (UFSJ-MG) Leia o trecho abaixo. O encontro com outrem é imediatamente minha responsabilidade por ele. A responsabilidade pelo próximo é, sem dúvida, o nome grave do que se chama amor do próximo, amor sem Eros, caridade, amor em que o momento ético domina o momento passional, amor sem concupiscência. (Emmanuel Lévinas, Entre Nós, pág. 143, Petrópolis: Vozes, 2005.) Parada complementar Parada obrigatória 1. (Cespe-Seduc-CE) Em A origem da obra de arte, Heidegger preocupa-se com a caracterização da obra de arte e com a diferença que há entre arte e as coisas em geral. Para essa investigação, Heidegger analisa uma pintura de Van Gogh na qual está figurado um par de sapatos de uma camponesa, que é considerado um utensílio. Desse modo, ele conclui que a pintura de Van Gogh é “a abertura do que o utensílio na verdade é”. Considerando a estética de Heidegger, é correto afirmar que o exemplo dos sapatos da camponesa ilustra que a obra de arte a) imita a essência geral das coisas. b) imita a utensilidade do utensílio. c) desoculta a utilidade dos sapatos. d) desoculta a confi abilidade da arte. e) desoculta a essência geral das coisas. 5P_PIT_EM_1S_C1_FILO_CA_CAP1.indd 6 08/09/20 08:04 7 F il o s o f ia Teste seu conhecimento: 1 e 2 Sociedade do conhecimento O excesso de informação a que temos acesso nos dias de hoje é suficiente para nos deixar sábios? D a n ie la Z e k in a /A c e rv o d a a rt is ta O processo filosófico de conhecer, com seus detalhes e apro- fundamento, nos dá a impressão de complicar um pouco as coisas, uma vez que não conseguimos uma resposta definitiva, pronta e acabada. Será que essas considerações de um filósofo como Sócrates, que viveu há mais de 2 mil anos, ainda tem algum sentido na tão falada “sociedade do conhecimento” que, segundo dizem, vivemos hoje? É hora de refletir mais sobre essa questão. Recebemos diariamente uma quantidade imensa de infor- mações sobre as mais diferentes coisas, ideias e lugares. Essas informações chegam até nós por diferentes veículos: meios de comunicação, convívio com diferentes pessoas, experiências co- tidianas, e pelos nossos sentidos, como pensou Teeteto. Mas o processo, certamente, é bem diferente da época de Sócrates. Essa quantidade de informações disponíveis criou a ilusão de que o acesso a elas tornaria as pessoas sábias e civilizadas. Mas aqui vai uma questão: o acesso à informação é suficiente para gerar sabedoria? Ou conhecer continua sendo algo mais com- plexo, como afirmava Sócrates? A partir de agora, será possível compreender a diferença de três conceitos interessantes que po- dem ajudar a esclarecer essa questão. Embora pareçam a mesma coisa, existem diferenças significativas entre eles. Conhecimento e sabedoria Pelas considerações do filósofo Fernando Savater, a seguir, pode-se perceber que a quantidade de informação disponível nem sempre é sinal de que o conhecimento é acessível a todos e da mesma forma. Nunca foi tão difícil conhecer. Por que isso acontece? Muitas perguntas se colocam sobre isso. O que selecionar? O que é importante ou descartável para a vida, aqui e agora? Como distinguir o que é um modismo passagei- ro e o que vai ser útil para toda vida? O conhecimento que construo hoje será importante para a minha vida pessoal e profissional? Em um mundo que evolui tão rapidamente, o que se pode aproveitar da tradição? É possível conciliar tradição e modernidade? Explica Savater: […] não queremos mais informações sobre o que acontece, mas saber o que signifi ca a informação que temos, como devemos inter- pretá-la e relacioná-la com outras informações anteriores ou simultâ- neas, o que implica tudo isso na consideração geral da realidade em que vivemos, como podemos ou devemos nos comportar na situação assim estabelecida. Essas são precisamente as perguntas das quais se ocupa o que vamos chamar de fi losofi a. Digamos que ocorrem três níveis diferentes de compreensão: a) a informação, que nos apresenta os fatos e os mecanismos primários do que acontece; b) o conhecimento, que refl ete sobre a informação recebida, hie- rarquiza sua importância signifi cativa e busca princípios gerais para ordená-la; c) a sabedoria, que vincula o conhecimento às opções vitais ou va- lores que podemos escolher, tentando estabelecer como viver melhor de acordo com o que sabemos. SAVATER, Fernando. As perguntas da vida. São Paulo: Martins Fontes, 2001. p. 3-4. Continue o raciocínio. Você aprende com os sentidos, com os objetos do mundo, com os outros e consigo mesmo. O corpo é, individualmente, uma fonte de recepção e processamento das informações que vêm de fora. Isso significa que as milhares de informações recebidas diariamente se multiplicam em diferentes formatos processados na mente de milhões de pessoas gerando conhecimento. Você deve estar se perguntando: Como assim? De que forma milharesde informações recebidas diariamente se multiplicam em diferentes formatos na mente das pessoas? É que o formato processado da informação vai depender de como ela é refletida, significada e ordenada na mente de cada indivíduo. Isso significa que uma mesma informação não se com- põe da mesma forma para as diferentes pessoas. O conhecimento Para o autor, o amor ao próximo refere-se a) à minha responsabilidade pelo meu próximo, indepen- dentemente de uma escolha de minha vontade. b) tão somente ao mandamento religioso. c) à ideia de que a consciência ética é consciência apenas de si. d) à ideia de que o amor ético é um momento passional. 