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Universidade do Estado do Rio de Janeiro Centro Biomédico Instituto de Biologia Roberto Alcântara Gomes Departamento de Biologia Celular Disciplina: Biologia Celular PAE - 2020-1 Coordenadora: Simone Vargas da Silva Apostila: Endomembranas Esta apostila foi formulada para auxiliar o ensino remoto de biologia celular para o curso de nutrição, durante o período acadêmico emergencial (PAE), em função da pandemia do novo Coronavírus. Trata-se de um material de apoio ao estudante e, como tal, não substitui a bibliografia recomendada. Cabe ressaltar que essa apostila não tem fins lucrativos e, portanto, não deve ser comercializada, sob nenhuma hipótese. 2020 2 Endomembranas I. Introdução: Ao contrário das bactérias, as células eucarióticas apresentam compartimentos celulares (organelas) que apresentam funções distintas e se apresentam rodeadas por membranas. Cada organela apresenta um conteúdo característico, com enzimas e outras moléculas especializadas, além de um sistema de transporte e distribuição de produtos específicos entre um compartimento e outro. O funcionamento de uma célula eucariótica depende da organização, da atuação e da movimentação dos produtos formados nessas organelas. Cada organela apresenta características estruturais e funcionais distintas. A ação de enzimas específicas em cada compartimento catalisa as reações que ocorrem lá e seletivamente transportam pequenas moléculas para dentro e para fora das organelas. A membrana que delimita cada organela apresenta proteínas específicas que servem como marcadores de superfície, direcionando a entrega de novas proteínas e lipídeos àquele compartimento. Uma célula animal apresenta cerca de 1010 moléculas de proteínas que se dividem em mais de 10000 tipos. A síntese de quase todas essas proteínas se inicia no citosol e, após a sua síntese, a nova proteína é entregue especificamente a organela que a necessita. A compartimentalização da célula e o modo como acontece esse tráfego intracelular de proteínas será abordado daqui pra frente, nesta apostila. Na aula de sinalização celular, nós vimos que uma molécula sinalizadora ou ligante pode atuar de modo endócrino, parácrino ou autócrino para desempenhar suas ações na célula- alvo. Aqui, a pergunta principal é: anterior a secreção dessa molécula pela sua célula de origem, como se dá o processo de produção dessa molécula nessa célula secretora? Vamos imaginar a insulina, nós sabemos que a insulina é um hormônio peptídico, produzido e secretado pelas células beta-pancreáticas na circulação e, após secretada, a insulina vai agir em alvos distantes (modo de sinalização endócrino), atuando através de receptores presentes na membrana plasmática das células-alvo (receptores tirosina quinase, também conhecidos como receptores associados a atividade enzimática). O processo de síntese protéica e a sua regulação será visto na disciplina de genética, aqui abordaremos como se dá o processo de transformação das proteínas e o seu transporte no sistema de endomembranas. 2. Compartimentos celulares: Como dito anteriormente, todas as células eucariontes apresentam um conjunto básico de organelas que são delimitadas por membranas (Figura 1). Muitos processos bioquímicos vitais ocorrem nessas membranas ou em sua superfície, tais como: a fosforilação oxidativa na mitocôndria, que requer um sistema de transporte de membrana para acoplar os prótons necessários para a síntese de ATP. Além disso, o sistema de endomembranas formam compartimentos fechados que são separados do citosol, criando espaços aquosos, funcionalmente especializados dentro da célula. Nestes espaços, moléculas como proteínas, e íons, por exemplo, são concentrados para otimizar as reações bioquímicas das quais participam. Assim como a membrana plasmática, a bicamada lipídica das endomembranas é impermeável à maioria das moléculas hidrofílicas assim, a membrana das organelas também apresentam proteínas de transporte de membrana para importar e exportar 3 metabólitos específicos. Além disso, a membrana de cada organela tem um mecanismo para importar e incorporar as proteínas específicas que tornam essa organela única. Figura 1: Compartimentos celulares comuns a todas as células eucarióticas. Extraído e modificado de: Alberts et al., 2002. Molecular Biology of the cell. Garland Science, New York. 4th edition. Aproximadamente, 50% da área total de membrana de uma célula eucariótica envolve o labirinto