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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO Centro Acadêmico do Agreste Núcleo de Formação Docente Curso de Química - Licenciatura ANÁLISE DOS EQUÍVOCOS RELACIONADOS AO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM DO CONCEITO DE ENTROPIA EM UM CURSO DE QUÍMICA DE NÍVEL SUPERIOR Nayana Carla Guaraná de Lima CARUARU 2016 2 NAYANA CARLA GUARANÁ DE LIMA ANÁLISE DOS EQUÍVOCOS RELACIONADOS AO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM DO CONCEITO DE ENTROPIA EM UM CURSO DE QUÍMICA DE NÍVEL SUPERIOR Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Colegiado de Química-Licenciatura do Centro Acadêmico do Agreste da Universidade Federal de Pernambuco como requisito parcial para a obtenção do título de Licenciado em Química. Orientador (a): Profª Drª Juliana Angeiras Batista da Silva CARUARU 2016 3 Catalogação na fonte: Bibliotecária – Simone Xavier CRB/4 – 1242 L732a Lima, Nayana Carla Guaraná de. Análise dos equívocos relacionados ao processo de ensino e aprendizagem do conceito de entropia em um curso de química de nível superior. / Nayana Carla Guaraná de Lima. – 2016. 81f. ; 30 cm. Orientadora: Julia Angeiras Batista da Silva Monografia (Trabalho de Conclusão de Curso) – Universidade Federal de Pernambuco, Licenciatura em Química, 2016. Inclui Referências. 1. Química – Estudo e ensino. 2. Entropia. 3. Físico-química. I. silva, Julia Angeiras Batista da. (Orientadora). II. Título. 371.12 CDD (23. ed.) UFPE (CAA 2016-395) 4 UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO Centro Acadêmico do Agreste Núcleo de Formação Docente Curso de Química - Licenciatura “ANÁLISES DOS EQUÍVOCOS RELACIONADOS AO PROCESSO DE ENSINO E APREDIZAGEM DO CONCEITO DE ENTROPIA EM UM CURSO DE QUÍMICA DE NÍVEL SUPERIOR” NAYANA CARLA GUARANÁ DE LIMA Monografia submetida ao Corpo Docente do Curso de Química – Licenciatura do Centro Acadêmico do Agreste da Universidade Federal de Pernambuco e aprovada em 07 de dezembro de 2016. Banca Examinadora: Profª. Drª. Juliana Angeiras Batista da Silva (CAA – UFPE) (Orientadora) Profª. Drª. Ana Paula de Souza de Freitas (CAA – UFPE) (Examinador 1) Profª. Drª. Gilmara Gonzaga Pedroza (CAA – UFPE) (Examinador 2) 5 DEDICATÓRIA Dedico este trabalho aos meus pais José Carlos de Lima e Noêmia Paula Alves Guaraná. 6 AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente a Deus, pelo dom da minha vida e por todas as oportunidades que Ele me concedeu, as quais me trouxeram até aqui. Agradeço aos meus pais, pelo incentivo e dedicação em prol da minha formação, buscando sempre o melhor para mim. Agradeço ao meu namorado por toda paciência, incentivo e ajuda, principalmente nos momentos que mais precisei. Agradeço a todos que fizeram parte desta longa jornada, todas as amizades, e todos aqueles que estiveram presentes durante estes cinco anos. Agradeço em especial ao Prof. Dr. Roberto Araújo Sá e Prof. Dr. José Ayron Lira dos Anjos, por serem meus coordenadores no PIBID, onde contribuiu positivamente para meu curso. Agradeço de coração também a cada professor que durante estes cinco anos de curso, contribuíram de forma bastante significativa para minha formação. Guardo em mim cada um que me acolheu e considero como uma família. Por fim, agradeço a Profa. Dra. Juliana Angeiras Batista da Silva, por aceitar ser minha orientadora e colocar em minhas mãos este trabalho, que juntamente com a sua ajuda, tomei como um desafio, ao qual trouxe um resultado muito gratificante. Te agradeço pela paciência por todo o carinho, que você teve comigo não só durante este trabalho, mas durante todo o curso e por sempre estar disponível dando dicas e conselhos para toda a vida! Gosto muito de você! Obrigada a todos! 7 RESUMO O presente trabalho teve por objetivo contribuir de forma significativa para o processo de ensino-aprendizagem acerca do conceito de entropia, visto que grande parte dos problemas de aprendizado de físico-química, de um modo geral, pode se relacionar com esse conceito, tal como o entendimento da espontaneidade de certos processos. Para isto, buscou-se investigar os equívocos mais comuns e tentou-se verificar a origem dos mesmos a partir de análises das concepções dos discentes acerca do tema em períodos distintos do curso de Química/Licenciatura, de livros textos voltados para o ensino superior das disciplinas de Química Geral e Físico-Química, por fim, como os professores que ministram ou ministraram estas disciplinas abordavam o conceito de entropia. Com relação às concepções dos estudantes, as análises foram feitas a partir de questionários com perguntas relacionadas à definição de entropia, função de estado, variação de entropia, variação de entropia para uma mistura de dois gases em diferentes situações e relação entre entropia e espontaneidade de processos. Os livros didáticos adotados no curso foram analisados com o objetivo de identificar a maneira como este conceito é abordado, se a linguagem e os exemplos utilizados, são adequados, a partir de trechos em que abordavam o conceito de entropia. Por fim, os professores foram entrevistados quanto à maneira como abordavam o conteúdo, sua preocupação com os livros adotados, ou textos científicos e a sua maneira de explicar o conteúdo a partir de analogias com termos bastante utilizados como “desordem”. A análise do material coletado auxiliou na proposição de uma abordagem para aprendizagem do conceito de entropia, cujo principal objetivo foi definir a entropia do ponto de vista da termodinâmica estatística e termodinâmica clássica, utilizando os termos mais adequados para a compreensão inequívoca de tal conceito e uma abordagem histórica de sua proposição, fornecendo uma interpretação molecular para o conceito e uma base para o entendimento da origem da espontaneidade de processos espontâneos. Após investigação das concepções adquiridas pelos estudantes em uma aula ministrada utilizando tal abordagem, observou-se que a mesma mostrou ser bastante eficiente e que a abordagem proposta poderá ser amplicada para o entendimento de outros conceitos abstratos associados ao conteúdo de termodinâmica, bem como das Ciências, de uma maneira geral, quando equívocos são cometidos devido à má utilização da linguagem, devido ao uso de analogias. Espera-se, com isso, que os novos licenciados, com o conhecimento acerca desses equívocos, evitem o uso de termos inadequados ou exemplos que atrapalham o aprendizado ao invés de contribuir, desde o ensino em níveis mais básicos. Assim, que possam, ao longo de tempo, contribuir para o processo de ensino-aprendizagem de Química, sem causar desmotivação dos alunos. Palavras-chave: Ensino de Química; Entropia; Físico-Química. 8 ABSTRACT The present work aimed to contribute significantly to the teaching-learning process about the concept of entropy, since a great part of the problems of physical-chemical learning, in general, can be related to suchconcept, as the understanding of the spontaneity of certain processes. In order to do this, we sought to investigate the most common misconceptions and attempted to verify their origin from analyzes of the students' conceptions about this concept in several periods of the Chemistry-Teaching Course at the CAA/UFPE, of textbooks aimed at the higher education of the General Chemistry and Physical Chemical disciplines, and as the teachers approached the concept of entropy when minister these disciplines. The analysis of the collected material aided in the proposition of an approach for learning in a significant way the concept of entropy, whose main objective was to define the entropy from the point of view of the statistical thermodynamics and classical thermodynamics, using the most adequate terms for the unequivocal understanding of such concept and a historical approach to its proposition, providing a molecular interpretation for the concept and a basis for understanding the origin of spontaneous processes. After investigating the conceptions acquired by the students in a given lecture using this approach, it was observed that it was very efficient and that the proposed approach could be amplified to the understanding of other abstract concepts associated with the content of thermodynamics, as well as of sciences, in general, when mistakes are made because of the misuse of language. It is hoped, therefore, that new graduates, with knowledge about these misconceptions, avoid the use of inappropriate terms or examples that hinder learning rather than contributing, from teaching to more basic levels. Thus, they can, over time, contribute to the teaching-learning process of Chemistry, without causing confusion and demotivation of students. Keywords: Teaching Chemistry; Entropy; Physical Chemisty; 9 LISTA DE QUADROS Quadro 1 Perguntas que devem ser respondidas acerca da análise do livro- didático................................................................................................ 63 Quadro 2 Respostas dos alunos da disciplina de Química Geral 1 a partir dos conhecimentos do ensino médio......................................................... 65 Quadro 3 Respostas dos alunos da disciplina de Química Geral 2 a partir dos conhecimentos de Química Geral 1..................................................... 67 Quadro 4 Respostas dos alunos da disciplina de Físico-química 2 a partir dos conhecimentos de Físico-química 1..................................................... 