Buscar

Cronica_juremir machado da silva_análise

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 7 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 7 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

Do AI-5 aos áudios da portaria
Porões do novo Brasil
05/11/2019 | 7:54
Juremir Machado da Silva
Conta-se que em Palomas, vilarejo encantado na fronteira do Uruguai, uma raposa sonhava invadir um galinheiro onde viviam aves soberbas e orgulhosas das suas cores, penas e ovos. Essa raposa, reza a lenda, era mais astuta do que as demais. Parece que era a mais inteligente das raposas de toda a Fronteira Oeste. Costumava dar o tapa e esconder a pata. Avançava e recuava de acordo com seus planos obscuros. Um dia, a raposa percebeu que seu pelo era da cor de uma pedra muito comum em torno do galinheiro. Resolveu então se fingir de pedra.
      Treinou bastante antes de executar o seu plano. Quando se achava em ponto de bala, atacou. Já estava com o corpo inteiro dentro do galinheiro quando o galo cantou três vezes dando o alarme. O rabo da raposa ficara de fora. Moral da história, que todas as histórias de Palomas e de raposas têm uma moral: raposas não negam seus instintos. Jair Bolsonaro votou pelo impeachment de Dilma Rousseff elogiando o torturador mais famoso da ditadura militar brasileira de 1964, o infame e abjeto coronel Brilhante Ustra. Eleito presidente da República, continuou a elogiar aquele que ele tem como uma referência. Tal pai, tal filho. Filho de raposa, raposinha é. Eduardo Bolsonaro, em entrevista, acenou com a volta do AI-5, o mais repressivo dos dispositivos do regime militar que afundou o Brasil por mais de 20 anos, para calar a esquerda.
      Acuado, repreendido até pelo pai, Eduardo raposinha Bolsonaro recuou, pediu desculpas, fingiu-se de pedra. O rabo, porém, está bem visível. Jair Bolsonaro, ao censurar o filho em nome da liturgia do cargo, cometeu um interessante ato falho, embora lamentando a atitude do seu menino de 35 anos, o mesmo que pretendia ser embaixador do Brasil nos Estados Unidos, país onde havia fritado hambúrguer, o que lhe parecia uma boa credencial para o cargo. Disse o contrariado Jair Bolsonaro: “Quem quer que seja que fale em AI-5 tá falando... tá sonhando. Tá sonhando! Tá sonhando!” AI-5 é sonho? Não é pesadelo?
      Pela boca de uma raposa falam todos os exemplares da espécie. Maria Bethânia, que estará na PUCRS nesta semana, canta um clássico: “Sonho meu, sonho meu/Vá buscar quem mora longe/
Sonho meu”. Sonho é isso: sentir saudades do que foi bom e se quer resgatar. Seria Eduardo Bolsonaro uma raposinha muitíssimo esperta ou, ao contrário, uma raposa que se atrapalha com antigos ensinamentos do pai e acaba dizendo o que não devia? Ou faz o chamado balão de ensaio, planta para ver o que colhe, deixa falar o coração de todas as raposas?
      Eduardo deve se confundir: se o pai ensina que não houve ditadura, qual o problema de defender a volta do AI-5, pilar da ditadura que não teria existido? Apologia da ditadura é feio. A raposinha das frases infelizes terá de sofrer um castigo para aprender a esconder o rabo. Outra raposinha, chamada de 02 pelo pai, publica vídeos que deixam o rabo de fora e depois apaga. Outro dia, as raposas chamaram o STF de hiena. Fingiram-se de pedra. O rabo ficou sacudindo. O pai desculpou-se. Uma raposa incomoda muita gente: 01, 02 e 03 incomodam muito mais.
Jair Bolsonaro cancelou assinaturas da Folha de S. Paulo.
Jair Bolsonaro entra em guerra com a Rede Globo.
Globo diz que a voz do porteiro no áudio divulgado por Carlos Bolsonaro para desmentir reportagem não é a do porteiro que disse ter ouvido Seu Jair autorizar a entrada no condomínio daquele que se tornaria um dos suspeitos de matar Marielle Franco.
Antes, o Brasil perguntava: cadê o Queiroz?
Agora, pergunta: cadê o porteiro?
