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Autores: Prof. Flávio Buratti Gonçalves Profa. Sandra Heloisa Nunes Messias Colaboradora: Laura Cristina da Cruz Dominciano Fisiopatologia e Anatomia Patológica Professores conteudistas: Flávio Buratti Gonçalves / Sandra Heloisa Nunes Messias Flávio Buratti Gonçalves Biomédico graduado pela Universidade de Mogi das Cruzes (1996), especialista em diagnóstico laboratorial de doenças tropicais pela FMUSP, especialista em acupuntura tradicional chinesa, mestre em Saúde Pública pela Faculdade de Saúde Pública da USP (2000) e doutor em Patologia Ambiental e Experimental pela Universidade Paulista – UNIP (2017). Possui habilitações nas áreas de análises clínicas, microbiologia, imunologia, parasitologia, saúde pública e acupuntura. Atualmente é coordenador do curso de Biomedicina na modalidade semipresencial e docente da UNIP, nas áreas de microbiologia, imunologia, parasitologia e bioquímica. Suas linhas de pesquisa são patologia ambiental e experimental (neuroimunopatologia), microbiologia e imunologia. É um membro do Banco de Avaliadores (BASis) do Inep. Sandra Heloisa Nunes Messias Biomédica graduada pela Escola Paulista de Medicina, mestre em Farmacologia pela Universidade Federal de São Paulo e doutora em Patologia Ambiental e Experimental da Universidade Paulista (UNIP), professora titular de Farmacologia e, atualmente, é coordenadora geral do curso de Biomedicina da UNIP, sendo também professora de cursos da área de saúde da UNIP. A linha de pesquisa em que atua prende-se aos aspectos da neuroimunomodulação e toxicologia. É conselheira honorária do CFBM-CRBM, membro do comitê de ética de pesquisa em animais da UNIP e do Banco de avaliadores (BASis) do Inep. Faz parte do corpo editorial da Journal of the Health Sciences Institute (Revista do Instituto de Ciências da Saúde) (UNIP) e é delegada do Conselho Regional de Biomedicina (CRBM-1) na região de Descalvado – São Carlos. © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) G635f Gonçalves, Flávio Buratti. Fisiopatologia e Anatomia Patológica / Flávio Buratti Gonçalves, Sandra Heloisa Nunes Messias. São Paulo: Editora Sol, 2020. 260 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230. 1. Processo inflamatório. 2. Patologia. 3. Neoplasia. I. Messias, Sandra Heloisa Nunes. II. Título. CDU 616-092 U505.75 – 20 Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades Universitárias Prof. Dr. Yugo Okida Vice-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Graduação Unip Interativa – EaD Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcello Vannini Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático – EaD Comissão editorial: Dra. Angélica L. Carlini (UNIP) Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT) Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Kleber Nascimento Lucas Ricardi Sumário Fisiopatologia e Anatomia Patológica APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................9 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................9 Unidade I 1 INTRODUÇÃO AO ESTUDO DA PATOLOGIA GERAL............................................................................. 11 1.1 Homeostase e saúde ........................................................................................................................... 11 1.2 Histórias da patologia ........................................................................................................................ 12 1.3 Patologia e fisiopatologia: conceitos ........................................................................................... 14 1.4 Agentes causadores de doença: estresse e estímulos nocivos .......................................... 15 1.4.1 Agentes biológicos ................................................................................................................................. 17 1.4.2 Agentes físicos ......................................................................................................................................... 18 1.4.3 Agentes químicos ................................................................................................................................... 22 1.4.4 Herança genética .................................................................................................................................... 23 1.4.5 Lesões por desequilíbrios nutricionais ........................................................................................... 23 2 DISTÚRBIOS DO CRESCIMENTO, PROLIFERAÇÃO E DIFERENCIAÇÃO CELULAR ..................... 24 2.1 Adaptações celulares .......................................................................................................................... 25 3 LESÃO E MORTE CELULAR............................................................................................................................ 37 3.1 Agressão ................................................................................................................................................... 37 3.2 Defesa ....................................................................................................................................................... 37 3.3 Adaptação ............................................................................................................................................... 38 3.4 Lesão celular ........................................................................................................................................... 38 3.4.1 Classificação e mecanismos das lesões celulares ...................................................................... 38 3.5 Degenerações ......................................................................................................................................... 42 3.6 Morte celular .......................................................................................................................................... 51 3.6.1 Apoptose (morte celular programada) ........................................................................................... 51 3.6.2 Necrose ....................................................................................................................................................... 53 3.7 Evolução e regeneração ..................................................................................................................... 59 3.8 Necrose versus apoptose ................................................................................................................... 60 3.9 Pigmentações patológicas ................................................................................................................ 61 3.9.1 Pigmentações endógenas .................................................................................................................... 62 3.9.2 Pigmentos exógenos ............................................................................................................................. 64 4 PROCESSO INFLAMATÓRIO E REPARAÇÃO TECIDUAL ...................................................................... 66 4.1 Inflamação: aspectos gerais............................................................................................................. 66 4.2 Inflamação aguda ................................................................................................................................ 69 4.2.1 Quimiotaxia ............................................................................................................................................... 71 4.2.2 Ativação de leucócitos e fagocitose ............................................................................................... 71 4.2.3 Células envolvidas no processo inflamatório .............................................................................. 73 4.2.4 O processo inflamatório ....................................................................................................................... 78 4.3 Inflamação crônica .............................................................................................................................. 81 4.3.1 Inflamação crônica inespecífica e inflamação granulomatosa ........................................... 81 4.4 Mecanismos de reparação e regeneração tecidual ................................................................ 82 4.4.1 Cicatrização ............................................................................................................................................... 84 4.4.2 Cicatrização por primeira ou segunda intenção ........................................................................ 86 4.4.3 Cicatrização hipertrófica e queloide ............................................................................................... 88 4.4.4 Fatores que afetam a cura das feridas ........................................................................................... 88 Unidade II 5 INTRODUÇÃO À PATOLOGIA ESPECIAL ................................................................................................... 95 5.1 Distúrbios circulatórios ...................................................................................................................... 95 5.1.1 Edema .......................................................................................................................................................... 95 5.1.2 Hiperemia e congestão ......................................................................................................................... 