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Fiel a sua missão de interiorizar o ensino superior no estado Ceará, a UECE, como uma instituição que participa do Sistema Universidade Aberta do Brasil, vem ampliando a oferta de cursos de graduação e pós-graduação na modalidade de educação a distância, e gerando experiências e possibili- dades inovadoras com uso das novas plataformas tecnológicas decorren- tes da popularização da internet, funcionamento do cinturão digital e massificação dos computadores pessoais. Comprometida com a formação de professores em todos os níveis e a qualificação dos servidores públicos para bem servir ao Estado, os cursos da UAB/UECE atendem aos padrões de qualidade estabelecidos pelos normativos legais do Governo Fede- ral e se articulam com as demandas de desenvolvi- mento das regiões do Ceará. Fi si ol og ia A ni m al C om pa ra da Ciências Biológicas Ciências Biológicas Carminda Sandra Brito Salmito-Vanderley Fisiologia Animal Comparada U ni ve rs id ad e Es ta du al d o Ce ar á - U ni ve rs id ad e Ab er ta d o Br as il ComputaçãoQuímica Física Matemática PedagogiaArtes Plásticas Ciências Biológicas Geografia Educação Física História 9 12 3 Carminda Sandra Brito Salmito-Vanderley Fisiologia Animal Comparada Ciências Biológicas 2ª edição Fortaleza - Ceará 2015 ComputaçãoQuímica Física Matemática PedagogiaArtes Plásticas Ciências Biológicas Geografia Educação Física História 9 12 3 Editora da Universidade Estadual do Ceará – EdUECE Av. Dr. Silas Munguba, 1700 – Campus do Itaperi – Reitoria – Fortaleza – Ceará CEP: 60714-903 – Fone: (85) 3101-9893 Internet: www.uece.br – E-mail: eduece@uece.br Secretaria de Apoio às Tecnologias Educacionais Fone: (85) 3101-9962 Copyright © 2015. Todos os direitos reservados desta edição à UAB/UECE. Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida, transmitida e gravada, por qualquer meio eletrônico, por fotocópia e outros, sem a prévia autori- zação, por escrito, dos autores. Presidenta da República Dilma Vana Rousseff Ministro da Educação Renato Janine Ribeiro Presidente da CAPES Carlos Afonso Nobre Diretor de Educação a Distância da CAPES Jean Marc Georges Mutzig Governador do Estado do Ceará Camilo Sobreira de Santana Reitor da Universidade Estadual do Ceará José Jackson Coelho Sampaio Vice-Reitor Hidelbrando dos Santos Soares Pró-Reitora de Graduação Marcília Chagas Barreto Coordenador da SATE e UAB/UECE Francisco Fábio Castelo Branco Coordenadora Adjunta UAB/UECE Eloísa Maia Vidal Direção do CCS/UECE Glaúcia Posso Lima Coordenadora da Licenciatura em Ciências Biológicas Germana Costa Paixão Coordenadora de Tutoria e Docência em Ciências Biológicas Roselita Maria de Souza Mendes Editor da EdUECE Erasmo Miessa Ruiz Coordenadora Editorial Rocylânia Isidio de Oliveira Projeto Gráfico e Capa Roberto Santos Diagramador Francisco José da Silva Saraiva Revisora Ortográfica Fernanda Rodrigues Ribeiro Conselho Editorial Antônio Luciano Pontes Eduardo Diatahy Bezerra de Menezes Emanuel Ângelo da Rocha Fragoso Francisco Horácio da Silva Frota Francisco Josênio Camelo Parente Gisafran Nazareno Mota Jucá José Ferreira Nunes Liduina Farias Almeida da Costa Lucili Grangeiro Cortez Luiz Cruz Lima Manfredo Ramos Marcelo Gurgel Carlos da Silva Marcony Silva Cunha Maria do Socorro Ferreira Osterne Maria Salete Bessa Jorge Silvia Maria Nóbrega-Therrien Conselho Consultivo Antônio Torres Montenegro (UFPE) Eliane P. Zamith Brito (FGV) Homero Santiago (USP) Ieda Maria Alves (USP) Manuel Domingos Neto (UFF) Maria do Socorro Silva Aragão (UFC) Maria Lírida Callou de Araújo e Mendonça (UNIFOR) Pierre Salama (Universidade de Paris VIII) Romeu Gomes (FIOCRUZ) Túlio Batista Franco (UFF) Editora Filiada à S171f Salmito-Vanderley, Carminda Sandra Brito. Fisiologia animal comparada / Carminda Sandra Brito Salmito-Vanderley . – 2. ed. – Fortaleza : EdUECE, 2015. 132 p. : il. ; 20,0cm x 25,5cm. (Ciências Biológicas) Inclui bibliografia. ISBN: 978-85-7826-349-2 1. Fisiologia animal. 2. Fisiologia animal – Sistema circulatório. 3. Fisiologia animal – Sistema respiratório. 4. Fisiologia animal – Sistema digestivo. 5. Atividades operacionais. I. Título. CDD 591.1 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Sistema de Bibliotecas Biblioteca Central Prof. Antônio Martins Filho Francisco Welton Silva Rios – CRB-3 / 919 Bibliotecário Sumário Apresentação ............................................................................................................ 5 Capítulo 1 - Noções básicas de fisiologia e sistemas circulatório e respiratório .................................................................................... 7 1.1. Introdução à fisiologia ....................................................................... 9 1.1.1. Entendendo o que é fisiologia .................................................... 9 1.1.2. Breve histórico ........................................................................ 10 1.2. Sistema circulatório ......................................................................... 11 1.2.1. Introdução ................................................................................ 11 1.2.2. Sistema circulatório dos vertebrados ....................................... 11 1.2.3. Circulação nos vertebrados ..................................................... 18 1.3. Sistema respiratório ........................................................................ 27 1.3.1. Introdução ............................................................................... 27 1.3.2. Aspectos gerais sobre os gases respiratórios no ar, na água e no sangue .............................................................................. 27 1.3.3. Órgãos respiratórios: fisiologia ................................................. 32 Capítulo 2 - Sistemas digestório e excretor .............................................53 2.1. Sistema digestório ........................................................................... 55 2.1.1. Introdução ................................................................................ 55 2.2. Excreção ......................................................................................... 70 2.2.1. Introdução ............................................................................... 70 2.2.2. Sistema renal .......................................................................... 71 Capítulo 3 - Sistemas de atividades operacionais ...............................83 3.1. Sistemas coordenadores ................................................................ 85 3.1.1. Introdução ................................................................................ 85 3.2. Sistema nervoso .............................................................................. 86 3.2.1. Sistema nervoso dos vertebrados: organização geral ............. 89 3.2.2. Funcionamento geral do sistema nervoso ............................... 92 3.3. Sistema endócrino .......................................................................... 98 3.3.1. Considerações sobre hormônios ............................................. 99 3.3.2. Órgãos endócrinos, hormônio e sua ação. ............................ 100 3.3.3. Controle da liberação hormonal ............................................. 104 3.3.4. Endocrinologia do sistema reprodutor ................................... 105 Capítulo 4 - Sistemas aferente e efetuador ............................................ 113 4.1. Sistema aferente ou sensorial ....................................................... 115 4.1.1. Paladar e olfato ...................................................................... 116 4.1.2. Luz e visão ............................................................................. 119 4.1.3. Audição e equilíbrio ................................................................ 119 4.2. Sistema efetuador:muscular ......................................................... 122 4.2.1. Contração do músculo esquelético ....................................... 124 4.2.2. Contração do músculo liso .................................................... 126 4.2.3. Contração do músculo cardíaco ............................................ 127 Sobre a autora .......................................................................................................132 Apresentação O presente livro foi desenvolvido no intuito de ajudar o aluno, o professor ou o curioso, no aprendizado da fisiologia comparada dos animais vertebrados, contribuindo com o desenvolvimento de seu pensamento e da sua capacida- de de visualizar o funcionamento das partes e do todo do organismo. Deixan- do margem também para o pensamento completo, ou seja, para se aceitar ou refutar o que foi dito. Nos dois primeiros capítulos, os temas abordados referem-se aos siste- mas e aparelhos que desempenham atividades de manutenção. Nestes, além de noções importantes do que vem a ser a fisiologia, observamos também os aspectos morfológicos e funcionais de cada um dos órgãos circulatórios, respiratórios, digestivos e excretores. Nos dois últimos capítulos, abordaremos os aspectos morfológicos e funcionais dos aparelhos e dos sistemas que desempenham atividades ope- racionais: nervoso, endócrino, dos sentidos e muscular. Em cada capítulo, há sugestão de leituras e destacam-se textos com- plementares e exercícios. Portanto, tudo aqui proposto destina-se à melhor apreensão do conteúdo pelo estudioso das áreas biológicas e ao estímulo à busca do conhecimento. A autora Capítulo 1 Noções básicas de fisiologia e sistemas circulatório e respiratório Fisiologia Animal Comparada 9 Objetivos • Obter noções básicas sobre o que é fisiologia; • Conhecer como ocorre a circulação do sangue em vários animais de gru- pos diferentes, bem como os fênomenos regulatórios da pressão sanguí- nea e do funcionamento do coração; • Conhecer como se dá o funcionamento dos órgãos respiratórios e os pro- cessos envolvidos na hematose. 