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Indaial – 2022 Saúde Mental Prof. Julio Cesar Carregari Profª. Luciana Kelly Da Silva Fonseca 1a Edição abordagenS e UrgênciaS eM Elaboração: Prof. Julio Cesar Carregari Profª. Luciana Kelly Da Silva Fonseca Copyright © UNIASSELVI 2022 Revisão, Diagramação e Produção: Equipe Desenvolvimento de Conteúdos EdTech Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Ficha catalográfica elaborada pela equipe Conteúdos EdTech UNIASSELVI Impresso por: C397 CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI. Núcleo de Educação a Distância. CARREGARI, Julio Cesar. Abordagens e Urgências em Saúde Mental. Julio Cesar Carregari; Luciana Kelly Da Silva Fonseca. Indaial - SC: UNIASSELVI, 2022. 209p. ISBN 978-65-5646-460-2 ISBN Digital 978-65-5646-461-9 “Graduação - EaD”. 1. Saúde 2. Urgência 3. Abordagem CDD 616.89 Bibliotecário: João Vivaldo de Souza CRB- 9-1679 Olá! Caro Acadêmico, o estudo que você está iniciando é um conteúdo dinâmico e ilustrativo de como a Psicologia tem contribuído para a construção de compreensões so- bre as abordagens teórico conceituais em saúde mental, além de como estão organiza- das algumas das principais práticas presentes nas urgências desse tipo de atendimento. Na Unidade 1, abordaremos os aspectos constitutivos da instituição hospitalar, a formação de Redes de Apoio e de Atenção em Saúde e o posicionamento profissional do psicólogo diante da crise e urgências em saúde mental. Vale destacar que compreendemos o acesso ao equipamento hospitalar como direito fundamental de todo o cidadão e que seu funcionamento e composição técnico- profissional pode favorecer, ou não, a efetivação dos cuidados necessários aos usuários do Sistema Único de Saúde em suas demandas de atenção, prevenção e reabilitação da saúde física e mental das pessoas. É, portanto, dever do Estado e de todo o profissional presente nesse dispositivo de atenção à saúde, manter e trabalhar para a regulamentação de um atendimento humanizado no acolhimento dos usuários, qualificado ética e tecnicamente com base na ciência e na sua responsabilidade de produção de terapêuticas sustentadas pela lógica da clínica ampliada em defesa da vida em sua diversidade de expressão. Em seguida, na Unidade 2, trabalharemos os temas referentes às principais abordagens de cuidado e intervenções psicológicas com ênfase na clínica terapêutica aplicadas às situações de urgências em saúde mental. Com o compromisso ético-estético e político assumido pelos profissionais das equipes de atenção aos usuários da rede de atendimento e apoio à saúde mental, o psicólogo atuará no enfrentamento das práticas de patologização da vida diária e cotidiana promovendo a integralidade dos cuidados e a potencialização da vida e dos diferentes dispositivos clínicos de acolhimento e tratamento. Por fim, na Unidade 3, apresentaremos a estratégia clínica do Acompanha- mento Terapêutico como dispositivo clínico a ser implementado pelos serviços de atendimento às situações de crise urgências em Saúde Mental. APRESENTAÇÃO Como dispositivo clínico, o acompanhamento terapêutico pode ser apropriado por diferentes abordagens teórico-conceituais e sua contribuição aos diferentes mo- mentos de atenção e serviços ofertados aos usuários da rede pela equipe multiprofis- sional deve fortalecer o entendimento e a efetivação da Rede de Atenção Psicossocial prevista no Sistema Único de Saúde. Bom estudo! Prof. Julio Cesar Carregari Profª. Luciana Kelly Da Silva Fonseca Olá, acadêmico! Para melhorar a qualidade dos materiais ofertados a você – e dinamizar, ainda mais, os seus estudos –, nós disponibilizamos uma diversidade de QR Codes completamente gratuitos e que nunca expiram. O QR Code é um código que permite que você acesse um conteúdo interativo relacionado ao tema que você está estudando. Para utilizar essa ferramenta, acesse as lojas de aplicativos e baixe um leitor de QR Code. Depois, é só aproveitar essa facilidade para aprimorar os seus estudos. GIO Olá, eu sou a Gio! No livro didático, você encontrará blocos com informações adicionais – muitas vezes essenciais para o seu entendimento acadêmico como um todo. Eu ajudarei você a entender melhor o que são essas informações adicionais e por que você poderá se beneficiar ao fazer a leitura dessas informações durante o estudo do livro. Ela trará informações adicionais e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto estudado em questão. Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material-base da disciplina. A partir de 2021, além de nossos livros estarem com um novo visual – com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura –, prepare-se para uma jornada também digital, em que você pode acompanhar os recursos adicionais disponibilizados através dos QR Codes ao longo deste livro. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com uma nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página – o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo. Preocupados com o impacto de ações sobre o meio ambiente, apresentamos também este livro no formato digital. Portanto, acadêmico, agora você tem a possibilidade de estudar com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Preparamos também um novo layout. Diante disso, você verá frequentemente o novo visual adquirido. Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar os seus estudos com um material atualizado e de qualidade. QR CODE Acadêmico, você sabe o que é o ENADE? O Enade é um dos meios avaliativos dos cursos superiores no sistema federal de educação superior. Todos os estudantes estão habilitados a participar do ENADE (ingressantes e concluintes das áreas e cursos a serem avaliados). Diante disso, preparamos um conteúdo simples e objetivo para complementar a sua compreensão acerca do ENADE. Confi ra, acessando o QR Code a seguir. Boa leitura! ENADE LEMBRETE Olá, acadêmico! Iniciamos agora mais uma disciplina e com ela um novo conhecimento. Com o objetivo de enriquecer seu conheci- mento, construímos, além do livro que está em suas mãos, uma rica trilha de aprendizagem, por meio dela você terá contato com o vídeo da disciplina, o objeto de aprendizagem, materiais complementa- res, entre outros, todos pensados e construídos na intenção de auxiliar seu crescimento. Acesse o QR Code, que levará ao AVA, e veja as novidades que preparamos para seu estudo. Conte conosco, estaremos juntos nesta caminhada! SUMÁRIO UNIDADE 1 - A INSTITUIÇÃO HOSPITALAR, REDES DE ATENÇÃO EM SAÚDE, CRISE E URGÊNCIAS EM SAÚDE MENTAL ........................................................ 1 TÓPICO 1 - A INSTITUIÇÃO HOSPITALAR COMO DIREITO DE ACESSO AO CUIDADO E À SAÚDE MENTAL ....................................................................3 1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................................3 2 A CONTRIBUIÇÃO DA PSICOLOGIA PARA O SISTEMA ATENÇÃO A SAÚDE MENTAL ..................................................................................................................3 2.1 ASPECTOS HISTÓRICOS E CONCEITUAIS DA ATENÇÃO À CRISE E URGÊNCIAS EM SAÚDE MENTAL...................................................................................................12 RESUMO DO TÓPICO 1 ........................................................................................................ 20 AUTOATIVIDADE .................................................................................................................. 21 TÓPICO 2 - A REFORMA PSIQUIÁTRICA ............................................................................ 23 1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................................23 2 A REFORMA PSIQUIÁTRICA............................................................................................. 23 2.1 ATENÇÃO À CRISE NO CONTEXTO DA CLÍNICA AMPLIADA ......................................................32 RESUMO DO TÓPICO 2 ......................................................................................................... 41 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................. 42 TÓPICO 3 - REDES DE ATENÇÃO EM SAÚDE MENTAL ...................................................... 45 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 45 2 REDES DE ATENÇÃO EM SAÚDE MENTAL ...................................................................... 45 2.1 CONTRIBUIÇÕES CLÍNICAS E DESAFIOS HISTÓRICOS ..............................................................53 LEITURA COMPLEMENTAR ................................................................................................ 62 RESUMO DO TÓPICO 3 ........................................................................................................ 68 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................. 69 REFERÊNCIAS ...................................................................................................................... 71 UNIDADE 2 — PRINCIPAIS ABORDAGENS DE CUIDADO E MODELOS DE INTERVENÇÕES PSICOLÓGICAS E DE ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO EM SITUAÇÕES DE URGÊNCIAS EM SAÚDE MENTAL ..............................75 TÓPICO 1 — AS ESTRATÉGIAS DE ACOLHIMENTO E A INTERVENÇÃO PROFISSIONAL..................................................................................................................... 77 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 77 2 HISTÓRICO DE PRÁTICAS E INTERVENÇÕES PROFISSIONAIS EM SAÚDE MENTAL .............................................................................................................. 