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CAPÍTULO 12 Compartimentos intracelulares e endereçamento de proteínas 665 nais podem, portanto, ser resultado de evolução convergente, refletindo as necessidades comuns para a translocação pelo sistema de membrana dupla. Embora as sequências-sinal para a importação em cloroplastos assemelhem-se su- perficialmente àquelas para a importação em mitocôndrias, tanto as mitocôndrias como os cloroplastos estão presentes nas mesmas células vegetais e, assim, as proteínas devem escolher entre as duas organelas de maneira apropriada. Em plantas, por exemplo, uma enzima bacteriana pode ser direcionada especificamente para mitocôndrias se ela for ligada, de forma experimental, a uma sequência-sinal N-terminal de uma proteína mito- condrial; a mesma enzima, unida a uma sequência-sinal N-terminal de uma proteína de cloroplasto, acumula-se em cloroplastos. As diferentes sequências-sinal podem, portan- to, ser distinguidas pelos receptores de importação em cada organela. Os cloroplastos apresentam um compartimento extra envolto por membranas, o tilacoide. Muitas proteínas de cloroplastos, incluindo as subunidades proteicas do sistema fotossintético e da ATP-sintase (discutido no Capítulo 14), são localizadas na membrana tilacoide. Assim como os precursores de algumas proteínas mitocondriais, os precursores dessas proteínas são translocados do citosol para o seu destino final em duas etapas. Primeiro, eles atravessam a dupla membrana para o espaço da matriz (cha- mado de estroma nos cloroplastos), e então eles ou integram a membrana tilacoide ou translocam-se para o espaço tilacoide (Figura 12-26A). Os precursores dessas proteínas possuem uma sequência-sinal tilacoide hidrofóbica seguindo a sequência-sinal N-ter- minal do cloroplasto. Após a sequência-sinal N-terminal ter sido utilizada para importar a proteína no estroma, ela é removida por uma peptidase-sinal do estroma, expondo a sequência-sinal tilacoide que inicia, então, o transporte através da membrana tilacoide. Existem pelo menos quatro vias por meio das quais as proteínas atravessam ou tornam- Figura 12-26 Translocação de uma proteína precursora no espaço tila- coide de cloroplastos. (A) A proteína precursora contém uma sequência-sinal do cloroplasto N-terminal (vermelho) imedia- tamente seguida de uma sequência-sinal tilacoide (marrom). A sequência-sinal do cloroplasto inicia a translocação no estro- ma por um mecanismo semelhante àquele usado por proteínas precursoras mitocon- driais de translocação no espaço da ma- triz, embora os complexos translocadores, TOC e TIC, sejam diferentes. A sequência- -sinal é clivada, expondo a sequência-sinal tilacoide, que inicia a translocação através da membrana tilacoide. (B) A translocação para o espaço tilacoide, ou membrana tilacoide, pode ocorrer por uma de pelo menos quatro vias: (1) uma via Sec, assim chamada porque utiliza componentes que são homólogos de proteínas Sec, que me- deiam a translocação de proteínas através da membrana plasmática bacteriana (dis- cutido adiante), (2) uma via tipo SRP, assim denominada porque usa uma partícula de reconhecimento de sinal homóloga de cloroplasto, ou SRP (discutido adiante), (3) uma via TAT (translocação de duas argininas, de twin arginine translocation), assim chamada porque duas argininas são cruciais nas sequências-sinal que dirigem proteínas nessa via, a qual depende de um gradiente de H+ através da membrana tilacoide, e (4) uma via de inserção es- pontânea, que parece não necessitar de translocador de proteínas. CITOSOL ESTROMA TRANSLOCAÇÃO GTP- OU ATP- -DEPENDENTE NO ESTROMA Sequência-sinal tilacoide exposta QUATRO VIAS PARA TRANSLOCAR PROTEÍNAS NO ESPAÇO TILACOIDE Membrana tilacoide Proteína madura no espaço tilacoide Membrana externa do cloroplastoComplexo TOC Complexo TIC Membrana interna do cloroplasto Proteína tilacoide precursora Sequência- -sinal tilacoide Sequência- -sinal do cloroplasto Proteína receptora no complexo TOC (A) (B) 1 2 43Membrana tilacoide Espaço tilacoide Necessidade energética ATP + gradiente eletroquímico de H+ ATP + gradiente eletroquímico de H+ Gradiente eletroquímico de H+ Nenhuma Via Sec Via tipo SRP Via TAT Inserção espontânea CLIVAGEM DA SEQUÊNCIA- -SINAL DO CLOROPLASTO TILACOIDE TILACOIDE ESTROMA 666 PARTE IV Organização interna da célula -se integradas na membrana tilacoide, diferenciadas pelas suas necessidades por dife- rentes chaperonas do estroma ou pela fonte de energia usada (Figura 12-26B). Resumo Embora as mitocôndrias e os cloroplastos tenham seus próprios sistemas genéticos, eles pro- duzem apenas uma pequena porção de suas proteínas. As duas organelas importam do ci- tosol a maioria das suas proteínas utilizando mecanismos semelhantes. Em ambos os casos, as proteínas são importadas no estado desenovelado tanto através da membrana externa quanto da membrana interna simultaneamente para o espaço da matriz ou estroma. A hi- drólise de ATP e um potencial de membrana através da membrana interna dirigem a trans- locação para a mitocôndria, enquanto a translocação em cloroplastos é dirigida somente pela hidrólise de GTP e de ATP. As proteínas chaperonas da família hsp70 citosólica mantêm as proteínas precursoras em um estado desenovelado, e um segundo conjunto de proteínas hsp70 no espaço da matriz ou no estroma puxa a cadeia polipeptídica importada para a organela. Apenas as proteínas que contêm uma sequência-sinal específica são translocadas. A sequência-sinal em geral está localizada na região N-terminal e é clivada depois de ser importada ou internalizada e retida. Os transportes para a membrana interna algumas vezes usam uma segunda sequência-sinal hidrofóbica que é exposta quando a primeira se- quência-sinal é removida. Em cloroplastos, a importação do estroma para o tilacoide pode ocorrer por várias vias, que diferem pelas chaperonas e pela fonte de energia usadas. PEROXISSOMOS Os peroxissomos diferem das mitocôndrias e dos cloroplastos em muitos aspectos. Mais notavelmente, eles são envolvidos por uma única membrana e não possuem DNA ou ribossomos. Assim, por não serem dotados de genoma, todas as suas proteínas são co- dificadas no núcleo. Os peroxissomos obtêm muitas das suas proteínas por importação seletiva do citosol, embora algumas delas entrem na membrana dos peroxissomos por meio do RE. Uma vez que não discutiremos os peroxissomos em outro local, consideraremos algumas das funções dessa família distinta de organelas antes de discutir sua biossíntese. Quase todas as células eucarióticas possuem peroxissomos. Eles contêm enzimas oxida- tivas, como catalase e urato oxidase, em concentrações tão elevadas que, em algumas cé- lulas, os peroxissomos salientam-se em micrografias eletrônicas por causa da presença de um núcleo cristaloide (Figura 12-27). Assim como as mitocôndrias, os peroxissomos são os principais sítios de utilização de oxigênio. Uma hipótese é que os peroxissomos sejam um vestígio de uma organela ancestral que realizava todo o metabolismo de oxigênio nos ancestrais primitivos das cé- lulas eucarióticas. Quando o oxigênio produzido pelas bactérias fotossintéticas começou a se acumular na atmosfera, ele pode ter sido fortemente tóxico à maioria das células. Os peroxissomos podem ter servido para reduzir a concentração de oxigênio intracelular, enquanto também usavam sua reatividade química para fazer reações oxidativas úteis. De acordo com esse ponto de vista, o desenvolvimento posterior das mitocôndrias tornou os peroxissomos bastante obsoletos, porque muitas das mesmas reações – as quais foram inicialmente conduzidas nos peroxissomos sem produção de energia – foram agora aco- pladas com a formação de ATP, por meio da fosforilação oxidativa. As reações oxidativas realizadas pelos peroxissomos nas células atuais poderiam parcialmente ser, portanto, aquelas cujas funções importantes não foram incorporadas pelas mitocôndrias. Os peroxissomos utilizam oxigêniomolecular e peróxido de hidrogênio para realizar reações oxidativas Os peroxissomos são assim denominados porque costumam conter uma ou mais enzi- mas que empregam oxigênio molecular para remover átomos de hidrogênio de substra- tos orgânicos específicos (designados aqui como R) em uma reação oxidativa que produz peróxido de hidrogênio (H2O2): RH2 + O2 n R + H2O2 NÚCLEO PEROXISSOMOS MITOCÔNDRIAS PLASTÍDIOS RETÍCULO ENDOPLASMÁTICO EXTERIOR DA CÉLULA GOLGI ENDOSSOMO TARDIO LISOSSOMO ENDOSSOMO PRIMÁRIO VESÍCULAS SECRETORAS CITOSOL CAPÍTULO 12 Compartimentos intracelulares e endereçamento de proteínas 667 A catalase utiliza o H2O2 gerado por outras enzimas na organela para oxidar uma variedade de outros substratos – incluindo ácido fórmico, formaldeído e álcool – pela reação “peroxidativa”: H2O2 + R´H2 → R´ + 2H2O. Esse tipo de reação oxidativa é particu- larmente importante nas células do fígado e do rim, nas quais os peroxissomos destoxifi- cam várias moléculas tóxicas que entram na corrente sanguínea. Cerca de 25% do etanol que bebemos é oxidado a acetaldeído dessa forma. Além disso, quando um excesso de H2O2 acumula-se na célula, a catalase o converte em H2O por meio da reação: 2H2O2 → 2H2O + O2 A principal função das reações oxidativas realizadas nos peroxissomos é a quebra de moléculas de ácido graxo. O processo denominado b-oxidação encurta as cadeias alquil dos ácidos graxos sequencialmente em blocos de dois átomos de carbono por vez, convertendo assim os ácidos graxos em acetil-CoA (acetil-coenzima A). Os peroxisso- mos exportam então acetil-CoA ao citosol para utilizá-la em reações biossintéticas. Nas células de mamíferos, a b-oxidação ocorre nas mitocôndrias e nos peroxissomos; em leveduras e nas células vegetais, entretanto, essa reação essencial ocorre exclusivamente nos peroxissomos. Uma função biossintética essencial dos peroxissomos animais é catalisar as pri- meiras reações na formação de plasmalogênios, que são a classe mais abundante de fos- folipídeos na mielina (Figura 12-28). A deficiência de plasmalogênios causa anomalias profundas na mielinização dos axônios das células nervosas, sendo essa uma das razões por que muitos distúrbios peroxissômicos levam a doenças neurológicas. Os peroxissomos são organelas de grande diversidade e, mesmo em vários tipos celulares de um único organismo, podem conter diferentes conjuntos de enzimas. Eles também podem adaptar-se de forma notável a mudanças de condições. As células de levedura crescidas em açúcar, por exemplo, têm poucos peroxissomos pequenos. Mas, quando algumas leveduras são crescidas em metanol, numerosos e grandes peroxis- somos são formados para oxidar o metanol; e quando crescem em ácidos graxos, elas desenvolvem numerosos e grandes peroxissomos que quebram os ácidos graxos em acetil-CoA pela b-oxidação. Os peroxissomos são importantes também em plantas. Dois tipos de peroxissomos de plantas têm sido bastante estudados. Um tipo está presente nas folhas, onde partici- pa na fotorrespiração (discutida no Capítulo 14) (Figura 12-29A). O outro tipo de pero- xissomo está presente em sementes em germinação, nas quais ele converte os ácidos graxos armazenados nas sementes oleaginosas em açúcares necessários ao crescimento da planta jovem. Pelo fato de essa conversão de gorduras em açúcares ser realizada por uma série de reações conhecidas como o ciclo glioxilato, esses peroxissomos também são chamados de glioxissomos (Figura 12-29B). No ciclo glioxilato, duas moléculas de acetil-CoA produzidas por quebra do ácido graxo no peroxissomo são utilizadas para a síntese de ácido succínico, que é liberado do peroxissomo e convertido em glicose no citosol. O ciclo glioxilato não ocorre em células animais; portanto os animais são incapa- zes de converter ácidos graxos de gorduras em carboidratos. Uma sequência-sinal curta direciona a importação de proteínas aos peroxissomos Uma sequência específica de três aminoácidos (Ser-Lys-Leu) localizados na região C-terminal de muitas proteínas dos peroxissomos atua como um sinal de importação (ver Tabela 12-3, p. 648). Outras proteínas peroxissômicas contêm uma sequência-sinal próxima à região N-terminal. Se uma dessas sequências está ligada a uma proteína ci- tosólica, a proteína é importada para peroxissomos. Os sinais de importação são pri- meiro reconhecidos pelos receptores solúveis de proteínas no citosol. Várias proteínas distintas, chamadas de peroxinas, participam no processo de importação, que é movido por hidrólise de ATP. Um complexo de pelo menos seis diferentes peroxinas forma uma proteína translocadora na membrana do peroxissomo. Mesmo proteínas oligoméricas não precisam ser desdobradas para que sejam importadas. Acredita-se que o poro for- mado pelo transportador seja dinâmico em suas dimensões, adaptando seu tamanho às moléculas-carga a serem transportadas, permitindo a passagem de cada molécula- 200 nm Figura 12-27 Micrografia eletrônica de três peroxissomos em uma célula de fígado de rato. As inclusões paracristalinas eletrodensas são compostas principalmente da enzima urato oxidase. (Cortesia de Daniel S. Friend.) CH2 CH2 NH3 CH2 CH2 CH CH (CH2)n CH3 (CH2)n CH3 CH CH2 O OO O O O O P C + Figura 12-28 Estrutura de um plasmalo- gênio. Os plasmalogênios são bastante abun- dantes nas bainhas de mielina que envolvem os axônios das células nervosas. Eles correspon- dem a cerca de 80 a 90% dos fosfolipídeos da membrana de mielina. Além de uma cabeça de etanolamina e um ácido graxo de cadeia longa ligado à mesma cadeia principal de glicerol fosfato utilizado para fosfolipídeos, os plasmalogênios contêm um álcool graxo pouco comum que está ligado por uma ligação éter (parte inferior à esquerda). 668 PARTE IV Organização interna da célula -carga compactamente dobrada. A esse respeito, o mecanismo difere daquele usado em mitocôndrias e cloroplastos. Um receptor de importação solúvel, a peroxina Pex5, reco- nhece o sinal de importação C-terminal peroxissômico. Ela acompanha sua carga até o interior dos peroxissomos e, após a liberação da carga, retorna ao citosol. Após a entrega de sua carga para o lúmen do peroxissomo, Pex5 sofre ubiquitinação. Essa modificação é necessária para liberar Pex5 no citosol novamente, onde a ubiquitina é removida. Uma ATPase composta de Pex1 e Pex6 aproveita a energia da hidrólise do ATP para ajudar na liberação de Pex5 dos peroxissomos. A importância dos peroxissomos e desse processo de importação está demons- trada na síndrome de Zellweger, uma doença humana hereditária na qual um defeito na importação de proteínas para os peroxissomos leva a uma deficiência peroxissômica grave. Esses indivíduos, cujas células contêm peroxissomos “vazios”, apresentam graves anomalias no cérebro, no fígado e nos rins, e morrem logo após o nascimento. Uma mu- tação no gene que codifica a peroxina Pex5 causa uma forma dessa doença. Uma doença peroxissômica hereditária moderada é causada por um defeito no Pex7, receptor defec- tivo para o sinal N-terminal de importação. Há muito se discute se novos peroxissomos originam-se de outros preexisten- tes por crescimento e fissão da organela – como mencionado antes para mitocôndria e plastídios – ou derivam-se como um compartimento especializado do RE. Aspectos de ambos os pontos de vista são verdadeiros (Figura 12-30). Muitas das proteínas de (A) Vacúolo Peroxissomo Mitocôndria Cloroplastos 1 �m (B) Gota lipídica Glioxissomos 1 �m Figura 12-29 Micrografias eletrônicas de dois tipos de peroxissomos encontrados em células vegetais. (A) Um peroxissomo com um núcleo paracrista- lino em uma célula do mesófilo de folha de tabaco. Sua próxima associação com cloroplastos parece facilitar a troca de materiais entre essas organelas durante a fotorrespiração. O vacúolo em células de plantas é equivalente ao lisossomo em células animais. (B) Peroxissomos em uma célula cotiledonar armazenadora de gordura de semente de tomate,quatro dias após a germinação. Aqui, os peroxissomos (glioxissomos) estão associados a gotas lipídicas que armazenam gor- dura, refletindo seu papel central na mobilização de gorduras e na gliconeogênese durante a germinação de sementes. (A, de S.E. Frederick e E.H. Newcomb, J. Cell Biol. 43:343–353, 1969. Com permissão de The Rockefeller Press; B, de W.P. Wergin, P.J. Gruber e E.H. Newcomb, J. Ultrastruct. Res. 30:533–557, 1970. Com permissão de Academic Press.) Figura 12-30 Um modelo explica como os peroxissomos proliferam e como um novo peroxissomo se forma. Vesí- culas precursoras peroxissômicas brotam do RE. Ao menos duas proteínas de membrana peroxissômicas, Pex3 e Pex15, seguem essa via. A maquinaria que dirige a reação de brotamento e que seleciona apenas proteínas peroxissômicas para o empacotamento nessas vesículas depende de Pex19 e outras proteínas citosólicas ainda desconhecidas. Vesículas precursoras de peroxissômicas podem então fusionar- -se com outras ou com peroxissômicaspre- existentes. A membrana do peroxissomo contém receptores de importação e proteínas translocadoras que são neces- sárias para a importação de proteínas peroxissômicas produzidas nos ribossomos citosólicos, incluindo novas cópias de re- ceptores de importação e componentes de translocação. Provavelmente, os lipídeos necessários ao crescimento também sejam importados, embora alguns possam deri- var-se diretamente do RE na membrana de vesículas precursoras de peroxissomos. Peroxissomos-filhos FISSÃO CRESCIMENTO POR CAPTURA DE PROTEÍNAS PEROXISSÔMICAS ESPECÍFICAS E LIPÍDEOS DO CITOSOL PeroxissomoVesícula precursora peroxissômica Proteínas precursoras peroxissômicas Retículo endoplasmático Proteínas específicas que catalisam a importação de proteínas Pex19 CAPÍTULO 12 Compartimentos intracelulares e endereçamento de proteínas 669 membrana peroxissômicas são feitas no citosol e inseridas na membrana de peroxisso- mos preexistentes, enquanto outras são primeiro integradas na membrana do RE, onde são empacotadas em vesículas precursoras peroxissômicas especializadas. Novas vesí- culas precursoras podem então se fundir umas com as outras e começar a importação de proteínas peroxissômicas adicionais, usando sua própria maquinaria de importação de proteínas para tornarem-se peroxissomos maduros, os quais podem sofrer ciclos de crescimento e fissão. Resumo Os peroxissomos são especializados em promover reações de oxidação usando oxigênio molecular. Eles geram peróxido de hidrogênio, que é empregado em reações oxidativas – e contêm catalases para destruir o excesso do mesmo. Assim como as mitocôndrias e os plas- tídios, os peroxissomos são organelas autorreplicativas. Pelo fato de não conterem DNA ou ribossomos, toda sua proteína é codificada no núcleo da célula. Algumas dessas proteínas são repassadas aos peroxissomos via vesículas precursoras peroxissômicas que brotam do RE, mas muitas são sintetizadas no citosol e importadas diretamente. Uma sequência es- pecífica de três aminoácidos próxima à região C-terminal de muitas proteínas funciona como um sinal de importação peroxissômica. O mecanismo de importação de proteínas difere daquele de mitocôndrias e cloroplastos, no qual mesmo proteínas oligoméricas são importadas do citosol sem estarem desenoveladas. RETÍCULO ENDOPLASMÁTICO Todas as células eucarióticas possuem retículo endoplasmático (RE). Sua membrana em geral constitui mais do que a metade da membrana total de uma célula animal (ver Tabela 12-2, p. 643). O RE está organizado em um labirinto de túbulos ramificados e de vesículas achatadas que se estendem através do citosol (Figura 12-31 e Animação 12.4). Os túbulos e sacos são interconectados, e suas membranas são contíguas com a mem- brana nuclear externa; o compartimento que elas encerram, portanto, também é con- tíguo com o espaço entre as membranas nuclear externa e interna. Dessa forma, o RE e as membranas nucleares formam uma folha contínua envolvendo um espaço interno único, chamado de lúmen do RE ou espaço cisternal do RE, que costuma ocupar mais de 10% do volume celular total (ver Tabela 12-1, p. 643). Como mencionado no início deste capítulo, o RE tem um papel central na biossín- tese de lipídeos e proteínas, servindo também como um local de armazenamento intrace- lular de Ca2+, que é usado em muitas respostas de sinalização celular (discutido no Capí- tulo 15). A membrana do RE é o sítio de produção de todas as proteínas transmembrana e lipídeos para a maioria das organelas celulares, incluindo o próprio RE, o aparelho de Golgi, os lisossomos, os endossomos, as vesículas secretoras e a membrana plasmática. A membrana do RE é também o local onde é feita a maioria dos lipídeos para as membranas mitocondriais e peroxissômicas. Além disso, quase todas as proteínas que serão secre- tadas para o exterior celular – acompanhadas daquelas destinadas ao lúmen do RE, ao aparelho de Golgi ou aos lisossomos – são enviadas inicialmente ao lúmen do RE. Figura 12-31 Micrografias fluorescen- tes do retículo endoplasmático. (A) Uma cultura de tecido de células ani- mais foi geneticamente modificada para expressar uma proteína de membrana do RE fusionada a uma proteína fluores- cente. O RE estende-se como uma rede de túbulos e folhas ao longo de todo o citosol, de modo que todas as regiões do citosol estão próximas a algumas porções da membrana do RE. A membrana nuclear externa, que é contínua com o RE, tam- bém é corada. (B) Parte de uma rede do RE em uma célula vegetal viva geneticamente modificada para expressar uma proteína fluorescente no RE. (A, cortesia de Patrick Chitwood e Gia Voeltz; B, cortesia de Petra Boevink e Chris Hawes.) (A) 2 �m (B) 10 �m Túbulos do RE Folhas do RE Membrana nuclear externa NÚCLEO PEROXISSOMOS MITOCÔNDRIAS PLASTÍDIOS RETÍCULO ENDOPLASMÁTICO EXTERIOR DA CÉLULA GOLGI ENDOSSOMO TARDIO LISOSSOMO ENDOSSOMO PRIMÁRIO VESÍCULAS SECRETORAS CITOSOL 670 PARTE IV Organização interna da célula O RE é estrutural e funcionalmente diverso Enquanto as várias funções do RE são essenciais para cada célula, suas importâncias re- lativas variam muito entre tipos celulares individuais. Para satisfazer demandas funcio- nais diferentes, regiões distintas de RE tornam-se altamente especializadas. Observamos tal especialização funcional como mudanças dramáticas na estrutura do RE, e diferentes tipos celulares podem, portanto, possuir caracteristicamente diversos tipos de membra- na do RE. Uma das especializações mais notáveis é o RE rugoso. As células de mamíferos começam a importação de proteínas para o RE antes da síntese completa da cadeia polipeptídica – isto é, a importação é um processo cotra- ducional (Figura 12-32A). Ao contrário, a importação de proteínas nas mitocôndrias, nos cloroplastos, no núcleo e nos peroxissomos é um processo pós-traducional (Figura 12-32B). No transporte cotraducional, o ribossomo que está sintetizando a proteína está diretamente aderido à membrana do RE, permitindo que uma ponta da proteína seja translocada para o RE enquanto o restante da cadeia polipeptídica está sendo sintetiza- do. Esses ribossomos ligados à membrana cobrem a superfície do RE, criando regiões chamadas retículo endoplasmático rugoso, ou RE rugoso; regiões do RE sem ribosso- mos ligados são chamadas de retículo endoplasmático liso, ou RE liso (Figura 12-33). A grande maioria das células possui regiões limitadas de RE liso, e o RE é, com frequência, parcialmente liso e parcialmente rugoso. Áreas de RE liso a partir das quais vesículas carregando proteínas recém-sintetizadas e lipídeos se desprendem para trans- porte até o aparelho de Golgi são chamadas de RE transicional. Em certas células especia- lizadas, o RE liso é abundante e tem funções adicionais. Ele é proeminente, por exemplo, em células que se especializam no metabolismo de lipídeos, como células que sintetizam hormônios esteroides a partir do colesterol; o RE liso expandidoacomoda as enzimas que fazem o colesterol e o modificam a fim de formar os hormônios (ver Figura 12-33B). Principal tipo celular no fígado, o hepatócito também possui uma quantidade sig- nificativa de RE liso. Ele é o principal sítio de produção de partículas de lipoproteína, que carregam lipídeos a outras partes do corpo via corrente sanguínea. As enzimas que sinte- tizam os componentes lipídicos das lipoproteínas estão localizadas na membrana do RE liso, a qual também contém enzimas que catalisam uma série de reações para destoxifi- car substâncias lipossolúveis e vários compostos danosos produzidos pelo metabolismo. As reações de destoxificação mais extensamente estudadas são realizadas pela família de enzimas citocromo P450, que catalisam uma série de reações nas quais substâncias inso- lúveis em água ou metabólitos que, de outra forma, poderiam ser acumulados em níveis tóxicos nas membranas celulares são transformados em solúveis em água o suficiente para deixarem a célula e serem excretados na urina. Uma vez que o RE rugoso sozinho não pode conter quantidades suficientes dessas e de outras enzimas necessárias, uma grande porção de membrana em um hepatócito normalmente consiste em RE liso (ver Tabela 12-2). Outra função crucial do RE na maioria das células eucarióticas é sequestrar Ca2+ do citosol. A liberação de Ca2+ do RE para o citosol e sua subsequente recaptação estão envolvidas em muitas respostas rápidas a sinais extracelulares, como discutido no Ca- Figura 12-32 Translocação cotraducio- nal e pós-traducional de proteínas. (A) Os ribossomos ligam-se à membrana do RE durante a translocação cotraducional. (B) Ao contrário, os ribossomos citosólicos completam a síntese de proteínas e as liberam antes da translocação pós-tradu- cional. Em ambos os casos, a proteína é direcionada para o RE por uma sequência- -sinal (vermelho e laranja). 5� 5�3� 3� TRANSLOCAÇÃO COTRADUCIONAL TRANSLOCAÇÃO PÓS-TRADUCIONAL(A) (B) Cadeia polipeptídica crescente mRNA Ribossomo ligado ao RE Ribossomo livre RERE CAPÍTULO 12 Compartimentos intracelulares e endereçamento de proteínas 671 pítulo 15. Uma bomba de Ca2+ transporta Ca2+ do citosol para o lúmen do RE. O arma- zenamento de Ca2+ no lúmen do RE é facilitado pelas altas concentrações de proteínas que se ligam a Ca2+ lá existentes. Em alguns tipos celulares, e talvez na maioria, regiões específicas do RE são especializadas no armazenamento de Ca2+. As células musculares possuem um abundante RE liso modificado, denominado retículo sarcoplasmático. A li- beração e a recaptação de Ca2+ pelo retículo sarcoplasmático disparam, respectivamente, a contração e o relaxamento das miofibrilas, durante cada ciclo de contração muscular (discutido no Capítulo 16). Para estudar as funções e a bioquímica do RE, é necessário isolar sua membrana. Isso pode parecer uma tarefa inexequível, porque o RE é entremeado de forma intrin- cada com outros componentes do citosol. Felizmente, quando os tecidos ou as células são rompidos por homogeneização, o RE se quebra em fragmentos e recompõe-se na forma de muitas pequenas vesículas (cerca de 100 a 200 nm de diâmetro) denominadas microssomos. Os microssomos são relativamente fáceis de purificar. Para os bioquími- cos, os microssomos representam pequenas versões autênticas do RE, ainda capazes de translocação de proteínas, glicosilação proteica (discutido adiante), captação e liberação de Ca2+, bem como síntese de lipídeos. Os microssomos derivados do RE rugoso são cri- vados de ribossomos e denominados microssomos rugosos. Os ribossomos são sempre Núcleo Membrana nuclear interna Membrana nuclear externa Membrana do RE Membrana do RE (A) 200 nm (B) (D) 200 nm 0,5 �m RE rugoso RE liso Lúmen do RE (C) Figura 12-33 RE rugoso e liso. (A) Uma micrografia eletrônica de um RE rugoso em uma célula pancreática exócrina que produz e secreta diariamente grandes quantidades de enzimas digestivas. O citosol está preenchido com camadas empacotadas de mem- branas de RE que são ornadas com ribossomos. Em cima e à esquerda está mostrada uma porção do núcleo e seu envelope nuclear; note que a membrana nuclear externa, que é contínua com o RE, também está ornada com ribossomos. (B) RE liso abundante em uma célula secretora de hormônio esteroide. Esta micrografia eletrônica é de uma célula de Leydig secretora de testosterona em testículo humano. (C) Uma reconstrução tridimensional de uma região do RE liso e RE rugoso em uma célula de fígado. O RE rugoso forma pilhas orientadas de cisternas achatadas, cada uma possuindo um espaço luminal de 20 a 30 nm. A membrana do RE liso está conectada a estas cisternas e forma uma fina rede de túbulos de 30 a 60 nm de diâmetro. O lúmen do RE é de cor verde. (D) Uma reconstrução tomográfica de uma porção da rede do RE em uma célula de levedura. Ribossomos ligados à membrana (peque- nas esferas pretas) são vistos tanto nas folhas achatadas quanto nas regiões tubulares de diâmetro irregular, demonstrando que os ribossomos se ligam a membranas do RE de diferentes curvaturas nessas células. (A, cortesia de Lelio Orci; B, cortesia de Daniel S. Friend; C, de R.V. Krstić, Ultrastructure of the Mammalian Cell. New York: Springer-Verlag, 1979; D, de M. West et al., J. Cell Biol. 193:333–346, 2011. Com permissão de Rockefeller University Press.) 672 PARTE IV Organização interna da célula encontrados na superfície externa, de tal forma que o interior do microssomo é bioqui- micamente equivalente ao lúmen do RE (Figura 12-34A). Muitas vesículas de tamanho similar ao dos microssomos rugosos, porém des- providas de ribossomos aderidos, também são encontradas nesses homogenados. Tais microssomos lisos são derivados, em parte, de porções lisas do RE e, em parte, de frag- mentos vesiculados da membrana plasmática, do aparelho de Golgi, dos endossomos e das mitocôndrias (a proporção dependendo do tecido). Então, enquanto microssomos rugosos são claramente derivados de porções do RE rugoso, não é fácil separar micros- somos lisos derivados de organelas diferentes. Os microssomos preparados de células do fígado ou de células do músculo são uma exceção. Devido às grandes quantidades pouco comuns de RE liso ou retículo sarcoplasmático, respectivamente, muitos dos microsso- mos lisos nos homogenados desses tecidos são derivados do RE liso ou do retículo sarco- plasmático. Os ribossomos aderidos à membrana tornam os microssomos rugosos mais densos do que os microssomos lisos. Como resultado, os microssomos lisos e rugosos podem ser separados uns dos outros por centrifugação de equilíbrio (Figura 12-34B). Os microssomos têm sido inestimáveis na elucidação de aspectos moleculares da função do RE, como discutiremos a seguir. As sequências-sinal foram descobertas primeiro em proteínas importadas para o RE rugoso O RE captura proteínas selecionadas do citosol assim que elas são sintetizadas. Essas proteínas são de dois tipos: proteínas transmembrana, que são apenas parcialmente translocadas através da membrana do RE e tornam-se “embutidas” na membrana, e proteínas solúveis em água, que são totalmente translocadas através da membrana do RE e liberadas no lúmen do RE. Algumas das proteínas transmembrana funcionam no RE, mas muitas são destinadas à membrana plasmática ou à membrana de outra organela. As proteínas solúveis em água são destinadas tanto à secreção quanto à residência no lúmen do RE ou de outra organela. Todas essas proteínas, apesar do seu subsequente destino, são dirigidas para a membrana do RE por uma sequência-sinal do RE, a qual inicia a sua translocação por um mecanismo comum. As sequências-sinal (e a estratégia de sequência-sinal para endereçamento de proteínas) foram descobertas no início dos anos de 1970 em proteínas secretadas trans- locadas através da membrana do RE como um primeiro passo de sua liberação final da célula. No experimento-chave, o mRNA codificando a proteína secretada foi traduzido por ribossomos in vitro. Quandoos microssomos foram omitidos desse sistema livre de células, a proteína sintetizada foi levemente maior do que a proteína normal secreta- da. Na presença de microssomos derivados do RE rugoso, todavia, foi produzida uma proteína de tamanho correto. De acordo com a hipótese do sinal, a diferença no tamanho reflete a presença inicial de uma sequência-sinal que direciona a proteína secretada à membrana do RE e é, então, clivada por uma peptidase-sinal na membrana do RE antes RE rugoso Homogeneização RE liso Microssomos rugosos e lisos Tubo com gradiente de concentração de sacarose crescente Os microssomos lisos têm baixa densidade e param de sedimentar flutuando em baixas concentrações de sacarose Os microssomos rugosos têm alta densidade e param de sedimentar flutuando em altas concentrações de sacarose Centri- fugação 200 nm (B) (A) Figura 12-34 Isolamento dos micros- somos rugosos e lisos do RE. (A) Uma micrografia eletrônica de secção fina de uma fração purificada do RE rugoso revela abundância de vesículas contendo ribosso- mos. (B) Quando sedimentados por meio de um gradiente de sacarose, os dois tipos de microssomos separam-se um do outro, de acordo com suas diferentes densidades. Note que a fração lisa também irá conter material não derivado do RE. (A, cortesia de George Palade.) CAPÍTULO 12 Compartimentos intracelulares e endereçamento de proteínas 673 que a cadeia polipeptídica tenha sido completada (Figura 12-35). Os sistemas livres de células, nos quais as proteínas são importadas para os microssomos, oferecem procedi- mentos de análise eficazes para identificação, purificação e estudo de vários componen- tes da maquinaria molecular responsável pelos processos de importação do RE. Uma partícula de reconhecimento de sinal (SRP) direciona a sequência-sinal do RE para um receptor específico na membrana do RE rugoso A sequência-sinal do RE é guiada à membrana do RE por, pelo menos, dois componen- tes: uma partícula de reconhecimento de sinal (SRP, signal-recognition particle), que circula entre a membrana do RE e o citosol e liga-se à sequência-sinal, e um receptor SRP na membrana do RE. A SRP é um grande complexo; nas células animais ela consis- te em seis diferentes cadeias polipeptídicas ligadas a uma única pequena molécula de RNA. Enquanto a SRP e seu receptor possuem poucas subunidades em bactérias, homó- logos estão presentes em todas as células, indicando que esse mecanismo de proteína- -alvo surgiu cedo na evolução e tem sido conservado. As sequências-sinal do RE variam na sequência de aminoácidos, mas cada uma possui oito ou mais aminoácidos apolares no seu centro (ver Tabela 12-3, p. 648). Como a SRP pode ligar-se especificamente a tantas sequências diferentes? A resposta veio da estrutura cristalina da proteína SRP, a qual mostra que o sítio de ligação da sequência- -sinal é uma grande cavidade hidrofóbica coberta por metioninas. Devido ao fato de as metioninas possuírem cadeias laterais flexíveis não ramificadas, a cavidade é suficiente- mente plástica para acomodar sequências-sinal hidrofóbicas de diferentes sequências, tamanhos e formas. A SRP é uma estrutura do tipo haste, que envolve a subunidade ribossômica maior com uma ponta ligando a sequência-sinal do RE à medida que emerge do ribossomo como parte da cadeia polipeptídica recém-produzida; a outra ponta bloqueia o sítio de ligação do fator de elongamento na interface entre as subunidades grande e pequena do ribossomo (Figura 12-36). Esse evento provoca uma pausa na síntese proteica tão logo o peptídeo-sinal tenha emergido do ribossomo. A pausa transitória provavelmente dá tempo suficiente ao ribossomo para ligar-se à membrana do RE antes de comple- tar a síntese da cadeia polipeptídica, garantindo, desse modo, que a proteína não seja liberada no citosol. Esse dispositivo de segurança pode ter importância especial para Figura 12-35 A hipótese do sinal. Uma visão simplificada do transporte de proteínas através da membrana do RE, como proposto originalmente. Quando a sequência-sinal do RE emerge dos ribosso- mos, ela direciona os ribossomos para um translocador na membrana do RE, que for- ma um poro na membrana através do qual o polipeptídeo é translocado. A sequência- -sinal é retirada durante a tradução por uma peptidase-sinal, e a proteína madura é liberada para o lúmen do RE imediata- mente