71 10 LISTA DE FIGURAS Figura 1 Representação de um Ciclo de Carnot. Variação da pressão, p, com o volume, V, durante o processo........................................................ 17 Figura 2 Dois bulbos conectados por uma válvula. O bulbo da esquerda contém um gás colorido e o outro está vazio. Quando a válvula é aberta, após um determinado tempo, o gás passa a ocupar também o bulbo da direta e a coloração se torna uniforme nos dois bulbos....... 20 Figura 3 Dois bulbos conectados por uma válvula. Cada um contém um gás diferente, Br2 e N2, por exemplo. Quando a válvula é aberta, após ser atingido o equilíbrio, os gases estão uniformemente distribuídos nos dois bulbos.................................................................................... 20 Figura 4 Representação do efeito da temperatura sobre a variação da população dos estados......................................................................... 23 Figura 5 Processos de mistura de gases para ilustrar a variação de entropia.... 50 Figura 6 Processos de mistura de gases para ilustrar a variação de entropia.... 52 11 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS A1 – Aluno número 1 (numeração de 1 a 28) B1 – Aluno número 1 (numeração de 1 a 32) C1 – Aluno número 1 (numeração de 1 a 11) P1 – Professor número 1 (numeração de 1 a 2) EM – Ensino Médio 12 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO.............................................................................................................13 2. OBJETIVOS.......................................................................................................... ....... 15 2.1 Objetivo Geral...........................................................................................................15 2.2 Objetivos Específicos...............................................................................................15 3. REVISÃO DA LITERATURA.....................................................................................16 3.1. Contexto histórico e a evolução na proposição do conceito de Entropia.................16 3.2 O conceito de Entropia: dos pontos de vista da termodinâmica clássica e da termodinâmica estatística............................................................................................19 3.3 Ensino de Química: Como o conceito de Entropia vem sendo abordado e quais os equívocos cometidos no processo de ensino e aprendizagem deste conceito ................26 4. METODOLOGIA..........................................................................................................32 5. RESULTADOS E DISCUSSÃO.....................................................................................35 5.1 Análise do conceito de entropia abordado nos livros didáticos..............................35 5.2 Investigação das concepções dos alunos a partir da análise dos questionários.......43 5.3 Análise da entrevista com professores das disciplinas............................................53 5.4 Proposição de uma abordagem para a aprendizagem dos conceitos acerca da entropia.....................................................................................................................55 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS..........................................................................................57 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..............................................................................58 APÊNDICES........................................................................................................................61 13 1 INTRODUÇÃO O Ensino de Química é considerado um desafio para os professores pois, por se tratar de uma disciplina abstrata e complexa, o entendimento por parte dos alunos se torna mais difícil. O modo como a química é tratada pelos professores, em sua maioria, ainda é muito tradicional, o que causa o desinteresse por parte dos alunos em entender os conceitos, fórmulas e leis que regem processos químicos (SILVA, 2013). Segundo Silva, A aprendizagem de Química deve possibilitar aos alunos a compreensão das transformações químicas que ocorrem no mundo físico de forma abrangente e integrada, para que estes possam julgá-la, com fundamentos, as informações adquiridas na mídia, na escola, com pessoas etc. (2013, p. 1613). Silva ainda afirma que deve haver uma relação entre o ensinar e o aprender, e, para isso, deve-se ter uma boa comunicação entre o professor e o aluno para que o processo de aprendizagem possa acontecer da melhor maneira (SILVA, 2013). Quanto aos alunos, a grande maioria considera a Química uma disciplina muito difícil, visto a dificuldade em se compreender de forma clara e concisa seus conteúdos. Esta dificuldade se deve, principalmente, pelo fato de ser uma ciência com conceitos abstratos,necessitando que o aluno compreenda e analise as propriedades e transformações da matéria, relacionando-os a inúmeras leis para fenômenos muitas vezes não observáveis. Portanto, um dos maiores obstáculos está na abstração desta ciência. (POZO E CRESPO, 2009 apud PAULETTI, 2012) Com relação ao ensino de Físico-Química, mesmo embora os conteúdos desta disciplina estejam presentse nas mais diversas áreas, tais como engenharia, geologia, farmácia, ciências médicas e biológicas, astroquímica etc., ainda é considerada como uma disciplina de difícil entendimento. As principais dificuldades estão no fato da proximidade com a física e, portanto, terem características comuns, tais como serem abstratas, utilizarem matemática, e haver grande sobreposição de conteúdos com a termodinâmica e a mecânica quântica. A maioria dos trabalhos em ensino de Físico-Química tratam da abordagem de conceitos termodinâmicos no Ensino Superior (TSAPARLIS, 2007). Devido ao fato desse conteúdo ser primeiro abordado em disciplinas elementares e introdutórias de física, as pesquisas realizadas até o momento foram conduzidas na perspectiva do ensino de Física e estão direcionadas à aprendizagem de conceitos básicos e equívocos relacionados ao processo de ensino e aprendizagem, como aos termos termodinâmicos: energia, temperatura, entalpia e entropia. A 14 maioria dos trabalhos que tratam destes equívocos atribui esta falha no processo de ensino e aprendizagem, ao fato de ser dada muita ênfase aos cálculos numéricos associados à termodinâmica, enquanto que pouco ou mesmo nenhum esforço é dado para se promover ao estudante um entendimento conceitual qualitativo (CARSON e WATSON, 2002). O conhecimento da termodinâmica é essencial para o entendimento de muitos fenômenos naturais, máquinas e dispositivos tecnológicos. Na descrição de tais fenômenos ou processos duas quantidades físicas fundamentais são a energia e a temperatura. O conceito de entropia é introduzido apenas no contexto dos processos irreversíveis. Entretanto, a característica extensiva da entropia é essencial à termodinâmica. A entropia, por exemplo, define a escala de temperatura termodinâmica. Especificamente no ensino de entropia e da segunda lei da termodinâmica, conceitos que estão relacionados com nosso entendimento acerca da espontaneidade de processos, dificuldades ainda maiores são encontradas, visto que tais conceitos são abstratos e podem dificultar sua conexão com a percepção e experiências cotidianas. Embora tenham sido propostos no século XIX, ambos conceitos e a palavra entropia ainda geram muita confusão na sua interpretação (HAGLUND et al. 2013), isto é agravado pelo fato desta palavra ter sido utilizada na literatura com várias interpretações em diferentes áreas do conhecimento, cada uma com sua especificidade, dificultando esta conceituação, e cujo contexto de sua utilização muitas vezes não é facilmente detectado pelo aluno (SILVA, 2007). Também o despreparo do docente para se abordar este conceito, como pontuado por Haglund et al. (2013), é um fator adicional na dificuldade de aprendizagem de seus alunos. Motivados pelas dificuldades apresentadas, este estudo teve como objetivo analisar os equívocos encontrados no processo de ensino e aprendizagem relacionados ao conceito de entropia no ensino superior. 15 2 OBJETIVOS 2.1 Objetivo Geral Identificar os equívocos no ensino e aprendizagem do conceito de Entropia em um curso de Química de nível superior e propor uma alternativa que auxilie a abordagem do conceito em sala de aula. 2.2 Objetivos Específicos Avaliar as concepções dos alunos que cursam Química-Licenciatura no CAA/UFPE em diferentes períodos acerca do conceito de Entropia. Investigar os livros didáticos voltados para o ensino superior das disciplinas de Química Geral e Físico-Química sobre como abordam o conceito de entropia. Verificar como os professores das disciplinas de Química Geral e Físico-Química abordam esse conceito em suas aulas. Propor uma abordagem para tratar o conceito de entropia na disciplina de Físico- Química. 