5P_PIT_EM_1S_C1_FILO_CA_CAP1.indd 7 08/09/20 08:04 8 depende não apenas de uma transmissão das informações; ele é influenciado pela história de cada um, sua concepção de mundo, de vida, de sociedade e de si mesmo. Todos esses fatores vão influenciar no formato do conhecimento sobre determinado tema, podendo ganhar diferentes significados. É a liberda- de do outro incluída no processo do conhecer. Essa discussão existe há milhares de anos em muitas sociedades conhecidas, e sua resposta se divide em duas correntes filosóficas opostas, numa encruzilhada de difícil solução. De um lado, temos o ceticismo, uma atitude pessimista, que nega a possibilidade de o indivíduo alcan- çar a verdade absoluta, afirmando que o conhecimento depende de pontos de vista, da época, da cultura; de outro lado, temos o dogmatismo que se fundamenta na capacidade das pessoas de conhecimento total da verdade, indiferente a qualquer forma de questionamento. Com base nessas correntes opostas, estão à disposição centenas de teorias que auxiliam no pensar e na tomada de posição sobre este ou aquele tema. Duvidar de tudo ou crer em tudo, são duas soluções igualmente cômodas, que nos dispensam, ambas, de refl etir. POINCARÉ, Henri. A ciência e a hipótese. Trad. Maria Auxiliadora Kneipp. Brasília: Editora UnB, 1985. Observe a gravura a seguir. O artista plástico holandês Maurits Cornelis Escher (1898-1972) produziu trabalhos interessantes sobre o conhecimento, desafiando o olhar do observador e o convida a rever suas certezas sobre o que é a realidade. Esta obra apresenta várias pessoas, cada uma vivendo no seu próprio mundo e tendo como referência o seu ponto de vista: o que para uma é teto, para outra é parede; para outra é porta; e para outra é buraco no chão. Relatividade, de M. C. Escher, 1953. Litografia de 27,7 cm × 29,2 cm. M .C . E s ch e r' s “ R e la ti v it y ” © 2 0 2 0 T h e M .C . E s ch e r C o m p a n y - T h e N e th e rl a n d s . A ll ri g h ts r e s e rv e d . w w w .m c e s ch e r. c o m Aponte para uma escada que esteja de ponta-cabeça e questione. Está errada? O que acontece se você virar a figura? E se virar mais uma vez? E mais uma? A escada que estava certa passa a ficar errada, e a errada se torna certa. O que é certo ou errado? Aquilo que parece certo de determinado ângulo pode ser errado de outro. Por que as pessoas relutam tanto em mudar seu ponto de vista? Qual é a sua opinião sobre isso? Tro- que de escada se colocando no ângulo que era de outro. Responda: nesse novo ângulo, você veria e pensaria da mesma forma? Pense em exemplos do seu cotidiano, na sua vida pessoal, escolar, familiar e na sociedade. Pense sobre verdade, opinião, preconceitos e seus desdobramentos na sociedade e na vida das pes- soas. Acesse outras obras de Escher, esse artista especial que tem muito a agregar ao seu conhecimento. Formas de conhecer Assim como a realidade pode ser vista e analisada por diferentes ângulos, o conhecimento também pode ser encontrado em diferentes formatos. Cinco deles são especiais e merecem destaque: o mito, o senso comum, a Ciência, a Arte e a Filosofia. É muito importante ressaltar que nenhuma dessas formas de conhecer é superior à outra. Embora sejam diferentes em seus critérios e especificidades, todas contribuem para desvelar os se- gredos do mundo, explicando-o ou atribuindo-lhe um sentido. Afinal, não é esse o objetivo do conhecimento? Então, agora será possível compreendê-las em suas especificidades. 5P_PIT_EM_1S_C1_FILO_CA_CAP1.indd 8 08/09/20 08:04 9 F ilo so fi a O mito é crença, uma forma de conhecimento dogmática, que se fundamenta pela fé na autoridade do narrador, não podendo ser questionado nem comprovado. Busca tranquilizar, oferecer respostas aos temo- res do ser humano diante do desconhecido. No próximo capítulo, o mito será tratado com mais detalhes. O senso comum é o conjunto de saberes formado através dos hábitos, crenças, tradições e experiências úteis assimilados no cotidiano e na cultura. É um conhecimento superficial, subjetivo e acrítico, sem neces- sidade de comprovação. O Sol é menor do que a Terra. Quem duvidará disso se, diariamente, vemos um pequeno círculo avermelhado percorrer o céu, indo de leste para oeste? O Sol se move em torno da Terra, que permanece imóvel. Quem duvidará disso, se diariamente vemos o Sol nascer, percorrer o céu e se pôr? A aurora não é o seu começo e o crepúsculo, seu fi m? As cores existem em si mesmas. Quem duvidará disso, se passamos a vida vendo rosas vermelhas, ama- relas e brancas, o azul do céu, o verde das árvores, o alaranjado da laranja e da tangerina? Certezas como essas formam nossa vida e o senso comum de nossa sociedade, transmitido de geração em geração, e, muitas vezes, transformando-se em crença religiosa, em doutrina inquestionável. CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofi a. São Paulo: Ática, 2000. A Ciência é uma forma de conhecimento objetivo, sistemático e racional fundamentada pelo método e comprovação de suas teorias. Diferentemente do senso comum, defende que toda verdade deve ser questionada e comprovada. Num sentido específico, a Ciência como forma de conhecimento surgiu his- toricamente no século XVI, no Renascimento, no contexto da modernidade e ruptura com a ordem feudal, sendo fundamentada filosoficamente pelo Iluminismo. A Arte se refere ao conjunto de formas de expressão e de representação simbólica do mundo tradu- zidas pela sensibilidade e sentido captados pelo artista que a produziu. Essas formas de expressão são, portanto, subjetivas e traduzem a realidade não apenas como ela é, mas como poderia ser. Você com- preenderá o processo da arte como meio de conhecimento ao longo deste Caderno. Ela se fará presente em todos os capítulos, costurando os conhecimentos. Sobre a Filosofia, objeto de conhecimento do nosso estudo, daremos mais detalhes a seguir. A questão a seguir, tem como tema a interpretação e a construção do sentido da obra de arte. O texto da questão já anuncia a existência de um “aspecto inteligível”, sugerindo que este sentido depende da imagem que a obra de arte produz em cada expectador. Leia o texto com atenção e, a seguir, analise cada alternativa proposta para afirmar essa hipótese. Como é uma questão objetiva, apenas uma das alternativas é verdadeira. (Unioeste-PR) “Existe sempre um aspecto inteligível na experiência estética da arte que não deve ser negligenciado. Sem a interpretação daquele que vê ou ouve, sem a construção de sentido por aquele que percebe, não há beleza ou obra de arte”. Charles Feitosa. A partir da citação acima é correto afirmar que a) a capacidade de apreciar a beleza se dá exclusivamente pelos órgãos dos sentidos. b) a refl exão e a racionalidade não interferem na apreciação