após ser sintetizada. O translocador permanece fechado até que o ribossomo tenha se ligado, mantendo a barreira de permeabilidade da membrana do RE em todos os momentos. CITOSOL LÚMEN DO RE CLIVAGEM DO PEPTÍDEO-SINAL Sequência-sinal da cadeia peptídica crescente NH2 NH2 COOH Cadeia polipeptídica madura 5� 3� Translocador fechado Subunidades ribossômicas livres mRNA Peptídeo-sinal clivado Peptidase -sinal 674 PARTE IV Organização interna da célula hidrolases secretadas e lisossômicas que poderiam causar danos ao citosol; entretanto as células que secretam grandes quantidades de hidrolases tomam a precaução extra de possuir altas concentrações de inibidores de hidrolases no seu citosol. A pausa também assegura que grandes porções de proteína, que poderiam enovelar-se em uma estrutura compacta, não sejam originadas antes de chegarem ao translocador na membrana do RE. Então, ao contrário da importação pós-traducional de proteínas em mitocôndrias e cloroplastos, proteínas chaperonas não são necessárias para capturar proteínas não enoveladas. Quando uma sequência-sinal se liga, a SRP expõe um sítio de ligação para o recep- tor SRP (ver Figura 12-36B, C), que é um complexo proteico transmembrana na mem- brana do RE rugoso. A ligação de SRP ao seu receptor traz o complexo ribossomo-SRP a um translocador proteico não ocupado na mesma membrana. A SRP e o receptor SRP são então liberados, e o translocador transfere a cadeia polipeptídica crescente através da membrana (Figura 12-37). Subunidade ribossômica menor Subunidade ribossômica menor Subunidade ribossômica maior Subunidade ribossômica maior DobradiçaSequência-sinal ligada à SRP Receptor de SRP Partícula de reconhecimento de sinal (SRP) (A) (B) (C) Sequência-sinal da cadeia polipetídica crescente Sítio de ligação do fator de alongamento Dobradiça Domínio da pausa traducional Bolsão de ligação da sequência-sinal Molécula de RNA da SRP SRP LÚMEN DO RE Figura 12-36 Partícula de reconhecimento de sinal (SRP). (A) A SRP de mamíferos é um complexo ribonucleoproteico do tipo haste contendo seis subunidades proteicas (marrom) e uma molécula de RNA (azul). O RNA da SRP forma uma cadeia principal que acopla o domínio proteico, contendo o bolsão de ligação à sequência-sinal ao domínio responsável pela pausa de tradução. As estruturas cristalinas de diversas partes de SRPs de espécies diferentes são montadas aqui em um modelo composto para se apro- ximar da estrutura de uma SRP completa. (B) O esboço tridimensional da SRP ligado a um ribossomo foi determinado por microscopia crioeletrônica. A SRP liga-se à subunidade maior do ribossomo, de modo que sua sequência-sinal de ligação está posicionada perto do sítio de saída da cadeia polipeptídica crescente e seu domínio de pausa traducional está posicionado na interface entre as subunidades ribossômicas, onde interfere na ligação do fator de alongamento. (C) Quando a sequência-sinal surge do ribossomo e se liga na SRP, uma modificação conformacional na SRP expõe um sítio de ligação para o receptor de SRP. (B, adaptada de M. Halic et al., Nature 427:808–814, 2004. Com permissão de Macmillan Publishers Ltd.) Figura 12-37 Como a sequência-sinal do RE e a SRP direcionam os ribosso- mos à membrana do RE. A SRP e seu receptor agem em conjunto. A SRP liga-se à sequência-sinal do RE exposta e ao ribos- somo, induzindo, portanto, uma pausa na tradução. O receptor SRP na membrana do RE, que, nas células animais, é composto de duas cadeias polipeptídicas diferentes, liga-se ao complexo SRP-ribossomoe di- reciona-o ao translocador. Em uma reação pouco conhecida, a SRP e seu receptor são então liberados, deixando o ribossomo ligado ao translocador na membrana do RE. O translocador insere a cadeia polipep- tídica na membrana e a transfere através da bicamada lipídica. Uma vez que uma das proteínas SRP e ambas as cadeias do receptor SRP contêm domínios de ligação a GTP, supõe-se que as mudanças confor- macionais que ocorrem durante os ciclos de ligação e hidrólise do GTP (discutido no Capítulo 15) garantam que a liberação de SRP ocorra somente após o ribossomo es- tar adequadamente associado ao translo- cador na membrana do RE. O translocador permanece fechado até que o ribossomo tenha se ligado, mantendo a barreira de permeabilidade da membrana do RE em todos os momentos. RECONHECIMENTO CITOSOL LÚMEN DO RE ALVO RECICLAGEM LIBERAÇÃO Sequência- -sinal do peptídeo crescente SRP A ligação da SRP ao peptídeo-sinal provoca uma pausa na tradução Receptor de SRP na membrana do RE rugoso Proteína translocadora N A tradução continua e começa a translocação CAPÍTULO 12 Compartimentos intracelulares e endereçamento de proteínas 675 Esse processo de transferência cotraducional cria duas populações espacialmente separadas de ribossomos no citosol. Os ribossomos ligados à membrana, ligados ao lado citosólico da membrana do RE, estão empenhados na síntese de proteínas que es- tão sendo simultaneamente translocadas para o RE. Os ribossomos livres, não ligados a membranas, sintetizam todas as outras proteínas codificadas pelo genoma nuclear. Os ribossomos ligados à membrana e os livres são estrutural e funcionalmente idênticos. Eles diferem apenas quanto às proteínas que estão sendo produzidas por eles em um dado momento. Uma vez que muitos ribossomos podem se ligar a uma única molécula de mRNA, um polirribossomo costuma ser formado. Se o mRNA codifica uma proteína com uma sequência-sinal, o polirribossomo torna-se anexado à membrana do RE, dirigindo-a pe- las sequências-sinal em múltiplas cadeias polipeptídicas crescentes. Ribossomos indivi- duais associados a tais moléculas de mRNA podem retornar ao citosol quando acabam a tradução e misturam-se com a população de ribossomos livres. O mRNA, no entanto, permanece ligado à membrana do RE por uma troca de populações ribossômicas, cada um mantido transitoriamente na membrana por translocadores (Figura 12-38). A cadeia polipeptídica atravessa um canal aquoso no translocador Debateu-se longamente se as cadeias polipeptídicas são transferidas através da mem- brana do RE em contato direto com a bicamada lipídica, ou através de um canal em uma proteína translocadora. O debate se encerrou com a identificação da proteína transpor- tadora, que se mostrou capaz de formar um canal preenchido por água na membrana, pelo qual a cadeia polipeptídica cruza a membrana. O centro do translocador, deno- 5� 5� 5� 5� 3� 3� 3� 3� População comum de subunidades ribossômicas no citosol O mRNA codificando uma proteína citosólica permanece livre no citosol Polirribossomo livre no citosol O mRNA codificando uma proteína direcionada para o RE permanece ligado à membrana Polirribossomo ligado à membrana do RE por múltiplas cadeias polipeptídicas nascentes Sequência- -sinal do RE Membrana do RE CICLO DA SRP CICLO DO RIBOSSOMO LIVRE CICLO DO RIBOSSOMO LIGADO À MEMBRANA (B) 400 nm PolirribossomoMembrana do RE (A) 5� 3� LÚMEN DO RE Roseta do polirribossomo Figura 12-38 Polirribossomos livres e ligados à membrana. (A) Uma população comum de ribossomos sintetiza proteínas que permanecem no citosol e aquelas que são transportadas para o RE. A sequência-sinal do RE em uma cadeia polipeptídica recém-formada liga-se à SRP, que direciona ribossomos que iniciaram a tradução à membrana do RE. A molécula de mRNA se mantém permanentemente ligada ao RE como parte de um polirribossomo, enquanto os ribossomos que se movimentam ao longo do polirribossomo são reciclados; no fim de cada ciclo de síntese proteica, as subunidades ribossômicas são liberadas e reunidas na população comum no citosol. (B) Uma fina secção em micrografia eletrônica de polirribossomos ligados à membrana do RE. O plano da secção em alguns pontos corta o RE rugoso paralelamente à membrana, criando um padrão de roseta dos polirribossomos. (B, cortesia de George Palade.) 676 PARTE IV Organização interna da célula minado complexo Sec61, consiste em três subunidades que são altamente conserva- das desde bactérias até células eucarióticas. A estrutura do complexo Sec61 sugere que a-hélices da subunidade maior cercam um canal central através do qual uma cadeia po- lipeptídica atravessa a membrana (Figura 12-39). O canal é bloqueado por uma a-hélice pequena que parece manter o translocador fechado quando está inerte e se move para o lado quando está ocupado passando uma cadeia polipeptídica. Por essa razão, o poro é um canal dinâmico que se abre apenas brevemente quando uma cadeia polipeptídica atravessa a membrana. Em um translocador inerte, é importante manter o canal fecha- do, desse modo permanecendo a membrana impermeável a íons, como Ca2+, que, por outro lado, poderiam escapar do RE. Quando uma cadeia polipeptídica está se translo- cando, um anel de aminoácidos hidrofóbicos da cadeia lateral fornece um lacre flexível para evitar perda de íons. A estrutura do complexo Sec61 sugere que o poro também possa abrir uma fenda do seu lado. De fato, algumas estruturas do translocador mostraram-se bloqueadas na conformação da linha de junção aberta. Essa abertura permite a translocação por um acesso lateral à cadeia polipeptídica ao centro hidrofóbico da membrana, um processo que é importante tanto para a liberação do peptídeo-sinal clivado da membrana (ver Figura 12-35) quanto para a integração de proteínas na bicamada, como discutiremos a seguir. Em células eucarióticas, quatro complexos Sec61 formam um grande conjun- to de translocadores que podem ser visualizados nos ribossomos ligados ao RE após a solubilização da membrana do RE com detergente (Figura 12-40). É provável que esse FECHADO Fresta lateral Plugue ABERTO Plugue deslocado Peptídeo- -sinal Cadeia polipeptídica crescente Bicamada lipídica Fresta lateral Subunidade � Subunidade � Subunidade � Dobradiça Dobradiça (A) (B) Plugue Plugue deslocado Plugue deslocado Abertura do poro Subunidade � Figura 12-39 Estrutura do complexo Sec61. (A) Uma visão lateral (esquerda) e uma visão de cima (direita, a partir do citosol) da estrutura do complexo Sec61 da arqueia Methanococcus jannaschii. A subunidade a de Sec61 tem uma estrutura invertida repetida (ver Figura 11-10) e é mostrada em azul e marrom para indicar sua pseudos- simetria; as duas pequenas subunidades b e são mostradas em cinza. Na vista lateral, algumas hélices da frente foram omitidas para deixar o interior do poro visível. A pequena hélice amarela parece formar um plugue que tampa o poro quando o transportador está fechado. Para abri-lo, o complexo rearranja-se para deslocar o plugue, como indicado pela seta vermelha. Acredita-se que um anel de aminoácidos hidrofóbicos da cadeia lateral forme um estreito diafragma em torno da translocação da cadeia polipeptídica para evitar escapes de outras moléculas através da membrana. O poro do complexo Sec61 também pode abrir para o lado da fresta lateral. (B) Modelos de estados abertos e fechados do translocador são mostrados no topo, ilustrando como a sequência-sinal (ou um segmento transmembrana) poderia ser liberado na bicamada lipídica, após a abertura da fenda. (Códigos PDB: 1RH5 e 1RHZ.) CAPÍTULO 12 Compartimentos intracelulares e endereçamento de proteínas 677 conjunto inclua outros complexos de membrana que se associam com o translocador, como enzimas que modificam a cadeia polipeptídica crescente, incluindo a transferase de oligossacarídeos e a peptidase-sinal. O conjunto de um translocador com esses com- ponentes acessórios é chamadode translócon. A translocação através da membrana do RE nem sempre necessita do alongamento da cadeia polipeptídica em andamento Como vimos, a translocação de proteínas para as mitocôndrias, os cloroplastos e os pe- roxissomos ocorre de modo pós-traducional depois que a proteína foi sintetizada e libe- rada no citosol, enquanto a translocação através da membrana do RE em geral ocorre durante a tradução (cotraducionalmente). Esse fato explica por que os ribossomos são ligados ao RE, mas não são ligados a outras organelas. Algumas proteínas, no entanto, são importadas para o RE depois de completada sua síntese, demonstrando que o transporte nem sempre requer tradução em anda- mento. A translocação pós-traducional de proteínas é especialmente comum através da membrana do RE em células de levedura e através da membrana plasmática bacteriana (a qual se acredita ser evolutivamente relacionada ao RE). Para atuar na translocação pós-traducional, o translocador do RE necessita de proteínas acessórias que coloquem a cadeia polipeptídica no poro e sustentem o transporte (Figura 12-41). Em bactérias, uma proteína motriz de translocação, a ATPase SecA, liga-se ao lado citosólico do trans- locador, onde desencadeia mudanças conformacionais cíclicas sustentadas por hidróli- se de ATP. Cada vez que um ATP é hidrolisado, uma porção da proteína SecA insere-se no poro do translocador, impelindo um curto segmento da proteína transportada com ela. Como resultado desse mecanismo de catraca, a ATPase SecA empurra a cadeia polipep- tídica da proteína transportada através da membrana. As células eucarióticas utilizam um conjunto diferente de proteínas acessórias que se associam ao complexo Sec61. Essas proteínas atravessam a membrana do RE e usam um pequeno domínio localizado no lado do lúmen da membrana do RE para depositar uma proteína chaperona do tipo hsp70 (denominada BiP, de binding protein) na cadeia polipeptídica, à medida que esta emerge do poro para o lúmen do RE. Ciclos ATP-dependentes de ligação e liberação de BiP dirigem a translocação unidirecional, como já descrito para proteínas hsp70 mitocondriais que puxam proteínas através de membranas mitocondriais. As proteínas que são transportadas para o RE por um mecanismo pós-traducional são primeiramente liberadas no citosol, onde se ligam a proteínas chaperonas, evitando o seu enovelamento por ligação, como discutido antes para as proteínas cujo destino são as mitocôndrias e os cloroplastos. Em proteínas transmembrana de passagem única, somente uma sequência-sinal interna do RE permanece na bicamada lipídica como uma a-hélice que atravessa a membrana A sequência-sinal RE da cadeia polipeptídica crescente parece disparar a abertura do poro na proteína translocadora Sec61: depois que a sequência-sinal é liberada da SRP e a cadeia crescente tenha alcançado um tamanho suficiente, a sequência-sinal liga-se a um sítio específico dentro do poro, abrindo dessa maneira o poro. Uma sequência- -sinal do RE é portanto reconhecida duas vezes: primeiro por uma SRP no citosol e Figura 12-40 Um ribossomo (verde) ligado a um translocador proteico do RE (azul). (A) Reconstrução da vista lateral do complexo a partir de imagens de microscopia eletrônica. (B) Uma visão do translocador observada do lúmen do RE. O translocador contém Sec61, proteínas acessórias e o detergente usado na preparação. Domínios de proteínas acessórias se estendem através da membrana e formam uma saliência. (C) Uma representação esquemática de um ribossomo aderido à membrana, ligado ao translo- cador, indicando a localização do túnel na subunidade ribossômica maior, pelo qual a cadeia polipeptídica crescente sai do ribossomo. O mRNA (não mostrado) poderia estar localizado entre as subunidades pequena e grande do ribossomo. (Adaptada de J.F. Mé- nétret et al., J. Mol. Biol. 348:445–457, 2005. Com permissão de Academic Press.) Subunidade ribossômica menor Subunidade ribossômica maior Proteína translocadora na membrana do RE (A) (C) Canal condutor de proteína na subunidade ribossômica maior (B) LÚMEN DO RE LÚMEN DO RE 678 PARTE IV Organização interna da célula então por um sítio de ligação no poro da proteína translocadora, onde serve como um sinal de início de transferência (ou peptídeo de início de transferência) que abre o poro (p. ex., ver na Figura 12-35 como funciona para uma proteína solúvel). O reconhe- cimento duplo pode auxiliar assegurando que apenas proteínas apropriadas entrem no lúmen do RE. Enquanto ligada no poro de translocação, a sequência-sinal está em contato não apenas com o complexo Sec61, que forma as paredes do poro, mas também ao longo da linha de junção lateral com o centro hidrofóbico da bicamada lipídica. Isso foi mos- trado em experimentos de ligação química, nos quais a sequência-sinal e cadeias de hidrocarbonetos de lipídeos foram covalentemente unidas. Quando a cadeia polipep- tídica nascente tiver crescido o suficiente, a peptidase-sinal do RE cliva a sequência- -sinal e a libera do poro na membrana, onde é rapidamente degradada a aminoácidos por outras proteases na membrana do RE. Para liberar a sequência-sinal na membra- na, o translocador abre lateralmente ao longo da junção (ver Figuras 12-35 e 12-39). O translocador pode então tomar duas direções: abrir-se para formar um poro através da membrana a fim de deixar porções hidrofílicas de proteínas na bicamada lipídi- ca, e abrir-se lateralmente dentro da membrana para deixar porções hidrofóbicas de proteínas na bicamada lipídica. A saída lateral do poro é um passo essencial durante a integração de proteínas transmembrana. A integração de proteínas de membrana exige que algumas partes da cadeia poli- peptídica sejam transportadas através da bicamada lipídica, enquanto outras não. Ape- sar dessa complexidade adicional, todos os modos de inserção de proteínas de membra- na podem ser considerados como simples variantes da sequência de eventos descrita antes para transferir uma proteína solúvel no lúmen do RE. Começaremos descrevendo as três maneiras pelas quais as proteínas transmembrana de passagem única (ver Fi- gura 10-17) são inseridas na membrana do RE. CITOSOL LÚMEN DO RE CITOSOL ESPAÇO EXTRACELULAR CITOSOL LÚMEN DO RE TRANSLOCAÇÃO COTRADUCIONAL TRANSLOCAÇÃO PÓS-TRADUCIONAL ATPase SecA Complexo SecY Complexo Sec62, 63, 71, 72 BiP SRP Receptor de SRP BACTÉRIAS ARQUEIAS EUCARIOTOS EUCARIOTOS BACTÉRIAS (A) (B) (C) Complexo Sec61 ATP ADP ATP ADP Sequência-sinal do RE Pi+ Pi+ Membrana (plasmática) interna bacteriana mRNA Figura 12-41 Três maneiras pelas quais a translocação de proteínas pode ser dirigida através de translocadores estruturalmente semelhantes. (A) Translocação cotraducional. O ribossomo é conduzido à membrana pela SRP e pelo receptor SRP e então estabelece uma forte associação com a proteína translocadora Sec61. A cadeia polipeptídica crescente é conduzida através da membrana assim que é sintetizada. Não é necessário energia adicional, uma vez que o único caminho disponível para a cadeia crescente é cruzar a membrana. (B) A translocação pós-tradu- cional em células eucarióticas necessita de um complexo adicional, composto das proteínas Sec62, Sec63, Sec71 e Sec72, que são ligadas ao trans- locador Sec61 e depositam moléculas BiP na cadeia translocada assim que ela surge do translocador no lúmen do RE. Os ciclos de ligação de BiP e de liberação movidos por ATP puxam a proteína para o lúmen, um mecanismo que se assemelha ao modelo de catraca térmica para importação mitocondrial na Figura 12-23. (C) Translocação pós-traducional em bactérias. A cadeia polipeptídica completa é dirigida do lado citosólico para o homólogo bacteriano do complexo Sec61 (chamado complexo SecY na bactéria) na membrana plasmática pela ATPase SecA. As mudanças confor- macionais possibilitadas pela hidrólise de ATP são responsáveis pelo movimento tipo pistão na SecA, cada ciclo impelindo cerca de 20 aminoácidos da cadeia proteicapelo poro do translocador. A via Sec usada para transporte de proteínas através da membrana tilacoide em cloroplastos utiliza um mecanismo semelhante (ver Figura 12-26B). Enquanto o translocador Sec61, SRP e receptor de SRP são encontrados em todos os organismos, SecA é encontrado exclusivamente em bactérias, e o complexo Sec62, 63, 71 e 72 é encontrado exclusivamente em células eucarióticas. (Adaptada de P. Walter e A.E. Johnson, Annu. Rev. Cell Biol. 10:87–119, 1994. Com permissão de Annual Reviews.) CAPÍTULO 12 Compartimentos intracelulares e endereçamento de proteínas 679 No caso mais simples, uma sequência-sinal N-terminal inicia a translocação, como para uma proteína solúvel, mas um segmento hidrofóbico adicional na cadeia polipeptí- dica interrompe o processo de transferência antes que a cadeia inteira seja transportada. Esse sinal de parada da transferência ancora a proteína na membrana depois que a sequência-sinal do RE (o sinal de início da transferência) tenha sido clivada e liberada do translocador (Figura 12-42). A sequência de parada da transferência é transferida para a bicamada pelo mecanismo de controle lateral, onde permanece como um único segmento a-hélice atravessando a membrana, com a região N-terminal da proteína no lado do lúmen da membrana e a região C-terminal no lado citosólico. Nos outros dois casos, a sequência-sinal é interna, em vez de ser na extremidade N-terminal da proteína. Como uma sequência-sinal N-terminal do RE, a SRP liga-se a uma sequência-sinal interna mediante reconhecimento hidrofóbico de características da a-hélice. A SRP leva o ribossomo que está sintetizando a proteína para a membrana do RE, e a sequência-sinal do RE serve então como um sinal de início da transferência que inicia a translocação da proteína. Após a liberação do translocador, a sequência in- terna de início da transferência permanece na bicamada lipídica como uma a-hélice que atravessa a membrana uma única vez. As sequências internas de início da transferência podem ligar-se ao aparato de transporte em uma de duas orientações; por sua vez, essa orientação da sequência de início de transferência determina qual segmento da proteína (aquele que precede ou o que segue a sequência de início da transferência) é movido através da membrana para o lúmen do RE. Em um caso, a proteína de membrana resultante tem sua região C-termi- nal no lado do lúmen (via A na Figura 12-43), enquanto, no outro, a região N-terminal está situada no lado do lúmen (via B na Figura 12-43). A orientação da sequência de início da transferência depende da distribuição dos aminoácidos carregados adjacentes, como descrito na legenda da figura. As combinações de sinais de início e de parada da transferência determinam a topologia das proteínas transmembrana de passagem múltipla Nas proteínas transmembrana de passagem múltipla, a cadeia polipeptídica passa para frente e para trás repetidamente ao longo da bicamada lipídica como uma a-hé- lice hidrofóbica (ver Figura 10-17). Acredita-se que uma sequência-sinal interna sirva como um sinal de início de transferência nessas proteínas para iniciar a translocação, Figura 12-42 Como uma proteína transmembrana de passagem única, com a sequência-sinal do RE clivada, é integrada na membrana do RE. Nessa proteína, o processo de translocação co- traducional é iniciado pela sequência-sinal N-terminal do RE (vermelho) que funciona como um sinal de início de transferência, abrindo o translocador como na Figura 12-35. Além dessa sequência de início de transferência, contudo, a proteína tam- bém contém uma sequência de parada de transferência (laranja); quando essa sequência entra no translocador e interage com o sítio de ligação dentro do poro, o translocador abre na fenda e descarrega a proteína lateralmente na bicamada lipídica, onde a sequência de parada de transferência permanece para ancorar a proteína na membrana. (Nesta figura e nas duas figuras que seguem, os ribossomos foram omitidos para maior clareza.) NH2 LÚMEN DO RE COOH Proteína transmembrana de passagem única madura na membrana do RE NH2 Sequência de parada de transferência Peptidase- -sinal Sequência de início de transferência CITOSOL 680 PARTE IV Organização interna da célula que continua até o translocador encontrar uma sequência de parada da transferência; em proteínas transmembrana de duas passagens, por exemplo, o polipeptídeo pode, em seguida, ser liberado na bicamada (Figura 12-44). Em proteínas de passagem múltipla mais complexas, nas quais muitas a-hélices hidrofóbicas atravessam a bicamada, uma segunda sequência de início da transferência reinicia a translocação mais adiante na ca- deia polipeptídica, até a próxima sequência de parada do transporte induzir a liberação do polipeptídeo, e assim por diante, para posteriores sequências de início e de parada da transferência (Figura 12-45 e Animação 12.5). Sequências-sinal hidrofóbicas de início e de parada de transferência agem para corrigir a topologia da proteína na membrana, trancando-as como a-hélices que atra- vessam membrana; e elas podem fazê-lo em qualquer orientação. Sabe-se que uma dada sequência-sinal hidrofóbica atuará como uma sequência de início ou de parada da transferência, dependendo da sua localização na cadeia polipeptídica, uma vez que sua função pode ser trocada pela mudança da sua localização na proteína, utilizando técnicas de DNA recombinante. Assim, a distinção entre sequências de início e de pa- rada da transferência resulta, principalmente, da sua ordem relativa na cadeia polipep- tídica crescente. Parece que a SRP inicia procurando por segmentos hidrofóbicos na região N-terminal de uma cadeia polipeptídica desenovelada e prossegue em direção à região C-terminal, na direção em que a proteína é sintetizada. Reconhecendo o primei- ro segmento hidrofóbico apropriado para emergir do ribossomo, a SRP ajusta a “matriz de leitura”: se a translocação é iniciada, o próximo segmento hidrofóbico apropriado é reconhecido como uma sequência de parada da transferência, induzindo a região inter- mediária da cadeia polipeptídica a passar pela membrana. Um processo de varredura Figura 12-43 Integração de uma proteína de membrana de passagem única com uma sequência-sinal interna na membrana do RE. Uma sequência- -sinal do RE interna que atua como um sinal de início da transferência pode ligar- -se ao translocador em uma das duas vias, levando a uma proteína de membrana que possui tanto seu C-terminal (via A) quanto seu N-terminal (via B) no lúmen do RE. Proteínas são direcionadas às duas vias pelas características na cadeia polipeptí- dica que flanqueia a sequência interna de início da transferência: se existirem mais aminoácidos carregados positivamente logo antes do núcleo hidrofóbico da sequência de início da transferência do que após essa região, a proteína de mem- brana será inserida no translocador na orientação mostrada na via A; enquanto, se existirem mais aminoácidos carregados positivamente imediatamente após o nú- cleo hidrofóbico da sequência de início da transferência do que antes dessa região, a proteína de membrana será inserida no translocador na orientação mostrada na via B. Devido ao fato de o transporte não poder iniciar antes que uma sequência de início da transferência apareça na superfí- cie do ribossomo, o transporte da porção N-terminal da proteína mostrada em (B) somente poderá ocorrer após ela ter sido completamente sintetizada. Note que existem duas formas para inserir uma proteína transmembrana de passagem única cuja região N-terminal esteja localizada no lúmen do RE: aquela mostrada na Figura 12-42 e esta mostrada aqui em (B). Proteína transmembrana madura de passagem única na membrana do RE NH2 CITOSOL LÚMEN DO RE COOH NH2 NH2 NH2 + (A) Proteína transmembrana madura de passagem única na membrana do RE CITOSOL LÚMEN DO RE COOH NH2 NH2 NH2 + (B) CAPÍTULO 12 Compartimentos intracelularese endereçamento de proteínas 681 similar continua até que todas as regiões hidrofóbicas na proteína tenham sido inseridas na membrana como a-hélices transmembrana. Uma vez que as proteínas de membrana sempre estão inseridas no lado citosólico do RE dessa maneira programada, todas as cópias da mesma cadeia polipeptídica terão a mesma orientação na bicamada lipídica. Esse mecanismo gera uma assimetria na mem- brana do RE, na qual os domínios proteicos expostos em um dos lados são diferentes dos domínios expostos do outro. Essa assimetria é mantida durante os muitos eventos de brotamento e de fusão que transportam as proteínas sintetizadas no RE a outras mem- branas celulares (discutido no Capítulo 13). Assim, a maneira que uma proteína recém- -sintetizada é inserida na membrana do RE determina a orientação da proteína em todas as outras membranas. Quando as proteínas são extraídas de uma membrana com detergente e, então, reconstituídas em vesículas lipídicas artificiais, costuma ocorrer uma mistura aleatória de proteínas com orientações com o lado correto para fora e com o lado interno para fora. Assim, a assimetria proteica observada em membranas celulares parece não ser uma propriedade inerente às proteínas, mas resulta somente do processo pelo qual as proteínas passam do citosol à membrana do RE. Figura 12-44 Integração de uma proteína de membrana de dupla pas- sagem com uma sequência-sinal inter- na na membrana do RE. Nessa proteína, uma sequência-sinal interna do RE atua como um sinal de início da transferência (como na Figura 12-43) e inicia a transfe- rência da porção C-terminal da proteína. No mesmo ponto, após uma sequência de parada da transferência ter penetrado o translocador, este libera a sequência late- ralmente na membrana. NH2 COOH Proteína transmembrana madura de dupla passagem na membrana do RE NH2Sequência de parada de transferência LÚMEN DO RE CITOSOL Sítio de ligação ao peptídeo hidrofóbico de início de transferência Sítio de ligação ao peptídeo hidrofóbico de parada de transferência Proteína translocadora NH2 NH2 Sequência de início de transferência Figura 12-45 Inserção da proteína de membrana de passagem múltipla ro- dopsina na membrana do RE. As rodopsinas são proteínas sensíveis à luz nos bastonetes fotorreceptores na retina dos mamíferos (discutido no Capítulo 15). (A) Um gráfico de hidropatia (ver Figura 10-20) identifica sete pequenas regiões hidrofóbicas na rodopsina. (B) A região hidrofóbica mais próxima da região N- -terminal serve como uma sequência de início da transferência que induz a porção anterior à região N-terminal da proteína a passar através da membrana do RE. As sequências hidrofóbicas subsequentes fun- cionam alternadamente como sequências de início e de parada da transferência. As setas verdes indicam as porções da proteína que são inseridas no translocador. (C) A rodopsina integrada final tem sua região N-terminal localizada no lúmen do RE e sua região C-terminal localizada no citosol. Os hexágonos azuis representam oligossacarídeos ligados covalentemente. 1 2 3 4 5 7 Número de aminoácidos 0 100 200 (A) (C) (B) NH2 COOH CITOSOL H2N + Início Início Parada Início Parada Início Parada COOH H id ro fí lic o H id ro fó b ic o 6 LÚMEN 682 PARTE IV Organização interna da célula Proteínas ancoradas pela cauda são integradas na membrana do RE por um mecanismo especial Muitas proteínas de membrana importantes são ancoradas na membrana por uma a-hélice hidrofóbica transmembrana C-terminal. Essas proteínas ancoradas pela cauda no RE incluem um grande número de subunidades proteicas SNARE que dirigem o trá- fego vesicular (discutido no Capítulo 13). Quando tais proteínas ancoradas pela cauda se inserem na membrana do RE a partir do citosol, apenas poucos aminoácidos que seguem a a-hélice transmembrana na extremidade C-terminal são translocados para o lúmen do RE, enquanto a maior parte da proteína permanece no citosol. Devido à posição única da a-hélice transmembrana na sequência proteica, a tradução termina enquanto os aminoá- cidos da porção C-terminal que irão formar a a-hélice transmembrana ainda não emergi- ram do túnel de saída do ribossomo. O reconhecimento de SRP não é, portanto, possível. Por muito tempo acreditou-se que essas proteínas fossem liberadas do ribossomo e que a porção C-terminal hidrofóbica fosse espontaneamente incorporada na membrana do RE. Tal mecanismo não poderia explicar, entretanto, por que as proteínas da cauda, ancoradas no RE, se inserem na membrana do RE seletivamente e não em todas as outras membranas da célula. Está claro agora que uma maquinaria de direcionamento especializada está en- volvida e que é abastecida pela hidrólise de ATP (Figura 12-46). Embora os componentes e detalhes difiram, esse mecanismo de direcionamento pós-traducional é conceitualmen- te semelhante ao do direcionamento de proteínas dependente de SRP (ver Figura 12-37). Nem todas as proteínas ancoradas com cauda são inseridas no RE. Algumas pro- teínas contêm uma âncora de membrana C-terminal que possui uma informação adi- cional de endereçamento que direciona a proteína para mitocôndrias ou peroxissomos. Ainda não se sabe como essas proteínas são endereçadas. As cadeias polipeptídicas transportadas enovelam-se e são montadas no lúmen do RE rugoso Muitas das proteínas no lúmen do RE estão em trânsito, en route a outros destinos; ou- tras, contudo, residem lá normalmente e estão presentes em altas concentrações. Essas proteínas residentes no RE contêm um sinal de retenção no RE de quatro aminoácidos na sua região C-terminal que são responsáveis pela retenção da proteína no RE (ver Ta- bela 12-3, p. 648; discutido no Capítulo 13). Algumas dessas proteínas atuam cataliti- camente para auxiliar as muitas proteínas que são transportadas para o lúmen do RE a enovelar-se e montar-se corretamente. Uma importante proteína residente no RE é a proteína dissulfeto isomerase (PDI), que catalisa a oxidação de grupos sulfidrila (SH) livres nas cisteínas para formar ligações dissulfeto (S-S). Quase todas as cisteínas nos domínios proteicos expostos no espaço ex- tracelular ou no lúmen das organelas em vias secretoras e endocíticas são ligadas por liga- ções dissulfeto. Ao contrário, as ligações dissulfeto são raramente formadas em domínios expostos ao citosol, em função da existência de um ambiente redutor no local. Figura 12-46 Mecanismo de inserção de proteínas ancoradas pela cauda. Nessa via pós-traducional para a in- serção de proteínas do RE ancoradas pela cauda, um complexo solúvel de pré-endereçamento captura a a-hélice C-terminal hidrofóbica depois que ela emerge do túnel de saída ribossômico e a carrega na ATPase Get3. O complexo resultante é direcionado para a membrana do RE pela interação do receptor de Get1- -Get2, que funciona como uma maquina- ria de inserção de proteínas na membrana. Depois que Get3 hidrolisa o ATP ligado, a proteína ancorada pela cauda é liberada do receptor e inserida na membrana do RE. A liberação de ADP e renovação do ATP liga- do recicla Get3 de volta para o citosol. RECONHECIMENTO ENDEREÇAMENTO RECICLAGEM LIBERAÇÃO ATP ATP ATP ADP Complexo pré-endereçamento N N N N C Proteína ancorada pela cauda ATPase Get3 Get1-Get2 LÚMEN DO RE CITOSOL ATP Pi+ CAPÍTULO 12 Compartimentos intracelulares e endereçamento de proteínas 683 Outra proteína residente no RE é a proteína chaperona BiP. Já discutimos como a BiP atua para puxar proteínas de modo pós-traducional para o RE por meio do transloca- dor do RE Sec61. Como outras chaperonas (discutidas no Capítulo 13), a BiP reconhece proteínas enoveladas incorretamente, bem como subunidades proteicas que ainda não se agregaram aos seus complexos oligoméricos finais. Para isso, ela liga-se à sequência de aminoácidos exposta, que estaria, de modo normal, oculta no interior das cadeias polipeptídicas corretamente enoveladasou agregadas. Um exemplo de sítio de ligação a BiP é uma faixa de aminoácidos hidrofílicos e hidrofóbicos alternados que normalmen- te estariam embaixo de uma folha b com seu lado hidrofóbico orientado na direção do centro hidrofóbico da proteína enovelada. A BiP ligada impede a agregação da proteína e auxilia na manutenção da proteína no RE (e, assim, fora do aparelho de Golgi e das eta- pas posteriores da via secretora). Como alguns outros membros da família de proteínas chaperonas hsp70, que se ligam a proteínas não dobradas e facilitam sua importação para mitocôndrias e cloroplastos, a BiP hidrolisa ATP para alternar entre estados de alta e baixa afinidade de ligação, que lhe permitem segurar e soltar suas proteínas de substrato em um ciclo dinâmico. A maioria das proteínas sintetizadas no RE rugoso é glicosilada pela adição de um oligossacarídeo comum ligado ao N A adição covalente de oligossacarídeos às proteínas é uma das principais funções