16 3 REVISÃO DE LITERATURA 3.1. Contexto histórico e a evolução na proposição do conceito de Entropia No final do século XVII, as máquinas eram utilizadas nas indústrias somente com o intuito de se conservar o calor. A partir do desenvolvimento da máquina a vapor de James Watt, em 1769, muitos se interessaram em desenvolver máquinas que transformassem o calor em trabalho. Entretanto, estas foram construídas sem atenção aos princípios teóricos fundamentais, que governam a conservação da energia ou a equivalência entre calor e trabalho mecânico, o que levava às perdas de calor e baixa eficiência de realização de trabalho (MOORE, 2013). Foi a partir da necessidade de diminuição das perdas por calor e do aumento da eficiência dessas máquinas que começaram a surgir questionamentos sobre a eficiência máxima de uma dada máquina térmica, na tentativa de se alcançar tal limite, muitos cientistas passaram, a se interessar em compreender os processos relacionados ao funcionamento das mesmas. “Da segunda metade do século XVIII à primeira metade do século XIX, foi o período no qual aconteceu um grande avanço das indústrias, o que resultou num aumento da produção e da qualidade dos produtos industrializados”. (ALMEIDA, 2011, p.15). Nessa época começaram a surgir as primeiras ideias sobre o que futuramente seria denominado entropia. Durante a Revolução Industrial, o físico e engenheiro francês Sadi Carnot fez vários avanços acerca do funcionamento de máquinas térmicas e de suas eficiências máximas. Ele demonstrou que em sistemas cíclicos, seria impossível uma máquina térmica trabalhar sem que ocorressem perdas. Ele ainda foi mais adiante e determinou qual deveria ser a eficiência máxima imposta pela natureza para uma máquina que opera retirando calor de uma fonte quente gerando trabalho e rejeitando calor a uma fonte fria. Carnot se baseou em um fluido denominado naquela época de calórico, que foi sugerido por Lavoisier para explicar a natureza do calor (CUNHA et al. 2013). Carnot comparou o trabalho de uma roda d’água através de um fluxo gerado com o de uma máquina térmica a partir de um calórico, no qual o trabalho realizado pela roda d’água seria devido à uma diferença de altura entre dois pontos, e, no caso da máquina térmica, seria devido à diferença de temperatura entre um reservatório quente e um frio (CUNHA et al. 2013, p. 4). Os estudos de Carnot foram realizados com base em um ciclo termodinâmico específico, estudado por ele em torno de 1820. O mesmo está descrito abaixo e mostrado na Figura 1 em um diagrama pV (gráfico da variação da pressão com o volume durante o processo), constituído em quatro etapas reversíveis (CASTELLAN, 2008), a saber: 17 Etapa 1: Expansão isotérmica Etapa 2: Expansão adiabática Etapa 3: Compressão isotérmica Etapa 4: Compressão adiabática Este ciclo representa o modo mais eficiente para se obter trabalho a partir do calor, no qual a energia vai de um reservatório de alta temperatura para um de baixa temperatura. Na primeira etapa, o calor deve ser absorvido do reservatório à alta temperatura. Na segunda etapa, a qual ocorre uma expansão adiabática, ou seja, sem que energia como calor seja transferida, a máquina realiza trabalho. Na terceira etapa, o calor deve sair do sistema, e este vai para o reservatório de baixa temperatura. E por fim, na quarta etapa, a máquina volta às condições originais, em que trabalho é feito sobre o sistema durante a compressão adiabática (BALL, 2005, p. 68-69). Figura 1: Representação de um Ciclo de Carnot. Variação da pressão, p, com o volume, V, duranteo processo. Fonte: (ATKINS, 2010). A máquina de Carnot é uma máquina ideal que utiliza calor para realizar trabalho. Nela, há um gás sobre o qual se exerce um processo cíclico de expansão e compressão entre duas temperaturas. Baseada no funcionamento desta máquina, o teorema de Carnot, foi enunciado em 1824 por Sadi Carnot, em seu artigo sobre a potência motriz do fogo (CARNOT, 1824). Este teorema impõe um limite à eficiência de uma máquina térmica ideal, na qual não existe o 18 efeito de atrito entre peças constituintes nem emissão de energia na forma de som, entre outros. A prova do teorema leva às seguintes conclusões: Nenhuma máquina térmica que opere entre uma fonte quente e uma fonte fria pode ter um rendimento superior ao de uma máquina de Carnot; Todas as máquinas de Carnot que operem entre duas fontes terão a mesma eficiência, independentemente do gás ou material empregado na construção da máquina. (CARNOT, 1824). Esse teorema parecia se opor às afirmações de Julius Robert Mayer, que formulou o princípio da conservação da energia, e James Prescot Joule, que propôs uma relação de equivalência entre calor e trabalho. Dessa forma, ou a proposta de Carnot acerca do máximo rendimento estaria errada, pois se baseia na concepção material do calor, ou as afirmações de Mayer e Joule sobre a natureza do calor estariam erradas. Posteriormente, Rudolf Clausius (1850) forneceu uma interpretação para o calórico utilizado por Carnot na análise de sua máquina térmica como uma grandeza que, a partir de então, ele denominou de entropia, uma função de estado, que no ciclo de Carnot, flui do reservatório quente para o frio em um processo reversível, encontrando uma conciliação entre as ideias de Mayer, Joule e Carnot (CUNHA et al. 2013). Clausius fez diversos estudos do comportamento da entropia acerca da reversibilidade de processos, demonstrando que nos processos reversíveis a entropia é constante e nos processos irreversíveis a entropia tende a um máximo. Segundo França Filho (2012), o termo entropia foi utilizado pela primeira vez na literatura em 1865 proposto por Clausius para representar as transferências de calor e temperatura de um sistema termodinâmico. “A entropia está relacionada com a direção em que os eventos acontecem espontaneamente, ou seja, a direção dos processos naturais. ” (MENEZES, 2005, p. 4), e, assim, explica o funcionamento de uma máquina térmica que possui um fluxo de calor que passa de um corpo de uma temperatura maior para uma temperatura menor em um processo reversível. Toda a discussão de Clausius em torno da entropia foi enunciada em uma frase, conhecida como a segunda lei da termodinâmica: é impossível realizar um processo cujo único efeito seja transferir calor de um corpo mais frio para um corpo mais quente. (CUNHA Et al. 2013 p.5) Portanto, a 2ª Lei da Termodinâmica diz que não se pode transformar toda a energia que é fornecida ao sistema em trabalho, pois há perdas de energia e estas perdas estão relacionadas 19 ao aumento da entropia, enquanto que a 1ª Lei da Termodinâmica afirma que há garantia da conservação de energia de um sistema (MENEZES, 2005). Nesse sentido, a denominação do conceito de entropia, revelou importância para que se fosse possível distinguir os processos reversíveis dos irreversíveis. A definição original de entropia em termos do calor transferido e temperatura absoluta não oferece e, em princípio, não poderia oferecer qualquer interpretação molecular da entropia. Ludwing Bolztmann sugeriu uma definição alternativa de entropia em 1877 em termos do número de microestados disponíveis para um dado macroestado. Esta definição, a ser discutida na seção 3.2, abriu as portas para a interpretação molecular de entropia (ATKINS, 2010). 3.2 O conceito de Entropia: dos pontos de vista da termodinâmica clássica e da termodinâmica estatística. Toda a fundamentação teórica dos conceitos físicos-químicos que estão apresentados nesta seção tomam como base, em sua maioria, os livros Físico-Química, de ATKINS e PAULA, Vol. 1. 8. ed. LTC, do ano de 2010, e Physical chemistry: a molecular approach, de MCQUARRIE e SIMON, Ed. University Science Books, 1997. Apenas considerações acerca da variação de energia não são suficientes para prever em qual direção um processo ou reação química poderá ocorrer espontaneamente. Processos tais como fluxo de água para baixo em superfície inclinada, enferrujamento, esfriamento à temperatura ambiente de um bloco de metal inicialmente aquecido até temperaturas acima da temperatura ambiente, ocorrem espontaneamente. Por muitos anos, os cientistas acreditaram que se um processo ou reação química ocorre espontaneamente com liberação de energia (processo exotérmico), nos quais os produtos permanecem em energia mais baixa que os reagentes, então o mesmo ocorreria espontaneamente. Entretanto, como explicar a expansão de um gás contra pressão constante e igual a zero? Se o gás inicialmente está a baixa pressão (Figura 2), de tal modo que o mesmo possa ser tratado como um gás ideal, os valores de variação de energia, U, e entalpia, H, são iguais a zero. Figura 2: Dois bulbos conectados por uma válvula. O bulbo da esquerda contém um gás colorido e o outro está vazio. Quando a válvula é aberta, após um determinado tempo, o gás passa a ocupar também o bulbo da direta e a coloração se torna uniforme nos dois bulbos. 