Fonte: https://www.correiodopovo.com.br/blogs/juremirmachado/do-ai-5-aos-%C3%A1udios-da-portaria-1.377909
TÍTULO[footnoteRef:1] [1: Trabalho apresentado como requisito para avaliação parcial na disciplina Linguística Textual, durante o segundo semestre de 2019, sob orientação da Profª. Drª. Maria Iraci Sousa Costa.] 
Autor 1
Autor 2
Autor 3
Resumo: O presente trabalho tem o objetivo de apresentar uma análise de um texto com base nos pressupostos teóricos da Linguística Textual. Selecionamos para análise o texto XXX, onde priorizaremos a(s) noção(ões) de XXXX para compreender a construção do sentido no texto. 
Palavras-chave:
1. Introdução:
	A Linguística Textual no Brasil foi introduzida no início da década de 1980 e passou por três fases até definir seu objeto teórico e seu quadro teórico-metodológico. A primeira fase foi XXXXX. A segunda fase foi XXXXXX. A terceira fase foi XXXX. A noção de texto é então entendida como XXXXXX.
A partir da abordagem cognitivista-interacionista do texto, tem-se como pressuposto teórico que o processamento textual se realiza por meio de estratégias que mobilizam vários tipos de conhecimentos contidos na memória. Esses conhecimentos, segundo Koch e Elias (2010), são: conhecimento linguístico, conhecimento enciclopédico, conhecimento interacional. XXXXXX
A ativação desses conhecimentos é condição necessária para que se possa inferir o sentido do texto. Quando um desses conhecimentos falta a um dos interlocutores, a inferência do sentido pode se dar de forma equivocada. Por isso, é importante que os sujeitos partilhem, ao menos parcialmente, o mesmo contexto sociocognitivo, isto é, XXXX.
À luz de tais pressupostos teóricos, analisaremos o texto “Do AI-5 aos áudios da portaria - Porões do novo Brasil”, de Juremir Machado da Silva, publicado em 05 de novembro de 2019, no blog do autor, hospedado junto ao site do jornal Correio do Povo. Trata-se de um texto do gênero textual crônica que tem como tema a reação da família do atual presidente após a veiculação no Jornal Nacional[footnoteRef:2] (Programa da emissora Rede Globo) da notícia de que, segundo o depoimento do porteiro do condomínio (Vivendas da Barra) onde a família presidencial mora no Rio de Janeiro, um dos suspeito envolvidos no assassinato da vereadora Marielle Franco, esteve na casa 58 (pertence ao então deputado Jair Bolsonaro) momentos antes da morte de Marielle. Nesse texto, analisaremos o funcionamento da importância dos fatores de textualidade para a construção do sentido do texto. [2: http://redeglobo.globo.com/videos/v/caso-marielle-suspeito-entrou-em-condominio-alegando-ir-a-casa-de-bolsonaro-diz-porteiro/8046546/] 
Antes de passar à análise propriamente dita do texto, retomaremos algumas noções importantes da Linguística Textual que dão sustentação à forma como os sentidos vão se constituindo no texto.
2. Os fatores de textualidade:
	Segundo Costa Val (XXXX), por textualidade entende-se XXXXXXX. Com base na proposta de Beaugrande e Dressler (XXXX), os fatores de textualidade podem ser: XXXXX
3. Análise do texto:
	
3.1 Fatores de contextualização
Localização: Blog de Juremir Machado da Silva, vinculado ao jornal Correio do Povo, sediado em Porto Alegre (RS), pertencente ao Grupo Record. Por tratar-se de um texto publicado em um blog, ele só tem existência na internet cujo endereço é: https://www.correiodopovo.com.br/blogs/juremirmachado/do-ai-5-aos-%C3%A1udios-da-portaria-1.377909
Data: 05/11/2019
Elementos gráficos: O texto analisado configura o gênero textual crônica. Desse modo, ele apresenta apenas sinais gráficos sem imagens. É um texto (relativamente) curto e predominantemente dissertativo, por abordar uma temática e um posicionamento do autor, bem como os argumentos para sustentá-lo. Apresenta intertextualidade intergenérica por ser introduzido por uma fábula (gênero predominantemente narrativo que traz, ao final, uma moral da história). No imaginário popular, temos uma série de fábulas que tem como personagem principal a raposa, como por exemplo, “A raposa e as uvas”, “A raposa e o corvo”, “A raposa e o galo”. 