bios- sintéticas do RE. Cerca de metade das proteínas solúveis e ligadas à membrana que são processadas no RE – incluindo aquelas destinadas ao transporte para o aparelho de Gol- gi, lisossomos, membrana plasmática ou espaço extracelular – são glicoproteínas que sofrem modificações nesse caminho. Muitas proteínas no citosol e núcleo são também glicosiladas, mas não com oligossacarídeos; elas carregam uma modificação com açúcar muito mais simples, na qual um único grupo N-acetilglicosamina é adicionado a uma serina ou treonina da proteína. Durante a forma mais comum de glicosilação da proteína no RE, um oligossa- carídeo precursor pré-formado (composto de N-acetilglicosamina, manose e glico- se e contendo um total de 14 açúcares) é transferido em bloco para proteínas. Esse oligossacarídeo é transferido ao grupo NH2 da cadeia lateral de um aminoácido aspa- ragina na proteína, sendo, por isso, considerado ligado ao N ou ligado à asparagina (Figura 12-47A). A transferência é catalisada por uma enzima ligada à membrana, uma oligossacaril transferase, que tem seu sítio ativo exposto no lado do lúmen da Proteína com sítio para N-glicosilação Oligossacarídeo ligado a lipídeo ancorado na membrana do RE Asn P P Oligossacaril transferase LÚMEN DO RE CITOSOL (B)(A) N-acetilglicosamina Manose Glicose Ser Thr[ ] Cadeia lateral da asparagina C CN [X] H O H CH2 C O NH NH2 COOH Figura 12-47 Glicosilação de proteínas ligadas ao N no RE rugoso. (A) Quase tão logo a cadeia polipeptídica penetre o lúmen do RE, ela é glicosilada em resíduos de asparagina-alvo. O oligossacarídeo precursor (mostrado em cor) está ligado apenas a asparaginas nas sequências Asn-X-Ser e Asn-X-Thr (onde X é qual- quer aminoácido exceto prolina). Essas sequências ocorrem em uma frequência muito menor em glicoproteínas do que em proteínas citosólicas não glicosiladas. Evidentemente essas sequências foram selecionadas durante a evolução de proteínas, presumivelmente porque a glicosilação em muitos sítios poderia in- terferir com o dobramento das proteínas. Os cinco açúcares na caixa cinza formam a “região central” desse oligossacarídeo. Para muitas glicoproteínas, somente os açúcares centrais sobrevivem ao extenso processo de acabamento com oligossacarídeos que ocorre no aparelho de Golgi. (B) O oligossacarídeo precursor é transferido de um lipídeo dolicol para uma aspargina como uma unidade intacta em uma reação catalisada por uma enzima transmembrana oligossacaril transferase. Uma cópia dessa enzima encontra-se associada a cada proteína translocadora na membrana do RE. (O translocador não é mostrado.) A oligossacaril transferase contém 13 a-hélices transmembrana e um enorme domínio luminal do RE que contém seus sítios de ligação ao substrato. A asparagina liga-se ao túnel que penetra o interior da enzima. Ali, o grupo amino da asparagina é torcido para fora do plano que estabiliza as ligações amida pobre- mente reativas, ativando-o para a reação com o oligossacarídeo dolicol. A estrutura mostrada é de um homólogo procarioto que se assemelha à subunidade catalítica da oligossacaril transferase de eucariotos. (Código PDB: 3RCE.) 684 PARTE IV Organização interna da célula membrana do RE; esse fato explica por que as proteínas citosólicas não são glico- siladas dessa forma. Uma molécula lipídica especial denominada dolicol abriga o oligossacarídeo precursor na membrana do RE. O oligossacarídeo precursor é trans- ferido para a asparagina-alvo em um único passo enzimático imediatamente de- pois de o aminoácido ter alcançado o lúmen durante a translocação da proteína. O oligossacarídeo precursor é ligado ao lipídeo dolicol por uma ligação pirofosfato de alta energia, que providencia a energia de ativação para conduzir a reação de glico- silação (Figura 12-47B). Uma cópia da oligossacaril transferase é associada a cada proteína translocadora, permitindo a ela procurar e glicosilar as cadeias polipeptídi- cas que entram de maneira eficiente. O oligossacarídeo precursor é construído açúcar por açúcar no lipídeo dolicol li- gado à membrana e então transferido para uma proteína. Os açúcares são primeiro ati- vados no citosol pela formação de um intermediário açúcar-nucleotídeo (UDP ou GDP), que, então, doa seu açúcar (direta ou indiretamente) ao lipídeo em uma sequência or- denada. Ao longo desse processo, o oligossacarídeo ligado ao lipídeo é movido do lado citosólico para o lado do lúmen da membrana do RE (Figura 12-48). Toda a diversidade de estruturas de oligossacarídeos ligados ao N em glicopro- teínas maduras resulta da modificação tardia do oligossacarídeo precursor original. Enquanto ainda no RE, três glicoses (ver Figura 12-47) e uma manose são rapidamente removidas dos oligossacarídeos da maioria das glicoproteínas. Retornaremos à impor- tância da retirada rápida de glicoses. Essa “poda” ou “processamento” do oligossacarídeo continua no aparelho de Golgi, como discutido no Capítulo 13. Os oligossacarídeos ligados ao N são de longe os mais comuns encontrados em 90% das glicoproteínas. Com menos frequência, os oligossacarídeos são ligados ao grupo hidroxila na cadeia lateral dos aminoácidos serina, treonina ou hidroxilisina. Um primei- ro açúcar desses oligossacarídeos O-ligados é adicionado no RE e o oligossacarídeo é, então, mais estendido no aparelho de Golgi (ver Figura 13-32). Figura 12-48 Síntese do oligossa- carídeo precursor ligado a lipídeo na membrana do RE rugoso. O oligossa- carídeo é montado açúcar por açúcar no carregador lipídico dolicol (um poli-isopre- noide; ver Painel 2-5, p. 98-99). O dolicol é longo e muito hidrofóbico: suas 22 uni- dades de cinco carbonos podem atravessar mais de três vezes a espessura de uma bicamada lipídica. Assim, o oligossacarídeo aderido é firmemente ancorado na mem- brana. O primeiro açúcar é ligado ao doli- col por uma ponte pirofosfato. Essa ponte de alta energia ativa o oligossacarídeo para sua eventual transferência do lipídeo para uma cadeia lateral da asparagina de um polipeptídeo crescente no lado do lúmen do RE rugoso. Como indicado, a síntese do oligossacarídeo inicia-se no lado citosólico da membrana do RE e continua na face do lúmen após o lipídeo intermediário (Man)5(GlcNAc)2 ser inverti- do através da bicamada por uma proteína translocadora (que não é mostrada). Todas as reações subsequentes de transferência de glicosil no lado do lúmen do RE envol- vem transferência de dolicol-P-glicose e dolicol-P-manose; esses monossacarídeos ativados ligados a lipídeo são sintetizados a partir de dolicol fosfato e de UDP-glicose ou de GDP-manose (quando apropriado) no lado citosólico do RE e, então, são invertidos através da membrana do RE. GlcNAc, N-acetilglicosamina; Man, mano- se; Glc, glicose. LÚMEN DO RE CITOSOL 2 GlcNAc (GlcNAc)2 (GlcNAc)2(Man)5 Man + 5 5 “GIRANDO” NA MEMBRANA Glc (Man)9(GlcNAc)2 Man (Man)5(GlcNAc)2 4 X 3 X (Glc)3(Man)9(GlcNAc)2 Doador de manose produzido a partir de dolicol fosfatoe GDP-manose Doador de glicose produzido a partir de dolicol fosfato e UDP-glicose Bicamada lipídica da membrana do RE Dolicol Dolicol Dolicol Dolicol Dolicol Dolicol Dolicol Dolicol Dolicol Dolicol Dolicol CTP CDP GDP GDP UDP UDP UMP P P P P P P P P P P PP P P P P P CAPÍTULO 12 Compartimentos intracelulares e endereçamento de proteínas 685 Os oligossacarídeos são utilizados como “rótulos” para marcar o estado de enovelamento da proteína Tem sido longamente debatido por que a glicosilação é uma modificação comum das proteínas que entram no RE. Uma observação particularmente intrigante reside no fato de que algumas proteínas necessitam de glicosilação ligada ao N para o enovelamento adequado no RE, ainda que a localização precisa dos oligossacarídeos aderidos na su- perfície da proteína não pareça ser importante. Um indício para o papel da glicosilação no enovelamento da proteína deriva de estudos de duas proteínas chaperonas do RE denominadas calnexina e calreticulina, pois necessitam de Ca2+ para suas atividades. Essas chaperonas são proteínas de ligação de carboidratos, ou lectinas, que se ligam a oligossacarídeos nas proteínas que não estão completamente enoveladas e as retêm no RE. Como outras chaperonas, elas impedem que as proteínas enoveladas incompleta- mente sofram agregação irreversível. Tanto a calnexina quanto a calreticulina também promovem a associação de proteínas incompletamente enoveladas com outra chapero- na do RE, que se liga a cisteínas que ainda não formaram ligações dissulfeto. Calnexina e calreticulina reconhecem oligossacarídeos ligados ao N que contêm uma única glicose terminal e, portanto, elas se ligam a proteínas apenas depois que duas das três glicoses do oligossacarídeo precursor tenham sido removidas durante o corte de glicose por glicosidases do RE. Quando a terceira glicose é removida, a glicoproteína dissocia-se da sua chaperona e pode deixar o RE. Como, então, a calnexina e a calreticulina distinguem proteínas enoveladas das incompletamente enoveladas? A resposta está, ainda, em outra enzima do RE, a glicosil transferase, que continua adicionando uma glicose àqueles oligossacarídeos que per- deram sua última glicose. Ela adiciona a glicose, entretanto, somente a oligossacarídeos que estão associados a proteínas desenoveladas. Assim, uma proteína desenovelada sofre ciclos contínuos de retirada de glicose (por glicosidase) e de adição (pela glicosil transferase) e mantém uma afinidade por calnexina e calreticulina, até alcançar seu es- tado de completo enovelamento (Figura 12-49). As proteínas enoveladas inadequadamente são exportadas do RE e degradadas no citosol Apesar de todo o auxílio das chaperonas, muitas moléculas proteicas (mais de 80% em algumas proteínas) transportadas para o RE falham na tentativa de alcançar seu enove- lamento adequado ou seu estado oligomérico. Tais proteínas são exportadas de volta do RE para o citosol, onde são degradadas em proteassomos (discutido no Capítulo 6). Em muitas vias, o mecanismo de retrotranslocação é similar a outros modos de translocação Figura 12-49 Papel da glicosilação ligada ao N no enovelamento da proteína do RE. A proteína chaperona ligada à membrana do RE, calnexina, liga-se a proteínas incompletamente enoveladas contendo uma glicose ter- minal nos oligossacarídeos ligados ao N, mantendo a proteína no RE. A remoção da glicose terminal por uma glicosidase libera a proteína da calnexina. Uma glicosil transferase é a enzima fundamental que determina se a proteína está enovelada de forma adequada ou não: se a proteína ainda está incompletamente enovelada, a enzima transfere uma nova glicose da UDP-glicose para o oligossacarídeo ligado ao N, renovando a afinidade da proteína pela calnexina e retendo-a no RE. O ciclo se repete até a proteína ter se enovelado completamente. A calreticulina atua de modo semelhante, exceto pelo fato de que é uma proteína solúvel residente no RE. Outra chaperona do RE, a ERp57 (não mostrada), colabora com a calnexina e a calreticulina na retenção de proteínas eno- veladas incompletamente no RE. A ERp57 reconhece grupos sulfidrila livres, que são um sinal de formação de pontes dissulfeto incompletas. INCOMPLETAMENTE ENOVELADAS NORMALMENTE ENOVELADAS NÃO ENOVELADAS UDP- -glicose UDP Glicosil transferase SAÍDA DO RE Oligossacarídeo ligado ao N Oligossacarídeo precursor Calnexina LÚMEN DO RE CITOSOLMembrana do RE Glicosidase Glicose RECORTE DE GLICOSES 686 PARTE IV Organização interna da célula pós-traducional. Por exemplo, assim como a translocação para mitocôndrias ou cloro- plastos, proteínas chaperonas são necessárias para manter a cadeia polipeptídica em um estado desenovelado antes e durante a translocação. De maneira semelhante, a fonte de energia é necessária para dar direcionalidade ao transporte e para puxar a proteína para o citosol. Enfim, um translocador é necessário. A seleção de proteínas do RE para degradação é um processo desafiador: proteínas mal enoveladas ou subunidades proteicas não montadas devem ser degradadas, mas intermediários de dobramento de proteínas recém-formadas não. Os oligossacarídeos ligados ao N ajudam a fazer essa distinção, o que serve como cronômetro da medida de quanto tempo uma proteína deve permanecer no RE. O recorte de uma manose lenta, em particular no núcleo do oligossacarídeo, por uma enzima (uma manosidase) no RE cria uma nova estrutura de oligossacarídeos que as lectinas do RE luminal do aparelho de retrotranslocação reconhecem. As proteínas que se dobram e saem do RE mais rá- pido do que a manosidase podem remover sua manose-alvo, escapando, portanto, da degradação. Além das lectinas no RE que reconhecem os oligossacarídeos, chaperonas e pro- teínas dissulfeto isomerase (enzimas mencionadas antes, que catalisam a formação e a quebra de ligações S-S) se associam a proteínas que devem ser degradadas. As cha- peronas impedem a agregação de proteínas mal enoveladas, e as dissulfeto isomerases quebram ligações dissulfeto que podem ter sido formadas incorretamente, e assim uma cadeia polipeptídica linear pode ser translocada de volta para o citosol. Múltiplos complexos translocadores movimentam diferentes proteínas da mem- brana ou lúmen do RE para o citosol. Uma característica comum é que eles contêm uma enzima E3 ubiquitina-ligase, que anexa etiquetas de poliubiquitina nas proteínas dese- noveladas assim que elas emergem para o citosol, marcando-as para destruição. Alimen- tada pela energia derivada da hidrólise de ATP, uma ATPase hexamérica da família de AAA-ATPases (ver Figura 6-85) puxa a proteína mal enovelada através do translocador para o citosol. Uma N-glicanase remove as cadeias de oligossacarídeos em bloco. Guiado pela sua etiqueta de ubiquitina, o polipeptídeo deglicosilado é rapidamente direcionado aos proteassomos, onde é degradado (Figura 12-50). As proteínas mal enoveladas no RE ativam uma resposta à proteína desenovelada As células monitoram cuidadosamente a quantidade de proteínas mal enoveladas con- tidas em vários compartimentos. Um acúmulo dessas proteínas no citosol, por exemplo, desencadeia uma resposta ao choque térmico (heat-shock response, discutido no Capítulo 6), que estimula a transcrição de genes que codificam chaperonas citosólicas que auxi- liam no reenovelamento das proteínas. De maneira similar, um acúmulo de proteínas mal enoveladas no RE dispara uma resposta à proteína desenovelada, o que inclui um aumento na transcrição de genes que codificam proteínas envolvidas na retrotransloca- ção e degradação de proteínas no citosol, chaperonas do RE e muitas outras proteínas que ajudam a aumentar a capacidade de dobramento de proteínas no RE. Figura 12-50 Exportação e degrada- ção de proteínas do RE mal enovela- das. Proteínas solúveis mal enoveladas no lúmen do RE são reconhecidas e marcadas para um complexo translocador na mem- brana do RE. Elas primeiro interagem comchaperonas no lúmen do RE, dissulfeto iso- merases e lectinas. Elas são então exporta- das para o citosol através do translocador. No citosol elas são ubiquitinadas, deglico- siladas e degradadas nos proteoassomos. Proteínas de membrana mal enoveladas seguem uma via similar, mas usam um translocador diferente. AAA-ATPase S S ATP ADP N-glicanase Ubiquitina E3 ubiquitina-ligase Cadeia poliubiquitina Lectina Proteína mal enovelada Chaperona Dissulfeto isomerase Complexo translocador de proteínas Proteassomo CITOSOL LÚMEN DO RE Pi+ CAPÍTULO 12 Compartimentos intracelulares e endereçamento de proteínas 687 Como as proteínas mal enoveladas no RE sinalizam ao núcleo? Existem três vias paralelas que executam a resposta à proteína desenovelada (Figura 12-51A). A primeira via, inicialmente descoberta em células de levedura, é notável. Uma pro- teína-cinase transmembrana no RE, chamada de IRE1, é ativada por proteínas mal enoveladas, que induzem a sua oligomerização e autofosforilação. (Alguns recepto- res-cinase de superfície na membrana plasmática são ativados de forma semelhante, como discutido no Capítulo 15.) A oligomerização e autofosforilação de IRE1 ativa um domínio da endorribonuclease na porção citosólica da mesma molécula, que cliva uma molécula de mRNA citosólica específica em duas posições, excisando um LÚMEN DO RE Membrana do RE Três sensores de proteínas mal enoveladas CITOSOL O SPLICING REGULADO DE mRNA INICIA A TRADUÇÃO DA A FOSFORILAÇÃO INATIVA O FATOR DE INÍCIO DA TRADUÇÃO PROTEÍNA REGULADORA DA TRANSCRIÇÃO 1 ATIVAÇÃO DE GENES PARA AUMENTAR A CAPACIDADE DE ENOVELAMENTO DE PROTEÍNAS NO RE A PROTEÓLISE REGULADA NO APARELHO DE GOLGI LIBERA A PROTEÍNA REGULADORA DA TRANSCRIÇÃO 3 TRADUÇÃO SELETIVA DA PROTEÍNA REGULADORA DA TRANSCRIÇÃO 2 REDUÇÃO DE PROTEÍNAS ENTRANDO NO RE (A) (B) IRE1 PERK ATF6 P P P P NÚCLEO CITOSOL 4 6 7 1 Chaperona do RE Poro nuclear Regulador da transcrição Proteínas mal enoveladas Proteínas mal enoveladas ligadas à chaperona1 AS PROTEÍNAS MAL ENOVELADAS NO RE SINALIZAM A NECESSIDADE DE MAIS CHAPERONAS NO RE. ELAS SE LIGAM E ATIVAM UMA CINASE TRANSMEMBRANA 2 A CINASE ATIVADA REVELA UMA ATIVIDADE ENDORRIBONUCLEASE 3 A ENDORRIBONUCLEASE CORTA MOLÉCULAS ESPECÍFICAS DE RNA EM DUAS POSIÇÕES, REMOVENDO UM ÍNTRON 6 O REGULADOR DA TRANSCRIÇÃO ENTRA NO NÚCLEO E ATIVA GENES CODIFICANDO CHAPERONAS DO RE 7 CHAPERONAS SÃO PRODUZIDAS NO RE, ONDE AJUDAM NO ENOVELAMENTO DE PROTEÍNAS 4 DOIS ÉXONS SÃO LIGADOS PARA FORMAR UM mRNA ATIVO 5 O mRNA É TRADUZIDO PARA PRODUZIR UM REGULADOR DA TRANSCRIÇÃO Proteína-cinase transmembrana (sensor) LÚMEN DO RE 3 Pré-mRNA Íntron mRNA chaperona Gene da chaperona 2 Domínio ribonuclease P P 5 mRNA Éxon Éxon Domínio ribonuclease Domínio cinase Domínio cinase Figura 12-51 A resposta à proteína desenovelada. (A) Por três vias de sinali- zação intracelular, o acúmulo de proteínas mal enoveladas no lúmen do RE sinaliza ao núcleo para ativar a transcrição de genes que codificam proteínas que auxiliam a cé- lula a conter as proteínas mal enoveladas no RE. (B) O splicing regulado de RNA é o controle-chave de regulação na via 1 de resposta à proteína desenovelada (Animação 12.6). 688 PARTE IV Organização interna da célula íntron. (Essa é a única exceção à regra de que os íntrons sofrem splicing enquanto o RNA ainda está no núcleo). Os éxons separados são então unidos por uma RNA-ligase, gerando um mRNA processado, que é traduzido nos ribossomos para produzir uma proteína reguladora de transcrição. A proteína migra ao núcleo e ativa a transcrição de genes codificadores de proteínas que ajudam a mediar a resposta à proteína deseno- velada (Figura 12-51B). Proteínas mal enoveladas também ativam uma segunda cinase transmembrana no RE, PERK, que inibe um fator de início da tradução pela sua fosforilação e redução da síntese de novas proteínas na célula. Uma consequência da redução da síntese de proteínas é a redução do fluxo de proteínas no RE, reduzindo então o carregamento de proteínas que precisam ser enoveladas lá. Algumas proteínas, entretanto, são pre- ferencialmente traduzidas quando os fatores de início da tradução são escassos (dis- cutido no Capítulo 7, p. 424), e uma dessas é um regulador de transcrição que auxilia a ativação da transcrição de genes que codificam proteínas ativas na resposta à proteína desenovelada. Por fim, o terceiro regulador transcricional, ATF6, é inicialmente sintetizado como uma proteína transmembrana do RE. Uma vez que está incorporada na membrana do RE, ela não pode ativar a transcrição de genes no núcleo. Quando proteínas mal enove- ladas acumulam-se no RE, contudo, a proteína ATF6 é transportada para o aparelho de Golgi, onde encontra proteases que clivam seus domínios citosólicos, que podem agora migrar para o núcleo e ajudar a ativar a transcrição de genes que codificam proteínas en- volvidas na resposta à proteína desenovelada. (Esse mecanismo é similar àquele descrito na Figura 12-16 para ativação do regulador da transcrição que controla a biossíntese do colesterol.) A importância relativa de cada uma dessas três vias na resposta à proteína desenovelada difere em tipos celulares distintos, permitindo que cada tipo celular possa adequar a resposta à proteína desenovelada. Algumas proteínas de membrana adquirem uma âncora de glicosilfosfatidilinositol (GPI) ligada covalentemente Como discutido no Capítulo 10, várias enzimas citosólicas catalisam a adição cova- lente de uma única cadeia de ácido graxo ou grupo prenila a proteínas selecionadas. Os lipídeos anexados ajudam a direcionar e ancorar essas proteínas à membrana ce- lular. Um processo relacionado é catalisado por enzimas do RE, que ligam covalente- mente uma âncora de glicosilfosfatidilinositol (GPI, glycosylphosphatidylinositol) à região C-terminal de algumas proteínas de membrana com destino à membrana plasmática. Essa ligação é formada no lúmen do RE, onde, ao mesmo tempo, o seg- mento transmembrana da proteína é clivado (Figura 12-52). Um grande número de proteínas da membrana plasmática é modificado dessa forma. Uma vez que são ade- ridas ao exterior da membrana plasmática somente pelas suas âncoras de GPI, elas podem, em princípio, ser liberadas das células na forma solúvel, em resposta a sinais que ativam uma fosfolipase específica na membrana plasmática. Os tripanossomos Figura 12-52 Adesão de uma âncora de GPI a uma proteína no RE. Proteínas ancoradas a GPI são direcionadas à mem- brana do RE por uma sequência-sinal N-terminal (não mostrado), que é removida (ver Figura 12-42). Imediatamente após o término da síntese da proteína, a proteína precursora permanece ancorada na mem- brana do RE por uma sequência hidrofóbi- ca C-terminal de 15 a 20 aminoácidos; o restante da proteína está no lúmen do RE. Em um intervalo de menos de 1 minuto, uma enzima no RE excisa a proteína da sua região C-terminal ligada à membrana e, simultaneamente, adere a sua nova região C-terminal a um grupo amino em uma GPI intermediária pré-sintetizada. A cadeia de açúcar contém um inositol aderido ao lipídeo do qual a âncora de GPI deriva seu nome. Ela é seguida por uma glicosamina e três manoses. A manose terminal liga-se a uma fosfoetanolamina que fornece o grupo amino para a ligação da proteína. O sinal que especifica essa modificação está contido na sequência hidrofóbica C-termi- nal e em uns poucos aminoácidos adjacen- tes a ela no lado do lúmen da membrana do RE; se esse sinal é adicionado a outras proteínas, elas também se modificam dessa forma. Devido ao fato de a âncora de lipídeo estar covalentemente ligada, a proteína permanece aderida à membrana, com todos os seus aminoácidos expostos inicialmente no lúmen do RE e, por fim, no exterior da membrana plasmática. H2N COOH Glicosilfosfatidilinositol COOH Peptídeo C-terminal clivado Proteína ligada à membrana pela âncora de GPI NH2 NH2 NH2 CITOSOLLÚMEN DO RE Inositol P P P P Etanolamina CAPÍTULO 12 Compartimentos intracelulares e endereçamento de proteínas 689 parasitas, por exemplo, caso sejam atacados pelo sistema imune, utilizam esse meca- nismo para liberar seu revestimento de proteínas de superfície GPI-ancoradas. As ân- coras de GPI também são usadas para direcionar proteínas de membrana plasmática para balsas lipídicas e, assim, segregar as proteínas de outras proteínas de membrana (ver Figura 10-13). A maioria das bicamadas lipídicas é montada no RE A membrana do RE é o local de síntese de quase todas as principais classes de lipí- deos da célula, incluindo fosfolipídeos e colesterol necessários à produção de novas membranas celulares. O principal fosfolipídeo sintetizado é a fosfatidilcolina (também chamada de lecitina), que pode ser formada em três etapas a partir de colina, de dois ácidos graxos e de glicerol fosfato (Figura 12-53). Cada etapa é catalisada por enzimas na membrana do RE que têm seus sítios ativos voltados para o citosol, onde são en- contrados todos os metabólitos necessários. Assim, a síntese de fosfolipídeos ocorre exclusivamente no folheto citosólico da membrana do RE. Devido ao fato de os ácidos graxos não serem solúveis em água, eles são conduzidos dos seus sítios de síntese ao RE por proteínas de ligação a ácidos graxos no citosol. Depois de chegarem na mem- brana do RE e serem ativados com coenzima A (CoA), aciltransferases adicionam dois ácidos graxos sucessivamente ao glicerol fosfato para produzir ácido fosfatídico. O ácido fosfatídico é suficientemente insolúvel em água para permanecer na bicamada lipídica, e não pode ser extraído dela por proteínas de ligação a ácidos graxos. Esse é, então, o primeiro passo para que a bicamada lipídica seja aumentada. As etapas pos- teriores determinam o grupo da cabeça de uma molécula de lipídeo recém-formada e, portanto, a natureza química da bicamada, mas não resultam em crescimento líquido da membrana. Os outros dois principais fosfolipídeos – fosfatidilserina e fosfatidileta- nolamina (ver Figura 10-3) –, assim como o menor fosfolipídeo fosfatidilinositol (PI), são todos sintetizados nessa via. Como a síntese de fosfolipídeo ocorre no folheto citosólico da bicamada lipídica do RE, é necessário que exista um mecanismo que transfira algumas das moléculas de fosfolipídeos recém-formados para o folheto do lado do lúmen da bicamada. Em bica- madas lipídicas sintéticas, lipídeos não se movem da forma flip-flop (ver Figura 10-10). No RE, todavia, os fosfolipídeos equilibram-se através da membrana em minutos, o que é quase cem mil vezes mais rápido do que o flip-flop (retorno) espontâneo. Esse movimen- to transbicamada rápido é mediado por um translocador de fosfolipídeos pobremente C O Á ci do g ra xo C O Á ci do g ra xo CH2 CH2CH Colina Colina 5 4 CoA CoACoA 2 CoA2 Aciltrans- ferase Fosfatase Colina fosfotransferase Glicerol 3-fosfato LÚMEN DO RE Ácido fosfatídico Diacilglicerol Fosfatidilcolina O O C O Á ci do g ra xo C O Á ci do g ra xo CH2 CH2 OH CH O O CH2 CH2CH OH OH OHOH C O Á ci do g ra xo C O Á ci do g ra xo C O Á ci do g ra xo C O CH2 CH2CH O O Á ci do g ra xo C O Á ci do g ra xo C O Á ci do g ra xo O HC O Ácido graxo C C CMP 3 2 1 Acil-CoA-ligase Proteína ligada ao ácido graxo Bicamada lipídica do RE CDP-colina P P P P P P Pi CITOSOL Figura 12-53 Síntese de fosfatidilco- lina. Como ilustrado, este fosfolipídeo é sintetizado a partir de glicerol-3-fosfato, citidina-difosfocolina (CDP-colina) e ácidos graxos entregues ao RE por proteínas cito- sólicas ligadas a ácidos graxos. 690 PARTE IV Organização interna da célula caracterizado, denominado embaralhador (scramblase) que, de maneira não seletiva, equilibra fosfolipídeos entre os dois folhetos da bicamada lipídica (Figura 12-54). Assim, os diferentes tipos de fosfolipídeos parecem ser igualmente distribuídos entre os dois folhetos da membrana do RE. A membrana plasmática contém um tipo diferente de translocador fosfolipí- dico que pertence à família de transportadores de absorção do tipo P (discutido no Capítulo 11). Essas flipases reconhecem especificamente fosfolipídeos que contêm gru- pos amino livres nos seus grupos da cabeça (fosfatidilserina e fosfatidiletanolamina – ver Figura 10-3) e os transfere a partir do meio extracelular para o folheto citosólico, utili- zando a energia da hidrólise do ATP. A membrana plasmática, portanto, apresenta uma composição fosfolipídica altamente assimétrica, que é ativamente mantida por flipases (ver Figura 10-15). A membrana plasmática também contém um misturador, mas, ao contrário do misturador do RE, que é sempre ativo, a enzima da membrana plasmática é regulada e ativada apenas em algumas situações, como em apoptose e em plaquetas ati- vadas, onde age para cancelar a assimetria da bicamada lipídica; a exposição resultante de fosfatidilserina na superfície de células apoptóticas serve como um sinal para células fagocíticas ingerirem e degradarem a célula morta. O RE também produz colesterol e ceramida (Figura 12-55). A ceramida é sin- tetizada pela condensação do aminoácido serina com um ácido graxo para formar o aminoálcool esfingosina (ver Figura 10-3); um segundo ácido graxo é então adicionado covalentemente para formar a ceramida. A ceramida é exportada ao aparelho de Gol- gi, onde serve como um precursor para a síntese de dois tipos de lipídeos: as cadeias oligossacarídicas são adicionadas para formar glicoesfingolipídeos (glicolipídeos; ver Figura 10-16), e os grupos da cabeça de fosfocolina são transferidos da fosfatidilcolina a outras moléculas de ceramida para formar esfingomielina (discutido no Capítulo 10). Assim, tanto os glicolipídeos quanto a esfingomielina são produzidos tardiamente no processo de síntese de membrana. Pelo fato de serem produzidos por enzimas que têm seus sítios ativos expostos ao lúmen do Golgi e não serem substratos para transportado- res de lipídeos, são encontrados exclusivamente no folheto não citosólico da bicamada lipídica que os contém. Figura 12-54 Papel dos translocadores de fosfolipídeos na síntese da bicama- da lipídica. (A) Uma vez que novas molé- culas de lipídeos são adicionadas somente à metade citosólica da bicamada da mem- brana do RE e que as moléculas de lipídeos não se movem de maneira espontânea de uma monocamada à outra, o trans- locador de fosfolipídeo transmembrana (chamado de “misturador”) é necessário para transferir moléculas de lipídeo da metade citosólica à metade do lúmen, de modo que a membrana desenvolva-se como uma bicamada. O “misturador” não é específico para grupos da cabeça de fosfolipídeo em particular e, portanto, equilibra os diferentes fosfolipídeos entre as duas monocamadas. (B) Alimentada pela hidrólise de ATP, uma flipase grupo da cabeça-específica na membrana plas- mática move ativamente fosfatidilserina e fosfatidiletanolamina direcionalmente do folheto extracelular ao citosólico, criando a assimetria característica da bicamada li- pídica da membrana plasmática de células animais (ver Figura 10-15). CITOSOL LÚMEN DO RE Bicamada lipídica do retículo endoplasmático Crescimento assimétrico da bicamada Crescimento simétrico de ambas as metades da bicamada A SÍNTESE DE FOSFOLIPÍDEOS SOMA-SE À METADE CITOSÓLICA DA BICAMADA A SCRAMBLASE CATALISA A TRANSFERÊNCIA DE MOLÉCULAS FOSFOLIPÍDICAS DO FOLHETO CITOSÓLICA PARA O FOLHETO DO LADO DO LÚMEN (A) MEMBRANA DO RE (B) MEMBRANA PLASMÁTICA EXTERIOR DA CÉLULA CITOSOL Bicamada lipídica assimétrica da membrana plasmática DISTRIBUIÇÃO DA NOVA MEMBRANA POR EXOCITOSE A FLIPASE CATALISA A LIBERAÇÃO DE FOSFOLIPÍDEOS ESPECÍFICOS PARA A MONOCAMADA CITOSÓLICA CH3 OH CH OH CH2 (CH2)12 CH CH CH O NH (CH2)16 CH3 C CERAMIDA Figura 12-55 A estrutura da ceramida. CAPÍTULO 12 Compartimentos intracelulares e endereçamento de proteínas 691Como discutido no Capítulo 13, a membrana plasmática e as membranas do apa- relho de Golgi, os lisossomos e os endossomos fazem parte de um sistema de membra- nas que se comunica com o RE por meio do transporte de vesículas que transferem pro- teínas e lipídeos. As mitocôndrias e os plastídios, todavia, não pertencem a esse sistema e requerem, portanto, mecanismos diferentes para a importação de proteínas e lipídeos para o crescimento. Já vimos que a maioria das proteínas nessas organelas é importada do citosol. Embora as mitocôndrias modifiquem alguns dos lipídeos que importam, não sintetizam lipídeos de novo; antes, seus lipídeos devem ser importados do RE, direta ou indiretamente, por meio de outras membranas celulares. Em ambos os casos, são neces- sários mecanismos especiais para a transferência. Os detalhes de como a distribuição dos lipídeos entre diferentes membranas é ca- talisada e regulada não são conhecidos. Proteínas carreadoras solúveis em água chama- das de proteínas de troca de fosfolipídeos (ou proteínas de transferência de fosfolipídeos) transferem moléculas individuais de fosfolipídeos entre as membranas, funcionando como proteínas de ligação a ácidos graxos que guiam os ácidos graxos através do citosol (ver Figura 12-54). Além disso, as mitocôndrias são frequentemente vistas em estreita justaposição a membranas do RE em micrografias eletrônicas, e complexas junções es- pecíficas têm sido identificadas, as quais mantêm o RE e as membranas mitocondriais externas em forte proximidade. Acredita-se que esses complexos juncionais forneçam mecanismos específicos de transferência de lipídeos dependentes de contato que ope- ram entre essas membranas adjacentes. Resumo A extensa rede do RE serve como uma fábrica para a produção de quase todos os lipídeos das células. Além disso, a maior porção da síntese de proteínas celulares ocorre na super- fície citosólica do RE rugoso: quase todas as proteínas destinadas à secreção ou ao próprio RE, o aparelho de Golgi, os lisossomos, os endossomos e a membrana plasmática são im- portadas, primeiramente, do citosol para o RE. No lúmen do RE, as proteínas enovelam-se e se oligomerizam; ligações dissulfeto são formadas, e oligossacarídeos ligados ao N são adicionados. A glicosilação ligada ao N é utilizada para indicar o grau do enovelamento proteico, de tal modo que as proteínas deixam o RE apenas quando estão adequadamente enoveladas. As proteínas que não se enovelam ou oligomerizam corretamente são trans- portadas de volta ao citosol, onde são desglicosiladas, poliubiquitinadas e degradadas em proteassomos. Se as proteínas mal enoveladas acumularem-se extensivamente no RE, elas desencadeiam uma resposta à proteína desenovelada, que ativa genes apropriados no núcleo para auxiliar o RE a contornar o problema. Apenas as proteínas que portam uma sequência-sinal especial do RE são impor- tadas para ele. A sequência-sinal é reconhecida por uma partícula de reconhecimento de sinal (SRP), que se liga à cadeia polipeptídica crescente e ao ribossomo e os direciona a uma proteína receptora na superfície citosólica da membrana do RE rugoso. Essa li- gação à membrana do RE inicia o processo de translocação que força uma alça da ca- deia polipeptídica através da membrana do RE, pelo poro hidrofílico de uma proteína translocadora. As proteínas solúveis – destinadas ao lúmen do RE para secreção ou transferência ao lúmen de outras organelas – passam completamente para o lúmen do RE. As proteínas transmembrana destinadas ao RE ou a outras membranas celulares são transportadas parcialmente através da membrana do RE e permanecem lá ancoradas por um ou mais segmentos de a-hélice em sua cadeia polipeptídica que atravessam a membrana. Essas porções hidrofóbicas da proteína podem atuar como sinais de início ou de parada da transferência durante o processo de translocação. Quando um polipeptídeo contém múl- tiplos sinais alternantes de início e de parada da transferência, ele passará múltiplas ve- zes para trás e para a frente através da bicamada como uma proteína transmembrana de passagem múltipla. A assimetria da inserção da proteína e da glicosilação no RE estabelece a assi- metria das membranas de todas as outras organelas que o RE supre com proteínas de membrana. O QUE NÃO SABEMOS • Como os receptores de importa- ção nuclear lidam com o interior emaranhado semelhante a um gel do complexo de poro nuclear de maneira tão eficiente? • O complexo de poro nuclear é uma estrutura rígida ou ela pode ser expandida e contraída depen- dendo da carga transportada? • Comparações de sequências mos- tram que as sequências-sinal para uma proteína individual como a insulina são extremamente con- servadas entre as espécies, muito mais do que seria esperado a par- tir do nosso entendimento atual de que tudo o que importa para a sua função são características es- truturais gerais, como hidrofobici- dade. Que outras funções podem sinalizar sequências que poderiam contribuir para a conservação evo- lutiva da sequência? • Como são arranjados os polirri- bossomos na membrana do retí- culo endoplasmático para que o próximo ribossomo inicial possa encontrar um translocador deso- cupado? • Por que a partícula de reconheci- mento do sinal possui uma subu- nidade de RNA indispensável? 692 PARTE IV Organização interna da célula TESTE SEU CONHECIMENTO Quais afirmativas estão corretas? Justifique. 12-1 Assim como o lúmen do RE, o interior do núcleo é to- pologicamente equivalente ao exterior da célula. 12-2 Os ribossomos ligados ao RE e livres, que são estru- tural e funcionalmente idênticos, diferem apenas quanto às proteínas sintetizadas em um determinado momento. 