estética. c) a arte é para sentir e não para pensar. d) a fruição da beleza na arte não coincide inteiramente com a mera experiência sensorial, mas exige tam- bém a participação do pensamento. e) como o termo “estética” remete à expressão grega aisthesis, que signifi ca “percepção por meio dos sentidos e/ou dos sentimentos” a estética é uma ciência exclusivamente da sensibilidade. Resolução: A alternativa a é falsa. O texto não aborda os órgãos dos sentidos; ao contrário, ele foca no aspecto in- teligível. Igualmentefalsa é a alternativa b, pois, segundo o texto, o inteligível, portanto a racionalidade e a reflexão, interferem nessa apreciação estética. A alternativa c também não é a correta, pois o texto enfatiza o pensamento, o inteligível. Encontramos a alternativa verdadeira na d, pois ela considera a participação do inte- ligível. Já a alternativa e é falsa, pois o texto não aborda essa exclusividade da obra de arte. Como fazer 5P_PIT_EM_1S_C1_FILO_CA_CAP1.indd 9 08/09/20 08:04 1010 2. Que o bem seja proveitoso, digno de ser escolhido [...] e promotor de felicidade, sobre isso, sem dúvida, [os homens] estão de acordo. Mas quando lhes perguntamos a que pertencem esses atributos, eles recaem numa guerra incrível, uns dizendo que é a virtude, outros que é o prazer, outros a ausência de dor, outros alguma coisa outra. E seguramente, se o que é o bem em si fosse mostrado pelas defi nições citadas acima, eles não seriam em confl ito como se ignorassem sua natureza. ARISTÓTELES, Ética a Nicômaco 1059ª 1 15-25 A partir das informações do texto, caracterize a corrente filosófica que defende as afirmações nele contidas. Parada obrigatória 3. (Unesp-SP) Dogmatismo vem da palavra grega dogma, que signifi ca: uma opinião estabelecida por decreto e ensinada como uma doutrina, sem contes- tação. O dogmatismo é uma atitude autoritária e submissa. Autoritária porque não admite dúvida, contestação e crítica. Submissa porque se curva a opiniões estabelecidas. A ciência distingue-se do senso comum porque este é uma opinião baseada em hábitos, preconceitos, tradições cristalizadas, enquanto a ciência baseia-se em pesquisas, investigações metódicas e sistemáticas e na exigência de que as teorias sejam interna- mente coerentes e digam a verdade sobre a realidade. (Marilena Chauí. Convite à fi losofi a, 1994. Adaptado.) a) Cite duas implicações políticas do dogmatismo. b) Do ponto de vista da objetividade, explique por que o conhecimento científi co é superior ao senso comum. 4. Observe a charge. © 2 0 2 0 K in g F e a tu re s S y n d ic a te /I p re s s . O personagem da tirinha, Hamlet, questiona a resposta de seu pai, sugerindo que o conhecimento e a verdade dependem de um contexto. Identifique e caracterize a corrente filosófica descrita no diálogo e que trata dessa questão. Parada complementar Teste seu conhecimento: 3 e 4 5P_PIT_EM_1S_C1_FILO_CA_CAP1.indd 10 08/09/20 08:04 11 F ilo so fi a Filosofia e sabedoria Citando o escritor e filósofo Jostein Gaarder, o melhor meio de se aproximar da filosofia é fazer per- guntas filosóficas. Como o mundo foi criado? Será que existe uma vontade ou um sentido por trás do que ocorre? Há vida depois da morte? Como é possível responder a estas perguntas? E, principalmente, como se deve viver? A Filosofia é uma forma de conhecimento muito antiga. A bus ca de respostas para questões que dizem respeito à compreensão da realidade e sobre o que é o ser humano, a necessidade de encontrar um senti- do para a vida e os mistérios da existência sempre foi objeto de reflexão humana. Foi essa inquietação na busca de explicações para o real que deu origem ao filosofar. Entretanto, filosofar não é apenas refletir, mas pensar de forma crítica. O que isso significa? Ao nascer, somos inseridos em um mundo de con ceitos, hábitos e valores preconcebidos que aceita- mos e ao qual nos adequamos sem questionar, e que influenciarão toda a nossa con cepção de vida, de ser e de mundo. Interagimos com esse mundo e seus valores, fazendo e bus cando o que todos fazem e buscam: alimentar, trabalhar, divertir, casar, ter filhos, como se essas tarefas e suas realizações fossem o caminho da felicidade. Aos poucos, esses conceitos vão se tornando uma verdade natural, comum a todas as pessoas com que convivemos, nos convencendo de que temos a mesma percepção de mundo, que sentimos as mesmas necessidades, reforçando mais ainda nossas crenças. Mas, eis que, de vez em quando, algo diferente acontece e balança nossas estruturas, tirando-nos do lugar comum e deixando-nos insegu ros, provocando uma reflexão sobre a nossa vida e seu curso. Nesses momentos nos sentimos inquietos, invadidos e abalados em nossas crenças e valores. Indignados ou maravilhados diante dessa situação que nos obriga a rever nossos conceitos e em busca de sobrevivên- cia física ou moral, penetramos em um outro estado de espírito nos perguntando: por que as coisas são assim? Como elas são realmente? É possível mu dá-las? Como fazer isso? O que é certo e errado? Observe a tela de René Magritte, ao lado. Há um cachim- bo, ao mesmo tempo que as palavras em francês escritas na tela negam o que está representado na imagem: Ceci n’est pas une pipe (“Isto não é um cachimbo”), gerando um con- flito de mensagens. Como assim? Se aquilo que não é um cachimbo, então o que é? Todos observam a pintura de um cachimbo. A ideia preconcebida de um cachimbo foi negada. A imagem não é o objeto. Letras e imagens entram em desa- cordo, desconstruindo o convencional, a representação esta- belecida, a imposição da linguagem, tirando nossas certezas e gerando uma inquietação que desafia o nosso pensamento. Essa atitude de espanto dá início a um processo de ques- tionamento que leva à ampliação da compreensão sobre o que é o fato. Nesses momentos, experimentamos o filosofar. Filosofar é indagar Filosofar é indagar sobre o que é o mundo, o que é o ser humano, a natureza, as coisas e a sociedade. Essa indagação é uma espécie de inquietação que não permite ao indivíduo que se acomode diante de um mundo que se apresenta pronto e acabado, determinado. Para a Filosofia, nada