Buscar

Antologia do Pensamento Geopolítico e Filosófico Russo (Século IX Século XXI) (José Milhazes e João Domingues) (Z-Library)

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 424 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 424 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 424 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

Ficha Técnica
 
Título original: Antologia do Pensamento Geopolítico e Filosófico Russo (Século IX – Século XXI)
Autor: João Domingues e José Milhazes
Capa: Rui Rosa
Fotografias do interior: Direitos reservados
Organização e tradução: José Milhazes e João Domingues
Revisão: Marta Jacinto
Paginação: Paulo Sousa
ISBN: 9789722063753
 
Publicações Dom Quixote
uma editora do grupo Leya
Rua Cidade de Córdova, n.º 2
2610-038 Alfragide – Portugal
Tel. (+351) 21 427 22 00
Fax. (+351) 21 427 22 01
 
© 2017, José Milhazes, João Domingues e Publicações Dom Quixote
Todos os direitos reservados de acordo com a legislação em vigor
www.dquixote.leya.com
www.leya.pt
 
 
 
 
 
 
 
Este livro segue a grafia anterior ao novo Acordo Ortográfico de 1990
http://www.dquixote.leya.com/
http://www.leya.pt/
 
 
 
 
 
 
Os autores deste livro agradecem ao Sr. Alexandre Soares dos Santos, sem
cujo o apoio esta obra não poderia ser publicada.
 
Um agradecimento a Liina Milhazes
pela constante colaboração na preparação deste livro.
 
 
 
PREFÁCIO
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A questão russa permanece actual.
Várias décadas volvidas sobre o proclamado fim da Guerra Fria, não se
vislumbra uma relação estável entre a Rússia e o Ocidente. Contrariamente
ao que se passou com o Japão e a Alemanha, no final da II Guerra Mundial,
o anunciado termo da Guerra Fria não se traduziu num apaziguamento entre
vencedores e vencidos, nem na constituição de um modelo de
relacionamento susceptível de gerar confiança mútua. Muitos dos elementos
componentes e dos aliados da União Soviética seguiram ou estão a seguir o
seu caminho no sentido de uma institucionalização política, de uma reforma
económica e de uma nova inserção no sistema internacional. Porém, a
Rússia, seu núcleo central, apesar dos impulsos que, em certos momentos,
pareceu dar a essa mudança, acabou por auto-isolar-se na sociedade
internacional, por bloquear as reformas que todos aguardavam, por não
fazer crescer a sua economia e por repor os mecanismos do confronto
militar com parte significativa dos seus vizinhos, hipotecando o seu futuro a
esse caminho sem horizonte.
Pode argumentar-se que faltou ao Ocidente o golpe de asa para conduzir
estrategicamente esse objectivo de cooptar a Rússia. A NATO e a União
Europeia acabaram paralisadas pela hesitação dos seus parceiros mais
significativos e os Estados Unidos, salvo em curtos momentos, não
impulsionaram uma verdadeira parceria estratégica com a Rússia, trazendo-
a para o sistema internacional, pelo contrário acabaram por deixá-la
entregue à reconstituição de velhas fórmulas apenas ajustadas a uma
diferente conjuntura e a uma menor capacidade para gerar poder no plano
externo.
A compreensão da Rússia é algo que motiva alguns dos espíritos mais
exigentes quanto à percepção da situação mundial. Porém, as vicissitudes
vividas pelo país desde Outubro de 1917, bem como as que se seguiram ao
final da Guerra Fria, têm feito antepor um quadro de análise
preferencialmente político àquilo que merecia ser abordado numa
perspectiva mais diversificada e serena. Em muitos casos, a politização do
conhecimento acabou por ser inibidora do próprio estudo, não apenas da
Rússia, mas da realidade do mundo eslavo em que a mesma se funda. No
caso português, a incipiência desse tipo de pesquisa está bem à vista de
todos.
Pense-se o que se pensar sobre a forma como ruiu o Pacto de Varsóvia e,
em seguida, a União Soviética, bem como sobre o rumo que tomou a Rússia
na era pós-comunista, em especial nos dias de hoje, nada de rigoroso poderá
ser dito que não tenha por fundamento uma exaustiva fundamentação
geográfica e histórica. Ou seja, entender a Rússia de hoje não é possível
sem compreender a Rússia de sempre.
Muitos privilegiarão, nas origens do Estado russo, a deriva da expansão
eslava para Leste, a partir do seu berço no Dniepre, a Rússia de Kiev,
Novgorod e a Moscóvia, o enfrentamento defensivo e ofensivo com
invasores e rivais, e as progressões em todos os azimutes a que a força
espiritual de conversão ao cristianismo, e à sua versão ortodoxa, vem
potenciar ao sentido da formação de um vasto império de contiguidade
continental sob a liderança dos czares. A Norte, a Ocidente, a Sul e a Leste,
diversos e muitos são os inimigos e raros os aliados. É uma das mais
gigantescas tarefas geopolíticas de toda a humanidade, no sentido da
ocupação e controlo de um imenso espaço, conduzida com valores próprios
e assegurada por um articulado poder de delimitação de fronteiras até onde
pode chegar a sua influência no confronto com outros modelos imperiais.
O que é a perspectiva dos que se enfrentaram com a Rússia no seu
projecto de progressivo controlo territorial está abundantemente
testemunhado. O que é a súmula das posições russas sobre o seu próprio
percurso encontra também abundantes elementos de prova, sejam eles de
natureza militar, diplomática ou histórica. Alargar essa perspectiva às
dimensões culturais, literárias e religiosas, numa antologia de síntese sobre
o espírito e a ambição russas é o propósito desta colectânea crítica, e bem
ilustrada, a que se abalançaram José Milhazes e João Domingues. Os traços
de continuidade de pensamento entre o período anterior a 1917, a época
soviética e a etapa posterior à queda do comunismo demonstram como, por
vezes, as grandes distanciações doutrinais, por motivos ideológicos, não
escondem a força e o peso dos arquétipos comuns, enraizados nas mesmas
fontes, mas com outras semânticas.
Prevaleceram e prevalecem na Rússia factores que favorecem a
perspectiva autoritária, nacionalista e ortodoxa sobre a visão liberal
democrata da Europa Ocidental e dos Estados Unidos da América,
estruturando tendências para a formação de um isolacionismo de grande
espaço com acentuada coerência geopolítica. Lidar com a Rússia no
desconhecimento dessa realidade profunda é aventurar-se num terreno de
enorme incerteza. Esta antologia, necessária em língua portuguesa, tem o
mérito de nos ensinar a ver a Rússia com mais nitidez, quer quanto aos seus
objectivos, mesmo quando reduzidos a uma dimensão mais confrontacional,
com as vizinhanças difíceis, quer quanto ao seu espírito de fundo, esse sim
no terreno insondável de grandeza que é o da alma russa, pese embora a
nebulosa dos seus períodos de obscuridade, incerteza e, até, confusão.
Como leitor, estou profundamente agradecido.
 