12-3 Para evitar as colisões inevitáveis que poderiam ocorrer se um tráfego de duas vias passasse em um único poro, com- plexos do poro nuclear especializados fazem a mediação da importação, enquanto outros fazem a mediação da exportação. 12-4 Os peroxissomos são encontrados em apenas poucos tipos especializados de células eucarióticas. Discuta as questões a seguir. 12-5 Qual o destino de uma proteína sem sinal de endere- çamento? 12-6 O RE rugoso é o local de síntese de muitas classes de proteínas de membrana. Algumas dessas proteínas perma- necem no RE, enquanto outras são distribuídas para com- partimentos como o aparelho de Golgi, os lisossomos e a membrana plasmática. Uma medida da dificuldade do pro- blema da distribuição é o grau de “purificação” que deve ser alcançado durante o transporte do RE. As proteínas a serem enviadas à membrana plasmática são comuns ou raras entre todas as proteínas de membrana do RE? Algumas considerações permitem responder a essa questão. Em uma célula em crescimento típica, que está se dividindo uma vez a cada 24 horas, o equivalente a 1 nova membrana plasmática deve transitar no RE a cada dia. Se a membrana do RE é 20 vezes a área de uma membrana plas- mática, qual é a razão das proteínas da membrana plasmá- tica com relação a outras proteínas de membrana no RE? (Suponha que todas as proteínas nas suas vias da membrana plasmática permanecem no RE por 30 minutos em média antes de saírem e que a razão entre proteínas e lipídeos no RE e membranas do plasma é a mesma.) 12-7 Antes de os complexos do poro nuclear serem bem entendidos, não estava claro se as proteínas nucleares di- fundiam-se passivamente para o núcleo e acumulavam-se lá pela ligação a “residentes” do núcleo, como cromossomos, ou se eram ativamente importadas e acumuladas apesar da sua afinidade pelos componentes nucleares. Um experimento clássico que se voltou a esse proble- ma usou muitas formas de nucleoplasmina radioativa, que é uma proteína pentamérica grande, envolvida na agregação da cromatina. Nesse experimento, tanto a proteína intacta quanto cabeças, caudas ou cabeças com uma única cauda de nucleoplasmina foram injetadas no citoplasma de um oóci- to ou núcleo de uma rã (Figura Q12-1). Todas as formas de nucleoplasmina, exceto cabeças,acumularam-se no núcleo quando injetadas no citoplasma, e todas as formas foram re- tidas no núcleo quando injetadas nele. A. Que porção da molécula de nucleoplasmina é responsá- vel pela localização no núcleo? B. Como esses experimentos distinguem entre transpor- te ativo, no qual um sinal de localização nuclear dispara o transporte pelo complexo do poro nuclear, e difusão passiva, na qual o sítio de ligação para um componente nuclear per- mite o acúmulo no núcleo? 12-8 Supondo que 32 milhões de octâmeros de histonas são necessários para empacotar o genoma humano, quantas mo- léculas de histonas devem ser transportadas, a cada segundo, por complexo do poro nuclear, em células cujo núcleo contém 3 mil poros nucleares e estão se dividindo uma vez por dia? 12-9 O complexo do poro nuclear (NPC) cria uma barreira para a troca livre de moléculas entre o núcleo e o citosol, mas de uma forma que permanece misteriosa. Em leveduras, por exemplo, o poro central de NPC tem 35 nm de diâmetro e 30 nm de comprimento, que é, de certa forma, menor que seu homólogo vertebrado. Mesmo assim, é grande o suficiente para acomodar praticamente todos os componentes do ci- tosol. Além disso, o poro permite a difusão passiva de molé- culas até 40 kD; a entrada de alguma molécula maior precisa da ajuda de um receptor de importação nuclear. A permea- bilidade seletiva é controlada pelos componentes proteicos do NPC que têm a cauda polar não estruturada se estenden- do para o poro central. Essas caudas são caracterizadas por repetições dos aminoácidos hidrofóbicos fenilalanina (F) e glicina (G) periodicamente. Em altas concentrações (cerca de 50 mM), domínios de repetições FG (FG-repeats) dessas proteínas podem formar um gel, com uma malha de interações entre repetições de FG hi- drofóbicas (Figura Q12-2A). Essas malhas permitem a lenta di- fusão passiva de pequenas moléculas, mas impedem a entrada de proteínas grandes, como a proteína fluorescente mCherry fusionada com a proteína de ligação à maltose (MBP) (Figura Q12-2B). (A fusão com MBP torna a proteína mCherry muito grande para entrar no núcleo por difusão passiva.) Contudo, se o receptor de importação nuclear, importina, é fusionado com uma proteína similar, MBP-GFP, a proteína fusionada importi- na-MBP-GFP facilmente entra no gel (Figura Q12-2B). Preparação de nucleoplasmina Intacta Apenas cauda Uma cauda Apenas cabeça Injeção nuclear Injeção citoplásmática Figura Q12-1 Localização celular de nucleoplasmina e componentes de nu- cleoplasmina injetados. Diagramas esquemáticos de autorradiografias mos- tram o citoplasma e o núcleo com a localização da nucleoplasmina indicada pelas áreas vermelhas. CAPÍTULO 12 Compartimentos intracelulares e endereçamento de proteínas 693 A. As repetições FG formam malhas in vitro apenas em concentrações relativamente altas (50 mM). Seria essa a con- centração razoável para as repetições FG no centro do NPC? Em leveduras, existem ao redor de 5 mil repetições FG em cada NPC. Dadas as dimensões do poro nuclear de levedu- ra (35 nm de diâmetro e 30 nm de comprimento), calcule a concentração de repetições de FG no volume cilíndrico do poro. Essa concentração é comparável àquela usada in vitro? B. Uma segunda questão é se a difusão de importina-MBP- -GFP por meio da malha de repetições FG é rápida o bastan- te para a estimativa da eficiência do fluxo de materiais entre o núcleo e o citosol. A partir de experimentos do tipo mos- trado na Figura Q12-2B, determinou-se que o coeficiente de difusão (D) de importina-MBP-GFP através do gel de repeti- ções FG teria cerca de 0,1 m2/s. A equação para difusão é t = x2/2D, onde t é o tempo e x, a distância. Calcule o tempo que a difusão de importina-MBP-GFP levaria para se difundir através do poro nuclear de levedura (30 nm) se o poro con- sistisse de um gel de repetições FG. Será rápido o suficiente para as necessidades de uma célula eucariótica? 12-10 Os componentes dos complexos TIM, proteínas translocadoras de múltiplas subunidades na membrana in- terna da mitocôndria, são muito menos abundantes do que aqueles do complexo TOM. Eles foram inicialmente identifi- cados pelo uso de “truques” genéticos. O gene Ura3 de levedura, cujo produto é uma enzima que normalmente está localizada no citosol, onde é essen- cial para a síntese da uracila, foi modificado, de modo que a proteína carrega um sinal de importação para a matriz mito- condrial. Uma população de células carregando o gene Ura3 modificado em vez do gene normal foi então cultivada na ausência de uracila. Muitas células morreram, mas as raras células que cresceram mostraram um defeito para a impor- tação mitocondrial. Explique como essa seleção identifica células com defeitos nos componentes necessários para a importação da matriz mitocondrial. Por que células normais com o gene Ura3 modificado não cresceram na ausência de uracila? Por que células que são defectivas para a importa- ção mitocondrial crescem na ausência de uracila? 12-11 Se a enzima di-hidrofolato redutase (DHFR), que normalmente está localizada no citosol, foi modificada ge- neticamente para carregar uma sequência-alvo mitocon- drial na sua porção N-terminal, ela é importada de maneira eficiente para a mitocôndria. Se a DHFR modificada é pri- meiro incubada com metotrexato, que se liga fortemente ao sítio ativo, a enzima permanece no citosol. Como você supõe que a ligação do metotrexato interfere na importação mitocondrial? 12-12 Por que as mitocôndrias necessitam de um trans- locador especial para importar proteínas através da mem- brana externa quando a membrana já possui grandes poros formados por porinas? 12-13 Examine a proteína transmembrana de passagem múltipla mostrada na Figura Q12-3. Qual seria o efeito se o primeiro segmento hidrofóbico transmembrana fosse con- vertido em um segmento hidrofílico? Esboce a disposição da proteína modificada na membrana do RE. NH2 COOH CITOSOL LÚMEN DO RE 1 3 5 2 4 6 Figura Q12-3 Disposição de uma proteína transmembrana de passagem múltipla na membrana do RE. Os hexágonos azuis representam oligossa- carídeos ligados covalentemente. As posições dos aminoácidos carregados positiva e negativamente flanqueiam o segundo segmento transmembrana, como mostrado. 12-14 Todos os novos fosfolipídeos são adicionados ao fo- lheto citosólico da membrana do RE, ainda que essa mem- brana tenha uma distribuição simétrica de diferentes fosfoli- pídeos em seus dois folhetos. Em contrapartida, a membrana plásmatica, que recebe todos os seus componentes de mem- brana do RE, tem uma distribuição muito assimétrica dos fosfolipídeos nos dois folhetos da bicamada lipídica. Como essa simetria é gerada na membrana do RE, e como a assi- metria é gerada e mantida na membrana plasmática? (A) (B) Solução MBP-mCherry Importina-MBP-GFP Gel 30 s 30 s 10 min 10 min 30 min 30 min Figura Q12-2 Gel de repetições FG e a entrada de proteínas no núcleo. (A) Desenhe a malha (gel) formada por interações emparelhadas entre as repe- tições FG hidrofóbicas. Para repetições FG separadas por 17 aminoácidos, como é típico, a rede formada pelas cadeias laterais de aminoácidos estendi- dos poderia corresponder a cerca de 4 nm de um lado, que poderia ser largo o suficiente para explicar a difusão passiva característica de proteínas através de poros nucleares. (B) Difusão de MBP-mCherry e importina-MBP-GFP para o gel de repetições FG. Em cada grupo, a solução é mostrada à esquerda e o gel à direita. As áreas mais claras indicam as regiões que contêm as proteínas fluorescentes. 694 PARTE IV Organização interna da célula REFERÊNCIAS Gerais Palade G (1975) Intracellular aspects of the process of protein synthesis. Science 189, 347–358. Compartimentalização das células Blobel G (1980) Intracellular protein topogenesis. Proc. Natl Acad. Sci. USA 77, 1496–1500. Devos DP, Gräf R & Field MC (2014) Evolution of the nucleus. Curr. Opin. Cell Biol. 28, 8–15. Warren G & WicknerW (1996) Organelle inheritance. Cell 84, 395–400. 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NESTE CAPÍTULO MECANISMOS MOLECULARES DO TRANSPORTE DE MEMBRANA E MANUTENÇÃO DA DIVERSIDADE DE COMPARTIMENTOS TRANSPORTE DO RE ATRAVÉS DO APARELHO DE GOLGI TRANSPORTE DA REDE TRANS DE GOLGI PARA OS LISOSSOMOS TRANSPORTE DA MEMBRANA PLASMÁTICA PARA DENTRO DA CÉLULA: ENDOCITOSE TRANSPORTE DA REDE TRANS DE GOLGI PARA O EXTERIOR DA CÉLULA: EXOCITOSE CAPÍTULO 13Tráfego intracelular de vesículas Toda célula deve alimentar-se, comunicar-se com o mundo que a circunda e responder rapidamente às mudanças em seu ambiente. Para auxiliar na realização dessas tarefas, as células ajustam continuamente a composição da sua membrana plasmática e de seus compartimentos internos mediante respostas rápidas à necessidade. Elas utilizam um elaborado sistema interno de membranas para adicionar e remover proteínas da superfí- cie celular, como receptores, canais iônicos e transportadores (Figura 13-1). Por meio do processo de exocitose, a via secretora distribui proteínas recém-sintetizadas, carboidra- tos e lipídeos para a membrana plasmática ou para o espaço extracelular. Pelo processo inverso de endocitose, as células removem componentes da membrana plasmática e os largam em compartimentos internos denominados endossomos, de onde eles podem ser reciclados para as mesmas regiões ou para regiões diferentes da membrana plasmática, ou podem ser entregues aos lisossomos para degradação. As células também usam a en- docitose para capturar nutrientes importantes, como vitaminas, colesterol e ferro; estes são recolhidos junto com as macromoléculas às quais se ligam e são, então, movidospara os endossomos e lisossomos, de onde podem ser transportados para dentro do ci- toplasma para uso em vários processos biossintéticos. O espaço interior, ou lúmen, de cada compartimento envolto por membrana ao longo das vias secretora e endocítica é equivalente ao lúmen da maioria dos outros com- partimentos envolvidos por membranas e ao exterior da célula, no sentido de que as proteínas podem transitar nesse espaço sem ter de atravessar uma membrana quando elas são passadas de um compartimento ao outro por meio de numerosos pacotes envol- tos por membranas. Esses pacotes são formados pelo compartimento do doador e são vesículas pequenas e esféricas, vesículas maiores e irregulares ou túbulos. Utilizaremos o termo vesícula transportadora para todas as formas desses pacotes. Dentro de uma célula eucariótica, as vesículas transportadoras brotam continua- mente de uma membrana e se fundem com outra, carregando componentes de mem- brana e moléculas solúveis do lúmen, que são referidos como carga (Figura 13-2). Esse tráfego de vesículas flui ao longo de vias altamente organizadas e direcionadas, que per- mitem que a célula secrete, alimente-se e remodele sua membrana plasmática e orga- nelas. A via secretora direciona-se para fora, a partir do retículo endoplasmático (RE) na direção do aparelho de Golgi e da superfície celular, com uma via lateral levando aos lisossomos, enquanto a via endocítica direciona-se para dentro, a partir da membrana plasmática. Em cada caso, vias de recuperação fazem o balanço do fluxo de membranas entre os compartimentos na direção oposta, trazendo membranas e proteínas seleciona- das de volta ao compartimento de origem (Figura 13-3). Figura 13-1 Exocitose e endocitose. (A) Na exocitose, uma vesícula transpor- tadora se funde à membrana plasmática. Seu conteúdo é liberado no espaço extracelular, enquanto a membrana da vesícula (vermelho) torna-se contínua à membrana plasmática. (B) Na endocitose, um fragmento da membrana plasmática (vermelho) é internalizado, formando uma vesícula transportadora. Seu conteúdo é derivado do espaço extracelular. (A) Exocitose (B) Endocitose Membrana plasmática CITOSOL CITOSOL 696 PARTE IV Organização interna da célula Para executar a sua função, cada vesícula transportadora que brota de um com- partimento deve ser seletiva. Ela deve captar apenas as moléculas apropriadas e deve se fundir somente com a membrana-alvo apropriada. Uma vesícula carregando carga do RE para o aparelho de Golgi, por exemplo, deve excluir a maioria das proteínas que devem ficar no RE, e deve se fundir apenas com o aparelho de Golgi e não com qualquer outra organela. Iniciamos este capítulo considerando os mecanismos moleculares de brotamento e de fusão que fundamentam todo o transporte de vesículas. Discutimos, então, o pro- blema fundamental de como, no âmbito desse transporte, a célula mantém as diferenças moleculares e funcionais entre seus compartimentos. Finalmente, consideramos a fun- ção do aparelho de Golgi, dos lisossomos, das vesículas secretoras e dos endossomos, à medida que traçamos as vias que conectam essas organelas. Figura 13-2 Transporte por vesícula. Vesículas transportadoras brotam de um compartimento e se fundem a outro. À medida que fazem isso, elas carregam materiais como carga a partir do lúmen (espaço dentro de um compartimento envolto por membrana) e membrana do compartimento doador para o lúmen e membrana do compartimento-alvo, como mostrado. FUSÃO LÚMEN CITOSOL COMPARTIMENTO DOADOR COMPARTIMENTO- -ALVO BROTAMENTO Moléculas-carga LISOSSOMO Vesícula secretora Endossomo primário Endossomo de reciclagem Endossomo tardio Membrana plasmática Membrana plasmática Cisternas Aparelho de Golgi Envelope nuclear Retículo endoplasmático Lisossomo (A) (B) ENDOSSOMO DE RECICLAGEM ENDOSSOMO PRIMÁRIO RETÍCULO ENDOPLASMÁTICO GOLGI ENDOSSOMO TARDIO VESÍCULAS SECRETORAS CITOSOL CITOSOL EXTERIOR DA CÉLULA ESPAÇO EXTRACELULAR Vesícula endocítica Figura 13-3 Roteiro das vias secretora e endocítica. (A) No roteiro esquematizado, que foi introduzido no Capítulo 12, as vias endocítica e secretora estão ilustradas com setas verdes e vermelhas, respectivamente. Além disso, as setas azuis indicam vias de recuperação para o fluxo retrógrado de componentes sele- cionados. (B) Os compartimentos da célula eucariótica envolvidos no transporte vesicular. O lúmen de cada compartimento envolto por membrana é topologi- camente equivalente ao lado externo da célula. Todos os compartimentos mostrados comunicam-se uns com os outros e com o lado externo da célula por meio de vesículas transportadoras. Na via secretora (setas vermelhas), as moléculas proteicas são transportadas do RE para a membrana plasmática ou (via endosso- mos) para os lisossomos. Na via endocítica (setas verdes), as moléculas são ingeridas em vesículas endocíticas derivadas da membrana plasmática e entregues para endossomos primários, e então (via endossomos tardios) para os lisossomos. Muitas moléculas endocitadas são recuperadas de endossomos primários e devolvidas (algumas via endossomos de reciclagem) para a superfície celular para reúso; semelhantemente, algumas moléculas são recuperadas dos endossomos primário e tardio e devolvidas ao aparelho de Golgi, e algumas são recuperadas do aparelho de Golgi e devolvidas ao RE. Todas essas vias de recuperação estão mostradas com setas azuis, como em (A). CAPÍTULO 13 Tráfego intracelular de vesículas 697 MECANISMOS MOLECULARES DO TRANSPORTE DE MEMBRANA E MANUTENÇÃO DA DIVERSIDADE DE COMPARTIMENTOS O transporte vesicular medeia uma troca contínua de componentes entre os dez ou mais compartimentos envoltos por membranas quimicamente distintos que, coletiva- mente, constituem as vias secretora e endocítica. Com essa troca massiva, como cada compartimento pode manter o seu caráter especializado? Para responder a essa questão, devemos considerar primeiro o que define o caráter de um compartimento. Acima de tudo, é a composição da membrana circundante: marcadores moleculares dispostos na superfície citosólica da membrana servem como sinais de orientação para o tráfego de entrada para garantir que as vesículas transportadoras se fundam somente ao compar- timento correto. Muitos desses marcadores de membrana, entretanto, são encontrados em mais de um compartimento, e é a combinação específica de moléculas marcadoras que atribui a cada compartimento o seu endereço molecular. Como esses marcadores de membrana são mantidos em altas concentrações em um compartimento e em baixas concentrações em outro? Para responder a essa ques- tão, precisamos considerar como porções de membrana, enriquecidas ou destituídas de componentes específicos de membrana, desprendem-se de um compartimento e se transferem para outro. Começamos discutindo como as células segregam proteínas em domínios de membrana separados pela montagem de um revestimento proteico especial na face cito- sólica da membrana. Consideramos como os revestimentos se formam, de que são feitos e como são usados para extrair componentes específicos da carga de uma membrana e um compartimento luminal para entregar em outro compartimento. Por fim, discutimos como as vesículas transportadoras se ancoram na membrana-alvo apropriada e então se fundem a ela para entregar suas cargas. Existem vários tipos de vesículas revestidas A maioria das vesículas transportadoras se forma a partir de regiões revestidas especializa- das das membranas. Elas brotam como vesículas revestidas que possuem grades distintas de proteínas cobrindo as suas superfícies citosólicas. Antes de as vesículas se fusionarem com uma membrana-alvo, elas descartam seu revestimento, conforme é requerido para que as duas superfícies citosólicas das membranas interajam diretamente e se fundam. O revestimento desempenha duas funções principais que são refletidas em uma estrutura comum de duas camadas. Primeiro, uma camada interna dorevestimento concentra proteínas específicas de membrana em uma porção, que então dá origem à membrana da vesícula. Dessa maneira, a camada interna seleciona as moléculas de membrana apropriadas para o transporte. Segundo, uma camada externa do revesti- mento se arranja como uma treliça curva, com formato de cesta, que deforma a porção da membrana, e assim dá forma à vesícula. Há três tipos bem caracterizados de vesículas revestidas, distinguidos pelas suas prin- cipais proteínas de revestimento: vesículas revestidas por clatrina, revestidas por COPI e re- vestidas por COPII (Figura 13-4). Cada tipo é utilizado para diferentes etapas de transporte. As vesículas revestidas por clatrina, por exemplo, medeiam o transporte a partir do apare- lho de Golgi e da membrana plasmática, ao passo que as vesículas revestidas por COPI e COPII medeiam, com mais frequência, o transporte a partir do RE e das cisternas de Golgi (Figura 13-5). Há, no entanto, muito mais variedade de vesículas revestidas e de funções do que esta pequena lista sugere. Como discutiremos a seguir, há vários tipos de vesículas re- vestidas por clatrina, cada uma delas especializada para uma etapa diferente de transporte, e as vesículas revestidas por COPI e COPII podem ser semelhantemente diversas. A montagem do revestimento de clatrina direciona a formação de vesículas As vesículas revestidas por clatrina, as primeiras vesículas revestidas a serem desco- bertas, transportam material originado na membrana plasmática e entre os compar- 698 PARTE IV Organização interna da célula timentos endossômicos e de Golgi. As vesículas revestidas por COPI e COPII trans- portam material no início da via secretora: as vesículas revestidas por COPI brotam dos compartimentos de Golgi, e as vesículas revestidas por COPII brotam do RE (ver Figura 13-5). Discutiremos as vesículas revestidas por clatrina primeiro, já que fornecem um bom exemplo de como as vesículas se formam. O principal componente proteico das vesículas revestidas por clatrina é a própria clatrina, que forma a camada externa do revestimento. Cada subunidade de clatrina consiste em três cadeias polipeptídicas grandes e três pequenas que, juntas, formam uma estrutura de três pernas chamada de tríscele (Figura 13-6A,B). Os trísceles de cla- trina se arranjam como uma rede de hexágonos e pentágonos em formato de cesta para formar fossas (brotos) revestidas na superfície citosólica das membranas (Figura 13-7). Sob condições apropriadas, os trísceles isolados se auto-organizam de maneira espontâ- nea em gaiolas poliédricas características em tubo de ensaio, mesmo na ausência das ve- sículas de membrana que tais cestas normalmente envolvem (Figura 13-6C,D). Portan- to, os trísceles de clatrina determinam a geometria da grade de clatrina (Figura 13-6E). Proteínas adaptadoras selecionam a carga para as vesículas revestidas por clatrina As proteínas adaptadoras, outro componente principal do revestimento das vesículas revestidas por clatrina, formam uma discreta camada interna no revestimento, posi- cionada entre a grade de clatrina e a membrana. Elas ligam o revestimento de clatrina à membrana e aprisionam várias proteínas transmembrana, incluindo os receptores transmembrana que capturam moléculas-carga solúveis para dentro das vesículas – os Figura 13-4 Micrografias eletrônicas de vesículas revestidas por clatrina, COPI e COPII. Todas são apresentadas como micrografias eletrônicas na mesma escala. (A) Vesículas revestidas por cla- trina. (B) Vesículas revestidas por COPI e cisternas de Golgi (setas vermelhas) de um sistema sem células em que as vesículas revestidas por COPI se formam em tubo de ensaio. (C) Vesículas revestidas por COPII. (A e B, de L. Orci, B. Glick e J. Rothman, Cell 46:171–184, 1986. Com permissão de Elsevier; C, cortesia de Charles Barlowe e Lelio Orci.) Clatrina(A) (B) COPI (C) COPII 100 nm Figura 13-5 Uso de diferentes reves- timentos para etapas diferentes do transporte de vesículas. Diferentes proteínas de revestimento selecionam dife- rentes cargas e dão forma às vesículas de transporte que medeiam as várias etapas das vias biossintética secretora e endocíti- ca. Quando os mesmos revestimentos fun- cionam em diferentes locais da célula, eles normalmente incorporam diferentes subu- nidades proteicas que modificam as suas propriedades (não mostrado). Muitas cé- lulas diferenciadas possuem vias adicionais além das mostradas aqui, incluindo uma via de classificação/distribuição a partir da rede trans de Golgi até a superfície apical das células epiteliais, e uma via especiali- zada na reciclagem das proteínas das vesí- culas sinápticas nas terminações nervosas de neurônios (ver Figura 11-36). As setas estão coloridas como na Figura 13-3. Membrana plasmática Clatrina COPI COPII LEGENDA: Aparelho de Golgi Cisterna de Golgi Vesícula secretora Endossomo tardio Endossomo primário RE Rede trans de Golgi ESPAÇO EXTRA- CELULAR CITOSOL CAPÍTULO 13 Tráfego intracelular de vesículas 699 chamados receptores de carga. Desse modo, as proteínas adaptadoras selecionam um conjunto específico de proteínas transmembrana, junto com as proteínas solúveis que interagem com elas, e as empacotam dentro de cada vesícula de transporte revestida por clatrina recém-formada (Figura 13-8). Existem vários tipos de proteínas adaptadoras. A mais bem caracterizada possui quatro subunidades proteicas diferentes; outras são proteínas de cadeia única. Cada tipo de proteína adaptadora é específico para um diferente conjunto de receptores de carga. As vesículas revestidas por clatrina que brotam de diferentes membranas utilizam diferentes proteínas adaptadoras e, portanto, empacotam diferentes receptores e moléculas-carga. A montagem das proteínas adaptadoras sobre a membrana é controlada rigida- mente, em parte pela interação cooperativa das proteínas adaptadoras com outros com- ponentes do revestimento. A proteína adaptadora AP2 serve como um exemplo bem conhecido. Quando ela se liga a um lipídeo fosfatidilinositol fosforilado (um fosfoinosití- deo), ela altera a sua conformação expondo os sítios de ligação para os receptores de car- ga na membrana. A ligação simultânea aos receptores de carga e aos grupos de cabeça lipídica estimula bastante a ligação da AP2 à membrana (Figura 13-9). Dado que vários requisitos devem ser cumpridos simultaneamente para ligar as proteínas AP2 de forma estável na membrana, as proteínas agem como detectores de coincidência que se arranjam somente no momento e no local certos. Com a ligação, elas induzem a curvatura da membrana, o que torna a ligação de proteínas AP2 adicionais mais provável nas proximidades. A montagem cooperativa da camada de revestimento de AP2 é, então, amplificada adicionalmente pela ligação da clatrina, que leva à forma- ção e ao brotamento da vesícula de transporte. As proteínas adaptadoras encontradas em outros revestimentos também se ligam a fosfoinositídeos, que não apenas possuem uma função principal em direcionar quan- (A) (B) (C) (D) (E) Cadeias pesadas Cadeia leve 25 nm 50 nm Figura 13-6 Estrutura de um revestimento de clatrina. (A) Micrografia eletrônica de um tríscele de clatrina contrastada com platina. (B) Cada trís- cele é composto de três cadeias pesadas e três cadeias leves de clatrina, como mostrado no diagrama. (C e D) Uma criomicrografia eletrônica obtida de um revestimento de clatrina composto de 36 trísceles organizados em uma rede de 12 pentágonos e 6 hexágonos, com algumas cadeias pesadas (C) e cadeias leves (D) destacadas (Animação 13.1). As cadeias leves se ligam ao citoesqueleto de actina, que ajuda a gerar força para o brotamento da membrana e movimento da vesícula, e a sua fosforilação regula a montagem do revestimento de clatrina. As pernas entrelaçadas dos trísceles de clatrina formam uma casca externa a partir da qual os domínios N-terminais dos trísceles se projetam para dentro. Esses domínios se ligam às proteí- nasadaptadoras mostradas na Figura 13-8. O revestimento mostrado foi bioquimicamente arranjado a partir de trísceles de clatrina pura e é muito pequeno para conter uma vesícula de membrana. (E) Imagens de vesículas revestidas por clatrina isoladas de cérebro bovino. Os revestimentos de cla- trina estão construídos de forma semelhante, porém menos regular, a partir de pentágonos, um número maior de hexágonos e, às vezes, heptágonos, lembrando o formato de bolas de futebol deformadas. As estruturas foram determinadas por criomicroscopia eletrônica e reconstrução tomográfica. (A, de E. Ungewickell e D. Branton, Nature 289:420–422, 1981; C e D, de A. Fotin et al., Nature 432:573–579, 2004. Todos com permissão de Mac- millan Publishers Ltd; E, de Y. Cheng et al., J. Mol. Biol. 365:892–899, 2007. Com permissão de Elsevier.) Figura 13-7 Fossas e vesículas revestidas por clatrina. Esta micrografia eletrônica criorrelevo por congelamento rápido mostra numerosas fossas e vesículas revestidas por clatrina na superfície interna da membrana plasmática de fibroblastos cultivados. As cé- lulas foram rapidamente congeladas em hélio líquido, fraturadas e reveladas para expor a superfície citoplasmática da membrana plasmática. (Cortesia de John Heuser.) 0,2 �m 700 PARTE IV Organização interna da célula do e onde os revestimentos se arranjam na célula, mas também são utilizados muito mais amplamente como marcadores moleculares para a identificação de compartimen- tos. Isso ajuda a controlar o tráfego vesicular, como discutiremos agora. Os fosfoinositídeos marcam organelas e domínios de membrana Embora os fosfolipídeos de inositol em geral compreendam menos de 10% do total de fos- folipídeos de uma membrana, eles possuem funções reguladoras importantes. Eles podem sofrer ciclos rápidos de fosforilação e desfosforilação nas posições 3, 4 e 5 dos seus gru- pos com cabeças de açúcar inositol para produzir vários tipos de fosfoinositídeos (fosfa- tidilinositol fosfatos, ou PIPs – do inglês phosphatidylinositol phosphates). A interconversão de fosfatidilinositol (PI) e PIPs é altamente compartimentalizada: diferentes organelas das vias endocítica e secretora possuem conjuntos distintos de PI, PIP-cinases e PIP-fosfatases (Figura 13-10). A distribuição, a regulação e o balanço local dessas enzimas determinam a distribuição basal de cada espécie de PIP. Como consequência, a distribuição dos PIPs varia de organela para organela e, frequentemente, dentro de uma membrana contínua de uma região para outra, definindo, desse modo, domínios de membrana especializados. Muitas proteínas envolvidas em diferentes etapas do transporte vesicular contêm domínios que se ligam com alta especificidade aos grupos de cabeça de determinados PIPs, distinguindo uma forma fosforilada de outra (ver Figura 13-10E e F). O controle lo- cal de PI, PIP-cinases e PIP-fosfatases pode, então, ser usado para controlar rapidamente a ligação de proteínas a uma membrana ou domínio de membrana. A produção de um tipo particular de PIP recruta proteínas portadoras de domínios de ligação a PIP. As pro- teínas ligadoras de PIP ajudam, então, a regular a formação da vesícula e outras etapas no controle do tráfego vesicular (Figura 13-11). A mesma estratégia é amplamente uti- MONTAGEM DO REVESTIMENTO E SELEÇÃO DE CARGA PERDA DO REVESTIMENTO FORMAÇÃO DO BROTO FORMAÇÃO DA VESÍCULA Tríscele de clatrina Moléculas-carga Proteínas de curvatura da membrana e de fissão Receptor de carga Membrana doadora Proteína adaptadora Proteína adaptadora Membrana de vesícula revestida Vesícula de transporte nua CITOSOL Figura 13-8 Montagem e desmonta- gem do revestimento de clatrina. A montagem do revestimento introduz uma curvatura para dentro da membrana, que leva, por sua vez, à formação de um broto revestido (chamado de fossa reves- tida se estiver na membrana plasmática). As proteínas adaptadoras se ligam nos trísceles de clatrina e nos receptores de carga ligados à membrana, mediando, assim, o recrutamento seletivo tanto de moléculas-carga de membrana quanto de moléculas solúveis para dentro da vesícula. Outras proteínas de curvatura e de fissão da membrana são recrutadas para o pes- coço da vesícula em brotamento, onde a curvatura acentuada da membrana é in- troduzida. O revestimento é rapidamente perdido logo após a separação dos brotos de vesículas. Figura 13-9 Alteração de conformação de AP2 induzida por lipídeo. O complexo de proteína adaptadora AP2 tem quatro subunidades (a, b2, 2 e 2). Em interação com o fosfoinositídeo PI(4,5)P2 (ver Figura 13-10) no folheto cito- sólico da membrana plasmática, a AP2 se rearranja para que os sítios de ligação para os receptores de carga fiquem expostos. Cada complexo AP2 liga quatro moléculas PI(4,5)P2 (para simplificar, somente um está mostrado). No complexo AP2 aberto, as subunidades 2 e 2 se ligam às caudas citosólica dos receptores de carga que apresentam os sinais apropriados para endocitose. Esses sinais consistem em mo- tivos de sequências de aminoácidos curtas. Quando a AP2 se liga fortemente à mem- brana, ela induz a curvatura, que favorece a ligação de complexos adicionais de AP2 na vizinhança. Fosfoinositídeo PI(4,5)P2 Sinais para endocitose Receptores de carga AP2 aberto AP2 bloqueado �2 �2 �2 � CAPÍTULO 13 Tráfego intracelular de vesículas 701 lizada para recrutar proteínas de sinalização intracelular específicas para a membrana plasmática em resposta aos sinais extracelulares (discutido no Capítulo 15). Proteínas de curvatura da membrana ajudam a deformar a membrana durante a formação da vesícula As forças geradas somente pela montagem do revestimento de clatrina não são suficien- tes para formar e destacar a vesícula da membrana. Outras proteínas de curvatura da membrana e geradoras de força participam de cada estágio do processo. As proteínas de curvatura da membrana que contêm os domínios na forma de crescente, chamados domínios BAR, ligam-se e impõem sua forma sobre a membrana subjacente via intera- ções eletrostáticas com os grupos de cabeça lipídica (Figura 13-12; ver também Figura 10-40). Acredita-se que tais proteínas com domínio BAR ajudem a AP2 a formar o núcleo da endocitose mediada por clatrina dando forma à membrana para permitir a formação do broto revestido por clatrina. Algumas dessas proteínas também contêm hélices anfifí- licas que induzem a curvatura da membrana depois de serem inseridas como cunhas no folheto citoplasmático da membrana. Outras proteínas com domínio BAR são importan- tes para formar o pescoço de uma vesícula em brotamento, onde a estabilização de cur- vaturas acentuadas na membrana é essencial. Por fim, a maquinaria de clatrina agrupa o arranjo local de filamentos de actina que introduzem tensão para ajudar a destacar e propelir a vesícula em formação para longe da membrana. Proteínas citoplasmáticas regulam a liberação e a remoção do revestimento das vesículas À medida que um broto revestido por clatrina cresce, proteínas citoplasmáticas solúveis, incluindo a dinamina, arranjam-se no pescoço de cada broto (Figura 13-13). A dinamina contém um domínio de ligação ao PI(4,5)P2 que ancora a proteína à membrana, e um do- Figura 13-10 Fosfatidilinositol (PI) e fosfoinositídeos (PIPs). (A, B) A estrutura do PI mostra os grupos hidroxila livres no açúcar inositol, que podem, em princípio, ser modificados. (C) A fosforilação de um, dois ou três dos grupos hidroxila do PI, por PI ou PIP-cinases, produz uma variedade de espécies de PIP. Elas são designadas de acordo com a posição do anel (entre parênteses) e o número de grupos fosfato (subscrito) adicionados ao PI. O PI(3,4)P2 está representado. (D) As células animais possuem várias PI e PIP-cinases e um nú- mero semelhante de PIP-fosfatases, que estão localizadas em diferentes organelas, onde são reguladas para catalisar a produ- ção de determinados PIPs. As setas verme- lhas e verdes representam as reações da cinasee da fosfatase, respectivamente. (E, F) Os grupos de cabeça de fosfoinositídeos são reconhecidos por domínios proteicos que discriminam as diferentes formas. Des- sa maneira, grupos selecionados de proteí- nas portando tais domínios são recrutados às regiões da membrana nas quais esses fosfoinositídeos estejam presentes. PI(3)P e PI(4,5)P2 estão mostrados. (D, modificada