1.1. Introdução à fisiologia 1.1.1. Entendendo o que é fisiologia Você sabe como funcionam os animais, suas estruturas, suas células? Este, desde sempre, foi e é um questionamento que povoa a mente hu- mana. E existe uma ciência que procura a resposta a esta questão: é a fisiologia. A fisiologia é a parte da biologia que estuda o funcionamento dos orga- nismos vivos. Ela estuda as funções integradas do corpo e de todas as suas partes (aparelhos, sistemas, órgãos, tecidos, células e componentes celula- res), incluindo processos biofísicos e bioquímicos. Portanto, o objetivo da fi- siologia é explicar os fatores físicos e químicos responsáveis pela origem, pelo desenvolvimento e pela continuação da vida. Sendo que cada organismo, do mais simples (vírus), passando pelos vegetais ou até pelos animais mais com- plexos (como os mamíferos), apresenta suas próprias características funcio- nais. Conclui-se, então, que a fisiologia é um campo vasto que pode ter várias vertentes, como a fisiologia virótica, bacteriana, vegetal, animal e humana. A célula é a unidade básica da vida. Todos os seres viventes são cons- tituídos por, pelo menos, uma célula. Nos organismos, tais como bactérias e protozoários, o organismo é a própria célula, e ela é capaz de exercer todas as funções vitais. É a unidade que compõe todos os tecidos, órgãos e sistemas, os quais compõem todo o animal. Nos organismos multicelulares, especialmente nos mais complexos, mui- tos milhões de células estão associadas formando os tecidos, estes se asso- ciam formando órgãos, cujos conjuntos formam os sistemas e os aparelhos. Os sistemas ou aparelhos dos animais desempenham funções específi- cas ou principais, e estas atividades podem ser classificadas em duas catego- rias: 1) atividades de manutenção, que ocorrem durante todo o tempo, mesmo Aparelho ou sistema é um conjunto de órgãos e estruturas responsáveis pela realização de determinada função no organismo. No entanto, se estes órgãos possuem origem embriológica diferente, fala-se aparelho; se não, diz-se sistema. A fisiologia animal tornou- se muito extensa. Hoje, são reconhecidas várias especializações, podendo ser baseadas nos sistemas do corpo (neurofisiologia, fisiologia gastrintestinal etc.) ou na organização biológica (fisiologia celular, e do organismo). Todas estas subdivisões tornam- se parte de todas as áreas de estudo, como fisiologia aplicada, comparada, fisiopatologia, médica e dos mamíferos. SALMITO-VANDERLEY, C. S. B 10 quando o animal está em repouso ou dormindo, e que incluem digestão, excre- ção, respiração e circulação; 2) atividades operacionais, que são todas aque- las atividades que são dirigidas para a obtenção de alimento, para escapar de seus inimigos e para encontrar seu companheiro, e que incluem contração muscular, órgãos dos sentidos, sistema endócrino e nervoso (esses dois sis- temas são responsáveis pela coordenação de todas as atividades corpóreas). Neste estudo, estaremos preocupados com esses sistemas e com o modo como se relacionam especificamente aos animais vertebrados, e de modo menos aprofundado, aos invertebrados. Aqui, abordaremos os aspec- tos funcionais da respiração, circulação, digestão, excreção, integração ner- vosa, endócrina, dos sentidos e muscular. 1.1.2. Breve histórico A fisiologia moderna nasceu no século XVI, e sua primeira contribuição se deve a Miguel Servet (1511 – 1553), que estudou a circulação pulmonar. Até esse mo- mento, a ciência fisiológica estava apoiada nas concepções puramente teóricas do médico grego Galeno: admitia-se, por exemplo, uma comunicação entre os dois ventrículos do coração por meio de invisíveis canais. Mas foi o anatomista William Harvey (1578 – 1657) que descreveu, pela primeira vez, corretamente, os detalhes do sistema circulatório do sangue ao ser bombeado, pelo coração, por todo o corpo, no século XVII, iniciando assim a fisiologia experimental. A partir do século IX é que o conhecimento da fisiologia começa a ser gerada rapidamente. No entanto, estando as células no centro da vida, vale salientar a importância da invenção do microscópio composto em 1590, por Zacharias Jansen, e, por consequência, as descobertas de Robert Hooke, em 1665, e a Teoria celular de Mathias Schleiden e Theodor Schwann. Alguns dos importantes cientistas que contribuíram para a fisiologia no sé- culo IX foram Claude Bernard (1813 – 1878), que descobriu a hemoglobina como carreadora de oxigênio, e a produção por glândulas sem ducto de substâncias in- ternas, carreadas pelo sangue (hormônios), que influenciavam tecidos distantes; e Walter Cannon (1871-1945), que descutiu o conceito da homeostase. A partir do século XX, o objetivo maior da fisiologia tem sido aplicar o conhe- cimento fisiológico, em plena expansão aos animais que vivem nos diferentes am- bientes, e tentar compreender a natureza da diversidade fisiológica. Destacam-se: Per Scholander (1905-1980), um dos primeiros e mais influentes fisiologistas com- parativos; C. Ladd Prosser (1907-2002), que apresentou sua teoria sobre adapta- ção evolutiva, baseada em seus estudos sobre os vários níveis de complexidade orgânica; Knut Schmidt-Nielsen (1915-2002) e George A. Bartholomew (1919- 2006), que, juntamente com Per Scholander, foi o fundador da fisioecologia, uma importante área da fisiologia animal comparada, Bartholomeu e Scholander estu- Princípio de Krogh (August Krogh, 1929): "para cada problema fisiológico, existe um animal-modelo adequado ao seu estudo". Por exemplo: axônio gigante da lula e o rim de roedores de desertos. Homeostase é a capacidade que apresenta o organismo de manter o meio interno constante, tanto em ritmo como em composição química. Segundo Walter Cannon: “o equilíbrio pode ser atingido tanto com a constância como com a inconstância do meio interno”. Fisiologia AnimalComparada 11 daram as adaptações funcionais dos organismos em seus ambientes naturais; e Peter W. Hochachka (1937-2002), que fundou o campo da Bioquímica Adaptativa. Esse pesquisador estendeu para o nível subcelular, nossa compreensão sobre como os animais se adaptam aos ambientes hostis, mostrando os mecanismos bioquímicos adaptativos que permitem que os animais vivam em ambientes tão di- versos, como o mar profundo, os oceanos antárticos, os picos de altas montanhas e as florestas tropicais. 1.2. Sistema circulatório 1.2.1. Introdução As células de todos os seres vivos precisam respirar e receber nutrientes, bem como eliminar os resíduos de seu metabolismo. A menos que seu tamanho e sua estrutura coloquem todas as suas células em estreita proximidade com um ambiente aquoso (trocas diretas com o meio), os animais devem ter um sistema de transporte interno, composto de um líquido circulante especializa- do (o sangue ou a hemolinfa) e um mecanismo capaz de bombear (coração) este líquido a certa frequência que possibilite a máxima eficiência do sistema. Nos animais, há dois tipos de sistema circulatório: a) Sistema circulatório aberto ou lacunar: no qual o líquido bombeado pelo coração abandona periodicamente os vasos e cai em lacunas cor- porais, chegando aos tecidos e, destes, volta lentamente ao coração. As trocas de substâncias entre o líquido e as células também são lentas (limi- tante para animais maiores). Esse sistema é encontrado nos artrópodes e na maioria dos moluscos. b) Sistema circulatório fechado: em que há uma grande rede de vasos (o sangue nunca abandona esses vasos), e as trocas entre sangue e teci- dos ocorrem nos vasos de paredes mais delgadas (capilares). O líquido circula rápida e constantemente a uma pressão elevada devido à bomba cardíaca, e o sangue pode alcançar grandes distâncias. Esse tipo de sis- tema circulatório é encontrado em anelídeos, lulas e polvos, assim como em todos os vertebrados. 1.2.2. Sistema circulatório dos vertebrados Os vertebrados, sendo grandes e maciços, têm o sistema circulatório mais desenvolvido do reino animal, que funciona transportando gases respiratórios, nutrientes, resíduos metabólicos, hormônios e anticorpos. Esse sistema age conjuntamente com os rins e alguns outros órgãos na manutenção do meio interno. Além disso, remove do corpo materiais tóxicos e patogênicos e pode A circulação pode ser ainda classificada em simples (quando o sangue passa uma única vez pelo coração, ex: peixes) e dupla (o sangue passa duas vezes pelo coração, quando chega do corpo e quando vem do pulmão, ex: peixes pulmonados, anfíbios, répteis e mamíferos); ou ainda em incompleta (o sangue venoso mistura-se com o arterial, por ex.: répteis e anfíbios) e completa (não há mistura do sangue venoso com o arterial, por ex.: aves e mamíferos). SALMITO-VANDERLEY, C. S. B 12 funcionar associado aos músculos e ao tegumento, na regulação da tempe- ratura. Outra característica desse sistema é que ele tem a capacidade de reparar ferimentos, compensar danos e responder, com surpreendente versa- tilidade, aos diferentes requisitos do momento. Para que as trocas entre o sangue e os tecidos ocorram, nos vertebra- dos, faz-se necessário que o sangue circule, nos capilares, com velocidade baixa, e que as membranas que separam o sangue das células, na zona tis- sular, sejam finas e permeáveis, além de uma elevada diferença de concen- tração das substâncias a serem trocadas. Para tanto, esses animais precisam ter bombas sanguíneas potentes (corações) e sistemas circulatórios fechados nos quais se desenvolvem pressões sanguíneas consideráveis, favorecendo a eficaz troca entre os meios (sanguíneo e tissular, e vice versa). Nos vertebrados de sangue frio (peixes, anfíbios e répteis), alguns pa- râmetros cardíacos, assim como a pressão sanguínea arterial, são, em geral, mais baixos que nos vertebrados de sangue quente (aves e mamíferos) de tamanho corporal semelhante. Sabe-se