do retículo endoplasmático (RE). O RE rugoso é assim chamado pois contém ribossomos ancorados a sua superfície citosólica. Os ribossomos são organelas responsáveis pela síntese de proteínas de membrana solúveis e integrais que, na sua maioria, destinam-se a secreção para o meio extracelular ou a outras organelas. As proteínas destinadas as membranas de outras organelas são transportadas apenas após a sua síntese. As proteínas destinadas ao RE são, inicialmente transportadas ao RE, à medida que são sintetizadas. Isso explica porque a membrana do RE é a única repleta de ribossomos próximos a ele. O RE também produz a maior parte dos lipídios da célula e funciona como um local de armazenamento de íons Ca2 +. As regiões do RE onde não há presença de ribossomos é denominado de RE liso. Nas células musculares, um tipo especial de RE liso chamado retículo sarcoplasmático é responsável pelo armazenamento de íons cálcio que são necessários para a ativação das contrações coordenadas das fibras musculares. Há também pequenos trechos "lisos" de retículo endoplasmático encontrados dentro do RE rugoso. Esses trechos funcionam como sítios de saída para as vesículas que germinam do RE rugoso e são chamados RE de transição. O RE envia muitas de suas proteínas e lipídeos para o aparelho de Golgi que consiste em pilhas organizadas de compartimentos chamados cisternas de Golgi. O aparelho de Golgi recebe lipídios e proteínas do RE, liberando para vários destinos, geralmente modificando-os covalentemente nesse caminho. De maneira geral, cada organela desempenha as suas funções independente do tipo celular, porém a quantidade de cada organela pode variar dependendo da função especializada da célula. Assim, podemos dizer que a abundância das organelas é regulada para atender as necessidades da célula (Tabela 1). Um exemplo: como o RE rugoso ajuda a modificar as proteínas que serão secretadas pelas células, as células que secretam grandes quantidades de enzimas ou outras proteínas, como os hepatócitos, possuem grande quantidade de RE rugoso. Como dito anteriormente, a síntese de todas as proteínas começa nos ribossomos do citosol, no entanto, é importante deixar claro aqui que as mitocôndrias também apresentam 4 Tabela 1: Quantidade relativa de endomembranas em dois tipos de células eucarióticas Tipo de membrana Porcentagem da membrana celular total Hepatócito Célula pancreática exócrina Membrana plasmática 2 5 Membrana RE rugoso 35 60 Membrana RE liso 16 <1 Membrana complexo Golgi 7 10 Mitocôndria Membrana externa 7 4 Membrana interna 32 17 Núcleo Membrana interna 0,2 0,7 Membrana vesícula secretora ND 3 Membrana lisossomo 0,4 ND Membrana peroxissomo 0,4 ND Membrana endossomo 0,4 ND Adaptado de: Alberts et al., 2002. Molecular Biology of the cell. Garland Science, New York. 4th edition. ribossomos capazes de sintetizar algumas proteínas específicas dessa organela. Com relação as proteínas sintetizadas pelos ribossomos no citosol, seu subsequente destino depende de sua sequência de aminoácidos, que pode conter sinais de endereçamento que direcionam sua entrega para locais fora do citosol ou para a superfície das organelas. Algumas proteínas não têm um sinal de endereçamento e, consequentemente, permanecem no citosol como proteínas residentes permanentes. Em relação as proteínas destinadas as organelas, elas apresentam um sinalde endereçamento específico que direcionam seu transporte do citosol para o núcleo, o RE, mitocôndrias ou peroxissomos. Os sinais de endereçamento também podem direcionar o transporte de proteínas do RE para outros destinos na célula. Para entender como acontece o transporte de proteínas de um compartimento celular para o outro, vamos distinguir as etapas desse transporte (Figura 2): 5 1. Transporte por poros: proteínas e moléculas de RNA movem-se entre o citosol e o núcleo por meio dos complexos de poros nucleares presentes no envelope nuclear. Os complexos de poros nucleares funcionam como portas seletivas que permitem o transporte de macromoléculas específicas e conjuntos macromoleculares entre os dois espaços topologicamente equivalentes, embora também permitam a difusão livre de moléculas menores. 