de M.A. de Matteis e A. Godi, Nat. Cell Biol. 6:487–492, 2004. Com permissão de Macmillan Publishers Ltd.) OH OH HO HO HO P O O O O OO CC O O _ CH2CH2 CH 1 23 4 5 6 1 23 4 5 6 PI PI(3,4)P2 PI(3,5)P2 PI(3)P PI(3,4)P2 PI PI(4)P PI(5)P PI(4,5)P2 PI(3,4,5)P3 (A) (C) (E) (F) (B) (D) P P P P Figura 13-11 Localização intracelular dos fosfoinositídeos. Diferentes tipos de PIPs estão localizados em diferentes membranas e domínios de membrana, onde eles estão frequentemente associados a eventos de transporte vesicular específicos. A membrana das vesículas secretoras, por exemplo, contém PI(4)P. Quando as vesículas fusionam-se à membrana plasmática, uma PI 5-cinase ali localizada converte o PI(4)P em PI(4,5)P2. O PI(4,5)P2, por sua vez, auxilia no recrutamento de proteínas adaptadoras, que iniciam a formação de uma fossa revestida por clatrina, como na primeira etapa da endocitose mediada por clatrina. Uma vez que a vesícula revestida por clatrina destaca-se da mem- brana plasmática, uma PI(5)P-fosfatase hidrolisa PI(4,5)P2, o que enfraquece a ligação das proteínas adaptadoras, promovendo a remoção do revestimento da vesícula. Discutire- mos fagocitose e a diferença entre exocitose regulada e constitutiva mais adiante neste capítulo. (Modificada de M.A. de Matteis e A. Godi, Nat. Cell Biol. 6:487–492, 2004. Com permissão de Macmillan Publishers Ltd.) Exocitose constitutiva Exocitose regulada Endocitose Fagocitose LEGENDA: PI(3)P PI(4)P PI(4,5)P2 PI(3,5)P2 PI(3,4,5)P3 702 PARTE IV Organização interna da célula mínio de GTPase que regula a frequência na qual as vesículas se liberam da membrana. O processo de liberação aproxima os dois folhetos não citoplasmáticos da membrana in- timamente e os fusiona, isolando a vesícula em formação para fora (ver Figura 13-2). Para realizar essa tarefa, a dinamina recruta outras proteínas para o pescoço do broto. Junto com a dinamina, elas ajudam a curvar a porção da membrana – pela distorção direta da estrutura bicamada, ou pela mudança da sua composição lipídica mediante recrutamen- to de enzimas modificadoras de lipídeos, ou por meio de ambos os mecanismos. Uma vez liberada da membrana, a vesícula rapidamente perde seu revestimento de clatrina. Uma PIP-fosfatase que é coempacotada nas vesículas revestidas por clatrina esgota os PI(4,5)P2 da membrana, o que enfraquece a ligação das proteínas adaptadoras. Além disso, uma proteína chaperona hsp70 (ver Figura 6-80) funciona como uma ATPase de remoção do revestimento, utilizando a energia da hidrólise de ATP para remover o revestimento de clatrina. Acredita-se que a auxilina, outra proteína de vesícula, ative a ATPase. A liberação do revestimento, entretanto, não pode acontecer prematuramente, de modo que mecanismos adicionais de controle devem impedir, de alguma forma, que a clatrina seja removida antes que uma vesícula completa tenha se formado (discutido adiante). Figura 13-12 Estrutura dos domínios BAR. As proteínas de domínio BAR são diversas e permitem muitos processos de curvatura de membrana na célula. Os domínios BAR são construídos a partir de super-hélices que se dimerizam em moléculas com uma superfície interna carregada positivamente que interage de preferência com os grupos de cabeças lipí- dicas negativamente carregados para cur- var as membranas. As deformações locais da membrana causadas pelas proteínas de domínio BAR facilitam a ligação de proteínas de domínio BAR adicionais, ge- rando, assim, um ciclo de retroalimentação positiva para a propagação da curvatura. Proteínas de domínio BAR individuais con- têm uma curvatura distinta e muitas vezes têm características adicionais que as adap- tam às suas tarefas específicas: algumas têm hélices anfifílicas curtas que causam deformação adicional na membrana por inserção de cunhas; outras são flanque- adas por domínios PIP que as direcionam para as membranas enriquecidas de fosfoi- nositídeos cognatos. Dímero de domínio BAR Membrana + Pescoço de membrana apertado Domínio GTPase (C) (D) Domínio GTPase de dinamina Hidrólise de GTP (B) 200 nm Hélice de dinamina e proteínas associadas(A) Figura 13-13 O papel da dinamina na liberação das vesículas revestidas por clatrina. (A) Múltiplas moléculas de dinamina se arranjam em uma espiral ao redor do pescoço do broto em formação. Acredita-se que a espiral recrute outras proteínas para o pescoço do broto, que, junto com a dinamina, desestabi- lizam a interação das bicamadas lipídicas de forma que os folhetos não citoplasmáticos se unam. A vesícula recém-formada se libera então da membrana. Mu- tações específicas na dinamina podem aumentar ou bloquear o processo de liberação. (B) A dinamina foi descoberta como a proteína defeituosa dos mutantes shibire de Drosophila. Essas moscas mutantes ficam paralisadas porque a endocitose mediada por clatrina cessa e a membrana da vesícula sináptica falha em se reciclar, bloqueando a liberação de neurotransmissor. Fossas revestidas por clatrina profundamente invaginadas formam-se nas terminações nervosas das células nervosas das moscas, com um cinto de dinamina mutante estruturado ao redor do pescoço, como mostrado nesta micrografia eletrônica de secção fina. O pro- cesso de destacamento falha, pois a fusão de membranas necessária não ocorre. (C, D) Um modelo de como mudanças conformacionais nos domínios GTPase de arranjo de dinamina na membrana podem gerar uma mudança conformacional que constringe o pescoço do broto. Uma única molécula de dinamina está mostrada em laranja em D. (B, de J.H. Koenig e K. Ikeda, J. Neurosci. 9:3844–3860, 1989. Com permissão de Society of Neuroscience; C e D, adaptada de M.G.J. Ford, S. Jenni e J. Nunnari, Nature 477:561–566, 2011. Com permissão de Macmillan Publishers.) CAPÍTULO 13 Tráfego intracelular de vesículas 703 GTPases monoméricas controlam a montagem do revestimento Para equilibrar o tráfego de vesículas de um compartimento para outro, as proteínas de revestimento devem se arranjar somente onde e quando elas forem necessárias. Enquan- to a produção local de PIPs desempenha um papel principal em regular a montagem dos revestimentos de clatrina na membrana plasmática e no aparelho de Golgi, as células so- brepõem maneiras adicionais de regular a formação do revestimento. As GTPases recruta- doras de revestimento, por exemplo, controlam a montagem dos revestimentos de clatrina nos endossomos e dos revestimentos de COPI e COPII nas membranas de Golgi e RE. Muitas etapas do transporte de vesículas dependem de uma variedade de proteí- nas de ligação ao GTP que controlam tanto os aspectos espaciais quanto temporais da formação e fusão de vesículas. Como discutido no Capítulo 3, as proteínas de ligação ao GTP regulam a maioria dos processos nas células. Elas atuam como interruptores mo- leculares que alternam entre um estado ativo ligado a GTP e um estado inativo ligado a GDP. Duas classes de proteínas regulam a alternância: os fatores de troca do nucleotídeo guanina (GEFs – do inglês guanine nucleotide exchange factors) ativam as proteínas cata- lisando a troca de GDP por GTP, e as proteínas ativadoras de GTPases (GAPs – do inglês GTPase-activating proteins) inativam as proteínas por ativar a hidrólise do GTP ligado ao GDP (ver Figuras 3-68 e 15-7). Embora tanto as proteínas de ligação ao GTP monoméri- cas (GTPases monoméricas) quanto as proteínas de ligação ao GTP triméricas (proteínas G) tenham papéis importantes no transporte de vesículas, os papéis das GTPases mono- méricas são mais bem entendidos, e nos concentraremos neles aqui. As GTPases recrutadorasde revestimento são membros de uma família de GTPases monoméricas. Elas incluem as proteínas ARF, que são responsáveis pela montagem dos revestimentos de COPI e clatrina nas membranas de Golgi, e a proteína Sar1, que é responsável pela montagem dos revestimentos COPII na membrana do RE. As GTPases recrutadoras de revestimento normalmente são encontradas em altas con- centrações no citosol em estado inativo, ligado a GDP. Quando uma vesícula revestida por COPII está para brotar da membrana do RE, por exemplo, uma GEF específica para Sar1, incorporada na membrana do RE, liga-se à Sar1 citosólica levando a Sar1 a liberar o GDP e ligar GTP em seu lugar. (Lembre que o GTP está presente em uma concentração muito maior no citosol do que o GDP e, portanto, se ligará espontaneamente depois de o GDP ser liberado.) No seu estado ligado a GTP, a Sar1 expõe uma hélice anfifílica que se insere no folheto citoplasmático da bicamada lipídica da membrana do RE. A Sar1 forte- mente ligada agora recruta subunidades de proteínas de revestimento adaptadoras para a membrana do RE, para iniciar o brotamento (Figura 13-14). Outras GEFs e GTPases recrutadoras do revestimento funcionam de forma semelhante em outras membranas. As GTPases recrutadoras de revestimento também exercem um papel na desmon- tagem do revestimento. A hidrólise do GTP ligado em GDP leva a GTPase a modificar sua conformação de modo que a sua cauda hidrofóbica se solte da membrana, fazendo o re- vestimento da vesícula se desmontar. Embora não se saiba o que desencadeia a hidrólise do GTP, foi proposto que as GTPases funcionem como cronômetros, que hidrolisam o GTP a taxas lentas, mas previsíveis, para garantir que a formação da vesícula seja sincro- nizada com as necessidades do momento. Os revestimentos de COPII aceleram a hidró- lise do GTP pela Sar1, e uma vesícula completamente formada será produzida somente quando a formação do broto ocorrer mais rápido do que o processo cronometrado de desmontagem; caso contrário, a desmontagem será desencadeada antes que a vesícula se solte e o processo terá de ser iniciado mais uma vez, talvez em um momento ou local mais apropriado. Uma vez que a vesícula se destaca, a hidrólise do GTP libera Sar1, mas o revestimento selado é suficientemente estabilizado por diversas interações cooperativas, incluindo a ligação a receptores de carga na membrana, que ela pode ficar na vesícula até a vesícula se ancorar na membrana-alvo. Ali, uma cinase fosforila as proteínas do revesti- mento, o que completa a desmontagem do revestimento e prepara a vesícula para fusão. As vesículas revestidas por clatrina e COPI, ao contrário, perdem seu revestimento logo depois de se desligarem. Para as vesículas COPI, a curvatura da membrana da vesí- cula serve como gatilho para iniciar a retirada do revestimento. Uma ARF-GAP é recru- tada para o revestimento de COPI quando este se forma. Ela interage com a membrana e detecta a densidade de empacotamento lipídico. Ela se torna ativada quando a curvatura da membrana se equipara à da vesícula de transporte. Ela então desativa a ARF, causan- do a desmontagem do revestimento. 704 PARTE IV Organização interna da célula Nem todas as vesículas de transporte são esféricas Embora o brotamento vesicular seja semelhante em vários locais na célula, cada mem- brana celular enfrenta seus próprios desafios especiais. A membrana plasmática, por exemplo, é comparativamente achatada e rígida devido à sua composição lipídica rica em colesterol e ao córtex subjacente rico em actina. Assim, a ação coordenada do revestimen- to de clatrina e das proteínas de curvatura da membrana deve produzir força suficiente para introduzir a curvatura, sobretudo no pescoço do broto onde curvaturas acentuadas são necessárias para os processos de destacamento. Ao contrário, o brotamento de ve- sículas de muitas membranas intracelulares ocorre preferencialmente em regiões onde as membranas já estão curvadas, como nas bordas das cisternas de Golgi ou nas termi- nações dos túbulos da membrana. Nesses locais, a função primária dos revestimentos é mais de capturar as proteínas-carga apropriadas do que deformar a membrana. As vesículas de transporte também ocorrem em vários tamanhos e formas. Diver- sas vesículas COPII são necessárias para o transporte de moléculas-carga grandes. O co- lágeno, por exemplo, é montado no RE como bastões rígidos de procolágeno de 300 nm de comprimento que são, então, secretados da célula onde são clivados por proteases a colágeno, que é incorporado na matriz extracelular (discutido no Capítulo 19). Os bas- tões de procolágeno não cabem dentro das vesículas de COPII normalmente observadas com 60 a 80 nm. Para contornar tal problema, as moléculas-carga do procolágeno se ligam a proteínas empacotadoras transmembrana no RE, que controlam a montagem dos componentes do revestimento de COPII (Figura 13-15). Esses eventos direcionam a montagem local de vesículas de COPII muito maiores para acomodar a carga grande de- mais. Mutações em humanos nos genes codificadores de tais proteínas empacotadoras resultam em defeitos no colágeno com consequências graves, como anormalidades es- queléticas e outros defeitos do desenvolvimento. Mecanismos semelhantes devem regu- lar o tamanho das vesículas necessárias para secretar outros complexos macromolecu- lares, incluindo partículas lipoproteicas que transportam lipídeos para fora das células. Figura 13-14 Formação de vesículas revestidas por COPII. (A) A Sar1-GDP inativa solúvel liga-se a uma Sar1-GEF na membrana do RE, levando a Sar1 a liberar o GDP e ligar o GTP. Uma mudança conformacional ativada por GTP na Sar1 expõe uma hélice anfifílica que se insere dentro do folheto citoplasmático da membrana do RE iniciando a curvatura da membrana (que não está mostrada). (B) A Sar1 ligada a GTP se liga ao complexo de duas proteínas de revestimento de COPII adaptadoras chamadas Sec23 e Sec24, que formam o revestimento interno. A Sec24 possui vários sítios de ligação diferentes para as caudas citosólicas dos receptores de carga. Toda a superfície do complexo que se fixa à membrana é suavemente curvada, coincidindo com o diâmetro das vesículas revestidas por COPII. (C) Um complexo de duas proteínas de revestimento COPII adicionais, deno- minado Sec13 e Sec31, forma a camada externa do revestimento. À semelhança da clatrina, elas podem montar-se sozinhas em gaiolas simétricas com dimensões apropriadas para abrigar uma vesícula re- vestida por COPII. (D) Ligada à membrana, a Sar1-GTP ativa recruta proteínas adap- tadoras de COPII para a membrana. Elas selecionam certas proteínas transmembra- na e levam a membrana a se deformar. As proteínas adaptadoras recrutam, então, as proteínas de revestimento externo que ajudam a formar o broto. Um evento sub- sequente de fusão de membrana libera a vesícula revestida. Acredita-se que outras vesículas revestidas formem-se de maneira semelhante. (C, modificada de S.M. Stagg et al., Nature 439:234–238, 2006. Com permissão de Macmillan Publishers Ltd.) 25 nm Revestimento interno Revestimento externo Membrana doadoraProteínas de membrana selecionadas Sar1-GTP Sec23/24 Sec13/31 (D)(C) Vesícula revestida por COPII Carga Membrana do RE Sec24 Sec23 Sar1-GTP Receptor de carga (A) (B) Hélice anfifílica Sar1-GDP inativa e solúvel Sar1-GTP ativa e ligada à membrana Membrana doadora (RE) Sar1-GEF GTP GTP GTP GDP GDP CITOSOL LÚMEN DO RE CAPÍTULO 13 Tráfego intracelular de vesículas 705 Muitos outros eventos de brotamento de vesículas envolvem, da mesma forma, va- riações dos mecanismos comuns. Quando células vivas são modificadas por engenharia genética para expressar componentes de membrana fluorescentes, os endossomos e a rede trans de Golgi são vistos, ao microscópio de fluorescência, continuamente extrava- sando longos túbulos. As proteínas de revestimento estruturam-se sobre os túbulos da membrana e auxiliam a recrutar cargas específicas.Os túbulos, então, recolhem-se ou destacam-se com o auxílio de proteínas semelhantes à dinamina para formar vesículas de transporte de diferentes tamanhos e formas. Os túbulos têm uma razão superfície/volume maior do que as organelas maio- res a partir das quais eles se formam. Portanto, eles são relativamente enriquecidos em proteínas de membrana comparados às proteínas-carga solúveis. Como discutimos mais adiante, tal propriedade dos túbulos é uma característica importante para classificar as proteínas nos endossomos. As proteínas Rab guiam as vesículas de transporte para suas membranas-alvo Para assegurar um fluxo ordenado no tráfego de vesículas, as vesículas de transporte de- vem ser altamente precisas no reconhecimento da membrana-alvo correta com a qual se fundirão. Devido à diversidade e à população de sistemas de membranas no citoplasma, uma vesícula irá, provavelmente, encontrar muitas membranas-alvo potenciais antes de encontrar a correta. A especificidade para o alvo é assegurada porque todas as vesículas de transporte exibem marcadores de superfície que as identificam de acordo com sua origem e o seu tipo de carga, e as membranas-alvo exibem receptores complementares que reconhecem os marcadores apropriados. Esse processo crucial ocorre em duas eta- pas. Primeiro as proteínas Rab e efetoras de Rab direcionam a vesícula a locais específicos na membrana-alvo correta. Segundo, proteínas SNARE e reguladores SNARE intercedem na fusão das bicamadas lipídicas. As proteínas Rab desempenham um papel central na especificidade do trans- porte vesicular. Como as GTPases de recrutamento de revestimento discutidas antes (ver Figura 13-14), as proteínas Rab também são GTPases monoméricas. Com mais de 60 membros conhecidos, a subfamília Rab é a maior das subfamílias de GTPases mo- noméricas. Cada proteína Rab está associada a uma ou mais organelas envoltas por membrana das vias secretora ou endocítica, e cada uma dessas organelas possui, pelo menos, uma proteína Rab em sua superfície citosólica (Tabela 13-1). Sua distribuição altamente seletiva nesses sistemas de membrana torna as proteínas Rab marcadores moleculares ideais para identificar cada tipo de membrana e guiar o tráfego de vesículas entre elas. As proteínas Rab podem atuar nas vesículas de transporte, nas membranas- -alvo ou em ambas. Figura 13-15 Empacotamento de pro- colágeno em grandes vesículas tubula- res revestidas por COPII. As ilustrações mostram modelos para dois modos de montagem do revestimento de COPII. Os modelos são baseados em imagens de tomografia crioeletrônica de vesículas COPII reconstituídas. Em uma membrana esférica (esquerda), as proteínas de reves- timento interno Sec23/24 se arranjam em porções que ancoram a gaiola de proteína de revestimento externo Sec13/31. Os bastões de Sec13/31 montam uma gaiola de triângulos, quadrados e pentágonos. Quando o procolágeno precisa ser empa- cotado (direita), proteínas empacotadoras especiais detectam a carga e modificam o processo de montagem do revestimento. Essa interação recruta a proteína Sec24 do revestimento interno de COPII e melhora localmente a taxa com a qual a Sar1 alter- na entre liga e desliga da membrana (não mostrado). Além disso, a monoubiquitina é adicionada à proteína Sec31, mudando as propriedades do arranjo da gaiola exter- na. As proteínas Sec23/24 se montam em arranjos maiores, e as Sec13/31 se arran- jam em uma grade regular em formato de diamante. Como resultado, uma vesícula tubular grande que pode acomodar as moléculas-carga maiores é formada. As proteínas de empacotamento não fazem parte da vesícula em brotamento e perma- necem no RE. (Modificada de G. Zanetti et al., eLife 2:e00951, 2013.) Sec13/31 Sec23 Sec24 Proteínas empacotadoras Procolágeno CITOSOL LÚMEN DO RE 706 PARTE IV Organização interna da célula À semelhança das GTPases de recrutamento de revestimento, as proteínas Rab alter- nam entre a membrana e o citosol e regulam a montagem reversível dos complexos protei- cos da membrana. Em seu estado ligado a GDP, elas são inativas e ligadas a outra proteína (inibidor de dissociação Rab-GDP, ou GDI) que as mantêm solúveis no citosol; em seu es- tado ligado a GTP, elas são ativas e intimamente associadas à membrana de uma organela ou vesícula de transporte. As Rab-GEFs ligadas à membrana ativam as proteínas Rab tanto nas membranas de vesícula de transporte quanto nas membranas-alvo; para alguns even- tos de fusão de membrana, as moléculas Rab ativadas são necessárias em ambos os lados da reação. Uma vez no estado ligado a GTP e ligado a membrana por uma âncora lipídica, agora exposta, as proteínas Rab se ligam a outras proteínas, chamadas de efetoras de Rab, que são mediadores a jusante do transporte vesicular, entrelaçamento da membrana e fu- são da membrana (Figura 13-16). A taxa de hidrólise de GTP determina a concentração de Rab ativa e, como consequência, a concentração de suas efetoras na membrana. Ao contrário da estrutura altamente conservada das proteínas Rab, as estruturas e funções das efetoras de Rab variam bastante, e as mesmas proteínas Rab muitas vezes po- dem se ligar a vários efetores diferentes. Algumas efetoras de Rab são proteínas motoras que propulsionam as vesículas ao longo de filamentos de actina ou de microtúbulos para as suas membranas-alvo. Outros são proteínas de aprisionamento, algumas das quais têm longos domínios filamentosos que servem como “linhas de pesca” que podem se estender para ligar duas membranas que estão separadas por mais de 200 nm; outras proteínas de aprisionamento são complexos proteicos grandes que unem duas membranas que estão mais próximas e interagem com uma ampla variedade de outras proteínas que facilitam a etapa de fusão da membrana. O complexo de aprisionamento que ancora as vesículas re- vestidas por COPII, por exemplo, contém uma proteína-cinase que fosforila as proteínas do revestimento para completar o processo de retirada do revestimento. Acoplar a retirada do TABELA 13-1 Localizações subcelulares de algumas proteínas Rab Proteína Organela Rab1 RE e aparelho de Golgi Rab2 Rede cis de Golgi Rab3A Vesículas sinápticas, vesículas de secreção Rab4/Rab11 Endossomos de reciclagem Rab5 Endossomos primários, membrana plasmática, vesículas revestidas por clatrina Rab6 Golgi médio e trans Rab7 Endossomos tardios Rab8 Cílios Rab9 Endossomos tardios, trans Golgi Figura 13-16 Aprisionamento de uma vesícula de transporte a uma membrana-alvo. As proteínas efetoras de Rab interagem com proteínas Rab ativas (Rab-GTPs, amarelo), localizadas na mem- brana-alvo, na membrana da vesícula ou em ambas, para estabelecer a primeira co- nexão entre duas membranas que irão se fundir. No exemplo mostrado aqui, o efe- tor de Rab é uma proteína filamentosa de aprisionamento (verde-escuro). A seguir, proteínas SNARE nas duas membranas (vermelho e azul) se pareiam, ancorando a vesícula à membrana-alvo e catalisando a fusão das duas bicamadas lipídicas sobre- postas. Durante a ancoragem e fusão, um Rab-GAP (não mostrado) induz a proteína Rab a hidrolisar seu GTP ligado a GDP, levando a Rab a se dissociar da membrana e retornar ao citosol como Rab-GDP, onde é ligado a uma proteína GDI que mantém a Rab solúvel e inativa. APRISIONAMENTO ANCORAGEM FUSÃO v-SNARE Rab-GTP Rab-GDP GDI Efetor de Rab (Proteína de aprisionamento) t-SNARE Membrana-alvo Complexo trans-SNARE Receptor de carga Carga CITOSOL CAPÍTULO 13 Tráfego intracelular de vesículas 707 revestimento com a entrega da vesícula ajuda a garantir a direcionalidade do processo de transporte e fusão com a membrana apropriada. As efetoras de Rab também podem inte- ragir com SNAREs para acoplar o aprisionamento da membrana à fusão (ver Figura 13-16). A montagem das proteínas Rab e de suas efetoras sobre uma membrana é coope- rativa e resulta na formação de fragmentos de membrana grandes e especializados. A Rab5, por exemplo, agrega-se a endossomose intercede na captura de vesículas endocí- ticas oriundas da membrana plasmática. A depleção experimental de Rab5 causa o desa- parecimento do sistema inteiro de membranas endossômica e lisossômica, destacando o papel crucial das proteínas Rab na biogênese e manutenção de organelas. Um domínio Rab5 concentra proteínas de aprisionamento que pegam as vesículas que estão chegando. Sua montagem nas membranas endossômicas começa quando o complexo Rab5-GDP/GDI encontra um Rab-GEF. O GDI é liberado e o Rab5-GDP é con- vertido a Rab5-GTP. O Rab5-GTP ativo se ancora à membrana e recruta mais Rab5-GEF ao endossomo, estimulando, dessa forma, o recrutamento de mais Rab5 para o mesmo lugar. Além disso, a Rab5 ativada ativa uma PI3-cinase, que converte, localmente, PI em PI(3)P, que, por sua vez, se liga a algumas das efetoras de Rab, incluindo proteínas de aprisionamento, e estabiliza sua ligação local à membrana (Figura 13-17). Esse tipo de retroalimentação positiva amplifica o processo de montagem e ajuda a estabelecer do- mínios de membrana funcionalmente distintos dentro de uma membrana contínua. A membrana endossômica é um ótimo exemplo de como diferentes proteínas Rab e suas efetoras ajudam a criar múltiplos domínios de membrana especializados, cada um preenchendo um conjunto particular de funções. Assim, enquanto o domínio de mem- brana Rab5 recebe as vesículas endocíticas que chegam da membrana plasmática, os domínios distintos Rab11 e Rab4 na mesma membrana organizam o brotamento de vesí- culas recicladoras que devolvem proteínas do endossomo para a membrana plasmática. Cascatas de Rab podem alterar a identidade de uma organela Um domínio Rab pode ser desmontado e substituído por um domínio Rab diferente, mudando a identidade de uma organela. Tal recrutamento ordenado de proteínas Rab atuando de forma sequencial é chamado de cascata de Rab. Com o tempo, por exemplo, os domínios Rab5 são substituídos por domínios Rab7 nas membranas endossômicas. Isso converte um endossomo primário, marcado por Rab5, em um endossomo tardio, marcado por Rab7. Uma vez que o conjunto de efetoras de Rab recrutado pela Rab7 é diferente do recrutado pela Rab5, essa mudança reprograma o compartimento: como dis- cutimos adiante, ela altera a dinâmica da membrana, incluindo o tráfego de chegada e de partida, e reposiciona a organela longe da membrana plasmática em direção ao interior celular. Toda a carga contida no endossomo primário que não foi reciclada para a mem- brana plasmática agora faz parte do endossomo tardio. Esse processo também é referido como maturação do endossomo. A natureza autoamplificadora dos domínios Rab torna o processo de maturação do endossomo unidirecional e irreversível (Figura 13-18). SNAREs são mediadoras da fusão de membranas Uma vez que uma vesícula de transporte tenha sido amarrada à sua membrana-alvo, ela descarrega a sua carga pela fusão de membranas. A fusão de membranas requer a Rab5-GDP Rab5-GEF GDI Recrutamento de Rab5-GEFHélice anfifílica CITOSOL LÚMEN DO ENDOSSOMO Rab5-GTP ativa P P P P P PI 3-cinase + PI PI(3)P Lipídeos ligados covalentemente Domínio de membrana Rab5 Proteínas de aprisionamento filamentosas Proteínas efetoras de Rab Figura 13-17 Formação de um domí- nio Rab5 na membrana do endosso- mo. Uma Rab5-GEF na membrana do endossomo se liga a uma proteína Rab5 e a induz a trocar GDP por GTP. O GDI é perdido e a ligação do GTP altera a con- formação da proteína Rab, expondo uma hélice anfifílica e um grupo lipídico ligado covalentemente, que, juntos, ancoram o Rab5-GTP à membrana. A Rab5 ativada ativa a PI 3-cinase, que converte PI em PI(3)P. Em conjunto, o PI(3)P e a Rab5 ativa se ligam a uma variedade de proteínas efe- toras de Rab que contêm sítios de ligação a PI(3)P, incluindo proteínas de aprisiona- mento filamentosas que capturam vesícu- las endocíticas revestidas por clatrina que chegam da membrana plasmática. Com a ajuda de outro efetor, a Rab5 ativa tam- bém recruta mais Rab5-GEF, aumentando ainda mais a montagem do domínio Rab5 na membrana. Ciclos controlados de hidrólise de GTP e trocas de GDP-GTP regulam dina- micamente o tamanho e a atividade de tais domínios Rab. Diferentemente das SNAREs, que são proteínas integrais de membrana, o ciclo GDP/GTP, acoplado ao ciclo de translocação membrana/citosol, confere à maquinaria Rab a capacidade de sofrer montagem e desmontagem na membrana. (Adaptada de M. Zerial e H. McBride, Nat. Rev. Mol. Cell Biol. 2:107– 117, 2001. Com permissão de Macmillan Publishers Ltd.) 708 PARTE IV Organização interna da célula aproximação das bicamadas lipídicas de duas membranas a 1,5 nm uma da outra para que possam se juntar. Quando as membranas estão com tal proximidade, os lipídeos podem fluir de uma bicamada para a outra. Para tal aproximação estreita, a água deve ser deslocada da superfície hidrofílica da membrana – um processo que é energeticamente muito desfavorável e requer proteínas de fusão especializadas que superam essa barreira energética. Já discutimos o papel da dinamina em uma tarefa relacionada durante o des- tacamento de vesículas revestidas por clatrina (ver Figura 13-13). As proteínas SNARE (também chamadas de SNAREs, para abreviar) catalisam as reações de fusão das membranas no transporte vesicular. Existem, pelo menos, 35 SNAREs diferentes em uma célula animal, cada uma associada a uma organela particular nas vias secretora ou endocítica. Essas proteínas transmembrana existem como conjuntos com- plementares, sendo que as v-SNAREs em geral são encontradas nas membranas das vesí- culas, e as t-SNAREs costumam ser encontradas nas membranas-alvo (ver Figura 13-16). Uma v-SNARE é uma cadeia polipeptídica única, enquanto uma t-SNARE geralmente é composta de três proteínas. As v-SNAREs e as t-SNAREs possuem domínios helicoidais ca- racterísticos, e, quando uma v-SNARE interage com uma t-SNARE, os domínios helicoidais de uma envolvem os domínios da outra para formar um feixe estável de quatro hélices. Os complexos trans-SNARE resultantes prendem as duas membranas juntas. Ensaios bioquí- micos de fusão de membranas com todas as diferentes combinações de SNARE mostram que o pareamento das v e t-SNAREs é altamente específico. Assim, as SNAREs proporcio- nam uma etapa adicional de especificidade no processo de transporte, ajudando a garantir que as vesículas se fusionem somente com a membrana-alvo correta. Os complexos trans-SNARE catalisam a fusão de membranas ao utilizar a energia que é liberada quando as hélices participantes se enrolam uma na outra para juntar as faces das membranas, enquanto expelem as moléculas de água para fora da interface (Figura 13-19). Quando os lipossomos contendo v-SNAREs purificadas são misturados a lipossomos contendo as t-SNAREs complementares, as suas membranas fundem-se, embora lentamente. Na célula, outras proteínas recrutadas para o sítio de fusão, presu- mivelmente efetoras de Rab, cooperam com as SNAREs para acelerar a fusão. A fusão nem sempre ocorre logo após o pareamento de v-SNAREs e t-SNAREs. Conforme discuti- remos adiante, no processo de exocitose regulada, a fusão é retardada até que a secreção seja desencadeada por um sinal extracelular específico. As proteínas Rab, que podem regular a disponibilidade das proteínas SNARE, exercem uma barreira adicional de controle. As t-SNAREs em membranas-alvo estão frequentemente associadas a proteínas inibitórias que devem ser liberadas antes que a t-SNARE possa funcionar. As proteínas Rab e suas efetoras desencadeiam a liberação de tais proteínas inibidoras de SNARE. Dessa forma, as proteínas SNARE são concentradas e ativadas no local correto da membrana, onde as proteínas de aprisionamento captu- ram as vesículas que entram. As proteínas Rab, então, aceleram o processo pelo qual as proteínas SNARE apropriadas de duas membranas se encontram. Figura 13-18 Modelo de uma cascata de Rab genérica. A ativação local de um RabA-GEF leva à montagem de umdo- mínio de membrana RabA. A RabA ativa recruta suas proteínas efetoras, uma das quais é a GEF para a RabB. O RabB-GEF então recruta RabB para a membrana, que por sua vez começa a recrutar suas efetoras, entre elas uma GAP para RabA. O RabA-GAP ativa a hidrólise do RabA- -GTP levando à inativação de RabA e à desmontagem do domínio RabA à medida que o domínio RabB cresce. Dessa forma, o domínio RabA é irreversivelmente subs- tituído pelo domínio RabB. A princípio, tal sequência pode ser continuada pelo recrutamento de um próximo GEF pela RabB. (Adaptada de A.H. Hutagalung e P.J. Novick, Physiol. Rev. 91:119–149, 2011. Com permissão de The American Physiolo- gical Society.) GEF GEF GEF GAP GTP Efetores Funções da organela A GTP Efetores Funções da organela B RabA RabB Figura 13-19 Modelo de como as proteínas SNARE podem catalisar fusões de membrana. A fusão de bicamadas ocorre em múltiplas etapas. Um pareamento aperta- do de v-SNAREs e t-SNAREs força as bicamadas lipídicas à justaposição estreita e expele as moléculas de água da interface. Moléculas lipídicas dos dois folhetos (citosólicos) par- ticipantes da bicamada então fluem entre as membranas para formar uma haste conec- tora. Os lipídeos dos dois folhetos não citosólicos então entram em contato uns com os outros, formando uma nova bicamada, que alarga a zona de fusão (hemifusão, ou meia fusão). A ruptura da nova bicamada completa a reação de fusão. H2O 10 nm FUSÃO H2O H2O H2O H2OH2O H2O H2O H2O H2O H2O H2O H2O H2O H2O H2O H2O H2O H2O H2O H2O HEMIFUSÃO FORMAÇÃO DA HASTE v-SNARE t-SNARE Folhetos citosólicos Folhetos não citosólicos CAPÍTULO 13 Tráfego intracelular de vesículas 709 Para que o transporte vesicular funcione normalmente, as vesículas de transporte devem incorporar as proteínas SNARE e Rab apropriadas. Não é surpresa, portanto, que muitas vesículas de transporte serão formadas somente se incorporarem o complemento apropriado de proteínas SNARE e Rab em suas membranas. De que forma esse processo de controle crucial opera durante o brotamento da vesícula ainda permanece um mistério. SNAREs atuantes precisam ser afastadas antes que possam funcionar novamente A maioria das proteínas SNARE nas células já participou de turnos múltiplos de trans- porte vesicular e, algumas vezes, estão presentes em uma membrana como complexos estáveis com SNAREs parceiras. Os complexos devem ser desmontados antes que as SNAREs possam mediar novos turnos de transporte. Uma proteína crucial, chamada de NSF, alterna-se entre as membranas e o citosol e catalisa o processo de desmontagem. A NSF é uma ATPase hexamérica da família das AAA-ATPases (ver Figura 6-85) que usa a energia da hidrólise do ATP para resolver as interações estreitas entre os domínios heli- coidais das proteínas SNAREs (Figura 13-20). A necessidade da reativação das SNAREs mediada por NSF pela desmontagem dos complexos de SNAREs ajuda a evitar que as membranas se fundam indiscriminadamente: se as t-SNAREs de uma membrana-alvo estivessem sempre ativas, qualquer membrana contendo uma v-SNAREs apropriada po- deria se fusionar sempre que as duas membranas fizessem contato. Não se sabe como a atividade da NSF é controlada de forma que a maquinaria da SNARE seja ativada no momento e local corretos. Também não se sabe como as v-SNAREs são seletivamente recuperadas e devolvidas ao seu compartimento de origem para que possam ser reutili- zadas em vesículas transportadoras recém-formadas. A fusão da membrana é importante em outros processos além do transporte ve- sicular. As membranas plasmáticas de um espermatozoide e de um óvulo se fusionam durante a fertilização, e os mioblastos se fusionam um com o outro durante o desen- volvimento de fibras musculares multinucleadas (discutido no Capítulo 22). Da mesma forma, a rede do RE e as mitocôndrias se fundem e se fragmentam de forma dinâmica (discutido nos Capítulos 12 e 14). Todas as fusões de membranas celulares demandam proteínas especiais e são reguladas rigidamente para garantir que somente as membra- nas apropriadas se fusionem. Os controles são cruciais para a manutenção da identidade das células e da individualidade de cada tipo de compartimento intracelular. As fusões de membranas catalisadas por proteínas de fusão virais são bem conhe- cidas. Tais proteínas têm papel crucial ao permitir a entrada de vírus envelopados (que possuem um revestimento de membrana baseado em bicamada lipídica) nas células que eles infectam (discutido nos Capítulos 5 e 23). Por exemplo, os vírus como o vírus da imunodeficiência humana (HIV), que causa a Aids, ligam-se a receptores da superfície celular e, então, fundem-se com a membrana plasmática da célula-alvo (Figura 13-21). Esse evento de fusão permite que o ácido nucleico viral dentro do nucleocapsídeo entre no citosol, onde se replica. Outros vírus, como o vírus da gripe (influenzavírus), primeiro entram na célula por endocitose mediada por receptores (discutido adiante) e são entre- gues aos endossomos; o baixo pH dos endossomos ativa uma proteína de fusão do en- velope viral que catalisa a fusão das membranas viral e endossômica, liberando o ácido nucleico viral no citosol. As proteínas de fusão virais e as SNAREs promovem a fusão de bicamadas lipídicas de maneiras semelhantes. Figura 13-20 Dissociação de pares de SNARE por NSF após um ciclo de fusão da membrana. Após uma v-SNARE e uma t-SNARE terem mediado a fusão de uma vesícula de transporte com uma membra- na-alvo, a NSF se liga ao complexo SNARE e, com a ajuda de proteínas acessórias, hidrolisa ATP para dissociar as SNAREs. + Ancoragem Fusão Dissociação de SNARE NSF Proteínas acessórias Complexo trans-SNARE ATP ADP Pi v-SNARE t-SNARE 710 PARTE IV Organização interna da célula Resumo O transporte direto e seletivo de componentes particulares de membrana de um compar- timento enclausurado por membrana a outro em uma célula eucariótica mantém as di- ferenças entre esses compartimentos. As vesículas de transporte, que podem ser esféricas, tubulares ou de formatos irregulares, brotam de regiões revestidas especializadas da mem- brana doadora. A montagem do revestimento ajuda a coletar membranas específicas e moléculas-carga solúveis para o transporte e para a formação da vesícula. Existem vários tipos de vesículas revestidas. As mais bem caracterizadas são as re- vestidas por clatrina, que medeiam o transporte a partir da membrana plasmática e da rede trans de Golgi, e as revestidas por COPI e COPII, que medeiam o transporte entre as cisternas de Golgi e entre o RE e o aparelho de Golgi. Os revestimentos têm uma estrutura comum de duas camadas: uma camada interna formada de proteínas adaptadoras une a camada externa (ou gaiola) à membrana da vesícula e também aprisiona moléculas- -carga específicas para empacotá-las na vesícula. O revestimento é desfeito antes que a vesícula se fusione com a membrana-alvo apropriada. A síntese local de fosfoinositídeos específicos cria sítios de ligação que desenca- deiam a montagem do revestimento de clatrina e o brotamento da vesícula. Além disso, as GTPases monoméricas ajudam a regular várias etapas do transporte vesicular, incluindo o brotamento e a ancoragem de vesículas. As GTPases de recrutamento de revestimento, incluindo Sar1 e as proteínas ARF, regulam a montagem e a desmontagem do revestimen- to. Uma grande família de proteínas Rab funciona como GTPases de direcionamento de vesículas. As proteínas Rab são recrutadas tanto nas vesículas de transporte em forma- ção quanto nas membranas-alvo. A montagem e desmontagem das proteínas Rab e suas efetoras em domínios de membrana especializados são controladas dinamicamente pela ligação e hidrólise de GTP. As proteínas Rab ativas recrutam as efetoras de Rab, como proteínas motoras, que transportam as vesículas ao longo de filamentos de actina ou mi- crotúbulos, e proteínas de aprisionamento filamentosas, que ajudam a garantir que as vesículasentreguem seu conteúdo somente à membrana-alvo apropriada. As proteínas complementares v-SNARE das vesículas de transporte e as t-SNARE da membrana-alvo formam complexos trans-SNAREs estáveis que forçam as duas membranas em justaposi- ção estreita para que suas bicamadas lipídicas possam fusionar-se. TRANSPORTE DO RE ATRAVÉS DO APARELHO DE GOLGI Conforme discutido no Capítulo 12, as proteínas recém-sintetizadas atravessam a mem- brana do RE, a partir do citosol, para entrar na via secretora. Durante o seu transporte sub- sequente, do RE para o aparelho de Golgi e do aparelho de Golgi para a superfície celular ou outro local, essas proteínas são sucessivamente modificadas à medida que passam através de uma série de compartimentos. A transferência de um compartimento para o próximo envolve um equilíbrio delicado entre as vias de progressão e de retrocesso (recu- peração). Algumas vesículas de transporte selecionam moléculas-carga e as movem para o próximo compartimento da via, enquanto outras recolhem proteínas perdidas e as retor- nam ao compartimento prévio onde elas normalmente funcionam. Assim, a via a partir do RE para a superfície celular envolve muitas etapas de classificação que selecionam conti- nuamente proteínas de membrana e luminais solúveis para empacotamento e transporte. Nesta seção, nos concentraremos sobretudo no aparelho de Golgi (também cha- mado de complexo de Golgi). É um local principal de síntese de carboidratos, bem como Figura 13-21 Entrada de vírus envelo- pados nas células. Micrografias eletrôni- cas mostrando como o HIV entra em uma célula pela fusão de sua membrana com a membrana plasmática da célula. (De B.S. Stein et al., Cell 49:659–668, 1987. Com permissão de Elsevier.) 