que a manutenção da temperatura corporal mais elevada permite uma atividade mais contínua e, por sua vez, re- quer um suporte de O2 e de alimento mais contínuo nos tecidos. Pressupõe-se, então, que a pressão sanguínea nos vertebrados superiores deva ser elevada e estar sujeita a um melhor controle. É sabido ainda que a mudança da respi- ração aquática para a aérea necessitou de alterações na estrutura e na função cardiovascular, no entanto, via de regra, o sistema circulatório possui os mes- mos componentes, independente do grupo de vertebrados a que pertença. O sistema circulatório (cardiovascular) dos vertebrados tem dois compo- nentes: o sistema vascular sanguíneo e o sistema linfático. O primeiro consiste em coração, vasos sanguíneos (artérias, veias e capilares) e sangue. As artérias distribuem o sangue do coração para os tecidos, e as veias retornam o sangue dos tecidos para o coração. O sistema vascular sanguíneo dos vertebrados (dife- rente do dos invertebrados, exceto anelídeos) é um sistema contínuo de ductos, e, por essa razão, é denominado sistema fechado. Entretanto, os fluidos consti- tuintes do sangue escoam para fora dos capilares, por meio de difusão, osmose e pressão hidrostática (pressão média do sangue) produzida pelo coração. Os fluídos devem se acumular dentro dos tecidos e causar inchaços caso não sejam drenados pelo segundo componente do sistema circulatório, o sistema linfático, composto por capilares, vasos, linfonodos e órgãos linfoides. Os fluidos tissulares entram nos capilares linfáticos, de fundo cego, onde constituem a linfa. 1.2.2.1. Coração O coração é o órgão central do sistema circulatório, funcionando como uma bomba aspirante e premente, destinada a manter constante o fluxo sanguíneo Fisiologia Animal Comparada 13 nos vasos. O tamanho e a anatomia do coração variam entre os grupos e entre as diferentes espécies de um mesmo grupo. Como consideração geral (usando-se o mamífero como referência), o coração é uma poderosa bomba situada dentro do saco pericárdico. A pare- de do coração é composta de três camadas de fora para dentro: epicárdio, miocárdio e endocárdio. O termo epicárdio é aplicado à camada visceral do pericárdio seroso, que está firmemente ligado ao músculo cardíaco; o miocár- dio representa o músculo cardíaco; e o endocárdio é o revestimento endotelial liso das cavidades do coração. O coração e o seu saco pericárdico estão situados, nos mamíferos, no centro do tórax, na região do mediastino médio, entre os dois pulmões, com a maior parte (60%) ficando à esquerda do plano mediano, cranial ao diafragma, caudal à entrada do tórax e ao timo (animais jovens), dorsalmente ao esterno e ventralmente às costelas. Ele encontra-se sustentado pelos vasos e demais estruturas que a ele chegam e fica inteira- mente livre no pericárdio. 1.2.2.1.1. Peixes No longo processo de evolução das espécies, o coração foi sendo aperfei- çoado. Nos peixes, ele possui apenas dois compartimentos (um átrio e um ventrículo). O átrio é precedido por uma pequena dilatação, chamada de seio venoso. O ventrículo faz continuação com outra pequena dilatação, o cone ou bulbo arterioso. O sangue que circula pelo coração dos peixes é estrita- mente venoso. a) O seio venoso é um saco de paredes finas com pouco tecido muscular, essencialmente um local para coleta de sangue venoso, situado atrás, na região do septo, entre a cavidade pericárdica e o celoma geral. Ele recebe a veia ou as veias hepáticas em sua parte posterior e as cardinais comuns pares lateralmente. b) O átrio (ou aurícula) é a câmara anterior seguinte, ainda com paredes relativamente finas e distensíveis. c) O ventrículo tem paredes grossas, sendo a principal parte contrátil do coração. d) O cone arterioso tem paredes espessas, mas é pequeno em diâmetro e apresenta frequentemente diversos conjuntos de válvulas. Esse tipo primitivo de coração descrito desenvolveu-se tipicamente nos pei- xes cartilaginosos. Na maioria dos outros peixes,o coração é uma estrutura seme- lhante, podendo existir, no entanto, modificações sem muita importância (Figura 1.1). O coração é parcialmente envolvido pelo pericárdio. É composto de duas camadas: o epicárdio (mais interno) e o pericárdio parietal. Entre eles, há um estreito espaço preenchido pelo líquido pericardíaco. Este líquido diminui o atrito gerado pela movimentação do coração. SALMITO-VANDERLEY, C. S. B 14 Figura 1.1. Esquema do coração de peixes. Fonte: Adaptado de SCHMIDT-NIELSEN (1999). 1.2.2.1.2. Peixes pulmonados e anfíbios Os peixes pulmonados e os anfíbios já trazem uma inovação no coração: a presença de três cavidades cardíacas – dois átrios e um ventrículo (Figura 1.2). O átrio direito do coração desses animais corresponde perfeitamente ao átrio único dos peixes, pois recebe sangue venoso e é também antecedido pelo seio venoso. O átrio “novo” se situa à esquerda e recebe sangue arterial. Entre os átrios e o ventrículo único, existe um só orifício de passagem para o ventrículo. Nos anfíbios, esse orifício é guarnecido por quatro válvulas que auxiliam no fechamento dessa abertura. Nos peixes pulmonados, existe uma almofada especial de tecido da parede posterior fazendo esse papel. Nesses animais há mistura de sangue arterial e venoso no ventrículo, por isso, diz-se que neles a circulação é incompleta. Figura 1.2. Esquema do coração tricavitário de peixes pulmonados e de anfíbios. Fonte: HILDEBRAND; GOSLOW (2006). Fisiologia Animal Comparada 15 1.2.2.1.3. Nos répteis Nos répteis, observa-se um septo no interior do ventrículo (um tabique ou uma parede), dividindo-o em dois compartimentos. Na maioria dos répteis, esse septo não separa totalmente os dois compartimentos ventriculares. Então, o sangue arterial ainda se mistura com o venoso (circulação incompleta). O septo que divide parcialmente o ventrículo é chamado de septo interventricu- lar (septo de Sabatier). Já nos crocodilianos (jacarés e crocodilos), o septo interventricular é completo e divide o ventrículo em dois (ventrículos direito e esquerdo). Mas ainda neles ocorre mistura de sangue arterial com venoso, porque, entre os dois troncos, sistêmicos e pulmonares, que saem do ventrí- culo, existe uma ponte, que é chamada de forame de Panizza, através da qual passa um pouco de sangue arterial de um tronco para outro. 1.2.2.1.4. Aves e mamíferos Nas aves e nos mamíferos, a evolução atingiu um alto grau no aprimoramento do coração. Nestes animais, o coração consiste em uma bomba de quatro câ- maras distintas (dois átrios e dois ventrículos), correndo sangue arterial pelas câmaras esquerdas, e sangue venoso pelas câmaras direitas. Não há mistura de sangue arterial e venoso (circulação completa). O sistema circulatório das aves é semelhante ao dos mamíferos, com poucos detalhes que não possuem significado fisiológico. O coração das aves é proporcionalmente maior que o dos mamíferos, devido à sua necessidade metabólica para o voo. O arco aórtico persistente fica do lado direito, enquanto o dos mamíferos está localizado à esquerda. O coração tem a forma de um cone irregular e um tanto achatado. Inter- namente, possui as seguintes câmaras (Figura 1.3): a) Átrio direito (AD): É formado por uma cavidade central (seio das veias cava), a qual se prolonga em um divertículo em fundo cego (a aurícula do AD). Esta aurícula se relaciona com a origem do tronco pulmonar. No AD, encontramos as desembocaduras de vários vasos, em especial daque- les que trazem o sangue venoso do corpo, que são os óstios (forames) da veia cava cranial (par na ave) e caudal. Além destas aberturas, ainda temos outra, que é o óstio atrioventricular direito (abertura circular que comunica o átrio direito ao ventrículo direito). b) Ventrículo direito (VD): tem formato um tanto triangular. Sua parede é mais delgada e sua cavidade mais ampla que a do ventrículo esquerdo (VE). Ele se prolonga dorsocaudalmente na face esquerda do coração e forma o cone arterial (expansão alongada), que se continua com o tron- O átrio direto está separado do esquerdo pelo septo interatrial. Neste septo, no feto, há o forame oval, que, no adulto, está ocluído e chama-se fossa oval, estando situado na desembocadura da veia cava caudal. O óstio atrioventricular direito é circundado por um anel fibroso (esqueleto cardíaco), que mantém sua circunferência aproximadamente constante durante as contrações cardíacas. Sua margem é provida pela valva atrioventricular direita ou tricúspide, constituída por três pregas aproximadamente triangulares, as válvulas ou os cúspides. O óstio atrioventricular esquerdo também é circundado por um anel fibroso, no qual se prende a valva atrioventricular esquerda (bicúspide ou mitral), constituída por duas válvulas ou cúspides. SALMITO-VANDERLEY, C. S. B 16 co pulmonar (artérias pulmonares direita e esquerda). O óstio do tronco pulmonar é provido pela valva do tronco pulmonar, constituída por três válvulas semilunares. c) Átrio esquerdo (AE): Apresenta, como o direito, uma cavidade central e uma expansão em fundo cego, a aurícula do AE. No AE, abrem-se os óstios das veias pulmonares, que são em número de duas a quatro, dependendo da espécie. Ventralmente, o AE comunica-se com o ven- trículo esquerdo, através do óstio atrioventricular esquerdo ou mitral. d) Ventrículo esquerdo (VE): Tem paredes mais espessas que o VD. Nele, abrem-se o óstio atrioventricular esquerdo e o óstio da aorta. O óstio da aorta é provido pela valva da aorta, composta de três válvulas semilunares. No coração, encontramos células (fibras) musculares modificadas que possuem a capacidade de gerar e/ou de transmitir impulsos para contração, é o sistema de condução do coração. Este sistema é formado pelo nó sinuatrial (marcapasso), o nó atrioventricular e o fascículo atrioventricular. Mais à frente, neste capítulo, falaremos da sua importância. Figura 1.3. Anatomia interna do coração