77 3 ABORDAGENS DE CUIDADO E MODELOS DE INTERVENÇÕES PSICOLÓGICAS EM SAÚDE MENTAL ..................................................................................81 3.1 O DESAFIO DA ESTRUTURAÇÃO DAS REDES DE SAÚDE .........................................................87 4 SAÚDE MENTAL: DESAFIOS E POSSIBILIDADES NAS REDES DE ATENÇÃO À SAÚDE ....................................................................................................... 92 RESUMO DO TÓPICO 1 .........................................................................................................97 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................. 98 TÓPICO 2 - ATENÇÃO À CRISE EM SAÚDE MENTAL ........................................................ 101 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 101 2 SAÚDE MENTAL ..............................................................................................................102 3 ATENÇÃO À CRISE: URGÊNCIA E EMERGÊNCIA .......................................................... 104 3.1 DOS PROTOCOLOS AOS CUIDADOS EFETIVOS COM A SAÚDE ..............................................108 RESUMO DO TÓPICO 2 ........................................................................................................111 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................ 112 TÓPICO 3 - A DESPATOLOGIZAÇÃO DA VIDA................................................................... 115 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 115 2 A MEDICALIZAÇÃO DA VIDA .......................................................................................... 115 3 ESTIGMAS EM SAÚDE MENTAL ...................................................................................... 118 4 DESPATOLOGIZAÇÃO DA EXISTÊNCIA ........................................................................ 119 4.1 O COMPROMISSO ÉTICO, ESTÉTICO E POLÍTICO DA PSICOLOGIA COM A SAÚDE MENTAL .....................................................................................................................121 LEITURA COMPLEMENTAR ...............................................................................................124 RESUMO DO TÓPICO 3 .......................................................................................................129 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................130 REFERÊNCIAS ....................................................................................................................132 UNIDADE 3 — SITUAÇÕES DE CRISE E URGÊNCIA EM SAÚDE MENTAL E O ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO ..........................................................................143 TÓPICO 1 — CRISE E URGÊNCIA EM SAÚDE MENTAL......................................................145 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................145 2 SITUAÇÕES DE CRISE E URGÊNCIA EM SAÚDE MENTAL MAIS PREVALENTES .........................................................................................................152 2.1 CONCEITOS DE DIFERENTES SITUAÇÕES E URGÊNCIA PSICOLÓGICA EM CONTEXTOS VARIADOS .................................................................................158 RESUMO DO TÓPICO 1 .......................................................................................................162 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................163 TÓPICO 2 - DESAFIOS PARA O ATENDIMENTO NAS REDES DE SAÚDE .........................165 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................165 2 DESAFIOS PARA O ATENDIMENTO NAS REDES DE ATENÇÃO EM SAÚDE ....................165 2.1 INTERVENÇÕES INTERDISCIPLINARES ....................................................................................... 169 2.2 O TRABALHO INTERDISCIPLINAR EM SAÚDE MENTAL .......................................................... 172 RESUMO DO TÓPICO 2 .......................................................................................................178 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................ 179 TÓPICO 3 - ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO COMO ESTRATÉGIA CLÍNICA .................. 181 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 181 2 O ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO NA SAÚDE .......................................................182 2.1 ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO E PRINCIPAIS ABORDAGENS TEÓRICO CONCEITUAIS ....................................................................................................................188 LEITURA COMPLEMENTAR ...............................................................................................194 RESUMO DO TÓPICO 3 .......................................................................................................199 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................... 200 REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 202 1 UNIDADE 1 - A INSTITUIÇÃO HOSPITALAR, REDES DE ATENÇÃO EM SAÚDE, CRISE E URGÊNCIAS EM SAÚDE MENTAL OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir do estudo desta unidade,você deverá ser capaz de: • compreender o percurso histórico das práticas de institucionalização e tratamento da saúde mental; • refl etir as circunstâncias históricas para o surgimento das ideias e práticas da Refor- ma Psiquiátrica como estratégia de atendimento humanizado à saúde mental; • entender o signifi cado da concepção de clínica ampliada e suas consequências para a produção prática do fazer profi ssional; • reconhecer as contribuições clínicas dessa nova perspectiva de intervenção em saúde mental e seus desdobramentos éticos e políticos para os sujeitos envolvidos por essa temática. A cada tópico desta unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado. TÓPICO 1 – A INSTITUIÇÃO HOSPITALAR COMO DIREITO DE ACESSO AO CUIDADO E À SAÚDE MENTAL TÓPICO 2 – A REFORMA PSIQUIÁTRICA TÓPICO 3 – REDES DE ATENÇÃO EM SAÚDE MENTAL Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações. CHAMADA 2 CONFIRA A TRILHA DA UNIDADE 1! Acesse o QR Code abaixo: 3 A INSTITUIÇÃO HOSPITALAR COMO DIREITO DE ACESSO AO CUIDADO E À SAÚDE MENTAL 1 INTRODUÇÃO Acadêmico, no Tópico 1, abordaremos como a Psicologia está contribuindo para a oferta de serviços especializados ao Sistema Único de Saúde, ao apropriar- se de seu papel na formação das equipes multiprofissionais, compondo junto das diferentes e diversas especialidades de conhecimento no campo da saúde, uma unidade de atenção com vistas ao entendimento e à compreensão do homem em sua integralidade física e mental. Analisaremos como a formação de um sistema público de atendimento em saúde produz efeitos na formação acadêmica desse profissional e direciona seu agir em práticas clínicas e terapêuticas capazes de responder às diferentes demandas de cuidado que perpassam desde a dimensão mais individualizada do ser em seu processo de singularização da vida e da expressão de seu sofrimento até os aspectos mais coletivos e socio-comunitários de sua determinação. Estudaremos alguns aspectos relevantes referentes aos direitos de acesso da população aos serviços de saúde mental e à operacionalidade desses direitos, junto aos diferentes aparelhos institucionais de atenção – dentre eles, em especial atenção, o hospital como espaço de referência ao atendimento das crises e urgências experienciadas pelas pessoas com algum tipo e grau de sofrimento mental com demanda para atendimento emergencial da Rede de atenção à saúde mental. 2 A CONTRIBUIÇÃO DA PSICOLOGIA PARA O SISTEMA ATENÇÃO A SAÚDE MENTAL Pensar a instituição hospitalar como um espaço de garantia de direitos e de acesso ao cuidado à saúde, de modo geral, pode parecer uma redundância quanto aos compromissos assumidos por aqueles profissionais que se responsabilizam pelo desenvolvimento e cumprimento das práticas necessárias ao bom funcionamento organizacional dessa unidade de atenção à saúde, bem como de todo complexo derivado de suas atribuições básicas de atenção, acolhimento, tratamento e reabilitação dos sujeitos que dele necessitam. TÓPICO 1 - UNIDADE 1 4 Para o atendimento das demandas específicas apresentadas pelos usuários do Sistema Único de Saúde e o enfrentamento das diversas condições de trabalho vivenciadas pelas equipes multiprofissionais que compõem os diferentes equipamentos institucionais de atenção à saúde mental, faz-se necessário um esforço de parceria e comprometimento conjunto com vistas a produzir um espaço participativo e protagonizado pelas pessoas em seu exercício cidadão de direito e de fato. Esta perspectiva está alinhada à participação cidadã e na busca de uma melhor condição de oferta de serviços de qualidade de atendimento integral à saúde pública e em específico à Saúde Mental, que se tem na concepção preconizada pelos princípios constitucionais da universalização dos atendimentos, da integralidade dos cuidados e de igualdade de acesso às ações ofertadas nas diferentes modalidades institucionais de atenção, a compreensão de que toda e qualquer intervenção feita nessa área demanda efetiva participação ativa dos envolvidos nesses processos, desde a pessoa dos agentes gestores de setor, até mesmo do usuário final dos equipamentos de oferta de serviços. A contribuição da Psicologia na participação e sistematização dos serviços de saúde mental no Brasil ganha visibilidade, dentre tantos outros destaques, pela publicação, em 2013, do relatório da regulação dos serviços de saúde mental no Brasil com vistas a discutir e apresentar a inserção do profissional da Psicologia tanto no Sistema único de Saúde, quanto na participação do quadro de profissionais da saúde complementar (CFP, 2013). Com essa publicação o Conselho Federal de Psicologia, além de apresentar as principais normas jurídicas que organizam e regulamentam os serviços de atenção à saúde mental no Sistema Único de Saúde brasileiro, também toca na questão da necessidade de se refletir, debater e transformar a lógica que a regulamentação da Saúde Mental está assumindo em nosso país. “[...] Dentre vários importantes achados, a pesquisa identifica que as ações preventivas na área da saúde mental no país ainda se concentram em poucos programas específicos, como, por exemplo, àqueles voltados para atendimento de usuários de álcool e outras drogas” (CFP, 2013, p.10). É claro que o tema do atendimento de usuários de álcool e outras drogas é uma questão importante e merece o interesse e as intervenções profissionais especializadas sobre esse fato, porém a saúde mental é um amplo e complexo campo que requer estratégias de práticas e saberes que se aplicam no constante enfrentamento das demandas suscitadas na emergência dos sujeitos que se apresentam em sofrimento psíquico e na real possibilidade de existência e reinserção social destes. 