20 Fonte: (MCQUARRIE e SIMON, 1997, p. 818). Outro exemplo de processo espontâneo que não é exotérmico está mostrado na Figura 3, na qual dois gases puros colocados em bulbos distintos estão separados por uma válvula. Quando a válvula é aberta, os dois gases irão se misturar e ambos irão se tornar igualmente distribuídos entre os dois bulbos, quando o equilíbrio é atingido. Novamente os valores de U e H para esse processo são essencialmente iguais a zero. Adicionalmente, o processo inverso nunca é observado, ou seja, a separação dos gases é um processo não espontâneo. Figura 3: Dois bulbos conectados por uma válvula. Cada um contém um gás diferente, Br2 e N2, por exemplo. Quando a válvula é aberta, após ser atingido o equilíbrio, os gases estão uniformemente distribuídos nos dois bulbos. Fonte: (MCQUARRIE e SIMON, 1997, p. 818). Estes e numerosos outros exemplos indicam que a espontaneidade de um processo não pode ser determinada a partir da Primeira Lei da Termodinâmica. Eles, obviamente, obedecem à essa lei, mas esta lei não pode ser utilizada para tal fim. Embora se tenha a concepção que os sistemas tendem a alcançar um estado mínimo de energia, essa afirmação sendo verdadeira para sistemas mecânicos, em sistemas termodinâmicos, outros fatores devem estar envolvidos. A definição termodinâmica da entropia (ATKINS, 2010) se concentra na variação de entropia, dS, que ocorre como resultado de um processo físico ou químico, sendo motivada pela ideia de que esta variação leva à uma dispersão da energia, que depende da quantidade de energia que é transferida como calor, baseado na ideia de que o calor estimula movimentos aleatórios. Assim, se calor for transferido para o sistema, deveria ocorrer um aumento da dispersão da energia. Como entropia deveria ser função de estado e o diferencial de calor é uma 21 diferencial inexata, o inverso da temperatura surge como o fator de integração mais simples, que torna a entropia uma função de estado, ou seja, que depende apenas dos estados inicial e final, e não de como o processo para atingir o estado final a partir de um dado estado inicial foi realizado. A definição termodinâmica da entropia, S, está baseada na expressão: T dq dS rev , Equação 1 em que dqrev é o calor associado a um processo reversível e T é a temperatura na qual esse processo evolui. Para uma variação mensurável entre dois estados i e f, esta expressão setorna: f i rev T dq S Equação 2 ou seja, para se calcular a variação de entropia entre dois estados quaisquer de um sistema, deve-se encontrar um caminho reversível e integrar a energia fornecida ao sistema como calor em cada estágio do caminho dividido pela temperatura na qual ocorre o aquecimento. O exame de processos espontâneos de um ponto de vista microscópico ou molecular, leva à conclusão que tais processos ocorrem com aumento da distribuição de energia ou aumento da possibilidade de ocupação de diferentes estados. Nos exemplos citados acima, nos quais os gases inicialmente estão confinados em um determinado volume e, após a expansão, o volume ocupado pelos gases aumenta, vê-se que a probabilidade de encontrar uma determinada molécula do gás diminui, pois existem mais “posições” acessíveis para a molécula devido ao aumento do volume. No caso de mistura de gases, essas conclusões são igualmente válidas, visto que, se tratarmos os gases como ideais, além das moléculas de um determinado tipo de gás não interagirem entre si, também não há interação entre as moléculas do outro tipo de gás presente na mistura. Para esses sistemas, se aproximarmos os níveis de energia translacionais do gás por aqueles relativos ao de uma partícula na caixa tridimensional (Equação 3), os números de estados acessíveis translacionais aumentam com o tamanho do volume do sistema, pois os estados se tornam mais próximos em energia. Ou seja, para uma caixa cúbica: (MCQUARRIE e SIMON, 1997, p. 93). , 8 )( 2 2 2 3 2 2 2 1,, 321 mL h nnnE nnn Equação 3 22 em que n1, n2 e n3 são números quânticos (inteiros), podendo ser, 1, 2, 3, ... , e que determinam o estado translacional no qual a partícula se encontra, h é a constante de Planck, m é a massa da partícula e L é o comprimento da aresta da caixa cúbica. Argumentos similares também podem ser aplicados para transição de fase: um sólido funde ou um líquido se vaporiza espontaneamente em suas respectivas temperaturas de fusão e de vaporização. Estes exemplos sugerem que não apenas os sistemas em estados de não equilíbrio tendem a evoluir para estados que minimizem a energia, mas também que aumentem o número de estados disponíveis, muitas vezes traduzido como um aumento da desordem. Assim, em sistemas termodinâmicos, a evolução do sistema será governada pelo compromisso em diminuir a energia do sistema e aumentar essa “desordem”. Não a desordem do senso comum, mas àquela associada com o aumento da dispersão de energia sobre os estados. De fato, a abordagem do conceito da entropia a partir de considerações microscópicas, como o faz a Termodinâmica Estatística, parte dos estados de energia de átomos e moléculas, os quais podem ser obtidos a partir da Mecânica Quântica. No caso de sistemas moleculares, a agitação térmica contínua, que as moléculas constituintes de um sistema termodinâmico macroscópico experimentam em uma temperatura T > 0, assegura que as mesmas estejam com uma certa distribuição sobre os níveis de energia permitidos para aquele sistema. Uma dada molécula constituinte desse sistema pode estar em um estado de baixa energia, em um determinado momento, e ser excitada para um nível de energia mais alto, em outro momento. Mesmo embora não se consiga acompanhar a evolução de uma única partícula ou molécula, pode-se determinar como evolui o número dessas em cada estado, ou seja, a população do estado, quando a temperatura é variada. Em T = 0, apenas o estado com energia mais baixa é ocupado. O aumento da temperatura excita uma fração de moléculas do sistema para estados de energia mais altos, e, portanto, um número de estados crescente com a temperatura se torna acessível. A Figura 4 mostra o efeito da temperatura sobre a variação da população dos estados (ATKINS, 2010, p. 81). Figura 4: Representação do efeito da temperatura sobre a variação da população dos estados. 23 Fonte: (ATKINS, 2010, p. 81). A distribuição de Boltzmann prediz que a população de um estado diminui exponencialmente com a energia do estado. (a) Em baixas temperaturas, somente os estados de menores energia estão significativamente populados; (b) Em temperaturas altas, existe um aumento nas populações dos estados com energias mais altas. Distribuições de Boltzmann prevêem que a população, ou seja, o número de moléculas naquele estado, diminui exponencialmente com a energia do estado, tal que, em baixas temperaturas, apenas os estados mais baixos são significativamente populados, em altas temperaturas, a população dos estados mais altos começa a aumentar e, quando T , a distribuição de probabilidade de ocupação de cada estado se torna igual, ou seja, todos os estados estão igualmente ocupados. Uma questão chave na termodinâmica é conhecer como as moléculas estão distribuídas sobre esses estados em uma dada temperatura e qual a fração de moléculas que estão no estado fundamental vibracional, primeiro estado excitado, entre outros. Intuitivamente, se sabe que a probabilidade de ocupação dos estados mais altos em energia aumenta com a temperatura. Uma das quantidades mais fundamentais e úteis da Físico-Química é o fator de Boltzmann, que, como o próprio nome já diz, foi proposto por Ludwig Boltzmann e relaciona a probabilidade, Pj, de encontrar um sistema no estado j com energia total Ej com a exponencial da energia desse estado e a temperatura do sistema, ou seja, 24 , / TkE j BjeP Equação 4 em que kB é a constante de Boltzmann (MCQUARRIE e SIMON, 1997, p. 693). A soma das probabilidades de ocupação de todos os estados do sistema deve ser igual a 1, tal que a constante de normalização para a probabilidade acima é 1/Q, em que .),,( / j TkE BjeVNQ Equação 5 A quantidade Q é chamada de função de partição. Como deve, então, ser obtida a equivalência entre o valor de uma propriedade termodinâmica (macroscópica) com a média de uma quantidade mecânica relacionada com o movimento das moléculas (microscópica) num sistema? Por exemplo, a força média por unidade de área exercida sobre uma superfície plana é identificada como a pressão macroscópica. Mas por que deve ser utilizado um processo de média? A resposta a essas perguntas só pode ser dada se for notado que a descrição termodinâmica de um sistema contendo muitas moléculas envolve somente um pequeno número de variáveis (p, V, T, ,...), enquanto a descrição mecânica microscópica completa requer um número muito grande de variáveis e, portanto, para a descrição microscópica ser compatível com a termodinâmica é necessário algum tipo de agrupamento, ou média, ou desprezo sistemático das variáveis microscópicas. A hipótese quase-ergódiga (MCQUARRIE e SIMON, 1997, p. 693) diz que se o tempo é longo o suficiente, esta molécula descreverá o movimento de todas as outras moléculas, tornando os procedimentos de média equivalentes. Ou seja, a média de uma quantidade mecânica sobre uma (longa) trajetória é equivalente à média da mesma quantidade com respeito a uma função de distribuição independente do tempo sobre várias moléculas. Assim, uma generalização desse processo seria a substituição do sistema mecânico e da média temporal por um esquema de cálculo equivalente no qual seria criado um conjunto de réplicas macroscópicas (ensemble) e as médias das propriedades seriam calculadas sobre essas réplicas macroscópicas. Se forem conhecidos os estados microscópicos do sistema, todas as propriedades termodinâmicas do sistema podem ser obtidas a partir da função de partição (MCQUARRIE e SIMON, 1997, p. 693). 