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SUMÁRIO INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 4 1 ASPECTOS CONCEITUAIS ....................................................................... 5 2 FUNÇÕES PSÍQUICAS E PSICOPATOLOGIA ......................................... 8 2.1 Definições de funções psíquicas compostas ...................................... 10 2.2 Delírio, alucinações e ilusão ............................................................... 12 2.3 Diversos fenômenos da psicopatologia .............................................. 15 3 PROMOÇÃO EM SAÚDE MENTAL ......................................................... 19 3.1 A doença mental e a zona cinzenta que a separa da normalidade .... 20 3.2 Facetas da psicopatologia .................................................................. 22 4 O QUE É DOENÇA MENTAL? ................................................................ 24 5 ORIENTAÇÃO E EDUCAÇÃO EM SAÚDE MENTAL ............................. 26 5.1 Educação em saúde: definições ......................................................... 27 5.2 Política Nacional de Saúde Mental ..................................................... 29 5.3 O que são os Centros de Atenção Psicossocial? ............................... 30 5.4 Quais são as principais ações do profissional em saúde mental nos Centros de Atenção Psicossociais? ....................................................................... 32 5.5 Atenção à saúde mental de crianças e adolescentes ........................ 32 5.6 Ações do profissional no Centro de Assistência Psicossocial Álcool e Drogas........ ........................................................................................................... 34 5.7 Ação do profissional em educação em saúde mental e saúde da família......... ........................................................................................................... 35 6 ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO EM SAÚDE MENTAL ............................... 37 6.1 Como utilizar os instrumentos de avaliação ....................................... 38 6.2 Como escolher a escala a ser usada ................................................. 40 6.3 Selecionando os instrumentos específicos ......................................... 41 6.4 Entrevistas diagnósticas e instrumentos de triagem .......................... 42 6.4.1 Entrevistas diagnósticas ........................................................... 43 6.4.2 Instrumentos de triagem ............................................................ 46 6.5 Limitações .......................................................................................... 49 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................... 49 8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................ 51 INTRODUÇÃO Prezado aluno! O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil. Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso. A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos definidos para as atividades. Bons estudos! 5 1 ASPECTOS CONCEITUAIS Conforme elucida Tavares (2019) a compreensão sobre a doença mental é fundamental para diferenciar o sofrimento psíquico não patológico e o transtorno mental. Não se deve tratar como patologia o sofrimento comum, que todos passamos ao longo da vida, correndo o risco de fomentar uma indústria da doença. Igualmente errado seria deixar de reconhecer a gravidade e a necessidade de intervenção em uma pessoa que padece de um transtorno mental. Não é possível conhecer completamente uma área do conhecimento sem conhecer a sua história. Ao contrário do que podemos acreditar intuitivamente, o conceito de saúde e de doença são mutáveis e passaram por diversas transformações ao longo do tempo. Tais definições sofrem influência da cultura, da religião, do momento histórico, da política e da ciência. O registro mais antigo de concepções biológicas de saúde e doença remonta ao século V a.C por Hipócrates. Em sua obra Corpus Hippocraticum, Hipócrates identificou uma divisão clara do processo de saúde. Saúde/doença com religião, chamada doença sagrada: para mim não parece mais divino ou sagrado do que os outros, mas é da mesma natureza que outras doenças. Tal natureza seria de origem biológica, baseada no equilíbrio entre quatro fluidos do corpo: bile amarela, bile negra, fleuma e sangue. Ainda que muito influente, a escola hipocrática não impediu a influência religiosa sobre cuidado em saúde. Em diversos momentos históricos, a doença era considerada uma punição divina pelos pecados cometidos e, portanto, a saúde seria medida pela devoção e obediência aos ditames religiosos. Por exemplo, a masturbação é considerada uma doença que causa desnutrição devido à perda de sêmen e transtornos mentais. Outro conceito de saúde é místico e reconhecido na cultura oriental. Os chakras são vórtices de energia em rotação que ocorrem em sete partes do corpo. A saúde ocorre quando há harmonia nessa energia, enquanto a doença decorre do desequilíbrio nos chakras. A homeopatia usou a lógica de cura por meio de companheiros. É uma terapia que utiliza uma modulação de substâncias cujos efeitos em indivíduos saudáveis 6 correspondem às manifestações do distúrbio no paciente. Comportamentos que vão além do preconizado pela cultura atual também são considerados indícios de doença. Nos Estados Unidos, no século XIX, a vontade de fugir ou a falta de motivação para o trabalho forçado era diagnosticada como "histeria" e "histeria etíope", duas "doenças" tratadas com folga. Por fim, em 1948, a Organização Mundial da Saúde – OMS, forja o seguinte conceito: Saúde é o estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença. Tal concepção amplia os horizontes do que significa saúde, pois se baseia em um tripé físico, biológico, psicológico, mental e social/cultural. Também amplia a consciência de saúde, mudando o paradigma puramente curativo que se concentra apenas no tratamento de doenças para a importância da prevenção de doenças, promoção da saúde e reabilitação. Assim, para existir saúde a nível individual e coletivo, torna-se imprescindível a existência de saneamento básico, o acesso à alimentação saudável, as políticas de imunização, o acesso a lazer e atividade física, a educação em saúde, dentre outros (TAVARES, 2019). O governo brasileiro e o Ministério da Saúde não têm uma definição autoral de saúde ou de saúde mental, mas a Constituição Federal de 1988 assegura a universalidade da assistência em saúde em seu art. 196: A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (BRASIL, 1988). Esse direito representa uma ruptura com os modelos de saúde adotados até então, no qual o acesso aos serviços de saúde eram exclusividade dos trabalhadores com carteirade trabalho assinada e seus dependentes. Também assegura que não deverá ocorrer qualquer forma de exclusão por classe social, etnia, idade, credo, orientação sexual, naturalidade ou quaisquer outros motivos. Uma crítica ao art. 196 argumenta que ele coloca o cidadão em uma posição passiva e infantilizada, como se a saúde fosse um bem concreto que pudesse ser dado a alguém sem exigir nenhuma ação por parte do indivíduo. 7 O Estado pode fornecer assistência, promoção e educação em saúde, pode promover acesso à alimentação balanceada e barata, fomentar a prática de atividades físicas, garantir saneamento básico, realizar imunização e prevenção de agravos, entre outros. No entanto, o indivíduo deve ser solidariamente responsável pela sua própria saúde, pois só ele tem o dever de praticar os hábitos de vida recomendados para garantir a sua saúde física e mental. O conceito de saúde e de saúde mental é dinâmico e reflete o momento histórico de sua construção. Atualmente, vivemos em uma era que almeja a percepção holística e integrativa da saúde, incorporando diversas visões sobre a saúde e concretizado no conceito de saúde proposto pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Não se trata de uma superação ou evolução dos modelos anteriores, mas, sim, da valorização e integração deles. Existem críticas a este conceito proposto pela OMS. Uma delas seria de que o conceito é idealizado e utópico, já que o completo bem-estar físico, mental e social é inatingível a qualquer ser humano. Ninguém pode ser considerado saudável se o conceito de saúde for interpretado de forma concreta e literal. Alternativamente, pode-se interpretar que cada indivíduo está em um processo de saúde/doença contínuo e mutável. Outra crítica se refere à possibilidade de o conceito fomentar um Estado excessivamente paternalista e intervencionista, podendo assumir posturas autoritárias justificadas pela busca do completo bem-estar social (TAVARES, 2019). Ainda de acordo com o autor supracitado, diferentes culturas e indivíduos podem ter ideias diferentes sobre quais elementos constituem o bem-estar social, não é somente no campo teórico que encontraremos implicações da caracterização da saúde mental. As óticas previamente explanadas podem ser percebidas no cotidiano clínico ao se entrevistar clientes e seus familiares. Os mais diversos sintomas psiquiátricos podem ser interpretados como possessão demoníaca, encosto, falta de Deus no coração ou outras explicações de cunho religioso, direcionando o tratamento à reza, sessões de descarrego, exorcismo ou cirurgia espiritual. Tal interpretação tem potencial de ser nociva ao cliente caso o afaste ou atrase o início de intervenções com embasamento científico. Comportamentos que se desviam