2. Transporte transmembranas: não confundir com o transporte através da membrana plasmática! Aqui, estamos falando do transporte intracelular de proteínas (entre organelas). Neste tipo de transporte, as proteínas sintetizadas pelos ribossomos são translocadas através de translocadores específicos presentes na membrana das organelas. A molécula de proteína transportada geralmente se desdobra para atravessar o translocador. O transporte de proteínas do citosol para o lúmen RE ou mitocôndria, por exemplo, ocorre desta forma. Proteínas integrais de membrana geralmente usam os mesmos translocadores, mas se translocam parcialmente através da membrana, uma vez que essas proteínas (integrais de membrana) ficam incorporadas na bicamada lipídica. 3. Transporte vesicular: como o próprio nome diz, se dá através de vesículas que podem ser pequenas ou maiores, esféricas ou de forma irregular. Essas vesículas são formadas por fragmentos de membrana das organelas e transportam proteínas de um compartimento para o outro. As vesículas de transporte tornam-se carregadas com uma carga de moléculas derivadas do lúmen de um compartimento à medida que brotam e se desprendem de sua membrana. Elas descarregam sua carga em um segundo compartimento fundindo-se com a membrana desse compartimento. A transferência de proteínas solúveis do RE para o aparelho de Golgi, por exemplo, ocorre dessa maneira. O transporte por vesículas ou tráfego de vesículas é o assunto da nossa próxima aula. Figura 2: Mapa do transporte intracelular. Adaptado de Alberts et al., 2002. Molecular Biology of the cell. Garland Science, New York. 4th edition. A maioria dos sinais de endereçamento das proteínas transportadas está localizado em um trecho da sequência de aminoácidos e, apresentam entre 15 - 60 resíduos de comprimento. Essa sequência-sinal é, frequentemente, encontrada na porção N terminal da cadeia polipeptídica e, em muitos casos, peptidases de sinal removem a sequência sinal ao término do processo de transporte. A sequencia-sinal também pode se localizar numa região interna 6 da cadeia polipeptídica, permanecendo com parte da proteína. Esses sinais são utilizados no transporte mediado por poros para o núcleo. Os sinais de endereçamento também podem ser compostos de múltiplas sequências de aminoácidos internos que formam um arranjo tridimensional específico na superfície da proteína. Essa sequencia é utilizada, algumas vezes, para a importação nuclear de proteínas e no transporte vesicular. Cada sequência de sinal determina um destino da proteína na célula. Proteínas destinadas inicialmente ao RE, geralmente, tem uma sequência-sinal em sua extremidade N-terminal que inclui uma sequência característica composta de 5 a 10 aminoácidos hidrofóbicos. Muitas dessas proteínas serão transferidas do RE para o complexo de golgi. As proteínas destinadas à mitocôndria apresentam sequência-sinal de outro tipo, aminoácidos positivamente carregados se alternam com aminoácidos hidrofóbicos. Já as proteínas destinadas ao peroxissomos apresentam uma sequência-sinal característica, com três aminoácidos na sua porção C-terminal (Tabela 2). Tabela 2: Sequências-sinal típicas Função da sequência sinal Exemplo Importação para o núcleo -Pro-Pro-Lys-Lys-Lys-Arg-Lys-Val- Exportação do núcleo -Met-Glu-Glu-Leu-Ser-Gln-Ala-Leu-Ala- Ser-Ser-Phe- Importação para a mitocôndria +H3N-Met-Leu-Ser-Leu-Arg-Gln-Ser-Ile- Arg-Phe-Phe-Lys-Pro-Ala-Thr-Arg-Thr- Leu-Cys-Ser-Ser-Arg-Tyr-Leu-Leu- Importação para peroxissomos -Ser-Lys-Leu-COO– Importação para o RE +H3N-Met-Met-Ser-Phe-Val-Ser-Leu-Leu- Leu-Val-Gly-Ile-Leu-Phe-Trp-Ala-Thr-Glu- Ala-Glu-Gln-Leu-Thr-Lys-Cys-Glu-Val- Phe-Gln- Retorno ao RE -Lys-Asp-Glu-Leu-COO– Adaptado de: Alberts et al., 2002. Molecular Biology of the cell. Garland Science, New York. 4th edition. As sequências-sinal são reconhecidas por partículas de reconhecimento de sinal, que direcionam a proteína para receptores complementares. Essa partícula de reconhecimento de sinal se liga a receptores presentes na membrana da organela. Esses receptores funcionam cataliticamente e estão associados a outras proteínas que formam um poro na membrana, permitindo a passagem da proteína. A maioria desses receptores reconhecem classes de proteínas e não proteínas individualmente. Eles podem ser comparados ao sistema de transporte público, dedicados a entregar vários componentes diferentes em seus locais corretos na célula. 