está pronto, tudo é caminho. Filosofar é, portanto, não se acomodar, mas buscar a luz, iluminar, abrindo possibilidades diante dessas indagações pela reflexão e pelo pensamento. Um caminho solitário, sem dúvida, o pensamento é solitário – ninguém pode fazer isso por outra pessoa. Mas uma experiência inigualável de liberdade e de humanidade, que somente pelo pensar é possível ter acesso, e que modifica para sempre o olhar sobre as coisas e sobre si mesmo. Leia o que David Hume, no seu texto “Melancolia filosófica”, fala sobre essa inquietação experimentada pelo filósofo. A consciência da realidade é vista como uma espécie de “condenação”, levando-o constante- mente a um sair e voltar a si mesmo para engajar-se, assumindo o seu papel social na construção do mundo. R e p ro d u ç ã o /M u s e u d e A rt e d a C id a d e d e L o s A n g e le s , C a lif ó rn ia , E U A A traição das imagens, de René Magritte, 1928-1929. Óleo sobre tela de 62,2 cm 3 81 cm. Los Angeles County Museum of Art, EUA. De olho Pensando de forma bem ampla, sempre se produziu Filo sofia. Todos os indivíduos, de todas as épocas e lugares, certamente filosofavam quando desenvolviam suas reflexões sobre o mundo e as diversas relações ali vivenciadas, criando interpretações sobre a realidade. Essa ca pacidade de refletir é a base da Filosofia. 5P_PIT_EM_1S_C1_FILO_CA_CAP1.indd 11 08/09/20 08:04 1212 Eu janto, jogo gamão, converso e me divirto com meus amigos; e quando, após três ou quatro horas de divertimen- to, eu retorno a essas especulações, elas parecem tão frias… e ridículas… Assim, vejo-me absoluta e necessariamente inclinado a viver, e a conversar, e a agir como as outras pessoas nos seus afazeres diários… Estou pronto a lançar todos os meus livros e papéis ao fogo, e a jamais renunciar aos prazeres da vida por causa do raciocínio e da fi losofi a. […] Mas, quando então me canso de tanto divertimento e companhia, e tendo sido levado a meditar em meu quarto, ou em um passeio solitário ao longo do rio, sinto a minha mente completamente absorta em si mesma, e me vejo naturalmente inclinado a conduzir a minha visão a todos esses assuntos sobre os quais encontrei tanta disputa no curso da minha leitura e conversação. Não posso deixar de ter curiosidade acerca dosprincípios mo- rais do bem e do mal, a natureza e o fundamento dos governos, e a causa dessas tantas paixões e inclinações que atuam em mim e me governam. Me sinto desconfortável em pensar que aprovo um objeto e desaprovo outro; que chamo algo de belo e algo de feio; que decido a respeito da verdade e da falsidade… sem saber com base em quais princípios eu procedo… Sinto uma ambição crescente em mim de contribuir para a instrução da humanidade… Esses sentimentos sur- gem naturalmente em minha presente disposição… Sinto que deva ser um perdedor no que concerne ao prazer; e essa é a origem da minha fi losofi a. HUME, David. Tratado sobre a natureza humana. São Paulo: Editora da Unesp, 2001. Observe a litografia de Escher. Nela há um escritório, onde um homem sentado segura uma esfera, na qual observa sua própria imagem refletida. A mão real toca na mão refletida. A litografia sugere o encontro do investigador com seu próprio objeto, isto é, consigo mesmo, na difícil tarefa do autoconhecimento, um dos temas mais intrigantes da filosofia de todas as épocas. Sobre isso, Sócrates, aquele filósofo que acaba- mos de conhecer, tem muito a nos ensinar. Concluindo, a Filosofia é uma forma de conhecimento complexa e construída criteriosamente. Ninguém se torna filósofo simplesmente por acumular diplomas numa boa universidade; a coisa não é tão simples. O processo de construção do pensamento filosófico é muito mais longo, envolve tempo e profunda maturi- dade dos conhecimentos adquiridos. Poucos pensadores alcançaram esse estágio de sabedoria. Todos os indivíduos filosofam quando refletem, questionam e buscam a verdade sobre si mesmo e so- bre o mundo, para além das aparências, do instituído. A Filosofia acredita que todos os seres humanos são racionais e livres, e que se essas potencialidades encontrarem as condições propícias para o seu desenvolvi- mento, todos serão capazes de conhecer e governar a si mesmos. Quando abrimos mão dessas habilidades, passamos a ser conduzidos pelo pensamento de outras pessoas. Este é o grande problema filosófico. 3. (UEM-PR) O homem tem necessidade de conhecer e de explorar o meio em que vive. O senso comum, o bom senso, a arte, a religião, a filosofia e a ciência são formas de saber que auxiliam o homem a entender o mundo e a orientar suas ações. Assinale o que for correto. 01) O senso comum é o conhecimento adquirido por exigências da vida cotidiana; fornece condições para o agir, todavia é um conjun- to de concepções fragmentadas, recebidas sem crítica e, muitas vezes, incoerentes, tornando-se, assim, fonte de preconceitos. 02) O bom senso, ao contrário do senso comum, apresenta-se como uma elaboração refletida e coerente do saber; em vez da aceitação cega de determinações alheias, pelo bom senso o sujeito livre e crítico questiona os valores estabelecidos, e decide pelo que se revela mais sensato ou plausível. 04) A ciência caracteriza-se como um sistema de conhecimentos, expressos em proposições gerais e objetivas sobre a realidade empí- rica; é um conhecimento construído por um processo de raciocínio rigoroso e metodicamente conduzido, baseado na experiência, permitindo explicar, prever e atuar sobre os fenômenos. 08) Religião e filosofia são duas formas antagônicas de interpretação da realidade; a filosofia, unicamente com o raciocínio lógico- -formal, busca entender apenas o mundo natural e o humano; a religião ocupa-se apenas da razão. 16) O conhecimento filosófico caracteriza-se como um saber elucidativo, crítico e especulativo; como elucidativo, visa a esclarecer e a delimitar conceitos e problemas; como crítico, nada aceita sem exame prévio e reflexão; como especulativo, assume a atitude teórica e globalizadora, que envolve os problemas em uma visão total. Parada obrigatória M .C . E s ch e r' s “ H a n d w it h r e fl e c ti n g S p h e re ” © 2 0 2 0 T h e M .C . E s ch e r C o m p a n y - T h e N e th e rl a n d s . A ll ri g h ts r e s e rv e d . w w w .m c e s ch e r. c o m Mão com esfera refletora, de M. C. Escher, 1935. Litografia. 