99 5.1.3 Trombose ..................................................................................................................................................101 5.1.4 Embolia .....................................................................................................................................................107 5.1.5 Hemorragia ...............................................................................................................................................111 5.1.6 Hipertensão .............................................................................................................................................113 5.1.7 Infarto ........................................................................................................................................................113 5.1.8 Insuficiência cardíaca .......................................................................................................................... 115 5.1.9 Endocardite, miocardite e pericardite .......................................................................................... 116 5.1.10 Choque circulatório ........................................................................................................................... 119 5.1.11 Doença arterial coronariana e doença arterial oclusiva .................................................... 123 5.2 Distúrbios da função respiratória ................................................................................................124 5.2.1 Asbestose ................................................................................................................................................. 124 5.2.2 Asma ......................................................................................................................................................... 125 5.2.3 Bronquite aguda e crônica .............................................................................................................. 127 5.2.4 Derrame pleural .................................................................................................................................... 128 5.2.5 Doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) .......................................................................... 129 5.2.6 Enfisema .................................................................................................................................................. 130 5.2.7 Fibrose cística ........................................................................................................................................ 132 5.2.8 Insuficiência respiratória aguda (IRA) ......................................................................................... 133 5.2.9 Pleurisia e pneumotórax ................................................................................................................... 133 5.2.10 Pneumonias ......................................................................................................................................... 136 5.3 Distúrbios do sistema renal: urinário .........................................................................................138 5.3.1 Cálculos renais ...................................................................................................................................... 139 5.3.2 Glomerulonefrite ................................................................................................................................. 140 5.3.3 Insuficiência renal aguda (IRA) e insuficiência renal crônica (IRC) ................................. 140 5.3.4 Pielonefrite ............................................................................................................................................. 142 5.3.5 Síndrome nefrótica ............................................................................................................................. 143 5.3.6 Infecção do trato urinário (ITU) ..................................................................................................... 143 5.3.7 Distúrbios de desequilíbrios hídrico e eletrolítico .................................................................. 144 5.4 Distúrbios do sistema digestório ..................................................................................................147 5.4.1 Distúrbios do esôfago ........................................................................................................................ 148 5.4.2 Distúrbios do estômago .................................................................................................................... 152 5.4.3 Patologias do intestino delgado e do cólon ............................................................................. 155 5.4.4 Patologias do fígado, vias biliares e pâncreas .......................................................................... 157 5.5 Distúrbios do sistema endócrino .................................................................................................168 5.5.1 Patologias da hipófise, tireoide e paratireoide ........................................................................ 168 5.5.2 Patologias do pâncreas endócrino .................................................................................................171 5.5.3 Patologias das glândulas suprarrenais ........................................................................................ 172 5.6 Distúrbios do sistema nervoso ......................................................................................................1725.6.1 Doenças neurodegenerativas .......................................................................................................... 175 5.6.2 Encefalopatias espongiformes transmissíveis (EET) ............................................................... 178 5.6.3 Acidente vascular cerebral (AVC) ................................................................................................... 179 5.6.4 Transtornos mentais ........................................................................................................................... 180 5.6.5 Transtornos ansiosos, somatoformes e dissociativos .............................................................181 6 IMUNOPATOLOGIA: HIPERSENSIBILIDADE ..........................................................................................184 6.1 Reações de hipersensibilidade ......................................................................................................184 Unidade III 7 NEOPLASIAS: ASPECTOS GERAIS E EPIDEMIOLÓGICOS .................................................................198 7.1 Proliferação celular ............................................................................................................................200 7.2 Diferenciação celular ........................................................................................................................200 7.3 Nomenclatura ......................................................................................................................................203 7.4 Neoplasias benignas ..........................................................................................................................204 7.5 Neoplasias malignas ..........................................................................................................................205 7.6 Invasão e metástase ..........................................................................................................................207 7.7 Vias de disseminação ........................................................................................................................208 7.8 Genética molecular do câncer ......................................................................................................210 7.9 Principais marcadores tumorais ...................................................................................................211 7.10 Graduação e estadiamento de cânceres .................................................................................213 7.11 Principais neoplasias .......................................................................................................................214 8 ANATOMIA PATOLÓGICA ............................................................................................................................223 8.1 Conceitos gerais ..................................................................................................................................223 8.2 Alterações anatomopatológicas: apresentação de casos ..................................................227 9 APRESENTAÇÃO Objetivamos com este livro-texto apresentar os principais tópicos que norteiam a patologia geral, a patologia específica, bem como os conceitos fundamentais da anatomia patológica. Através do estudo dos processos patológicos básicos será possível compreender os elementos celulares e todos os processos fisiológicos os quais regulam as funções normais dos nossos órgãos, tecidos e sistemas a fim de manter a homeostase no nosso organismo. Uma vez que nos apropriarmos desses conhecimentos, será possível reconhecer os principais processos patológicos. Enfatizamos, portanto, nesse sentido, os aspectos comuns a diferentes doenças no que se refere às suas causas, a seus mecanismos patogênicos, às lesões estruturais (microscópicas e macroscópicas) e às alterações da função que envolvem com base ao entendimento. Para sua melhor compreensão, abordamos inicialmente os processos básicos com maior ênfase aos processos de adaptações celulares e inflamação, bem como os mecanismos de reparação tecidual; além das pigmentações patológicas. Na sequência, tratamos os principais processos patológicos envolvendo os diferentes sistemas orgânicos, como sistemas circulatório, respiratório, renal, digestório, endócrino e nervoso, imunopatologia e reações de hipersensibilidade. Por fim, e não menos