Jaime Gama
23 de Agosto de 2017
 
 
 
INTRODUÇÃO
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A Antologia do Pensamento Geopolítico e Filosófico Russo foi pensada
para dar ao leitor uma imagem multifacetada das teorias e das práticas que
orientaram o Império Russo, a URSS e a Federação da Rússia nas várias
fases do seu desenvolvimento, bem como para ajudar a compreender mais
profundamente o que levou e leva os dirigentes do maior país do mundo a
agirem de uma ou de outra forma, tanto no interior do país como no campo
da política externa, por via da sua interacção com os povos e culturas
vizinhos.
Não obstante a Rússia ter vivido longos períodos – mais precisamente a
maior parte da sua existência – em regimes de pensamento único, isso não
impedia a discussão dos seus destinos, aberta ou clandestinamente, no
interior do país ou no estrangeiro, sobre as vias do desenvolvimento
político, económico, social, ideológico, etc.
Estamos conscientes de que se trata de uma tarefa impossível tentar reunir
num só livro textos de pensadores russos que espelhem de forma completa e
cabal as suas reflexões sobre problemas fulcrais do passado e do presente
do seu país, acerca da relação da Rússia com o mundo, sobre a correlação
entre o desejo de assimilar os valores espirituais e culturais universais e a
vontade natural de manter a sua identidade nacional e histórica. Afinal,
estamos perante um país com quase mil anos de uma história muito intensa.
Porém, fizemos uma selecção com vista a desenhar um quadro variado e
multicolor desse pensamento não só porque ele, directa ou indirectamente,
está presente na vida intelectual e política internacional mas também, e
principalmente,porque este problema merece particular atenção em
períodos de crise, de viragem na vida da sociedade russa, quando surge a
necessidade de proceder a transformações radicais das estruturas
económicas, sociais, políticas e ideológicas, quando se coloca a questão da
via de desenvolvimento do país. E a Rússia encontra-se hoje num desses
períodos fulcrais de procura do seu lugar no mundo.
Isto é tanto mais importante quanto se atravessa um momento no qual
todo o mundo se encontra numa fase de transição e a Rússia, em concreto,
pretende desempenhar um papel fulcral nas transformações de âmbito
internacional. Tendo em conta as dimensões do próprio país e a sua situação
geográfica entre a Europa e a Ásia, os dirigentes russos há muito que
tentam reivindicar para si o estatuto de um dos pólos do desenvolvimento
mundial, tendo-o conseguido entre o fim da Segunda Guerra Mundial
(1945) e o termo da União Soviética. Presentemente, defendendo um
mundo multipolar, pretendem que o seu país seja um dos novos pólos de
atracção, um dos jogadores decisivos no complexo xadrez internacional.
Para alcançar esse objectivo, os actuais governantes russos procuram
respostas a muitas perguntas olhando para o passado. Esse singular facto,
por si só, dá particular relevância, se quisermos compreender a sua maneira
de pensar, ao estudo das várias escolas filosóficas e geopolíticas da Rússia.
Este estudo, no entanto, enfrentou alguns obstáculos, sendo de sublinhar
o modo como se formaram as camadas sociais, cujos representantes
estiveram envolvidos na discussão dos citados problemas, a excessiva
concentração polémica das diferentes visões, as particularidades da forma
de pensamento dos participantes na disputa, a influência de concepções
oficiais impostas a partir de cima, etc.
Tudo isso levou à formação de estereótipos bastante inflexíveis de
pensamento, cujos traços mais característicos são a tendência para a
simplificação do problema e para tentativas de resolvê-lo no quadro de um
esquema previamente estabelecido, construído em disposições apriorísticas.
Nuns casos, trata-se da tese da unidade do czar e do povo como principal
particularidade da história russa (presentemente isto manifesta-se na
máxima «A Rússia é Putin»); noutros casos, de concepções predefinidas de
progresso e da reacção a ele e, noutros ainda, trata-se da avaliação das
relações entre a Rússia, por um lado, e a Europa e a Ásia, por outro, que
advém da teoria da luta de classes, da tomada em conta das perspectivas da
revolução mundial.
É de salientar que a discussão destes problemas não se ficou, nem fica,
pelos gabinetes universitários, pelos salões de eslavófilos e ocidentalistas,
pelos paços dos mosteiros, mas continua no centro das atenções da opinião