significativamente das expectativas culturais ainda podem ser caracterizados como doença mental. O transtorno de personalidade 8 dependente, por exemplo, é caracterizado por uma tomada de decisão diária extremamente difícil, desacordo com outras pessoas, tomada de iniciativa e se considerar uma pessoa autônoma e independente. Uma mulher com tais traços seria considerada portadora de transtorno mental na cultura ocidental do século XXI, porém, teria status de esposa exemplar pela sua submissão ao marido em culturas muçulmanas tradicionais. Devemos tomar o cuidado de não posicionar a compreensão biológica da saúde como modelo correto ou absoluto. Essa visão trouxe inquestionáveis avanços a todas as áreas da medicina. Entretanto, sua utilização de forma única e restrita resultou em décadas de aplicação do modelo biomédico, hospitalocêntrico, curativista e centrado no especialista. Suas limitações são claras na psiquiatria e na medicina psicossomática, mas mesmo doenças de etiologia inquestionavelmente biológica devem ser avaliadas sob a ótica biopsicossocial. Uma parasitose, por exemplo, não deve ser tratada exclusivamente com a prescrição de anti-helmínticos. Também deve ser realizada educação em saúde sobre lavagem de mãos, higiene pessoal, cuidados com alimentos, verificação de acesso a água tratada e saneamento básico, rastreio de familiares e envolvimento dos pais em todo o processo de tratamento (TAVARES, 2019). 2 FUNÇÕES PSÍQUICAS E PSICOPATOLOGIA Apesar de a Organização Mundial da Saúde (OMS) afirmar que não existe uma definição específica, ou oficial, para a saúde mental, tem-se o uso dessa expressão para a descrição de níveis de qualidade de vida cognitiva e emocional, acrescida pelas capacidades funcionais de se relacionar com o mundo e a sociedade (TAVARES, 2019). Conforme proposto por Cordioli et al. (2005), a verificação do estado mental é uma forma de pesquisa sistemática que aborda sinais e sintomas que podem indicar mudanças na função mental durante uma entrevista psiquiátrica. Apesar disso, os autores alertam que esse exame do estado mental deve fazer parte do exame clínico do paciente, não sendo realizado exclusivamente por psiquiatras, pois pode trazer à 9 tona indícios importantes de transtornos neurológicos, metabólicos, de intoxicações ou de efeitos de uso de drogas. Essas avaliações do paciente são realizadas principalmente por meio de entrevistas, sendo assim, deverá ser realizada conjuntamente com uma observação cuidadosa do indivíduo, onde, as informações recebidas durante a entrevista podem ser extremamente valiosas para a compreensão da dinâmica emocional do paciente, o que auxiliará na intervenção e no planejamento de ações de tratamento mais adequadas, independentemente do adoecimento que o motivou a buscar acompanhamento de saúde. Porém, vale ressaltar que o diagnóstico efetivo de um transtorno psicológico, e/ou uma psicopatologia, deverá ser realizado com a complementação de instrumentos e feita por profissionais bem capacitados (DALGALARRONDO, 2019). As funções psíquicas são analisadas por ordem, mas deve-se destacar que essa separação é apenas uma estratégia de abordagem, pois, como mostra Dalgalarrondo (2019), não existem funções e variações psíquicas distintas, as alterações mentais são divididas em compartimentos. Quando uma “parte” adoece, todo o indivíduo adoece. Dalgalarrondo (2019) apresenta a seguir as funções psíquicas avaliadas no exame do estado mental que mais afetam os principais grupos de transtornos: psicoorgânicos, de humor e personalidade e psicóticos (Quadro 1): Quadro 1 - Funções psíquicas no exame do estado atual mental: Funções mais afetadas nos transtornos psicoorgânicos: Funções mais afetadas nos transtornos do humor e da personalidade: Funções mais afetadas nos transtornos psicóticos: Nível de consciência Afetividade Sensopercepção Atenção* Vontade Pensamento Orientação Psicomotricidade Juízo de realidade Memória Personalidade Vivência do Eu e alterações do self Inteligência 10 Linguagem** *Também nos quadros afetivos (mania, principalmente). **Também nas psicoses Fonte: Adaptado de Dalgalarrondo (2019). Cordioli et al. (2005) apresenta como forma de estabelecer uma ordem de análise dos aspectos do indivíduo, o funcionamento mental que é dividido em funções mentais/psíquicas, que são: Consciência. Atenção. Sensopercepção. Orientação. Memória. Inteligência. Afetividade. Pensamento. Juízo crítico. Conduta. Linguagem. Essas divisões são também chamadas de funções psíquicas elementares. A divisão dessa forma proporciona maior facilitação para o diagnóstico de síndromes específicas, pois permite a observação de grupos de funções alterados. Além dessas, existem ainda as funções psíquicas compostas, que resultam de agrupamentos e somatórios de atividades e capacidades, tanto mentais quanto comportamentais. 2.1 Definições de funções psíquicas compostas Segundo Dalgalarrondo (2019), existem três definições psíquicas, são elas:11 Eu: desenvolve-se na criança, de forma progressiva, ao longo do primeiro ano de vida, formando a percepção de ser único, relativamente autônomo e separado dos demais indivíduos e objetos. Self: juntamente com a percepção do Eu, a percepção de self tem seu início na infância e pode ser considerado como a soma e tudo o que possa ser chamado de “seu” no sentido mais íntimo. Personalidade: pode ser definida como o conjunto integrado de traços psíquicos, ou seja, o modo como uma pessoa sente, pensa, reage, se comporta e se relaciona com outras pessoas e o meio. Além das funções mentais, tem-se a divisão, assim como anteriormente citado, para fins didáticos e de melhor compreensão do quadro dos pacientes e as divisões das funções psicofisiológicas, que são definidas pela correlação entre os fenômenos psíquicos e fisiológicos que ocorrem no indivíduo. As funções psicofisiológicas são divididas, conforme apresentado por Cordioli et al. (2005), em: Sono; apetite; sexualidade. A entrevista é o principal meio de análise das funções psíquicas por meio do exame mental, ao realizá-la deverão ser avaliados alguns aspectos que o examinador terá que observar, analisar e registrar primariamente. Aparência: a forma como o indivíduo se apresenta em suas roupas e modos. Desempenho psicológico e comportamental: refere-se à maneira como a atividade física se correlaciona com o desempenho psicológico e pode ser classificada, por avaliação, em normal, atrasada ou acelerada. Atitude em relação ao examinador: observe as ações do paciente em relação ao examinador, especialmente em relação à sua resposta. Atividade verbal: avaliada por meio da comunicação do indivíduo com o examinador, com a percepção das características da fala. Várias formas de classificação e descrição da habilidade verbal incluem fala rápida ou arrastada, 12 vozes altas ou sussurrantes e a presença de distúrbios da fala, como fala arrastada, e disartria. Sentimentos despertados: refere-se ao momento em que o avaliador expressa a impressão emocional geral transmitida pelo paciente. A seguir, alguns aspectos da alteração das funções psíquicas serão melhor descritos, principalmente aqueles relacionados à percepção sensorial. 2.2 Delírio, alucinações e ilusão Uma das funções mentais é a sensopercepção. Para melhor compreendê-la, é importante a compreensão das definições de sensação e percepção. Conforme apresentado por Dalgalarrondo (2019), a sensação é considerada um fenômeno passivo, produzido por estímulos físicos, químicos ou biológicos, que produz estimulação no receptor. Esses estímulos podem ser gerados tanto de dentro quanto de fora do corpo. A percepção é considerada um fenômeno ativo, uma vez que o sistema nervoso geralmente a constrói a partir da síntese de estímulos sensoriais, agregando fatores como experiências passadas presentes na memória do indivíduo e ao contexto em que está inserida, para dar sentido às experiências vividas. Em outras palavras, ela pode ser entendida como a compreensão do indivíduo sobre o estímulo recebido. Sendo assim, Cordioli et al. (2005) apresentam que a sensopercepção é designada pela capacidade do indivíduo de perceber e interpretar os estímulos que se apresentam aos órgãos do sentido. As formas de sensação, são as seguintes: visuais, táteis, auditivas, gustativas, olfativas, proprioceptivos e cinestésicos. As alterações de sensopercepção podem ser classificadas como quantitativas e qualitativas, sendo as qualitativas mais importantes nas psicopatologias, pois envolvem as ilusões e as alucinações (DALGALARRONDO, 2019). Quando falamos de alucinações, descrevemos um fenômeno em que ocorre a percepção distorcida ou alterada de um objeto real e presente, ou seja, quando os estímulos sensoriais são realmente confundidos ou mal interpretados pelos indivíduos. Os delírios tendem a ocorrer com diminuição da excitação ou redução do 13 nível de consciência, como no caso do delirium, quando a consciência reduzida leva à distorção dos processos perceptivos: Além disso, podem também ocorrer em situações de deslocamentos de retina, distúrbios de acomodação visual, lesão temporal posterior e intoxicações agudas por substâncias psicoativas (DALGALARRONDO, 2019). As ilusões podem ser auditivas, por exemplo, quando o indivíduo escuta seu nome ser chamado ou ouve palavras significativas para si, ou podem ser táteis, como no caso de membros fantasmas, no qual o indivíduo que teve algum membro amputado pode ter sensações locais como coceira, dor e formigamento. No entanto, as ilusões mais comuns são as visuais, nas quais