de mamífero. Fonte: http://www.sobiologia.com.br/ conteudos/FisiologiaAnimal/circulacao.php. 1.2.2.2. Tipos de vasos sanguíneos Os vasos condutores do sangue são as artérias, as veias e os capilares sanguíneos. As artérias são tubos cilindroides, elásticos, nos quais o sangue circula centrifugamente em relação ao coração, e seus batimentos, às vezes, são notados apenas pela palpação. Tendo em vista seu diâmetro, as artérias po- dem, de um modo simplificado, ser classificadas em artérias de grande (> No coração, existem estruturas denominadas de esqueleto cardíaco, que circundam vários óstios. Nos ruminantes adultos, podem-se encontrar um ou dois ossos do coração, no anel de tecido fibroso que circunda o óstio da aorta. Encontram-se, nos cães, nas tartarugas, nos equinos e nos suínos, peças de cartilagem hialina que podem ossificar-se em animais idosos. No coelho, encontram-se até 5 nódulos de cartilagem hialina, formando-se no anel fibroso da aorta. Na girafa, está presente um tecido elástico compondo o anel fibroso da aorta, que também podem ser encontrados nos anéis fibrosos que compõem os óstios atriventricular esquerdo e direito e do tronco pulmonar. Fisiologia Animal Comparada 17 de 7 mm), médio (2,5 a 7 mm) e pequeno (2,5 a 0,5 mm) calibre e arteríolas (<0,5 mm). As arteríolas são os menores ramos das artérias e oferecem maior resistência ao fluxo sanguíneo, contribuindo assim para reduzir a tensão do sangue antes de sua passagem pelos capilares. As veias são tubos nos quais o sangue circula centripetamente em re- lação ao coração. As veias fazem sequência aos capilares e transportam o sangue que já sofreu trocas com os tecidos, da periferia para o centro do sistema circulatório, que é o coração. Suas finas paredes deixam transpare- cer o sangue que nelas circula. Sua forma varia de acordo com a quantidade de sangue em seu interior. Quando fortemente distendidas, apresentam-se nodosas devido à presença das válvulas. Como ocorre com as artérias, asveias podem ser classificadas em veias de grande, médio e pequeno calibre e vênulas, estas últimas, seguindo-se aos capilares. Os capilares sanguíneos são vasos microscópicos (0,01 mm de diâme- tro), interpostos entre artérias e veias. Neles se processam as trocas entre o sangue e os tecidos. Sua distribuição é quase universal no corpo, sendo rara a sua ausência em tecidos ou órgãos (a epiderme, a cartilagem hialina, a cór- nea e a lente do olho são avasculares). No sistema de vasos linfáticos, circula a linfa, sendo basicamente um sistema auxiliar de drenagem, ou seja, auxiliar do sistema venoso. Nem todas as moléculas do líquido tecidual passam para os capilares sanguíneos. É o caso de moléculas de grande tamanho, que são recolhidas em capilares es- peciais – os capilares linfáticos, de onde a linfa segue para vasos linfáticos, e destes para troncos linfáticos, os mais volumosos, que, por sua vez, lançam a linfa em veias de médio ou de grande diâmetro. Os capilares linfáticos são mais calibrosos e mais irregulares que os sanguíneos, e terminam em fundo cego, sendo geralmente encontrados na maioria das áreas onde estão situ- ados os capilares sanguíneos. São extremamente abundantes na pele e nas mucosas. Os vasos linfáticos possuem válvulas em forma de bolso, como as das veias, e elas asseguram o fluxo da linfa numa só direção, ou seja, para o coração. Os vasos linfáticos estão ausentes no sistema nervoso central, na medula óssea, nos músculos esqueléticos (mas não no tecido conjuntivo que os reveste) e nas estruturas vasculares. Nos anfíbios, répteis e em algumas aves, o sistema linfático apresen- ta corações linfáticos, pequenas estruturas musculares com duas câmaras, situadas em locais onde os vasos linfáticos se abrem nas veias, e que bom- beiam a linfa para o interior da circulação geral. Geralmente estes corações são pouco numerosos. Na maioria das aves e nos mamíferos, não há cora- ções linfáticos. Nestes últimos, o fluxo da linfa é relativamente lento durante os períodos de inatividade de uma área ou órgão. A atividade muscular provoca Numerosa é a quantidade de capilares num tecido, porém nem todos esses vasos permanecem abertos ao mesmo tempo, pois a abertura depende da necessidade do órgão em determinado momento. Para se ter um ideia, de acordo com Schimidt-Nielsen (1999), em uma área de 1 mm2 de músculo de cobaia em repouso, existem cerca de 100 capilares abertos, e, quando em atividade, esse número pode chegar a 3.000 capilares abertos em 1 mm2. SALMITO-VANDERLEY, C. S. B 18 o aparecimento de fluxo mais rápido e regular. A circulação da linfa aumenta durante o peristaltismo (movimento das vísceras do tubo digestivo) e também com o aumento dos movimentos respiratórios, mas é pouco influenciada por elevação da tensão arterial. 1.2.3. Circulação nos vertebrados Neste item, discutiremos, primeiramente, a circulação de forma geral, e inicia- remos apresentando as características dos animais de sangue quente (mamí- feros e aves) para depois observarmos as particularidades da circulação nos demais grupos de animais. O miocárdio (parede muscular do coração) tem a propriedade de con- trair-se com força considerável, empurrando fortemente o sangue para as ar- térias. A circulação do sangue ocorre por meio de duas correntes sanguíneas (a circulação sistêmica e a pulmonar), as quais partem, ao mesmo tempo, para o coração (Figura 1.4). Figura 1.4. Esquema geral das redes vasculares principais do animal. O pontilhado in- dica sangue oxigenado. AE- átrio esquerdo; AD- átrio direito; VE- ventrículo esquerdo; e VD- ventrículo direito. Fonte: FRANDSON et al. (2005). Na circulação pulmonar, ou pequena circulação, o sangue venoso (po- bre em O2) é enviado pelo VD, através da artéria pulmonar (passando pelas válvulas semilunares), para os capilares pulmonares, onde se processa a he- matose, ou seja, a troca de CO2 por O2. O sangue oxigenado retorna ao co- ração pelas veias pulmonares, que o leva ao AE, de onde passará para o VE, passando pela valva bicúspide (ou mitral). O coração comporta- se como duas bombas que atuam interligadas, o lado direito e o lado esquerdo. Observa-se que as metades, direita e esquerda, do coração agem sincronicamente, uma vez que, para certo volume de sangue bombeado do lado esquerdo do coração, entrará o mesmo volume do lado direito. Porém, sabe-se que a cavidade ventricular do lado direito é mais ampla e possui paredes mais finas, isto ocorre porque, do lado direito, é necessário uma força (pressão) menor para esguichar o sangue para os pulmões, em contradição àquela que bombeia para todo o corpo. Fisiologia Animal Comparada 19 O sangue arterial, ao ser esguichado pelo VE para fora do coração, pela artéria aorta (através da valva semilunar), para irrigar os órgãos, inicia a grande circulação (sistêmica). Ao passar pelos órgãos (onde, através dos capilares, processam-se as trocas entre o sangue e os tecidos − Figura 1.5), o sangue, agora carregado de resíduos e CO2, volta ao coração através das veias cavas cranial (ou superior) e caudal (ou inferior), as quais desembocam no AD, de onde o sangue passará para o ventrículo direito (através da valva tricúspide). Este, ao contrair-se, promove o reinício da pequena circulação. Percebe-se, portanto, que a circulação sanguínea como um todo é um ato que deve ocorrer com todas as estruturas do sistema circulatório, funcionando coordenada e integralmente. Como já mencionada, a força motora que gera o fluxo de sangue pela extensa rede de vasos é a contração do coração. Os vasos fornecem uma via para o movimento e permitem a troca entre o sangue e os líquidos intersti- ciais na altura dos capilares. A velocidade de transporte e de troca geralmente é determinada pela velocidade de fluxo sanguíneo através dos capilares. A contração cardíaca gera a pressão, e esta favorece que o sangue percorrer os vasos (a medida desta força é a pressão hidrostática ou pressão média do sangue nos vasos). Esta força geradora de pressão arterial faz-se importante, pois existe uma resistência vascular fornecida pelos vasos que deve ser ven- cida para o sangue fluir. Figura 1.5. Representação esquemática do capilar e das forças que determinam as trocas entre sangue capilar e tecido. Fonte: Adaptado de McCAULEY (1976). A resistência (R) para o fluxo através de um único tubo depende do comprimento (C) do tubo (quanto maior o comprimento, maior a resistência); do raio (r) do tubo (quanto menor o raio, maior a resistência); e da viscosidade do líquido (η) que flui no tubo (quanto maior viscosidade, maior a resistência). Pode-se calcular a resistência de um fluido em um tubo pela fórmula matemática a seguir: 48 LR r η π = Muito embora o raio do vaso tenha papel preponderante sobre a resistência que será imposta à passagem do sangue, o cálculo desta resistência não é tão simples, pois se deve levar em consideração que a ramificação dos vasos diminui a resistência. De fato, nos capilares, a resistência é relativamente baixa, apesar do seu pequeno diâmetro. SALMITO-VANDERLEY, C. S. B 20 As paredes das artérias são elásticas e esticam e relaxam para manter o sangue circulando por todas as partes do corpo. O coração, ao contrair-se, propulsiona um determinado volume de sangue através da artéria aorta. À medida que o sangue passa pelas artérias, elas se contraem pressionando o sangue para frente. Essa pressão é necessária para que o sangue consiga chegar aos locais mais longínquos do organismo (ex.: dedos dos pés). A passagem de sangue pelos vasos não pode cessar e, de fato, o co- ração é uma bomba que contrai dia e noite, numa frequência, no caso do humano adulto em repouso, de cerca de 70 vezes por minuto. Poder-se-ia pensar que, nem um animal de maior porte, como o sangue precisa percorrer um espaço corporal maior, a frequência de batimentos cardíacos seria tam- bém mais elevada, porém este pensamento é errado,pois, por exemplo, no elefante, a frequência é de 25 batimentos por minuto. Isto tem resposta na atividade metabólica, que nos animais de grande porte é menor. Na realidade, é num camundongo de apenas 4g que encontramos a maior frequência cardí- aca, de 800 batimentos por minuto (SCHMIDT-NIELSEN, 1999). A frequência cardíaca, assim com a pressão arterial, nas aves, é mais elevada que nos mamíferos de tamanho semelhante. 