7 3. Transporte de moléculas entre o núcleo e o citosol: O compartimento nuclear é delimitado pelo envelope nuclear, que consiste de duas membranas concêntricas, penetradas pelos complexos de poros nucleares. Este envelope envolve o DNA e, embora suas membranas interna e externa sejam contínuas e mantenham composições de proteínas distintas. a membrana nuclear interna contém proteínas que atuam como locais de ligação para os cromossomos e para a lâmina nuclear, uma rede de proteínas que fornece estruturas de apoio ao envelope nuclear. Além disso, a lâmina também atua como um local de ancoragem para cromossomos e o citoesqueleto citoplasmático (via complexos de proteínas que abrangem o envelope nuclear). A membrana interna é cercada pela membrana nuclear externa, que é contínua com a membrana do RE. Como a membrana do RE, a membrana nuclear externa é cercada de ribossomos envolvidos na síntese de proteínas. As proteínas sintetizadas nesses ribossomos são transportadas no espaço entre as membranas nucleares interna e externa (o espaço perinuclear), que é contínuo ao lúmen do RE (Figura 3). O tráfego de proteínas entre o citosol e o núcleo é bidirecional (Figura 3). Proteínas como: histonas, DNA polimerases, RNA polimerases, reguladores de transcrição e proteínas de processamento de RNA são importadas seletivamente para o compartimento nuclear à partir do citosol, onde elas são sintetizadas. Ao mesmo tempo, quase todos os RNAs - incluindo mRNAs, rRNAs, tRNAs, miRNAs e siRNAs - são sintetizados no compartimento nuclear e então exportados para o citosol. Como o processo de importação, o processo de exportação é seletivo; mRNAs, por exemplo, são exportados somente após terem sido devidamente modificados por reações de processamento de RNA no núcleo. Figura 3: O envelope nuclear - o transporte de proteínas entre o núcleo e o citosol é bidirecional. Adaptado de Alberts et al., 2002. Molecular Biology of the cell. Garland Science, New York. 4th edition. O complexo de poros nucleares (NPC) perfuram os envelopes nucleares em todas as células eucariontes. Cada NPC é composto por um conjunto de aproximadamente 30 diferentes proteínas ou nucleoporinas. O envelope nuclear de uma célula típica de mamífero contém cerca de 3000-4000 NPCs, O tráfego total que passa por cada NPC é enorme: cada NPC pode transportar até 1000 macromoléculas por segundo e pode transportar em ambas as direções ao mesmo tempo. Os NPC contém canais que permitem a passagem de pequenas moléculas solúveis em água. Grandes proteínas, no entanto, se 8 difundem mais lentamente, e quanto maior a proteína, mais lentamenteela passa pelo NPC. Proteínas maiores que 60.000 daltons não podem entrar livremente no núcleo. As nucleoporinas apresentam extensas regiões não estruturadas, formando um emaranhado que restringe a difusão de macromoléculas muito grandes enquanto permitem a passagem de moléculas menores. Muitas proteínas celulares são muito grandes para se difundir passivamente através dos NPCs assim, o compartimento nuclear e o citosol podem manter composições diferentes de proteínas. Ribossomos citosólicos maduros, por exemplo, têm cerca de 30 nm de diâmetro e, portanto, não podem se difundir através do NPC, confinando a síntese de proteínas ao citosol. Por outro lado, o núcleo exporta subunidades ribossômicas recém- criadas ou importa grandes moléculas, como DNA polimerases e RNA polimerases, que tem massas moleculares de 100.000–200.000 daltons. A maioria dessas proteínas transportadas e moléculas de RNA se ligam a um receptor específico que transporta ativamente moléculas grandes através de NPCs. Mesmo pequenas proteínas como histonas frequentemente usam mecanismos mediados por receptor para cruzar o NPC, assim aumentando a eficiência do transporte. As proteínas transportadas para o núcleo apresentam sinais de localização nuclear, responsáveis pela seletividade do processo de importação de proteínas para o núcleo. Na maioria das proteínas nucleares, os sinais consistem em uma ou duas sequências curtas que são ricas nos aminoácidos carregados positivamente, lisina e arginina e, podem estar localizados em qualquer lugar da cadeia de aminoácidos. O início do processo de importação nuclear se dá quando os sinais de localização nuclear são reconhecidos por receptores de importação nuclear, também chamados de importinas, Os receptores de importação nuclear nem sempre se ligam diretamente às proteínas nucleares. Em alguns casos, proteínas adaptadoras adicionais podem formar uma ponte entre os receptores de importação e os sinais de localização nuclear nas proteínas a serem transportadas . Essa variedade de receptores e adaptadores de importação, faz com que as células sejam capazes de reconhecer um amplo repertório de sinais de localização nuclear contidos nas proteínas nucleares. Uma vez dentro do