monstros, animais e pessoas podem ser vistas a partir de objetos, como roupas penduradas (Dalgalarrondo, 2019). As ilusões visuais podem ainda ser classificadas como (Cordioli et al, 2005): Dismegalopsias: quando objetos ou pessoas passam a ter tamanhos ou estar em distâncias irreais. Macropsias: quando objetos ou pessoas passam a ter tamanhos maiores e distâncias tornam-se muito próximas. Micropsias: quando objetos ou pessoas passam a ter tamanhos menores e distâncias tornam-se muito mais distantes. Miragens: ilusões causadas por distorção óptica relacionada ao ambiente atmosférico, como a visualização de água em meio ao deserto de areias. Ao contrário das ilusões, que precisam ter um estímulo externo para a ocorrência, as alucinações ocorrem na ausência destes, ou seja, a alucinação pode ser considerada como a percepção de um objeto ou pessoa, sem que este esteja realmente presente, portanto, sem o estímulo sensorial respectivo (DALGALARRONDO, 2019). (Grifo nosso) Muitas são as classificações das alucinações. Dentre os grandes grupos, podemos destacar as seguintes: Visuais simples: também chamadas de fotópsias, em que o indivíduo enxerga cores e pontos brilhantes. Visuais complexas: são aquelas que apresentam figuras de pessoas vivas ou mortas, partes do corpo, entidades como: anjos, demônios, fantasmas e santos, objetos inanimados, animais ou crianças. Visuais em estados normais e fisiológicos: como fadiga e emoção intensa, ou em adormecimento. Nesse último caso, podem ser: Hipnagógicas: que ocorrem imediatamente antes de dormir. Hipnopômpicas: que ocorrem pouco antes de acordar, podendo também ocorrer em estados semicomatosos. Auditivas simples/elementares: o indivíduo ouve ruídos primários, como zumbidos, burburinhos e cliques. 14 Auditivas complexas: a mais frequente é a audioverbal. Nesta, o indivíduo é capaz de escutar vozes, que geralmente o ameaçam e insultam, sendo congruentes com o humor. Alucinações schneiderianas: são alucinações audioverbais em que o indivíduo escuta vozes que comandam ou comentam ações, tanto corriqueiras do paciente como de ação não planejada. Táteis: relacionadas com o equilíbrio e a localização espacial do indivíduo. Olfativas: que também podem ocorrer em auras enxaquecosas. De presença: onde ocorre a sensação da presença de outra pessoa. Extracampinas: indivíduo enxerga objetos fora do campo de visão, como atrás da cabeça. Autoscopia: o indivíduo visualiza a si próprio projetado no espaço. Somáticas: o indivíduo sente alterações no seu próprio organismo. As alucinações têm maior ocorrência nos transtornos psicóticos, com especial destaque para a esquizofrenia, e nas síndromes cerebrais orgânicas. (DALGALARRONDO, 2019) Outra importante função mental é a do pensamento, que é definida por ser um conjunto de funções que se integram, sendo capazes de realizar a associação de conhecimentos novos e antigos, de integrar os estímulos recebidos externos e internos e, além desses, de analisar, abstrair, julgar, concluir, sintetizar e criar (CORDIOLI et al. 2005). Para Cordioli et al. (2005) a saúde mental possui três aspectos importantes relativos à função mental do pensamento os quais devemser avaliados, conforme se observa a seguir: A produção/forma, que se refere à forma como o indivíduo é capaz de organizar as suas ideias, sendo considerada: normal, quando a produção de pensamento é lógica e coerente; ilógica, quando o indivíduo não segue padrões de coerência, muitas vezes acrescentando informações falsas ou indevidas em suas falas; e mágica, que é determinada por um pensamento irreal, fantasioso, desagregado em tempo e espaço e que pode, diversas vezes, estar relacionada a misticismos, ações de força do pensamento, entre outros. 15 O curso está interligado pelo número de ideias e pela velocidade com que se movem no pensamento. Em termos de quantidade, pode-se dizer que é abundante ou raro. Quanto à velocidade, ela pode ser classificada como rápida, lenta ou travada. O conteúdo, das ideias do pensamento, propriamente ditas, que são avaliadas quanto a sua conexão ou não com a realidade, refletindo aspectos do mundo interno ou externo. Sua avaliação pode definir se existe o risco de perigo para si e para os outros. Sendo ele o responsável por demonstrar as preocupações do paciente. Esse é o aspecto que demonstra a ocorrência de delírios. Portanto, temos que o delírio pode ser definido como uma ideia falsa ou uma crença irreal pertencente à alteração da função mental do pensamento, apresentam que as ideias supervalorizadas, que incluem os delírios, podem ser do tipo persecutórias ou paranoides. (CORDIOLI et al, 2005) Cordioli et al. (2005) orienta que nos casos mencionados, o indivíduo acredita estar sendo perseguido ou observado, por exemplo. Existem alguns tipos específicos de delírio, que são melhores expostos a seguir: Bizarro: definido como aqueles que apresentam crenças absurdas, falsas e implausíveis. Niilista: onde o indivíduo crê que esteja morto ou que as pessoas ao seu redor estão mortas, ou, ainda, que não existem ou que se acabaram. Capgras: onde o indivíduo acredita que seus familiares, ou pessoas próximas, deixaram de ser elas mesmas, sendo trocados por impostores. Cotard: delírio em que o indivíduo acredita que as pessoas não são reais, são apenas bonecos. 2.3 Diversos fenômenos da psicopatologia Conforme demonstrado anteriormente a psicopatologia possui várias concepções, gerando diversas regras referentes aos seus elementos, tanto conceitualmente quanto operacionalmente. Diversas são as circunstâncias e causas psicopatológicas que vão desde transtornos orgânicos até transtornos situacionais 16 estressantes, passando por aqueles que envolvem incidentes na vida do indivíduo, incluindo a perda de um ente querido, um acidente grave, entre outros. Assim, Ávila (2015) menciona que esses fenômenos, de uma maneira geral, podem ser considerados como o campo de estudo das perturbações mentais, assim, um estudo dos transtornos que afetam as funções cognitivas, afetivas e de atitudes dos indivíduos. Cordioli et al. (2005) menciona ainda que é importante destacar que os transtornos mentais são influenciados por questões culturais às quais o indivíduo é trazido, ressaltando que a saúde mental é relevante nos campos de pesquisa em saúde geral, pois se relacionam intimamente com a saúde humana presente. Além do mais, o mesmo autor também mostra que uma pessoa considerada mentalmente saudável é aquela que é capaz de se adaptar às mudanças cotidianas, resolver problemas que surgem para continuar realizando suas atividades diárias com competência e, assim, ser capaz de estabelecer metas e aproveitar a vida. Sendo assim, pode-se considerar a presença de doenças mentais nos casos em que o sujeito demonstra incompetência ao lidar com a vida diária, com as alterações das realidades a que está acostumado, tendo, portanto, situações de prejuízo de julgamento, que afetam diretamente as situações cotidianas (CORDIOLI et al, 2005). Como apontado, as situações culturais, em relação ao ambiente e ao tipo de sociedade em que o indivíduo está inserido, exercem grande influência nas questões relacionadas à psicopatia. Corroborando com esse pensamento a OMS, em 2002, destacou a violência como um dos maiores problemas de saúde pública. Situações geradoras de estressores que podem afetar um objetivo, e muitas vezes membros de sua família, fazem parte da realidade cotidiana, como situações de violência entre indivíduos, incluindo maus-tratos e negligências infantis, além de outras situações presentes em toda a sociedade, podendo se tratar tanto de desastres naturais, como também ser geradas por situações de agressão, estupro ou acidente de carro grave, entre outros. Tais situações, ocorridas tanto na infância como na vida adulta, podem desencadear graves psicopatologias, das quais citam-se, de forma geral: Mais especificamente, a ocorrência de sintomas relacionados ao transtorno de estresse pós-traumático, como na vida adulta, tais situações, relacionadas às psicopatologias 17 de base, poderão ocasionar diversos prejuízos, como sociais e profissionais, e alterações no sistema neuroimunoendócrino. Podendo ser estes prejuízos comportamentais divididos em internalizantes e externalizantes (Quadro 2): Quadro 2 - Comportamentos que podem ser apresentados na vida adulta de crianças que sofreram estresse precoce: Internalizantes Externalizantes Ansiedade Agressividade Depressão Delinquência Queixas somáticas Comportamentos sexuais inadequados ou prejudiciais Inibição Fonte: Adaptado de TAVARES (2019). Entre os distúrbios mais comuns na população, destacados por Cordioli et al. (2005) em termos de prevalência, houve depressão e ansiedade, ambas apresentadas de forma independente e em relação às comorbidades, onde, em sua pesquisa, ele ressalta que, por meio do imenso envolvimento do trauma no desencadeamento de doenças mentais, foi publicada em 2013 a quinta edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5). Nesta publicação, há uma seção que descreve especificamente as condições psiquiátricas relacionadas ao trauma, conhecidas como trauma e transtornos relacionados ao estresse, que incluem as seguintes categorias: Transtorno de apego relativo. Transtorno de interação social desinibida. Transtorno de estresse pós-traumático. Transtorno de estresse agudo. Transtornos de adaptação. Transtorno relacionado a trauma e a estressores não especificado. Germano et al. (2018) menciona que: 18 Outro transtorno relacionado a trauma e a estressores especificado, além das