25 Gibbs foi quem propôs a troca do sistema mecânico isolado sob estudo por um conjunto de sistemas (ensemble), cada um tendo as mesmas propriedades macroscópicas (réplicas), sendo que este conjunto ou ensemble contém todas as possíveis variáveis moleculares (microscópicas) compatíveiscom as propriedades termodinâmicas (macroscópicas). As vantagens desse procedimento são: o número de réplicas é arbitrário, e portanto, pode ser muito grande, permitindo o uso de teoremas matemáticos envolvendo grandes números; as réplicas podem ser imaginadas como estando muito distantes umas das outras, e portanto, podem ser tratadas como não-interagentes; as réplicas são macroscópicas e portanto são identificáveis, distinguíveis e rotuláveis; o ensemble pode ser isolado, mas as réplicas podem trocar calor e estarem em equilíbrio térmico entre si. Assim, a média sobre o ensemble de uma dada propriedade mecânica é o valor médio desta propriedade sobre todos os membros (ou elementos ou réplicas) do ensemble, usando o princípio da equi-probabilidade a priori. Utilizando a equivalência entre média sobre ensemble, M , e propriedade mecânica, M , a média de uma propriedade M é dada por . j jj MPMMM Equação 6 Assim, pode-se mostrar que todas as funções termodinâmicas podem ser expressas em termos de Q (N, V, T), a função de partição para o ensemble canônico. (MCQUARRIE e SIMON, 1997) Em 1877, Boltzmann publicou sua famosa equação S = k lnW, que expressa a relação entre entropia e probabilidade. Naquele tempo, a natureza atômica da matéria ainda não estava completamente aceita e o trabalho de Boltzmann foi criticado por vários cientistas influentes. Infelizmente Boltzmann não viveu para ver a teoria atômica e seu trabalho corroborar com tal visão. A expressão de Boltzmann fez uma conexão entre a distribuição de moléculas sobre os níveis de energia e a entropia. W é interpretado como o número de microestados, relacionado com o número de arranjos possíveis (distribuição sobre os estados) nos quais as moléculas de um sistema mantém a energia total constante. A distribuição de moléculas sobre os níveis de energia, caracterizando um microestado, pode ter duração curta. De acordo com essa fórmula, a entropia é zero se existe apenas um único microestado acessível (W = 1). Na maioria dos casos, W = 1 em T = 0, porque existe apenas uma forma de alcançar a energia total mais baixa. 26 Isso levou ao enunciado da 3ª Lei da Termodinâmica: A entropia de todos os cristais perfeitos (estado de ordem perfeita) se aproxima de zero quando a temperatura se aproxima de zero. Partindo da definição estatística da entropia dada por Boltzmann, pode-se obter uma expressão para a entropia em termos da função de partição, ,ln Qk T E S B Equação 8 em que E é a energia média do sistema. Do ponto de vista molecular, a entropia de um sistema depende do número de estados quânticos microscópicos, microestados, que são consistentes com o estado do sistema macroscópico. A afirmação geral acerca da entropia na termodinâmica molecular deve ser: “Entropia mede a dispersão de energia entre microestados moleculares. Um aumento de entropia em um sistema, envolve dispersão da energia entre mais microestados no estado final do sistema do que no seu estado inicial”. Lambert (2006) afirma que essa é a sentença básica para descrever aumento de entropia que explica a expansão de gases, mistura e outros, inadequadamente descritos por um aumento de “desordem”. Assim, o conceito do número de microestados torna quantitativa a noção de “desordem” e de “dispersão de matéria e energia” que são amplamente utilizados na introdução do conceito de entropia sem o devido cuidado, visto que no senso comum, essas palavras possuem outro significado (ATKINS, 2010, p. 81). A interpretação molecular da entropia a partir da proposição de Boltzmann também sugere a definição termodinâmica dada pela Equação 1 (ATKINS, 2010, p.81). Isto pode ser mostrado considerando que moléculas em um sistema em alta temperatura podem ocupar um grande número de estados de energia disponíveis, tal que uma pequena transferência adicional de energia como calor leva à uma variação relativamente pequena no número de estados acessíveis. Assim, nem o número de microestados nem a entropia aumentam muito. Do contrário, moléculas em sistemas a baixa temperatura tem acesso a um número menor de estados de energia, e a transferência de mesma quantidade de energia como calor aumentará consideravelmente o número de estados acessíveis. Consequentemente, a variação de entropia será maior em processos de transferência de energia para um sistema a baixa temperatura do que para um sistema a temperatura mais alta. Este argumento sugere que a variação de entropia deva ser inversamente proporcional à temperatura na qual a transferência de energia ocorre. 3.3 Ensino de Química: Como o conceito de Entropia vem sendo abordado e quais os equívocos cometidos no ensino e aprendizagem deste conceito. 27 O Ensino de Ciências perpassa, principalmente, pelo uso de livros didáticos ou livros texto. Entretanto, muitos livros voltados tanto para o Ensino Médio quanto para o Ensino Superior, principalmente livros de Química Geral, não apresentam o conceito de entropia com o devido cuidado com a linguagem, ou seja, não conceituam palavras primordiais para um bom entendimento deste conceito, podendo originar concepções errôneas ou restritas acerca do mesmo conceito. Considera-se a definição de entropia muito complexa, pois este termo é empregado em outras áreas do conhecimento, mas cada uma com sua especificidade, dificultando esta conceituação, sendo necessária a identificação dos principais pontos conceituais deste termo (SILVA, 2007). Tsaparlis (2007) pontua o fato dos livros didáticos causarem muita confusão devido à má utilização de representações termodinâmicas clássicas. Tarsitant e Vicentini (1996) analisaram livros textos que tratam do conteúdo de termodinâmica e mostraram que existem várias divergências quanto às definições dos conceitos fundamentais da termodinâmica e quanto ao status epistemológico, sugerindo que a reconstrução histórica e uma análise epistemológica pode auxiliar em um entendimento mais profundo dos conceitos. Em outro estudo, Silva et al. (2011), analisaram muitos livros de Química utilizados na cidade de Teresina-Piauí, a partir da teoria da aprendizagem significativa de David Ausubel, observaram que a maioria não abordava com clareza o conceito de entropia. Muitos não apresentavam o contexto histórico no qual foi inserido tal conceito, falhando também em abordar as várias áreas em que o conceito de entropia é aplicado. Também observaram uma limitação grande na explicação do conteúdo em poucas palavras, acarretando em um dos fatores para falta de entendimento do conteúdo pelo o aluno. A modernização didática de muitos livros de química está em inercia, apesar do reconhecimento dado a alfabetização científica. Desta forma, os livros limitam à visão qualitativa do mundo, e quantifica muitos aspectos vistos somente em sala de aula. (AMARAL, 2009 apud SILVA et al. 2011, p. 1). Silva et al. (2011) também citam os desafios de ensinar entropia por causa da diversidade de significados que esta palavra absorveu desde a sua proposição, incluindo o termo desordem. Para auxiliar os estudantes a visualizarem um aumento de entropia, muitos livros e textos utilizam esquemas de ordenamento de partículas que se tornam “desordenadas” após determinado processo. Por causa da utilização do termo desordem por muitos textos e 28 professores, Lambert (2002) aponta que graves equívocos podem ser cometidos, pois este termo apresenta falhas na construção da aprendizagem ao invés de ajudar na correta compreensão do conceito e sua consolidação. Kozliak e Lambert (2005) mostram, em números, que, mesmo para sistemas que estejam em estados iniciais sob a temperatura de 1 K, estes não podem ser ditos como estando em estados ordenados, visto que mesmo os sistemas que estão praticamente no zero absoluto, possuem um número incompreensivelmente grande de microestados acessíveis. Um dosmaiores obstáculos no Ensino de Química está na abstração necessária ao entendimento desta ciência, especificamente no conteúdo de entropia, pois necessita que estes compreendam e analisem as propriedades e transformações da matéria, relacionando com conceitos e inúmeras leis para fenômenos muitas vezes não observáveis (POZO E CRESPO, 2009 apud PAULETTI, 2012). Assim, surgem diversas discussões acerca do que é certo ou errado ensinar. De acordo com a literatura, a dificuldade de se trabalhar com entropia é comum para a maioria dos professores de Química, por se tratar de algo difícil de ser compreendido pelos alunos. “A entropia é o assunto mais temido na química universitária básica por estudantes devido a sua complexidade, e por professores porque os estudantes falham em entender seus princípios básicos. ” (LAMBERT, 2006, p. 13). Princípios estes que são primordiais para compreensão de vários outros conceitos que estão relacionados e não podem apenas ser decorados. Além disso, livros didáticos principalmente aqueles voltados para o Ensino Médio, discutem pouco a entropia e a 2ª Lei da Termodinâmica, como observado por Almeida (2011): Diferentemente da Primeira Lei da Termodinâmica, cujo aspecto qualitativo, e até quantitativo, da Conservação da Energia é mais comumente debatido em sala de aula, existindo, inclusive, uma quantidade razoável de atividades didáticas para sua abordagem em contextos de ensino, a Segunda Lei carece de discussões na maioria dos livros didáticos e apresenta pouca ou quase nenhuma atividade de ensino que permita interações entre professores e alunos. (ALMEIDA, 2011, p. 11) Os problemas ou equívocos relacionados ao ensino do conceito de entropia, então, começam a surgir na tentativa de o professor tornar o ensino-aprendizagem mais fácil, utilizando muitas vezes palavras de senso comum. Um exemplo disto, são as analogias, que são utilizadas para que estes possam imaginar o que acontece comparando com um fato corriqueiro do seu dia-a-dia. Entretanto, nem sempre essas analogias contribuem para uma boa compreensão, pois não representam verdadeiramente o que o conceito aborda e não contribuem 29 para a aprendizagem. Santos (2008, p. 77) cita: “Nenhuma fórmula estatística relacionando um conceito indefinido como entropia, com outro conceito indefinido como desordem irá ajudar em um melhor entendimento do conceito de entropia” e Lambert (2006, p.13) também enfatiza: “Entropia não é desordem nem tem nada a ver com