pública, reflectindo-se nas disputas sobre a política interna e externa da
Rússia, dependendo a intensidade da discussão do período que o país
atravessa.
Aqui é necessário assinalar uma particularidade importante. Ao contrário
da China e do Japão medievais, a Rússia nunca se isolou face aos seus
vizinhos e ao mundo externo em geral, mantendo contactos mais ou menos
intensos com a Europa e com a Ásia, dependendo do estado das relações
com os Estados de um ou de outro continente.
Em geral, é necessário constatar que as relações com a Europa sempre
foram mais intensas, salvo, talvez, durante o período de ocupação tártaro-
mongol, mas conflituosas na maior parte do tempo. Se o confronto com o
Oriente era cada vez menor à medida que desapareciam os antigos
adversários, este mantém-se até hoje com maior ou menor intensidade com
o Ocidente, atingindo níveis perigosos. Claro que a existência de um Estado
gigante como é o russo, com pretensões a desempenhar um papel por vezes
superior ao seu poderio económico nos assuntos europeus, causa
preocupação nos países do continente europeu. Mas alguns analistas russos
consideram que isso se deve a preconceitos provocados pela ignorância, a
ideias deformadas sobre os objectivos da política externa do Estado russo
sobre o carácter, o mundo espiritual e o nível cultural dos povos que o
povoam.
Todavia, a política externa dos dirigentes russos parece confirmar esses
receios, nomeadamente no antigo espaço soviético. Por isso, não se pode
afirmar que foram encontradas todas as respostas que surgem na discussão
sobre o lugar da Rússia entre o Ocidente e o Oriente. A humanidade não se
tornou mais humana e segura. As velhas contradições foram substituídas
por novas e o futuro é incerto.
Por fim, cabe realçar a diversidade técnica com a qual foi necessário
trabalhar. Abarcámos estilos de escrita tão diversos como aqueles que eram
regra no primeiro século do ano 1000 d. C. e os que actualmente são
vigentes. Sempre que possível procurou-se a fonte mais fidedigna dos
autores, traduzindo directamente da língua russa e francesa. Pese o
«pensamento de época», procurou-se, sem deturpar as ideias dos autores,
conferir um corpo lógico e fluido aos pensamentos manifestados, de modo a
não comprometer a linha do tempo nem as inevitáveis mutações nas
diversas linhas de pensamento.
Esta publicação, não sendo exaustiva nem pretendendo sê-lo, visa ajudar
a compreender o pensamento russo tanto no passado como no presente, bem
como os motivos, sejam eles de ordem política, cultural, étnica ou religiosa,
que levam os actuais dirigentes russos a tomarem umas ou outras decisões
estratégicas.
Naturalmente, e perante um tão longo período de tempo e um largo leque
de pensadores, alguns dos leitores poderão não estar de acordo com a nossa
selecção, considerando que deveríamos ter escolhido outros pensadores ou
outros textos. Estarão, ipso facto, no seu direito.
 
José Milhazes
João Domingues
 
 
 
 
 
 
CAPÍTULO I
A ORIGEM DO PENSAMENTO RUSSO
 
 
 
 
 
 
 
 
O aparecimento de fontes escritas que nos permitem estudar o início do
pensamento russo está ligado à conversão da Rus de Kiev ao Cristianismo,
em 988.
Isto não significa, porém, que os povos que antes habitavam o Extremo
Leste da Europa vivessem na escuridão cultural total. O facto é que as
primeiras fontes escritas que chegaram até nós datam precisamente do
período em que os príncipes de Kiev optaram pela religião oficial do
Império Bizantino: o Cristianismo Ortodoxo.
Entre essas primeiras obras está A Crónica dos Anos Passados, atribuída
a Nestor, monge do Mosteiro de Petcherski, em Kiev. A cópia mais antiga é
datada do início do século XII, mas, segundo os especialistas, estes anais
podem ser uma colectânea que reúne textos escritos anteriormente. O autor
desta obra pretende responder a várias perguntas colocadas no início: «Qual
a origem da terra russa, quem foi o primeiro a reinar em Kiev e como
nasceu a terra russa?»
Nestor, tal como os cronistas medievais do mundo cristão, encontra as
raízes dos Eslavos na Bíblia, mais precisamente em Jafé, um dos três filhos
de Noé, mas concentra a sua principal atenção na escolha da religião por
parte do príncipe Vladimir (980-1015), nas razões que o levaram a optar
pelo Cristianismo de Bizâncio. O seu baptismo abriu a porta à união da
dinastia dos Rurique com a casa imperial bizantina através do casamento de
Vladimir com a princesa Ana, irmã de Vassili II, imperador de Bizâncio.
 