importante, discutimos os aspectos elementares que estão incluídos na gênese das neoplasias essenciais e os conceitos gerais da anatomia patológica com imagens exemplificando as alterações macroscópicas perceptíveis no exame anatomopatológico. INTRODUÇÃO Neste livro-texto estudaremos os principais processos fisiológicos e seu desequilíbrio, sendo, portanto, a fisiopatologia o objeto de estudo. A fisiopatologia é entendida como um processo fisiológico desordenado que causa, resulta ou está associada a uma doença ou lesão. Patologia é a disciplina médica que descreve condições normalmente observadas durante um estado de doença, enquanto fisiologia é a disciplina biológica que retrata processos ou mecanismos que operam dentro de um organismo. A patologia descreve a condição anormal ou indesejada, enquanto a fisiopatologia procura explicar as alterações funcionais que estão ocorrendo dentro de um indivíduo devido a uma doença ou estado patológico. Este material destina-se a servir como instrumento da aprendizagem para os estudantes no estudo da fisiopatologia e da anatomia patológica, buscando ser atrativo e didático. Os conteúdos selecionados buscam atender de forma objetiva, clara e concisa os conceitos mais relevantes da patologia geral, da patologia específica e da anatomia patológica. Com este aprendizado, o aluno adquirirá as habilidades e competências necessárias à formação do biomédico, estando apto a reconhecer as alterações do estado de saúde, reconhecerá e interpretará a evolução das doenças e elaborará um plano preventivo, além de propostas terapêuticas. Bons estudos! 11 FISIOPATOLOGIA E ANATOMIA PATOLÓGICA Unidade I 1 INTRODUÇÃO AO ESTUDO DA PATOLOGIA GERAL 1.1 Homeostase e saúde Para que seja possível o entendimento dos seus processos fisiopatológicos, é de fundamental importância que revisemos os conceitos básicos da fisiologia de forma a melhor compreender o pleno e normal funcionamento do organismo. A célula normal está condicionada a manter-se em uma faixa razoavelmente estreita de função e estrutura por seu estado de metabolismo, diferenciação e especialização; por limitações das células vizinhas; e pela disponibilidade de substratos metabólicos. Porém, vale ressaltar que ela é capaz de sustentar as demandas fisiológicas, mantendo um estado normal chamado de homeostasia. Neste sentido, cada célula que constitui nosso organismo está diretamente envolvida na manutenção de um estado dinâmico de equilíbrio que denominamos homeostase. Qualquer alteração ou lesão, por menor que seja eventualmente, pode comprometer o organismo como um todo. A manutenção da homeostase é de certa forma uma responsabilidade integrada de três estruturas cerebrais importantes: a medula oblonga, que corresponde à parte do tronco cerebral ligada à conservação das funções vitais, como respiração, circulação, entre outras; a hipófise, a qual regula a função de outras glândulas, estando diretamente associada ao crescimento, maturação e reprodução de um indivíduo; e o sistema reticular, o qual se configura como uma intrincada rede de núcleos e fibras provenientes de células nervosas no tronco cerebral e na medula espinal, diretamente associado ao controle dos reflexos vitais, como ocorre, por exemplo, na função cardiovascular por dois. A homeostase é sustentada por mecanismos de autorregulação que também são retroestimulados, conhecidos como: • Retroestimulação positiva: responsável por ampliar a alteração sistêmica, tirando o sistema da homeostase. Um exemplo clássico para melhor entendimento ocorre quando ocoração bombeia sangue com maior velocidade e mais força em uma situação de choque. Em situações de choque, em caso de evolução, a ação do coração pode demandar mais oxigênio do que o que normalmente encontra-se disponível, e isso pode acarretar uma insuficiência cardíaca. • Retroestimulação negativa: o processo restaura a homeostase corrigindo deficiências pelo entendimento das alterações no organismo. Pode-se exemplificar tomando como base as alterações provocadas pela elevação da glicose. Nesse caso, desencadeia-se o aumento na produção de insulina pelo pâncreas, ocasionando uma redução dos níveis de glicose aos patamares normais e restaurando o equilíbrio. 12 Unidade I Cada mecanismo de retroestimulação, independentemente se positivo ou negativo, apresenta três componentes básicos: um sensor responsável por detectar as mudanças na homeostase, normalmente expressa por alterações dos impulsos nervosos ou de níveis hormonais; um centro de controle no sistema nervoso central (SNC), o qual recebe sinais advindos do sensor e regula a resposta do organismo frente às mudanças, dando início ao mecanismo de execução, o qual é diretamente responsável por restabelecer a homeostase. O Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos EUA, no documento Healthy People 2020 (CENTERS FOR DISEASE…, 2019), descreve as condições de saúde como: • Alcançar uma vida livre de doença, incapacidade, lesões e morte prematura passíveis de prevenção. • Atingir a equidade em saúde e eliminar as disparidades. • Promover a boa saúde para todos. • Possuir comportamentos saudáveis por toda a vida. O desenvolvimento de uma doença é denominado de patogênese, e a menos que ela seja identificada e tratada com brevidade e eficiência, a maioria delas evolui de forma sintomática bastante conhecida. Algumas são autolimitadas, o que determina uma evolução rápida com a necessidade de pouca ou nenhuma intervenção, outras podem ser crônicas e acabam por estabelecer longos períodos de eventuais manifestações sintomáticas, conhecidas como remissões e/ou exacerbações. Observação Em 1948, o preâmbulo da Constituição da Organização Mundial da Saúde (OMS) definiu saúde como um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não exclusivamente como a ausência de doenças e enfermidades. 1.2 Histórias da patologia Entre tantos pesquisadores que contribuíram para o crescimento da patologia, destaca-se o alemão Rudolf Ludwig Karl Virchow (1821-1902). 13 FISIOPATOLOGIA E ANATOMIA PATOLÓGICA Figura 1 As suas contribuições científicas serviram de base para a integração dos métodos experimentais mais avançados da época. Virchow colocou a patologia no centro da prática da medicina, o que lhe valeu o reconhecimento como fundador da patologia científica moderna. Em 1858, publicou a sua obra principal, A patologia celular, baseada em histologia, fisiologia e patologia. Nela apresentou a teoria celular, em clara oposição às teorias anteriores à sua, que defendiam que o nível básico de manifestação das doenças era o dos tecidos. Segundo ele, as doenças são causadas pela alteração das células do corpo, que constituem as unidades vitais das funções biológicas e da morfologia. No seu conceito de patologia, integrou descobertas e métodos da histologia e da fisiologia, para isso o uso do microscópio foi primordial. A partir dos seus achados, a atividade dos patologistas adquiriu grande relevância no campo da medicina, colocando em destaque o valor dos resultados das análises histológicas e citológicas para o diagnóstico das doenças e o desenvolvimento da atividade clínica. Virchow ainda contribuiu na identificação das células cancerosas da leucemia e no estudo sobre circulação e coagulação sanguínea; cunhou o termo trombose e descreveu o fenômeno da embolia. Em 1856, assumiu a cadeira de anatomia patológica na Universidade de Berlim. Durante a Guerra Franco-Prussiana, liderou o primeiro hospital móvel para atender os soldados no front. Preocupado com os aspetos sociais da medicina e da higiene, participou na fundação de vários hospitais e defendeu a necessidade de sistemas de esgotos para a eliminação das águas residuais das grandes cidades. Em 1847, com seu colega Benno Reinhardt, criou sua própria revista médica, hoje conhecida como Virchow’s Archiv. Ela aceitava apenas trabalhos originais, era diferente da maioria das outras revistas científicas, focadas em um público especializado. Sua revista era para todos, incluindo leigos, pois acreditava que “’não adianta mostrar os avanços científicos apenas na forma de teses. É preciso tornar o 14 Unidade I conhecimento acessível. A ciência avança a passos rápidos, e a imprensa precisa se adequar a isso’. Nada mais atual, ouso afirmar” (GUARISCHI, 2019). Tendo em vista uma vida dedicada à ciência, sem nunca negligenciar as causas sociais, podemos afirmar que Virchow foi um homem comprometido com o seu tempo. 