coisas misturadas, como cadeiras desarrumadas e cartas embaralhadas”. Essas citações mostram que as analogias apenas servem para que o aluno busque “decorar” este significado de maneira mais prática, sem refletir o real e profundo significado deste termo, afim de que se torne para eles, algo mais fácil de ser entendido. O resultado desta prática muito realizada pelos alunos, de decorar o que é passado pelo professor, juntamente com estas analogias utilizadas nas metodologias dos professores, acarreta em uma concepção errônea do verdadeiro significado do conceito de entropia. Carson e Watson (2002), após realizarem um estudo qualitativo acerca das concepções e entendimento de termos termodinâmicos, critica o fato de ser dada muita ênfase ao ensino voltado para o uso de cálculos numéricos associados à termodinâmica, enquanto pouco ou mesmo nenhum esforço é devotado a promover ao estudante um entendimento conceitual qualitativo. A partir destas concepções acerca do conceito de entropia, buscam-se práticas pedagógicas que possam auxiliar no processo de ensino e aprendizagem mais significativos, visto que se nota uma insatisfação muito grande, no que diz respeito ao modelo tradicional de ensino, exigindo uma constante memorização por parte dos alunos e a não abordagem dos conteúdos de forma crítica (COVOLAN et al. 2005). Sendo assim, é necessário buscar uma abordagem histórica sobre como se deu o processo das relações errôneas com este conceito. A origem do equívoco sobre o conceito de entropia ser associado ao termo desordem tem razão histórica. L. Boltzmann, que lançou as bases da abordagem estatística para termodinâmica, em seu artigo “Entropy as the measure of the disorder (Unordnung)" em Lectures on Gas Theory, Part II em 1898, foi quem primeiro relacionou variação de entropia como processo de ordem-desordem, como pode ser observado no trecho abaixo traduzido do artigo de Ben-Naim (2011): Quando este é o caso, então se duas ou mais pequenas partes de um sistema interagem entre si, o sistema formado por essas partes está inicialmente em um estado ordenado, e quando o sistema evolui, rapidamente atinge um estado desordenado mais provável. 30 Nota-se que Boltzmann utilizou os termos desordem e probabilidade quase que como sinônimos. Ambos conceitos estão aqui relacionados ao número de microestados, quanto maior o número de microestados, maior a desordem; e maior a probabilidade de ocupação do estado. Entretanto, Sommerfeld, seu sucessor como professor de Física Teórica em Munich alertou que Boltzmann não fez essa proposta baseado em cálculos, mesmo porque, neste ano, a equação proposta por ele ainda não estava em sua forma final, proposta por M. Planck em 1906 (KOZLIAK E LAMBERT, 2005): S = kB ln(W/W0), (equação 9) em que W é o número de microestados disponíveis para o sistema em uma determinada temperatura e kB=R/NA é a constante de Bolztmann. Também Bolztmann não possuía forma quantitativa de obter W, porque a distribuição de energia entre os níveis de energia discretos deveria ser obtida através da mecânica quântica, que só teve avanços significativos após sua morte, nem W0, o valor de referência, antes da proposição da 3ª lei da termodinâmica, que foi desenvolvida por Walther Nernst entre 1906 e 1912, que diz que, quando um sistema se aproxima da temperatura do zero absoluto, todos os processos cessam, e a entropia tem um valor mínimo, fornecendo, portanto, um ponto de referência para a determinação do valor da entropia e de W0 = 1. Kozliak e Lambert (2005) atribuem que quando Boltzmann utilizou tal termo, estava fundamentado pela visão qualitativa. Entretanto, essa visão só deveria ser corretamente empregada para ilustrar processos de transição de fase de segunda ordem, a baixa temperatura, que são corretamente chamados de processos ordem-desordem. Neste artigo, os autores ainda mostram o porquê de não devermos utilizar tal conceito para a entropia em números: para um mol de uma substância em um estado com “praticamente zero de entropia”, S = 0,0001 R = 0,00083 J.mol–1.K–1, W é da ordem de 1026.000.000.000.000.000.000, ou seja, nesta temperatura, obviamente não se pode falar em um estado de ordem. A interpretação da entropia conduzida pelo trabalho de Boltzmann através do uso do termo desordem prevaleceu na literatura por mais de 100 anos. Esta foi adotada por outros pesquisadores: Helmholtz em 1882 chamou entropia de “Unordnung” (desordem) e Gibbs “americanizou” a descrição com o uso do termo “entropy as mixed-up-ness” (entropia como mistura), encontrado em seus manuscritos após sua morte e subsequentemente utilizada por muitos outros autores. Lambert (2007), em seu artigo, afirma que acredita que se fosse nos dias atuais, provavelmente Boltzmann teria evitado tal termo e atribui que a associação com o termo 31 desordem gerou o atual uso indiscriminado do termo entropia como interpretação científica de tudo que se apresenta desordenadamente, indo de bebedeiras até relações pessoais problemáticas, e até mesmo o declínio da sociedade. Assim, a história da termodinâmica também pode auxiliar na compressão do conceito e de sua importância. Para Cunha et al. (2013), os aspectos históricos podem tornar as aulas mais reflexivas, fazendo com que a assimilação do conhecimento seja mais significativa, podendoos alunos, refletirem sobre o que estão estudando, e não apenas decorar fórmulas e regras sem saber o que estas realmente significam. Segundo Viard (2005, apud SANTOS, 2008) o conceito de entropia não pode ser apenas relacionado com uma palavra, como acontece com vários outros conceitos ensinados por professores de diversas áreas. O mesmo afirma que uma proposta deve ser lançada, onde alunos e professores percorram a chamada “estrada para a entropia” que é traçada a partir dos estudos de Carnot e Clausius, na qual os conceitos, definições e relações deveriam ser analisados e argumentados. Existem trabalhos na literatura que sugerem que, devido à complexidade do termo, essa seja mais uma razão para que o mesmo seja apresentado nos níveis de ensino médio e ensino superior, em diferentes contextos e níveis de complexidade, em diversas áreas das ciências, tais como Química, Física e na Matemática, por exemplo, ao se trabalhar o conteúdo do 3º ano do EM no tema “Probabilidades e Análise Combinatória¨. Verifica-se ainda que vários outros conceitos estão relacionados ao termo entropia, como energia, contato térmico, transferência de energia, energia interna, entre outros, e para que esse conceito seja entendido, deve ser levado em consideração as relações entre esses conceitos (SILVA, 2007). Assim, a natureza da entropia é melhor ensinada descrevendo-se a dependência da entropia com a dispersão de energia (em termodinâmica clássica) e a distribuição de energia entre um grande número de graus de liberdade moleculares relacionáveis a estados quânticos, microestados (em termodinâmica estatística, molecular). O aumento da quantidade de energia de um sistema molecular aumenta a dispersão dessa energia sobre um número maior de estados, resultando em aumento da entropia, que pode ser interpretado como ocupação molecular de mais microestados. Para isso, Lambert (2002) sugere que livros-texto de nível superior, poderiam ir mais adiante, com uma ou mais páginas de entropia termodinâmica molecular, como descrita pela equação de Boltzmann. 32 4 METODOLOGIA Este trabalho de pesquisa foi aplicado na Universidade Federal de Pernambuco, especificamente, no curso de Química-Licenciatura do Centro Acadêmico do Agreste, durante o segundo semestre do ano de 2016. Para se obter informações acerca dos equívocos gerados ao se abordar o conceito de entropia, algumas etapas foram realizadas, tais como investigar as concepções dos alunos que cursam Química-Licenciatura no CAA/UFPE em diferentes níveis do curso (períodos); avaliar os livros didáticos voltados para o ensino superior das disciplinas de Química Geral e Físico- Química; e verificar como os professores das disciplinas de Química Geral e Físico-Química abordam esse conceito em suas aulas. Estas etapas auxiliaram na proposição de uma melhor abordagem para a aprendizagem dos conceitos acerca da entropia. A pesquisa realizada neste trabalho possui caráter qualitativo, visto que foram realizadas coletas de informações subjetivas, ou seja, foram investigados os significados de conceitos, a compreensão de sua utilidade etc. e, portanto, não podem ser quantificados (MINAYO, 1995 p. 21-22) e quantitativa, pois os dados coletados foram submetidos a análises estatísticas. Este tipo de abordagem tem sido utilizado em diversas pesquisas voltadas para o Ensino de Química (SOUZA JÚNIOR, 2010 e CARDOSO, 2013). Os materiais analisados neste trabalho foram questionários, textos de livros didáticos e o conteúdo obtido das entrevistas com os docentes. Assim, a análise de conteúdo deste trabalho se baseou na proposta de Bardin (1977, p. 95), a qual compreendeu três etapas: pré-análise; exploração do material; e tratamento dos resultados, inferência e interpretação. Com relação à concepção dos estudantes, a coleta de dados foi realizada através da aplicação de questionário (APÊNICE A). O mesmo foi composto por perguntas relacionadas à definição de entropia, função de estado, variação de entropia, variação de entropia para uma mistura de dois gases em diferentes situações e relação entre entropia e espontaneidade de processos. Este questionário foi baseado no trabalho de Ben-Naim (2011), que discute as falhas que podem algumas vezes serem cometidas quando se