200 nm EXTERIOR DA CÉLULA LISOSSOMO ENDOSSOMO DE RECICLAGEM ENDOSSOMO PRIMÁRIO RETÍCULO ENDOPLASMÁTICO GOLGI ENDOSSOMO TARDIO VESÍCULAS SECRETORAS CAPÍTULO 13 Tráfego intracelular de vesículas 711 uma estação de classificação e de destinação de produtos do RE. A célula produz muitos polissacarídeos no aparelho de Golgi, incluindo a pectina e a hemicelulose da parede ce- lular de vegetais, e a maioria dos glicosaminoglicanos da matriz extracelular de animais (discutido no Capítulo 19). O aparelho de Golgi também se posiciona na rota de saída do RE, e uma grande proporção dos carboidratos que ele produz é conectada como ca- deias laterais de oligossacarídeos em muitas proteínas e lipídeos que o RE envia para ele. Um subconjunto desses oligossacarídeos serve como rótulo para direcionar proteínas específicas a vesículas que, então, as transportam para os lisossomos. Mas a maioria das proteínas e lipídeos, uma vez que tenham adquirido os seus oligossacarídeos apropria- dos no aparelho de Golgi, são reconhecidos em outras vias e direcionados para dentro de vesículas de transporte que vão para outros destinos. Proteínas deixam o RE em vesículas de transporte revestidas por COPII Para iniciar a sua jornada ao longo da via secretora, as proteínas que entraram no RE e que são destinadas ao aparelho de Golgi ou além são primeiramente empacotadas em ve- sículas de transporte revestidas por COPII. Essas vesículas brotam de regiões especializa- das do RE chamadas de sítios de saída do RE, cujas membranas não possuem ribossomos ligados. A maioria das células animais possui sítios de saída dispersos pela rede do RE. A entrada em vesículas que saem do RE pode ser um processo seletivo ou pode acon- tecer por padrão. Muitas proteínas de membrana são recrutadas ativamente para dentro de tais vesículas, onde elas ficam concentradas. Essas proteínas-carga de membrana apresen- tam sinais de saída (transporte) na sua superfície citosólica que as proteínas adaptadoras do revestimento interno de COPII reconhecem (Figura 13-22); alguns desses componentes agem como receptores de carga e são reciclados de volta para o RE depois que entregarem sua carga no aparelho de Golgi. As proteínas-carga solúveis no lúmen do RE, ao contrário, possuem sinais de saída que as ligam aos receptores de carga transmembrana. Proteínas sem sinais de saída também podem entrar nas vesículas de transporte, incluindo molécu- las proteicas que em geral funcionam no RE (assim chamadas proteínas residentes no RE), algumas das quais vazam lentamente para fora do RE e são entregues no aparelho de Golgi. Proteínas-carga diferentes entram nas vesículas de transporte a velocidades e eficiências substancialmente diferentes, que podem resultar de diferenças em sua eficiência de enove- lamento e oligomerização e cinética, assim como os fatores já discutidos. A etapa de saída do RE é o principal ponto de verificação no qual o controle de qualidade é exercido sobre as proteínas que a célula secreta ou dispõe na sua superfície, como discutido no Capítulo 12. Os sinais de saída que direcionam as proteínas solúveis para fora do RE para serem transportadas para o aparelho de Golgi e além dele não são bem conhecidos. Algumas proteínas transmembrana que servem como receptores de carga para empacotar algu- mas proteínas de secreção dentro de vesículas revestidas por COPII são lectinas que se ligam a oligossacarídeos nas proteínas secretadas. Uma dessas lectinas, por exemplo, se Figura 13-22 Recrutamento de molé- culas-carga de membrana e solúveis para dentro de vesículas de transporte do RE. As proteínas de membrana são empacotadas em vesículas de transporte em brotamento por interações dos sinais de saída nas suas caudas citosólicas com as proteínas adaptadoras no revestimen- to interno de COPII. Algumas dessas proteínas de membrana funcionam como receptores de carga, ligando-se a proteínas solúveis no lúmen do RE e ajudando a empacotá-las em vesículas. Outras proteínas podem entrar na vesícula por fluxo em massa. Uma vesícula de transpor- te de 50 nm típica contém cerca de 200 proteínas de membrana, que podem ser de muitos tipos diferentes. Como indica- do, proteínas não enoveladas ou enove- ladas de forma incompleta são ligadas a chaperonas e retidas transitoriamente no compartimento do RE. LÚMEN DO RE CITOSOL Vesícula de transporte em formação Sar1-GTP Proteínas COPII adaptadoras de revestimento interno Proteínas COPII de revestimento externo Sinal de saída em receptor de carga Proteína residente no RE Sinal de saída em proteína- -carga solúvel Proteínas chaperonas ligadas a proteínas não enoveladas ou mal enoveladas 712 PARTE IV Organização interna da célula liga à manose em dois fatores de coagulação sanguíneos (fator V e fator VIII), empaco- tando, dessa forma, as proteínas em vesículas de transporte no RE; seu papel no trans- porte de proteínas foi identificado porque os humanos que não a possuem em função de uma mutação hereditária têm níveis reduzidos de fatores V e VIII no soro, e eles, como consequência, sangram excessivamente. Apenas as proteínas que são enoveladas e montadas adequadamente podem deixar o RE Para sair do RE, as proteínas devem ser enoveladas de forma adequada e, se forem su- bunidades de complexos multiproteínas, elas precisam ser completamente montadas. Aquelas que forem enoveladas incorretamente ou montadas de forma incompleta per- manecem temporariamente no RE, onde são ligadas a proteínas chaperonas (discutido no Capítulo 6), como BiP ou calnexina. As chaperonas podem encobrir os sinais de saída ou, de alguma forma, ancorar as proteínas no RE. Tais proteínas deficientes são por fim transportadas de volta ao citosol, onde são degradadas por proteassomos (discutidos nos Capítulos 6 e 12). Essa etapa de controle de qualidade evita o transporte subsequente de proteínas inadequadamente enoveladas ou montadas, que poderiam potencialmente in- terferir com as funções das proteínas. Tais falhas são surpreendentemente comuns. Mais de 90% das subunidades de receptores de células T recém-sintetizadas (discutidas no Capítulo 24) e do receptor de acetilcolina (discutido no Capítulo 11), por exemplo, costu- mam ser degradadas sem sequer alcançar a superfíciecelular onde funcionam. Portanto, as células devem produzir um grande excesso de algumas moléculas proteicas para sele- cionar as poucas que se conformam, montam e funcionam de modo apropriado. Algumas vezes, entretanto, existem desvantagens para o mecanismo de controle preciso. As mutações predominantes que causam a fibrose cística, uma doença hereditá- ria comum, resultam na produção de uma forma levemente mal enovelada de uma pro- teína da membrana plasmática importante para o transporte de Cl–. Embora a proteína mutante funcionasse normalmente se chegasse à membrana plasmática, ela é retida no RE, sendo então degradada pelos proteassomos. A doença devastadora resulta, então, não porque a mutação inativa a proteína, mas porque a proteína ativa é descartada antes que ela alcance a membrana plasmática. Agrupamentos tubulares de vesículas são mediadores do transporte do RE para o aparelho de Golgi Depois de as vesículas de transporte terem brotado dos sítios de saída do RE e terem perdido seu revestimento, elas começam a se fundir uma com a outra. A fusão de mem- branas do mesmo compartimento é chamada de fusão homotípica, para distingui-la da fusão heterotípica, na qual uma membrana de um compartimento fusiona-se à mem- brana de um compartimento diferente. Assim como a fusão heterotípica, a homotípica requer um conjunto de SNAREs pareáveis. Nesse caso, entretanto, a interação é simétri- ca, com ambas as membranas contribuindo com v-SNAREs e t-SNAREs (Figura 13-23). As estruturas formadas quando as vesículas derivadas do RE se fundem umas às outras são chamadas de agrupamentos tubulares de vesículas, de acordo com sua apa- Figura 13-23 Fusão homotípica de membranas. Na etapa 1, a NSF afasta os pares idênticos de v-SNAREs e t-SNAREs de ambas as membranas (ver Figura 13- 20). Nas etapas 2 e 3, o par separado de SNAREs de membranas adjacentes e idênticas interage, o que leva à fusão de membranas e à formação de um compar- timento contínuo. Subsequentemente, o compartimento cresce por fusão homotípi- ca posterior com vesículas do mesmo tipo de membrana, exibindo SNAREs pareáveis. A fusão homotípica ocorre quando as vesículas de transporte derivadas do RE se fundem umas com as outras, mas também quando os endossomos se fundem para gerar endossomos maiores. As proteínas Rab ajudam a regular a extensão da fusão homotípica e, assim, o tamanho dos compartimentos em uma célula (não mostrado). ETAPA 1 ETAPA 2 ETAPA 3 v-SNARE t-SNARE NSF Fusão homotípica de membranas CAPÍTULO 13 Tráfego intracelular de vesículas 713 rência ondulada observada ao microscópio eletrônico (Figura 13-24A). Esses agrupa- mentos constituem um compartimento separado do RE e que não possui muitas das proteínas que funcionam no RE. Eles são gerados continuamente e funcionam como pacotes de transporte que trazem material do RE para o aparelho de Golgi. Os agrupa- mentos se movem rapidamente ao longo dos microtúbulos para o aparelho de Golgi com o qual se fundem (Figura 13-24B e Animação 13.2). Logo que os agrupamentos tubulares de vesículas se formam, eles começam a brotar suas próprias vesículas. Diferentemente das vesículas revestidas por COPII que brotam do RE, essas vesículas são revestidas por COPI (ver Figura 13-24A). As vesículas revesti- das por COPI são únicas no sentido de que os componentes que formam as camadas de revestimento interna e externa são recrutados como um complexo pré-montado chama- do coatômero. Eles funcionam como uma via de recuperação, trazendo de volta proteínas residentes no RE que tenham escapado, assim como proteínas como receptores de carga e SNAREs que participaram no brotamento do RE e nas reações de fusão de vesículas. Esse processo de recuperação demonstra os mecanismos de controle peculiares que regulam as reações de montagem de revestimento. A montagem do revestimento COPI começa ape- nas segundos depois que os revestimentos de COPII tenham sido desprendidos, e perma- nece sendo um mistério como tal alternância na montagem do revestimento é controlada. O transporte de recuperação (ou retrógrado) continua à medida que os agrupa- mentos tubulares de vesículas se movem em direção ao aparelho de Golgi. Assim, os agrupamentos amadurecem de maneira contínua, mudando gradualmente as suas com- posições conforme as proteínas selecionadas são devolvidas para o RE. A recuperação continua a partir do aparelho de Golgi depois que os agrupamentos tubulares de vesícu- las tenham entregado as suas cargas. A via de recuperação para o RE utiliza sinais de seleção A via de recuperação para trazer de volta ao RE as proteínas que escaparam depende dos sinais de recuperação do RE. As proteínas de membrana residentes no RE, por exemplo, contêm sinais que se ligam diretamente aos revestimentos de COPI e são, assim, empa- cotadas nas vesículas de transporte revestidas por COPI para a entrega retrógrada ao RE. O sinal de recuperação deste tipo mais bem caracterizado consiste em duas lisinas, se- guidas por quaisquer outros dois aminoácidos, na extremidade C-terminal das proteínas de membrana do RE. Esse sinal é chamado de sequência KKXX, baseado no código de aminoácidos de uma letra. As proteínas solúveis residentes no RE, como BiP, também contêm um curto sinal de recuperação do RE nas suas extremidades C-terminais, mas este é diferente: ele consiste em uma sequência de Lys-Asp-Glu-Leu ou uma sequência semelhante. Se esse sinal (chamado Agrupamento tubular de vesícula RE 0,2 �m(A) Microtúbulo Rede cis de Golgi Revestimento de COPI Agrupamento tubular de vesícula Revestimento de COPII RE Proteína motora Transporte de recuperação(B) Figura 13-24 Agrupamentos tubulares de vesículas. (A) Uma micrografia eletrônica de agrupamentos tubulares de vesículas se formando ao redor de um sítio de saída. Muitas das estruturas semelhantes a vesí- culas vistas na micrografia são cortes transversais de túbulos que se estendem acima e abaixo do plano deste corte fino e estão interconectados. (B) Os agrupamentos tubulares de vesículas movem-se ao longo de mi- crotúbulos para carregar proteínas do RE para o aparelho de Golgi. Vesículas revestidas por COPI medeiam o brotamento de vesículas que retornam para o RE desses agrupamentos (e do aparelho de Golgi). (A, cortesia de William Balch.) 714 PARTE IV Organização interna da célula de sequência KDEL) for removido da BiP por engenharia genética, a proteína é secretada lentamente da célula. Se o sinal for transferido para uma proteína que normalmente seria secretada, a proteína passa a ser devolvida de maneira eficiente para o RE, onde se acumula. Diferentemente dos sinais de recuperação das proteínas de membrana do RE, que podem interagir diretamente com o revestimento de COPI, as proteínas residentes no RE solúveis devem se ligar a proteínas receptoras especializadas, como o receptor de KDEL – uma proteína transmembrana de passagem múltipla que se liga à sequência KDEL e empacota qualquer proteína que apresente tal sequência nas vesículas de transporte retrógrado revestidas por COPI (Figura 13-25). Para executar essa tarefa, o próprio re- ceptor de KDEL deve alternar entre o RE e o aparelho de Golgi, e a sua afinidade por sequências KDEL deve ser diferente nesses dois compartimentos. O receptor deve ter uma alta afinidade pela sequência KDEL nos agrupamentos tubulares de vesículas e no aparelho de Golgi, de forma a capturar proteínas solúveis residentes no RE que escapa- ram e que estejam presentes em baixas concentrações nesses locais. Ele deve ter uma baixa afinidade pela sequência KDEL no RE, entretanto, para descarregar a carga apesar da concentração muito alta de proteínas solúveis residentes no RE que contêm KDEL. Como a afinidade do receptor de KDEL muda dependendo do compartimento onde ele reside? A resposta provavelmente está relacionada ao baixo pH nos compar- timentos do Golgi, que é regulado por bombas de H+. Como discutiremos adiante, as interações proteína-proteína sensíveisa pH formam a base para muitas das etapas de seleção de proteínas na célula. A maioria das proteínas de membrana que funcionam na interface entre o RE e o aparelho de Golgi, incluindo as v e as t-SNAREs e alguns receptores de carga, também entra na via de recuperação para o RE. Muitas proteínas são seletivamente retidas nos compartimentos onde atuam A via de recuperação de KDEL explica apenas parcialmente como as proteínas residen- tes no RE são mantidas no RE. Como mencionado, as células que expressam proteínas residentes no RE geneticamente modificadas, das quais a sequência KDEL foi experi- mentalmente removida, secretam essas proteínas. Contudo, a taxa de secreção é muito mais lenta do que para uma proteína secretora normal. Parece que um mecanismo que é independente do sinal KDEL retém normalmente as proteínas residentes no RE e que apenas aquelas proteínas que escaparam dessa retenção são capturadas e devolvidas via receptores de KDEL. Um mecanismo de retenção sugerido é que as proteínas resi- dentes no RE se ligam umas às outras, formando, assim, complexos que são grandes de- mais para entrarem nas vesículas de transporte de maneira eficiente. Como as proteínas residentes no RE estão presentes no RE em concentrações muito altas (estimadas em milimolar), interações de afinidades relativamente baixas seriam suficientes para reter a maioria das proteínas presas em tais complexos. Proteína solúvel residente no RE Agrupamento tubular de vesícula ou aparelho de Golgi KDEL Receptor de KDEL vazio Revestimento de COPI VIA PROGRESSIVA VIA DE RECUPERAÇÃO Proteína secretora Revestimento de COPII Revestimento de COPI Proteína receptora de KDEL Proteína solúvel residente no RE RE Agrupamento tubular de vesícula Rede cis de Golgi Cisternas cis, média e trans de Golgi Rede trans de Golgi (A) (B) Figura 13-25 Recuperação de pro- teínas solúveis residentes no RE. As proteínas residentes que escapam do RE são devolvidas pelo transporte vesicular. (A) O receptor de KDEL presente em agrupamentos tubulares de vesículas e no aparelho de Golgi captura as proteínas solúveis residentes no RE e as carrega em vesículas transportadoras revestidas por COPI de volta ao RE. (Lembre que as vesículas revestidas por COPI perdem seu revestimento logo que são formadas.) Após a ligação dos seus ligantes no agru- pamento tubular ou Golgi, o receptor de KDEL pode mudar a conformação, de forma a facilitar seu recrutamento para dentro das vesículas COPI em brotamento. (B) A recuperação das proteínas do RE começa em agrupamentos tubulares de vesículas e continua a partir das últimas partes do aparelho de Golgi. No ambiente do RE, as proteínas do RE dissociam-se do receptor de KDEL, que é, então, devolvido ao aparelho de Golgi para reutilização. Os diferentes compartimentos do aparelho de Golgi estão sendo discutidos abrevia- damente. CAPÍTULO 13 Tráfego intracelular de vesículas 715 A agregação de proteínas que funcionam no mesmo compartimento é um meca- nismo geral que os compartimentos usam para organizar e reter as suas proteínas resi- dentes. As enzimas do Golgi que funcionam juntas, por exemplo, também se ligam umas às outras e são, como resultado, impedidas de entrar em vesículas de transporte que dei- xam o aparelho de Golgi. O aparelho de Golgi consiste em uma série ordenada de compartimentos Por ser seletivamente visualizado com marcação com prata, o aparelho de Golgi foi uma das primeiras organelas descritas pelos primeiros microscopistas ópticos. Ele consiste em uma coleção de compartimentos achatados definidos por membranas, chamados de cisternas, que se assemelham um pouco a uma pilha de panquecas. Cada uma dessas pilhas de Golgi consiste normalmente em 4 a 6 cisternas (Figura 13-26), embora alguns flagelados unicelulares possam ter mais de 20. Em células animais, conexões tubulares entre cisternas correspondentes ligam muitas pilhas, formando, assim, um único com- plexo que costuma estar localizado próximo ao núcleo celular e junto ao centrossomo (Figura 13-27A). Essa localização depende dos microtúbulos. Se os microtúbulos forem experimentalmente despolimerizados, o aparelho de Golgi reorganiza-se em pilhas in- dividuais que são encontradas espalhadas pelo citoplasma, adjacentes aos sítios de saída Rede cis de Golgi (CGN) Cisterna cis Cisterna média Cisterna trans Rede trans de Golgi (TGN) Vesícula secretora (A) FACE cis Vesícula de Golgi FACE trans Envelope nuclear RE rugoso Agrupamentos tubulares de vesículas (B) 1 �m Figura 13-26 Aparelho de Golgi. (A) Re- construção tridimensional a partir de mi- crografias eletrônicas do aparelho de Golgi em uma célula secretora animal. A face cis das pilhas de Golgi é aquela mais próxima ao RE. (B) Uma micrografia eletrônica de secção fina de uma célula animal. Em célu- las vegetais, o aparelho de Golgi costuma ser mais distinto e mais claramente separa- do das outras membranas intracelulares do que nas células animais. (A, redesenhado de A. Rambourg e Y. Clermont, Eur. J. Cell Biol. 51:189–200, 1990. Com permissão de Wissenschaftliche Verlagsgesellschaft; B, cortesia de Brij J. Gupta.) Figura 13-27 Localização do apare- lho de Golgi em células animais e vegetais. (A) Aparelho de Golgi em um fibroblasto cultivado, marcado com um anticorpo fluorescente que reconhece uma proteína residente no Golgi (laranja brilhante). O aparelho de Golgi está po- larizado, voltado para a direção na qual a célula estava se movendo antes da fixação. (B) O aparelho de Golgi de uma célula ve- getal que está expressando uma proteína de fusão consistente de uma enzima residente no Golgi fusionada à proteína de fluorescência verde. (A, cortesia de John Henley e Mark McNiven; B, cortesia de Chris Hawes.)(A) (B) 716 PARTE IV Organização interna da célula do RE. Algumas células, incluindo a maioria das células vegetais, possuem centenas de pilhas de Golgi independentes dispersas pelo citoplasma onde elas costumam se encon- trar adjacentes aos sítios de saída do RE (Figura 13-27B). Durante a sua passagem pelo aparelho de Golgi, as moléculas transportadas so- frem uma série ordenada de modificações covalentes. Cada pilha de Golgi possui duas faces distintas: uma face cis (ou face de entrada) e uma face trans (ou face de saída). Ambas as faces, cis e trans, estão intimamente associadas a compartimentos especiais, cada um composto de uma rede de estruturas tubulares e de cisternas interconectadas: a rede cis de Golgi (CGN, do inglês cis Golgi network) e a rede trans de Golgi (TGN, trans Golgi network), respectivamente. A CGN consiste em uma coleção de agrupamentos tu- bulares de vesículas provenientes do RE. As proteínas e os lipídeos entram na rede cis de Golgi e saem da rede trans de Golgi com destino à superfície celular ou a outro compar- timento. Ambas as redes são importantes para a distribuição de proteínas: as proteínas que entram na CGN podem ir adiante no aparelho de Golgi ou ser devolvidas para o RE. Da mesma forma, as proteínas que saem da TGN podem ir adiante e ser distribuídas de acordo com seus destinos: endossomos, vesículas secretoras ou superfície celular. Elas também podem ser devolvidas para um compartimento anterior. Algumas proteínas de membrana são retidas na parte do aparelho de Golgi onde atuam. Como descrito no Capítulo 12, um único tipo de oligossacarídeo ligado ao N está conectado em bloco a muitas proteínas no RE e depois é aparado enquanto a proteína ainda está no RE. Os intermediários de oligossacarídeos gerados pelas reações de apara- mento servem para auxiliar no enovelamento de proteínas e no transporte de proteínas mal enoveladas ao citosol para degradação nos proteassomos. Logo, eles desempenham um papel importante controlando a qualidade das proteínas que saem do RE. Uma vez que tais funções no RE tenham sido cumpridas, a célula reutiliza os oligossacarídeos para novas funções. Isso começa no aparelho de Golgi,que produz as estruturas hetero- gêneas de oligossacarídeos vistas nas proteínas maduras. Depois da chegada na CGN, as proteínas entram no primeiro dos compartimentos de processamento do Golgi (cister- nas cis de Golgi). Elas se deslocam, então, para o próximo compartimento (cisternas mé- dias) e, finalmente, para as cisternas trans, onde a glicosilação é completada. Acredita-se que o lúmen das cisternas trans seja contínuo à TGN, local onde as proteínas são segre- gadas em diferentes pacotes de transporte e expedidas para seus destinos finais. As etapas de processamento de oligossacarídeos ocorrem em uma sequência or- ganizada nas pilhas de Golgi, com cada cisterna contendo uma mistura característica de enzimas de processamento. As proteínas são modificadas em estágios sucessivos à me- dida que se movem de cisterna a cisterna através da pilha, de maneira que a pilha forma uma unidade de processamento de múltiplos estágios. Pesquisadores descobriram as diferenças funcionais entre as subdivisões cis, mé- dia e trans do aparelho de Golgi por meio da localização das enzimas envolvidas no pro- cessamento de oligossacarídeos ligados ao N em regiões distintas da organela, tanto por fracionamento físico da organela como por marcação com anticorpos em secções para microscopia eletrônica (Figura 13-28). A remoção da manose e a adição de N-acetilgli- cosamina, por exemplo, ocorrem nas cisternas cis e média, enquanto a adição de ga- lactose e ácido siálico ocorre na cisterna trans e na rede trans de Golgi. A Figura 13-29 resume a compartimentalização funcional do aparelho de Golgi. Cadeias de oligossacarídeos são processadas no aparelho de Golgi Enquanto o lúmen do RE é cheio de proteínas e enzimas residentes luminais solúveis, as proteínas residentes no aparelho de Golgi são todas ligadas à membrana, já que as reações enzimáticas parecem ocorrer inteiramente sobre as superfícies de membrana. Todas as glicosidases e glicosiltransferases do Golgi, por exemplo, são proteínas transmembrana de passagem única, muitas das quais são organizadas em complexos multienzimáticos. Figura 13-28 Compartimentalização molecular do aparelho de Golgi. Uma série de micrografias eletrônicas mostra o aparelho de Golgi (A) não corado, (B) corado com ósmio, que marca preferencialmente as cisternas do compartimento cis, e (C e D) corado para revelar a localização de enzimas específicas. A nucleosídeo difosfatase é encontrada nas cisternas trans de Golgi (C), enquanto a fosfatase ácida é encontrada na rede trans de Golgi (D). Observe que, em geral mais do que uma cisterna é corada. Acredita-se, portanto, que as enzimas estejam mais altamente enriquecidas do que precisamente localizadas em uma cisterna específica. (Cortesia de Daniel S. Friend.) (A) (B) (C) (D) 1 �m CAPÍTULO 13 Tráfego intracelular de vesículas 717 Duas amplas classes de oligossacarídeos ligados ao N, os oligossacarídeos com- plexos e os oligossacarídeos ricos em manose, são anexadas às glicoproteínas de ma- míferos. Algumas vezes, ambos os tipos são anexados (em diferentes locais) à mesma cadeia polipeptídica. Os oligossacarídeos complexos são gerados quando o oligossa- carídeo ligado ao N original adicionado no RE é aparado e açúcares complementares são adicionados; ao contrário, os oligossacarídeos ricos em manose são aparados mas não recebem adição de novos açúcares no aparelho de Golgi (Figura 13-30). Os ácidos siálicos dos oligossacarídeos complexos têm importância especial porque carregam uma carga negativa. O fato de um dado oligossacarídeo permanecer rico em manose ou ser Figura 13-29 Processamento de oligossacarídeos nos compartimentos de Golgi. A localização de cada etapa de processamento apresentada foi determi- nada por uma combinação de técnicas, incluindo subfracionamento bioquímico das membranas do aparelho de Golgi e microscopia eletrônica após coloração com anticorpos específicos para algumas das enzimas de processamento. As enzimas de processamento não estão restritas a uma cisterna em particular; ao contrário, sua distribuição é gradual ao longo das pilhas, de forma que as enzimas que atuam pri- meiro estejam presentes principalmente em cisternas cis de Golgi e as que atuam mais tarde estejam presentes sobretudo nas cisternas trans de Golgi. Man, mano- se; GlcNAc, N-acetilglicosamina; Gal, ga- lactose; NANA, ácido N-acetilneuramínico (ácido siálico). Aparelho de Golgi Membrana plasmática Cisterna cis Cisterna média Cisterna trans Pilha de Golgi Rede trans de Golgi Rede cis de Golgi RE Lisossomo Vesícula secretora • Remoção de Man • Remoção de Man • Adição de GlcNAc • Adição de Gal • Adição de NANA • Sulfatação de tirosinas e carboidratos • Fosforilação de oligossacarídeos em proteínas lisossômicas SELEÇÃO SELEÇÃO Asn X Ser ou Thr NH CO = N-acetilglicosamina (GlcNAc) = manose (Man) = galactose (Gal) = ácido N-acetilneuramínico (ácido siálico, ou NANA) LEGENDA (A) (B) OLIGOSSACARÍDEO COMPLEXO (C) OLIGOSSACARÍDEO RICO EM MANOSE REGIÃO CENTRAL Figura 13-30 As duas principais classes de oligossacarídeos ligados à asparagina (ligados ao N) encon- tradas em glicoproteínas maduras de mamíferos. (A) Tanto os oligossacarídeos complexos quanto os ricos em manose compartilham uma região central comum derivada do oligossacarídeo ligado ao N original adicio- nado no RE (ver Figura 12-50) e contendo em geral duas N-acetilglicosaminas (GlcNAc) e três manoses (Man). (B) Cada oligossacarídeo complexo consiste em uma região central, junto com uma região terminal que contém um número variável de cópias de uma unidade trissacarídica especial (N-acetilglicosamina-galactose-ácido si- álico) ligada às manoses centrais. Frequentemente, a região terminal é truncada e contém somente GlcNAc e galactose (Gal), ou apenas GlcNAc. Além disso, uma fucose pode ser adicionada, normalmente à GlcNAc central anexada à asparagina (Asn). Assim, embora as etapas de processamento e subsequente adição de açúcares sejam rigidamente ordenadas, os oligossacarídeos complexos podem ser heterogêneos. Ademais, embora o oligossacarídeo complexo apresentado tenha três ramificações terminais, duas ou quatro ramificações também são comuns, dependendo da glicoproteína e da célula onde é produzido. (C) Os oligossacarídeos ricos em mano- se não são aparados totalmente até a região central e contêm manoses adicionais. Os oligossacarídeos híbridos com uma ramificação de Man e uma ramificação de GlcNAc e Gal também são encontrados (não mostrado). Os três aminoácidos indicados em (A) constituem a sequência reconhecida pela enzima oligossacariltrans- ferase que adiciona o oligossacarídeo inicial à proteína. Ser, serina; Thr, treonina; X, qualquer aminoácido, exceto prolina. 