1.3 Patologia e fisiopatologia: conceitos O termo patologia é derivado do grego pathos, que significa doença, sofrimento e logos, que quer dizer estudo. A patologia estuda as causas das doenças, os mecanismos que as produzem, os locais onde ocorrem e as alterações moleculares, morfológicas e funcionais que elas apresentam. Também fornece bases para compreender fatores essenciais das enfermidades, como manifestações clínicas, diagnóstico, prevenção, tratamento, evolução e prognóstico. Os quatro aspectos de um processo de doença que formam o cerne da patologia são: sua causa (etiologia), os mecanismos do seu desenvolvimento (patogenia), as alterações bioquímicas e estruturais induzidas nas células e órgãos do corpo (alterações moleculares e morfológicas) e as consequências funcionais dessas mudanças (manifestações clínicas). Veremos a seguir detalhadamente como ocorrem: • Etiologia ou causa: a ideia de que as doenças eram causadas é extremamente antiga, datando desde 2.500 a.C. Através de relatos históricos antigos, percebe-se que se alguém adoecesse, a culpa era do próprio paciente (por ter pecado) ou por obra de agentes externos, como maus odores, frio, maus espíritos ou deuses. Posteriormente, surgem duas principais classes de fatores etiológicos, sendo estes os de origem genética (por exemplo, mutações herdadas e doenças associadas com variantes genéticas, ou polimorfismo) e adquiridos (por exemplo, por meios infecciosos, nutricionais, químicos ou físicos). O conceito de que um agente etiológico seja a causa de uma doença, desenvolvido a partir do estudo de infecções e distúrbios monogênicos, não é aplicável à maioria das doenças. Sabe-se que muitos dos problemas atuais em termos de saúde pública, os quais afetam grande parte da população, são multifatoriais e surgem dos efeitos de vários estímulos a um indivíduo suscetível. • Patogenia: a patogenia refere-se à sequência de eventos na resposta das células ou tecidos ao agente etiológico, partindo da compreensão do estímulo inicial à forma como se apresenta no final da doença. Mesmo nas situações em que causa inicial de uma doença é conhecida, como nos casos de infecção, por exemplo, o estudo da patogenia continua a ser um dos principais domínios da patologia, inclusive se destacando também os eventos bioquímicos e morfológicos eventualmente associados. As novas tecnologias vêm apresentando possibilidades de novas abordagens, sobretudo em relação a aspectos terapêuticos, e por estas razões, o estudo da patogenia nunca foi tão desafiador e estimulante aos profissionais da área da saúde. • Alterações moleculares e morfológicas: referem-se às alterações estruturais nas células ou tecidos que são características de uma doença e que favorecem o diagnóstico de um processo sobre aspectos etiológicos. Nesse sentido, a utilização da patologia diagnóstica revela a identificação dos fatores causais, ou seja, da natureza do processo e de sua progressão; para tal, a patologia 15 FISIOPATOLOGIA E ANATOMIA PATOLÓGICA diagnóstica utiliza o estudo das alterações morfológicasnos tecidos e alterações químicas nos pacientes. Mais recentemente, as limitações da morfologia em diagnosticar doenças tornaram-se incrivelmente evidentes e o campo da patologia diagnóstica expandiu-se a fim de cercar as abordagens imunológicas e moleculares para a análise do estado da doença. • Manifestações clínicas: as alterações e/ou anormalidades funcionais são o resultado final das mudanças genéticas, bioquímicas e estruturais nas células e tecidos, os quais acabam por gerar as manifestações clínicas (sinais e sintomas) da doença, bem como a sua progressão (curso clínico e consequência). De forma geral, as doenças iniciam-se com transformações moleculares ou estruturais nas células, um conceito formulado, primeiramente, no século XIX, por Rudolf Virchow. Como já dito, as doenças têm causas que atuam por mecanismos variados, os quais produzem alterações moleculares e/ou morfológicas nos tecidos, resultando em alterações funcionais no organismo ou em parte dele, produzindo manifestações subjetivas (sintomas) ou objetivas (sinais). A patologia cuida dos aspectos de etiologia (estudo das causas), patogênese (estudo dos mecanismos), anatomia patológica (estudo das alterações morfológicas dos tecidos que, em conjunto, recebem o nome de lesões), fisiopatologia (estudo das alterações mudanças de órgãos e sistemas afetados), semiologia (estudo dos sinais e sintomas das doenças). Todas essas áreas objetivam de forma conjunta estabelecer o diagnóstico (propedêutica) a partir do qual se estabelecem o prognóstico, o tratamento e a prevenção da doença. A patologia, para ser mais bem compreendida e estudada, pode ser dividida em dois grupos ou temáticas denominadas patologia geral e patologia especial. A patologia geral estuda os aspectos comuns às várias doenças em relação às suas causas, à patogênese, às lesões estruturais e alterações funcionais, já a patologia especial, também conhecida como sistêmica, analisa as doenças de determinado órgão ou sistema (por exemplo, sistema respiratório, cavidade oral), ou estuda as doenças agrupadas por suas causas (doenças infecciosas, doenças causadas por radiações etc.). 1.4 Agentes causadores de doença: estresse e estímulos nocivos Os agentes responsáveis pelo aparecimento de doença são conhecidos como fatores ou agentes etiológicos. Entre eles, estão os biológicos (por exemplo, bactérias e vírus), os físicos (por exemplo, traumatismo, queimaduras, radiação), os agentes químicos (por exemplo, pesticidas e nicotina), a herança genética (por exemplo, síndromes cromossômicas) e os excessos ou déficits nutricionais (por exemplo, obesidade e avitaminose). A maioria dos agentes etiológicos é inespecífica, e muitos agentes diferentes podem causar uma doença em um mesmo órgão. Por outro lado, um único agente ou trauma é capaz de desenvolver uma doença em diversos órgãos ou sistemas. Por exemplo, na fibrose cística, um único aminoácido produz uma doença generalizada. Embora um agente patológico possa afetar mais de um órgão isoladamente e distintos agentes patológicos possam afetar o mesmo órgão, a maioria das doenças não tem uma única causa. Muitas delas têm origem multifatorial, ou seja, várias causas. Podemos citar o câncer e as doenças cardíacas. Os diversos fatores que predispõem a uma doença são chamados de fatores de risco. 16 Unidade I Em geral, as doenças evoluem por meio de inúmeros estágios: • Exposição ou lesão: o tecido denominado de alvo é exposto ao agente causal ou lesado. • Latência ou período de incubação: o indivíduo não manifesta sinais e/ou sintomas da doença. • Período prodrômico: surgem os primeiros sinais e sintomas, no entanto, em sua maioria, são inespecíficos e não permitem uma clara identificação do agente causal. • Fase aguda: normalmente apresentam-se sinais e sintomas em sua forma mais expressiva, podendo inclusive acarretar complicações. Pode ser denominada de forma aguda subclínica se o paciente continuar a se comportar como se a doença ainda não estivesse instalada. • Remissão: uma nova e eventual fase de latência que deverá ser seguida por outra fase aguda. Remissões acontecem muitas vezes por falha no processo terapêutico, trazendo por vezes situações de maior agravamento quando comparadas à fase aguda inicial. • Convalescença: o paciente apresenta sinais compatíveis com indivíduo em processo de recuperação. O objetivo é que ao término dessa etapa, o paciente esteja completamente recuperado e apto a restabelecer suas atividades normais. • Recuperação: o paciente encontra-se completamente recuperado, em plena capacidade funcional, sem a presença de sinais e/ou sequelas do processo de doença ocorrido. Quando um fator de estresse ocorre, a exemplo das situações de mudança de vida, como término de um relacionamento, perda de um emprego ou até mesmo algo positivo, como nascimento de um filho, o indivíduo busca formas de se adaptar de maneira adequada a essas mudanças, e a incapacidade de adaptação pode resultar em estresse. A dificuldade de uma pessoa motivada por esse sentimento pode desencadear ou agravar uma doença ou condição. O quadro a seguir apresenta algumas condições por vezes consideradas bastantes comuns associadas ao estresse. Quadro 1 – Condições favoráveis ao estresse Alterações menstruais Erupções cutâneas Angina Etilismo Ansiedade e ataques de pânico Fraqueza ou espasmo muscular Cefaleias (enxaquecas ou do tipo tensional) Hipertensão Depressão Insônia Desmaio Palpitações cardíacas Disfunção sexual (impotência) Síndrome do intestino irritável Distúrbios alimentares (bulimia, anorexia, entre outros) Úlcera péptica 17 FISIOPATOLOGIA E ANATOMIA PATOLÓGICA Hans Selye, grande pesquisador sobre estresse e doença, define alguns estágios presentes na adaptação frente a um evento estressante. São eles: alarme, resistência e recuperação ou exaustão. Na situação de alarme, o corpo detecta o agente ou a situação estressante e acaba por acionar o SNC à liberação de substâncias químicas para o que conhecemos como resposta de luta e fuga. A liberação de epinefrina ocorre através da ação da medula simpática adrenal, e a dos glicocorticoides se dá pelo eixo hipotálamo-hipófise e adrenal. Tais sistemas atuam de forma integrada, auxiliando uma resposta mais adequada do corpo ao estresse. Tal evento é por muitos denominado liberação adrenérgica do pânico ou da agressão. No estágio de resistência, o corpo responde ao estresse e tenta se adaptar. Os mecanismos de cobertura são acionados, e se o corpo não conseguir se adequar, inicia-se o estado de exaustão. Os hormônios não são mais produzidos como o que ocorria no estado de alarme; em decorrência, ocorre lesão de órgãos e tecidos, acarretando o aparecimento dos sinais e sintomas das doenças. 1.4.1 Agentes biológicos Agentes biológicos incluem: vírus, bactérias, fungos, protozoários, helmintos e artrópodes. Todos eles podem invadir e/ou colonizar o organismo a fim de procurar condições ideais de abrigo e nutrição e acabam por, em inúmeros casos, produzir doenças, conhecidas em conjunto como doenças infecciosas. Um agente biológico pode gerar lesão por meio de inúmeros mecanismos, a saber: • Ação direta: por invasão de células que se multiplicam podendo ocasionar a morte e/ou a sua destruição. A presença de um microrganismo no interior de uma célula pode ser definida com efeito citopático e ocorrer associada à infecção celular por muitos microrganismos, especialmente vírus e alguns tipos de riquétsias, bactérias e protozoários. • Substâncias tóxicas (toxinas) liberadas pelo agente infeccioso: as exotoxinas de bactérias, de micoplasmas e de alguns protozoários. Pode-se citar como exemplos as toxinas produzidas pelas espécies de Clostridium spp, como Clostridium tetanii e Clostridium botulinum. Essas bactérias, por ação de suas toxinas, podem provocar respectivamente o tétano e o botulismo. • Toxinas endógenas ou endotoxinas: componentes estruturais ou substâncias armazenadas no interior do agente biológicoe liberados após sua morte e desintegração. • Antígenos/componentes do agente agressor: podem aderir à superfície celular ou de outras estruturas teciduais, tornando-se alvo da ação de anticorpos e da imunidade celular dirigida aos epítopos desses microrganismos. • Antígenos do microrganismo: podem ter epítopos semelhantes a moléculas dos tecidos; a resposta imunitária contra esses epítopos faz-se também contra componentes similares existentes nos tecidos (autoagressão), a exemplo do que pode vir a ocorrer após sucessivas infecções de repetição por Streptococcus pyogenes e o aparecimento posterior de febre reumática, glomerulonefrite de Bruton e endocardite estreptocócica, por similaridade antigênica entre a estreptolisina O e as proteínas do tecido cardíaco. 