1.2.3.1. Ciclo cardíaco A contração do coração é denominada de sístole, e o relaxamento de diás- tole. Ciclo cardíaco é o nome dado a um ciclo completo de contração e de relaxamento cardíaco (FRANDSON et al, 2005). Os eventos do ciclo cardíaco ocorrem em sequência específica, como veremos posteriormente. A sístole refere-se à contração de uma câmara do coração que dirige sangue para fora da câmara, enquanto diástole refere-se ao relaxamento de uma câmara do coração antes do enchimento e durante o enchimento des- sa câmara. Muito embora existam as sístoles e diástoles atrial e ventricular, descrevendo a atividade das câmaras cardíacas específicas, usa-se o termo diástole e sístole, costumeiramente, para descrever as duas principais fases do ciclo cardíaco, que têm, como base, a atividade dos ventrículos (FRAND- SON et al, 2006). No início da sístole, observa-se que os ventrículos começam a se con- trair devido à pressão nestes compartimentos ser singular maior que a de seus respectivos átrios (vazios ou em enchimento). As valvas atrioventricu- lares (tricúspide ou mitral) estão fechadas. Neste momento, as valvas semi- lunares, que ligam os compartimentos ventriculares às suas artérias corres- pondentes (do tronco pulmonar ou aorta), também se encontram fechadas, e, como a contração continua, isto faz com que a pressão interna dos ven- trículos aumente ainda mais, ficando mais elevada que a das artérias. Esta A frequência cardíaca se mantém devido a um grupo de fibras musculares cardíacas modificadas especializadas, o nodo sinoatrial e nodo átrioventricular. Essas células são capazes de gerar sinais elétricos que estimulam a contração do miocárdio, sendo que as do nó sinoatrial são chamadas de marca- passo cardíaco, pois são capazes de gerar impulsos mais rapidamente. Existe também o feixe interventricular especializado em condução do impulso para a contração muscular. O único momento de descanso do coração diz-se respeito à pequena fração de segundo entre as contrações (SCHMIDT- NIELSEN, 1999). Débito cardíaco é a quantidade de sangue bombeado pelo coração por minuto. Fisiologia Animal Comparada 21 diferença de pressão promove a abertura das valvas semilunares, e o sangue é esguichado para os vasos. Ao final da ejeção do sangue pelos ventrículos, a pressão neles cai, ficando menor que a das artérias, e as valvas semilunares fecham. A pressão sanguínea na artéria aorta e no tronco pulmonar se mantém, mesmo quando os ventrículos começam a relaxar, devido à elasticidade da parede desses vasos. Se não fosse essa propriedade elástica dos vasos arteriais, a pressão subiria muito durante a sístole, o que acontece em quem tem arteriosclerose (devido ao endurecimento das paredes). No início da diástole, as valvas semilunares e atriventriculares estão fechadas, e os ventrículos estão relaxando. Enquanto isso, sua pressão inter- na vai caindo. Enquanto as valvas atrioventriculares estão fechadas durante a sístole e o início da diástole, o sangue continua a fluir para os átrios direito e esquerdo, a partir das circulações sistêmica e pulmonar, respectivamente. O sangue vai se acumulando nos átrios e, por consequência, à pressão san- guínea atrial vai se elevando. Em certo, momento a pressão sanguínea atrial excede a pressão sanguínea ventricular, as diferenças de pressão abrem as valvas atrioventriculares, e o grande quantidade de sangue acumulado flui rapidamente para dentro dos ventrículos. A maior parte do enchimento ven- tricular ocorre durante este período. Apenas 15% de sangue adicional são impulsionados para os ventrículos, ao final da diástole, pela contração atrial. O sangue continua a fluir no átrio durante toda a diástole e, como as valvas atrioventriculares estão abertas, flui diretamente, através dos átrios, para dentro dos ventrículos. Como mencionado antes, a diástole é a fase do ciclo cardíaco que aumenta mais com frequências cardíacas baixas, de modo que as frequências cardíacas fornecem um longo período para enchi- mento ventricular. 1.2.3.1.1. Sistema de condução do coração Como citado anteriormente, o ritmo de contração do músculo cardíaco é dado por um conjunto de fibras musculares cardíacas modificadas, denomi- nado sistema de condução do coração, que é constituído pelo nó sinu-atrial, nó atrioventricular e fascículo atrioventricular (Figura 1.6). De fato, o coração, independente de ser de animais homeotérmicos ou pecilotérmicos, mesmo quando retirado do corpo do animal, continua a contrair-se ritmicamente durante algum tempo. A esta propriedade deu-se o nome de automatismo cardíaco. No caso do coração isolado de animal de sangue quente, este automatismo se apresenta desde que colocado em uma solução líquida especial substitutiva do sangue. Dois sons cardíacos distintos podem ser ouvidos durante cada ciclo cardíaco em todas as espécies mamíferas domésticas, os quais são tipicamente descritos como lub (primeiro som, ou S1) e dub (segundo som, ou S2). Esses sons são separados por um curto intervalo e seguidos por uma pausa maior. O primeiro som marca o início da sístole e o segundo som marca o início da diástole. O volume de sangue ejetado do ventrículo a cada contração denomina-se volume de ejeção. Normalmente, os volumes de ejeção para os ventrículos direito e esquerdo são os mesmos. Se não forem iguais, o sangue tende a acumular- se ou na circulação sistêmica ou na pulmonar. O volume de sangue em cada ventrículo, no final da diástole, é o volume diastólico final. Durante a sístole, cada ventrículo ejeta apenas uma porcentagem (40 – 60%) de seu volume diastólico final. Esta porcentagem de sangue ejetado denomina- se fração de ejeção (FRANDSON et al., 2006). SALMITO-VANDERLEY, C. S. B 22 Muito embora o coração possa contrair sem auxílio de estimulação ner- vosa, isso não significa que os nervos não tenham importância para o funcio- namento deste órgão. Na realidade, o controle da atividade cardíaca é feito através do nervo vago (atua inibindo) e do nervo simpático (atua estimulando). Esses nervos agem sobre o nó sinuatrial (situado na parede do átrio direito), considerado como o “marcapasso” do coração. Daí, ritmicamente, o impulso propaga-se ao miocárdio, resultando na contração primeiramente dos átrios. Este impulso chega ao nó atrioventricular (localizado na porção inferior do septo interatrial). No nó atrioventricular, o impulso é retardado por poucos centésimos de segundo, antes de permitir a sua propagação para o ventrículo. Este retardo permite que os átrios esguichem o sangue para os ventrículos, antes de estes iniciarem sua contração. O impulso chega aos ventrículos atra- vés do feixe atrioventricular (situado inicialmente ao nível da porção superior do septo interventricular, depois emite os ramos direito e esquerdo). Este es- tímulo é propagado rapidamente na parede do ventrículo (pelo sistema de Purkinge), levando a uma forte contração do ventrículo dentro de poucos cen- tésimos de segundos. Figura 1.6. Sistema de condução elétrica do coração. Fonte: Adaptado de http://patofisio. files.wordpress.com/2010/04/em_0018.jpg. 1.2.3.1.2. Nos peixes No típico sistema circulatório dos peixes, o sangue circula em uma série de vasos fechados, similar aos de vertebrados superiores. Vimos que estes ani- mais possuem um coração que funciona como uma bomba de circuito único, ou seja, ele bombeia um único fluxo de sangue, venoso, para a região anterior Fisiologia Animal Comparada 23 do corpo. Este tipo de circulação é denominadosimples. Saindo do coração, o sangue chega aos capilares das brânquias, onde absorve oxigênio e se dirige para os tecidos. Dos tecidos, retorna ao coração (Figura 1.7). O sangue venoso chega ao coração pela veia cardinal comum. Essa veia desemboca seu conteúdo no seio venoso, daí o sangue passa para o único átrio, através de um óstio que contém a válvula sinuatrial (com tecido de marcapasso). O átrio expele o sangue através de uma ou de mais fileiras de válvulas atrioventriculares para o ventrículo, e deste para a câmara cha- mada cone arterial (ou bulbo), que se continua com a artéria ventral. Essa câmara provavelmente corresponde à primeira porção da aorta de mamíferos. A parede deste cone encontra-se revestida internamente por várias fileiras de válvulas semilunares que impedem o refluxo do sangue para o interior do ventrículo e que, aparentemente, servem para igualar as ondas de pressão arterial, produzindo assim um fluxo de sangue mais uniforme e contínuo atra- vés das brânquias. Um fator limitante da circulação sanguínea em peixes é o fato de o san- gue que sai do coração chegar às brânquias com uma alta pressão, e, ao sair desta, ao passar pelos capilares branquiais, a pressão é cerca de 20 a 40 mmHg menor que a pré-branquial. Desta forma, o sangue chega aos tecidos com baixa pressão. Diante do exposto, pergunta-se: como então o sangue, estando à baixa pressão, consegue voltar eficientemente ao coração? Isto se dá devido à ajuda que o coração recebe da contração muscular que ocorre durante a movimen- tação do peixe e dos seus órgãos. Outro fator que determina o retorno venoso e o consequente enchimento do átrio é o fato de o seio venoso possuir paredes muito finas, o que, desta maneira, eleva a pressão sanguínea o suficiente para distender o átrio de paredes grossas. Da mesma forma, o átrio distende as pare- des mais grossas do ventrículo. Cada uma das câmaras pode atuar elevando a pressão sanguínea gradualmente desde os níveis venosos ao arterial. O coração dos peixes recebe inervação do sistema parassimpático, porém não há evidência da inervação simpática correspondente às dos ver- tebrados superiores. Nos humanos adultos, a pressão sanguínea arterial normal é de 120 mmHg para a pressão sistólica e de 80 mmHg para a diastólica. A contração de cada célula muscular cardíaca requer um potencial de ação na membrana celular e o potencial de ação resulta na liberação de cálcio pelos estoques intracelulares. Apesar de nem todas as células musculares cardíacas serem inervadas por um neurônio motor, o potencial de ação é propagado célula a célula, devido aos discos intercalares presentes fornecerem uma conexão elétrica entre as células miocárdicas. Rever histologia do músculo cardíaco e contração muscular (SALMITO-VANDERLEY; SANTANA, 2010). SALMITO-VANDERLEY, C. S. B 24 Figura 1.7. Esquema da circulação de peixes teleósteos. V- ventrículo, A- átrio. Fonte: Adaptado de MCCAULEY (1976). 