718 PARTE IV Organização interna da célula processado depende em grande parte de sua posição na proteína. Se o oligossacarídeo for acessível às proteínas processadoras no aparelho de Golgi, é provável que ele seja convertido a uma forma complexa; se ele estiver inacessível por seus açúcares estarem firmemente presos à superfície proteica, é provável que permaneça na forma rica em manose. O processamento que gera cadeias de oligossacarídeos complexos segue a via altamente ordenada apresentada na Figura 13-31. Além dessas trivialidades no processamento de oligossacarídeos que são com- partilhadas pela maioria das células, os produtos das modificações dos carboidratos, que são conduzidas no aparelho de Golgi, são altamente complexos e deram origem a um novo campo de estudo chamado de glicobiologia. O genoma humano, por exem- plo, codifica centenas de glicosiltransferases e muitas glicosidases de Golgi diferen- tes, que são expressas diferentemente de um tipo de célula para outro, resultando em uma variedade de formas glicosiladas de uma dada proteína ou lipídeo em diferentes tipos celulares e em estágios variados de diferenciação, dependendo do espectro de enzimas expressas pela célula. A complexidade das modificaçõesnão está limitada aos oligossacarídeos ligados ao N, mas também ocorre em açúcares ligados ao O, como discutiremos a seguir. Os proteoglicanos são montados no aparelho de Golgi Além das alterações de oligossacarídeos ligados ao N feitas nas proteínas à medida que passam pelas cisternas de Golgi em rota do RE para os seus destinos finais, muitas proteí- nas são modificadas também no aparelho de Golgi de outras maneiras. Algumas proteí- nas têm açúcares adicionados a grupos hidroxila de serinas e treoninas selecionadas, ou, em alguns casos – como os colágenos – a cadeias laterais de prolina e lisina hidroxiladas. Essa glicosilação ligada ao O (Figura 13-32), como a extensão das cadeias oligossaca- rídicas ligadas ao N, é catalisada por uma série de enzimas do tipo glicosiltransferases que utilizam os nucleotídeos de açúcar do lúmen do aparelho de Golgi para adicionar Asn Glicosidase II Glicosidase I Manosidase do RE Asn Manosidase I do Golgi Asn UDP UDP Asn Manosidase II do Golgi Asn Asn 1 2 3 4 5 LÚMEN DO RE Endo H- -sensível Endo H- -resistente Próxima adicionada aqui N-acetilglicosamina transferase I = N-acetilglicosamina (GlcNAc) = manose (Man) = glicose (Glc) = galactose (Gal) = ácido N-acetilneuramínico (ácido siálico, ou NANA) CMP3 UDP CMP5 + 3 UDP3 UDP2 LÚMEN DO GOLGI Oligossacarídeo complexo Oligossacarídeo rico em manose LEGENDA: Figura 13-31 Processamento de oligossacarídeos no RE e no aparelho de Golgi. A via de processamento é altamente ordenada, de forma que cada etapa apresen- tada depende da etapa anterior. Etapa 1: o processamento começa no RE com a remoção das glicoses do oligossacarídeo inicialmente transferido à proteína. Então, uma manosidase da membrana do RE remove uma manose específica. As etapas remanescentes ocorrem na pilha de Golgi. Etapa 2: a Golgi manosidase I remove mais três manoses. Etapa 3: a N-acetilglicosamina transferase I adiciona, então, uma N-acetilglicosamina. Etapa 4: a manosidase II remove duas manoses adicionais. Isso resulta em um núcleo central, com três manoses, presente em um oligossacarídeo complexo. Nesse estágio, a ligação entre as duas N-acetilglicosaminas do núcleo torna-se resistente ao ataque de uma endoglicosidase (Endo H) altamente específica. Uma vez que todas as últimas estruturas da via também são Endo H-resistentes, o tratamento com essa enzima é amplamente utilizado para distinguir oligossacarídeos complexos de oligossacarídeos ricos em manoses. Etapa 5: por fim, como representado na Figura 13-30, as N-acetilglicosaminas, as galactoses e os ácidos siálicos adicionais são acrescentados. Essas etapas finais na síntese de um oligossacarídeo complexo ocorrem nos com- partimentos de cisterna do aparelho de Golgi: três tipos de enzima glicosiltransferase agem sequencialmente, usando substratos de açúcar que foram ativados por ligação ao nucleotídeo indicado; as membranas das cisternas de Golgi contêm proteínas carreadoras específicas que permitem que cada nucleotídeo de açúcar entre em troca de nucleosídeos fosfatos que são liberados depois que o açúcar é ligado à proteína na face luminal. Note que, como uma organela biossintética, o aparelho de Golgi se diferencia do RE: todos os açúcares no Golgi são montados dentro do lúmen do nucleotí- deo de açúcar, enquanto no RE o oligossacarídeo ligado ao N precursor é montado parcialmente no citosol e parcialmente no lúmen, e a maioria das reações lumi- nais usam açúcares ligados a dilicol como seus substratos (ver Figura 12-51). CAPÍTULO 13 Tráfego intracelular de vesículas 719 açúcares a uma proteína, um de cada vez. Em geral, a N-acetilglicosamina é adicionada primeiro, seguida por um número variável de açúcares adicionais, variando de apenas alguns poucos até dez ou mais. O aparelho de Golgi confere a glicosilação ligada ao O mais forte de todas às mu- cinas, as glicoproteínas das secreções de muco, e às proteínas-núcleo de proteoglicanos, que ele modifica para produzir proteoglicanos. Como discutido no Capítulo 19, esse processo envolve a polimerização de uma ou mais cadeias de glicosaminoglicanos (lon- gos polímeros não ramificados compostos de unidades dissacarídicas repetidas; ver Fi- gura 19-35) sobre serinas da proteína-núcleo. Muitos proteoglicanos são secretados e se tornam componentes da matriz extracelular, enquanto outros permanecem ancorados na face extracelular da membrana plasmática. Outros, ainda, formam um componente principal de materiais viscosos, como o muco que é secretado para formar um revesti- mento protetor sobre a superfície de muitos epitélios. Os açúcares incorporados em glicosaminoglicanos são fortemente sulfatados no aparelho de Golgi logo após estes polímeros serem produzidos, somando-se, assim, uma porção significativa da sua grande carga negativa característica. Algumas tirosinas das proteínas também se tornam sulfatadas logo após elas saírem do aparelho de Golgi. Em ambos os casos, a sulfatação depende do doador de sulfato 3’-fosfoadenosina-5’-fosfos- sulfato (PAPS, do inglês 3-phosphoadenosine-5-phosphosulfate) (Figura 13-33), que é transportado do citosol para dentro do lúmen da rede trans de Golgi. Qual é o propósito da glicosilação? Há uma diferença importante entre a construção de um oligossacarídeo e a síntese de ou- tras macromoléculas, como DNA, RNA e proteína. Enquanto os ácidos nucleicos e as pro- teínas são copiados a partir de um molde em uma série repetitiva de etapas idênticas usan- do a mesma enzima ou um conjunto de enzimas, os carboidratos complexos requerem uma enzima diferente para cada etapa, em que cada produto é reconhecido como um substrato exclusivo para a próxima enzima da série. A vasta abundância de glicoproteínas e as vias complexas que evoluíram para sintetizá-las enfatizam que os oligossacarídeos existentes em glicoproteínas e em glicoesfingolipídeos possuem funções muito importantes. A glicosilação ligada ao N , por exemplo, é prevalente em todos os eucariotos, incluindo as leveduras. Os oligossacarídeos ligados ao N também ocorrem de forma muito similar em proteínas da parede celular de arqueias, sugerindo que toda a ma- quinaria necessária para sua síntese seja evolutivamente antiga. A glicosilação ligada ao N promove o enovelamento das proteínas de duas maneiras. Primeiro, ela possui um papel direto produzindo intermediários de enovelamento mais solúveis, impedin- do, portanto, sua agregação. Segundo, as modificações sequenciais do oligossacarídeo ligado ao N estabelecem um “glicocódigo”, que marca a progressão do enovelamento da proteína e medeia a ligação da proteína a chaperonas (discutido no Capítulo 12) e lectinas – por exemplo, direcionando o transporte do RE para o Golgi. Como discuti- remos adiante, as lectinas também participam na distribuição das proteínas na rede trans de Golgi. Figura 13-32 Glicosilação ligada ao N e ligada ao O. Em cada caso, apenas um único grupo açúcar que está ligado direta- mente à proteína é mostrado.C H H H H NHCOCH3 HOH2C HOH CH2 C O O O NH Cadeia principal proteica Asparagina N-acetilglicosamina Remanescente da cadeia lateral oligossacarídica GLICOSILAÇÃO LIGADA AO N C HH H NHCOCH3 H H OH CHH3C CH2OH OO Cadeia principal proteica Treonina N-acetilgalactosamina Remanescente da cadeia lateral oligossacarídica GLICOSILAÇÃO LIGADA AO O O H H H H HO O O H N N N N NH2 O CH2 P P OO O OO S O– O– O– –O 3�-fosfoadenosina-5�-fosfossulfato (PAPS) Figura 13-33 Estrutura do PAPS. 720 PARTE IV Organização interna da célula Como as cadeias de açúcares têm flexibilidade limitada, mesmo um pequeno oligossacarídeo ligado ao N que se sobressai da superfície de uma glicoproteína (Figura 13-34) pode limitar a aproximação de outras macromoléculas à superfície da proteína. Des- sa maneira, por exemplo, a presença de oligossacarídeos tende a tornar uma glicoproteína mais resistente à digestão por enzimas proteolíticas. Pode ser que osoligossacarídeos das proteínas da superfície celular tenham originalmente provido uma célula ancestral com um revestimento protetor; comparado à rígida parede celular bacteriana, tal revestimento de açúcar tem a vantagem de deixar a célula com a liberdade de mudar de forma e se mover. Desde então, as cadeias de açúcares foram modificadas para servir a outros propó- sitos também. O revestimento de muco das células pulmonares e intestinais, por exem- plo, protege contra muitos patógenos. O reconhecimento das cadeias de açúcar pelas lectinas no espaço extracelular é importante em muitos processos de desenvolvimento e no reconhecimento célula-célula: as selectinas, por exemplo, são lectinas transmembra- na que funcionam na adesão de célula-célula durante a migração de células sanguíneas, como discutido no Capítulo 19. A presença de oligossacarídeos pode modificar as pro- priedades antigênicas e funcionais de uma proteína, fazendo da glicosilação um impor- tante fator na produção de proteínas com propósitos farmacêuticos. A glicosilação também pode ter importantes papéis de regulação. A sinalização por meio do receptor sinalizador de superfície celular Notch, por exemplo, é um fator impor- tante para determinar o destino da célula no desenvolvimento (discutido no Capítulo 21). O Notch é uma proteína transmembrana O-glicosilada pela adição de uma única fucose a algumas serinas, treoninas e hidroxilisinas. Alguns tipos celulares expressam uma glicosiltransferase adicional que adiciona uma N-acetilglicosamina em cada uma dessas fucoses no aparelho de Golgi. Tal adição muda a especificidade do Notch para as proteínas sinalizadoras na superfície celular que o ativam. O transporte através do aparelho de Golgi pode ocorrer pela maturação das cisternas Ainda não se sabe como o aparelho de Golgi alcança e mantém sua estrutura polariza- da e como as moléculas se movem de uma cisterna para a outra, e é provável que mais de um mecanismo esteja envolvido em cada caso. Uma hipótese, chamada de modelo de maturação de cisternas, considera as cisternas de Golgi como estruturas dinâmicas que maturam de primária a tardia adquirindo e depois perdendo proteínas específicas residentes no Golgi. De acordo com essa visão, as cisternas cis se formam continua- mente à medida que agrupamentos tubulares de vesículas chegam do RE e progressi- vamente amadurecem para se tornar uma cisterna média e depois uma cisterna trans (Figura 13-35A). Uma cisterna, então, move-se através da pilha de Golgi com carga em seu lúmen. O transporte retrógrado das enzimas de Golgi pelo brotamento de vesícu- las de COPI explica sua distribuição característica. Como discutiremos a seguir, quando uma cisterna finalmente se move adiante para se tornar parte da rede trans de Golgi, vá- rios tipos de vesículas revestidas brotam dela até a rede desaparecer, para ser substituída por uma cisterna em maturação posicionada logo atrás. Ao mesmo tempo, outras vesí- culas de transporte estão continuamente recuperando membranas de compartimentos posicionados após o Golgi e devolvendo-as à rede trans de Golgi. O modelo de maturação de cisternas é sustentado por estudos utilizando enzimas de Golgi de diferentes cisternas que foram marcadas com diferentes colorações de fluorescên- cia. Tais estudos realizados com células de levedura onde as cisternas de Golgi não são em- pilhadas revelam que cisternas determinadas mudam sua cor, demonstrando, desse modo, que elas mudam seu suplemento de enzimas residentes à medida que elas maturam, ainda que não sejam empilhadas. Também sustentando tal modelo, observações de micrografias eletrônicas revelaram que grandes estruturas como os bastões de procolágeno em fibro- blastos e escamas de certas algas se movem progressivamente através da pilha de Golgi. Uma visão alternativa sustenta que as cisternas de Golgi são estruturas duradouras que mantêm seu conjunto característico de proteínas residentes de Golgi firmemente no lugar, e as proteínas-carga são transportadas de uma cisterna para a próxima pelo transporte de vesículas (Figura 13–35B). De acordo com esse modelo de transporte ve- sicular, o fluxo retrógrado de vesículas recupera as proteínas que escaparam do RE e do Golgi e as devolve aos compartimentos anteriores no fluxo. O fluxo direcional pode ser Man Man Man GlcNAc GlcNAc GlcNAc Asparagina (A) (B) Figura 13-34 Estrutura tridimensional de um pequeno oligossacarídeo ligado ao N. A estrutura foi determinada pela análise cristalográfica de raios X de uma glicoproteína. Este oligossacarídeo contém somente seis açúcares, enquanto há 14 açúcares no oligossacarídeo ligado ao N que é inicialmente transferido às proteínas no RE (ver Figura 12-47). (A) Um modelo de cadeia principal mostrando todos os átomos exceto os hidrogênios; apenas a asparagina da proteína é mostrada. (B) Um modelo de preenchimento de espaço, com a asparagina e os açúcares indicados usan- do o mesmo esquema de cores que em (A). (B, cortesia de Richard Feldmann.) CAPÍTULO 13 Tráfego intracelular de vesículas 721 alcançado porque as moléculas de carga que avançam são seletivamente empacotadas em vesículas que se movem adiante. Embora tanto as vesículas que avançam quanto as que retrocedem sejam provavelmente revestidas por COPI, os revestimentos podem conter diferentes proteínas adaptadoras que conferem seletividade no empacotamento das moléculas-carga. De maneira alternativa, o deslocamento das vesículas de trans- porte entre as cisternas de Golgi pode não ser de todo direcional, transportando carga aleatoriamente para trás e para frente; o fluxo direcional ocorreria, então, por causa da entrada contínua na cisterna cis e saída na cisterna trans. O modelo de transporte de vesículas é sustentado por experimentos que mostram que as moléculas-carga estão presentes em pequenas vesículas revestidas por COPI e que tais vesículas podem entregá-las às cisternas de Golgi por grandes distâncias. Além disso, quando proteínas de membrana agregadas experimentalmente são introduzidas dentro das cisternas de Golgi, elas podem ser vistas permanecendo no lugar, enquanto a carga solúvel, mesmo se presente em grandes agregados, atravessa o Golgi em ritmos normais. É provável que aspectos de ambos os modelos sejam verdadeiros. Um núcleo está- vel de cisternas duradouras pode existir no centro de cada cisterna de Golgi, enquanto as regiões ao redor podem sofrer contínua maturação, talvez usando as cascatas de Rab que mudam sua identidade. À medida que partes de cisternas maduras são formadas, elas po- dem se partir e se fusionar com cisternas seguintes no fluxo por mecanismos de fusão ho- motípica, carregando grandes moléculas-carga com elas. Além disso, pequenas vesículas revestidas por COPI poderiam transportar pequenas cargas na direção para frente e recu- perar enzimas que escaparam do Golgi e devolvê-las à sua cisterna retrógrada apropriada. Proteínas da matriz do Golgi ajudam a organizar a pilha A arquitetura única do aparelho de Golgi depende tanto do citoesqueleto de microtú- bulos, como já mencionado, como de proteínas citoplasmáticas da matriz do Golgi, que formam um arcabouço entre cisternas adjacentes e conferem às pilhas de Golgi a sua integridade estrutural. Algumas das proteínas de matriz, chamadas golginas, formam longas amarras compostas de domínios super-hélices rígidos com regiões articuladas intercaladas. As golginas formam uma floresta de tentáculos que pode se estender de 100 a 400 nm a partir da superfície da pilha de Golgi. Acredita-se que elas ajudam a manter o transporte de vesículas de Golgi perto da organela mediante interações com as proteí- nas Rab (Figura 13-36). Quando a célula se prepara para a divisão, as proteínas-cinase mitóticas fosforilam as proteínas da matriz do Golgi, determinando a fragmentação do (B) MODELO DE TRANSPORTE VESICULAR(A) MODELO DE MATURAÇÃO DE CISTERNAS RE TGNCGN Cisternas cis trans Média Agrupamento tubular de vesículas Proteínasde matriz Figura 13-35 Dois modelos possíveis explicando a organização do aparelho de Golgi e como as proteínas se movem através dele. É provável que o transporte através do aparelho de Golgi na direção progressiva (setas vermelhas) envolva elementos de ambos os modelos. (A) De acordo com o modelo da maturação de cisternas, cada cisterna de Golgi amadurece à medida que migra através de uma pilha. Em cada estágio, as proteínas residentes no Golgi que são carregadas adiante em uma cisterna em maturação são levadas de volta para um compartimento anterior em vesículas revestidas por COPI. Quando uma cisterna recém-formada se move para uma posi- ção média, por exemplo, as enzimas do cis Golgi “remanescentes” seriam extraídas e transportadas de volta para uma nova cisterna cis posicionada anteriormente. De forma semelhante, as enzimas da região média seriam recebidas pelo transporte retrógrado das cisternas localizadas logo à frente. Dessa forma, uma cisterna cis se amadureceria em uma cisterna média e então em uma cisterna trans à me- dida que se move para fora. (B) No modelo do transporte vesicular, as cisternas de Golgi são compartimentos estáticos que contêm um suplemento característico de enzimas residentes. A passagem de moléculas de cis para trans através do Golgi é obtida pelo movimento progressivo de vesículas de transporte, que brotam de uma cisterna e se fundem com a próxima, em uma direção cis-para-trans. Domínio de interação com Rab Pi lh a d e G o lg i Golginas Vesícula de transporte Proteína Rab Domínio de interação citoesquelética Figura 13-36 Modelo de funcionamento da golgina. Golginas filamentosas ancoradas às membranas de Golgi capturam as vesículas de transporte por ligação às proteínas de Rab sobre a superfície da vesícula. 722 PARTE IV Organização interna da célula aparelho de Golgi e a dispersão por todo o citosol. Os fragmentos de Golgi são, então, distribuídos de forma parelha às duas células-filhas, onde as proteínas de matriz são desfosforiladas, levando à remontagem da pilha de Golgi. Semelhantemente, durante a apoptose, a clivagem proteolítica das golginas pelas caspases se sucede (como discutido no Capítulo 18), fragmentando o aparelho de Golgi à medida que a célula se autodestrói. Resumo As proteínas corretamente enoveladas e montadas no RE são empacotadas em vesículas de transporte revestidas por COPII que se destacam da membrana do RE. Logo após, as vesículas perdem o revestimento e se fundem umas às outras para formar agrupamentos tubulares de vesículas. Em células animais, os agrupamentos então se movem sobre linhas de microtúbulos para o aparelho de Golgi, onde se fusionam uns aos outros para formar a rede cis de Golgi. Qualquer proteína residente no RE que escape do RE é devolvida para lá pelos agrupamentos tubulares de vesículas e do aparelho de Golgi pelo transporte retró- grado em vesículas revestidas por COPI. O aparelho de Golgi, diferentemente do RE, contém muitos nucleotídeos de açúcares, que as enzimas glicosiltransferases utilizam para glicosilar moléculas de lipídeo e proteína à medida que passam através do aparelho de Golgi. As manoses dos oligossacarídeos li- gados ao N que são adicionados às proteínas no RE são frequentemente removidas no início, e açúcares adicionais são acrescentados. Além disso, o aparelho de Golgi é o lo- cal onde ocorre a glicosilação ligada ao O e onde as cadeias de glicosaminoglicanos são adicionadas a proteínas-núcleo para formar proteoglicanos. A sulfatação de açúcares em proteoglicanos e de tirosinas selecionadas de proteínas também ocorre em um comparti- mento de Golgi tardio. O aparelho de Golgi modifica as várias proteínas e lipídeos que recebe do RE e, en- tão, os distribui para a membrana plasmática, os lisossomos e as vesículas secretoras. O aparelho de Golgi é uma organela polarizada, que consiste em uma ou mais pilhas de cisternas em forma de disco. Cada pilha é organizada como uma série de pelo menos três compartimentos funcionalmente distintos, chamados cisternas cis, média e trans. As cis- ternas cis e trans são conectadas a estações especiais de seleção, chamadas de rede cis de Golgi e rede trans de Golgi respectivamente. As proteínas e os lipídeos movem-se através da pilha de Golgi em uma direção cis-para-trans. Esse movimento pode ocorrer por transpor- te vesicular, pela maturação progressiva das cisternas cis à medida que migram de modo contínuo através das pilhas ou, mais provavelmente, por uma combinação dos dois me- canismos. Acredita-se que o transporte vesicular retrógrado contínuo de cisternas de cima para cisternas mais abaixo mantém as enzimas concentradas onde são necessárias. As no- vas proteínas concluídas terminam na rede trans de Golgi, que as empacota em vesículas de transporte para despachá-las a seus destinos específicos na célula. TRANSPORTE DA REDE TRANS DE GOLGI PARA OS LISOSSOMOS A rede trans de Golgi seleciona todas as proteínas que passam através do aparelho de Golgi (exceto aquelas que são retidas ali como residentes permanentes) de acordo com seus destinos finais. O mecanismo de classificação é especialmente bem conhecido para as proteínas destinadas ao lúmen dos lisossomos, e, nesta seção, consideraremos esse processo de transporte seletivo. Iniciamos com uma breve apresentação da estrutura e da função dos lisossomos. Os lisossomos são os principais sítios de digestão intracelular Os lisossomos são organelas envoltas por membranas preenchidas com enzimas hidro- líticas solúveis que digerem macromoléculas. Os lisossomos contêm cerca de 40 tipos de enzimas hidrolíticas, incluindo proteases, nucleases, glicosidases, lipases, fosfolipases, fosfatases e sulfatases. Todas são hidrolases ácidas, ou seja, hidrolases que funcionam melhor em pH ácido. Para uma atividade ótima, elas precisam ser ativadas por clivagem proteolítica, que também pode exigir um ambiente ácido. O lisossomo proporciona tal acidez, mantendo um pH interior de cerca de 4,5 a 5,0. Com esse arranjo, os conteúdos do EXTERIOR DA CÉLULA LISOSSOMO ENDOSSOMO PRIMÁRIO RETÍCULO ENDOPLASMÁTICO GOLGI ENDOSSOMO TARDIO VESÍCULAS SECRETORAS ENDOSSOMO DE RECICLAGEM CAPÍTULO 13 Tráfego intracelular de vesículas 723 citosol são duplamente protegidos contra o ataque do sistema digestivo da própria célula: a membrana do lisossomo mantém as enzimas digestivas fora do citosol, mas, mesmo que elas escapem, elas causarão poucos danos com o pH citosólico de cerca de 7,2. Assim como todas as outras organelas envolvidas por membranas, o lisossomo não apenas contém uma coleção única de enzimas, mas também uma membrana cir- cundante única. A maioria das proteínas de membrana do lisossomo, por exemplo, são altamente glicosiladas, o que ajuda a protegê-las das proteases dos lisossomos no lú- men. O transporte de proteínas na membrana do lisossomo carrega os produtos finais da digestão de macromoléculas – como os aminoácidos, açúcares e nucleotídeos – para o citosol, onde a célula pode tanto reutilizá-los quanto excretá-los. Uma H+ ATPase vacuolar na membrana do lisossomo usa a energia da hidrólise de ATP para bombear H+ para dentro do lisossomo, mantendo, assim, o lúmen em seu pH ácido (Figura 13-37). A bomba de H+ do lisossomo pertence à família das ATPases tipo V e possui uma arquitetura similar à das ATP-sintases de mitocôndrias e cloroplastos (ATPases do tipo F), que convertem a energia armazenada em gradientes de H+ em ATP (ver Figura 11-12). Diferentemente dessas enzimas, no entanto, a ATPase H+ vacuolar trabalha exclusivamente ao contrário, bombeando H+ para dentro da organela. ATPases semelhantes ou idênticas às do tipo V acidificam todas as organelas endocíticas e exocí- ticas, incluindo os lisossomos, os endossomos, alguns compartimentos do aparelho de Golgi e muitas vesículas de transporte e de secreção. Além de proporcionar um ambiente de baixo pH que é adequado para as reações que ocorrem no lúmen da organela, o gra- diente de H+fornece a fonte de energia que conduz o transporte de pequenos metabóli- tos através da membrana da organela. Os lisossomos são heterogêneos Os lisossomos são encontrados em todas as células eucarióticas. Eles foram inicialmente descobertos pelo fracionamento bioquímico de extratos celulares; somente mais tarde eles foram observados de forma clara em microscópio eletrônico. Embora extraordina- riamente diversos em formato e tamanho, a sua coloração com anticorpos específicos mostra que são membros de uma única família de organelas. Eles também podem ser identificados por técnicas histoquímicas que revelam quais organelas contêm hidrolase ácida (Figura 13-38). A morfologia heterogênea dos lisossomos contrasta com as estruturas relativa- mente uniformes de muitas outras organelas celulares. A diversidade reflete a ampla va- riedade de funções digestivas mediadas pelas hidrolases ácidas, incluindo a quebra de restos intra e extracelulares, a destruição de microrganismos fagocitados e a produção de nutrientes para a célula. A sua diversidade morfológica, entretanto, também reflete como os lisossomos se formam. Os endossomos tardios contendo material recebido da membrana plasmática por endocitose e hidrolases lisossômicas recém-sintetizadas se fundem com lisossomos preexistentes para formar estruturas que algumas vezes são re- feridas como endolisossomos, que então se fundem um com outro (Figura 13-39). Quan- do a maior parte do material endocitado dentro de um endolisossomo foi digerida de modo que somente resíduos resistentes ou de digestão lenta permanecem, essas orga- nelas se tornam endossomos “clássicos”. Estes são relativamente densos, arredondados e pequenos, mas podem entrar no ciclo outra vez ao se fusionar com endossomos tardios ou endolisossomos. Assim, não há distinção real entre endolisossomos e lisossomos: eles são os mesmos, exceto pelo fato de que eles estão em diferentes estágios do ciclo de maturação. Por essa razão, os lisossomos são, algumas vezes, vistos como uma coleção pH~5,0 pH~7,2 HIDROLASES ÁCIDAS: Nucleases Proteases Glicosidases Lipases Fosfatases Sulfatases Fosfolipases 0,2–0,5 �m CITOSOL + Bomba de H+ ATP ADP Pi H+ Figura 13-37 Lisossomos. As hidrolases ácidas são enzimas hidrolíticas que são ati- vadas sob condições ácidas. Uma ATPase H+ na membrana bombeia H+ para dentro do lisossomo, mantendo seu lúmen em pH ácido. Figura 13-38 Visualização histoquímica de lisossomos. Estas micrografias eletrônicas mostram dois cortes de uma célula corada para revelar a localização de fosfatase ácida, uma enzima marcadora dos lisossomos. As organelas envoltas por membranas maiores, contendo precipitados densos de fosfato de chumbo, são os lisossomos. A sua mor- fologia diversa reflete as variações na quantidade e na natureza do material que estão digerindo. Os precipitados são produzidos quando o tecido fixado por glutaraldeído (para fixar a enzima no lugar) é incubado com um substrato para fosfatase na presença de íons de chumbo. As setas vermelhas no quadro superior indicam duas vesículas pequenas que, acredita-se, estejam carregando hidrolases ácidas do aparelho de Golgi. (Cortesia de Daniel S. Friend.) 200 nm 724 PARTE IV Organização interna da célula heterogênea de organelas distintas, cuja característica em comum é um alto conteúdo de enzimas hidrolíticas. É especialmente difícil de aplicar uma definição mais precisa do que esta para as células vegetais, como discutiremos a seguir. Os vacúolos de vegetais e de fungos são lisossomos surpreendentemente versáteis A maioria das células vegetais e fúngicas (incluindo leveduras) contém uma ou mais ve- sículas muito grandes e preenchidas de fluido, denominadas vacúolos. Eles costumam ocupar mais de 30% do volume celular, chegando a até 90% em alguns tipos celulares (Figura 13-40). Os vacúolos estão relacionados aos lisossomos das células animais, contendo várias enzimas hidrolíticas, mas as suas funções são nitidamente diversas. O vacúolo vegetal pode atuar como uma organela de armazenamento tanto para os nu- trientes quanto para os resíduos, como um compartimento degradativo, como uma for- ma econômica de aumentar o tamanho celular e como um controlador da pressão de turgescência (a pressão osmótica exercida de dentro para fora sobre a parede celular e que impede que a planta murche) (Figura 13-41). A mesma célula pode ter vacúolos diferentes com funções diferentes, como digestão e armazenamento. O vacúolo é importante como um instrumento de homeostase, permitindo que as cé- lulas vegetais suportem grandes variações no seu ambiente. Quando o pH do ambiente cai, por exemplo, o fluxo de H+ para o citosol é balanceado, pelo menos em parte, por um trans- porte aumentado de H+ para o vacúolo, que tende a manter o pH do citosol constante. De forma semelhante, muitas células vegetais mantêm uma pressão de turgescência pratica- mente constante apesar das amplas variações de tonicidade dos fluidos dos seus ambientes próximos. Elas fazem isso mudando a pressão osmótica do citosol e do vacúolo – em parte Figura 13-39 Modelo de maturação de lisossomos. Os endossomos tardios se fundem com lisossomos preexistentes (seta de baixo) ou endolisossomos preexistentes (seta de cima). Por fim, os endolisossomos amadurecem em lisossomos à medida que as hidrolases completam a digestão dos seus conteúdos, que pode incluir vesículas intraluminais. Os lisossomos também se fundem com fagossomos, como discutire- mos adiante. Compartimentos de pH baixo, hidroliticamente ativos Endossomo tardio Endolisossomo Lisossomo Digestão do conteúdo Hidrolase Vesícula intraluminal Citosol Parede celular Vacúolo Vacúolo Cloroplastos Tonoplasto 10 �m (A) (B) Figura 13-40 Vacúolo de célula vege- tal. (A) Imagem confocal de células de um embrião de Arabidopsis que expressa uma proteína de fusão aquaporina-YFP (proteína amarela fluorescente) em seu tonoplasto, ou membrana do vacúolo (ver- de); as paredes celulares foram coloridas falsamente de laranja. Cada célula contém muitos vacúolos grandes. (B) Esta micro- grafia eletrônica de células de uma folha jovem de tabaco mostra o citosol como uma camada fina, contendo cloroplastos, pressionado contra a parede celular pelo enorme vacúolo. (A, cortesia de C. Carroll e L. Frigerio, baseada em S. Gattolin et al., Mol. Plant 4:180–189, 2011. Com permis- são de Oxford University Press; B, cortesia de J. Burgess.) CAPÍTULO 13 Tráfego intracelular de vesículas 725 pela quebra e ressíntese controladas de polímeros, como polifosfatos no vacúolo, e em par- te pela alteração da taxa de transporte de açúcares, aminoácidos e outros metabólitos atra- vés da membrana plasmática e da membrana vacuolar. A pressão de turgescência regula as atividades de distintos transportadores em cada membrana para controlar esses fluxos. Os seres humanos frequentemente recolhem substâncias armazenadas nos vacúolos de plantas – da borracha ao ópio e ao aroma do alho. Muitos produtos estocados possuem uma função metabólica. As proteínas, por exemplo, podem ser preservadas por anos nos vacúolos de células de estocagem de muitas sementes, como as de ervilhas e feijões. Quan- do as sementes germinam, essas proteínas são hidrolisadas, e os aminoácidos resultantes fornecem um suprimento alimentar para o embrião em desenvolvimento. Os pigmentos antocianinas armazenados nos vacúolos colorem as pétalas de muitas flores para atrair in- setos polinizadores, enquanto as moléculas tóxicas liberadas dos vacúolos, quando uma planta é consumida ou danificada, promovem uma forma de defesa contra predadores. Múltiplas vias entregam materiais para os lisossomos Os lisossomos são locais de encontro para onde várias vias de tráfego intracelular con- vergem. Uma rota que leva para fora do RE pelo aparelho de Golgi entrega a maioria das enzimas digestivas do lisossomo, enquanto pelo menos quatro vias de fontes diferentes alimentam os lisossomos de substâncias para digestão.A mais estudada dessas vias de degradação é aquela seguida pelas macromolécu- las captadas do líquido extracelular pela endocitose. Uma via semelhante, encontrada nas células fagocíticas, como os macrófagos e neutrófilos em vertebrados, é dedicada ao engolfamento, ou fagocitose, de grandes partículas e microrganismos para formar os fagossomos. Uma terceira via, chamada de macropinocitose, é especializada na capta- ção não específica de fluidos, membrana e partículas anexadas à membrana plasmática. Voltaremos a discutir essas vias mais adiante no capítulo. Uma quarta via chamada de autofagia se origina no citoplasma da própria célula e é utilizada para digerir organelas do citosol e deterioradas, como discutido a seguir. As quatro vias de degradação nos li- sossomos estão ilustradas na Figura 13-42. Figura 13-41 Papel do vacúolo no controle do tamanho das células ve- getais. Uma célula vegetal pode alcançar um grande aumento do volume celular sem aumentar o volume do citosol. Enfra- quecimentos localizados na parede celular orientam o alargamento celular dirigido pela turgescência que acompanha a cap- tação de água para dentro do vacúolo em expansão. O citosol acaba sendo confina- do a uma camada fina periférica, que é conectada à região nuclear por faixas de citosol estabilizadas por feixes de filamen- tos de actina (não mostrados). Núcleo Faixas de citoplasma Parede celularVacúolo Membrana plasmática Figura 13-42 As quatro vias de de- gradação nos lisossomos. Os materiais de cada via são derivados de uma fonte diferente. Observe que o autofagossomo possui uma membrana dupla. Em todos os casos, a etapa final é a fusão com os lisossomos. Autofagossomo Mitocôndria Endossomo primário ENDOSSOMO TARDIO LISOSSOMO Autofagia Endocitose Fagocitose FagossomoBactéria Membrana plasmática CITOSOL LÍQUIDO EXTRACELULAR Macropinocitose 726 PARTE IV Organização interna da célula A autofagia degrada proteínas e organelas indesejadas Todos os tipos celulares descartam partes obsoletas por um processo dependente do lisossomo chamado de autofagia. O processo de degradação é importante durante o crescimento normal da célula e no desenvolvimento, quando ajuda a reestruturar célu- las em diferenciação, mas também nas respostas adaptativas a estresses como privação alimentar e infecção. A autofagia pode remover grandes objetos – macromoléculas, gran- des agregados proteicos e até mesmo organelas – com os quais outros mecanismos de descarte, como a degradação proteossômica, não conseguem lidar. Defeitos na autofagia podem impedir que as células se liberem de micróbios, agregados de proteínas indeseja- das e proteínas anormais e, assim, contribuir para doenças desde distúrbios infecciosos a neurodegeneração e câncer. Nos estágios iniciais de autofagia, a carga citoplasmática fica cercada por uma membrana dupla que se forma pela fusão de vesículas pequenas de origem desconheci- da, formando um autofagossomo (Figura 13-43). Foram identificadas algumas dezenas de proteínas diferentes em células de levedura e de animais que participam no processo, que deve ser regulado rigorosamente: um pouco a mais ou um pouco a menos já pode ser deletério. Todo o processo ocorre na seguinte sequência de etapas: 1. Indução por ativação de moléculas sinalizadoras: proteínas-cinase (incluindo o complexo mTOR 1, discutido no Capítulo 15) que retransmitem informação sobre a condição metabólica da célula se tornam ativadas e sinalizam para a maquinaria autofágica. 2. Nucleação e expansão de uma membrana delimitante em forma de crescente: Vesículas de membrana, caracterizadas pela presença de ATG9, a única proteína transmembrana envolvida no processo, são recrutadas para um sítio de monta- gem, onde elas concentram a formação do autofagossomo. A ATG9 não é incorpo- rada no autofagossomo: uma via de recuperação deve removê-la da estrutura de montagem. 3. Fechamento da membrana ao redor do alvo para formar um autofagossomo deli- mitado por dupla membrana selado. 4. Fusão do autofagossomo com lisossomos, catalisada pelas SNAREs. 