utiliza a palavra desordem para tratar entropia. Ele utilizou vários exemplos de processos de misturas e separação de misturas para discutir a variação de entropia nestes processos e mostrar que existem armadilhas associadas ao uso do termo desordem para explicar variação de entropia. Foram realizadas análises das concepções dos estudantes em diferentes períodos do curso: ao ingressar no curso superior, após a conclusão das disciplinas de Química Geral 1 e Físico-Química 1 para investigar a evolução geral das concepções acerca da entropia e de temas 33 relacionados, em cada etapa do curso. Deve-se ressaltar que mesmo se tratando de indivíduos diferentes, essa análise deve fornecer uma visão geral a respeito da compreensão de tais conceitos ao longo do curso. A importância de se obter dados dos alunos assim que ingressam no Ensino Superior foi para compreender as dificuldades ou vícios de linguagem (devido à equívocos) adquiridos no Ensino Médio, e como essa concepção vai mudando ou não, de acordo com as disciplinas estudadas no decorrer do curso. Os alunos que ingressam nas universidades vêm de uma realidade em que não há o tão necessário estímulo à construção do conhecimento. Pelo contrário, até o ensino médio, o estudante brasileiro é, via de regra, treinado para memorizar e repetir fórmulas que, se devidamente apreendidas, serão sua chance de aprovação no exame vestibular, o que adviria ideologia de dominação, autoritária, que predomina na escola do mundo capitalista. (CHAER et al. 2011, p.251) Também foram analisados os livros didáticos utilizados no curso de Química/Licenciatura da UFPE/CAA como também alguns livros de do Ensino Médio, que tratam do conceito de entropia, buscando termos que possam ser associados à entropia, como desordem ou desorganização, e se estes trazem a definição do posto de vista da termodinâmica estatística, dentre outros fatores analisados através de perguntas que constam no quadro 1 em anexo (APÊNDICE B). Considera-se importante essa análise dos livros, pois, assim como na escola de nível médio (SILVA et al. 2012, p.2), o livro didático deve ter um papel relevante no processo ensino e aprendizagem de Química, visto que é a primeira bibliografia consultada pelos estudantes. Também foram realizadas entrevistas com professores que ministram ou ministraram as disciplinas de Química Geral 1 e Físico-Química 1 na Instituição de ensino superior em questão, acerca das dificuldades encontradas na abordagem do tema, a qual problema eles associam estas dificuldades, qual a preocupação com o livro didático adotado, se são sugeridos textos (artigos científicos da área de Ensino de Química ou Físico-Química) para complementar o aprendizado, quais exemplos são utilizados por ele e se ele adota alguma abordagem específica para o ensino de tal tema, de acordo com as perguntas propostas no APÊNDICE C para a entrevista. Por fim, baseado neste trabalho de pesquisa e em trabalhos registrados na literatura, foi feita uma proposição de abordagem para a aprendizagem da entropia, que foi aplicada a uma turma da disciplina de Físico-Química 1, no momento em que tal tema deveria ser tratado, de 34 acordo com o plano de Ensino da disciplina. Os resultados obtidos nessa etapa estão discutidos na seção de Resultados e Discussão. 35 5 RESULTADOS E DISCUSSÃO Os resultados obtidos nesse trabalho estão apresentados e discutidos ao longo dessa seção, que foi dividida da seguinte forma: 5.1 análise de alguns livros didáticosvoltados para o ensino superior das disciplinas de Química Geral e Físico-Química; 5.2 estão discutidos os principais resultados obtidos da análise dos questionários que os estudantes de diferentes períodos do curso de Química-Licenciatura do CAA responderam acerca das concepções relacionadas ao conceito de entropia; 5.3 breve discussão de como os professores das disciplinas de Química Geral 1 e Físico-Química 1 vem abordando esse conceito em suas aulas. 5.4 Proposição de uma abordagem para a aprendizagem dos conceitos acerca da entropia. 5.1 Análise do conceito de entropia abordado nos livros didáticos A análise desta seção está baseada em como os livros didáticos abordam o conteúdo de entropia, avaliando-se as questões pontuadas no quadro 1, apresentado no apêndice B. Foram analisados quatro livros do ensino médio, que foram escolhidos de acordo com a ementa escolar, os quais são utilizados pelos professores e os livros mais utilizados pelos professores das disciplinas de Química Geral 1 e Físico-Química 1 do curso de Química- Licenciatura do CAA/UFPE, sugeridos no programa do componente curricular. Dos quatro livros de química do ensino médio que foram analisados, apenas um tem o conteúdo de entropia, mostrando que, a depender do professor, esse conteúdo nem é ensinado. Existem trabalhos na literatura que sugerem que, devido à complexidade do termo, esse conteúdo deveria ser apresentado em vários níveis de ensino, médio e superior, em diferentes contextos e níveis de complexidade, em diversas áreas das ciências, tais como Química, Física e na Matemática, por exemplo, ao se trabalhar o conteúdo do 3º ano do EM no tema “Probabilidades e Análise Combinatória¨. Também pelo fato de que vários outros conceitos estão relacionados ao termo entropia, como energia, contato térmico, transferência de energia, energia interna, entre outros, e para que este conceito seja entendido, deve ser levado em consideração as relações entre esses conceitos (SILVA, 2007). A seguir está a lista dos livros analisados, sendo os três primeiros, livros que não possuem o conceito de entropia: PERUZZO, F.M.; CANTO, E.L.Do.; Química na Abordagem do Cotidiano. Vol 2. 3ª ed. Editora Moderna. São Paulo. 2003. SARDELLA, A. Química. Vol. único. 5ª ed. Editora Ática. São Paulo. 2001. 36 MORTIMER, E. F.; MACHADO, A.H. Química. Vol. único .1ª ed. Editora Scipione. São Paulo. 2011. FELTRE, R. QUÍMICA. Vol 2. 5º ed. rev e ampl. Editora Moderna. São Paulo. 2000. O último livro aborda de forma muito resumida e simplificada juntamente com outros conceitos de termoquímica. O termo entropia é definido a partir da relação com desordem para explicar a relação de espontaneidade, porém este termo “desordem” é definido equivocadamente, que pode ser atribuído à tentativa de fazer os alunos compreenderem de forma mais fácil, os quais estão vendo o conceito pela primeira vez. Exemplo disto é a utilização de processos de mudanças de fase os quais estão associados no livro à aumento de entropia nos casos em que as moléculas ficam mais “livres”. “[...] ao passarem do estado líquido para o gasoso, as moléculas de água ficam mais “livres”, mais “soltas”, isto é, em maior desordem. ” Abaixo encontra-se a análise dos livros didáticos voltados para o ensino superior: ATKINS, P.; JONES, L. PRINCÍPIOS DE QUÍMICA: questionando a vida moderna e o meio ambiente. 5ª ed. Editora Artmed- Bookman. 2012. Este livro consta na bibliografia básica das disciplinas de Química Geral 1. O conceito de entropia é introduzido no capítulo 08 do livro. O mesmo traz uma abordagem histórica como também, utiliza ermos associados à entropia, como desordem, desorganização, embora relacionando-o corretamente a mudanças espontâneas. Por exemplo, nas seguintes afirmações: “Na linguagem da termodinâmica, essa ideia simples é expressa como entropia, S, uma medida da desordem. Entropia baixa significa pouca desordem e entropia alta significa muita desordem. ” “A entropia de um sistema isolado aumenta no decorrer de qualquer mudança espontânea. ” “A tendência que identificamos é uma versão da segunda lei da termodinâmica. A direção natural do sistema e sua vizinhança (que juntos formam o “universo”) é ir da ordem para a desordem, do organizado para o aleatório. ” “A entropia é uma medida da desordem. De acordo com a segunda lei da termodinâmica, a entropia de um sistema isolado aumenta com qualquer processo espontâneo. A entropia é uma função de estado. ” 37 A relação da palavra entropia com desordem deveria ser explicada em termos de probabilidade, quanto maior o número de microestados, maior a desordem, pois é maior a probabilidade do estado, como enfatizado por Ben-Nain (2011). Entretanto, não se observa esse cuidado, de modo que evitaria os equívocos relatados na seção 3.3. O livro também apresenta brevemente o ponto de vista da termodinâmica estatística tratando como uma “definição alternativa para a entropia” proposta pelo físico L. Boltzman para se calcular a entropia a nível molecular. Esta forma de se calcular a entropia a partir da fórmula de Boltzman foi chamada de entropia estatística. Dessa forma, o livro discrimina a forma como a entropia pode ser obtida através dos termos “entropia termodinâmica e entropia estatística”, enfatizando que uma foi estabelecida a partir das considerações sobre o comportamento da matéria e a outra, da análise estatística do comportamento das moléculas, relacionado ao número de microestados acessíveis a tal sistema, em que as moléculas podem estar distribuídas, a depender da temperatura. O mesmo afirma o seguinte: “Um gás ideal é formado por um grande número de moléculas que ocupam os níveis de energia característicos de uma partícula em uma caixa. [...]