Título: O título “Do AI-5 aos áudios da portaria - Porões do novo Brasil” exige do leitor uma série de ativação de conhecimentos prévios de ordem histórica sobre:
- AI-5: O Ato Institucional nº 5, conhecido usualmente como AI-5, foi um decreto emitido pela Ditadura Militar durante o governo de Artur da Costa e Silvano dia 13 de dezembro de 1968. O AI-5 é entendido como o marco que inaugurou o período mais sombrio da ditadura e que concluiu uma transição que instaurou de fato um período ditatorial no Brasil. Por meio desse decreto, foi proibida a garantia de habeas corpus em casos de crimes políticos. Também decretou o fechamento do Congresso Nacional, pela primeira vez desde 1937, e autorizava o presidente a decretar estado de sítio por tempo indeterminado, demitir pessoas do serviço público, cassar mandatos, confiscar bens privados e intervir em todos os estados e municípios.
- Áudios da portaria: refere-se ao escândalo recente que foi deflagrado a partir do depoimento do porteiro do condomínio onde mora o presidente da república. Segundo o depoimento, no dia da morte da vereadora Marielle Franco e seu motorista Anderson, horas antes de assassinato, o suspeito de dirigir o carro de onde os tiros foram disparados esteve no condomínio para visitar o então deputado Jair Bolsonaro. O motorista do carro dirigiu, não à casa daquele que havia autorizado sua entrada, mas à casa daquele que hoje é considerado o principal suspeito de ter efetuado os disparos que matou Marielle e Anderson. Posteriormente, o atual presidente admitiu que confiscou[footnoteRef:3] os áudios da portaria antes mesmo que a investigação pudesse pegá-los. [3: https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/politica/2019/11/02/interna_politica,803276/bolsonaro-diz-que-pegou-audio-de-portaria-para-evitar-adulteracao.shtml] 
- Porões: Somado à palavra “AI-5”, porões pode remeter à ditatura, relação essa estabelecida a partir de um frame, uma vez que as práticas de tortura e de violação dos direitos humanos (que nunca foram legalizadas durante o período ditatorial) aconteciam nos subsolos das instituições de maneira mais ou menos oculta. 
Autor: Juremir Machado da Silva é jornalista, historiador, professor, escritor, colunista no jornal Correio do Povo e também um blog vinculado ao mesmo jornal. 
3.2 Ativação de conhecimento enciclopédico: o contexto
Para que o leitor possa compreender a temática que está sendo aborda no texto, é preciso ativar um conhecimento enciclopédico e uma série de acontecimentos que fazem parte da história brasileira (mais ou menos) recente para que se possa estabelecer relações e produzir inferências. O título do texto “Do AI-5 aos áudios da portaria - Porões do novo Brasil” compreende três momentos históricos do Brasil: o mais antigo - o período da ditadura militar e os mais recentes – os áudios da portaria do condomínio da residência do atual presidente brasileiro que podem ligá-lo ao assassinato da vereadora Marielle Franco e a ameaça de um novo AI-5 feita Eduardo Bolsonaro caso a esquerda brasileira radicalizasse.
A notícia foi ao ar no dia 29 de outubro de 2019 no Jornal Nacional[footnoteRef:4], veiculado pela emissora Rede Globo. Segundo a reportagem, no dia 14 de março de 2018, dia da morte de Marielle e de seu motorista Anderson Gomes, o suspeito de ser o motorista do carro onde os disparos foram efetuados, Élcio de Queiroz, esteve no condomínio Vivendas da Barra, para visitar a casa 58 cujo proprietário é Jair Bolsonaro. A pessoa que atendeu o interfone e autorizou a entrada de Élcio de Queiroz, identificou-se como “Seu Jair”. Segundo o depoimento do porteiro, o carro entrou no condomínio, mas dirigiu-se à casa 66, pertencente à Ronnie Lessa, principal suspeito de ser o autor dos disparos que vitimaram Marielle e Anderson. O porteiro disse, em depoimento, que acompanhou o percurso do carro através das câmeras de segurança e então ligou de novo