1.2.3.1.3. Nos peixes pulmonados Nos peixes pulmonados, observa-se que algumas brânquias sofreram dege- nerações e os que pulmões começaram a assumir a função respiratória. Ao estudarmos o pulmão de um Dipnoi claramente percebemos que ele repre- senta uma modificação evolutiva. O átrio do coração destes peixes pulmona- dos encontra-se totalmente dividido em duas câmaras, direita e esquerda, já o ventrículo se divide apenas parcialmente. Mesmo com uma divisão apenas parcial, cada lado do ventrículo tende a manter separado o sangue provenien- te do seu átrio correspondente. De fato, o sangue que chega da circulação pulmonar pelo átrio es- querdo passa à metade esquerda do ventrículo, para, posteriormente, ser expulso pela artéria aorta. A partir da aorta este sangue segue para os pulmões e para os primeiros arcos branquiais. Destes arcos, o sangue, ri- camente oxigenado, segue principalmente para a oxigenação dos tecidos da cabeça (Figura 1.8). O átrio direito recebe sangue da circulação geral e esse sangue menos oxigenado flui pelos arcos branquiais posteriores, passando para a aorta dor- sal e, em parte para os pulmões. Vale salientar que a anatomia do coração de peixes pulmonados não explica como o sangue realmente flui. Alguns trabalhos têm demonstrado um alto grau de separação entre sangue venoso e arterial. Há uma nítida “prefe- rência” pelo sangue pobre em oxigênio ser levado aos pulmões, enquanto o oxigenado ser elevado para a circulação sistêmica, mas o mecanismo exato que determina essa separação ainda não está totalmente elucidado, sendo um campo aberto a estudos. Nos peixes, um aumento na atividade física não altera o volume de ejeção do sangue pelo coração, no entanto, proporciona um aumento no retorno venoso, devido à contração muscular do corpo, o que leva a um maior gasto cardíaco. A elevação da temperatura ambiente nos animais de sangue frio levam a um aumento nas necessidades metabólicas de O2 e de alimentos, aumentando, por conseguinte, a frequência cardíaca (McCAULEY, 1976). Fisiologia Animal Comparada 25 Figura 1.8. Esquema da circulação de peixes pulmonados V- ventrículo; RA- átrio direito; LA- átrio esquerdo; SV- seio venoso. Fonte: Adaptado de McCAULEY (1976). 1.2.3.1.4. Nos anfíbios O sistema circulatório dos anfíbios adultos varia muito, pois existem espécies que são totalmente aquáticas e que possuem brânquias, enquanto outras, terrestres dependem de pulmões. Aqui descreveremos o sistema circulatório dos anuros (rãs e sapos). O coração dos anuros tem uma divisão estrutural menor que a dos pei- xes pulmonados, pois está constituído por dois átrios completamente separa- dos (direito e esquerdo) e um por ventrículo não dividido. Ele possui um seio venoso (antes do átrio direito, que serve para elevar a pressão sanguínea) e um cone arterial no início da aorta, que possui um desvio na forma de sulco e que serve para manter separadas as correntes sanguíneas (pulmonar e sistê- mica) - Figura 1.9. Não nos esqueçamos de que, nos anfíbios, a pele é um órgão respira- tório importante, e, por esta razão, a artéria que sai do ventrículo em direção ao pulmão (pulmocutânea) ramifica-se, de modo que um ramo direciona-se para o pulmão e o outro para a pele (úmida), para captar oxigênio. O sangue proveniente dos pulmões adentra o coração pelo átrio esquerdo, e o sangue venoso da grande circulação, pelo átrio direito. SALMITO-VANDERLEY, C. S. B 26 Figura 1.9. Esquema de circulação da rã e grau de saturação (S). Observar que, ape- sar de ter só um ventrículo, o sangue que vem do pulmão e o sangue do corpo quase não se misturam. Fonte: SCHMIDT-NIELSEN (1999). O sangue que sai do lado direito do coração é direcionado para os ór- gãos respiratórios quando se observa uma queda de pressão. A pressão se eleva novamente quando da saída para a circulação sistêmica, e os tecidos recebem sangue a uma pressão adequada, o que lhes proporciona levar uma vida mais ativa. Nestes animais, o sangue oxigenado mistura-se com o sangue venoso, mas a quantidade que se mistura é tão pouca que não é significativa. 1.2.3.1.5 Nos répteis Entre os répteis, também encontramos variações do sistema circulatório. Nos répteis inferiores, os ventrículos ainda não são totalmente separados, porém há pouca mistura de sangue, e sua separação das correntes sanguíneas é bem maior do que supõe a anatomia do coração destes animais. O ventrículo aparece pela primeira vez completamente dividido no co- ração dos répteis crocodilianos (crocodilos e jacarés) - Figura 1.10. O san- gue oxigenado não se mistura mais com o venoso no ventrículo. No entanto, nestes animais, ainda existem dois arcos aórticos, o direito e o esquerdo (que tem origem no ventrículo ipsilateral), e, entre os dois arcos, existe uma comu- nicação, o forame interaórtico (de Panizza), que permite a mistura do sangue oxigenado ao não oxigenado. O grau de mesclagem de sangue depende da atividade do indivíduo, por exemplo, quando um crocodilianomergulha, have- rá toda uma modificação do sistema circulatório de modo que o débito do lado direito irá diminuir e praticamente todo o sangue que sai do ventrículo direito é direcionado para a circulação sistêmica. O coração é inervado pelos nervos do sistema simpático e parassimpático. Eles controlam a pressão arterial da mesma forma que nos mamíferos. Fisiologia Animal Comparada 27 Figura 1.10. Esquema da circulação de réptil crocodiliano. RV- ventrículo direito; LV- ventrículo esquerdo; RA- átrio direito; LA- átrio esquerdo; SV- seio venoso. Fonte: Adaptado de McCAULEY (1976). 1.3. Sistema respiratório 1.3.1. Introdução Os animais, para sobreviverem, devem retirar oxigênio (O2) do meio ambiente e, posteriormente, devolver dióxido de carbono (CO2). Portanto, o oxigênio é uma ne- cessidade vital. A maioria dos animais pode sobreviver, por dias, sem água ou, por semanas, sem comida, mas, sem oxigênio, a sobrevivência é medida em minutos. Então, surge a pergunta: por que o oxigênio é tão importante para a manutenção da vida animal? Porque a satisfação da necessidade energética (ATP - trifosfato de adenosina) se dá pela oxidação de alimentos (principal- mente da glicose), tendo como subprodutos do processo a formação de CO2 e a água (C6H12O6 + 6O2 → 6CO2 + 6H2O + 36 ATP). Entende-se, então, que, em qualquer forma que se apresente, a respiração é uma das características básicas dos seres vivos. Essencialmente, consiste na absorção pelo organis- mo de oxigênio e sua eliminação do dióxido de carbono, resultante de oxige- nações celulares. Vale salientar que a troca gasosa, com geração de energia, ocorre a nível celular. 1.3.2. Aspectos gerais sobre os gases respiratórios no ar e, na água e no sangue 1.3.2.1. Ar atmosférico e água O ar atmosférico é composto por vários gases e por vapor de água, este últi- mo, especificamente, em quantidades variáveis. Do ponto de vista fisiológico, os gases mais importantes são o oxigênio, o dióxido de carbono e o nitrogênio. A água gerada nos processos de oxidação faz parte do reservatório geral de água no corpo e não representa qualquer problema especial. SALMITO-VANDERLEY, C. S. B 28 Ainda temos o argônio, que passa a ser interessante fisiologicamente apenas nos peixes que secretam gases dentro de uma estrutura, que pode ou não ter função respiratória, a bexiga natatória. A proporção dos gases no ar atmosférico (Quadro 1.1) permanece cons- tante desde o nível do mar até o pico da montanha mais alta. O aumento da alti- tude diminui a pressão dos gases, diminuindo também a quantidade de ar, mas não a proporção dos gases. A quantidade, ou melhor, a concentração de um determinado gás, seja no ar ou na água, é expressa em termos de sua pressão parcial. As pressões parciais do gás oxigênio (PO2) e do gás carbônico (PCO2) no ar atmosférico são cerca de 159 mmHg e de 0,23 mmHg, respectivamente. Quadro 1.1. Composição do ar atmosférico seco Gases % Oxigênio 20,95 Dióxido de carbono 0,03 Nitrogênio 78,088 Argônio 0,93 Hélio+neônio+criptônio+xenônio 0,002 Total 100,00 Os gases atmosféricos são solúveis em água. A quantidade de gás dis- solvida assume uma particular importância para os animais aquáticos e de- pende dos seguintes fatores: a) Concentração do gás no ar. b) Solubilidade do gás em questão. Na água, o CO2 é cerca de 30 vezes mais solúvel que o oxigênio, e o nitrogênio, um pouco menos que este último. O CO2, ao se dissolver na água, forma o ácido carbônico (H2CO3), muito instável, esse ácido, por sua vez imediatamente libera o íon H+ e o ânion bicarbonato (HCO3 -). Além disso, a maioria das águas naturais con- tém cátions (principalmente Na+ e Ca+), o que leva a maioria dos ânions bicarbonatos a se associarem a estes cátions Na(HCO3)2; Ca(HCO3)2. Todos estes elementos somam-se à quantidade total de CO2. Portanto, em comparação ao ar, a água é o meio externo melhor para o organismo se desfazer do CO2. b1) A presença de sais na água também