situações de psicopatologias que se apresentam de maneira geral à população, podemos destacar, também, aquelas recorrentes associadas às profissões que estão constantemente expostas a situações de violência, exposição a agressividade, hostilidade e tragédias, que causam desgastes físicos e emocionais aos que trabalham (GERMANO et al. 2018). Os autores supracitados observam que, de acordo com um estudo sobre estresse em todo o mundo, a profissão de policial, especificamente policial e vigilância policial, é uma das mais estressantes. Somada à profissão policial, ou aos profissionais da segurança pública em geral, a profissão médica é também uma das mais estressantes e psicogênicas, e relativamente às psicopatologias relacionadas às profissões, destacam que, no Brasil, utiliza-se a classificação de Schilling para a sistematização de doenças, onde, os grupos principais são distribuídos da seguinte maneira (Quadro 3): Quadro 3 - Classificação de Schilling para a sistematização de doenças Grupo I: O trabalho é considerado como uma causa necessária ao aparecimento de uma doença. Grupo II: O trabalho é considerado como um fator que pode contribuir, porém não é uma condição necessária. Grupo III: O trabalho é o principal provocador de um distúrbio preexistente, porém latente, ou um agravador de uma doença já estabelecida.Fonte: Adaptado de GERMANO et al. (2018). A síndrome de Burnout se destaca como uma das principais causas associadas ao trabalho. Suas principais características são um estado de exaustão, frustração e desinteresse pelo trabalho, o que gera um sentimento de decepção, frio, indiferença e miséria. Tal síndrome pode ser delineada como um estado físico e psicológico de fadiga ou esgotamento profissional (FREITAS et al, 2018). Em síntese, podemos 19 inferir que a psicopatia tem duas formas principais de se expressar, uma por motivos orgânicos e outra relacionada ao meio em que o indivíduo é inserido. Em ambos os casos, a identificação de alterações na função mental, podem causar: delírios, alucinações entre outros, deve ser analisada cuidadosamente por meio de métodos de teste, sendo realizado por meio de entrevista que irá determinar tais alterações, sendo promovida por profissionais especialistas, os quais serão responsáveis pelo diagnóstico efetivo de um problema de saúde mental, que será encaminhado quando necessário a outros profissionais de saúde, juntamente com as devidas informações fornecidas para melhor identificar e direcionar os tratamentos. 3 PROMOÇÃO EM SAÚDE MENTAL Vários hábitos de vida e traços de personalidade estão relacionados à menor incidência e prevalência de doenças mentais. Pessoas com maior espiritualidade e envolvimento religioso têm menor propensão ao desenvolvimento de transtornos mentais e autorrelato de maiores níveis de felicidade. Nunca se deve estimular um cliente a exercer uma religião específica, sob o risco de minar o relacionamento profissional-cliente ou mesmo realizar conduta antiética. Porém, é possível fomentar o cliente a se aproximar de seu credo e se reintegrar à sua comunidade religiosa. Diversos estudos correlacionam a prática de atividades físicas com maior saúde mental, melhora de sintomas depressivos e ansiosos. Ademais, a prática de atividade física auxilia nos controles pressórico e glicêmico, na manutenção de peso saudável e na menor incidência de câncer e doenças cardiovasculares. O sono preservado contribuiu para a manutenção e recuperação da saúde mental, e a boa higiene no sono tem papel fundamental no sono de qualidade. Veja no (Quadro 4) as recomendações sobre esse cuidado. 20 Quadro 4 - Higiene do sono: O que fazer O que não fazer Ter ambiente propício ao sono: quarto escuro, silencioso, com boa temperatura, cama confortável e com tamanho adequado. Tomar café ou cafeinados, fumar ou ingerir bebidas alcoólicas nas horas precedentes ao horário de dormir. Ter horários regulares para dormir e acordar, mesmo aos finais de semana. Assistir televisão e usar computador ou celular logo antes de dormir. Praticar atividades físicas preferencialmente pela manhã. Realizar exercícios físicos nas três horas precedentes ao sono. Praticar leitura, atividades calmas e relaxantes antes de dormir. Fazer grandes refeições próximo ao horário de dormir. Usar a cama somente para dormir e para atividade sexual. Tirar cochilos ao longo do dia. Fonte: Adaptado de TAVARES (2019). Por fim, a prática da meditação tem ganhado destaque tanto na promoção da saúde mental quanto no tratamento de transtornos mentais. Tal prática pode ser treinada diretamente ou em conjunto com ioga, reiki ou mesmo incorporada dentro de um tratamento psicoterápico. Trata-se de um processo que leva a um estado mental caracterizado pela atenção não julgadora ao momento presente, incluindo as sensações, os pensamentos, o ambiente, o estado corporal e a consciência enquanto encoraja a abertura, a curiosidade e a aceitação. 3.1 A doença mental e a zona cinzenta que a separa da normalidade A separação dos processos psíquicos normais dos patológicos não pode prescindir dos modelos humanísticos para a completa apreensão dos fenômenos mentais. É necessário integrar diferentes referencias teóricos, como o psicológico, o social e o biológico. Além disso, o conceito de normalidade e de saúde em psicopatologia é muito controverso (Quadro 5). 21 Quadro 5 - Critérios de normalidade: Conceito de Normalidade Descrição Normalidade como ausência de doença. O normal seria simplesmente aquele que não tem um transtorno mental. Trata-se de um critério falho ao definir a normalidade por aquilo que ela não é. Ademais, isso é muito estigmatizante. Normalidade ideal. Aqui se estabelece de forma arbitrária uma normal utópica, supostamente mais "evoluída", perfeitamente inserida a critérios socioculturais e ideológicos arbitrários. Normalidade estatística. Trata-se de um conceito de normalidade baseado em dados quantitativos, e não qualitativos. O normal seria aquilo que é menos frequente, nos extremos da curva. Normalidade como bem-estar. Aqui se enquadra o conceito adotado pela OMS. É um conceito muito vasto e impreciso, já que bem-estar não pode ser definido objetivamente, além de ser demasiadamente utópico. Normalidade como processo. Aqui leva-se em conta os aspectos dinâmicos do desenvolvimento psicossocial, do movimento de desestruturação e reestruturação dos ciclos da vida. Trata-se de um conceito particularmente útil na avaliação de crianças e adolescentes. 22 Normalidade subjetiva. A decisão da normalidade e da doença fica a cargo da percepção do próprio indivíduo. Critério falho em qualquer caso de transtorno mental com baixo insight, como ocorre na esquizofrenia e fase maníaca do transtorno bipolar. Normalidade funcional. O patológico acontece na medida em que produz sofrimento para o próprio indivíduo e/ou seu grupo social. A disfuncionalidade se dá por prejuízos acadêmicos, laborais, conjugais, familiares e sociais. Normalidade como liberdade. A doença mental seria a perda de liberdade existencial, a fossilização das possibilidades existenciais. O normal dispõe de senso de realidade, senso de humor, tem capacidade de relativizar os problemas e encontrar prazer na realidade. Fonte: Adaptado de TAVARES (2019). Assim, não existe um conceito único e definitivo de normalidade, de forma que vários podem ser utilizados de acordo com cada contexto clínico. 3.2 Facetas da psicopatologia Diferentemente do que ocorre em outras áreas da saúde, não existe uma única teoria ou um único agente etiológico que explique o fenômeno dos transtornos mentais. Sendo assim, é importante que o profissional psiquiátrico conheça os diferentes referenciais teóricos, apresentados a seguir (Quadro 6): Quadro 6 - Conceitos de psicopatologia: 23 Conceito de psicopatologia Descrição Psicopatologia descritiva. O interesse está na forma das alterações psíquicas, na estrutura dos sintomas e na sua presença ou ausência. Psicopatologia dinâmica. O foco está no conteúdo das vivências, na experiência individual, nos movimentos internos e nos desejos e temores do indivíduo, os quais não são necessariamente classificáveis. Psicopatologia Biológica. O adoecimento ocorre por falhas no cérebro, com processos neuroquímicos desregulado provocando os sintomas clínicos. Psicopatologia existencial. O indivíduo é visto como uma "existência singular", que é essencialmente histórico e humano, apenas habitando o corpo biológico. O adoecimento se dá como uma forma trágica de ser no mundo, uma existência dolorosa para si e para os outros. Psicopatologia comportamental cognitivista. A doença se dá por meio de comportamentos disfuncionais realizados por representações cognitivas disfuncionais, aprendidas e reforçadas pelas experiência pessoal e sociofamiliar. Psicopatologia psicanalítica. Para a psicanálise, o ser humano é dominado por conflitos e desejos inconscientes.A doença se dá pela interação entre tais conflitos com as normais culturais e com a possibilidade de satisfação desses desejos. 