5 Para o enfrentamento e o cuidado ofertado às pessoas que apresentam problemas de uso e abuso de álcool e outras drogas, foi adotado no Brasil uma estratégia de intervenção em saúde reconhecida como Redução de Danos. Essa modalidade de atendimento aos dependentes químicos de drogas lícitas ou ilícitas visa a valorização da vida no respeito à autonomia dos sujeitos, ao diálogo com os serviços de saúde prestados e à garantia dos direitos cidadãos. INTERESSANTE Desse modo, o que se busca como princípio na prática profi ssional do psicólogo é assegurar a todos o fundamental direito de acesso aos cuidados à saúde, à dignidade e às condições básicas de vida com vistas a integralidade de ações pautadas na preven- ção, promoção e recuperação da saúde de modo geral e da saúde mental em específi co. Vale destacar que a presença do profi ssional da Psicologia nos espaços de atendimento à saúde e sua especial atenção à saúde mental, tanto os pacientes dos sistemas quanto dos demais profi ssionais que formam as equipes de trabalho, constitui- se em uma demanda moderna de organização do espaço institucional de acolhimento dos sujeitos e de suas necessidades de cuidado e tratamento. As contribuições da Psicologia nesses espaços e com relação às demandas de saúde mental se referem tanto ao enfrentamento das questões vivenciadas pelas demandas de acolhimento de conteúdos emergentes das relações humanas quanto da necessidade de embate dos saberes e práticas historicamente constituídas e a busca por melhores e humanizadas estratégias de tratamento e promoção de saúde. Em uma análise de como a Psicologia tem se constituído nos espaços institucionais de atuação profi ssional, Baremblitt, Barros e Hur (2021), ao apresentarem o editorial de um número especial da publicação Ciência e Profi ssão do Conselho Federal de Psicologia, nos apontam para a pluralidade e diversidade desse campo de conhecimento e a sua contribuição na transformação do saber-fazer técnico e científi co na perspectiva de uma profi ssão constituída na interface dialógica com os diferentes saberes com osquais se relaciona. [...] Nesse sentido, a inserção da Psicologia nos contextos institu- cionais é marcada por uma conexão de saberes que a torna uma disciplina de interface, ou que demanda que suas/seus autoras/es e pesquisadoras/es se posicionem num território de fronteira, pro- duzindo bricolagens entre saberes que têm origens em campos di- versos. Constitui-se assim um amplo campo permeado de práticas e saberes heterogêneos, e este número temático é uma expressão dessa heterogeneidade (BAREMBLITT; BARROS; HUR, 2021, p. 2). 6 É interessante perceber o viés normativo que a Psicologia assume enquanto área do conhecimento constituída na interseção entre as ciências sociais e humanas e do quanto seu compromisso histórico com uma prática profissional regulamentada há 59 anos no Brasil se estabeleceu como possibilidade de luta, resistência e emancipação do homem em sua potência livre e criadora. Ainda nos dizeres de Baremblitt, Barros, Hur (2021, p. 1): [...] Vale destacar que essa inserção da psicologia em contextos institucionais é fruto do desenvolvimento de suas práticas durante os 58 anos de existência enquanto profissão. Consideramos que toda a mobilização e a campanha acerca de um compromisso social da psicologia e a ênfase da relação entre psicologia e políticas públicas forneceram as bases para que a articulação com distintos contextos institucionais fosse realizada com êxito. Desse modo, é por meio do compromisso assumido também pelos psicólogos, que a defesa da saúde como direito fundamental do homem e dever do estado acontece em várias frentes de trabalho e se realiza na oferta de serviços de qualidade e de viabilidade técnica responsáveis pelo exercício ético e político do fazer profissional. Por se tratar de uma prática em rede, o hospital são umas das pontas dos servi- ços ofertados nessa dinâmica relação de cuidado e tratamento revelando-se como um dos espaços de possibilidade de intervenção profissional cujas funções de prevenção, promoção e recuperação das pessoas nele assistidas e por ele tratadas, se atualizam e se legitimam como elementos constitutivos do plano da saúde pública e de qualidade. Vejamos como o Sistema Único de Saúde (SUS), garantido e previsto pela Constituição Federal de 1988 organiza e oferece os diferentes espaços de atendimento aos cidadãos que precisam de atenção e apoio à saúde, de um modo geral, e à saúde mental, com uma demanda específica pelos serviços de atendimento psicológico, com vistas a realizar o acesso de fato e de direito também aos cuidados psicossociais. [...] O Sistema Único de Saúde – SUS é a instituição jurídica criada pela Constituição Federal para organizar as ações e serviços públicos de saúde no Brasil. A CF define o SUS (art. 198), estabelece as suas principais diretrizes (Art. 198, incisos I a III), expõe algumas de suas competências (art. 200), fixa parâmetros de financiamento das ações e serviços públicos de saúde (art. 198, parágrafos 1º a 3º) e orienta, de modo geral, a atuação dos agentes públicos estatais para a proteção do Direito à saúde (arts. 196, 197 e 198, caput). Como um sistema que é, o SUS reúne em si todas as instituições jurídicas que desenvolvem ações e serviços públicos de saúde no Brasil (CFP, 2013, p. 31). Ainda podem fazer parte desse sistema público de saúde as iniciativas privadas que se integram ao SUS denominadas como redes de saúde complementar ou até mesmo aquelas ações exclusivamente privada, usualmente, organizadas pelos planos de saúde, denominadas de saúde suplementar. Há ainda os prestadores autônomos cujos serviços são prestados de forma liberal, totalmente particular. 7 Independentemente de como são ofertados os serviços que viabilizam o direito de acesso à saúde de qualidade e que atendam a todas e quaisquer demandas apresentadas pela população, ainda sim, é dever do estado regular, fiscalizar e assegurar o bom funcionamento desse sistema. Vale destacar que, assim como toda e qualquer atividade profissional regulamentada pela legislação brasileira, as ações relacionadas às prática da Psicologia no âmbito da saúde são normatizadas e fiscalizadas pelos Conselhos Regionais e Federais de Psicologia, estando também as ações realizadas na esfera da saúde suplementar fiscalizadas pelos órgãos de defesa do consumidor. Está previsto na base das regulações e normativas técnicas e legais do Sistema Único de Saúde a construção de uma rede de apoio, cuidado e assistência à saúde mental com a efetiva realização do princípio da integralidade dos serviços e com destaque às atividades de prevenção, promoção e reabilitação de saúde das pessoas, garantidas a qualidade e abrangência de suas intervenções. Segundo o relatório do Conselho Federal de Psicologia, as atividades de prevenção à Saúde Mental no Brasil ainda são caracterizadas de forma pontuais, apesar de fazer clara referência à lógica de redução de riscos de doenças. [...] A Norma Operacional Básica do Sistema Único de Saúde – NOB/SUS, portaria do Ministério da Saúde de 6 de novembro de 1996, define três grandes campos de atenção à saúde, a saber: a) o da assistência, em que as atividades são dirigidas às pessoas, individual ou coletivamente, e que é prestada no âmbito ambulatorial e hospitalar; b) o das intervenções ambientais, no seu sentido mais amplo, incluindo as relações e as condições sanitárias nos ambientes de vida e de trabalho, o controle de vetores e hospedeiros e a operação de sistemas de saneamento ambiental (mediante o pacto de interesses, as normalizações, as fiscalizações e outros); e c) o das políticas externas ao setor saúde, que interferem nos determinantes sociais do processo saúde-doença das coletividades, de que são partes importantes questões relativas às políticas macroeconômicas, ao emprego, à habitação, à educação, ao lazer e à disponibilidade e qualidade dos alimentos (CFP, 2013, p. 52-53). Essa normatividade ganhou novos destaques com a Portaria MS 399, de 22 de fevereiro de 2006, ao propor como projeto de abrangência de ação nacional o Pacto pela Saúde 2006 ou Consolidação do SUS e Diretrizes Operacionais.Com essa portaria, há ênfase no processo de regionalização dos serviços de saúde no SUS e, com isso, a consolidação de uma estratégia que melhor atendesse aos critérios de integralidade nas práticas de promoção, prevenção, tratamento e reabilitação da saúde das pessoas atendidas por esse sistema. Apesar dos avanços previstos pela normatividade do Pacto pela Saúde 2006, no SUS, a demanda de uma intervenção que se ajustasse ao processo de prevenção à Saúde Mental se organizava para além das experiências e vivencias experimentadas por grupos específicos de atenção dessa modalidade de atendimento à saúde, como é o caso dos usuários de álcool e outras drogas. 