18 Unidade I • Integração ao genoma celular (por exemplo, vírus) e alterações na síntese proteica, o que pode levar a neoplasias: inúmeros vírus, por exemplo, apresentam o chamado potencial oncogênico, como o já conhecido papilomavírus humano (HPV), causador de inúmeros casos de neoplasia como de útero e ovário, e o vírus de Epstein-Barr, causador de linfomas como de Burkitt e carcinomas como o de nasofaringe. Todos esses mecanismos agem com maior ou menor intensidade de acordo com a constituição genética do organismo. Importantes também são as condições do organismo no momento da invasão pelo microrganismo (estado nutricional, lesões preexistentes etc.). 1.4.2 Agentes físicos Dependendo da intensidade e duração de sua ação, qualquer agente físico pode causar lesão. Entre os agentes físicos estão a força mecânica, as variações da pressão atmosférica, as variações de temperatura, a eletricidade, a radiação e as ondas sonoras (ruídos). Força mecânica A ação da força mecânica sobre o organismo produz vários tipos de lesões, denominadas lesões traumáticas (ou impropriamente chamadas de trauma mecânico, já que esse é o agente causal, e não a consequência). Essas são as feridas, cujas características seguem: • desprendimento ou remoção de células da epiderme; • laceração, separação de tecidos, por excessiva força de estiramento (laceração de tendões ou vísceras); • contusão na qual o impacto é transmitido através da pele aos tecidos subjacentes, levando à ruptura de pequenos vasos, com hemorragia e edema; • incisão ou corte, lesão produzida por ação de instrumentos cortantes; • perfuração produzida por instrumentos pontiagudos sobre os tecidos, sendo uma ferida mais profunda do que extensa; • fratura caracterizada por ruptura ou solução de continuidade de tecidos duros, como o ósseo e cartilaginoso. Variações de pressão atmosférica O organismo humano suporta melhor o aumento da pressão atmosférica que a sua diminuição. Veja a seguir. Síndrome de descompressão A doença por descompressão ou barotrauma é causada por uma diminuição rápida da pressão do meio circundante, ocorrendo algumas vezes em mergulhadores. Essa condição desenvolve-se devido à 19 FISIOPATOLOGIA E ANATOMIA PATOLÓGICA formação de bolhas de nitrogênio na corrente sanguínea e nos tecidos do corpo, normalmente, quando o mergulhador se desloca de águas profundas para a superfície em um curto espaço de tempo. Os sintomas da descompressão variam de acordo com a localização de formação das bolhas no corpo, sendo frequentes dores de cabeça ou vertigens, cansaço ou fadiga, erupções cutâneas, dor nas articulações, fraqueza muscular ou paralisia. Cerca de 50% dos mergulhadores com problemas de descompressão desenvolvem sintomas na primeira hora após o mergulho ou dentro das primeiras 24 horas. Em casos mais graves, podem desenvolver dificuldades respiratórias, choque ou perda de consciência. Efeitos de grandes altitudes A doença da altitude ocorre em indivíduos não adaptados que se deslocam para grandes altitudes. Até uma altura de 2.500 m, geralmente, não acontecem manifestações; entre 3.000 m e 4.000 m, as alterações são frequentes, mas pouco importantes; e acima de 4.000 m, podem aparecer modificações graves. À medida que a altitude aumenta, a pressão atmosférica diminui e menos moléculas de oxigênio encontram-se disponíveis no ar rarefeito. A diminuição do oxigênio disponível afeta o corpo de várias maneiras: a frequência e a profundidade da respiração aumentam, alterando o equilíbrio de gases nos pulmões e no sangue, elevando a alcalinidade do sangue e alterando a distribuição de sais, como o sódio e o potássio, nas células. Como consequência, a água é distribuída de modo diferente entre o sangue e os tecidos. Nas altitudes elevadas, o sangue contém menos oxigênio, produzindo coloração azulada na pele, nos lábios e nas unhas. Ao longo de alguns dias, o organismo produz mais hemácias, transportando então mais oxigênio aos tecidos. Muitas pessoas que vivem ao nível do mar, quando ascendem a uma altitude moderada (2.400 m), em um ou dois dias, apresentam falta de ar, aumento da frequência cardíaca e cansaço fácil. A maioria melhora em poucos dias. Variações de temperatura O organismo submetido a baixas temperaturas tenta se adaptar produzindo maior quantidade de calor. A adaptação é temporária, e, se não houver proteção adequada, a temperatura corporal começa a abaixar, instalando-se a hipotermia (considera-se hipotermia a temperatura corporal abaixo de 35 °C). Quando a temperatura cai, ocorre vasoconstrição periférica, palidez acentuada e redução progressiva da atividade metabólica de todos os órgãos, especialmente do encéfalo e da medula espinal. A causa de morte no resfriamento é, geralmente, falência cardiorrespiratória por inibição dos centros bulbares de controle da respiração e da circulação. A ação local do calor produz as queimaduras. O calor causa lesão por: • liberação de histamina pelos mastócitos, que produz vasodilatação e edema; • soltura de substância P das terminações nervosas aferentes; 20 Unidade I • ativação das calicreínas plasmática e tecidual, com liberação de bradicinina, que aumenta a vasodilatação e o edema; • lesão direta da parede vascular, que pode aumentar o edema, produzir hemorragia e levar à trombose de pequenos vasos, resultando em isquemia e necrose. Se o indivíduo é submetido a temperaturas elevadas (excesso de sol, proximidade de caldeiras), pode haver elevação progressiva da temperatura corporal, a hipertermia. Quando a temperatura corporal atinge ou ultrapassa 40 °C, ocorre vasodilatação periférica, abertura dos capilares e sequestro de grande quantidade de sangue na periferia, iniciando quadro de insuficiência circulatória periférica (choque térmico clássico). Radiações ionizantes As lesões causadas por radiações ionizantes em humanos decorrem de inalação ou ingestão de poeira ou alimentos que contenham partículas radioativas, o que ocorre em: • trabalhadores de minas, onde são abundantes os minerais radioativos, como o rádio; • exposição a radiações com fins terapêuticos ou diagnósticos; • contato acidental com radiações emanadas de artefatos nucleares, como reatores, aparelhos de radioterapia ou de radiodiagnóstico; • bombas nucleares. A radiação ionizante de uma forma dose-dependente pode causar mutação nas células e matá-las por múltiplas vias, incluindo morte celular por apoptose, necrose ou redistribuição de células para outros compartimentos. A radiação ionizante interage com alvos intracelulares produzindo radicais livres e causando uma ruptura no DNA. O dano tecidual é dependente da radiossensibilidade dos diferentes tecidos, com o efeito particularmente alto em espermatócitos nos testículos, linfócitos circulantes, células hematopoiéticas na medula óssea e células da cripta nos intestinos. O dano nas células é em grande parte dependente das doses de radiação. A ruptura do DNA geralmente é reparada por uma variedade de mecanismos. Esse reparo pode levar a pequenas mutações, enquanto falhas de cadeia dupla podem levar a translocações cromossômicas, inversões e fusões de telômeros. Embora elas sejam tipicamente lesões não letais,tais aberrações cromossômicas induzidas por radiação talvez sejam as lesões iniciais que podem ter efeito atrasado de carcinogênese. Efeitos da luz solar A luz solar contém amplo espectro de radiações. A radiação infravermelha produz calor, sendo responsável em parte por queimaduras solares. As radiações ultravioletas são potencialmente mais lesivas. 21 FISIOPATOLOGIA E ANATOMIA PATOLÓGICA Os raios UV-C são absorvidos na camada de ozônio e não chegam à superfície da Terra (a proteção da camada de ozônio tem, pois, grande importância para as pessoas). Os raios UV-A e UV-B são os responsáveis pelas lesões provocadas pela luz solar, que podem ser agudas ou crônicas. Insolação e queimaduras são lesões agudas, caracterizadas por eritema, edema e formação de bolhas; em seguida, surgem descamação e hiperpigmentação. Os efeitos crônicos são mais relevantes. Os raios UV-B têm ação melanogênica, induzem pigmentação, são principais responsáveis por fenômenos de fotossensibilização, aceleram o envelhecimento e provocam lesões proliferativas, incluindo neoplasias. Reações de fotossensibilização são induzidas por substâncias que se depositam na pele e por absorverem raios UV, podem ser ativadas, originar radicais livres e ter efeitos tóxicos sobre células epidérmicas; podem surgir erupções, com coceira, área de vermelhidão e inflamação nas manchas de pele expostas ao sol. A luz pode provocar reações do sistema imunológico; determinadas doenças, como lúpus eritematoso sistêmico (LES), podem provocar reações cutâneas mais sérias se houver exposição à luz solar. Os raios UV-A causam degenerações dos ceratinócitos e alterações no seu DNA, o que pode provocar lesões proliferativas benignas ou malignas (carcinoma basocelular e melanomas). UV-A Provoca bronzeamento. Acumulação sobre um período de tempo pode levar a cataratas UV-B Causa queimaduras solares. Sobre-exposição aos raios UV-B pode causar danos à córnea UV-C Absorvido e bloqueado pela camada de ozônio antes de alcançar a Terra Figura 2 – Tipos de radiações ultravioletas e seus efeitos Saiba mais É possível saber mais sobre câncer de pele no site a seguir: INCA. Câncer de pele não melanoma. Brasília, 2018. Disponível em: https://www.inca.gov.br/tipos-de-cancer/cancer-de-pele-nao-melanoma. Acesso em: 28 jan. 2020. 