5P_PIT_EM_1S_C1_FILO_CA_CAP1.indd 12 08/09/20 08:04 13 F ilo so fi a 5. (Enem) Sentimos que toda satisfação de nossos desejos advinda do mundo assemelha-se à esmola que mantém hoje o mendigo vivo, po- rém prolonga amanhã a sua fome. A resignação, ao contrário, assemelha-se à fortuna herdada: livra o herdeiro para sempre de todas as preocupações. SCHOPENHAUER, A. Aforismo para a sabedoria da vida. São Paulo: Martins Fontes, 2005. O trecho destaca uma ideia remanescente de uma tradição filosófica ocidental, segundo a qual a felicidade se mostra indissociavel- mente ligada à a) a consagração de relacionamentos afetivos. b) administração da independência interior. c) fugacidade do conhecimento empírico. d) liberdade de expressão religiosa. e) busca de prazeres efêmeros. 6. (UFU-MG) De fato, os homens começaram a fi losofar, agora como na origem, por causa da admiração, na medida em que, inicialmente, fi cavam per- plexos diante das difi culdades mais simples; em seguida, progredindo pouco a pouco, chegaram a enfrentar problemas sempre maiores […]. ARISTÓTELES. Metafísica, v. I. São Paulo: Edições Loyola, 2002. p. 11 [982b]. Admiração ou espanto, essa é a atitude que Aristóteles considerava como o princípio do filosofar. Assinale a alternativa que justifica o raciocínio do filósofo grego. a) O espanto é a atitude de êxtase em face da revelação da verdade eterna assinalada por um saber divino que abarca toda a realidade, pois dispensa qualquer uso do pensamento ou da experiência guiada pelo pensamento. b) O espanto causa perplexidade em quem se depara com algo desconhecido e assim se sente impelido a querer saber; essa atitude é própria do fi losofar, por isso, “agora como na origem”, o que motiva os homens é a libertação da ignorância. c) O espanto reforça a ignorância humana, pois tudo que existe possui uma ordem imutável e eterna, e quem se submeter cegamente aos designíos do desconhecido, apesar de abdicar de sua liberdade, terá na ignorância o seu maior bem. d) O espantoso, para Aristóteles, era constatar, na cultura grega, que os homens diante da menor difi culdade eram incapazes de pen- sar que este mundo é uma ilusão; o mundo verdadeiro está além do sensível e só pode ser contemplado. Parada complementar Teste seu conhecimento: 5 e 6 Arte e Filosofia: pensamento e sentimento Arte e Filosofia são duas atividades distintas, uma não substitui a outra, mas existe um parentesco entre elas. Ambas nascem da admiração, do reconhecimento do não saber e da necessidade de buscar e compor esse saber. A Filosofia, como a Arte, é uma atividade de construção em busca do sentido da vida, da natureza, do ser. Como um artesão, o filósofo possui fenômenos, ideias soltas e desconexas, e busca harmonizá-los, dando-lhes um significado, um sentido, dentro de uma totalidade. Por meio do questionamento e do diálogo, costura seus argumentos, problemas e teorias que com põem a realidade. Já dizia Picasso, o grande artista: O que é que você acredita que seja um artista? Um imbecil que só tem olhos, se for pintor; ouvidos, se for músico; ou uma lira em todos os andares do coração, se for poeta; ou, mesmo, se for boxeur, somente músculos? Muito pelo contrário. O artista é, basicamente, um ser político, constantemente alerta perante os dilacerantes, ardentes ou do- ces acontecimentos do mundo, moldando-se inteiramente à sua imagem. Como seria possível desinteressar-se dos outros homens, e em virtude de que uma vida que eles nos trazem tão abundantemente? Não, a pintura não foi feita para decorar as habitações. É um instrumento de guerra, ofensivo e defensivo, contra o inimigo. Citado em ZULIETTI, Luis Fernando. Picasso: das questões políticas à subjetividade. Revista Aurora, n. 6, 2009. Disponível em: https://www.pucsp.br/revistaaurora/edicoes_pdf/Aurora_6.pdf. Acesso em: 21 maio2020. 5P_PIT_EM_1S_C1_FILO_CA_CAP1.indd 13 08/09/20 08:04 1414 Portanto, a Arte é um meio de conhecimento e não pode ser vista apenas como mero objeto estético, decorativo, como nos lembra Picasso, mas como um saber comprometido e engajado com a realidade em que foi produzida. Toda arte é expressão dos sentimentos humanos ou de um povo, diante dos fatos da vida. É um questionamento e um posicionamento concreto do artista perante a realidade que o cerca; um meio de conhecimento, conscientização e transformação. É nesse sentido que ela interessa à Filosofia. A afi nidade entre a Filosofi a e a Arte reside na insistência no objeto, porém se distinguem naquilo que a Filo- sofi a não pode prescindir; do conceito, da lógica em que aspira à verdade além da aparência estética. Tampouco, considera a Filosofi a uma superação da Arte ou a Arte uma consumação da Filosofi a; na afi rmação daquilo que as distingue surge todo o potencial de ambas. AGUILERA, A. Lógica de la descomposición. In: ADORNO, T. W. Actualidad de la fi losofía. Trad. J. L. A. Tamayo. Barcelona: Paidós, 1991. p. 14-15. A Filosofia não pode desprender-se do real, como a Arte. Mas, apesar das diferenças, uma tem mui- to o que ensinar à outra. A Arte unifica pensamento e sentimento, ensinando à Filosofia os limites e as consequências do pensamento puramente racional e lógico, separado da sensibilidade. Por outro lado, a Filosofia ensina à Arte os limites da sensibilidade pura e os desequilíbrios que ela pode provocar nas emoções. Apesar das especificidades entre Arte e Filosofia, pode-se ousar afirmar que o trabalho do filósofo, como o do artista, é feito artesanalmente de forma cri teriosa e paciente. Como uma artesã construindo uma colcha de retalhos. Primeiro, ele busca equilibrar as contradições das cores, das formas e figuras dos mais variados pedaços de pano à disposi ção. A seguir, vem o trabalho engenhoso que dá forma às ideias, aos conceitos: observar, montar, compondo o efeito visual do conjunto. A construção geométrica tem de ser criteriosa: cada quadrado obedece a um sentido determinado, a