24 Psicopatologia categorial. As doenças mentais são compreendidas como específicas e individualizadas e são constituídas por um conjunto de sinais e sintomas específicos, havendo uma fronteira nítida entre cada transtorno mental. Psicopatologia dimensional. Este modelo é antagônico à psicopatologia categorial, argumentando ser mais próximo da realidade, pois o conjunto de queixas apresentadas pelos indivíduos dificilmente se enquadram exclusivamente em uma categoria. Cria- se então o “espectro bipolar”, “espectro da esquizofrenia”, etc. Psicopatologia sociocultural. Os transtornos mentais seriam comportamentos desviantes que surgem a partir da discriminação, da pobreza, da migração, do estresse, da desmoralização, etc. Fonte: Adaptado de TAVARES (2019). Percebe-se que não existe um único referencial psicopatológico capaz de englobar toda complexidade do ser humano. Cada modelo apresentado terá suas fortalezas e limitações. Diante das situações clínicas, caberá ao profissional compreender o indivíduo da forma mais completa possível e, consequentemente, utilizar o referencial mais adequado a cada caso e a cada momento. 4 O QUE É DOENÇA MENTAL? Conhecendo os múltiplos conceitos de saúde mental, normalidade e psicopatologia, fica claro que não é possível realizar um conceito definitivo de saúde 25 mental. Qualquer modelo de doença mental será, inevitavelmente, limitado e incompleto. A classificação das doenças mentais foi realizada por um conselho de especialistas da associação américa de psiquiatria e publicado no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM, do inglês Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders), que atualmente se encontra em sua quinta edição (DSM- 5), lançada em 2013. A classificação internacional das doenças (CID) segue modelo semelhante ao DSM. O conselho elaborador do DSM optou por utilizar o conceito psicopatológico categorial: cada transtorno mental é descrito como um conjunto de sinais e sintomas descritos ao longo de determinados critérios diagnósticos. Utilizam-se diferentes conceitos de normalidade, com predomínio da normalidade funcional, ou seja: transtorno mental que surge assim que surgem sinais e sintomas levando a limitações objetivas no trabalho, na vida conjugal, nas relações familiares, no desempenho acadêmico e na vida social ou pelo menos sofrimento psicológico subjetivo. Os sintomas que levam a esse sofrimento nominado clinicamente significativo podem ser experiências vivenciadas na normalidade como tristeza, medo ou ansiedade, porém em intensidade, frequência e duração exacerbados. Também podem ocorrer sintomas que normalmente não ocorrem na normalidade, como é o caso das alucinações e delírios. Vale ressaltar que qualquer experiência que faça parte de um contexto religioso, cultural ou político-partidário nunca pode ser considerada sintoma ou doença mental. Uma desvantagem do diagnóstico categorial é que os transtornos mentais nem sempre se enquadram completamente nas fronteiras de um único transtorno. Por exemplo, aquele que padece de depressão frequentemente terá queixas relacionadas à ansiedade, podendo ou não se enquadrar em um diagnóstico adicional. Além disso, alguns transtornos mentais ocorrem juntos com mais frequência do que individualmente, como é o caso dos transtornos de personalidade. Estatisticamente, se as comorbidades psiquiátricas são mais frequentes do que um único diagnóstico, deve-se inferir que os dois transtornos são, na verdade, manifestações de uma única doença, e não de dois ou mais diagnósticos separados. Como os critérios diagnósticos foram definidos por um conselho de especialistas, eles são vulneráveis a falhas e vieses humanos. Grupos de pesquisa 26 tentam classificar os transtornos mentais de acordo com um mecanismo etiopatogênico biológico subjacente como disfunção do sistema serotoninérgico, noradrenérgico, etc. Apesar de tais limitações, optou-se pelo diagnóstico categorial por conta de uma série de vantagens. Primeiramente, ele permite uniformizar o diagnóstico psiquiátrico ao redor do mundo, possibilitando a troca de informações confiáveis por pesquisadores e profissionais de saúde. Sem uma padronização diagnóstica não seria possível comparar os achados de um estudo com outro já que cada um utilizou critérios distintos para classificar os enfermos. Também permite a realização de pesquisas clínicas sobre a efetividade do tratamento medicamentoso ou não medicamentoso, levantamento de dados estatísticos e epidemiológicos e investigação de mecanismos fisiopatogênicos. Sem embasamento científico, a psiquiatria não seria diferente do curandeirismo. Vale ressaltar que a realização de um diagnóstico formal é apenas uma parte da avaliação psiquiátrica. Os demais elementos excluídos do diagnóstico podem e devem ser avaliados na prática clínica. Assim, o profissional deve investigar o contexto sociocultural, os relacionamentos familiares, as percepções do cliente sobre o próprio adoecimento e as características psicológicas podendo utilizar o referencial psicanalítico, cognitivo comportamental, interpessoal, sistêmico, etc. 5 ORIENTAÇÃO E EDUCAÇÃO EM SAÚDE MENTAL Muitas são as ações de educação que ocorrem na saúde da família voltadas para a saúde mental. Em cada uma delas, a atuação do profissional é fundamental para tornar o paciente um sujeito ativo em relação às suas escolhas, tanto no que diz respeito à manutenção como na mudança de hábitos que tornarão sua vida mais saudável em diversos aspectos. A saúde mental e as atividades de promoção em saúde ocorrem no âmbito das unidades básicas e nos centros especializados, onde o profissional tem papel fundamental para orientação do tratamento adequado para cada caso, seguindo as orientações do Ministério da Saúde, conforme as políticas direcionadas. Neste 27 capítulo, você vai ver como são constituídos os conceitos de educação e promoção em saúde e a maneira como eles se aplicam na saúde mental. Verá, ainda, as ações governamentais e a estruturação básica dos centros de tratamentos especializados de atendimento psicossocial. Além disso, serão apresentadas as ações esperadas do profissional e da equipe de saúde na atuação em saúde mental e saúde da família. 5.1 Educação em saúde: definições Os conceitos de educação em saúde, educação na saúde e promoção à saúde estão altamente vinculados. Conforme apresentado por Falkenberg et al. (2014), existe uma diferenciação entre os conceitos que deve ser clareada ao entendimento geral: educação em saúde e educação na saúde. Além disso, a promoção em saúde se apresenta como um terceiro conceito vinculador dos demais. A educação em saúde, conforme definição do Ministério da Saúde (2006), tem como objetivo que a população se aproprie de conhecimentos sobre saúde que gerem autonomia para que possam debater estas questões vinculadas as suas necessidades. Sendo assim, a educação em saúde prioriza e valoriza os conhecimentos prévios da população, não somente se utilizando daqueles desenvolvidos a partir do conhecimento científico, de forma a enfatizar a educação popular em saúde, voltada às necessidades de cada população e vinculadas ao meio em que estão. As ações de educação em saúde podem ser definidas como as medidas práticas apresentadas pelas equipes de saúde que irão auxiliar os pacientes nas ações de promoção em saúde, realizadas pelas diversas instituições e pelos agentes da saúde (FALKENBERG et al. 2014; KESSLER et al. 2018). A educação na saúde é um conceito direcionado aos profissionais, pois se baseia na construção de conhecimentos científicos relativos à formaçãodaqueles que atuam diretamente nas áreas da saúde, de forma a envolver preceitos de ensino, didática e orientação curricular. Sendo assim, Falkenberg et al. (2014) enfatizam que a educação permanente em saúde, definida pelas ações educativas que objetivam a transformação das 28 práticas profissionais, deverá agregar maior conhecimento dos profissionais que atuam nos setores de saúde, de forma a gerar melhorias nas ações que qualificam os processos de trabalho, levando em consideração a realidade regional de onde se inserem. Os conceitos de promoção em saúde são definidos por aspectos comportamentais, de estilo de vida e hábitos regulares, condições sociais e ambientais onde o indivíduo está inserido, se apropriando dos conhecimentos necessários para melhorar sua qualidade de vida atual, seja com a manutenção ou com a mudança de hábitos. A promoção em saúde visa a tornar o paciente um sujeito ativo e responsabilizado por seus cuidados e ações que propiciem uma melhoria em sua qualidade de vida, na presença ou não de doenças ativas, sejam estas de ordem física ou mental. Nas comunidades, essas ações de promoção em saúde são normalmente realizadas nas unidades básicas de atendimento e têm grandes vantagens, pois conseguem direcionar as atividades para um grupo de pessoas em uma área definida, em que já existe o conhecimento por parte dos profissionais sobre as condições sociais locais. Dessa maneira, é possível avaliar quais doenças crônicas são prevalentes e quais formas de ação trarão resultados mais expressivos para que os paciente/moradores locais sejam atraídos para a responsabilidade de serem ativos em seus processos de mudança e melhoria. Além disso, as unidades básicas e suas equipes são capazes de oferecer acesso universal para as orientações, tanto relacionadas com estilos saudáveis de vida quanto prevenção e cuidados relacionados às doenças crônicas ou transmissíveis (VAZ; FURTADO, 2007 apud KESSLER et al. 2018). Além dos serviços oferecidos pelas unidades básicas, existem outros centros de ajuda vinculados que podem e devem ser utilizados quando existem situações mais específicas. Quando ocorre a verificação que o problema maior do paciente está vinculado a questões de saúde mental, existem os CAPSs, que apresentam ações especializadas para esses casos, tanto relacionados aos transtornos mentais orgânicos quanto aos de dependência de substâncias psicoativas, e que têm atendimentos direcionados para todas as faixas etárias. 