para a casa 58, e que o homem identificado por ele como "Seu Jair" teria dito que sabia para onde Élcio estava indo. A mesma reportagem aponta ainda que o Jornal Nacional pesquisou os registros da Câmara e encontrou uma contradição no depoimento do porteiro. Jair Bolsonaro estava em Brasília nesse dia, como mostram os registros de presença em duas votações no plenário: às 14h e às 20h30. Portanto, ele não poderia estar no Rio. No mesmo dia, Bolsonaro também postou vídeos nas redes sociais do lado de fora e dentro do gabinete em Brasília. [4: https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2019/10/29/suspeito-da-morte-de-marielle-se-reuniu-com-outro-acusado-no-condominio-de-bolsonaro-antes-do-crime-ao-entrar-alegou-que-ia-para-a-casa-do-presidente-segundo-porteiro.ghtml] 
Após a veiculação da notícia no Jornal Nacional, o presidente, que estava em uma viagem ao Oriente Médio, usou a rede social Facebook para veicular uma live com o objetivo de responder à notícia veiculada pela Rede Globo. De acordo com o presidente, ele já tinha conhecimento do conteúdo do processo da Marielle  desde 9 de outubro, quando o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, revelou o conteúdo da investigação. De acordo com o presidente, teria sido ele que revelou as informações sobre o processo. "Ele botou na cabeça que quer ser presidente da República. Ele botou na cabeça que tem que me destruir. Podia fazer uma carreira bonita. Se acha o gostosão. Saltou na ponte Rio-Niterói quando o sniper matou o sequestrador do ônibus, vibrando, agindo como criança", criticou. O presidente acusou o governador Witzel de ter vazado tais informações com o propósito de prejudicar a sua re-eleição em 2022.
No dia 31 de outubro de 2019[footnoteRef:5], O deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente Jair Bolsonaro, afirmou em uma entrevista que, se a esquerda “radicalizar” no Brasil, uma das respostas do governo poderá ser “via um novo AI-5”. Eduardo deu a declaração ao falar sobre os protesto de rua que estão acontecendo em outros países da américa latina. A entrevista do parlamentar, líder do PSL na Câmara dos Deputados, foi divulgada nesta quinta-feira (31) no canal do YouTube da jornalista Leda Nagle. O Ato Institucional 5 (AI-5) foi baixado no dia 13 de dezembro de 1968, durante o governo de Costa e Silva, um dos cinco generais que governou o Brasil durante a ditadura militar (1964-1985). O AI-5 é considerado um dos atos de maior poder repressivo tomados durante a ditadura, pois resultou na cassação mandatos políticos e suspensão de garantias constitucionais. [5: https://g1.globo.com/politica/noticia/2019/10/31/eduardo-bolsonaro-diz-que-se-esquerda-radicalizar-resposta-pode-ser-via-um-novo-ai-5.ghtml] 
Nesse mesmo dia[footnoteRef:6], O deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) afirmou em entrevista à TV Bandeirantes que "talvez tenha sido infeliz" ao dizer que havia a possibilidade de um "novo AI-5" no Brasil. Declarou ainda que "não existe qualquer possibilidade" de isso acontecer. Segundo o site G1, pouco antes de a entrevista ir ao ar, o pai do deputado, o presidente Jair Bolsonaro, também disse à Band ter recomendado ao filho que se desculpasse por ter dito algo que as pessoas "não interpretaram corretamente". [6: https://g1.globo.com/politica/noticia/2019/10/31/eduardo-bolsonaro-diz-que-talvez-tenha-sido-infeliz-e-que-nao-ha-qualquer-possibilidade-de-volta-do-ai-5.ghtml] 
"Eu fui eleito democraticamente, ele foi o deputado mais votado da história do Brasil. Falei para ele 'se desculpa, pô, junto àqueles que porventura não interpretaram você corretamente', falei 'não tem problema nenhum, se desculpa, sem problema nenhum'. Agora, o que a gente fica chateado aqui? Qualquer palavra nossa, palavra, né, num contexto qualquer vira um tsunami. A gente lamenta, eles sabem disso, eu falo disso com meus filhos", declarou o presidente da República.