. Em T = 0, somente o nível mais baixo de energia está ocupado; logo, W = 1 e a entropia é zero. Não há ‘desordem’, porque sabemos o estado que cada molécula se ocupa. Em qualquer temperatura acima de T = 0, as moléculas ocupam muitos níveis de energia. Como, agora, podemos distribuir as moléculas de muitas maneiras diferentes, existem muitos microestados e W é maior do que 1. Portanto, a entropia (que é proporcional a ln W) é maior que zero. A desordem aumentou, porque temos menos certeza do estado que uma determinada molécula ocupa. ” Este livro tenta também contextualizar com exemplos cotidianos, para facilitar o entendimento do aluno acerca do conteúdo, mas mesmo estes exemplos, ainda são relacionados com o termo desordem: “Podemos esperar que a entropia aumente quando um sólido funde e suas moléculas tornam-se mais desordenadas. ” Ou seja, mesmo embora este autor traga uma abordagem estatística, não foi enfatizado o porquê do emprego do termo desordem. Também o mesmo não menciona sobre os equívocos 38 que podem ser encontrados devido ao emprego de palavras que não traduzem o significado do termo entropia, como é o caso da afirmação acima. BRADY, J. E.; HUMISTON, G. E. Química Geral. Vol. 2. 2ª ed. Editora LTC 2008. Diferentemente do livro anteriormente analisado, este traz o conceito de entropia de forma muito mais simplificada e resumida. Este pode ser um fator para tal livro ser pouco utilizado pelos professores da Universidade, o campo de pequisa na qual foram coletadas as informações para a realização deste trabalho, como será abordado posteriormente na seção 5.3, que trata da análise das entrevistas com os professores. O mesmo também faz associação do conceito de entropia com o termo desordem, como pode ser observado no trecho abaixo: “O grau de desordem num sistema é representado por uma quantidade termodinâmica chamada entropia, representada pelo símbolo S; quanto maior a desordem, maior a entropia. ” (BRADY e HUMISTON, 1938, p. 437). Assim como os outros livros voltados para as disciplinas de Química Geral analisados, os autoresdeste livro definem entropia como sendo função de estado, que explica o melhor desempenho dos alunos com os conhecimentos de Química Geral se comparado às turmas com os conhecimentos do Ensino Médio, quando perguntados sobre o que seria a função de estado (resultado discutido na seção 5.2). “Entropia, E e H, também é uma função de estado, o que significa que a magnitude de ΔS depende somente das entropias do sistema nos seus estados inicial e final. ” (BRADY e HUMISTON, 1938, p. 437) Entretanto, o conceito de entropia nem é citado do ponto de vista da termodinâmica estatística e muito menos se faz uma abordagem histórica para se definir entropia. Neste caso em específico, os autores também não trazem nenhum exemplo do cotidiano, de forma que leve o leitor a um pensamento mais crítico acerca do meio ambiente e da sociedade na qual está inserido. O mesmo também não comenta sobre os equívocos que podem ser encontrados devido ao emprego de palavras que não traduzem o significado do termo entropia. 39 RUSSEL, J. B. Química Geral. Vol. 2. 2ª ed. Editora Pearson Makron Books. 1994. Este livro consta na bibliografia básica das disciplinas de Química Geral. O livro Química Geral desse autor, faz uma abordagem diferente dos anteriormente analisados. Embora o termo “desordem” seja bastante utilizado, inicialmente é feita uma relação do conceito com as transformações espontâneas. As reações espontâneas são relacionadas a mudanças que levam à estados mais ordenados e menos ordenados, em casos específicos nos quais a energia do estado final é maior que a energia do inicial: “Os processos espontâneos, em que o sistema não adquire estado de menor energia, possuem característica comum? Sim, e isto é importante: Em cada um destes processos, o sistema vai de um estado mais ordenado para um menos ordenado. ” Quanto à definição de entropia em si, este livro trata um pouco da termodinâmica estatística, onde traz a definição a partir de microestados como modos em que as partículas podem estar arranjadas para se construir um estado, e fazendo relação do termo desordem com probabilidade. Ou seja, relaciona o fato da probabilidade de mais estados estarem ocupados com o aumento da desordem do sistema: “A entropia se relaciona com a probabilidade termodinâmica”. Este livro em nenhum momento traz uma abordagem histórica, apenas cita aqueles que propuseram as leis e fórmulas que estavam sendo abordadas, mas de forma muito sucinta. O mesmo traz alguns exemplos do cotidiano, que ajudam na compreensão do conteúdo, mas que também trazem o termo desordem sem o devido cuidado na linguagem ter sido abordado no texto: “Considere a fusão do gelo. Observamos que acima de 0°C o gelo funde espontaneamente, apesar do fato que, quando isso ocorre, ele absorve calor e adquire um estado de maior energia. Durante o processo de fusão, contudo, o gelo transforma-se de um estado cristalino altamente ordenado para um líquido relativamente desordenado. ” Pode-se observar que devido ao fato deste livro ser relativamente antigo, 0°C não foi escrito de forma correta, de acordo com o que a IUPAC atualmente recomenda, que seja escrito como 0 °C, por entender que o grau celsiu é uma unidade de medida, e como tal, deve ser escrita com um espaço entre o valor numérico e seu símbolo referente à essa unidade. 40 Por fim, o mesmo também não traz nenhum comentário sobre os equívocos que podem ser encontrados devido ao emprego de palavras que não traduzem o significado do termo entropia. CASTELLAN, G. Fundamentos de Físico-Química. Editora LTC. 2015. Este livro consta na bibliografia básica das disciplinas de Físico-Química. A análise dos livros didáticos voltados para as disciplinas de físico-química mostra um resultado bastante diferente do que foi observado nos livros de disciplinas anteriores. O ponto principal é que, diferentemente dos livros cujas análises foram descritas até aqui, este não define exatamente o que vem a ser entropia. Primeiramente este traz uma breve introdução, abordando o contexto histórico, partindo do primeiro e segundo princípios da termodinâmica e suas relações com a espontaneidade dos processos. Logo após esta breve explanação, o autor traz um breve histórico partindo do ciclo de Carnot, a Bomba de calor, entre outros, para chegar ao conceito de entropia em si. Entretanto, como mencionado anteriormente, este conceito não é diretamente definido, e em nenhum momento o autor utilizou de analogias, ou de termos para definir entropia, como desordem e não falou sobre os equívocos que podem ser encontrados devido ao emprego de palavras que não traduzem o significado do termo entropia. Este livro possui um texto denso, mais complicado de ser compreendido e traz bastante equações e formas de se calcular a entropia, em diferentes situações. O mesmo traz uma abordagem do ponto de vista da termodinâmica estatística, relacionando com probabilidade, através da equação proposta por Boltzmann, apenas relacionando-a a um exemplo específico. BALL, D. W., Físico-Química, vol. 1, Editora Cengage Learning.2005. Este livro consta na bibliografia básica das disciplinas de Físico-Química. Este livro tem uma divisão bastante parecida com o de Castellan, no qual faz primeiramente uma introdução da primeira lei da termodinâmica, sobre espontaneidade e Ciclo de Carnot, explicando detalhadamente o funcionamento deste ciclo, suas etapas e eficiência, como ponto de partida para definir entropia. O autor também não utiliza o termo desordem para definir o conceito, apenas o relaciona com a equação que determina em termos numéricos o 41 valor da entropia de acordo com as transferências de calor e mudanças de temperaturas envolvidas. Os exemplos utilizados não são cotidianos, sendo mais difícil o entendimento. Entretanto, espera-se que neste nível o estudante esteja preparado para lidar com situações mais complexas. Posteriormente em outra seção, o livro traz um pouco da história da entropia do ponto de vista da termodinâmica estatística, onde traz a chamada “definição diferente” de entropia elaborada por Boltzmann, porém de forma mais sucinta e complexa, considerando que estes estudantes tenham adquirido conhecimento prévio suficiente do assunto para entender mais profundamente o conteúdo. ATKINS, P.; PAULA, J. De. Físico-Química, Vol. 1. 8. ed. LTC, 2010. Este livro consta na bibliografia básica das disciplinas de Físico-Química. Neste livro, o conceito de entropia é tratado no terceiro capítulo. Na página inicial, é dada a motivação para o estudo do conteudo que será tratado no capítulo: explica a origem da espontaneidade de variações ou processos físicos e químicos. Durante as primeiras seções, aspectos qualitativos são discutidos com relação à processos que ocorrem espontaneamente, mesmo aqueles em que não há diminuição de energia, de forma a levar à introdução de uma nova variável termodinâmica, a entropia, cujo aumento deveria impulsionar tais processos na direção espontânea. A proposição da entropia é feita baseada no fato de que quando ocorre um aumento de entropia devido à um processo, então deve ocorre um aumento da dispersão de energia. A definição quantitativa de entropia é dada, em termos da quatidade de calor associada ao processo, visto que este estimularia movimentos aleatórios, que estariam associados à uma maior dispersão da energia. Em uma caixa à parte, recurso utilizado ao longo de todo o livro, denominado “Interpretação molecular”, é abordada “A interpretação estatística da entropia”. Inicialmente considera-se que o sistema macroscópico é tratado como sendo formado por partículas (átomos ou moléculas), cujos níveis de energia são conhecidos bem como a distribuição dessas partículas sobre esses níveis em uma dada temperatura. “Em T = 0, somente o estado de menor energia
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