interfere na solubilidade do gás. Por exemplo, a solubilidade do O2 na água do mar é cerca de 20% menor que na água doce. A pressão dos gases é expressa em milímetros de mercúrio (mmHg), o que indica a altura da coluna de mercúrio que pode ser suportada pela pressão do gás em questão. Portanto, a pressão atmosférica corresponde à altura da coluna de mercúrio num barômetro de mercúrio. Visto que a pressão atmosférica normal é de 760 mmHg e que 21% desse total corresponde ao oxigênio, a pressão parcial de O2 é de 159 mmHg. A 6.000 m de altitude, a pressão atmosférica é a metade daquela ao nível do mar. Sendo assim, se fôssemos medir a quantidade de O2 dissolvido na água a esta altitude, ela seria também a metade da encontrada ao nível do mar. Fisiologia Animal Comparada 29 b2) A pressão parcial do gás também influencia na sua solubilidade. Quando a pressão parcial de um gás se reduz, diminui também a quan- tidade do gás dissolvido na água. Uma vez que a pressão atmosférica diminui com a altitude, a quantidade do gás também diminui. c) Temperatura. Com a elevação da temperatura, diminui a solubilidade do gás. Todos esses gases que têm importância fisiológica respiratória são mo- léculas simples, capazes de se moverem livremente umas por entre as outras; essa movimentação é que recebe o nome de difusão, processo no qual uma substância passa de uma concentração maior para uma menor. Essas afir- mativas também são verdadeiras para os gases dissolvidos nos líquidos e nos tecidos do corpo. Sendo a difusão o mais importante e, não raro, o único pro- cesso físico responsável pelo movimento de oxigênio do meio externo para as células. O movimento do CO2 na direção oposta também segue ao gradiente de concentração. O oxigênio se difunde no ar 3 milhões de vezes mais rápido que na água. Além disso, a solubilidade do oxigênio na água é tão baixa que ela ob- tém somente cerca de 5% do oxigênio que contém o ar. Isto significa que os organismos aquáticos têm menos oxigênio disponível que os que respiram ar. Sendo assim, o peixe, para obter a mesma quantidade de oxigênio que um animal de respiração aérea, necessita fazer ventilar suas superfícies res- piratórias com 20 litros de água para obter a mesma quantidade de O2 que o indivíduo que respira 1 litro de ar. Porém, viver ao ar não é só vantagem, tan- to que, nestes animais, fez-se necessário o aparecimento de aparatos mais complexos para propiciar a respiração. 1.3.2.2. No sangue O sangue é um tecido que é formado por vários componentes, sendo obser- vada uma matriz extracelular líquida, o plasma e os elementos figurados. Os componentes do sangue podem ser vistos na Figura 1.11. Em condições normais, o ar que respiramos possui 21% de O2. Cerca de 1 cm 3 de O2 dissolve-se em 100 cm3 de água a 0º C. Com a elevação da temperatura para 15º C, a solubilidade deste gás cai para 0,7 cm3 O2/100 cm 3 de água. A 37º C passa a 0,5 cm3 O2/100 cm 3 de água. A difusão pode ser auxiliada por movimentos de massa, tal como o movimento do ar entrando e saindo dos pulmões, mas os gradientes de concentração continuam como a força principal, motriz, sendo fundamental para a movimentação dos gases respiratórios (SCHMIDT-NIELSEN, 1999). SALMITO-VANDERLEY, C. S. B 30 Figura 1.11. Representação esquemática e percentagem dos componentes do sangue. Fonte: Adaptado de AMABIS; MARTHO (2004). As funções mais importantes do sangue são: transporte de gases, de nutrientes, de produtos de excreção, de produtos metabólicos, de calor e de hormônios. E nos animais, como minhocas e alguns insetos, auxilia na movi- mentação do indivíduo ou de parte dele. Deterem-nos a falar da sua função no transporte de gases, uma vez que o sangue, especialmente para os animais de maior porte, é um meio impres- cindível para transporte de gases para todos os tecidos. Tendo o sangue cerca de 50% de água em sua composição, pode-se inferir que muitos dos problemas tratadosanteriormente da solubilidade e da difusão de gases em água são válidos para qualquer meio aquoso. Porém, apareceram, no sangue, adaptações especiais para contorná-los, as substân- cias transportadoras. O pigmento hemoglobina é a proteína que encontramos em todos os vertebrados (com exceção dos peixes da Antártida), ligada à cé- lula sanguínea vermelha (hemácia ou eritrócito), nunca solta no plasma, que Como aqui abordaremos este assunto de forma resumida, pois o assunto é mais detalhado na histologia, sugere-se uma leitura de revisão do capítulo 13 do livro de Histologia e embriologia animal comparada (SALMITO-VANDERLEY; SANTANA, 2010) e uma visita ao site: http://www. portalsaofrancisco.com. br/alfa/corpo-humano- sistema-cardiovascular/ sangue.php). Fisiologia Animal Comparada 31 transporta oxigênio. Este pigmento carreador de gases também é encontrado em alguns invertebrados, porém, na maioria deles, ele encontra-se dissolvido nos fluidos corporais. Em outros invertebrados, encontramos outros pigmen- tos transportadores de oxigênio (Quadro 1.2). Todos esses pigmentos carre- adores têm uma característica comum: a presença de um metal combinado a uma proteína, de maneira que possam ligar-se ao O2 de forma reversível. Quadro 1.2. Pigmentos respiratórios comuns e exemplos de sua ocorrência nos animais. Fonte: Santo (2007). A presença de hemoglobina no sangue é muito importante, porque, de acordo com Schimidt-Nielsen (1999), o plasma contém apenas 0,3 cm3 de O2 dissolvido em 100 cm 3, e a presença desse pigmento eleva para 20 cm3 de O2 em 100 cm 3 de sangue. Percebe-se, portanto, que essa ligação (O2 + hemoglobina − oxi-hemoglobina) é responsável pela quase totalidade do O2 transportado no corpo. Quando a hemoglobina sanguínea é exposta a uma pressão alta de O2, num órgão respiratório, o oxigênio é absorvido, e quando exposta, nos tecidos, a uma baixa pressão de O2, ela desprende o oxigênio. Porém, vale salientar que a absorção/liberação de O2 em relação à pressão de oxigênio (curva de dissocia- ção de oxigênio) não obedece a uma linha reta, pois existem outros fatores que influenciam essa relação, como o CO2, a temperatura e o pH. Assim como na água, o CO2 do sangue encontra- se quase todo em forma de íon bicarbonato ou de bicarbonato de sódio. Estes dois juntos constituem um sistema- tampão que mantém o pH do sangue constante (7,3-7,5). A hemoglobina é vermelho-brilhante quando está oxigenada e vermelho-púrpura quando desoxigenada. A ligação de oxigênio à hemoglobina estimula a ligação de mais oxigênio à mesma molécula, em outras palavras, o O2 liga- se cooperativamente à hemoglobina. SALMITO-VANDERLEY, C. S. B 32 Uma alta concentração de CO2 proporciona a liberação de mais O2, independente de sua pressão. Isto é o que acontece nos tecidos – quando a concentração de CO2 do tecido é alta, aumenta também a quantidade de O2 liberada pela hemoglobina, levando à liberação extra de O2 no tecido (efeito Bohr). Quando todos os lugares de ligação da hemoglobina com o oxigênio estiverem ocupados, ela não poderá mais ligar-se a nenhum oxigênio, então, diz-se que está saturada. As propriedades dos pigmentos sanguíneos variam muito de espécie para espécie, assim como a sensibilidade ao CO2, que é muito menor nos animais de respiração aquática. Assim, observa-se que a mudança da respi- ração aquática para a aérea levou não só à reestruturação de órgãos respira- tórios como também alterou as propriedades do pigmento sanguíneo. 1.3.3. Órgãos respiratórios: fisiologia Nos animais unicelulares, o oxigênio é retirado diretamente do meio onde eles vivem, sendo também direta a eliminação do CO2. Nos animais superiores colocados na escala zoológica, embora o princípio seja o mesmo, a troca de gases é indireta. Nestes casos, o sangue é um elemento intermediário entre as células do organismo e o meio ambiente (água ou ar), servindo como con- dutor de gases entre eles. As brânquias formam o órgão respiratório principal de vertebrados inferiores; nos anfíbios, a respiração cutânea é de suma impor- tância. Nos répteis, aves e mamíferos, o órgão respiratório, por excelência, é o pulmão, pois, nesses animais, desenvolveram-se órgãos especiais, que pos- sibilitam promover o rápido intercâmbio entre o ar e o sangue. Juntos, esses órgãos constituem o sistema respiratório. Neste sistema, existem estruturas onde se efetua o movimento de gases respiratórios entre os meios externo e interno, e designam-se superfícies respiratórias. Nessas superfícies, assim como nas células, a difusão se dá em meio aquoso, portanto, os gases ape- nas atravessam as membranas respiratórias dissolvidos em água, por isso, elas devem ser mantidas úmidas, para que as trocas ocorram. Num sistema respiratório, nem todos os órgãos possuem membranas res- piratórias, e, muito embora a troca gasosa O2-CO2 seja a função principal deste sistema, ela não é a única. Há outras funções secundárias do sistema respiratório que incluem a regulação do pH dos líquidos corporais, a assistência no controle da temperatura, a eliminação de água e a fonação (especialmente em mamíferos). O sistema respiratório de mamíferos (Figura 1.12), o mais complexo, constitui-se: 1) pelas vias respiratórias – narinas (nariz externo, cavidade nasal e seios paranasais), faringe, laringe, traqueia e brônquios – que além de ser- A hemoglobina tem afinidade muito alta pelo monóxido de carbono (CO), sendo 300 vezes maior que pelo O2. Por isso, é considerado um gás venenoso, bastando uma pequena quantidade, como 0,1% de CO no ar, para, em média de 45 minutos, determinar sintomas de asfixia. Todas as superfícies respiratórias, apesar da grande variedade, apresentam características comuns: a) Umidade - as superfícies são úmidas para facilitar a difusão dos gases dissolvidos; b) Paredes finas - o que facilita a difusão, sendo geralmente formadas por uma única camada de tecido epitelial pavimentoso; c) Ventilação - a água ou ar devem ser