núcleo, os receptores de importação se dissociam de sua carga e retornam ao citosol. Essa dissociação ocorre apenas no lado nuclear do NPC e assim, confere direcionalidade ao processo de importação (Figura 4) Quanto ao processo de exportação nuclear, este também ocorre através de NPCs e também dependem de um sistema de transporte seletivo. O sistema de transporte depende de sinais de exportação nuclear nas macromoléculas a serem exportadas, bem como de receptores de exportação nuclear complementares, ou exportinas. Esses receptores se ligam ao sinal de exportação e guiam as proteínas através do NPC até o citosol (Figura 4). Assim, podemos concluir que os sistemas de transporte de importação e exportação funcionam de maneiras semelhantes, mas em direções opostas: os receptores de importação ligam suas moléculas de carga no citosol, liberando-as no núcleo, e depois são exportados para o citosol para reutilização, enquanto a exportação os receptores funcionam de maneira oposta. 9 Figura 4: Processo de importação/exportação de proteínas para o núcleo. A Ran GTPase fornece a energia necessária para o trafego de proteínas para o núcleo. Adaptado de Alberts et al., 2002. Molecular Biology of the cell. Garland Science, New York. 4th edition. O processo de transporte de proteínas para o núcleo é um processo ativo que requer a energia armazenada na forma ligada ao GTP da Ran GTPase (Figura 4). A Ran é necessária para a importação e exportação nuclear, como outras GTPases, a Ran pode existir em duas conformações, que dependem de duas proteínas reguladoras específicas que desencadeiam a conversão entre os duas formas: uma proteína ativadora de GTPase citosólica (GAP) desencadeia a hidrólise de GTP e assim, converte Ran-GTP em Ran-GDP e um fator de troca de guanina nuclear (GEF) promove a troca de GDP por GTP e, portanto, converte Ran-GDP em Ran-GTP. Uma vez que a Ran-GAP está localizado no citosol e Ran-GEF está localizado no núcleo onde está ancorado à cromatina, o citosol contém principalmente Ran-GDP, e o núcleo contém principalmente Ran-GTP. 4. Transporte transmembrana: Em células de mamíferos, a importação da maioria das proteínas para o RE se inicia antes do término da síntese da cadeia polipeptídica, ou seja, a importação é um processo co- traducional (co-translacional). Ao contrário, a importação de proteínas para as mitocôndrias, núcleo e peroxissomos é um processo pós-traduçional (pós-translacional) (Figura 5). No processo de transporte co-translacional, o ribossomo que está sintetizando a proteína está ligado diretamente a membrana do RE, permitindo que uma extremidade da proteína seja translocada para o RE, enquanto o resto da cadeia polipeptídica está sendo sintetizada (Figura 5). Como vimos, estes ribossomos revestem a superfície do RE, criando regiões denominadas de RE rugoso. Regiões do RE que não possuem ribossomos ligados a sua superfície são denominados de RE liso. À partir do RE liso brotam vesículas contendo proteínas e lipídios recém-sintetizados que são transportadas em direção ao aparelho de Golgi. Em certas células especializadas, o RE liso é abundante e tem funções adicionais. Em células que se especializam no metabolismo de lipídios, como células que sintetizam hormônios esteróides a partir do colesterol; o RE liso é expandido e acomoda as enzimas que modificam o colesterol para formar os 10 hormônios esteróides. O hepatócito também possui uma quantidade substancial de RE liso, o principal local de produção de partículas de lipoproteína, que transportam lipídios pela corrente sanguínea para outras partes do corpo. Outra função importante do RE na maioria das células eucarióticas é o sequestro de Ca2 + do citosol. A liberação de Ca2 + no citosol e a sua recaptação pelo RE ocorre em muitas respostas rápidas a sinais extracelulares. Em alguns tipos de células, regiões específicas do RE são especializadas para armazenamento de Ca2 +. As células musculares, por exemplo, apresentam RE abundante, chamado de retículo sarcoplasmático. A liberação e recaptação de Ca2 + pelo retículo sarcoplasmático desencadeia a contração e o relaxamento das miofibrilas, respectivamente, durante cada rodada de contração muscular. Como dito anteriormente, o RE captura proteínas do citosol à medida que estas são sintetizadas. Essas proteínas são classificadas em dois tipos: proteínas transmembrana, que são apenas parcialmente translocadas através da membrana do RE, ficando embutidas na membrana e, protéinas