3.3 Ativação de conhecimento interacional – conhecimento superestrutural ou conhecimento sobre os gêneros textuais
O texto “Do AI-5 aos áudios da portaria” configura-se enquanto uma crônica na medida em que apresenta uma temática do cotidiano, uma linguagem acessível a um público amplo, uma extensão (relativamente) curta, a ausência de imagens, o lugar de publicação onde é veiculada – um blog vinculado ao jornal Correio do Povo. Tais características permitem-nos afirmar que estamos diante do gênero crônica. Entretanto, o texto é introduzido por um outrogênero: trata-se do gênero textual fábula, que se caracteriza por apresentar uma narrativa onde os personagens principais são animais que podem assumir características humanas e, ao final, apresenta-se uma moral da história. Eis a fábula que introduz o texto: 
[Conta-se que em Palomas, vilarejo encantado na fronteira do Uruguai, uma raposa sonhava invadir um galinheiro onde viviam aves soberbas e orgulhosas das suas cores, penas e ovos. Essa raposa, reza a lenda, era mais astuta do que as demais. Parece que era a mais inteligente das raposas de toda a Fronteira Oeste. Costumava dar o tapa e esconder a pata. Avançava e recuava de acordo com seus planos obscuros. Um dia, a raposa percebeu que seu pelo era da cor de uma pedra muito comum em torno do galinheiro. Resolveu então se fingir de pedra. Treinou bastante antes de executar o seu plano. Quando se achava em ponto de bala, atacou. Já estava com o corpo inteiro dentro do galinheiro quando o galo cantou três vezes dando o alarme. O rabo da raposa ficara de fora. Moral da história, que todas as histórias de Palomas e de raposas têm uma moral: raposas não negam seus instintos.]
	
No imaginário popular, conhecemos uma série de fábulas, inclusive com raposas, mas nenhuma que se passe um lugar específico do mundo real (Palomas é um cidade brasileira situada no estado do RS, na fronteira com o Uruguai). Não se trata, portanto, de uma narrativa já conhecida. Trata-se antes de uma apropriação do gênero textual fábula e da invenção de uma narrativa que tem como objetivo produzir um efeito retórico para abordar a temática que logo será introduzida. Essa fábula na introdução da crônica configura uma intertextualidade intergenérica, por apresentar um gênero dentro de outro gênero. A fábula, por sua vez, traz uma intertextualidade temática por fazer alusão a outras fábulas sobre raposas pertencentes ao imaginário popular, como por, exemplo, “A raposa e as uvas”, “A raposa e o galo”, “A raposa e o corvo”. Nos exemplos de fábula citados, coincidentemente, a raposa é a vilã da história. Além disso há também alusão ao ditado popular “A raposa cuidando do galinheiro” quando atribui-se uma função à alguém não confiável que pode aproveitar-se do cargo em benefício próprio.
Feita essa introdução, o texto muda a direção de forma mais ou menos abrupta e o leitor precisa ativar um conhecimento enciclopédico para compreender a inserção da fábula como introdutória do texto. Num primeiro momento, essa mudança rápida de temática e de gênero pode produzir um efeito de incoerência temática do texto. Esse efeito de incoerência é desfeito quando consideramos o todo do texto.
O autor do texto passa então a discorrer sobre o comportamento do atual presidente, que sempre se mostrou simpático às práticas de tortura realizadas durante o período ditatorial, e o comportamento do filho do presidente, deputado federal, que recentemente mostrou-se bastante receptivo à retomada do AI-5:
[Jair Bolsonaro votou pelo impeachment de Dilma Rousseff elogiando o torturador mais famoso da ditadura militar brasileira de 1964, o infame e abjeto coronel Brilhante Ustra. Eleito presidente da República, continuou a elogiar aquele que ele tem como uma referência.] [Tal pai, tal filho. Filho de raposa, raposinha é.] [Eduardo Bolsonaro, em entrevista, acenou com a volta do AI-5, o mais repressivo dos dispositivos do regime militar que afundou o Brasil por mais de 20 anos, para calar a esquerda.]
A comparação entre o comportamento do pai e o comportamento do filho é intercalada pelas expressões – Tal pai, tal filho. Filho de raposa, raposinha é. A segunda expressão fala alusão à expressão popular amplamente conhecida no Brasil como “filho de peixe, peixinho é”. Trata-se, nesse caso de um détournement, isto é, “um enunciado que possui as marcas linguísticas de uma enunciação proverbial, mas que não pertence ao estoque dos provérbios reconhecidos” (GRÉSILLON; MAINGUENEAU, 1984, p. 114 apud KOCH, BENTES, CAVALCANTE, 2007, p. 45). Para ilustrar o funcionamento do détournement, faremos a comparação entre os dois enunciados:
1) filho de [peixe], [peixinho] é.
2) filho de [raposa], [raposinha] é.