8 Desse modo, com base na III Conferência Nacional de Saúde Mental de 2001, a sistematização de oferta de serviços de saúde oferecidas pelo SUS, atende ao processo de descentralização previsto na criação e funcionamento dos Centros de Atenção Psicossocial. Uma estratégia que reorganizava e direcionava a administração pública e seus diferentes entes constitutivos, com responsabilidades e atuações distintas em consonância aos princípios de universalidade, integralidade e igualdade na oferta de ações de prevenção, promoção e reabilitação da saúde. [...] A base normativa para implantação e funcionamento dos CAPS foi estabelecida pelas Portarias Ministeriais MS/GM (Gabinete do Ministro) 336 e SAS (Secretaria de Atenção à Saúde) 189, ambas de 2002. A Portaria MS/GM 336, de 19 de fevereiro de 2002, acrescentou novos parâmetros aos definidos pela Portaria SNAS 224 de 1992 para a área ambulatorial, ampliando a abrangência dos serviços substitutivos de atenção diária, estabelecendo portes diferenciados a partir de critérios populacionais, e direcionando novos serviços específicos para área de álcool e outras drogas, bem como para a infância e adolescência (CFP, 2013,pp.57-58). Dentre as diferentes atribuições previstas para os CAPS estão as atenções di- árias oferecidas aos usuários; realizar o gerenciamento dos projetos clínicos terapêu- ticos personalizados; atuar na busca de reabilitação e integração social completa dos usuários valorizando e resgatando as expressões singulares dos sujeitos presentes nas diferentes dimensões de imanência das pessoas (educação, trabalho, esporte, cultura e lazer) e realizando o enfrentamento das questões problemas através de estratégias conjuntas com outros setores da sociedade. [...] Os CAPS também têm a responsabilidade de organizar a rede de serviços de Saúde Mental de seu território; dar suporte e supervisionar a atenção à Saúde Mental na rede básica, PSF (Programa de Saúde da Família), PACS (Programa de Agentes Comunitários de Saúde); regular a porta de entrada da rede de assistência em Saúde Mental de sua área; coordenar junto com o gestor local as atividades de supervisão de unidades hospitalares psiquiátricas que atuem no seu território; e manter atualizada a listagem dos pacientes de sua região que utilizam medicamentos para a Saúde Mental (CFP, 2013, p.58). Diante do que fora até agora apresentado você deve estar se perguntando, mas e como fica questão das emergências em Saúde Mental? Como se organiza o cuidado oferecido nos serviços de emergências ambulatoriais e hospitalares às demandas dos sujeitos em sofrimento psíquico? Como trabalha o profissional de Psicologia diante das demandas enfrentadas nesses serviços? Essas e outras questões serão desenvolvidas sem a pretensão de minimizar ou simplificar o complexo contexto dos atendimentos em Saúde Mental e seus desafios diários e cotidianos vividos pelos diferentes profissionais que compõem o quadro de especialidades e de cuidados médicos e sociais envolvidos desde o acolhimento, tratamento e acompanhamento dos usuários e familiares atendidos nesse sistema. 9 Para tanto, vale refletir que, preferencialmente e originalmente, a lógica de trabalho do SUS e da Saúde Mental acontece no processo de descentralização e territorialização dos sujeitos atendidos pela rede de serviços organizada por diversos aparelhos e dispositivos institucionais com ações específicas e objetivos práticos que se complementam e viabilizam a integralidade do acesso ao direito pleno do cidadão à saúde. Desse modo, as emergências e atenção hospitalar à Saúde Mental é uma das diferentes e diversa frente de atuação e cuidado profissional onde o psicólogo pode e deve atuar em busca da promoção e reabilitação da saúde e da saúde mental dos sujeitos atendidos. Então, por que o tema da atenção hospitalar e das emergências é uma questão central na Saúde Mental e como as estratégias de atendimento podem garantir, verdadeiramente, um efetivo acesso ao direito básico de cuidado à saúde e melhores condições de vida? Quando nos referimos aos serviços hospitalares em saúde mental, nem sempre o que embasa as práticas institucionais de cuidado estava pautada por uma ética da vida como a entendemos hoje e a defendemos como critério fundamental presente na ideia de projetos de políticas públicas capazes de atender a diversidade das expressões humanas em suas singularidades. Leia o trecho a seguir e analise como, ao longo da história de atendimento emergencial às pessoas com algum tipo de transtorno mental e em situações de crise, eram assistidas por esses serviços e então reflita sobre a importância das mudanças de paradigmas vivenciadas pelo setor da Saúde Mental para o atendimento de seus usuários e a atuação profissional das equipes multiprofissionais. [...] A população com transtorno mental deve ter acesso aos serviços de saúde, da atenção básica à urgência e emergência, como qualquer outro cidadão, porém nem todos os profissionais são preparados para tratar um usuário em crise. Pensando nisso, o município de Campinas há dez anos agrega psiquiatras às equipes do Samu. “Antigamente, quando alguém entrava em crise, quem ia buscar era uma ambulância vazia, com uma grade, e era muito desumano. Campinas inseriu o especialista na unidade de emergência para qualificar o atendimento”, afirmou a psiquiatra Sara Maria Teixeira Sgobin, que compõe a coordenação da área técnica de saúde mental do município. Segundo ela, um próximo passo da Reforma Psiquiátrica seria que a formação do médico generalista englobasse aspectos de urgência e emergência em Psiquiatria (OLIVEIRA, 2015, p. 542). Como forma de resposta ao desafio proposto pela demanda dos usuários dos serviços de Saúde Mental, houve um reordenamento da rede de atenção básica de saúde através das estratégias de oferta de serviços especializados implementados pelos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). 10 Estes centros respondem à necessária substituição dos tratamentos realizados em hospitais psiquiátricos ou internações prolongadas que distanciavam as pessoas de suas famílias e comunidade. Com vistas a atender a lógica de promoção de saúde, reabilitação psicossocial dos sujeitos e reinserção comunitária o CAPS pode constituir- se em uma estratégia de valorização da vida e de maior eficácia de tratamento e oferta de cuidados humanizados. Segundo as Portarias MS/GM 336, de 19 de fevereiro de 2002 e SAS 189, desse mesmo ano, os Núcleos/ Centros de atenção psicossocial (NAPS/ CAPS) previam os atendimentos individuais, em grupo, visitas domiciliares e atividades comunitárias que buscavam a reinserção dos usuários no contexto sociocultural de trabalho, lazer e demais espaços de convivência e manutenção da vida. [...] A Portaria SNAS 224 também instituiu o chamado Hospital- Dia e definiu procedimentos para serviços de urgência psiquiátrica em hospitais gerais – tudo com o objetivo de evitar a internação hospitalar integral, incentivando o paciente a retornar ao convívio social (CFP, 2013, p. 67-68). Dessa forma, o Sistema Único de Saúde (SUS) irá organizar seu atendimento e modalidades de serviços a partir da ideia de uma formação em rede, uma perspectiva de intervenção cuja abrangência será garantida pela Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) constituída por diferentes tipos de Centros de Atenção Psicossocial estruturados em função tanto das especificidades de atendimento quanto da relação dos serviços por número de habitantes caracterizados como territórios de abrangência. Assim os CAPS podem apresentar as seguintes modalidades de atendimento que atendem municípios ou regiões de saúde com população acima de 15 mil habitantes, independente da faixa etária, mas que estejam vivenciando: [...] intenso sofrimento psíquico decorrente de transtornos mentais graves e persistentes, incluindo aqueles relacionados ao uso de substâncias psicoativas, e outras situações clínicas que impossibilitem estabelecer laços sociais e realizar projetos de vida (BRASIL, 2015, p. 17). Os Centros de Atenção Psicossocial Infantojuvenil (CAPS - I), aqueles dedicados ao atendimento de crianças e adolescentes com igual indicação clínica de sofrimento psíquico, indicado para municípios ou regiões de saúde com população acima de 70 mil habitantes. Os Centros de Atenção Psicossocial – Álcool e Drogas (CAPS - AD), os centros responsáveis pelo atendimentos: [...] pessoas de todas as faixas etárias que apresentam intenso sofrimento psíquico decorrente do uso de crack, álcool e outras drogas, e outras situações clínicas que impossibilitem estabelecer laços sociais e realizar projetos de vida. Indicado para municípios ou regiões de saúde com população acima de 70 mil habitantes (BRASIL, 2015, p.19). 11 Ainda estão previstos para o bom funcionamento desses Centros e para o melhor desempenho de suas funções na atenção à saúde mental da população os serviços também deverão contar com equipe multiprofissional especializada durante todo horário de funcionamento com vistas a atender as demandas regionalizadas dos seus usuários com respeito às suas singularidades clínicas e socioculturais.