 
 
Nome: Nestor, o Cronista
 
Data e local de nascimento e de morte: 1056, Kiev, Principado de Kiev-
1114, Kiev, Principado de Kiev.
 
Breve resenha biográfica: Monge no Mosteiro de Kiev-Petchersk, é
considerado um dos primeiros cronistas russos e foi canonizado pela Igreja
Ortodoxa. Os seus dados biográficos são extremamente escassos. Ter-se-á
dedicado à vida monástica aos 17 anos e quando chegou ao mosteiro já
seria homem de alguma erudição. Foi um dos primeiros pensadores a
desenvolver a ideia da providência cristã, bem como o princípio da feroz
oposição do princípio espiritual e material e um acérrimo defensor do
ascetismo e da não-ganância na vida monástica.
 
Contributo da sua obra para o pensamento geopolítico russo: A obra
mais relevante de Nestor, escrita entre 1112 e 1113,é A Crónica dos Anos
Passados, que tem por objectivo explicar o «nascimento» da Rússia,
integrando-a na história mundial e na história da salvação da humanidade.
Segundo Nestor, a história da Rússia, que é apresentada através do prisma
religioso, é uma luta entre o bem e o mal, do bem eterno da alma humana
contra a tentação demoníaca das forças do mal.
Para elaborar as crónicas, Nestor recorre a inúmeras fontes históricas,
nomeadamente crónicas anteriores, lendas, registos do mosteiro, crónicas
bizantinas, colectâneas de História, relatos de mercadores, guerreiros e
viajantes. O mérito de Nestor reside no facto de ter compilado, processado e
escrito um documento que reúne os mais importantes momentos dos
primórdios da história russa, destacando-se acontecimentos como o
Baptismo da Rus, a criação do alfabeto cirílico por São Cirilo e São
Metódio, os primeiros metropolitas da Igreja Ortodoxa, bem como a
fundação do Mosteiro de Kiev-Petchersk e os seus primeiros habitantes.
Contudo, A Crónica dos Anos Passados não é exclusivamente história
religiosa ou civil, mas sim a história do povo russo, da nação, uma reflexão
acerca da consciência russa, sobre a percepção do mundo pelos Russos,
acerca do destino e da compreensão do mundo dos homens daqueles
tempos. Não se trata, assim, apenas de uma enumeração de acontecimentos
marcantes ou da descrição do quotidiano, mas sim de reflexões sobre o
lugar de um jovem povo russo no mundo, levantando questões como: De
onde vimos? O que nos torna belos? O que nos distingue de outros povos?
É a estas questões que Nestor tenta dar resposta na sua obra.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A Crónica dos Anos Passados
 