costura fecha cuidado- samente cada detalhe… No processo de criação, ensina-se mais do que a fazer col chas de retalhos. Aprende-se uma metodologia, dar significado ao todo e ao detalhe, amadurecer o tempo do fazer, do observar, do construir. Filosofia com Arte A Escola de Atenas, de Rafael Sanzio, 1511. Afresco de 500 cm 3 700 cm. Palácio Apostólico, Vaticano. R e p ro d u ç ã o /M u s e u s d o V a ti c a n o , C id a d e d o V a ti c a n o , It á lia . Ouça o poema “Traduzir- -se”, de Ferreira Gullar (Toda poesia. Rio de Janeiro: José Olímpio, 1991), musicado pela intérprete Adriana Calcanho- to, disponível em: https:// youtu.be/rG5VG_6ZtnA. Acesso em: 20 abr. 2020. Fique por dentro 5P_PIT_EM_1S_C1_FILO_CA_CAP1.indd 14 08/09/20 08:04 15 F il o s o f ia Ao ouvir a palavra “filosofia”, muita gente pensa num amontoado de livros empoeirados, com textos difíceis de serem compreendidos e in terpretados. Embora essas leituras filosófi cas sejam, de fato, um pouco complicadas, elas são necessárias para quem deseja saber filosofia. Apesar disso, além dos livros, é possível se familiarizar com suas teorias por meio de vários meios de aprendizagem, que auxiliam na sua compreensão, com mais leveza e prazer. A Arte, grande aliada nesse processo, empresta a música, a literatura, o cinema, as artes plásticas, as fotografias, as revistas. Quantas luzes, quantas possibilidades! Para entender como funciona essa “leitura”, você tem como exemplo a obra A Escola de Ate nas, do artista renascentista Rafael Sanzio, que ilustra a próxima página. Reflita sobre a imagem e conheça, a seguir, alguns significados filosóficos expressados na pintura de Rafael, um clássico consagrado como uma celebração à Filosofia, repleta de personagens da história. Essa pintura foi construída no século XVI, no contexto histórico do Renascimento, sendo conside- rada uma de suas maiores expressões estéticas. Observe. Os personagens históricos presentes no afresco A Escola de Atenas, de Rafael Sanzio, 1511. R e p ro d u ç ã o /M u s e u s d o V a ti c a n o , C id a d e d o V a ti c a n o , It á lia . A Escola de Atenas representa a Academia de Platão, um personagem importante dessa história que será contada aqui. Junto dele, há grandes pensadores que, embora pertençam a épocas distintas, se articulam e arquivam uma continuidade histórica do pensamento filosófico. O centro da imagem apresenta Platão e Aristóteles (indicados na figura com os números 14 e 15, res- pectivamente), os dois filósofos gregos que mais influenciaram o pensamento clássico ocidental. Platão, o mais velho, filósofo e matemático grego, autor de diversos diálogos filosóficos, segura o Timeu, uma de suas obras, enquanto sua mão direita aponta para o céu, gesto que representa o “mundo das ideias”, o inteligível, fundamento da sua teoria do conhecimento. O jovem Aristóteles, filósofo grego, aluno de Platão e professor de Alexandre, o Grande, caminha ao lado do seu mestre, apresentando sua obra Ética, enquanto sua mão direita aponta em direção à terra, gesto que representa a “percepção pelos sentidos”, base de sua teoria do conhecimento. 13: Heráclito. 14 e 15: Platão e Aristóteles. R e p ro d u ç ã o /M u s e u s d o V a ti c a n o , C id a d e d o V a ti c a n o , It á lia . 12 e 11: Sócrates e Parmênides. R e p ro d u ç ã o /M u s e u s d o V a ti c a n o , C id a d e d o V a ti c a n o , It á lia . R e p ro d u ç ã o /M u s e u s d o V a ti c a n o , C id a d e d o V a ti c a n o , It á lia . O grande pensador Sócrates (12), de verde, mestre de Platão, argumentando com seus alunos; e, abai- xo dele, de ama relo, Parmênides (11), outro grande pensador, que vi veu antes de Sócrates. Outro nome 5P_PIT_EM_1S_C1_FILO_CA_CAP1.indd 15 08/09/20 08:04 1616 importante na História da Filosofia é o pré-socrático Heráclito (13), destacado em atitude pensativa, e o matemático Eu clides (18), inclinado, com um compasso na mão, demons trando um de seus teoremas a um grupo de discípulos – você já deve ter ouvido falar de Euclides nas suas aulas de Matemática. E, final- mente, sentado nos degraus da escada, está Diógenes (16), o filósofo irreverente do período helenístico com ideias geniais, que odiava os bens materiais e, acredite, morava em um barril. 18: Euclides. R e p ro d u ç ã o /M u s e u s d o V a ti c a n o , C id a d e d o V a ti c a n o , It á lia . 16: Diógenes, o cínico. R e p ro d u ç ã o /M u s e u s d o V a ti c a n o , C id a d e d o V a ti c a n o , It á lia . R e 21: Rafael e Sodoma. R e p ro d u ç ã o /M u s e u s d o V a ti c a n o , C id a d e d o V a ti c a n o , It á lia . Impressiona na obra de Rafael a quantidade de informações sobre a Antiguidade Clássica, desde os de- talhes da arquitetura à mistura de personagens da Antiguidade e do Renascimento, seus gestos, apontando as ideias desses pensadores, ancorados pela presença dos deuses gregos da sabedoria e do conhecimento racional, Atena e Apolo. Outro fato interessante já citado é a reunião de personagens da Antiguidade ao lado de contempo- râneos de Rafael, mostrando claramente a inspiração que o Classicismo grego exerceu sobre o Renasci- mento. Esse fato fica claro nos seguintes detalhes: o rosto de Leonardo da Vinci, na figura de Platão; o de Michelangelo, na figura de Heráclito; e sua própria imagem em um autorretrato que aparece discre- tamente à direita, de boina preta, ao lado de outro famoso pintor e seu amigo, Sodoma. Além dos per- sonagens citados, muitos outros se apresentam na obra. Muitos desses personagens contribuíram com importantes teorias para a construção da concepção de mundo e de sociedade ocidental e serão temas importantes da história da Filosofia que serão estudadosnos capítulos a seguir. Além dos conhecimentos que você já obteve sobre a obra A Escola de Atenas, amplie seu estudo sobre a simbologia que ela representa. Veja este vídeo: https://youtu.be/SUzHJTD9ODA (acesso em: 20 abr. 2020). Relembre o que estudou neste capítulo e faça pesquisas adicionais para descobrir: • o contexto histórico em que foi produzida a obra; • qual é o estilo da obra; • o que está sendo representado; • relações