[...] Estes serviços são especializados em saúde mental e têm caráter de base comunitária, que funcionam de “porta aberta” e atendem tanto a demandas referenciadas pela atenção básica e demais serviços intra e intersetoriais, quanto demanda espontânea, destinam-se prioritariamente à assistência de pessoas com transtornos mentais mais graves e persistentes, efetuando ações de reabilitação em regime mais intensivo (BRASIL, 2021, p.4). Vale destacar que para o projeto de um programa de Saúde Mental alinhado aos princípios da reforma Psiquiátrica, o processo de hospitalização dos sujeitos em crise devido a manifestação de algum transtorno mental e/ ou pelo uso/ abuso de álcool, crack e outras drogas. Esses processos serão considerados em sua excepcionalidade e contara, como toda a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), com profissionais especializados para o acolhimento da demanda específica dessa população, sendo indicada a internação quando esgotados os demais recursos oferecidos pela rede. Assim como nos CAPS, no processo de atendimento hospitalar das pessoas em sofrimento psíquico deve contar com um serviço terapêutico capaz de avaliar e diag- nosticar os processos de adoecimento dos sujeitos reconhecendo suas manifestações somáticas ou psiquiátricas, atuar nas situações de crise e/ou fragilidades socioemocio- nais que revelem risco de vida tanto para o usuário do sistema de saúde quanto para as pessoas de seu convívio, familiar e comunitário. “[...] O tratamento é focado no manejo da crise aguda, pelo tempo mínimo necessário, sempre atentando para oferta do melhor cuidado, com segurança e proteção do paciente” (BRASIL, 2021, p.13). A garantia do serviço voltado à prevenção, promoção e reabilitação psicossocial das pessoas assistidas por essa rede de atenção circunscreve-se também pelo favorecimento de acesso aos princípios básicos e fundamentais pertinentes ao efetivo exercício cidadão dos sujeitos, com a garantia de acesso digno e de qualidade a todo e qualquer serviço voltado para o cuidado da Saúde Mental. A organização de um modelo de atenção à saúde mental montado na ideologia de um serviço que funcione em rede e aparelhado por diversos dispositivos em níveis tão diferenciados parece favorecer o princípio básico de direitos e deveres fundamentais vivenciados por todos nós, cidadãos brasileiros como garantia de acesso digno e de qualidade à saúde mental em sua prevenção, promoção e reabilitação psicossocial. 12 Todo o planejamento técnico-científico pautado pelo projeto de práticas que se constituem no ideário dos direitos humanos e da luta da reforma psiquiátrica, ainda temos um longo caminho na construção de espaços e serviços que contem com toda a equipe técnica-profissional previstas na letra das leis e que tenham condições estruturais, físicas e humanas mínimas necessárias para desempenharem seus trabalhos de forma eficiente e com respeito a todos os envolvidos nesse processo. 2.1 ASPECTOS HISTÓRICOS E CONCEITUAIS DA ATENÇÃO À CRISE E URGÊNCIAS EM SAÚDE MENTAL Para iniciarmos esse percurso que pretende apresentar como os aspectos históricos e conceituais da atenção à crise e urgências em saúde mental se encontram na base das práticas dos serviços de acolhimento e de promoção da saúde dos sujeitos que deles se utilizam, gostaríamos de chamar a atenção, primeiramente, como hoje se constitui a ideia de crise e urgência em saúde mental. Lembrando que todo o processo de acolhimento, promoção e reabilitação de saúde mental no Brasil deverá ocorrer, prioritariamente pelos diversos e diferentes serviços de atenção e cuidado dispostos na Rede de Atenção Psicossocial, os hospitais e todos os recursos que dizem respeito ao seu funcionamento, desde o resgate realizado pelos Serviços Móveis de Urgência (SAMU), até o processo de intervenção e administração da crise com possíveis internações de caráter temporária, trabalharão em consonância com a lógica da rede de cuidado com vistas a estabilização dos sujeitos, redução dos riscos de danos a terceiros ou ao próprio sujeito e reinserção social e comunitária assim que possível o retorno dessas pessoas aos espaços de convívios, de trabalho e de lazer. Para Caldeiraro, Spode, Fleck (2008, p. 17): [...] Resumidamente, podemos definir emergência psiquiátrica (EP) como qualquer situação de natureza psiquiátrica em que existe um risco significativo (de morte ou injúria grave) para o paciente ou para outros, necessitando de uma intervenção terapêutica imediata. Existe, nesta modalidade de emergência em saúde, uma peculiaridade com relação à possível necessidade de intervenção sem o prévio consentimento do sujeito atendido, pois, é obrigação do Estado promover a atenção necessária desse paciente até mesmo e, principalmente, quando a pessoa com transtorno mental não apresentar condições clínicas de responder sobre seus atos colocando a própria vida em risco ou a segurança dos demais (CFP, 2013). Caldeiraro, Spode, Fleck (2008), sistematizam o que consideram ser os principais enfrentamentos profissionais experimentados nos serviços de urgências e emergências em saúde mental pela equipe de saúde a partir dos seguintes pontos de 13 atenção: a concentração da atenção profissional focada no principal sintoma expresso pelo sujeito no momento da crise; a formulação de uma hipótese diagnóstica para fins de uma melhor intervenção clínico-terapêutica sobre as demandas e necessidades da pessoa atendida e melhor adequação do manejo clínico adotado pelos profissionais; a avaliação do quadro evolutivo de resposta do paciente ao tratamento; exclusão de causa orgânica, ou seja, averiguação da não existência de qualquer causa orgânica para o irrompimento da crise; e o necessário encaminhamento do paciente para melhor efetivação e avaliação do tratamento iniciado na emergência. Como você já pode ter notado, na condição de emergência e urgência em saúde mental, existe uma intensificação de todo o processo de acolhimento, tratamento e reabilitação da pessoa em sofrimento psíquico cujas estratégias de cuidado e de acompanhamento terapêutico devem favorecer, desde o seu primeiro contato, a universalidade e integralidade dos serviços em saúde. Observe como está estruturado esse serviço no Sistema Único de Saúde e como está sistematizado seu funcionamento de modo que a oferta de atendimento profissional especializado atende a lógica da desinstitucionalização da loucura para o seu efetivo tratamento e cuidado humanizado com vistas ao exercício e fortalecimento da autonomia dos sujeitos. [...] Especificamente para a saúde mental, existem os serviços de urgência psiquiátrica em hospital-geral, conforme o que dispõe a Portaria SNAS nº 224/92: 2. Serviço de urgência psiquiátrica em hospital geral 2.1. Os serviços de urgência psiquiátrica em prontos-socorros gerais funcionam diariamente durante 24 horas e contam com o apoio de leitos de internação para até 72 horas, com equipe multiprofissional. O atendimento resolutivo e com qualidade dos casos de urgência tem por objetivo evitar a internação hospitalar, permitindo que o paciente retorne ao convívio social, em curto período. 2.2. Os serviços de urgência psiquiátrica devem ser regionalizados, atendendo a uma população residente em determinada área geográfica. 2.3. Estes serviços devem oferecer, de acordo com a necessidade de cada paciente, as seguintes atividades: a) avaliação médico-psicológica e social; b) atendimento individual (medicamentoso, de orientação, dentre outros); c) atendimento grupal (grupo operativo, de orientação); d) atendimento à família (orientação, esclarecimento sobre o diagnóstico, dentre outros). Após a alta, tanto no pronto atendimento quanto na internação de urgência, o paciente deverá, quando indicado, ser referenciado a um serviço extra-hospitalar regionalizado, favorecendo assim a continuidade do tratamento próximo à sua residência. Em caso de necessidade de continuidade da internação, deve-se consideraros seguintes recursos assistenciais: hospital-dia, hospital geral e hospital especializado. 2.4. Recursos Humanos (CFP, 2013, pp. 97-98, grifos dos autores). 14 Pautados por esses princípios, é possível também observarmos como a prática médica se transforma na composição de um saber compartilhado com as demais especialidades que compõem a equipe técnica responsável pelo serviço de urgência psiquiátrica, garantindo o efetivo cuidado das demandas apresentadas pelas diversas situações e emergências em saúde mental e trabalhando para o real acesso do direito fundamental à saúde. Para tanto, é importante ressaltar algumas medidas de atuação profissional voltados para o atendimento das pessoas em crise, acolhidas pelos serviços emergenciais, que possibilitarão um melhor manejo clínico e terapêutico dessas situações favorecendo a qualidade do atendimento prestado bem como uma melhor apropriação do tratamento por parte do paciente e, consequentemente, viabilizando com mais rapidez a alta hospitalar e a reinserção social desses sujeitos. Como estratégia de aproximação do profissional atendente da emergência, Caldeiraro, Spode, Fleck, (2008) apresentam quatro medidas importantes presentes na relação médico-paciente que também podem contribuir para o processo de acolhimento da pessoa em crise por parte de toda equipe e que corresponde, na base, a uma manifestação empática ao sofrimento desses sujeitos e visam dar sustentação ao desequilíbrio vivenciado. [...] Conectar-se com o afeto do paciente: perguntas como “o que o traz ao hospital?” ou “como posso ajudá-lo?” serão úteis para pa- cientes que claramente desejem ser atendidos. Pacientes trazidos à emergência contra a própria vontade poderão reagir a estas pergun- tas de forma negativa, comprometendo o restante da avaliação (...) Identificar estes sentimentos e motivar o paciente a falar sobre eles aproxima o paciente do examinador e previne que eles sejam ex- pressos de outras formas, como por meio de uma conduta agressiva. Esclarecer os objetivos da avaliação: embora o psiquiatra tenha uma clara noção dos seus objetivos na avaliação, isso não costuma estar tão claro para o paciente. Explicar esses motivos e os objetivos das medidas tomadas diminui a ansiedade em pacientes que neguem estar doentes e em pacientes com ideias paranoides. Conhecer o contexto do paciente: os pacientes costumam estar mais preocupados com os acontecimentos que os trouxeram até o estado atual do que com o conjunto dos seus sintomas. Uma avaliação sumária de estressores psicossociais mostra ao paciente que o médico está interessado nele e pode trazer informações importantes para o manejo do caso. Não se identificar com os sentimentos do paciente: pacientes irri- tados ou assustados facilmente transferem estes sentimentos ao avaliador por comunicação não-verbal, ou com frases como “você parece muito novo para ser médico”, “se eu for internado vou te pro- cessar”, “já falei tudo para outro médico, vocês não se comunicam?”