renovados frequentemente para que novas moléculas de O2 estejam constantemente sendo trazidas para entrar em contato com a superfície respiratória; d) Vascularização - presente na difusão indireta, deve ser feita por vasos de parede fina, os capilares, reduzindo a espessura a ser atravessada pelos gases; e) Grande área de troca para que o contato com o ar ou com a água seja máximo, e a velocidade de difusão seja elevada. Fisiologia Animal Comparada 33 virem de trajeto para o que entra e sai dos pulmões, também tem função de aquecer progressivamente o ar inspirado e de reter partículas em suspensão contidas no ar; 2) pelos pulmões, onde ocorrem as trocas gasosas entre o ar pulmonar e o sangue (hematose). Nos animais que respiram ar, as brânquias, a traqueia e os pulmões são os órgãos respiratórios. As brânquias, típicas de animais aquáticos, são pouco adequadas à respiração aérea, e somente poucos animais a utilizam para este fim (por ex.: caranguejos terrestres e alguns peixes que respiram ar). As traqueias são órgãos respiratórios dos insetos. As trocas gasosas se dão por difusão ou por bombeamento ativo e unidirecional de ar. Elas consistem em um sistema de tubos que oferece o O2 diretamente aos tecidos, sem a necessidade de uma circulação sanguínea para o transporte de gases. Os pulmões podem ser de dois tipos: de difusão (encontrados nos animais peque- nos, por ex.: caracóis) e de ventilação (que são típicos dos vertebrados); sua complexidade aumenta de acordo com a massa corpórea e a taxa metabólica do animal. Para os anfíbios, que têm pele úmida e vascularizada, as trocas de gases através da pele são muito importantes. Figura 1.12. Sistema respiratório de humano. Fonte: http://www.portalsaofrancisco.com.br /alfa/respiracao-cutanea/funcao-do-sistema-respiratorio.php. SALMITO-VANDERLEY, C. S. B 34 1.3.3.1. Respiração aquática branquial dos peixes As brânquias são os órgãos respiratórios típicosdo meio aquático, formadas por evaginações da parede do corpo, apresentando grande área de trocas. Elas podem ser externas ou internas (estas últimas preferidas evolutivamen- te). São órgãos adaptados à retirada do oxigênio dissolvido na água, para fornecê-lo ao organismo do animal através do sistema circulatório e remover o CO2 do sangue do animal, liberando-o na água. As brânquias internas (também conhecidas como guelras) dos peixes ósseos aparecem como projeções laterais da faringe, localizadas em uma câ- mara branquial. Para encontrá-las, é preciso levantar o opérculo (tampa óssea protetora situada lateralmente, próxima à cabeça). Nos peixes cartilaginosos, as brânquias internas estão alojadas em cavidades branquiais individuais que se abrem para o exterior pelas fendas branquiais. As brânquias dos peixes consistem de diversos arcos branquiais principais (cartilaginoso ou ósseo) de cada lado. Em cada arco branquial, inserem-se diagonalmente vários pares de fileiras de filamentos branquiais. Cada uma destas fileiras possui diversos e delicados filamentos branquiais. Por sua vez, esses filamentos contêm várias lamelas (achatadas, densa- mente enfileiradas e ricamente vascularizadas). Cada um desses filamentos contém duas arteríolas (aferente com sangue venoso e eferente com san- gue arterial), separadas por uma fina rede de capilares (Figura 1.13). Através dessa rede capilar, de paredes extremamente finas, dá-se a troca de gases do sangue. Nos vasos, escorrem sangue que contém o pigmento respirató- rio que é a hemoglobina. A área de superfície de uma brânquia deve ser grande suficiente para prover troca de gases adequadamente. De fato, as brânquias dos peixes altamente ativos apresentam as maiores áreas relativas. Conforme Sch- midt-Nielsen (1999), a área de superfície da brânquia da cavala, que nada rápido, é aproximadamente 50 vezes maior que o do lento peixe-ganso, que vive no fundo do mar. Alguns animais podem viver na ausência de O2 (anaerobiose), e, pelo processo de metabolismo anaeróbico, são capazes de usar energia a partir de reações químicas que não requerem oxidação, como através da formação do ácido lático a partir da glicose. No entanto, a eficiência de geração de energia é mais de 90% menor quando comparada a da oxidação. Os processos envolvidos na função relacionada aos gases incluem ventilação (entrada e saída de ar dos pulmões), trocas entre o ar e o sangue nos pulmões, transporte gasoso no sangue e troca gasosa entre o sangue e as células nos tecidos. Os processos respiratórios ocorrem nas brânquias em alguns insetos na fase larval, nas larvas de anfíbios, nos moluscos, nos crustáceos e nos peixes. Nos moluscos cefalópodes, bivalves e gastrópodes marinhos, o processo respiratório branquial é especializado; nos gastrópodes pulmonados, existe um tipo de pulmão que é um órgão estático, no qual a troca dos gases ocorre por difusão. Nos crustáceos, as trocas de gases ocorrem nas brânquias, que são estruturas de aspecto plumoso e ricamente vascularizadas. Nesses animais, as brânquias são protegidas pelo cefalotórax. Fisiologia Animal Comparada 35 Figura 1.13. Estrutura das brânquias e mecanismo contracorrente. Fonte: http://sites. google.com/site/geologiaebiologia/geologia-e-biologia-10o/conteudos-de-biologia/trans- formao-e-utilizao-de-energia/tocas-gasosas-em-seres-multicelulares---animais 1.3.3.1.1. Ventilação das brânquias Como se sabe, os peixes utilizam o oxigênio dissolvido na água para respirar. O fluxo de água que entra pela boca passa para a região faríngea (onde, nos vertebrados, encontramos as brânquias) e banha as brânquias, sendo filtrado; quando a água está nas brânquias, o opérculo é fechado para ela não sair, e realizam-se as trocas gasosas; depois, é expulsa pelo movimento do opércu- lo que se abre. Quando a água passa de uma parte para outra, da delicada película branquial, o oxigênio é absorvido no sangue, e o dióxido de carbono é eliminado. Nas brânquias, cria-se um fluxo contracorrente de sangue e de água (doce ou marinha), que permite manter constantes os gradientes dos gases respiratórios. Se uma brânquia ficar em contato com um corpo de água completamen- te estagnado, ela removerá O2 da água estacionada imediatamente adjacente a ela, e logo o conteúdo de oxigênio desta camada de água estará esgotado. As brânquias dos peixes encontram-se muito próximas, podendo ser encontradas de 30 a 40 lamelas por milímetro, com espaço menor que 0,02mm entre elas. Alguns peixes usam-nas também para a excreção de resíduos, funcionando como um rim, da mesma maneira como os mamíferos podem eliminar excreções através da pele. SALMITO-VANDERLEY, C. S. B 36 Diante disto, entende-se que a renovação desta água é imprescindível para o suprimento de O2. Não sendo por acaso que vários dispositivos mecânicos sur- giram para promover o fluxo de água sobre a superfície branquial. Portanto, para que as trocas gasosas ocorram de forma eficiente, são necessários uma alta velocidade de fluxo de água e um estreito contato entre a água e a brânquia. É o arranjo da estrutura anatômica do aparelho branquial que propicia um tipo de fluxo essencial para tal contracorrente, no qual se observa que a corrente de água sobre a brânquia e o sangue no interior da brânquia fluem em direções opostas. A movimentação da água sobre a superfície respiratória pode se dar de duas formas: a) A movimentação da água devido a um dispositivo semelhante a uma bom- ba mecânica – mais comum. Para mover a água sobre as brânquias, os peixes teleósteos fazem bombeamento combinado da boca e dos opér- culos, com o auxílio de válvulas (membranáceas) adequadas para o con- trole do fluxo. Observa-se uma sincronia entre os momentos de abertura da boca e dos opérculos (movimentos respiratórios); b) A própria locomoção contribui para o movimento da água sobre as brânquias. Os que utilizam esse sistema costumam nadar com a boca entreaberta. Nes- ses peixes, os movimentos respiratórios não são visíveis e a água flui cons- tantemente sobre as brânquias. Desses peixes, diz-se que fazem ventilação forçada (por ex.: atuns). Neste tipo de ventilação, o trabalho de respiração é transferido dos músculos das bombas operculares para os músculos natató- rios do corpo e da cauda, portanto também há gasto energético. 1.3.3.1.2. Fluxo contracorrente O fluxo contracorrente (Figuras 1.13 e 1.14) leva o sangue que está saindo da lamela a encontrar a água cujo O2 ainda não foi removido. Desta forma, esse sangue retira o O2 da água recém-inspirada (rica em O2) e passa a apresentar concentração alta de O2. À medida que a água corre entre as lamelas, ela en- contra o sangue com um conteúdo cada vez mais baixo de O2, e, portanto, por diferença de concentração, continua a liberar mais O2 para o sangue. Assim, a lamela, ao longo de toda sua extensão, serve para captar o O2 da água, pois o sangue circula sempre em direção à água fresca e plenamente oxigenada (pela mesma razão, simultaneamente, o CO2 é expulso para a água). A água, por sua vez, ao deixar a brânquia, perde de 80 a 90% de seu conteúdo inicial de O2. Este mecanismo é extremamente eficiente, pois, ao compararmos aos mamíferos, o ar expirado perde apenas um quarto do O2 do ar inspirado, se- gundo Schimit-Nielsen (1999). O fluxo aumentado pode ser conseguido de duas maneiras: pela movimentação da brânquia através da água (viável apenas para pequenos organismos, como larvas de insetos aquáticos) ou da água sobre a brânquia (solução mais fácil e utilizada pelos peixes). Alguns peixes podem fazer uso dos dois tipos de ventilação (por ex.: Morone saxatilis), dependendo da velocidade de natação − baixa (bombeamento) ou alta (forçada). Depois de passar pelas brânquias, o sangue ricamente oxigenado é conduzido diretamente para todo o corpo. Fisiologia Animal Comparada 37 Figura 1.14. Mecanismo contracorrente nas brânquias de peixes teleósteos.
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