5. Digestão da membrana interna e dos conteúdos do lúmen do autofagossomo. A autofagia pode ser tanto não seletiva como seletiva. Na autofagia não seleti- va, uma porção do citoplasma é sequestrada em autofagossomos. Pode ocorrer, por exemplo, em condições de privação alimentar: quando os nutrientes externos são li- mitados, os metabólitos derivados da digestão do citosol capturado podem ajudar a célula a sobreviver. Na autofagia seletiva, cargas específicas são empacotadas dentro dos autofagossomos que tendem a conter pouco citosol, e sua forma reflete a forma da carga. A autofagia seletiva medeia a degradação de mitocôndrias, ribossomos e RE que estão debilitados ou indesejados; ela também pode ser utilizada para destruir micró- bios invasores. (B) (A) Mitocôndria Peroxissomo 1 �mHidrolases ácidas Lisossomo NUCLEAÇÃO E EXTENSÃO Autofagossomos Citosol e organelas engolfados FECHAMENTO FUSÃO COM LISOSSOMOS DIGESTÃO INDUÇÃO Figura 13-43 Modelo de autofagia. (A) A ativação de uma via sinalizadora inicia o evento de nucleação no citoplas- ma. Uma membrana autofagossômica na forma de crescente cresce por fusão de vesículas de origem desconhecida e, por fim, funde-se para formar um auto- fagossomo envolto por membrana dupla, que sequestra uma porção do citoplasma. Então, o autofagossomo se fusiona a lisossomos portadores de hidrolases ácidas que digerem seu conteúdo. Durante a for- mação da membrana do autofagossomo, uma proteína semelhante à ubiquitina se torna ativada pela ligação covalente de uma âncora lipídica fosfatidiletanolamina. Essas proteínas, então, intervêm no apri- sionamento e fusão da vesícula, levando à formação de uma estrutura de membrana em forma de crescente que se arranja ao redor do seu alvo (não mostrado). (B) Uma micrografia eletrônica de um autofagosso- mo contendo uma mitocôndria e um pe- roxissomo. (B, cortesia de Daniel S. Friend, de D.W. Fawcett, A Textbook of Histology, 12th ed. New York: Chapman and Hall, 1994. Com permissão de Kluwer.) CAPÍTULO 13 Tráfego intracelular de vesículas 727 A autofagia seletiva de mitocôndrias deterioradas ou danificadas é chamada de mitofagia. Como discutido nos Capítulos 12 e 14, quando as mitocôndrias funcionam normalmente, a membrana interna mitocondrial é energizada por um gradiente ele- troquímico de H+ que direciona a síntese de ATP e a importação de proteínas precur- soras mitocondriais e de metabólitos. As mitocôndrias danificadas não podem manter o gradiente, então a importação de proteínas é bloqueada. Como consequência, uma proteína-cinase chamada Pink1, que, em geral, é importada para as mitocôndrias, fica retida sobre a superfície mitocondrial onde recruta a ubiquitina-ligase Parkin do cito- sol. A Parkin realiza a ubiquitinação das proteínas da membrana mitocondrial externa, o que marca a organela para destruição seletiva nos autofagossomos. Mutações na Pink1 ou Parkin causam uma forma de aparecimento precoce da doença de Parkinson, uma doença degenerativa do sistema nervoso central. Não se sabe por que os neurônios que morrem prematuramente nessa doença são particularmente dependentes da mitofagia. Um receptor de manose-6-fosfato seleciona hidrolases lisossômicas na rede trans de Golgi Consideremos, agora, a via que entrega hidrolases lisossômicas da TGN para os lisos- somos. As enzimas são primeiro entregues nos endossomos em vesículas de transporte que brotam da TGN, antes que eles se movam adiante para os endolisossomos e lisosso- mos (ver Figura 13-39). As vesículas que deixam a TGN incorporam as proteínas lisossô- micas e excluem as várias outras proteínas que são empacotadas em diferentes vesículas de transporte para destiná-las a outros locais. Como as hidrolases lisossômicas são reconhecidas e selecionadas na TGN com a precisão necessária? Em células animais, elas carregam um marcador único na forma de grupos demanose-6-fosfato (M6P), que são exclusivamente adicionados aos oligossa- carídeos ligados ao N dessas enzimas lisossômicas solúveis, à medida que elas passam através do lúmen da rede cis de Golgi (Figura 13-44). As proteínas receptoras de M6P transmembrana, que estão presentes na TGN, reconhecem os grupos M6P e se ligam às hidrolases lisossômicas na face luminal da membrana e a proteínas adaptadoras para montar os revestimentos de clatrina na face citosólica. Dessa forma, os receptores aju- dam a empacotar as hidrolases em vesículas revestidas por clatrina que brotam da TGN e entregar seu conteúdo aos endossomos primários. O receptor M6P se liga ao M6P em pH de 6,5 a 6,7 no lúmen da TGN e o libera em pH 6, que é o pH no lúmen dos endossomos. Assim, depois que o receptor é liberado, as hidrolases lisossômicas se dissociam dos receptores M6P, que são recuperados para den- tro de vesículas de transporte que brotam dos endossomos. Essas vesículas são revestidas por retrômero, um complexo de proteína de revestimento especializado no transporte de endossomo para TGN, que devolvem os receptores para a TGN para reúso (Figura 13-45). O transporte em qualquer das direções requer sinais na cauda citoplasmática do receptor de M6P que direciona essa proteína para o endossomo ou de volta à TGN. Es- ses sinais são reconhecidos pelo complexo retrômero que recruta os receptores de M6P para as vesículas de transporte que brotam dos endossomos. A reciclagem do receptor de M6P se parece com a reciclagem do receptor de KDEL discutida antes, embora difira no tipo de vesículas revestidas que medeiam o transporte. Nem todas as moléculas de hidrolase que carregam M6P chegam aos lisossomos. Algumas escapam do processo de empacotamento normal na rede trans de Golgi e são transportadas, “por padrão”, à superfície celular, onde são secretadas no líquido extrace- lular. Alguns receptores de M6P, entretanto, também fazem um desvio para a membrana plasmática, onde recapturam as hidrolases lisossômicas que escaparam e as devolvem por endocitose mediada por receptores (discutido adiante) aos lisossomos por intermédio dos endossomos primários e tardios. Como as hidrolases lisossômicas necessitam de um ambiente ácido para funcionar, elas não podem causar muitos danos no líquido extrace- lular, que geralmente tem pH neutro de 7,4. Para o sistema de seleção que segrega hidrolases lisossômicas e as despacha até os endossomos para agir, os grupos M6P devem ser adicionados somente nas glicopro- teínas apropriadas no aparelho de Golgi. Isso exige o reconhecimento específico das hidrolases por parte das enzimas do Golgi responsáveis pela adição de M6P. Uma vez O O OH HO HO CH2O Manose-6-fosfato (M6P) Oligossacarídeo ligado ao N Hidrolase lisossômica P Figura 13-44 Estrutura da manose-6- -fosfato em uma hidrolase lisossômica. 728 PARTE IV Organização interna da célula que todas as glicoproteínas deixam o RE com cadeias de oligossacarídeos ligados ao N idênticas, o sinal para a adição das unidades de M6P aos oligossacarídeos deve residir em algum lugar da cadeia polipeptídica de cada hidrolase. Experimentos de engenharia genética revelaram que o sinal de reconhecimento é um agrupamento de aminoácidos vizinhos em cada superfície proteica, conhecido como região-sinal (Figura 13-46). Uma vez que a maioria das hidrolases lisossômicas contém múltiplos oligossacarídeos, elas necessitam de muitos grupos de M6P, fornecendo um sinal de alta afinidade para o re- ceptor de M6P. Defeitos na GlcNAc-fosfotransferase causam uma doença de depósito lisossômico em humanos Os defeitos genéticos que afetam uma ou mais hidrolases lisossômicas causam diversas doenças de depósito lisossômico. Os defeitos resultam em um acúmulo de substratos não digeridos nos lisossomos, com sérias consequências patológicas, mais frequen- temente no sistema nervoso. Na maioria dos casos, há uma mutação em um gene es- trutural que codifica uma hidrolase lisossômica específica. Isso ocorre na síndrome de Hurler, por exemplo, na qual a enzima necessária para a quebra de certos tipos de glico- saminoglicanos está defeituosa ou ausente. A forma mais grave das doenças de depósito lisossômico, entretanto, é um distúrbio metabólico hereditário muito raro chamado de doença de inclusão celular. Nessa condição, quase todas as enzimas hidrolíticas estão ausentes nos lisossomos de muitos tipos celulares, e os seus substratos não digeridos se acumulam nesses lisossomos, o que, como resultado, forma grandes inclusões nas células. A patologia consequente é complexa, afetando todos os sistemas de órgãos, a integridade esquelética e o desenvolvimento mental; os indivíduos raramente vivem além de 6 ou 7 anos. A doença de inclusão celular é causada por um único defeito gênico e, como a maioria das deficiências enzimáticas genéticas, é recessiva – ou seja, ocorre apenas em indivíduos que têm duas cópias do gene defeituoso. Nos pacientes portadores da doença da célula I, todas as hidrolases ausentes dos lisossomos são encontradas no sangue: por elas não serem selecionadas apropriadamente no aparelho de Golgi, elas são secreta- das em vez de transportadas aos lisossomos. A classificação errônea foi traçada a uma fosfotransferase GlcNAc ausente ou defeituosa. Como as enzimas lisossômicas não são fosforiladas na rede cis de Golgi, os receptores de M6P não as separam para dentro das vesículas de transporte apropriadas na TGN. Em vez disso, as hidrolases lisossômicas são carregadas para a superfície celular e secretadas. Figura 13-45 Transporte de hidrolases lisossômicas recém-sintetizadas para os endossomos. A ação sequencial de duas enzimas nas redes cis e trans de Gol- gi adiciona grupos de manose-6-fosfato (M6P) aos precursores das enzimas lisos- sômicas (ver Figura 13-46). As hidrolases carregando os M6P então se separam de todos os outros tipos de proteínas na TGN porque as proteínas adaptadoras do revestimento de clatrina (não mostrado) se ligam aos receptores de M6P, que, por sua vez, se ligam às hidrolases lisossômicas modificadas por M6P. As vesículas reves- tidas por clatrina brotam da TGN, soltam seu revestimento e se fundem com os endossomos tardios. Com o pH mais baixo do endossomo, as hidrolases se dissociam dos receptores M6P, e os receptores vazios são recuperados nas vesículas revestidas por retrômeros para a TGN para novas rodadas de transporte. Nos endossomos, o fosfato é removido do M6P ligado às hidrolases, que podem garantir ainda mais que as hidrolases não retornem à TGN com o receptor. + Precursor de hidrolase lisossômica Receptor de M6P A partir do RE Manose Aparelho de Golgi Revestimento de clatrina RECUPERAÇÃO DO RECEPTOR Receptor de M6P na vesícula em brotamento Vesícula de transporte Revestimento de retrômero Precursor da hidrolase lisossômica Endossomo primário H+ ADIÇÃO DE P-GlcNAc LIGAÇÃO AO RECEPTOR DE M6P EXPOSIÇÃO DO SINAL DE M6P REMOÇÃO DO FOSFATODISSOCIAÇÃO EM pH ÁCIDO Rede cis de Golgi Rede trans de Golgi TRANSPORTE PARA O ENDOSSOMO ATP ADP Pi CAPÍTULO 13 Tráfego intracelular de vesículas 729 Na doença de inclusão celular, os lisossomos de alguns tipos celulares, como os he- patócitos, contêm um suplemento normal de enzimas lisossômicas, significando que há outra via para direcionamento das hidrolases para os lisossomos que é utilizada por alguns tipos celulares, mas não por outros. Receptores de seleção alternativos funcionam nessas vias independentes de M6P. De forma semelhante, uma via independente de M6P em to- das as células seleciona as proteínas de membrana dos lisossomos da TGN para transpor- tar aos endossomos tardios, e tais proteínas são normais na doença da inclusão celular. Alguns lisossomos e corpos multivesiculares sofrem exocitose O direcionamento de materiais para os lisossomos não é, necessariamente, o fim da via. A secreção lisossômica do conteúdo não digerido permite que todas as células eliminem os restos indigeríveis.Para a maioria das células, essa parece ser uma via de menor impor- tância, utilizada somente quando as células estão estressadas. Alguns tipos celulares, en- tretanto, contêm lisossomos especializados que adquiriram a maquinaria necessária para a fusão com a membrana plasmática. Os melanócitos da pele, por exemplo, produzem e armazenam pigmentos em seus lisossomos. Esses melanossomos que contêm pigmentos liberam o seu conteúdo no espaço extracelular da epiderme por exocitose. O pigmento é, então, capturado por queratinócitos, levando à pigmentação normal da célula. Em alguns distúrbios genéticos, defeitos na exocitose dos melanossomos bloqueiam esse processo de transferência, levando a formas de hipopigmentação (albinismo). Em certas condi- ções, corpos multivesiculares também podem se fundir com a membrana plasmática. Se isso ocorre, suas vesículas intraluminais são liberadas das células. Pequenas vesículas circulantes, também chamadas de exossomos, foram observadas no sangue e podem ser usadas para transportar componentes entre células, embora a importância de tal meca- nismo de comunicação em potencial entre células distantes seja desconhecida. Alguns exossomos podem derivar direto de eventos de brotamento de vesículas na membrana plasmática, que é um processo topologicamente equivalente (ver Figura 13-57). Resumo Os lisossomos são especializados para a digestão intracelular de macromoléculas. Eles contêm proteínas de membrana únicas e uma ampla variedade de enzimas hidrolíticas que funcionam melhor em pH 5, que é o pH interno dos lisossomos. Uma bomba de H+ dirigida por ATP da membrana lisossômica mantém esse pH baixo. Proteínas lisossômicas recém-sintetizadas são transportadas a partir do lúmen do RE através do aparelho de Gol- gi; elas são, então, carregadas da rede trans de Golgi para os endossomos por vesículas de transporte revestidas por clatrina antes de se moverem adiante para os lisossomos. As hidrolases lisossômicas contêm oligossacarídeos ligados ao N que são modi- ficados covalentemente de forma única no cis de Golgi de forma que suas manoses são fosforiladas. Os grupos de manose-6-fosfato (M6P) são reconhecidos por uma proteína receptora de M6P na rede trans de Golgi que separa as hidrolases e ajuda a empacotá-las em vesículas de transporte em brotamento que entregam seus conteúdos aos endossomos. Os receptores de M6P transitam para trás e para frente entre a rede trans de Golgi e os U U Hidrolase lisossômica GlcNAc-fosfotransferase UDP-GlcNAc LIGAÇÃO AO SÍTIO CATALÍTICO DA FOSFO- TRANSFERASE LIGAÇÃO DA REGIÃO-SINAL AO SÍTIO DE RECONHECIMENTO DA FOSFOTRANSFERASE TRANSFERÊNCIA DE GlcNAc PARA AS MANOSES NO SÍTIO CATALÍTICO LIBERAÇÃO Sítio catalítico Sítio de reconhecimento Oligossacarídeo ligado ao N com resíduo terminal de manose Região-sinal U UMP Remoção de GlcNAc P P P P P P P P P P M6P Hidrolase lisossômica com GlcNAc anexado à manose do oligossacarídeo Figura 13-46 Reconhecimento de uma hidrolase lisossômica. Uma fosfotransfe- rase GlcNAc reconhece as hidrolases lisos- sômicas no aparelho de Golgi. A enzima possui sítios catalíticos e de reconhecimen- to diferentes. O sítio catalítico liga tanto os oligossacarídeos ligados ao N ricos em manose quanto a UDP-GlcNAc. O sítio de reconhecimento liga-se a uma região-sinal que está presente somente na superfície das hidrolases lisossômicas. Uma segunda enzima corta fora a GlcNAc, deixando a manose-6-fosfato exposta. 730 PARTE IV Organização interna da célula endossomos. O baixo pH nos endossomos e a remoção do fosfato do grupo M6P levam as hidrolases lisossômicas a se dissociarem desses receptores, tornando o transporte das hidrolases unidirecional. Um sistema de transporte à parte utiliza vesículas revestidas por clatrina para entregar proteínas de membrana residentes nos lisossomos provenientes da rede trans de Golgi aos endossomos. TRANSPORTE DA MEMBRANA PLASMÁTICA PARA DENTRO DA CÉLULA: ENDOCITOSE As vias que levam para o interior da superfície celular começam com o processo de endocitose, pelo qual as células captam componentes de membrana plasmática, flui- dos, solutos, macromoléculas e substâncias particuladas. A carga endocitada inclui com- plexos de receptor-ligante, um espectro de nutrientes e seus carreadores, componen- tes de matriz extracelular, restos celulares, bactérias, vírus e, em casos especializados, até mesmo outras células. Por meio da endocitose, a célula regula a composição da sua membrana plasmática em resposta a mudanças nas condições extracelulares. Na endocitose, o material a ser ingerido é progressivamente circundado por uma pequena porção da membrana plasmática, que primeiro se invagina e, então, destaca-se para formar uma vesícula endocítica contendo a substância ou a partícula ingerida. A maioria das células eucarióticas constantemente forma vesículas endocíticas, um pro- cesso chamado de pinocitose (“célula bebendo”); além disso, algumas células especiali- zadas contêm vias dedicadas que captam partículas grandes sob demanda, um processo chamado de fagocitose (“célula comendo”). As vesículas endocíticas se formam na mem- brana plasmática por múltiplos mecanismos que diferem tanto na maquinaria molecu- lar utilizada quanto na maneira como a maquinaria é regulada. Uma vez geradas na membrana plasmática, a maioria das vesículas endocíticas se funde com um compartimento receptor comum, o endossomo primário, onde a carga internalizada é selecionada: algumas moléculas-carga são devolvidas à membrana plas- mática, seja diretamente ou via endossomo de reciclagem, e outras são designadas para degradação por inclusão em um endossomo tardio. Os endossomos tardios se formam de uma porção vacuolar bulbosa dos endossomos primários por um processo chamado de maturação de endossomos. Tal processo de conversão muda a composição proteica da membrana do endossomo, sendo que regiões dela se invaginam e se tornam incor- poradas nas organelas como vesículas intraluminais, enquanto o próprio endossomo se move da periferia celular para uma localização próxima ao núcleo. À medida que um endossomo amadurece, ele interrompe a reciclagem de material para a membrana plas- mática e envia irreversivelmente seus conteúdos remanescentes para degradação: os endossomos tardios se fundem um com o outro e com os lisossomos para formar endoli- sossomos, que agregam seus conteúdos, como já discutido (Figura 13-47). Cada um dos estágios de maturação do endossomo – do endossomo primário ao endolisossomo – é conectado por vias de transporte de vesículas bidirecionais para a Figura 13-47 Maturação do endos- somo: a via endocítica da membrana plasmática aos endossomos. As vesículas endocíticas se fundem perto da periferia celular com um endossomo primário, que é a estação de seleção primária. De porções tubulares do en- dossomo primário brotam vesículas que reciclam cargas endocitadas de volta para a membrana plasmática – tanto direta quanto indiretamente via endossomos de reciclagem. Os endossomos de reciclagem podem armazenar proteínas até que elas sejam necessárias. A conversão de um endossomo primário em endossomo tardio é acompanhada pela perda das projeções tubulares. As proteínas de membrana des- tinadas à degradação são internalizadas em vesículas intraluminais. O endossomo tardio em desenvolvimento, ou corpo multivesicular, move-se sobre microtúbulos para o interior celular. Os endossomos tardios completamente maduros não mandam mais vesículas para a membrana plasmática e se fundem um com o outro e com os endolisossomos e lisossomos para degradar seus conteúdos. Cada estágio da maturação dos endossomos está co- nectado via transporte de vesículas com a TGN, proporcionando um suprimento contínuo de proteínas lisossômicas recém- -sintetizadas. Endossomo de reciclagem Corpo multivesicular Vesícula intraluminal FUSÃO FUSÃO TRANSPORTE MEDIADO POR MICROTÚBULOS LisossomoEndolisossomo Endossomo tardioEndossomo primário Rede trans de Golgi Membrana plasmática CITOSOL EXTERIOR DA CÉLULA LISOSSOMO ENDOSSOMO DE RECICLAGEM RETÍCULO ENDOPLASMÁTICO GOLGI ENDOSSOMO TARDIO VESÍCULAS SECRETORAS ENDOSSOMO PRIMÁRIO CAPÍTULO 13 Tráfego intracelular de vesículas 731 TGN. Essas vias permitem a inserção de materiais recém-sintetizados, como enzimas lisossômicas que chegam do RE, e a recuperação de componentes, como o receptor de M6P, de volta para as partes iniciais da via secretora. A seguir discutimos como a célula usa e controla vários padrões do tráfego endocítico. As vesículas pinocíticas se formam a partir de fossas revestidas na membrana plasmática Quase todas as células eucarióticas ingerem continuamente porções de sua membrana plasmática na forma de pequenas vesículas pinocíticas (endocíticas). A velocidade com que a membrana plasmática é internalizada nesse processo de pinocitose varia entre os tipos celulares, mas em geral é surpreendentemente alta. Um macrófago, por exemplo, ingere 25% do seu próprio volume em fluidos a cada hora. Isso significa que ele deve ingerir 3% da sua membrana plasmática a cada minuto, ou 100% em cerca de meia hora. Os fibroblastos endocitam a uma razão mais baixa (1% por minuto), enquanto algumas amebas ingerem as suas membranas plasmáticas ainda mais rápido. Uma vez que a área superficial e o volume da célula permanecem inalterados durante esse processo, fica claro que a mesma quantida- de de membrana sendo removida por endocitose está sendo adicionada à superfície celular pelo processo contrário de exocitose. Nesse sentido, a endocitose e a exocitose são proces- sos interligados, que constituem o ciclo endocítico-exocítico. O acoplamento entre exocitose e endocitose é particularmente preciso em estruturas especializadas caracterizadas por alto turnover (renovação) da membrana, como, por exemplo, uma terminação nervosa. A parte endocítica do ciclo, de modo geral, começa com as fossas revestidas por clatrina. Essas regiões especializadas normalmente ocupam cerca de 2% da área total da membrana plasmática. O tempo de vida de uma fossa revestida por clatrina é curto: dentro de um minuto ou pouco mais depois ter sido formada, ela se invagina na célula e destaca-se para formar uma vesícula revestida por clatrina (Figura 13-48). Cerca de 2.500 vesículas revestidas por clatrina se destacam da membrana plasmática de fibro- blastos em cultura a cada minuto. As vesículas revestidas são ainda mais transitórias do que as fossas revestidas: dentro de segundos desde que foram formadas, elas perdem os seus revestimentos e se fundem com endossomos primários. Nem todas as vesículas pinocíticas são revestidas por clatrina Além das fossas e vesículas revestidas por clatrina, as células podem formar outros tipos de vesículas pinocíticas, como as cavéolas (do latim, “cavernas pequenas”), original- mente reconhecidas por sua capacidade de transportar moléculas através das células endoteliais que formam a camada interna dos vasos sanguíneos. As cavéolas, algumas vezes vistas por microscopia eletrônica como frascos profundamente invaginados, estão presentes na membrana plasmática da maioria dos tipos celulares de vertebrados (Figu- ra 13-49). Acredita-se que elas formem balsas lipídicas na membrana plasmática (dis- 0,1 �m Figura 13-48 Formação de vesículas re- vestidas por clatrina a partir da mem- brana plasmática. Estas micrografias eletrônicas ilustram a sequência provável de eventos na formação de uma vesícula revestida por clatrina a partir de uma fossa revestida. As fossas revestidas por clatrina e as vesículas mostradas são maiores do que aquelas vistas em células de tamanho normal; elas pertencem a um oócito muito grande de ave e captam partículas lipopro- teicas para formar a gema. As partículas de lipoproteína ligadas aos seus receptores de membrana aparecem como uma cama- da densa de aparência felpuda na superfí- cie extracelular da membrana plasmática – que é a superfície interna da fossa e da vesícula revestidas. (Cortesia de M.M. Per- ry e A.B. Gilbert, J. Cell Sci. 39:257–272, 1979. Com permissão de The Company of Biologists.) 732 PARTE IV Organização interna da célula cutido no Capítulo 10), que são proteínas ancoradas na membrana especialmente ricas em colesterol, glicoesfingolipídeos e glicosilfosfatidilinositol (GPI) (ver Figura 10-13). As principais proteínas estruturais das cavéolas são as caveolinas, uma família de proteínas integrais de membrana incomuns em que cada uma insere uma alça hidrofóbica no lado citosólico da membrana, mas que não se estende através da membrana. Na sua face ci- tosólica, as caveolinas estão ligadas a grandes complexos proteicos de proteínas cavinas, que supostamente estabilizam a curvatura da membrana. Ao contrário das vesículas revestidas por clatrina e COPI ou COPII, as cavéolas cos- tumam ser estruturas estáticas. No entanto, elas podem ser induzidas a se destacar, ser- vindo como vesículas de transporte endocítico para transportar carga até os endossomos primários ou até a membrana plasmática no lado oposto de uma célula polarizada (em um processo chamado de transcitose, que discutiremos adiante). Alguns vírus que infectam animais, como o SV40 e o papilomavírus (causador das verrugas), entram nas células em vesículas derivadas de cavéolas. Os vírus são entregues primeiro aos endossomos primários e se movem de lá em vesículas de transporte para o lúmen do RE. O genoma viral sai através da membrana do RE para dentro do citosol, de onde é importado para dentro do núcleo para iniciar o ciclo de infecção. A toxina colérica (discutida nos Capítulos 15 e 19) também entra na célula através de cavéolas e é transportada ao RE antes de entrar no citosol. A macropinocitose é outro mecanismo endocítico independente de clatrina que pode ser ativado em quase todas as células animais. Na maioria dos tipos celulares, ela não opera continuamente e é induzida por um tempo limitado em resposta à ativação do receptor de superfície celular por cargas específicas, incluindo fatores de crescimento, li- gantes de integrinas, remanescentes de células apoptóticas e alguns vírus. Esses ligantes ativam uma via de sinalização complexa, resultando em uma mudança na dinâmica da actina e na formação de protrusões da superfície celular, chamadas de ondas (protru- sões) (discutido no Capítulo 16). Quando as ondas colapsam de volta sobre as células, formam-se grandes vesículas endocíticas cheias de fluido, denominadas macropinosso- mos (Figura 13-50), que aumentam transitoriamente a captação bruta de fluido em até dez vezes. A macropinocitose é uma via degradativa dedicada: os macropinossomos se acidificam e então se fundem aos endossomos tardios ou endolisossomos, sem reciclar sua carga de volta à membrana plasmática. As células utilizam endocitose mediada por receptores para importar macromoléculas extracelulares selecionadas Na maioria das células animais, as fossas e as vesículas revestidas por clatrina fornecem uma via eficiente de captação de macromoléculas específicas do líquido extracelular. Nesse processo, chamado de endocitose mediada por receptores, as macromoléculas Figura 13-49 Cavéolas na membrana plasmática de um fibroblasto. (A) Esta micrografia eletrônica mostra uma mem- brana plasmática com uma densidade muito alta de cavéolas. (B) A imagem de microscopia eletrônica de criorrelevo por congelamento rápido demonstra a textura característica de “couve-flor” da face cito- sólica da membrana caveolar. Acredita-se que essa textura característica resulte de agregados de caveolinas e cavinas. Uma fossa revestida por clatrina também está visível na região superior, à direita. (Corte- sia de R.G.W. Anderson, de K.G. Rothberg et al., Cell 68:673–682, 1992. Com per- missão de Elsevier.) (A) (B) 0,2 �m CAPÍTULO 13 Tráfego intracelular de vesículas 733 ligam-se às proteínas receptoras transmembrana complementares, quese acumulam em fossas revestidas e, então, entram na célula como complexos receptor-macromolé- cula em vesículas revestidas por clatrina (ver Figura 13-48). Como os ligantes são se- letivamente capturados pelos receptores, a endocitose mediada por receptores fornece um mecanismo seletivo de concentração que aumenta a eficiência de internalização de determinados ligantes em mais de cem vezes. Dessa forma, até mesmo os componentes minoritários do líquido extracelular podem ser captados de maneira eficiente em gran- des quantidades. Um exemplo fisiologicamente importante e particularmente bem co- nhecido é o processo que as células de mamíferos usam para importar colesterol. Muitas células animais captam o colesterol por meio da endocitose mediada por receptores e, dessa maneira, conseguem a maior parte do colesterol necessário para pro- duzir novas membranas. Se a captação é bloqueada, o colesterol se acumula no sangue e pode contribuir para a formação, nas paredes dos vasos sanguíneos (artérias), de placas ateroscleróticas, depósitos de lipídeos e tecidos fibrosos que podem causar derrames e ataques cardíacos por bloqueio do fluxo sanguíneo arterial. De fato, foi pelo estudo em humanos com uma forte predisposição genética à aterosclerose que o mecanismo da en- docitose mediada por receptores foi revelado pela primeira vez. A maior parte do colesterol é transportada no sangue como ésteres de colesteril, na forma de partículas lipoproteicas conhecidas como lipoproteínas de baixa densidade (LDLs, em inglês, low-density lipoproteins) (Figura 13-51). Quando uma célula necessita de colesterol para a síntese de membranas, ela produz proteínas receptoras transmembra- na para LDL e as insere na membrana plasmática. Uma vez na membrana plasmática, os receptores de LDL difundem-se até que se associem a fossas revestidas por clatrina em pro- cesso de formação. Ali, um sinal para endocitose na cauda citoplasmática dos receptores de LDL se liga à proteína adaptadora ligada à membrana AP2 depois que sua conformação tenha sido localmente desbloqueada pela ligação ao PI(4,5)P2 na membrana plasmática. A detecção coincidente, como já discutido, confere, assim, eficiência e seletividade ao pro- cesso (ver Figura 13-9). A AP2, então, recruta a clatrina para iniciar a endocitose. Uma vez que as fossas revestidas destacam-se constantemente para formar vesí- culas revestidas, quaisquer partículas de LDL ligadas aos receptores de LDL das fossas revestidas serão rapidamente internalizadas em vesículas revestidas. Depois de perder seus revestimentos de clatrina, as vesículas entregam seu conteúdo aos endossomos pri- mários. Quando LDLs e seus receptores encontram o pH baixo dos endossomos primá- rios, a LDL é liberada de seu receptor e entregue aos lisossomos pelos endossomos tar- dios. Nos lisossomos, os ésteres de colesteril das partículas de LDL são hidrolisados em colesterol livre, que fica disponível na célula para a síntese de novas membranas (Ani- mação 13.3). Se um excesso de colesterol livre se acumular na célula, esta interrompe tanto a sua própria produção de colesterol como a síntese das proteínas receptoras de LDL, de modo a cessar tanto a fabricação quanto a importação de colesterol. Tal via regulada para a captação de colesterol está interrompida em indivíduos que herdam genes codificadores das proteínas receptoras de LDL defeituosos. Os altos níveis de colesterol sanguíneo resultantes predispõem esses indivíduos a desenvolver ateroscle- rose prematuramente, e muitos morrem jovens por ataques cardíacos devidos à doença da artéria coronária se não forem tratados com fármacos como as estatinas, que baixam o nível de colesterol no sangue. Em alguns casos, o receptor está totalmente ausente. Em outros, os receptores são defeituosos – tanto no sítio de ligação à LDL extracelular como no Figura 13-50 Representação esque- mática da macropinocitose. Os eventos de sinalização celular levam a uma repro- gramação da dinâmica da actina, que, por sua vez, desencadeia a formação de protrusões na superfície celular. Quando as protrusões se colapsam sobre a superfície celular, elas aprisionam, de forma não específica, fluido e macromoléculas extra- celulares, e as partículas neles contidas, formando grandes vacúolos, ou macropi- nossomos, conforme mostrado. ATIVAÇÃO DO RECEPTOR SINALIZADOR FECHAMENTO DO VACÚOLO REARRANJO DE ACTINA MACROPINOCITOSE Macropinossomo PROTRUSÃO (ONDA) DA MEMBRANA PLASMÁTICA CITOSOL Membranana plasmática Protrusão superficial da molécula proteica Monocamada fosfolipídica Molécula de éster de colesteril Molécula de colesterol 22 nm Apolipo- proteína B Figura 13-51 Partícula de lipoproteína de baixa densidade (LDL). Cada partícula esféri- ca tem uma massa de 3 x 106 dáltons. Ela con- tém um núcleo com cerca de 1.500 moléculas de colesterol esterificado em longas cadeias de ácidos graxos. Uma monocamada lipídica com- posta de cerca de 800 fosfolipídeos e 500 mo- léculas de colesterol não esterificado envolve o núcleo dos ésteres de colesteril. Uma única mo- lécula de apolipoproteína B, uma proteína de 500 mil dáltons na forma de cinturão, organiza a partícula e medeia a ligação específica de LDL aos receptores de LDL na superfície celular. 734 PARTE IV Organização interna da célula sítio intracelular que se liga ao receptor da proteína adaptadora AP2 nas fossas revestidas por clatrina. No último caso, números normais de receptores de LDL estão presentes, mas falham em se localizar nas fossas revestidas por clatrina. Embora a LDL se ligue à superfície dessas células mutantes, ela não é internalizada, demonstrando diretamente a importância das fossas revestidas por clatrina na endocitose de colesterol mediada por receptores. Sabe-se que mais de 25 receptores diferentes participam na endocitose mediada por receptores de diversos tipos de moléculas. Todos eles, aparentemente, utilizam vias de internalização dependentes de clatrina e são guiados para dentro das fossas revesti- das por clatrina pelos sinais em suas caudas citoplasmáticas que se ligam às proteínas adaptadoras no revestimento de clatrina. Muitos desses receptores, assim como o recep- tor de LDL, entram nas fossas revestidas independentemente de estarem ou não ligados aos seus ligantes específicos. Outros entram, de preferência, quando ligados a um ligante específico, sugerindo que uma mudança conformacional induzida pelo ligante é neces- sária para que eles ativem a sequência-sinal que os guia para dentro das fossas. Visto que a maioria das proteínas da membrana plasmática não é capaz de se concentrar nas fossas revestidas por clatrina, as fossas servem como filtros moleculares, coletando pre- ferencialmente certas proteínas da membrana plasmática (receptores) em vez de outras. Estudos de microscopia eletrônica de células cultivadas expostas simultaneamente a ligantes marcados diferentemente demonstram que muitos tipos de receptores podem agrupar-se na mesma fossa revestida, enquanto alguns outros receptores agrupam-se em fossas revestidas por clatrina diferentes. A membrana plasmática de uma fossa reves- tida por clatrina pode acomodar mais de cem receptores variados. Proteínas específicas são recuperadas dos endossomos primários e devolvidas para a membrana plasmática Os endossomos primários são a principal estação de sortimento da via endocítica, assim como as redes cis e trans de Golgi realizam essa função na via secretora. No ambiente levemente ácido dos endossomos primários, muitas proteínas receptoras internalizadas modificam as suas conformações e liberam os seus ligantes, como já discutido para os receptores de M6P. Esses ligantes endocitados que se dissociam dos seus receptores nos endossomos primários são comumente condenados à destruição nos lisossomos (ape- sar de o colesterol ser uma exceção, como discutido antes), junto com outros conteúdos solúveis dos endossomos. Alguns outros ligantes endocitados, entretanto, permanecem ligados aosseus receptores e, assim, compartilham o destino dos receptores. No endossomo primário, o receptor de LDL se dissocia de seu ligante, LDL, e é reci- clado de volta à membrana plasmática para reúso, deixando que a LDL descarregada seja carregada para os lisossomos (Figura 13-52). As vesículas transportadoras de reciclagem brotam a partir de túbulos estreitos e longos que se estendem dos endossomos primários. É provável que a geometria desses túbulos ajude no processo de distribuição: como os tú- bulos possuem uma grande área de membrana circundando um pequeno volume, as pro- teínas de membrana se tornam enriquecidas em relação às proteínas solúveis. As vesículas de transporte devolvem o receptor de LDL diretamente para a membrana plasmática. O receptor de transferrina segue uma via de reciclagem semelhante à do receptor de LDL, mas, ao contrário deste, o seu ligante também é reciclado. A transferrina é uma proteína solúvel que carrega o ferro no sangue. Os receptores de transferrina da superfície Figura 13-52 Endocitose de LDL me- diada por receptores. Observe que a LDL se dissocia dos seus receptores no am- biente ácido dos endossomos primários. Depois de um número de etapas, a LDL termina nos endolisossomos e lisossomos, onde é degradada e liberada como co- lesterol livre. Ao contrário, os receptores de LDL são devolvidos para a membrana plasmática por meio de vesículas de trans- porte que brotam da região tubular do endossomo primário, como representado. Para simplificar, somente um receptor de LDL entrando na célula e voltando à mem- brana plasmática está ilustrado. Indepen- dentemente de estar ou não ocupado, um receptor de LDL costuma realizar um turno de viagem para dentro da célula e retornar à membrana plasmática a cada 10 minu- tos, totalizando várias centenas de viagens no seu período de vida de 20 horas. RETORNO DOS RECEPTORES DE LDL PARA A MEMBRANA PLASMÁTICA PERDA DO REVESTIMENTO FUSÃO LDL CITOSOL Endossomo primário Endossomo tardio Endolisossomo Lisossomo Enzimas hidrolíticas Colesterol livre Parte IV - Organização interna da célula Capítulo 13 - Tráfego intracelular de vesículas