. É necessário estar atento para sentimentos provocados por essas atitudes para não agir em resposta a eles (CALDEIRARO; SPODE; FLECK 2008, p. 19-20). 15 Apesar de parecerem obvias as alegações dos autores, muitas situações de crises atendidas pelas emergências hospitalares em saúde mental poderiam ter um manejo clínico mais adequado se os profissionais envolvidos estivessem melhor preparados para o enfrentamento dos desafios desse tipo de atendimento. Segundo as diretrizes do próprio Ministério da Saúde, o cuidado hospitalar para situações de crises em saúde mental está previsto tanto para o atendimento de pessoas descompensadas em suas manifestações agudas de transtornos ou sofrimento psíquico, quanto para crises “[...] do consumo ou abstinência de álcool, crack e outras drogas” e sem comorbidades clínicas, advindos da Rede de Atenção Psicossocial e da Rede de Urgências e Emergências (RUE)” (BRASIL, 2021, p. 13). Para o efetivo desenvolvimento do atendimento prestado em urgências e emergências em saúde mental, concomitante ao processo empático de acolhimento do paciente, é necessário que os profissionais envolvidos façam uma análise crítica e reflexiva dos acontecimentos e do sujeito em crise, compreendam rapidamente a dinâmica de expressão dos seus sintomas, reconheçam os gatilhos da crise buscando estratégias que favoreçam a condição de reabilitação da pessoa na integralidade de seus cuidados. Os profissionais podem então recorrer aos critérios diagnósticos das funções mentais do paciente propostos na avaliação psiquiátrica da pessoa analisando os principais pontos que possibilitem a melhor vinculação dos sujeitos aos serviços prestados no momento da crise e seu posterior encaminhamento. Questões importantes sobre as condições do lugar onde o paciente está sendo atendido, se ele está seguro nas atuais circunstâncias ou se é preciso oferecer-lhe ou- tros “espaços” de acolhimento; sobre o foco desencadeador da crise, se possui origem orgânica ou funcional, ou ainda se é resultante de uma combinação desses fatores; considerar se na ocorrência da emergência, o paciente apresenta-se em surto psicótico; avaliar se existe tendências suicidas ou homicidas na manifestação da crise e; avaliar as condições da pessoa realizar um autocuidado (CALDEIRARO, SPODE, FLECK, 2008). Tais critérios, quando explorados em suas dimensões relacionais e vinculares podem favorecer um atendimento mais humanizado às questões enfrentadas por todos os envolvidos na situação de atenção à crise e às urgências em saúde mental, dirimindo as angústias e as ansiedades presentes nessa relação e conduzindo a situação de modo que haja uma diminuição significativa dos comportamentos e cenários de risco. Mas por que nas situações que envolvem crises de ordem da saúde mental parece existir uma maior tensão entre a demanda do serviço e sua intervenção prática? Como a Psicologia como ciência e profissão tem contribuído para embasar práticas que busquem a defesa da vida e os aspectos positivos na produção de situações de melhores condições de saúde, tanto para os assistidos pelos serviços em questão, quanto para a equipe de profissionais atuantes nessas questões? 16 A Psicologia, como ciência construída entre as os saberes das ciências sociais e humanas contribuiu para o desenvolvimento de um certo entendimento sobre o homem e seus modos de subjetivação, atrelando-se, por muito tempo às demandas de organização e ordenamento dos sujeitos nos diversos e diferentes espaços institucionalizados, de modo a justificar práticas excludentes e cerceadoras de liberdade sobe égide do discurso médico da prevenção e do tratamento. Pelo caráter normativo assumido nesse paradigma positivista e racional de ciência, toda prática avaliativa tinha como efeito a classificação e consequente qualificação dos sujeitos em relação ao que se veiculava como norma, por vezes desqualificando e enquadrando todos os processos desviantes desse modelo como deficiente ou doente. É por isso que o pensamento predominante sobre os aspectos presentes nas denominadas crises e urgências em saúde mental está fortemente associado ao modelo médico tradicional da relação do paciente com seus sintomas, fato esse que, na maioria das vezes, quando o tema é abordado, não é rara a emergência de concepções do tipo de práticas de isolamento e contenção, uso excessivo de força e alienação dos sujeitos de todo e qualquer projeto terapêutico a ele direcionado. Há a atualização de um sentimento forjado pelas práticas e conhecimentos médico-assistenciais ao longo dos tempos e que reiteram a crença de que o usuário dos serviços de saúde mental está comprometido em sua condição racional e crítica, desfavorecendo qualquer possibilidade de expressão de vontade e de desejo própria desses sujeitos, colocando-os à mercê dos direcionamentos e conduções dos profissionais a quem devem satisfação e explicações de suas escolhas, nem sempre sensatas pois, prejudicadospelos efeitos da loucura, carecem de condicionamento externo e direcionamento moral de seus comportamentos. Há dessa maneira uma naturalização da tutela que se exerce sobre essas pessoas e o assujeitamento delas às medidas de tratamento que buscam objetivar um certo controle das reações distorcidas dos sujeitos em detrimento de práticas de cuidados clínicos capazes de viabilizar o resgate de si mesmos na produção de condições mínimas para um autocuidado e exercício consciente de escolhas positivas no mundo. É importante que o profissional que atua diretamente com a questão da saúde mental e que esteja na composição das equipes de intervenção tenha presente a concepção de que sua prática acontece na contramão de toda e qualquer forma de exclusão e desigualdade de tratamento, historicamente embasada pela tutela dos sujeitos e seu aprisionamento pelo controle disciplinar de suas vontades, através do discurso médico e disciplinar de normalização da vida. 17 Para que não fique dúvidas sobre a importância desse posicionamento ético- estético e político do profissional frente às necessidades e às demandas dos sujeitos, é preciso que os profissionais se constituam em suas práticas em favor da vida e da liberdade dos usuários em todo o processo de tratamento com vistas à promoção íntegra de cuidado à vida e suas manifestações singulares. Com especial atenção à vida e à liberdade de expressão dos sujeitos em toda sua multiplicidade de formas e intensidade, Yasui (2015) nos lembra o quanto essas questões se fazem presente nos embates realizados pelas ideias e práticas construídas sob a lógica da Reforma Psiquiátrica e do quanto ainda temos que avançar na produção desse projeto. [...] Na perspectiva basagliana, liberdade não é resultado e sim base da prática terapêutica. Ou seja, não é possível pensar o cuidado ao sofrimento psíquico considerando-o apenas como um diagnóstico resultante das disfunções de interações neurobioquímicas, nem tampouco com práticas que restrinjam ou limitem o exercício do ir e vir, que incidam sobre o já precário poder de contratualidade que o sujeito tem sobre si e sobre as coisas do mundo. Muito menos com práticas que o submetam a um regime de controle e de vigilância sobre todas as suas ações cotidianas. O resultado histórico deste modo de pensar a dor psíquica é bem conhecido: segregação, violência institucional, isolamento, degradação humana (YASUI, 2015, p. 18). Aproveitamos a referência realizada por Yasui (2015), à “perspectiva basagliana”, para apresentar um dos principais autores da história da luta realizada pelo movimento da Reforma Psiquiátrica na busca pelo processo de desinstitucionalização da loucura, Franco Basaglia. Enquanto diretor de um Hospital Psiquiátrico na cidade de Gozia, na Itália, Basaglia realiza um movimento de resgate das pessoas que ali se encontravam em tratamento desumano e com graves episódios de violência e cerceamento da autonomia, para a produção de uma terapêutica que assumisse como princípio a liberdade como condição clínica de transformação do doente/ paciente em agente capaz de desenvolver o autocuidado e o autogoverno de suas ações no mundo. Quando tratamos do tema saúde mental em os processos de atenção a crise e urgência, estamos nos movendo nesse terreno movediço de sentidos e significados históricos e conceituais que exigem dos profissionais uma atualização de tudo o que fora vivenciado pelos sujeitos estigmatizados pela sombra da loucura e de tudo o que pode representar a experiência do desarrazoado na vida em sua coletividade. Há uma tensão entre o que se faz em termos de tratamento e o que se quer fazer em termos de atenção e cuidado humanizado, realiza-se nesse encontro uma espécie de reafirmação ética em que os profissionais especialmente envolvidos pelas 18 circunstâncias do desencadeamento das ações emergenciais precisam realizar diante dos possíveis desdobramentos trágicos para a vida das pessoas em sua individualidade existencial e em sua expressão social e coletiva. Para tanto, chamamos a atenção para as possíveis considerações apontadas por Menezes Junior et al. (2019) ao trabalharem uma ampliação do conceito de crise em saúde mental e a importante consideração desse processo frente a demanda própria da denominada por eles de Crise Psicossocial. Lembram os autores da condição dessas crises estarem associadas a circunstâncias de intensa afetação e de estados delicados tanto da razão, quanto dos sentimentos envolvidos entre os participantes do manejo clínico, pacientes e equipe técnico profissional. Nessa perspectiva: [...