29 Para melhor compreender como as ações são realizadas, é interessante saber, primeiramente, como são constituídos os serviços de saúde mental regidos pela Política Nacional de Saúde Mental. 5.2 Política Nacional de Saúde Mental Coordenada pelo Ministério da Saúde (2018), a Política Nacional de Saúde Mental é uma das ações do Governo Federal compreendida por diretrizes e estratégias que organizam a assistência à população com necessidades específicas de atendimentos voltados aos transtornos mentais e abusos de substâncias psicoativas (BRASIL, 2018). Tais diretrizes envolvem todas as esferas governamentais: Governo Federal, Estados e Municípios. A estrutura de atendimento é definida pela Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), instituída pela Portaria MS/GM nº 3.088, de 23 de dezembro de 2011, e formada pelos componentes descritos a seguir (BRASIL, 2014; BRASIL, 2018): Atenção Básica em Saúde, composta por: Unidade Básica de Saúde; Núcleo de Apoio à Saúde da Família; Consultório na Rua; Centros de Convivência e Cultura; Atenção psicossocial estratégica, composta pelos CAPSs, em suas diferentes modalidades. Atenção de urgência e emergência, composta por: SAMU 192; Sala de Estabilização; UPA 24 horas e portas hospitalares de atenção à urgência/pronto socorro, Unidades Básicas de Saúde (UBS); Atenção Residencial de Caráter Transitório, composta pelas Unidades de Acolhimento adulto e infanto-juvenil e pelo Serviço de Atenção em Regime Residencial; Atenção hospitalar, por meio de leitos de saúde mental (enfermaria especializada) em hospitais gerais; Estratégias de desinstitucionalização, como os serviços residenciais terapêuticos e o programa: De Volta para Casa; Estratégias de reabilitação psicossocial, com iniciativas de trabalho e renda a partir de empreendimentos solidários e cooperativas sociais. 30 5.3 O que são os Centros de Atenção Psicossocial? Os CAPS são unidades de saúde especializadas que fazem parte da Política Nacional de Saúde Mental, centros especializados voltados para o atendimento de pessoas que tenham necessidades relacionadas a transtornos mentais severos, tanto de ordem orgânica, como depressão, quanto relacionadas ao abuso de substâncias psicoativas, como álcool e drogas (BRASIL, 2019). Goiás (2019) menciona ainda que se tratam de atendimentos voltados para uma assistência multiprofissional de cuidados terapêuticos que variam conforme cada quadro de saúde, e, que realizam atendimentos prioritários às pessoas com transtornos de ordem mental, em uma área territorial preestabelecida. Além disso, deverão ser capacitados para os atendimentos de pacientes com transtornos mentais severos, seguindo o regime de tratamento intensivo, semi- intensivo e não intensivo (BRASIL, 2014). Esses centros têm caráter aberto e comunitário. O ingresso pode ocorrer de forma espontânea, no sistema portas abertas, ou por meio do encaminhamento formal realizado pelas UBS (BRASIL, 2002; BRASIL, 2019; GOIÁS, 2019). Os CAPSs são constituídos de três modalidades: CAPS I, CAPS II e CAPS III. Essas modalidades apresentam atendimentos definidos por ordem crescente de complexidade e abrangência populacional, conforme definido pela Portaria nº 336, de 19 de fevereiro de 2002, do Ministério da Saúde (Quadro 7): Quadro 7 - Tipos e modalidades de CAPS: CAPS I Voltado para regiões com população entre 20 e 70 mil habitantes. Atendem todas as faixas etárias e todos os tipos de transtornos mentais, incluindo álcool e drogas. CAPS II Voltado para regiões com população entre 70 e 200 mil habitantes. Atendem todas as faixas etárias e todos os tipos de transtornos mentais, incluindo álcool e drogas. CAPS i II 31 Voltado para regiões com população de cerca de 200 mil habitantes. Atendem crianças e adolescentes afetados por todos os tipos de transtornos mentais, incluindo álcool e drogas. CAPS III Voltado para regiões com população acima de 200 mil habitantes. Têm atendimento permanente (24 horas), incluindo acolhimento noturno e permanência em observação, com até cinco vagas. Atendem todas as faixas etárias e todos os tipos de transtornos mentais, incluindo álcool e drogas. A permanência de um mesmo paciente no acolhimento noturno é limitada a sete dias corridos ou 10 dias intercalados em um período de 30 dias. CAPS AD (Álcool e Drogas) II Voltado para regiões com população superior a 70 mil habitantes. Atendem todas as faixas etárias exclusivamente para os casos de abuso de substâncias psicoativas, como álcool e drogas. Atendem cinco dias por semana, em dois turnos, ao menos, e devem manter de dois a quatro leitos para observação. CAPS AD III Têm as mesmas características do CAPS III, porém são voltados exclusivamente para o atendimento aos usuários de álcool e drogas. Fonte: Adaptado de TAVARES (2019). Conforme definido pela Portaria nº 336, de 19 de fevereiro de 2002, do Ministério da Saúde, os atendimentos são definidos da seguinte maneira, em função do quadro clínico atual de sua doença: Intensivo: destinado a pacientes que necessitam de acompanhamento diário. Semi-intensivo: destinado a pacientes que necessitam de acompanhamento frequente, mas não diário, conforme estabelecido por seu plano terapêutico. Não intensivo: destinado aos pacientes que podem terum acompanhamento de menor frequência, conforme estabelecido em seu plano terapêutico e em função de seu quadro clínico. 32 5.4 Quais são as principais ações do profissional em saúde mental nos Centros de Atenção Psicossociais? O profissional tem papel fundamental nas equipes de saúde de atendimento de todas as modalidades de CAPS. Cabe ao profissional a realização do atendimento acolhedor, buscando entender as motivações que levaram o paciente a buscar o serviço, seja por conta própria ou por encaminhamento. As ações devem ser voltadas para a avaliação inicial, com uso de técnicas e testes, conforme cada caso, em atendimento de consulta individual. Além disso, o profissional também poderá atuar realizando atividades em grupos, como oficinas terapêuticas e aquelas voltadas para atividades de reinserção social. Para os usuários que buscam auxílio na reabilitação quando estão em situação de abuso de substâncias psicoativas, como álcool e drogas, os profissionais têm ao seu alcance técnicas de entrevista e encorajamento à mudança que podem ser utilizados. O estudo e a compreensão dessas técnicas tornam o trabalho mais direcionado, individualizado, buscando ações concretas que o usuário poderá utilizar ao logo de seu tratamento e posteriormente a ele, de forma que se sinta como principal sujeito da mudança, sendo responsabilizado por suas ações e melhorias nas condições de vida e saúde (BRASIL, 2014). 5.5 Atenção à saúde mental de crianças e adolescentes Não é atribuição da escola realizar a identificação de patologias relacionadas à saúde mental de crianças e adolescentes. No entanto, o espaço escolar é um ambiente propício tanto para a promoção de ações, acolhidas e criação de espaços reflexivos que possam auxiliar na identificação de alterações comportamentais, como para gerar um local de espaço onde se sintam, muitas vezes, mais à vontade para falar sobre questões próprias. Conforme descrito por Sadock et al. (2017), a manifestação de psicopatologias em crianças e adolescentes está diretamente relacionada com sua idade e seu grau de desenvolvimento. 33 Para Sadock et al. (2017) alguns transtornos, como déficit de atenção, somente poderão ser diagnosticados quando existirem situações em que haja a necessidade de manutenção da atenção, como no caso das escolas. Em decorrência da variabilidade de apresentações de transtornos mentais em crianças e adolescentes, diversas ações e serviços são propostos, visando reconhecer e adequar tratamentos correspondentes à complexidade de cada situação (BRASIL, 2014). Conforme apresentado pela OMS (2014), a RAPS tem componentes estruturais de atendimento. Quando se trata dos cuidados de crianças e adolescentes, alguns destes assumem papeis mais efetivos. No atendimento de atenção básica, dentro das UBS, as ações de promoção de saúde mental apresentam pontos positivos a serem destacados, como a proximidade das unidades com as famílias, as escolas e os centros de convivência que integram o território de atuação. Isso gera maior vínculo, efetivando os trabalhos de prevenção e cuidados dos transtornos mentais, bem como auxilia na redução de danos aos casos de envolvimento com álcool e drogas. Além disso, a UBS tem papel importante no fluxo de encaminhamento aos outros componentes da RAPS, como os CAPS. Ainda em relação à atenção básica, as equipes que atuam nos serviços de Consultório de Rua têm um poder de atuação sobre aqueles que não estão no ambiente escolar, pois as ações são itinerantes, direcionadas ao público em situação de rua. A abordagem de crianças e adolescentes, nesses casos, além de estar condizente com o princípio da proteção integral, tratada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, tem papel de geração de vínculo com os serviços, pois se demonstra disponível para o acolhimento destes e suas demandas. Quando se trata de atenção psicossocial estratégica, o CAPS tem papel especial, conforme mostrado anteriormente. Qualquer modalidade de CAPS é capaz de receber e auxiliar crianças e adolescentes, porém o CAPS i II tem um direcionamento exclusivo para esse público (BRASIL, 2014 apud BRASIL, 2018). Inúmeras vezes o atendimento de urgência e emergência nos transtornos mentais infanto-juvenis também se faz necessário. Crianças e jovens estão sujeitos a situações de urgência tanto por conta de transtornos mentais orgânicos como em decorrência do abuso de substâncias psicoativas, como álcool e drogas. Nesses casos, o atendimento pode ocorrer por meio de qualquer um dos pontos de atenção da rede de urgência: SAMU 192, UPA 24 horas, unidades hospitalares de 34 atenção à urgência/pronto socorro, UBS, entre outros. Nos casos em que existe a necessidade de internação hospitalar, é assegurado à criança o direito de permanecer com acompanhante, mesmo que esta esteja em situação de privação de liberdade, como nos casos de cumprimento de medidas socioeducativas (BRASIL, 2014). 