22 Unidade I Som (ruído) Observações epidemiológicas indicam que uma pessoa submetida a ruídos intensos (no ambiente de trabalho, em casa, nas ruas) apresenta distúrbios de audição caracterizados por perda progressiva da capacidade de distinguir sons de frequência mais alta. Admite-se que ruídos muito altos induzam lesões nas células ciliadas do órgão de Corti, as quais são responsáveis pela acuidade auditiva. É notório que indivíduos idosos da zona rural tenham audição mais conservada do que os de grandes centros urbanos, onde o nível de ruídos é maior. Membrana tectorial Estereocílios Células ciliadas internas Células ciliadas externas Membrana basilar Célula de suporte Célula de Deiter Túnel Célula pilar Nervo Nervo auditivo Figura 3 – Estrutura do ouvido interno O ultrassom, gerado pela transformação de energia elétrica em ondas sonoras com frequência acima de 20.000 Hz, é muito utilizado no diagnóstico por imagens (ultrassonografia). Até o momento, não há relatos de efeitos deletérios decorrentes da ultrassonografia, inclusive na vida embrionária. 1.4.3 Agentes químicos Quer sejam substâncias tóxicas, quer sejam medicamentos, ambos podem provocar lesões a partir de dois mecanismos distintos: • Ação direta sobre células ou interstício: mediante transformações moleculares que resultam em degeneração ou morte celular, alterações do interstício ou modificações no genoma, induzindo à transformação maligna (efeito carcinogênico). Quando atuam na vida intrauterina, podem induzir a erros do desenvolvimento (efeito teratogênico). • Ação indireta: atuando como antígeno (o que é muito raro), induzindo à resposta imunitária humoral ou celular responsável pelo aparecimento de lesões. Quer seja um medicamento, quer seja uma substância tóxica, o efeito do agente químico depende de vários fatores, como dose, vias de penetração e absorção, transporte, armazenamento, metabolização e excreção; advém também de particularidades do indivíduo, como idade, gênero, estado de saúde, momento fisiológico e constituição genética. 23 FISIOPATOLOGIA E ANATOMIA PATOLÓGICA As substâncias químicas capazes de danificar as células estão no ar em toda parte no ambiente. A poluição do ar e da água contém substâncias capazes de lesar os tecidos, como o tabaco e outros alimentos. Algumas das substâncias mais prejudiciais existem em nosso ambiente, como o gás monóxido de carbono, inseticidas e metais pesados, por exemplo, o chumbo. Muitas drogas, como álcool, medicamentos e seus excessos e drogas ilícitas, são capazes de prejudicar os tecidos, direta ou indiretamente. O álcool etílico danifica a mucosa gástrica, o fígado, o feto em desenvolvimento e outros órgãos. As drogas antineoplásicas (anticâncer) e imunossupressoras podem danificar diretamente as células. Outras drogas produzem produtos finais metabólicos tóxicos às células. O acetaminofeno, droga analgésica bastante usada, é detoxificado no fígado, onde pequenas quantidades são convertidas em metabólitos altamente tóxicos. Esse metabólito é detoxificado por uma via metabólica que usa uma substância (por exemplo, glutationa) normalmente presente no fígado. Quando grande quantidade da droga é ingerida, essa via é superada e os metabólitos tóxicos acumulam-se, causando intensa necrose hepática. 1.4.4 Herança genética Herança genética ou biológica é processo pelo qual um organismo ou célula adquire ou torna-se predisposto a adquirir características semelhantes à do organismo ou célula que o gerou através de informações codificadas (código genético) transmitidas à descendência. A combinação entre os códigos genéticos dos progenitores (em espécies sexuadas) e erros (mutações) na transmissão deles são responsáveis pela variação biológica que, sob a ação da seleção natural, permite a evolução das espécies. A ciência que estuda a herança genética é a genética. As doenças genéticas são aquelas que envolvem alterações no material genético, ou seja, no DNA. Algumas delas podem possuir o caráter hereditário, sendo repassadas de pais para filhos. Entretanto, nem toda doença genética é hereditária. Um exemplo é o câncer, que é causado por alterações no material genético, mas não é transmitido aos descendentes. Existem três tipos de doenças genéticas: • Monogenéticas ou mendelianas: quando apenas um gene é modificado. • Multifatoriais ou poligênicas: quando mais de um gene é atingido e ocorre ainda interferência dos fatores ambientais. • Cromossômicas: quando os cromossomos sofrem modificações em sua estrutura e número. As doenças de origem genéticas mais comuns no Brasil são: síndrome de Down, anemia falciforme, diabetes, câncer e daltonismo. 1.4.5 Lesões por desequilíbrios nutricionais Os excessos e as deficiências nutricionais predispõem as células a lesões. Considera-se que a obesidade e as dietas ricas em gorduras saturadas predispõem à aterosclerose. O corpo precisa de mais 24 Unidade I de sessenta substâncias orgânicas e inorgânicas em quantidades que variam de microgramas a gramas. Esses nutrientes consistem em minerais, vitaminas, alguns ácidos graxos e aminoácidos específicos. As deficiências dietéticas podem ocorrer sob a forma de inanição, na qual há deficiência de todos os nutrientes e vitaminas, ou por deficiência seletiva de um único nutriente ou vitamina. A anemia por deficiência de ferro, o escorbuto, o beribéri e a pelagra são exemplos de lesões causadas pela falta de vitaminas específicas ou minerais. Necessidade de nutrientes Fatores sociais e culturais Fatores físicos (exemplo: doenças, má absorção) Condições especiais (exemplo: doença, febre, estresse) Manutenção das necessidadescorporais Desenvolvimento e crescimentoFatores econômicos Fatores emocionais Ingestão de nutrientes Figura 4 – Equilíbrio nutricional e ingesta de alimentos 2 DISTÚRBIOS DO CRESCIMENTO, PROLIFERAÇÃO E DIFERENCIAÇÃO CELULAR Crescimento e diferenciação celulares são processos essenciais para os seres vivos. O crescimento ou multiplicação celular é o mecanismo responsável pela formação das células que compõem os indivíduos. Ele é importante durante o desenvolvimento normal dos organismos e necessário para renovação das células que morrem após seu período de vida ou por processos patológicos. A diferenciação refere-se à especialização morfológica e funcional das células que permite o desenvolvimento do organismo como um todo. Como esses dois processos – crescimento e diferenciação – recebem influência de grande número de agentes internos e externos às células, é comum ocorrerem alterações nos mecanismos que os controlam. As adaptações celulares são respostas estruturais e funcionais reversíveis a estresses fisiológicos mais excessivos e a alguns estímulos patológicos, permitindo que a célula sobreviva e continue a funcionar. A resposta adaptativa pode consistir em um aumento no tamanho das células (hipertrofia) e da atividade funcional, um crescimento do número de células (hiperplasia), uma diminuição do tamanho e da atividade metabólica das células (atrofia) ou uma mudança do fenótipo das células (metaplasia). Quando o estresse é eliminado, a célula pode retornar a seu estado original, sem ter sofrido qualquer consequência danosa. Se os limites da resposta adaptativa forem ultrapassados ou se as células forem expostas a agentes lesivos ou estresse, privadas de nutrientes essenciais, ou ficarem comprometidas por mutações que afetam os constituintes celulares essenciais, tais situações acabam por determinar o que conhecemos 25 FISIOPATOLOGIA E ANATOMIA PATOLÓGICA como lesão celular. Tal fato pode ser reversível ou irreversível, a depender da natureza e da intensidade, inclusive determinando a morte celular. 2.1 Adaptações celulares As adaptações celulares são alterações reversíveis em tamanho, número, característica fenotípica, função e/ou atividade metabólica ou atividade celular, em resposta a modificações do seu ambiente. Elas podem assumir várias formas distintas. Atrofia Diante de uma diminuição na demanda de trabalho ou de condições ambientais adversas, a maioria das células é capaz de reverter a um tamanho menor e a um nível mais baixo e mais eficiente de funcionamento compatível com a sobrevida. Essa redução é chamada de atrofia. As células atrofiadas reduzem seu consumo de oxigênio e outras funções celulares, diminuindo o número e o tamanho das suas organelas e de outras estruturas. Existem menos mitocôndrias, miofilamentos e estruturas do retículo endoplasmático. Quando um número substancial de células se encontra envolvido, todo o tecido ou músculo atrofia. O tamanho da célula, particularmente no tecido muscular, está relacionado à carga de trabalho; conforme ela é reduzida, ocorre a diminuição do consumo de oxigênio e da síntese proteica. A atrofia por desenervação é um tipo de atrofia por desuso nos músculos de membros paralisados. O envelhecimento pode estar associado à perda de massa muscular, à atrofia “senil” do cérebro e às doenças neurodegenerativas. A) B) Figura 5 – Atrofia por denervação do músculo esquelético: A) a denervação do músculo esquelético leva a uma forma característica de atrofia. As fibras musculares perdem massa, e o sistema contrátil é desorganizado até sobrar pouco além de núcleos residuais. As fibras atróficas formam ângulos no corte transversal. Por fim, ocorre a necrose celular, e as fibras musculares são substituídas por tecido conectivo; B) Fibras musculares esqueléticas normais Uma desnutrição proteico-calórica profunda acarreta na utilização do músculo esquelético como fonte de energia, sobretudo após a depleção quase que total de outras possíveis fontes de reserva, por exemplo, do tecido adiposo e como resultado aparece a caquexia. 