entre o Renascimento e a Grécia Clássica contidas na obra; • outros personagens e deuses presentes; • a escolha desse cenário como tema. Investigue 4. Em cada bloco de mármore vejo uma estátua; vejo-a tão claramente como se estivesse na minha frente, moldada e perfeita na pose e no efeito. Tenho apenas de desbastar as paredes brutas que aprisionam a adorável aparição para revelá-la a outros olhos como os meus já a veem. BUONAROTTI, Michelangelo. International journal of religious education, 1946. p. 23. v. 23. Parada obrigatória 5P_PIT_EM_1S_C1_FILO_CA_CAP1.indd 16 08/09/20 08:04 17 F ilo so fi a 7. (UEM-PR) Pode-se afi rmar, portanto, que a arte é uma forma de o homem se relacionar com o mundo, forma que se renova juntamente com a pro- dução da vida. O homem (…) busca sempre novas possibilidades de existência, busca transcender, ultrapassar e descortinar novas dimensões da realidade. (Filosofi a, Ensino Médio. Curitiba: Seed-PR, 2006, p. 309). Sobre a arte como forma de pensamento, assinale o que for correto. 01) A arte fornece um entendimento do mundo dado pela intuição, ou seja, por um conhecimento imediato da forma concreta e indivi- dual, que não reporta à razão, mas ao sentimento e à imaginação. 02) A arte compartilha do mesmo universo conceitual da filosofia; pois, como esta, ela alcança uma compreensão do mundo por meio de conceitos logicamente organizados, abstrações genéricas distantes do dado sensorial e do momento vivido. 04) A imaginação desempenha um papel fundamental na arte; é ela que faz a mediação entre o vivido e o pensado, entre a presença bruta do objeto e sua representação. Na medida em que torna o mundo presente em imagens, a imaginação nos faz pensar. 08) A imaginação do artista é prisioneira da realidade e de sua vida cotidiana; e as escolas estilísticas determinam que tipo de obra de arte vale a pena realizar. Sendo assim, o artista, a rigor, não cria coisa alguma, ele apenas copia o que é dado. 16) Na experiência estética, sentimento e emoção são coisas distintas. A emoção é um estado psicológico de agitação afetiva; o senti- mento, como uma reação cognitiva, esclarece o que motiva a emoção. A emoção é uma maneira de lidarmos com o sentimento. 8. (Unioeste-PR) Existe sempre um aspecto inteligível na experiência estética da arte que não deve ser negligenciado. Sem a interpretação daquele que vê ou ouve, sem a construção de sentido por aquele que percebe, não há beleza ou obra de arte. Charles Feitosa. A partir da citação acima é correto afirmar que a) a capacidade de apreciar a beleza se dá exclusivamente pelos órgãos dos sentidos. b) a refl exão e a racionalidade não interferem na apreciação estética. c) a arte é para sentir e não para pensar. d) a fruição da beleza na arte não coincide inteiramente com a mera experiência sensorial, mas exige também a participação do pensamento. e) como o termo “estética” remete à expressão grega aisthesis, que signifi ca “percepção por meio dos sentidos e/ou dos sentimentos” a estética é uma ciência exclusivamente da sensibilidade. Parada complementar Teste seu conhecimento: 7 A Filosofia e a Arte se complementam na construção do conhecimento. Considerando o texto de Michelangelo, escreva um argu- mento justificando essa afirmativa. 5P_PIT_EM_1S_C1_FILO_CA_CAP1.indd 17 08/09/20 08:04 1818 Síntese Relação homem e mundo Sociedade do conhecimento Possibilidade da verdade Formas de conhecer Concepção de mundo • Matéria/objeto • Espaço geométrico • Objeto passivo e amorfo • Determinado • Coisas físicas e espaciais sem relação entre si • Universo infi nito de possibilidades de ser do indivíduo • Imanente Concepção de indivíduo: • Espírito/sujeito • Determinante • Superação dos instintos pela razão • Indagação sobre as coisas e si mesmo • Apropriação dos instrumentos e das situações • Transcendente Informação CONHECIMENTO SER O que é conhecimento Aparência: Essência: Contexto: Relação sujeito e objeto Sujeito e objeto são polos dependentes de uma relação intencional na consciência. O mundo não é um objeto passivo, apreendido por um sujeito que o pensa e determina, ele participa do processo de conhecimento. Sabedoria Conhecimento O ceticismo nega a possibilidade de alcançar a verdade absoluta; o conhecimento depende de pontos de vista, época, cultura; o dogmatismo se fundamenta na possibilidade de obtenção de verdades absolutamente certas e seguras. Complete o quadro com as informações que aprendeu no capítulo, seguindo os exemplos já preenchidos. 5P_PIT_EM_1S_C1_FILO_CA_CAP1.indd 18 08/09/20 08:04 19 F il o s o f ia 19 Teste seu conhecimento 1. (Enem) A importância do conhecimento está em seu uso, em nos- so domínio ativo sobre ele, quero dizer, reside na sabedoria. É convencional falar em mero conhecimento, separado da sabe- doria, como capaz de incutir uma dignidade peculiar a seu pos- suidor. Não compartilho dessa reverência pelo conhecimento como tal. Tudo depende de quem possui o conhecimento e do uso que faz dele. WHITHEHEAD, A. N. Os fi ns da educação e outros ensaios. São Paulo: Edusp, 1969. No trecho, o autor considera que o conhecimento traz possibi- lidades de progresso material e moral quando a) prioriza o rigor conceitual. b) valoriza os seus dogmas. c) avalia a sua aplicabilidade. d) busca a inovação tecnológica. e) instaura uma perspectiva científi ca. 2. (Enem) Ser ou não ser — eis a questão. Morrer – dormir — Dormir! Talvez sonhar. Aí está o obstáculo! Os sonhos que hão de vir no sono da morte Quando tivermos escapado ao tumulto vital Nos obrigam a hesitar: e é essa a refl exão Que dá à desventura uma vida tão longa. SHAKESPEARE, W. Hamlet. Porto Alegre: L&PM, 2007. Este solilóquio pode ser considerado um precursor do exis- tencialismo ao enfatizar a tensão entre a) consciência de si e angústia humana. b) inevitabilidade do destino e incerteza moral. c) tragicidade da personagem e ordem do mundo. d) racionalidade argumentativa e loucura iminente. e) dependência paterna e impossibilidade de ação. 3. (Enem) Pirro afi rmava que nada é nobre nem vergonhoso, justo ou injusto; e que, da mesma maneira, nada existe do ponto de vista da