O autor conta com a colaboração do leitor para a ativação do enunciado original e, assim, possa reconhecer o détournement. Esse recurso também apresenta um efeito retórico que contribui para reforçar a tese do autor do texto. No caso da substituição de “peixe” por “raposa”, esse détournement restabelece a relação do tema abordado com a fábula da introdução.
A partir de então, o texto começa a apresentar uma mescla entre a fábula da raposa e a o tema que está sendo debatido que é o comportamento dissimulado de pai e filho. Essa mescla se manifesta da seguinte forma:
Acuado, repreendido até pelo pai, [Eduardo raposinha Bolsonaro] recuou, pediu desculpas, fingiu-se de pedra. O rabo, porém, está bem visível.
Essa mistura de elementos que faziam parte da fábula com elementos do tema que está sendo abordado contribui para reforçar a relação de sentido e desfazer o efeito de incoerência temática produzido inicialmente. A fábula está sendo usada para produzir um efeito retórico e ilustrar o comportamento inapropriado e sorrateiro da família presidencial. Esse imbricamento do comportamento da raposa da fábula e o comportamento do deputado produz um efeito retórico que reforça a relação entre a fábula e o comportamento da família Bolsonaro, relação essa inicialmente abordada de maneira justaposta.
	Na sequência do texto, tem-se uma intertextualidade explícita onde é retomada a fala do atual presidente, na qual o autor do texto aponta uma incoerência semântica:
Jair Bolsonaro, ao censurar o filho em nome da liturgia do cargo, [cometeu um interessante ato falho], embora lamentando a atitude do seu menino de 35 anos, o mesmo que pretendia ser embaixador do Brasil nos Estados Unidos, país onde havia fritado hambúrguer, o que lhe parecia uma boa credencial para o cargo. Disse o contrariado Jair Bolsonaro: “Quem quer que seja que fale em AI-5 tá falando... tá sonhando. Tá sonhando! Tá sonhando!” [AI-5 é sonho? Não é pesadelo?]
	A incoerência semântica, segundo o autor, se manifesta na relação na ambiguidade da palavra “sonho”, que pode significar: 1) um desejo a ser realizado; 2) imagens produzidas pela mente durante o sono. Para o autor, a instauração de um novo AI-5 não poderia ser um desejo a ser realizado e, caso fosse uma imagem produzida durante o sono, só poderia ser um pesadelo, porque algo que priva os indivíduos de seus direitos civis não pode ser considerado algo bom. O autor associa essa incoerência a uma questão psicanalítica, ao fazer menção à noção de ato falho.
	Na continuidade do texto, outra incoerência semântica é apontada: 
Eduardo deve se confundir: [se o pai ensina que não houve ditadura, qual o problema de defender a volta do AI-5, pilar da ditadura que não teria existido?] Apologia da ditadura é feio. A raposinha das frases infelizes terá de sofrer um castigo para aprender a esconder o rabo. Outra raposinha, chamada de 02 pelo pai, publica vídeos que deixam o rabo de fora e depois apaga. Outro dia, as raposas chamaram o STF de hiena. Fingiram-se de pedra. O rabo ficou sacudindo. O pai desculpou-se. [Uma raposa incomoda muita gente: 01, 02 e 03 incomodam muito mais].
Trata-se também de uma incoerência semântica, pois trata-se de uma contradição entre o fato de o presidente afirmar que não houve ditadura e, no entanto, defender o retorno que uma imposição que resultou na cassação mandatos políticos e suspensão de garantias constitucionais. Nesse mesmo trecho, há um outro caso de détournement: o enunciado [Uma raposa incomoda muita gente: 01, 02 e 03 incomodam muito mais] retoma o enunciado original [Um elefante incomoda muita gente. Três elefantes incomodam, incomodam, incomodam muito mais]. Trata-se de uma cantiga de roda comumente conhecida entre as crianças onde os números de elefantes indicam a quantidade de vezes que se deve repetir o verbo “incomodam”. No caso do texto analisado, há um deslocamento/substituição,onde 01, 02 e 03 não indicam a quantidade de elefantes, mas fazem alusão aos três filhos do presidente que ocupam cargos públicos e são referidos pelo próprio pai como 01, 02, 03. 
1) [Um elefante] incomoda muita gente. [Três elefantes] incomodam, incomodam, incomodam muito mais.
2) [Uma raposa] incomoda muita gente: [01, 02 e 03] incomodam muito mais.