Ano de 6494 (985). E os Búlgaros de fé muçulmana chegaram e
disseram: «Tu, Príncipe, és sábio e sensato, mas não conheces a lei. Crê na
nossa lei e curva-te perante Maomé.» E Vladimir perguntou: «Qual é a
vossa fé?» Eles responderam: «Cremos em Deus e Maomé assim nos
ensina: fazer a circuncisão, não comer porco, não beber vinho, mas depois
da morte pode fornicar-se as mulheres. Maomé dará a cada um 70 belas
esposas e escolherá uma entre elas, a mais bela, e colocará nela a beleza de
todas; e essa será a sua esposa. Aqui deverá entregar-se a toda a fornicação.
Quem for desgraçado neste mundo também o será noutro», e disseram
outras mentiras que até dá vergonha escrevê-las. Vladimir escutou-os, já
que ele próprio gostava de mulheres e de todo o tipo de fornicação. Por
isso, escutou-os com gosto. Mas cá está o que lhe desagradou: a circuncisão
e a abstinência face à carne de porco, e sobre a bebida, pelo contrário, foi o
que disse: «Na Rus existe a alegria de beber e não podemos existir sem
isso.» Os estrangeiros de Roma chegaram depois e disseram: «Chegamos
enviados pelo Papa», e dirigiram-se a Vladimir: «O Papa diz-te assim: “A
tua terra é como a nossa, mas a vossa fé não se parece com o nosso credo,
pois a nossa fé é a luz. Nós imploramos a Deus, que criou o céu e a terra, as
estrelas e a Lua, e a tudo que respira. Mas os vossos deuses são
simplesmente madeira”.» Vladimir questionou-os: «Em que consiste o
vosso mandamento?» E eles responderam: «Mensagem pela força: “se
alguém bebe ou come, tudo é por glória de Deus”, como disse o nosso
mestre Paulo.» E disse Vladimir aos estrangeiros: «Voltem para o sítio de
onde vieram, pois os nossos pais não aprovariam isso.» Tendo ouvido isso,
vieram os judeus de Khazar e disseram: «Ouvimos dizer que os Búlgaros e
os cristãos tentaram, cada um, ensinar-te a sua fé. Os cristãos crêem naquele
que nós crucificámos e nós acreditamos no Deus único de Abraão, Isaac e
Jacob.» E Vladimir perguntou: «Que lei é a vossa?» Eles responderam:
«Circuncisão, não comer carne de porco nem de coelho e cumprir o
sábado.» E ele perguntou: «Onde é a vossa terra?» Eles responderam: «Em
Jerusalém.» E ele perguntou: «É exactamente aí?» E eles responderam:
«Zangou-se Deus com os nossos pais e disseminou-nos por diferentes
países devido aos nossos pecados e deu a nossa terra aos cristãos.» Perante
isso, disse Vladimir: «Como podeis ensinar a outros, se vós próprios fostes
renegados por Deus e disseminados? Se Deus vos amasse a vós e à vossa
lei, não teriam sido disseminados por terras alheias. Ou também nos
desejam isso?»
Depois, os Gregos enviaram um filósofo a Vladimir que dizia assim:
«Ouvimos dizer que os Búlgaros chegaram e incitaram-te a aceitar a sua fé.
A sua fé profana, o céu e a terra, e eles são malditos acima de todas as
pessoas, assemelham-se aos habitantes de Sodoma e Gomorra, sobre quem
Deus atirou uma pedra ardente e os afogou. Também a eles os aguarda o dia
da sua ruína, quando vier Deus e julgar todos os povos e destruir todos os
que cometerem ilegalidades e os que fazem mal. Ao se lavarem vertem a
mesma água para a boca, com ela esfregam a barba e pensam em Maomé.
Também as suas mulheres fazem a mesma imundice, mas ainda maior…»
Tendo ouvido isso, Vladimir cuspiu para a terra e disse: «Esse assunto é
impuro.» O filósofo disse: «Ouvimos também que vieram até vós desde
Roma e ensinaram a sua fé. A sua fé distingue-se um pouco da nossa:
servem com o pão ázimo, ou seja, com a hóstia, não como Deus mandou.
Ele ensinou os apóstolos, havendo tomado o pão, o seguinte: “Este é o meu
corpo partido para vós…”. Da mesma forma, tomou o cálice e disse: “Este é
o meu sangue do Novo Testamento. Os que não fazem isso não crêem
correctamente”.» Pois disse Vladimir: «Os Judeus vieram a mim e disseram
que os Alemães e os Gregos crêem naquele que eles crucificaram.» O
filósofo respondeu: «Em verdade cremos naquele…, os seus profetas
predisseram que nasceria Deus e outros que será crucificado e sepultado,
mas ao terceiro dia ressuscitará e ascenderá aos céus. A uns profetas
espancavam e a outros matavam. Quando se cumpriram as suas profecias,
quando Ele desceu à terra, Ele foi crucificado e acabou por ressuscitar e
ascendeu aos céus. Deus esperou pelo seu arrependimento durante 46 anos,
mas não se arrependeram, e enviou contra eles os Romanos; e destruíram as
suas cidades e eles próprios dispersaram-se por outras terras, onde também
vivem em escravidão.» Vladimir perguntou: «Porque desceu Deus à terra e
aceitou tal sofrimento?» O filósofo respondeu: «Se quiseres ouvir, contar-
te-ei, por ordem e desde o início, porque desceu Deus à terra.» Vladimir
disse: «Gostaria de ouvir.» E o filósofo começou a dizer assim: «No