\ o cuidado, ao se fazer compartilhado e intersetorial, multiplica as possibilidades de circulação dos sujeitos e amplia a circulação de recursos concretos, além de considerar questões que os serviços de saúde, sozinhos, não dão conta de mediar (MENEZES JUNIOR et al., 2019, p. 94). Existe uma conscientização dos profissionais envolvidos na temática do cui- dado em saúde mental que permite aos mesmos um manejo clínico e terapêutico que os aproxime das pessoas atendidas na situação de crise e que favoreça aos usuários desses serviços, certo acesso aos conteúdos manifestos e às latências simbólicas das expressões de seus processos subjetivos. Ainda como critério de atuação profissional qualificada e diante das diferentes necessidades de intervenções emergenciais vivenciadas nas crises e urgências em saúde mental, é necessário que os envolvidos por essas manifestações de comportamentos disruptivos de novos sentidos frente à precariedade subjetiva que a norma institui assumam e se comprometam pelo cuidado do outro e de seus conteúdos como verdadeiro objeto de trabalho especializado, no momento específico de manifestação, mas que se encontra como características de singularizações emanadas “[...] por amplos setores da estrutura social e política” (MENEZES JUNIOR et al., 2019, p. 94). Desse modo, acompanhando a reflexão e o compromisso expresso pelos autores citados anteriormente, temos, ao longo de todo trabalho envolvendo a demanda das emergência e urgências de crise em saúde mental um exercício ético, político e estético na dimensão dos saberes postos em práticas que favorecem a produção de sentidos de vida e criação de alianças terapêuticas pautadas na lógica do acolhimento e do cuidado do outro a partir de sua perspectiva de mundo, porém com o efetivo compromisso de também ofertar-lhes modos e estratégias vitais que favoreçam a criação de novos movimentos, outras perspectivas e olhares esperançosos a fim de se constituírem sujeitos de suas narrativas, desenvolverem com autonomia e liberdade práticas de um autocuidado e compreenderem o momento difícil e conturbado pelo qual estão passando, a crise. 19 Diante das incertezas e se possível for um convite à invenção, para você, se couber, uma dica: é preciso deixar abertas as portas do coração para, nos movimentos da clínica, mediar as complexas rela- ções do sujeito com o mundo, debruçando-se com ele sobre a com- plexidade de seu sofrimento (MENEZES JUNIOR et al., 2019, p. 94). Assim, é preciso fazer o desafio de reinventar e transformar as práticas terapêuticas aplicadas nos momentos de crise para que, cada vez mais, possamos acolher e tratar as pessoas em suas manifestações singulares e coletivas de expressão do sofrimento psíquico, oferecendo-lhes conteúdos e formas clínicas com competência técnico científica associada à sensibilidade inerente às relações humanas de fato. É no agenciamento dos diferentes saberes com os fazeres profissionais presentes no cuidado prestado à saúde mental que faremos emergir nas circunstâncias de nossas práticas sociais uma concepção de clínica com total respeito aos sujeitos, sua individualidade e singular forma de expressão forjada pelo colapso da saúde mental das pessoas. Há nessa condição limite de expressão do plano da produção subjetiva das pessoas uma condição de expressão de vida que precisa ser acolhida, compreendidae cuidada em toda sua manifestação individual e coletiva na formação de sentidos. 20 Neste tópico, você aprendeu: RESUMO DO TÓPICO 1 • As normas e legislações que regem o sistema de saúde mental no Brasil oferecem para o psicólogo uma base constitucional de direitos e deveres que devem estar presentes para sua atuação profissional e científica nessa área de conhecimento. • A organização da Rede de Atenção à Saúde Mental e a implicação do profissional de Psicologia no atendimento aos usuários junto à equipe multiprofissional se estabelece por meio do compromisso ético-estético e político em favor da liberdade e das diversas expressões de vida. • As características e especificidades do trabalho da Psicologia nas situações de urgência e emergência em Saúde Mental devem ser pautadas pelo gesto sensível às demandas de acolhimento e encaminhamento das necessidades suscitadas no atendimento das pessoas envolvidas nessas circunstâncias. • A sistematização e referências de ações práticas para o profissional no enfrentamento das demandas da realidade de atenção Psicossocial constituem-se de forma sensível às subjetividades envolvidas e com todo o processo de produção de sentidos presentes na atenção à saúde mental. 21 1 A publicação do Conselho Federal de Psicologia sobre o Relatório dos Serviços de Saúde Mental no Brasil, em 2013, apresenta as normas jurídicas que regulam os serviços de saúde mental, a participação do psicólogo junto ao quadro de profissionais das diferentes áreas que compõem os diversos serviços prestados à população e os debates necessários para a transformação desses espaços para melhor atenderem às demandas das pessoas em atendimento. Diante desse exposto, assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) O trabalho do psicólogo está pautado pela possibilidade de acesso dos usuários aos cuidados da saúde em sua integralidade. b) ( ) As ações preventivas na área da saúde mental têm se destacado em vários programas, por exemplo, o projeto de volta para casa. c) ( ) A saúde mental é uma área de aplicação prática de conhecimento que demanda pouca formação para o manejo das situação terapêuticas. d) ( ) As contribuições da Psicologia nos espaços institucionais referem-se, especificamente, aos aspectos subjetivos dos indivíduos atendidos. 2 A Psicologia como ciência e profissão no Brasil tem se constituído ao longo de seus 60 anos como um plano de conhecimento produzido na interface entre os saberes e que se apresenta como prática social em busca de respostas a fenômenos coletivos e individuais, mas sempre analisados pelo viés sócio-histórico e cultural. Segundo essa afirmativa, pode-se considerar as afirmações abaixo sobre o fazer da Psicologia: I- A Psicologia contribui para a defesa da saúde como direito fundamental do homem e dever do Estado atuando em todos os pontos da rede de atenção à saúde. II- Está preconizada nas práticas da Psicologia presente nos Sistema de Saúde, somente as ações voltadas para a reabilitação dos sujeitos assistidos. III- As ações de prevenção, promoção e recuperação de saúde fazem parte das atividade institucionais e intersetoriais onde atua o profissional de Psicologia nos diferentes sistemas de saúde. Assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) As sentenças I e II estão corretas. b) ( ) Somente a sentença II está correta. c) ( ) As sentenças I e III estão corretas. d) ( ) Somente a sentença III está correta. AUTOATIVIDADE 22 3 Está na base das relações vivenciadas pelos profissionais que atuam nos serviços de atendimento a crise e emergências em saúde mental um processo de empatia que se caracteriza por oferecer aos usuários uma sustentação ao desequilíbrio apresentado por eles e como estratégia de humanização do sistema de atendimento. Classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas: ( ) A manifestação de perguntas que se conectem com os afetos do paciente permitem a aproximação do atendente e favorece o contato inicial para o acolhimento. ( ) A equipe médica deverá posicionar-se conforme o sentimento expresso do pacien- te, respondendo com medo ou raiva quando esta for a manifestação do usuário. ( ) O atendente deverá esclarecer os objetivos da avaliação para o paciente de modo a diminuir a ansiedade no processo e favorecer o encontro terapêutico. Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA: a) ( ) V – F – F. b) ( ) V – F – V. c) ( ) F – V – F. d) ( ) F – F – V. 4 O atendimento as situações de crise e emergência em saúde mental, dada a sua imprevisibilidade e especificidade da natureza de expressão dos sujeitos com transtornos mentais, exige dos profissionais uma atenção técnica e sistematizada que auxilia no processo de acolhimento das demandas e possíveis encaminhamentos para melhores respostas dos usuários aos tratamentos ofertados. Apresente os procedimentos adotados pelos profissionais que melhor organizam o processo de atenção aos usuários nessas circunstâncias. 5 A Psicologia como ciência e profissão tem se constituído ao longo do processo de construção da rede de saúde mental uma área de conhecimento e uma referên- cia prática que auxilia tanto aos usuários atendidos pela equipe multiprofissional quanto aos outros profissionais com os quais compartilha experiências e constrói dinâmicas de serviço. Descreva como a Psicologia tem contribuído para embasar práticas de defesa da vida em resposta às necessidades e demandas dos serviços o qual se insere. 