26 Unidade I A caquexia é também um evento comum e pode ser observada em pacientes com doenças inflamatórias crônicas e câncer. Nos processos inflamatórios é bastante usual a produção excessiva de citocinas como o fator de necrose tumoral, a qual acaba por ser a responsável direta pela perda de apetite e consumo lipídico, culminando em atrofia muscular. Outro fator bastante importante e diretamente associado aos quadros de atrofia é a perda de estimulação endócrina. Muitos tecidos que responsivos a hormônios, como a mama e órgãos reprodutores, dependem da estimulação endócrina para função e metabolismo normais. A perda de estimulação estrogênica após a menopausa resulta em atrofia fisiológica do endométrio, epitélio vaginal e mama. Também podem ser citados como fatores importantes de atrofia aqueles associados a processos teciduais compressivos. Um tumor benigno em processo de crescimento pode acarretar atrofia nos tecidos saudáveis vizinhos. Nesse caso em especial, a atrofia é resultante de alterações isquêmicas (diminuição do aporte de oxigênio) causadas por comprometimento do suprimento sanguíneo devido à pressão exercida da massa em crescimento. Hipotrofia Consiste na redução quantitativa dos componentes estruturais e das funções celulares, resultando em diminuição do volume das células e dos órgãos atingidos; muitas vezes, há também decréscimo do número de células. A redução do volume se dá por diminuição do anabolismo e das estruturas celulares (mitocôndrias, retículo endoplasmático etc.); a diminuição ocorre por apoptose. Provavelmente, o aumento da degradação das proteínas celulares é o principal mecanismo de hipotrofia. A hipotrofia pode ser fisiológica ou patológica. A primeira ocorre na senilidade, quando todos os órgãos e sistemas do organismo reduzem suas atividades metabólicas e o ritmo de proliferação celular diminui. Como afeta todo o indivíduo, não há prejuízo funcional porque fica mantido um novo estado de equilíbrio. A hipotrofia patológica resulta de vários fatores: • Inanição: deficiência nutricional, por qualquer causa. • Desuso: ocorre em órgãos ou tecidos que ficam sem uso por algum tempo. Músculos esqueléticos, quando imobilizados por aparelhos ortopédicos, fazem parte de um processo reversível; após reinício do exercício, a musculatura volta à sua conformação. • Compressão: decorre da pressão exercida por uma lesão expansiva, como, por exemplo, no caso de tumores. • Obstrução vascular: diminuição da oferta de O2 e nutrientes causa hipotrofia do órgão correspondente. Muitas doenças obstrutivas das artérias renais, por exemplo, causam hipotrofia do rim. • Substâncias tóxicas: bloqueiam sistemas enzimáticos e a produção de energia pelas células. Um exemplo é a hipotrofia dos músculos do antebraço na intoxicação pelo chumbo. 27 FISIOPATOLOGIA E ANATOMIA PATOLÓGICA • Hormônios: a redução de alguns hormônios leva à hipotrofia de células e órgãos-alvo. A deficiência dos hormônios somatotróficos ou tireoidianos causa hipotrofia generalizada. • Inervação: perda da estimulação nervosa causa hipotrofia muscular. O exemplo mais conhecido é o da hipotrofia dos músculos dos membros inferiores na poliomielite. A) B) Figura 6 – Atrofia cerebral em doença neurodegenerativa: A) Normal; B) Doença de Alzheimer avançada Hipertrofia A hipertrofia é um crescimento das células que resulta em aumento do tamanho do órgão. O órgão hipertrofiado não possui novas células, apenas células maiores. Tal crescimento é devido à síntese em maior quantidade de componentes estruturais das células. Células capazes de divisão podem responder ao estresse submetendo-se a ambas, hiperplasia e hipertrofia, enquanto nas células que não apresentam capacidade de dividir-se (por exemplo, fibras miocárdicas) pode ocorrer aumento da massa tecidual em virtude da hipertrofia, exclusivamente. A hipertrofia pode ser classificada comofisiológica ou patológica, gerada pelo aumento da demanda funcional ou pela estimulação de hormônios e de fatores de crescimento. As células musculares estriadas da musculatura esquelética e do coração possuem capacidade limitada de divisão e respondem ao aumento da demanda metabólica sofrendo principalmente hipertrofia. O estímulo mais comum para a hipertrofia do músculo é o aumento da carga de trabalho. Por exemplo, os músculos definidos dos fisiculturistas resultam da elevação do tamanho das fibras musculares individuais, em resposta à subida da demanda. O crescimento do útero durante a gravidez, também denominado de útero gravídico, é um excelente exemplo do que constitui um aumento fisiológico de um órgão por estímulo de hormônios estrogênicos, cujo efeito é a hipertrofia das fibras musculares, resultando em maior síntese de proteínas do músculo liso e em aumento do tamanho celular. 28 Unidade I No coração, o estímulo para a hipertrofia é geralmente uma sobrecarga hemodinâmica crônica. Figura 7 – Hipertrofia miocárdica; corte transversal do coração com hipertrofia ventricular esquerda A) B) Figura 8 – A) Miócitos cardíacos normais; B) Miócitos cardíacos hipertróficos: embora não se dividam, eles compensam a carga de trabalho adicional aumentando de tamanho; as células sofrem endomitose (com aumento em ploidia, sem divisão), resultando, muitas vezes, em grandes núcleos retangulares (núcleos “boxcar”) Órgãos ou tecidos cuja atividade depende de estimulação nervosa só podem hipertrofiar se a inervação estiver intacta. A hipertrofia pode ser fisiológica ou patológica. A primeira ocorre na musculatura uterina durante a gestação. A segunda aparece em consequência de estímulos variados. As mais frequentes são: • Hipertrofia do miocárdio: quando ocorre sobrecarga cardíaca por dificuldade do fluxo sanguíneo (resistência vascular periférica aumentada). • Hipertrofia da musculatura esquelética: por exemplo, a hipertrofia em halterofilistas. • Hipertrofia da musculatura lisa da parede de órgãos ocos na região montante de um obstáculo: acontece com a musculatura da bexiga quando há obstrução urinária (por exemplo, hiperplasia da próstata). • Hipertrofia de neurônios motores: no hemisfério cerebral não lesado em caso de hemiplegia. 29 FISIOPATOLOGIA E ANATOMIA PATOLÓGICA • Hipertrofia de hepatócitos: ocorre hipertrofia de hepatócitos ocasionada pelo aumento do retículo endoplasmático liso por estímulo de barbitúricos, por exemplo. Com isso, a arquitetura básica do órgão se mantém inalterada, mas eleva o fluxo de sangue e de linfa. No órgão hipertrofiado, o crescimento de volume é devido ao aumento das células, no entanto, pode haver também a multiplicação delas. A hipertrofia pode ser induzida por ações conjuntas de sensores mecânicos os quais ocorrem quando estimulados por aumento da carga de trabalho, também por ação de fatores de crescimento, incluindo citocinas como TGF-β e por agentes vasoativos, tais como, endotelina-1, e angiotensina II. Hipotrofia Hipertrofia Normal Figura 9 – Representação da célula normal hipertrófica e hipotrófica Observação No início do processo atrófico, as células têm sua função diminuída, mas não estão mortas. A atrofia ocasionada pela diminuição do suprimento sanguíneo pode progredir até o ponto no qual as células são lesadas de modo irreversível e morrem, frequentemente por apoptose. A morte celular por apoptose contribui para a atrofia de órgãos endócrinos após retirada hormonal. Hiperplasia Hiperplasia é o aumento no número de células de um órgão ou tecido. Ocorre em tecidos formados por células capazes de realizar divisão mitótica, como na epiderme, no epitélio intestinal e no tecido glandular. Algumas células, como os neurônios, raramente se dividem e, por conseguinte, têm pouca capacidade para crescimento hiperplásico. Os estímulos que induzem à hiperplasia podem ser fisiológicos ou patológicos. Existem dois tipos de hiperplasia fisiológica: 1) hiperplasia hormonal, que aumenta a capacidade funcional de um tecido, quando necessário; e, 2) hiperplasia compensatória, que eleva a massa de tecido após lesão ou ressecção parcial. A hiperplasia hormonal é bem representada pela proliferação do epitélio glandular da mama 30 Unidade I feminina na puberdade e durante a gravidez, geralmente acompanhada por aumento (hipertrofia) das células epiteliais glandulares. A ilustração clássica de hiperplasia compensatória vem do mito de Prometeu. Os gregos antigos demonstraram ter conhecimento sobre a capacidade de regeneração hepática. No mito, como castigo por ter roubado o segredo do fogo dos deuses, Prometeu foi condenado a permanecer acorrentado a uma montanha e seu fígado era diariamente devorado por uma águia, no entanto ele se regenerava a cada noite. Exemplo de aplicação Muitos atletas profissionais ou amadores fazem uso, por vezes excessivo, de suplementos alimentares proteicos utilizados para ganho de massa muscular. Será que tal uso não pode acarretar alterações fisiopatológicos sobretudo em aspectos hepáticos e renais que venham trazer em médio ou longo prazo comprometimentos importantes? Reflita e realize uma pesquisa a respeito. Figura 10 Em indivíduos que sofrem hepatectomia parcial (remoção parcial de lobo hepático), com finalidade de transplante, as células restantes proliferam de tal maneira em curto espaço de tempo que o tecido retorna ao seu tamanho original. Há evidências de que a hiperplasia envolve a ativação de genes que controlam a proliferação celular e a existência de mensageiros intracelulares que monitoram a replicação celular e o crescimento. Como resposta celular adaptativa normal, trata-se de um processo controlado que surge como reação a um estímulo adequado e cessa após a retirada do estímulo. A hiperplasia também é uma resposta importante do tecido conjuntivo no processo de cicatrização de feridas, no qual a proliferação de fibroblastos e vasos sanguíneos contribui com o reparo. Embora a hipertrofia e a hiperplasia sejam dois processos distintos, podem acontecer em conjunto e frequentemente são provocadas pelo mesmo mecanismo. O útero na gestação sofre hipertrofia e hiperplasia como resultado da estimulação pelo estrogênio. 