solúveis, que são totalmente translocadas através da membrana do RE e são liberadas no lúmen do RE. Algumas das proteínas transmembrana ficam alocadas no RE, mas muitas são destinadas a residir na membrana plasmática ou na membrana de outra organela. As proteínas solúveis em água são destinadas à secreção ou residem no lúmen do RE ou de outra organela. Todas essas proteínas, independente de seu destino, são direcionadas para a membrana RE por uma sequência sinal, que inicia sua translocação por um mecanismo comum. A sequência sinal é guiada para a membrana RE por pelo menos dois componentes: uma partícula de reconhecimento de sinal (SRP), que circula entre a membrana do RE e o citosol. Essa SRP se liga à sequência de sinal e a um receptor SRP na membrana do RE. O SRP é uma estrutura em forma de bastão, que envolve a subunidade ribossômica, com uma extremidade se ligando à sequência sinal do RE, conforme ela emerge do ribossomo como parte da cadeia polipeptídica recém-sintetizada; a outra extremidade bloqueia o alongamento da cadeia polipeptídica, interrompendo a síntese da proteína. essa pausa é transitória e, presume-se que seja necessária para dar tempo suficiente ao ribossomo para se ligarà membrana do RE antes da conclusão da cadeia polipeptídica, garantindo assim que a proteína não seja liberada no citosol. Este bloqueio atua como um dispositivo de segurança especialmente importante para hidrolases secretadas e lisossomais, que podem causar estragos no citosol. Essa pausa também garante que grandes porções de uma proteína que poderiam se dobrar em uma estrutura compacta não são feitas antes de chegar ao translocador na membrana do RE. Quando uma sequência de sinal se liga, a SRP expõe um sítio de ligação para o receptor SRP, que é um complexo de proteínas transmembrana presentes na membrana do RE rugoso. A ligação da SRP ao seu receptor traz o complexo SRP-ribossomo para um translocador de proteína desocupado na mesma membrana. A SRP e o receptor SRP são então liberados, e o translocador transfere a cadeia polipeptídica em crescimento através da membrana (Figura 5). Este processo de transferência co-translacional cria duas populações espacialmente separadas de ribossomos no citosol: 11 • Os ribossomos ligados ao lado citosólico da membrana do RE estão envolvidos na síntese de proteínas que são simultaneamente translocadas para o RE. • Ribossomos livres, não estão ligados a qualquer membrana, sintetizam todas as outras proteínas codificadas pelo genoma nuclear. Estruturalmente e funcionalmente, os ribossomos livres e os ligados à membrana são idênticos. Eles diferem apenas nas proteínas que estão produzindo em um determinado momento. Muitos ribossomos podem se ligar a uma única molécula de mRNA, formando um polirribossomo. Se o mRNA codifica uma proteína com uma sequência sinal do RE, o polirribossomo torna-se ligado à membrana do RE, dirigindo-se até lá guiado pela sequência de sinal da cadeia polipeptídica em crescimento. Os ribossomos individuais associados a tal molécula de mRNA podem retornar ao citosol quando eles terminam a tradução e se misturam ao pool de ribossomos livres. Figura 5: Translocação pós translacional e co-translacional. Adaptado de: http://mol- biol4masters.masters.grkraj.org/html/Co_and_Post_Translational_Events3- eukaryotic_System_files/image011.jpg Embora já tenhamos dito aqui que o tráfego de proteínas para o RE é um processo co- translacional, algumas proteínas completamente sintetizadas são importadas para o RE, demonstrando que a translocação nem sempre requer tradução contínua. Nesse caso, o translocador do RE precisa de proteínas acessórias que auxiliam na passagem da cadeia polipeptídica pelo translocador e translocam a unidade. Essas proteínas abrangem a membrana do RE e usam um pequeno domínio no lado luminal da membrana do RE para depositar uma proteína chaperona semelhante a hsp70, chamada de BiP (proteína de ligação), na cadeia polipeptídica à medida que emerge do poro no lúmen do RE. Isso ocorre de maneira dependente de ATP e, em seguida, ocorre a liberação de BiP (Figura 6). As proteínas que são transportadas para o RE através de um mecanismo pós translacional são liberadas pela primeira vez no citosol, onde se ligam às proteínas chaperonas para prevenir seu dobramento. 