5.6 Ações do profissional no Centro de Assistência Psicossocial Álcool e Drogas O CAPS AD é uma das modalidades existentes e atua exclusivamente para atendimento aos transtornos mentais relacionados ao uso, ao abuso e à dependência de substâncias psicoativas, como álcool e drogas, tanto para crianças e adolescentes quanto para adultos. Conforme descrito na Portaria nº 336/2002, a assistência prestada inclui: Atendimento individual: medicamentoso, psicoterápico, de orientação, entre outros. Atendimento em grupos. Atendimento em oficinas terapêuticas. Visitas e atendimentos domiciliares. Atendimento à família. Atividades comunitárias. Conforme explica Soares et al (2011), o profissional é capaz de contribuir em diversos aspectos, mesmo quando realiza atividades em conjunto com diversos profissionais, pois tem a capacidade de avaliar situações de ordem clínica ou orgânica, sendo responsável pelo cuidado ao paciente, respeitando suas individualidades e necessidades, e sendo um elo entre os pacientes e os demais profissionais. Dentre as diversas atividades realizadas pelos profissionais no CAPS AD, a reabilitação psicossocial é uma das principais, de modo a reinserir o indivíduo na comunidade como um todo. Uma das principais atividades realizadas pelos profissionais no CAPS AD, tanto infanto-juvenil como adulto, além do atendimento individual, é a realização de grupos terapêuticos. Os grupos terapêuticos, conforme 35 apresentado por Bourguignon et al (2010), são constituídos basicamente pelas modalidades de acolhimento, acompanhamento e oficinas. O grupo de acolhimento é o primeiro em que o paciente se insere, pois nele é apresentado o funcionamento da unidade para aqueles que vão ao serviço como demanda espontânea e/ou encaminhados por outros serviços. Além desse grupo, outro momento considerado como inicial promovido pelo profissional é o atendimento individual, em que é coletada a história de vida, é traçado o plano terapêutico e é realizado o encaminhamento aos demais profissionais da unidade, conforme necessidade do paciente. Os grupos de acompanhamento têm por objetivo discutir as estratégias utilizadas para os tratamentos, portanto, trata-se de um grupo com demanda mais específica, no qual se reúnem aqueles com necessidades e histórias similares, sendo, normalmente, organizados conforme faixas etárias, gênero e tipo de drogas utilizadas, de forma a agregar conhecimentos e trocas de experiências (BOURGUIGNON et al. 2010). Já as oficinas, conforme detalhadas por Bourguignon et al. (2010), são atividades que acontecem de forma mais frequente nos CAPS AD, comumente voltadas para aqueles que necessitam de atenção mais intensiva. As oficinas podem ser divididas ou classificadas conforme o tipo de atividade a que se propõem, como as produtivas voltadas para atividades que poderão gerar renda,as educativas com aprendizagens de técnicas e habilidades, as terapêuticas com espaço para reflexão e expressão artística e as informativas que trabalham com a exposição de informações relacionadas aos tratamentos dos pacientes do grupo. Além do profissional, demais profissionais que trabalham no CAPS AD poderão realizar atividades similares, variando conforme suas áreas de conhecimento e sua atuação. 5.7 Ação do profissional em educação em saúde mental e saúde da família A atenção especializada em saúde mental e a saúde da família estão intimamente ligadas. Os atendimentos em locais especializados, como o CAPS, e em locais mais generalistas, como as UBS, compõe uma via de mão dupla, em que ambas atuam de forma complementar. Da mesma maneira que a unidade básica pode 36 realizar o encaminhamento ao serviço especializado, após o tratamento, o paciente retornará para seus atendimentos de rotina em sua unidade de referência. Os profissionais da saúde da família, conhecendo o indivíduo, sua comunidade e seus hábitos, tornam-se protagonistas para auxiliar nos tratamentos de saúde mental. São eles que irão auxiliar a manutenção, junto com o serviço especializado, das mudanças de vida, tanto para doenças crônicas ou orgânicas como para aqueles casos de abuso de álcool e outras drogas (VAZ; FURTADO, 2007 apud KESSLER et al. 2018). Veja o (Quadro 8) a seguir: Quadro 8 - Habilidades clínicas do profissional em saúde da família e saúde mental: Conduzir entrevistas Facilitar o acesso à avaliação médica. Reconhecer os principais sinais e sintomas, orientando e referenciando para assistência clínica ou psiquiátrica. Escuta ativa Compreender o paciente. Compreender o modo como vê seus problemas. Instrumentos de triagem Para identificação de abuso de substâncias psicoativas. Para identificação de transtornos mentais orgânicos, como demência e depressão. Promover ações preventivas e de auxílio ao tratamento Direcionadas às populações de risco de sua região de atuação. Para auxiliar o paciente a ser autônomo no controle de suas ações. Orientação medicamentosa Encorajar a adesão ao tratamento. Avaliar respostas de tratamento e efeitos colaterais. Planos de cuidados Programar e gerenciar planos de cuidados terapêuticos. Instituir tratamentos de apoio como terapias comportamentais e plano de redução de danos. Fonte: Adaptado de TAVARES (2019). Torna-se mais comum conseguir a proximidade familiar para que se tenha ainda mais progressos na recuperação dos pacientes de saúde mental. A participação da família nos tratamentos tem se mostrado de suma importância, ou seja, além do 37 tratamento ao paciente, a educação em saúde mental deve ser expandida para a educação em saúde da família. Quando a família recebe orientações adequadas, torna-se capaz de, junto com o profissional, auxiliar o paciente em seu processo de mudança de hábitos, facilitando o entendimento sobre a responsabilização do cuidado ao próprio paciente e auxiliando na reinserção social, de forma a tornar as atividades diárias mais efetivas e produtivas. 6 ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO EM SAÚDE MENTAL De acordo com Gorenstein; Wang; Hungerbühler (2016) a invenção dos psicofármacos, que ocorreu na década de 1960, estimulou a elaboração e ainda a aplicação de instrumentos de avaliação, de modo que a psicometria como ciência se remontou ao fim do século XIX, a partir de vários estudos experimentais em psicologia. Entretanto, a necessidade de definir a eficácia dos medicamentos demandou o desenvolvimento de mecanismos capazes de identificar as mudanças na sintomatologia em função da intervenção terapêutica bem como de uma metodologia que buscasse de forma específica selecionar pacientes. Assim, a psicometria passou a ser uma disciplina própria de estudo, que a partir de técnicas estatísticas complexas, tornou-se sofisticada. Inicialmente a proposta era utilizar escalas de avaliação em todas as pesquisas o que se entendia que iria garantir o rigor científico que ajudaria a incorporar essa disciplina na prática clínica. Após mais de meio século do ingresso dos primeiros instrumentos, existe ainda a necessidade de uma ampla disseminação do conhecimento, tanto teórico como prático, para sua correta utilização: Escalas; questionários; inventários; entrevistas; e, instrumentos de avaliação. Se tratam de termos existentes no vocabulário de clínicos e pesquisadores brasileiros de diversas áreas. Embora muitas pessoas acreditam que as ferramentas de avaliação são úteis, poucas sabem exatamente por que, e em quais condições as ferramentas de avaliação são usadas. Para os autores supracitados é importante que se saiba não apenas os benefícios, mas também as desvantagens para o clínico, tanto para o pesquisador quanto para o paciente, de forma que deve sempre identificar: por que, para que e como usar instrumentos de avaliação? Outro termo frequentemente usado é: 38 Validação, pois entende-se a necessidade de validar uma escala antes de usá-la em uma pesquisa. Muitos pesquisadores percebem que além de simplesmente traduzir um instrumento, uma escala também deve ser validada antes de aplicá-la em um idioma/ambiente diferente do original. 