31 FISIOPATOLOGIA E ANATOMIA PATOLÓGICA A hiperplasia patológica ocorre em via de regra pela estimulação hormonal excessiva ou pelo efeito de fatores de crescimento no tecido-alvo. A hiperplasia benigna da próstata (HBP) é um distúrbio frequente em homens com mais de 50 anos de idade, relacionada com a ação de androgênios. É uma condição benigna que provoca sintomas no trato urinário inferior. Algumas vezes, a HBP pode evoluir para câncer de próstata. Diversas hiperplasias, como a da próstata, ainda não têm etiopatogênese totalmente esclarecida. Outro exemplo bastante comum de hiperplasia patológica é a hiperplasia endometrial anormalmente induzida por hormônio. Em geral, após um período menstrual, há um surto rápido de atividade proliferativa no epitélio que é estimulado por hormônios hipofisários e por estrogênio ovariano; tal surto é normalmente evitado pelos níveis crescentes de progesterona, os quais ocorrem cerca de 10 a 14 dias antes do término do período menstrual. Vale ressaltar, no entanto, que em alguns casos, e hoje de forma bastante comum, o equilíbrio entre estrogênio e progesterona é alterado, acarretando aumentos absolutos ou relativos dos níveis de estrogênio, com consequente hiperplasia das glândulas endometriais, sendo esta uma das causas mais comuns de sangramento menstrual anormal. A hiperplasia pode ainda se configurar como uma resposta frente a processos infecciosos, sobretudo virais; um exemplo é a hiperplasia decorrente da infecção pelo HPV. O vírus HPV é frequentemente associado como a causa mais comum das verrugas cutâneas e de várias lesões de mucosa compostas de massas de epitélio hiperplásico. Nesses locais, fatores de crescimento produzidos por genes virais ou por células infectadas estimulama proliferação celular. Hipoplasia Hipoplasia é a diminuição da população celular de um tecido, órgão ou parte do corpo. A região afetada é menor e mais leve que o normal, mas conserva o padrão de arquitetura básico. Várias são as formas de hipoplasia. Durante a embriogênese pode ocorrer defeito na formação de um órgão ou de parte dele (hipoplasia pulmonar, hipoplasia renal etc.). Após o nascimento, hipoplasia aparece como resultado da diminuição do ritmo de renovação celular, aumento da taxa de destruição das células ou ambos os fenômenos. Hipoplasia pode ser fisiológica ou patológica. As hipoplasias fisiológicas mais comuns são involução do timo a partir da puberdade e das gônadas no climatério. Na senilidade, ao lado da hipotrofia, também existe a hipoplasia de órgãos, por aumento de apoptose. Normal Hipoplasia Hiperplasia Figura 11 – Ilustração de tecidos normais, com hipoplasia e com hiperplasia 32 Unidade I Metaplasia Representa uma alteração reversível na qual um tipo de célula adulta (epitelial ou mesenquimal) é substituído por outro modelo celular de mesma linhagem (KUMAR; ABBAS; ASTER, 2016). Ela representa uma substituição adaptativa de células sensíveis ao estresse por tipos celulares mais capazes de suportar o ambiente hostil. Geneticamente, a metaplasia envolve a reprogramação de células-tronco indiferenciadas encontradas no tecido que sofre as alterações metaplásicas. Trata-se de um processo adaptativo que surge em respostas a várias agressões e, regra geral, o tecido metaplásico é mais resistente aos ataques. No entanto, a conversão de um modelo de célula nunca ultrapassa os limites do tipo de tecido primário, por exemplo, um tipo de célula epitelial pode ser convertido em outra espécie de célula epitelial, mas não em uma célula de tecido conjuntivo. A metaplasia epitelial mais comum é a do epitélio colunar para epitélio escamoso como a que ocorre no trato respiratório como resultado da irritação crônica provocada pelo tabagismo. Nos fumantes habituais de cigarros, as células epiteliais normais, colunares e ciliadas da traqueia e dos brônquios, são, com frequência, substituídas por células epiteliais escamosas estratificadas. Membrana basalA) B) Epitélio colunar normal Metaplasia escamosa Figura 12 – Metaplasia do epitélio colunar normal para epitélio escamoso: A) Diagrama esquemático; B) Metaplasia do epitélio colunar (à esquerda) para epitélio escamoso (à direita) em um brônquio Outro exemplo de metaplasia é aquela decorrente da substituição adaptativa de células epiteliais escamosas estratificadas por células epiteliais cilíndricas ciliadas na traqueia e nas vias respiratórias e que também são observadas na população de tabagistas. Conhecido como esôfago de Barrett, 33 FISIOPATOLOGIA E ANATOMIA PATOLÓGICA trata-se de uma condição pré-maligna que se manifesta no esôfago de pessoas com histórico crônico de refluxo gastroesofágico (DRGE). A metaplasia em questão é caracterizada pela transformação do epitélio escamoso normal do esôfago inferior em epitélio cilíndrico, sendo o principal fator de risco para o desenvolvimento de adenocarcinoma esofágico. O esôfago de Barrett caracteriza-se por um processo reparativo, no qual a mucosa escamosa, que normalmente recobre o esôfago, é substituída gradativamente por epitélio colunar anormal semelhante ao do estômago ou do intestino. Figura 13 – A existência de “línguas” acastanhadas de epitélio formando interdigitações no epitélio escamoso mais proximal é típica do esôfago de Barrett Os tipos mais frequentes de metaplasia são: • Transformação de epitélio estratificado pavimentoso não ceratinizado em epitélio ceratinizado. Ocorre no epitélio da boca ou do esôfago em consequência de irritação prolongada. • Epitélio pseudoestratificado ciliado em epitélio estratificado pavimentoso, ceratinizado ou não. O exemplo típico é o da metaplasia brônquica secundária à agressão persistente pelo tabagismo. • Epitélio mucossecretor em epitélio estratificado pavimentoso, com ou sem ceratinização. Aparece no epitélio endocervical (mucíparo), que se transforma em epitélio escamoso do tipo ectocervical. • Epitélio glandular seroso em epitélio mucíparo, como acontece na metaplasia intestinal da mucosa gástrica. • Tecido conjuntivo em tecido cartilaginoso ou ósseo. • Tecido cartilaginoso em tecido ósseo. 34 Unidade I A metaplasia é também um processo adaptativo que surge em resposta a várias agressões. Em princípio, trata-se do resultado de irritações persistentes que acabam levando ao surgimento de um tecido mais resistente. No entanto, o tecido metaplásico pode resultar em menor proteção ao indivíduo: na metaplasia escamosa da árvore brônquica no tabagismo, por exemplo, há redução na síntese de muco e desaparecimento dos cílios, ambos configurando como importantes mecanismos de defesa do organismo. Os exemplos de metaplasia mais comuns são: • Agressões mecânicas repetidas: como as provocadas por próteses dentárias mal-ajustadas no epitélio da gengiva ou da bochecha. • Irritação por calor prolongado: como a causada no epitélio oral e no esôfago por alimentos quentes, ou no lábio pela haste de cachimbo. • Irritação química persistente: cujo exemplo clássico é a ação do fumo sobre a mucosa respiratória. • Inflamações crônicas: como no colo uterino ou nas mucosas brônquica e gástrica. Um tipo específico de metaplasia é a leucoplasia (do grego leukos = branco), que é um termo de significado predominantemente clínico e usado para indicar lesões que se apresentam como placas ou manchas brancacentas localizadas em mucosas (oral, esofágica, do colo uterino etc.). A leucoplasia corresponde à metaplasia de um epitélio escamoso não ceratinizado em outro ceratinizado, que contenha várias camadas de ceratina. Observação A associação entre a metaplasia e o desenvolvimento de adenocarcinoma no esôfago de Barrett tem estimulado o estudo das alterações moleculares que ocorrem no processo tardio da doença. Há um aumento do risco de adenocarcinoma de 30 a 125 vezes em pacientes diagnosticados com metaplasia de Barrett. Isso representa um risco de um em vinte durante a vida. A metaplasia de Barrett irá progredir para o câncer a uma taxa de 0,5% a 1% ao ano. Displasia A displasia denomina condições patológicas muito diferentes; sendo assim, trata-se de um termo complexo. Ela pode ser definida como uma condição adquirida caracterizada por alterações celulares do crescimento e da diferenciação acompanhadas de redução ou perda da diferenciação das células afetadas. Muitas vezes, as displasias estão associadas a tecidos metaplásicos ou se originam neles. As mais importantes na prática são as displasias de mucosas, como a do colo uterino, a dos brônquios e a gástrica, pois em diversas oportunidades antecedem os cânceres que se formam nesses locais. 35 FISIOPATOLOGIA E ANATOMIA PATOLÓGICA O epitélio displásico é caracterizado por perda da uniformidade das células epiteliais, assim como da orientação arquitetural. Células displásicas exibem aspectos morfológicos que lembram células primitivas: apresentam, por exemplo, pleomorfismo celular (perda do padrão celular típico), aumento no tamanho do núcleo proporcionalmente ao citoplasma, hipercromasia nuclear e perda de polaridade. As figuras mitóticas em áreas de displasia também são mais frequentes e aparecem em localizações anormais dentro do epitélio. As displasias podem surgir diretamente no tecido, em áreas hiperplásicas ou que sofreram metaplasia. Essas duas últimas situações são relativamente frequentes e nos levam a perceber a evolução das lesões teciduais decorrentes de agressão contínua e persistente, possibilitando a evolução progressiva de lesões que acarretam condições mais graves. Elas são classificadas em leves, moderadas e graves. No entanto, o entendimento de que displasias em epitélios já são lesões neoplásicas estabelecidas, embora em seus estágios mais precoces, ocasionou a criação de nova denominação
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