verdade; que os homens agem apenas segundo a lei e o costume, nada sendo mais isto do que aquilo. Ele levou uma vida de acordo com esta doutrina, nada procurando evitar e não se desviando do que quer que fosse, suportando tudo, carroças, por exemplo, precipícios, cães, nada deixando ao ar- bítrio dos sentidos. LAÉRCIO, D. Vidas e sentenças dos fi lósofos ilustres. Brasília: Editora UnB, 1988. O ceticismo, conforme sugerido no texto, caracteriza-se por: a) Desprezar quaisquer convenções e obrigações da sociedade. b) Atingir o verdadeiro prazer como o princípio e o fi m da vida feliz. c) Defender a indiferença e a impossibilidade de obter algu- ma certeza. d) Aceitar o determinismo e ocupar-se com a esperança transcendente. e) Agir de forma virtuosa e sábia a fi m de enaltecer o homem bom e belo. 4. (Unesp-SP) Uma obra de arte pode denominar-se revolucionária se, em virtude da transformação estética, representar, no destino exemplar dos indivíduos, a predominante ausência de liberdade, rompendo assim com a realidade social mistifi cada e petrifi cada e abrindo os horizontes da libertação. Esta tese implica que a literatura não é revolucionária por ser escrita para a classe traba- lhadora ou para a “revolução”. O potencial político da arte baseia--se apenas na sua própria dimensão estética. A sua relação com a práxis (ação política) é inexoravelmente indireta e frustrante. Quanto mais imediatamente política for a obra de arte, mais re- duzidos são seus objetivos de transcendência e mudança. Nesse sentido, pode haver mais potencial subversivo na poesia de Bau- delaire e Rimbaud que nas peças didáticas de Brecht. (Herbert Marcuse. A dimensão estética, s/d.) Segundo o filósofo, a dimensão estética da obra de arte ca- racteriza-se por a) apresentar conteúdos ideológicos de caráter conservador da ordem burguesa. b) comprometer-se com as necessidades de entretenimento dos consumidores culturais. c) estabelecer uma relação de independência frente à con- juntura política imediata. d) subordinar-se aos imperativos políticos e materiais de transformação da sociedade. e) contemplar as aspirações políticas das populações econo- micamente excluídas. 5. (Enem) O fi lósofo reconhece-se pela posse inseparável do gosto da evidência e do sentido da ambiguidade. Quando se limita a su- portar a ambiguidade, esta se chama equívoco. Sempre aconteceu que, mesmo aqueles que pretenderam construir uma fi losofi a absolutamente positiva, só conseguiram ser fi lósofos na medida em que, simultaneamente, se recusaram o direito de se instalar no saber absoluto. O que caracteriza o fi lósofo é o movimento que leva incessantemente do saber à ignorância, da ignorância ao saber, e um certo repouso neste movimento. MERLEAU-PONTY, M. Elogio da fi losofi a. Lisboa: Guimarães, 1998 (adaptado). 5P_PIT_EM_1S_C1_FILO_CA_CAP1.indd 19 08/09/20 08:04 Teste seu conhecimento 2020 O texto apresenta um entendimento acerca dos elementos constitutivos da atividade do filósofo, que se caracteriza por a) reunir os antagonismos das opiniões ao método dialético. b) ajustar a clareza do conhecimento ao inatismo das ideias. c) associar a certeza do intelecto à imutabilidade da verdade. d) conciliar o rigor da investigação à inquietude do questio- namento. e) compatibilizar as estruturas do pensamento aos princípios fundamentais. 6. (UEL-PR) Leia atentamente os textos abaixo, respectivamen- te, de Platão e de Aristóteles: […] a admiração é a verdadeira característica do fi lósofo. Não tem outra origem a fi losofi a. PLATÃO, Teeteto. Tradução de Carlos Alberto Nunes. Belém: Universidade Federal do Pará, 1973. p. 37. Com efeito, foi pela admiração que os homens começaram a fi losofar tanto no princípio como agora; perplexos, de início, ante as difi culdades mais óbvias, avançaram pouco a pouco e enunciaram problemas a respeito das maiores, como os fenô- menos da Lua, do Sol e das estrelas, assim como a gênese do universo. E o homem que é tomado de perplexidade e admira- ção julga-se ignorante (por isso o amigo dos mitos é, em certo sentido, um fi lósofo, pois também o mito é tecido de maravi- lhas); portanto, como fi losofavam para fugir à ignorância, é evidente que buscavam a ciência a fi m de saber, e não com uma fi nalidade utilitária. ARISTÓTELES. Metafísica. Livro I. Tradução Leonel Vallandro. Porto Alegre: Globo, 1969. p. 40. Com base nos textos acima e nos conhecimentos sobre a origem da filosofia, é correto afirmar: a) A fi losofi a surgiu, como a mitologia, da capacidade huma- na de admirar-se com o extraordinário e foi pela utilidade do conhecimento que os homens fugiram da ignorância. b) A admiração é a característica primordial do fi lósofo porque ele se espanta diante do mundo das ideias e percebe que o conhecimento sobre este pode ser vantajoso para a aquisi- ção de novas técnicas. c) Ao se espantarem com o mundo, os homens perceberam os erros inerentes ao mito, além de terem reconhecido a im- possibilidade de o conhecimento ser adquirido pela razão. d) Ao se reconhecerem ignorantes e, ao mesmo tempo, se surpreenderem diante do anseio de conhecer o mundo e as coisas nele contidas, os homens foram tomados de espanto, o que deu início à fi losofi a. e) A admiração e a perplexidade diante da realidade fi zeram com que a refl exão racional se restringisse às explicações fornecidas pelos mitos, sendo a filosofia uma forma de pensar intrínseca às elaborações mitológicas. 7. (Enem) SANZIO, R. Detalhe do afresco A Escola de Atenas. Disponível em: http://fi l.cfh.ufsc.br. Acesso em: 20 mar. 2013. R e p ro d u ç ã o /E N E M ,2 0 1 4 No centro da imagem, o filósofo Platão é retratado apontan- do para o alto. Esse gesto significa que o conhecimento se encontra em uma instância na qual o homem descobre a a) suspensão do juízo como reveladora da verdade. b) realidade inteligível por meio do método dialético. c) salvação da condição mortal pelo poder de Deus. d) essência das coisas sensíveis no intelecto divino. e) ordem intrínseca ao mundo por meio da sensibilidade. Teste seu conhecimento Anotações 5P_PIT_EM_1S_C1_FILO_CA_CAP1.indd 20 08/09/20 08:04 FIL_CAP01