princípio, no primeiro dia, Deus criou o céu e a terra. Ao segundo dia, criou
a terra entre as águas. No mesmo dia, dividiram-se as águas, sendo que
metade ficou na terra e outra desceu para debaixo da terra. Ao terceiro dia,
criou o mar, os rios, as nascentes e as sementes. Ao quarto, o Sol, a Lua e as
estrelas, e Deus adornou o céu. O primeiro anjo, o ancião da hierarquia
angelical, viu tudo isso e pensou: “Descerei à terra e me apoderarei dela, e
serei semelhante a Deus, e colocarei o meu trono nas nuvens do norte.” E
no mesmo instante foi expulso dos céus e atrás dele caíram todos os que
seguiam as suas ordens, o décimo nível da hierarquia angelical. O inimigo
tinha nome, Satã, e Deus colocou o ancião Miguel no seu lugar. Satanás, ao
ter-se enganado na sua intenção e tendo perdido a glória da sua primazia,
denominou-se inimigo de Deus. Depois, ao quinto dia, Deus criou as
baleias, os peixes, os répteis e os pássaros. Ao sexto dia, Deus criou o gado
bovino e ovino, os répteis terrestres e criou também o homem. Ao sétimo
dia, ou seja, no sábado, Deus descansou da sua obra. E Deus colocou o
paraíso no Oriente, no Éden, e introduziu nele o homem que criou e ao qual
mandou comer frutos de todas as árvores e não comer os de uma árvore, a
do conhecimento do bem e do mal. E Adão estava no paraíso, viu a Deus e
glorificou-o quando os anjos o glorificaram. E deu sono a Adão, e Adão
dormiu. E Deus tirou uma costela de Adão e criou-lhe uma esposa, e
introduziu-a no paraíso onde estava Adão, e Adão disse: “Está aqui o osso
do meu osso e a carne da minha carne. Ela se chamará mulher.” E Adão deu
o nome ao gado e aos pássaros, às feras e aosrépteis, e, inclusivamente, deu
o nome aos próprios anjos. E Deus submeteu a Adão as feras e o gado, e
possuía-os a todos e todos o escutavam. O Diabo, ao ver como Deus honra
o homem, começou a invejá-lo, transformou-se em serpente, chegou-se
junto de Eva e disse-lhe: “Porque não comes da árvore que está no meio do
paraíso?” E a mulher disse à serpente: “Deus disse: Não comais, se
comerdes morrereis de morte.” E a serpente disse à mulher: “Não morrerão
de morte, pois Deus sabe que no dia em que comerem desta árvore os
vossos olhos se abrirão e serão como Deus, tendo conhecido o bem e o
mal.” E a mulher viu que a árvore era comestível, retirou um fruto e comeu
um fruto e o deu ao seu marido, e comeram ambos, e abriram-se os seus
olhos e compreenderam que estavam nus e costuraram roupas de folhas. E
Deus disse: “Maldita seja a terra pelas tuas acções e terás tristezas todos os
dias da tua vida.” E Deus, o Senhor, disse: “Quando esfregarem as mãos e
comerem da árvore da vida, viverão eternamente.” E Senhor Deus expulsou
Adão do paraíso. E ele instalou-se frente ao paraíso, a chorar e a trabalhar a
terra, e Satanás alegrou-se com a maldição da terra. Essa é a nossa primeira
queda e o preço amargo que pagámos, a queda da vida angelical. Adão
gerou Caim e Abel. Caim era lavrador e Abel era pastor. E Caim trazia os
frutos da terra em sacrifício a Deus e Deus não aceitou as suas dádivas.
Abel trouxe um cordeiro primogénito e Deus aceitou as dádivas de Abel.
Satanás entrou em Caim e começou a incitá-lo a matar Abel. E Caim disse a
Abel: “Vamos ao campo.” E Abel obedeceu-lhe, e quando saíram Caim
lançou-se contra Abel e quis matá-lo, mas não sabia como fazê-lo. E
Satanás disse-lhe: “Toma uma pedra e golpeia-o.” Ele agarrou numa pedra e
matou Abel. E Deus disse a Caim: “Onde está o teu irmão?” Ele respondeu:
“Por acaso sou o guardião do meu irmão?” E Deus disse: “O sangue do teu
irmão clama por mim, irás gemer e tremer até ao final da tua vida.” Adão e
Eva choraram e o Diabo alegrou-se, dizendo: “A quem Deus honrou,
obriguei eu a separar-se de Deus e agora atraí para ele a desgraça.” E
choraram por Abel durante 30 anos, e não se reduziu a pó o seu corpo, e não
souberam sepultá-lo. E por ordem de Deus vieram a voar dois pássaros. Um
deles morreu. Outro cavou um buraco e colocou o morto nele e o sepultou.
Tendo visto isso, Adão e Eva cavaram um buraco, nele puseram Abel e
sepultaram-no, chorando. Quando Adão tinha 230 anos gerou Set e duas
filhas, a uma tomou-a Caim e a outra Set e a partir daí começaram as
pessoas a procriar e a multiplicar-se pela terra. E não conheceram a quem os
criou, fornicaram e cometeram todo o tipo de impurezas, e assassinatos, e
inveja, e viviam as pessoas como gado. Somente um, Noé, foi justo no seio
da raça humana. E ele gerou três filhos: Sem, Cam e Jafet. E Deus disse:
“Não permanecerá o meu espírito entre as gentes”; e mais: “Destruirei o
que criei, do ser humano ao gado.” E o Senhor disse a Noé: “Constrói uma
arca com o comprimento de 300 cúbitos, uma largura de 80 e uma altura de
30.” Os Egípcios chamam os cúbitos de sazhen. Noé construiu a sua arca