23 A REFORMA PSIQUIÁTRICA 1 INTRODUÇÃO Acadêmico, no Tópico 2, abordaremos o processo de produção histórica do saber sobre a loucura enquanto condição humana, experimentada ao longo da própria construção cultural do ser humano em sua dimensão cultural e transformada em área específica do conhecimento científico, metodologicamente justificado para hegemonia de um saber ou poder de controle e disciplinamento social dos diferentes ao longo dos diversos momentos históricos. Estudaremos como essa narrativa científica da loucura, historicamente, datada pelos princípios da concepção moderna do mundo e da objetividade do estudo do ser humano, transformou radicalmente o modo como o homem se relacionava com a vida, seus sentidos e interesses, promovendo importantes avanços nas diferentes áreas de conhecimento, mas também produzindo e justificando práticas de dominação, controle e injustiça social. Ainda será analisado nesse percurso, como os movimentos de resgate e de trans- formação das práticas de exclusão social e de criminalização da loucura propuseram uma verdadeira revolução não somente na compreensão do que deveria ser apresentado como princípio ético e político da ciência como também dos modos de atuação e inter- venção desses saberes junto às pessoas que sofrem algum tipo de transtorno mental, constituindo-se o que formalmente denominamos de Reforma Psiquiátrica. 2 A REFORMA PSIQUIÁTRICA Como você pode ter observado as temáticas presentes no contexto do trabalho da saúde mental, em sua maioria, estão envoltas pelas questões referentes ao sofrimento mental ou psíquico das pessoas, suas manifestações atípicas, disruptivas, geralmente experimentadas em situações de crise e que refletem certos desequilíbrios mental e comportamental dos sujeitos, exigindo intervenções especializadas que garantam cuidado clínico e terapêutico com concomitante acesso ao direito fundamental de cuidado integro da saúde. De modo geral, essa narratividade diz respeito à loucura e a toda rede de significantes derivada de suas interações práticas e conceituais que fomentam modos existenciais capazes e potentes tanto de enclausuramento de subjetividades e docilização dos corpos, quanto de liberdades e intensidades materiais vibrantes. UNIDADE 1 TÓPICO 2 - 24 Visto desse modo, já não é mais possível pensar ou imaginar que o conceito de sofrimento psíquico, circunscrito pela lógica reduzida à forma médico-psiquiátrica, seja considerada a mesma coisa que loucura. [...] Ahistória da loucura não se resume à história da “doença mental”. Enquanto a doença mental, por se tratar de uma concepção médica moderna acerca da loucura, possui pouco mais de 200 anos de história, a loucura, entendida como a experiência trágica da desrazão, acompanha a humanidade desde seu surgimento. Foi, portanto, relativamente recente, na virada do século XVIII para o XIX, que a loucura ganhou status de patologia mental, tendo sido apropriada pela medicina moderna. Retraçaremos a seguir um panorama das diversas e divergentes concepções históricas da loucura no mundo ocidental, até sua conceitualização pelo saber médico como “doença mental” (HENRIQUES, 2010, p. 1). É importante destacar que a apropriação de uma experiência humana por meio de uma área do conhecimento historicamente constituída concorrerá para a consolida- ção de uma outra área de conhecimento a qual o que entrará em jogo não é a produção de saberes capazes de explicar o fenômeno ou objeto de sua atenção, mas, por outro lado, provocará o que o autor acima citado denominará de área de dispersão de saber. Essa dispersão de saber caracteriza-se pela constituição de um novo e promissor campo de investimento do discurso moderno sobre as ciências humanas atravessadas pelo viés médico se instituirá como uma potente ordem discursiva de controle normativo e disciplinar, a psicopatologia. Se um campo científico se constitui com a delimitação de um objeto de investigação realizada por meio de uma metodologia específica capaz de responder às questões elementares de sua origem, materialidade e funcionalidade, como se explica a loucura ter se tornado o objeto de base para a psicopatologia? E, por sua vez, como essa especialidade médica que tinha por objetivo o trabalho sobre os aspectos desviantes da norma, dos desadaptados, “desarrazoados” e delirantes passa a funcionar como referência de saúde e, mais especificamente, de saúde mental? Afinal, o que é o sofrimento mental ou psíquico e como deve ser tratado? Essas são algumas questões ilustrativas do quanto, historicamente, a sociedade moderna com suas administrações científicas e justificativas humanitárias, viu florescer uma nova perspectiva de vida objetivada pela razão e pela racionalidade da norma e de seus desvios devidamente avaliados, classificados e controlados por regimes de saber/ poder cada vez mais próximos da biologização/medicalização da vida conceituada e estruturada pela gestão do risco e pela produção positivista da própria vida. Para nos apropriarmos de uma leitura sócio-histórica de como a loucura em sua potência humana passou de um regime do campo da existência dos sujeitos para uma área especializada do saber médico psiquiátrico sobre o funcionamento mental dos 25 sujeitos em sofrimento, nos utilizamos da perspectiva foucaultiana sobre a concepção do dispositivo e como ele opera no plano das relações de saber/ poder engendrando realidades e operando sobre elas. [...] o Dispositivo como um tipo de formação que tem a função de responder a uma urgência em um determinado momento histórico, assumindo, desse modo, uma função estratégica. Além disso, ele engloba elementos heterogêneos, como citado anteriormente, que surgem dispersamente, o que caracteriza sua qualidade de gênese (FOUCAULT, 1992, apud FIGUEIRÊDO, 2019, p.51). Eis o substrato fecundo e necessário para a emergência de uma área específica do conhecimento médico psiquiátrico constituído como um campo de saber científico do homem sobre a própria condição humana. Por isso, segundo Henriques (2010), uma área de dispersão de saber, pois foi a partir de sua constituição como área de um discurso oficial sobre a loucura, criou-se a ideia de sofrimento psíquico e, como seu desdobramento teórico-conceitual, o campo da saúde mental. Uma especificidade capaz de garantir a toda a população, possibilidade de explicação e intervenção sobre questões que antes se tratava por superstições e saberes populares de todas as ordens (religiosidade, tradições, costumes etc.), e que passa então a fazer parte de uma assistência técnica e científica com vistas a garantia de um tratamento adequado e efetivo sobre a doença mental. Ao analisar o processo de produção de uma nova forma de tratamento e entendimento da loucura e do louco na sociedade moderna, Figueirêdo (2019, p. 53), apontará que “[...] a função estratégica do Dispositivo é responder a urgência de um determinado período histórico, no caso do Dispositivo da Loucura, esse emergiu quando tal população tornou-se incômoda e, ao mesmo tempo, visibilizada”. A nova organização pela qual as sociedades começavam a construir práticas sociais de administração pública e de relação de trabalho cada vez mais especializada e com vistas a maior produtividade e concentração de riquezas, inaugurou uma produção de subjetividades cujos princípios humanitários e valores morais não admitiam a con- vivência compartilhada de tempos e espaços com pessoas contrárias a esses modelos. É importante destacar que a construção da narrativa sobre a loucura só é possível quando as disciplinas médicas e psiquiátricas, enquanto representantes de um saber-fazer científico sobre a condição humana, começam a ser revisitadas em uma perspectiva crítica e indagadora sobre a eficiência e qualidade no tratamento ofertado aos sujeitos isolados e submetidos a toda sorte de violências e tortura sob o véu de um discurso humanitário e especializado. 26 [...] No final do sec. XVIII, em 1793, é que Pinel, uma vez nomeado para dirigir o Hospital de Bicêtre, na França, define um novo status social para a loucura. Trata-se da apropriação da loucura pelo saber médico. A partir de então, loucura passa a ser sinônimo de doença mental. Pinel manda desacorrentar os alienados e inscreve suas “alienações” na nosografia médica. Desse modo, a loucura, enquanto doença, deveria ser tratada medicamente. A iniciativa de Pinel abre duas questões importantes: se por um lado, tal iniciativa cria um campo de possibilidades terapêuticas, por outro, define um estatuto patológico e negativo para a loucura. As ideias de Pinel terminam por reforçar a separação dos loucos dos demais excluídos, a fim de estudá-los e buscar sua cura. O asilo passa a ser visto como a melhor terapêutica, onde aplica-se a reclusão e disciplina, sendo seu objetivo o tratamento moral (ALVES et al., 2009, p. 87). Nesse momento, importante salientar que o processo escolhido para a construção de uma perspectiva teórico-metodológica da Reforma Psiquiátrica, inevitavelmente acontece pela perspectiva da sistematização do significado manifesto e latente do termo psiquiátrica ao longo de sua instituição prática e conceitual e porque o movimento que se institui como seu contraponto imbuiu-se de formular o que historicamente ficou conhecido como Reforma. Ao reafirmar a expressão da loucura em uma condição humana e reconhecer que, o cuidado com o sujeito que sofre é o objetivo primeiro das intervenções também realizadas nos planos das especialidades médicas e áreas ‘PSI’ (psiquiatria, psicologia, psicanálise etc.), está se optando por um trabalho de valorização da vida e de sua positividade enquanto produtora de sentidos que precisam ser respeitados em seus estilos e processos singulares e de individualização das pessoas. No ano de 2016 foi lançado no Brasil, Nise: O coração da loucura, um filme em homenagem a psiquiatra Alagoana que revolucionou o tratamento dado à loucura nos hospitais psiquiátricos da época, propondo e aplicando formas alternativas de cuidados, com base na arte, no afeto e no convívio com animais em substituição a métodos agressivos e comparáveis à tortura. DICA Há uma condição bastante apropriada destacada por Pereira (2019), ao retomar a visão conceitual sobre saúde como condição ético-política, trabalhada por (SOUZA; SAWAIA, 2016). Nessa compreensão, a autora apresenta a potencialidade que existe na expressão de saúde para além de uma produção reducionista
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