12 Figura 6: Caminhos pelos quais ocorre a translocação de proteínas para o lúmen do RE, através de translocadores semelhantes. À esquerda, o processo co-translacional e, à direita, o processo pós translacional. Adaptado de: Alberts et al., 2002. Molecular Biology of the cell. Garland Science, New York. 4th edition. Ao longo do processo de translocação de proteínas para o RE, a sequência sinal na cadeia polipeptídica em crescimento desencadeia a abertura do poro no translocador: depois que a sequência sinal é liberada do SRP e a cadeia em crescimento atingiu um comprimento suficiente, a sequência sinal se liga a um local específico dentro do próprio poro, promovendo a sua abertura. Assim, concluímos que uma sequência sinal é reconhecida duas vezes: primeiro por um SRP no citosol (já descrito anteriormente) e, em seguida, por um sítio de ligação no poro do translocador de proteína, onde serve como um sinal de início de transferência (ou peptídeo de início de transferência), abrindo o poro para o início da transferência. Após a passagem da cadeia polipeptídica, uma peptidase sinal cliva a sequência sinal, liberando-a do poro para a membrana, onde será rapidamente degradada a aminoácidos por proteases presentes na membrana do RE. (Figura 7). Figura 7: Transporte de proteínas solúveis para o RE. A sequência sinal se liga a partícula de reconhecimento de sinal (SRP, não mostrada na figura) O translocador abre o poro permitindo a entrada da proteína. A peptidase sinal cliva a sequência sinal, liberando a cadeia polipeptídica para o lúmen do RE. O peptídeo sinal (hidrofóbico) difunde-se lateralmente na bicamada lipídica, onde será degradado por proteases (os ribossomos foram omitidos para maior clareza). Adaptado de: Alberts et al., 2002. Molecular Biology of the cell. Garland Science, New York. 4th edition. 13 Os outros modos de inserção de proteínas de membrana são variações da sequência de eventos descrita acima. No caso de proteínas transmembrana de passagem única, uma sequência - sinal N-terminal inicia a translocação, assim como na proteína solúvel, no entanto, um segmento hidrofóbico adicional na cadeia polipeptídica interrompe o processo de transferência antes que toda a proteína seja translocada. Este sinal de parada de transferência ancora a proteína na membrana. Em seguida, a sequência - sinal (o sinal de início de transferência) é clivada e o translocador é liberado (Figura 8). A proteína fica assim inserida na bicamada como uma única α-hélice que atravessa a membrana, com a porção N terminal N voltada para o lúmen e a porção C terminal voltada para o lado citosólico. Em outros casos, a sequência - sinal é interna, em vez de localizada na porção N terminal. As sequências de início de transferência internas podem se atravessar o translocador em qualquer uma das duas orientações; isso, por sua vez, determina qual segmento de proteína é movido através da membrana no lúmen do RE. Em um caso, a proteína de membrana resultante tem seu C-terminal no lado luminal, enquanto no outro, tem seu N-terminal no lado luminal. Figura 8: Proteína transmembrana de única passagem. O processo de translocação co- translacional é iniciado pela sequência-sinal que funciona como um sinal de início de transferência, abrindo o translocador. Além deste sinal de início de transferência, a proteína também apresenta um sinal de parada de transferência. Quando esta sequência entra no translocador, o mesmo se abre e descarrega a proteína lateralmente na bicamada lipídica, onde a sequência de parada de transferência permanece para ancorar a proteína na membrana (os ribossomos foram omitidos para maior clareza). Adaptado de: Alberts et al., 2002. Molecular Biology of the cell. Garland Science, New York. 4th edition. Em proteínas transmembrana de múltiplas passagens, a cadeia polipeptídica vai e volta repetidamente através da bicamada lipídica como α hélices . Uma sequência sinal interna serve como o sinal de início de transferência nestas proteínas para iniciar ao processo de translocação através do translocador. Uma sequência de parada de transferência interrompe o processo, liberando a cadeia polipeptídica na bicamada (Figura 9). 