durante cem anos, e quando Noé informou as pessoas de que haveria um
dilúvio, riram-se dele. Quando acabou a arca, o Senhor disse a Noé: “Entra
nela tu, a tua mulher, os teus filhos, as tuas noras, e mete nela um casal de
todas as feras, e de todos os pássaros, e de todos os répteis.” E Noé meteu
quem Deus mandou. E Deus enviou o dilúvio à terra, afogou-se tudo que
era vivo, e a arca navegava na água. Quando a água baixou, Noé, os seus
filhos e a sua mulher saíram. Por eles se povoou a terra. E houve muita
gente, e falavam numa língua e diziam uns aos outros: “Vamos construir
uma torre até ao céu.” Começaram a construir e Nemrod era o seu ancião. E
Deus disse: “Multiplicaram-se as pessoas e os seus projetos são
presunçosos.”. E Deus desceu e dividiu a sua fala em 72 línguas. Só a
língua de Adão não foi tirada a Heber; só ele ficou afastado do seu louco
intento e disse assim: “Se Deus tivesse ordenado às pessoas construir uma
torre até ao céu, então o próprio Deus o teria ordenado através da sua
palavra, da mesma forma que Ele criou o céu, a terra, e tudo que é visível e
invisível.” Por isso não se alterou a sua língua; os Hebreus descenderam
dele. Foi assim que as pessoas se dividiram em 71 línguas e se dispersaram
por todos os países, e cada país adoptou a sua moral. Seguindo os
ensinamentos do diabo, fizeram sacrifícios a bosques, aos prados e rios e
não conheciam Deus. Desde Adão ao dilúvio passaram 2242 anos, e desde o
dilúvio à divisão das gentes passaram 529 anos. Depois, o diabo levou as
pessoas a um desvio maior e começaram a construir ídolos: uns de madeira,
outros de cobre, os terceiros de mármore, e alguns de ouro e prata.
Imploravam-lhes e levavam-lhes os seus filhos e as suas filhas, e os
sacrificavam perante eles e foi profanada toda a terra. Sarug foi o primeiro
que começou a fazer ídolos, ele criou-os em homenagem aos mortos: a
alguns antigos reis, ou a pessoas valentes e magos e às mulheres adúlteras.
Sarug gerou Teraj. Teraj gerou três filhos: Abraão, Najor e Harán. Teraj
fazia ídolos, tendo aprendido isso com o seu pai. Abraão, ao se aperceber da
verdade, olhou para o céu e viu as estrelas e o céu e disse: “É verdadeiro
esse Deus que criou o céu e a terra, mas o meu pai engana as pessoas.” E
Abraão disse: “Vou pôr à prova os deuses do meu pai.” E dirigiu-se ao seu
pai: “Pai! Porque enganas as pessoas fazendo deuses de madeira? Este é o
Deus que criou o céu e a terra.” Abraão, agarrando no fogo, queimou os
ídolos do templo. Harán, irmão de Abraão, vendo isso, e venerando os
ídolos, quis retirá-los, mas ardeu ele nesse mesmo instante e morreu antes
do seu pai. Antes disso, um filho não morria antes do pai, mas sim o pai
antes do filho. E desde então os filhos começaram a morrer antes dos pais.
Deus amava Abraão e disse-lhe: “Sai da casa do teu pai para a terra que te
mostrarei e farei de ti um grande povo e te louvarão as gerações de gentes.”
E Abraão agiu como Deus lhe mandou. E Abraão levou o seu sobrinho Lot.
Lot era também seu cunhado e sobrinho, já que Abraão tomou para si Sara,
filha do seu irmão Harán. E Abraão chegou à terra de Canaã, e junto de um
carvalho alto Deus disse a Abraão: “Darei essa terra à tua descendência.” E
Abraão adorou Deus.
Abraão tinha 75 anos quando saiu de Jaran. Sara era estéril e padecia de
infertilidade. E Sara disse a Abraão: “Entra para junto da minha escrava.” E
Sara tomou a Agar e entregou-a ao seu marido. E Abraão entrou para junto
de Agar. Agar concebeu e pariu um filho e Abraão chamou-o Ismael.
Abraão tinha 86 anos quando Ismael nasceu. Depois Sara concebeu e pariu
um filho e chamou-o Isaac. E Deus ordenou a Abraão que realizasse a
circuncisão do adolescente e fez-se ao oitavo dia. Deus amava Abraão e a
sua tribo e chamou-a de seu povo, e ao chamá-la de seu povo separou-o dos
outros. E Isaac chegou à idade da puberdade, e Abraão viveu 175 anos e
morreu e foi sepultado. Quando Isaac tinha 60 anos concebeu dois filhos:
Esau e Jacob. Isaac era mentiroso e Jacob justo. Jacob trabalhou para o seu
tio durante sete anos, conseguindo a sua filha mais nova, e Labão, seu tio,
não lha deu tendo dito assim: “Fica com a mais velha.” E deu-lhe Lea, a
mais velha, e quanto à outra disse-lhe: “Trabalha mais sete anos.” Ele
trabalhou mais sete anos por Raquel, e assim tomou para si as duas irmãs e
teve com elas oito filhos: Ruben, Simão, Levi, Judá, Isacar, Zabulão, José e
Benjamim, e das duas escravas: Dan, Neftali, Gad e Aser. E os Hebreus
descenderam deles. Jacob, quando tinha 130 anos, dirigiu-se para o Egipto
com toda a sua família, totalizando 75 pessoas. Ele viveu 17 anos no Egipto
e morreu, a sua descendência viveu na escravatura 400 anos. Passados estes
anos, os Judeus reforçaram-se e multiplicaram-se, mas os Egípcios