6.1 Como utilizar os instrumentos de avaliação Gorenstein; Wang; Hungerbühler (2016) elucidam que, em primeiro lugar, deve- se notar que a escala de avaliação de saúde mental é uma ferramenta padronizada composta por um conjunto de itens que podem quantificar características espirituais, psicológicas ou comportamentais que nem sempre podem ser observadas. Determinar a presença de um sintoma envolve necessariamente a subjetividade do paciente e/ou avaliador. As escalas são adequadas para estimar a intensidade, frequência ou curso dos sintomas, mas não são usadas para diagnóstico clínico, sendo baseadas em entrevista diagnóstica. O uso sistemático de escalas padronizadas pode ajudar a identificar aqueles que precisam de tratamento, monitoramento ou intervenção. Além de complementar o diagnóstico clínico, uma escala é utilizada para avaliar as características clínicas de uma determinada doença, documentando sua gravidade e o nível de cuidado necessário. Durante o tratamento, o uso de escalas sensíveis à mudança ajuda a monitorar a melhora e os efeitos colaterais da intervenção. Essas avaliações também são importantes para determinar o prognóstico e determinar as decisões de tratamento ou processos administrativos. Os pacientes, por sua vez, também se beneficiam do uso de escalas padronizadas, pois fornecem sinais e sintomas e evitam perdê-los em relação ao problema. Quando os sintomas são quantificados e vinculados de acordo com um sistema de consenso (por exemplo, o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais - DSM ou a Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde - CID), haverá uma melhora na consistência dos resultados, de vez em quando ou entre os examinadores. A padronização da linguagem é essencial para melhorar a comunicação entre profissionais e pacientes. No entanto, as escalas padronizadas não são isentas de 39 desvantagens. Um aspecto a ser considerado é o custo associado ao seu uso, tempo do paciente e do clínico, necessidades de treinamento, custos de aquisição de equipamentos e materiais e equipamentos associados. Assim, o uso indiscriminado de instrumentos pode levar à detecção inadequada de muitos casos em que não há real necessidade de tratamento. Portanto, é necessário considerar os custos e benefícios da adoção de uma determinada escala ao considerar todos os participantes da pesquisa. A construção deve seguir princípios teóricos que se supõem adequados, e a ferramenta geradora deve ter fortes propriedades psicométricas. Dentre as propriedades atribuídas às escalas de avaliação, destacam-se a confiabilidade e a validade. A confiabilidaderefere-se à qualidade de uma medição em relação à sua precisão, ou seja, quanto mais confiável for um dispositivo, menor será o erro devido ao viés ou ao acaso. Confiabilidade, reprodutibilidade e estabilidade da escala são termos equivalentes, garantindo que os efeitos de uma intervenção sejam registrados adequadamente. Essas propriedades são especialmente importantes no caso de ensaios clínicos cujas conclusões dependem da confiabilidade de medidas repetidas. A validade refere-se à capacidade de um instrumento de medir o que deve medir. Os pesquisadores devem certificar que a escala pode de fato medir o impacto de interesse, ou seja, a estrutura medida pela escala. Confiabilidade e validade foram determinadas usando diferentes metodologias. Um instrumento que apresenta boa evidência de qualidades psicométricas em seu idioma original pode ter suas propriedades alteradas e prejudicadas ao ser traduzido para outro idioma. A maioria das escalas usadas no Brasil são feitas em inglês. As primeiras aqui adotadas foram traduzidas e aplicadas em pesquisas sem estudos formais de sua qualidade. Talvez, a necessidade de atuação competitiva em nível internacional no campo da psicofisiologia tenha levado pesquisadores brasileiros a optar por utilizar ferramentas ainda não validadas em nosso país. Por exemplo, a Escala de Declínio de Hamilton, amplamente utilizada desde a década de 1980, só recentemente (em 2014) recebeu seu merecido reconhecimento doméstico. A simples tradução de um instrumento, muitas vezes não é adequada ou suficiente para começar a usá-lo. Expressões idiomáticas sem semelhanças linguísticas e culturais devem ser adaptadas ao português brasileiro, bem como à 40 cultura local e comportamentos socialmente aceitáveis. Além disso, a apresentação clínica, o curso e o prognóstico de muitos transtornos psiquiátricos podem ser influenciados por fatores socioculturais. O instrumento final, após processos de tradução e adaptação transcultural, ainda necessita de estudos adicionais de validação no novo ambiente para que sua equivalência possa ser estabelecida na população alvo. Solicitar a validação transcultural de uma ferramenta é um processo demorado e trabalhoso, mas necessário. 6.2 Como escolher a escala a ser usada De acordo com Gorenstein; Wang; Hungerbühler (2016) ao longo das últimas décadas, diversos instrumentos de avaliação foram traduzidos, recompilados, validados e publicados na literatura científica nacional. Cada vez mais essas escalas estão sendo utilizadas em pesquisas e na prática clínica no Brasil. Esse cenário aparentemente favorável reflete a necessidade de estabelecer critérios que orientem a seleção do instrumento mais adequado para cada objetivo. A existência de informações adequadas de medidas psicométricas e os objetivos de pesquisa contextualizados da escala foram fundamentais para a seleção. Seria imprudente usar uma longa entrevista estruturada, que requer treinamento especializado, para avaliar um aspecto específico da patologia, como uma fobia específica. Também é importante saber exatamente como usar e interpretar os resultados e evitar erros devido a fatores que interferem nas medições. É necessário o uso correto do instrumento, ou seja, conhecendo seus pontos fortes, pontos fracos, bem como os fatores que afetam os escores, os cuidados necessários na aplicação e interpretação do instrumento, resultados, de forma crítica observando as limitações da ferramenta, pois a dificuldade de objetivar e quantificar a doença mental é um dos maiores obstáculos para o avanço da pesquisa em saúde mental. A escala de classificação não é uma ferramenta de fácil utilização. [...] a não observação dos limites e as dificuldades da utilização e da análise de resultados das escalas de avaliação psiquiátrica foram o maior demolidor 41 do otimismo inicial quanto ao potencial desses instrumentos. (GORENSTEIN; WANG; HUNGERBÜHLER, 2016) O destruidor a que o autor se refere acima de tudo é o mau uso da balança. A pontuação total da escala é uma aproximação e nem sempre reflete a complexidade do fenômeno psíquico. Por exemplo, um indivíduo cuja pontuação geral no Inventário de Depressão de Beck é consistente com depressão leve pode ser clinicamente grave se tiver uma pontuação alta em ideação suicida. Por outro lado, uma pontuação alta nem sempre indica um caso de depressão maior. Portanto, o uso da escala de classificação é independente do julgamento e interpretação clínica. 6.3 Selecionando os instrumentos específicos A ampla e crescente gama de medidas utilizadas em saúde mental impossibilita a inclusão de todas as medidas disponíveis para todas as áreas relacionadas em um único livro impresso. A seleção dos instrumentos incluídos revelou-se uma tarefa extremamente difícil e, para diminuir a subjetividade e desproporção das áreas abrangidas, foram adotados diversos critérios de inclusão: 1. O instrumento está traduzido para o português. 2. As evidências de confiabilidade e validade das escalas já foram publicadas, isto é, o material foi revisado por especialistas, e há disponibilidade suficiente de informações para avaliar a qualidade psicométrica do instrumento. 3. Os dados dessas escalas podem ser obtidos diretamente do paciente ou informante. 4. As escalas são de fácil aplicação, sem a necessidade de equipamentos sofisticados suplementares. Nos casos em que várias escalas para a mesma finalidade preencherem esses critérios, terão primazia as mais utilizadas de acordo com a literatura científica. Gorenstein; Wang; Hungerbühler (2016) entendem a necessidade de uma inclusão de ferramentas internacionalmente bem estabelecidas para permitir a comparação intercultural. Ferramentas cuja aplicabilidade estava limitada a uma população ou finalidade específica (por exemplo, a Escala de Hipocondria institucionalizada para pacientes geriátricos) não foram incluídas. 42 A publicação do livro Clinical Rating Scales in Psychiatry and Forense Medicine, em 2000, foi a primeira iniciativa a reunir em livro o conhecimento existente sobre a aplicação dessas ferramentas no Brasil. Por muitos anos, esta compilação preencheu um vácuo editorial diante da necessidade acadêmica no país. Felizmente, no entanto, várias ferramentas psicométricas foram validadas e publicadas na literatura científica nos últimos 15 anos. O entusiasmo gerado por esse cenário crescente nos impulsionou a ampliar a iniciativa anterior, desenvolvendo uma obra atualizada que fosse abrangente e de fácil consulta. No entanto, isso não é definitivo. O processo de introdução e validação das novas escalas está em andamento. O desenvolvimento recente dos conceitos de saúde mental e a aplicação dos avanços da neurociência enfatizam a natureza dinâmica do assunto. Os autores supracitados mencionam a necessidade de uma atualização antes de 15 anos. 6.4 Entrevistas diagnósticas e instrumentos de triagem Gorenstein; Wang; Hungerbühler (2016) mencionam que a partir da segunda metade do século XX, houve uma importante mudança nas práticas do diagnóstico psiquiátrico. Juntamente com a ênfase na confiabilidade da avaliação psicopatológica, foram realizados estudos epidemiológicos sobre os transtornos mentais que afetam os indivíduos que vivem na comunidade. Em paralelo, a necessidade de comprovar a eficácia das substâncias psicoativas após 1960 impulsionou as pesquisas sobre entrevistas diagnósticas e escalas de avaliação. Disfunção, diminuição da qualidade de vida e consequências socioeconômicas relacionadas com a presença de transtornos mentais comuns, como ansiedade, depressão e abuso de substâncias psicoativas, são fatores tão importantes quanto aqueles associados com problemas físicos comuns, como hipertensão, diabetes, artrite, asma ou dor nas costas. Portanto, a detecção de pessoas com transtornos mentais
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