14 Figura 9: Proteína transmembrana de múltiplas passagens. A sequência - sinal interna atua como um sinal de início de transferência , iniciando a transferência da proteína. O sinal de parada de transferência entra no translocador, o qual descarrega a proteína lateralmente na membrana (os ribossomos foram omitidos para maior clareza). Adaptado de: Alberts et al., 2002. Molecular Biology of the cell. Garland Science, New York. 4th edition. A maioria das proteínas sintetizadas no RE rugoso são glicosiladaspela adição de um N- oligossacarídeo. A adição covalente de oligossacarídeos às proteínas é uma das funções do RE. Cerca da metade das proteínas solúveis e ligadas à membrana que são processadas no RE, incluindo aquelas destinadas ao transporte para o aparelho de Golgi, lisossomos, membrana plasmática ou espaço extracelular, são glicoproteínas modificadas desta forma. Muitas proteínas no citosol e no núcleo também são glicosilados, mas não com oligossacarídeos: elas carregam uma modificação de açúcar mais simples, em que um único grupamento N-acetilglicosamina é adicionado a uma serina ou treonina da proteína. Mesmo com toda a ajuda das chaperonas, muitas proteínas translocadas para o RE não conseguem alcançar seu estado oligomérico (tridimensional). Essas proteínas mal formadas são exportadas do RE de volta para o citosol, onde são degradadas em proteassomas. Esse mecanismo de retrotranslocação depende de chaperonas, que são necessárias para manter a cadeia polipeptídica em um estado desdobrado antes e durante a translocação. Uma fonte de energia também é necessária para direcionar o transporte e "puxar" a proteína para o citosol. Essa energia é derivada da hidrólise do ATP por uma ATPase hexomérica Finalmente, um translocador é necessário para levar essa proteína de volta ao citosol. A medida que emergem do citosol, as proteínas mal formadas são marcadas (ubiquitinadas) para serem destruídas nos proteassomas (Figura 10). As células monitoram cuidadosamente a quantidade de proteínas mal dobradas em vários compartimentos. Um acúmulo de proteínas mal dobradas no citosol, por exemplo, aciona uma resposta que estimula a transcrição de genes que codificam chaperonas citosólicas que ajudam a redobrar as proteínas. Similarmente, um acúmulo de proteínas mal dobradas no RE aciona uma resposta, que inclui um aumento da transcrição de genes que codificam proteínas envolvidas na retrotranslocação e degradação de proteínas no citosol, conforme descrito. 15 Figura 10: Exportação e degradação de proteínas mal formadas no RE. Proteínas solúveis mal formadas no lúmen do RE são reconhecidas por chaperonas e direcionados para um complexo translocador na membrana do RE, sendo exportadas para o citosol onde são ubiquitinadas e degradadas nos proteassomas. Proteínas mal formadas na membrana do RE seguem um caminho semelhante, mas utilizam um translocador diferente. Adaptado de: Alberts et al., 2002. Molecular Biology of the cell. Garland Science, New York. 4th edition. A membrana RE é o local de síntese de quase todas as principais classes de lipídeos da célula, incluindo fosfolipídios e colesterol, necessários para a produção de novas membranas celulares. O principal fosfolipídio produzido na membrana do RE é a fosfatidilcolina, que pode ser formado em três etapas a partir de colina, dois ácidos graxos e glicerol fosfato. Cada etapa é catalisada por enzimas na membrana do RE, que têm seus sítios ativos voltados para o citosol, onde todos os metabólitos são encontrados. Assim, a síntese de fosfolipídios ocorre exclusivamente do lado citosólico da membrana do RE. Como os ácidos graxos não são solúveis em água, eles são conduzidos da membrana do RE ligados a proteínas no citosol. Questões dirigidas: 1. Qual é o destino de uma proteína sem sinal de endereçamento? 2. O RE rugoso é o local de síntese de muitas classes de proteínas de membrana. Algumas dessas proteínas permanecem no RE, enquanto outras são transportadas para compartimentos como o aparelho de Golgi, os lisossomos e a membrana plasmática. Descreva o mecanismo de transporte cotranslacional de uma proteína para o lúmen do retículo endoplasmático. 3. Explique como proteínas transmembrana unipasso e multipasso ficam alojadas na membrana do retículo endoplasmático rugoso. 4. Com base no esquema abaixo, responda qual o tipo de transporte e de que maneira ele ocorre? 16 5. Qual o papel da Ran GTPase no processo de tráfego intracelular de proteínas? 6. O que são BiPs e qual o seu papel no tráfego intracelular de proteínas. 7. O sistema ubiquitina-proteassoma é o sistema proteolítico mais recentemente descoberto, sendo dependente de ATP. A vasta maioria das proteínas celulares é degradada através deste sistema Este processo proteolítico envolve a participação de um complexo enzimático denominado proteassoma formado por 2 subunidades regulatórias e uma subunidade catalítica (20S). Descreva o processo de retranslocação de proteínas mal formadas do RE.