O texto vai então se encaminhando para o final e reforça a relação conflituosa que se instalou entre a família Bolsonaro e alguns grandes veículos midiáticos. Novamente é apontada uma incoerência semântica no texto:
Globo diz que [a voz do porteiro] no áudio divulgado por Carlos Bolsonaro para desmentir reportagem [não é a do porteiro] que disse ter ouvido Seu Jair autorizar a entrada no condomínio daquele que se tornaria um dos suspeitos de matar Marielle Franco.
	Essa contradição apontada pelo autor do texto coloca em dúvida a tentativa de justificar o não envolvimento da família presidencial e o assassinato de Marielle Franco.
O texto encerra com dois questionamentos: Cadê o Queiroz? Cadê o porteiro? Queiroz é um referente textual que em nenhum momento havia sido mencionado no texto e, para que o leitor possa entender a pertinência da pergunta, é necessário ativar um conhecimento enciclopédico e ativar uma memória. Fabrício Queiroz ficou conhecido a partir de uma crise política deflagrada a partir de 6 de dezembro de 2018, data em que o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) divulgou relatório apontando movimentações atípicas no valor de R$1.236.838,00 entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017 em uma conta bancária de titularidade de Fabrício José Carlos Queiroz, policial militar e ex-assessor parlamentar de Flávio Bolsonaro, filho do Presidente Jair Bolsonaro, senador do Rio de Janeiro e então deputado estadual. Na época das movimentações, Queiroz exercia as funções de motorista e segurança do político. Queiroz foi intimado pelo Ministério Público a prestar esclarecimentos sobre as movimentações financeiras atípicas. Jamais compareceu para depor e limitou-se a dar uma entrevista para a emissora de televisão Record. Depois disso, Queiroz não foi mais encontrado pela mídia. O desaparecimento de Queiroz instigou a repetição dos enunciados “Cadê o Queiroz?”, “E o Queiroz?, “Onde está o Queiroz?”, constantemente reiterado por aqueles se recusavam a deixá-lo cair no esquecimento.
Considerações finais:
Trata-se de um texto que traz um nível alto de informatividade e também exige do leitor a ativação de uma série de conhecimentos prévios para atribuição de sentido. Um leitor que não esteja acompanhando os escândalos que têm envolvido o presidente e sua família não conseguiria processar tanta informação. A intencionalidade do texto volta-se a uma crítica à conduta do presidente e de seus filhos enquanto ocupantes eleitos de cargos públicos. São acusações muito graves e o presidente e sua família tentam (fracassadamente) dissimular a sua simpatia com um regime ditatorial. O autor usa diferentes recursos para expressar sua ironia em relação à família presidencial. Tendo em vista que aborda um tema polêmico, o texto pode ter diferentes níveis de aceitabilidade: aqueles que são favoráveis ao atual governo, podem se mostrar pouco receptivos a esse texto. Já aqueles que não apoiam o atual governo podem apresentar um maior grau de aceitabilidade. A situacionalidade diz respeito à adequação do texto à situação comunicativa. Nesse caso, o texto foi publicado na semana em que a família presidencial destacou-se, mais uma vez, por declarações polêmicas. O texto aborda duas dessas polêmicas mais recentes, aponta as inúmeras contradições e ainda coloca questões que não foram respondidas. O texto apresenta relações de intertextualidade de forma explícita e de forma implícita, fator que contribui de forma significativa para a argumentação do texto. Além disso, também apresenta intertextualidade intergenérica quando traz o gênero fábula na introdução da crônica. A intertextualidade também é explorada por meio de détournement, isto é, enunciados proverbiais mais ou menos cristalizados pela memória coletiva sobre os quais se opera algumas substituições. O texto apresenta coerência e as incoerências que foram mencionadas na análise dizem respeito ao intertexto. No plano da coesão, o texto apresenta adequação dos recursos coesivos, os quais não foram priorizados nessa análise.
Referências bibliográficas:
KOCH, I. V.; ELIAS, V. M. Ler e compreender: os sentidos do texto. 3ª ed. São Paulo: Contexto, 2010.
______. Introdução à linguística textual: trajetórias e grandes temas. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
______; BENTES, A. C.; CAVALVANTE, M. M. Intertextualidade: diálogos possíveis. São Paulo: Cortez, 2007.
COSTA VAL, M. da G. Redação e textualidade. São Paulo: Martins Fontes, 1991.

Continue navegando