oprimiram-nos como escravos. Naquele tempo nasceu entre os Hebreus
Moisés, e os magos disseram ao rei egípcio: “Nasceu um menino entre os
Judeus que arruinaráo Egipto.” E nesse mesmo instante o rei ordenou que
fossem atirados ao rio todos os meninos hebreus que nasceram. A mãe de
Moisés, assustada com esse aniquilamento, pegou no menino, colocou-o
numa cesta e levando-a colocou-a à beira do rio. Então Termuti, filha do
Faraó, chegou para se banhar e viu o menino que chorava, pegou nele, teve
pena dele e deu-lhe o nome de Moisés e criou-o. O menino era bonito e,
quando fez os quatro anos, a filha do Faraó levou-o ao seu pai. O Faraó ao
ver o menino sentiu amor por ele. Moisés agarrando-se ao pescoço do rei
deixou cair a coroa e pisou-a. Um mago, tendo visto isso, disse ao rei: “Oh
rei, destrói esse menino, se não o destruíres ele destruirá todo o Egipto.” O
rei não só não lhe prestou atenção, como ordenou não matarem os meninos
judeus. Moisés fez-se homem e tornou-se num grande homem na casa do
Faraó. Quando o Egipto teve outro rei, os nobres começaram a invejar
Moisés. Moisés, ao matar um egípcio que ofendeu um judeu, fugiu do
Egipto e chegou à terra de Madian, e quando ia pelo deserto, soube do anjo
Gabriel a génese deste mundo, do primeiro homem e do que aconteceu
depois do dilúvio, e da mistura de línguas e quem quantos anos viveu e do
movimento das estrelas e do seu número, e do tamanho da terra e todo o
tipo de sabedoria. Depois Deus apareceu a Moisés em forma de espinheiro
em chamas e disse-lhe: “Eu vi a desgraça do meu povo no Egipto e desci
para libertá-los dos Egípcios e tirá-los desta terra. Vai ter com o Faraó e diz-
lhe: ‘Deixa partir Israel para que durante três dias levem a cabo uma
cerimónia em homenagem a Deus. Se não te escutar o rei egípcio, então
derrotá-lo-ei com todos os meus milagres’.” Quando Moisés chegou, o
Faraó não o ouviu e Deus lançou sobre ele dez pragas: primeiro os rios
ensanguentados, em segundo lugar os sapos, em terceiro os mosquitos, em
quarto os piolhos e as moscas, em quinto a peste do gado, em sexto
abcessos, em sétimo o granizo, em oitavo as lagostas, em nono a escuridão
durante três dias e em décimo a peste nas pessoas. Deus enviou-lhes dez
pragas porque durante dez meses afogaram meninos judeus. Quando a peste
começou no Egipto, o Faraó disse a Moisés e a seu irmão Aarão: “Saiam o
quanto antes!” Moisés, tendo reunido os Judeus, partiu do Egipto. E Deus
conduziu-o através do deserto, até ao Mar Vermelho, e uma coluna de fogo
de noite, e uma de fumo durante o dia iam à sua frente. O Faraó ao ouvir
que as pessoas fugiam foi atrás deles e encurralou-os no mar. Quando os
Judeus viram isso gritaram a Moisés: “Porque nos conduziste para a
morte?” E Moisés chamou a Deus e o Senhor disse: “O que me imploras?
Bate com o bastão no mar.” E Moisés assim fez e abriram-se as águas em
duas e os filhos de Israel entraram no mar. Tendo visto isso, o Faraó correu
atrás deles. Os filhos de Israel atravessaram o mar por terra. E quando
saíram para a costa, fechou-se o mar sobre o Faraó e os seus militares. E
Deus amava Israel e eles foram desde o mar três dias pelo deserto e
chegaram a Mara. A água era amarga aqui e as pessoas começaram a
murmurar contra Deus e o Senhor mostrou uma madeira a Moisés e ele
colocou-a na água e tornou-se mais agradável a água. Depois murmuraram
novamente contra Moisés e Aarão: “Estávamos melhor no Egipto, onde
comíamos carne, cebola e pão até nos fartarmos.” E o Senhor disse a
Moisés: “Ouvi o murmúrio dos filhos de Israel”, e deu-lhes o maná. Depois
deu-lhes a Lei no monte Sinai. Quando Moisés subiu ao monte para ir ter
com Deus, as pessoas derramaram uma cabeça de bezerro e adoraram-na
como a um Deus. E Moisés matou 3000 dessas pessoas. E depois as pessoas
murmuraram novamente contra Moisés e Aarão porque não havia água. E
Deus disse a Moisés: “Golpeia com o ferro na pedra.” E Moisés respondeu:
“E se não der água?” E Deus zangou-se com Moisés porque não enalteceu o
Senhor e ele não entrou na terra prometida por causa do murmúrio das
pessoas, porém levou-os ao monte Pasga e mostrou-lhes a terra prometida.
E Moisés morreu aqui na montanha. E José, filho de Nun, tomou o poder.
Ele entrou na terra prometida, combateu uma tribo cananeia e estabeleceu
no seu lugar os filhos de Israel. Quando José morreu, ficou no lugar dele o
juiz Judá; e havia outros 14 juízes. Naquele tempo, os Judeus esqueceram
Deus que os tirou do Egipto e começaram a servir o diabo. E Deus zangou-
se e entregou-os aos forasteiros para serem pilhados. Quando começaram a
arrepender-se, Deus perdoou-os; e quando os libertou, novamente se
desviaram e começaram a servir demónios. Depois Elias, o sacerdote, foi
juiz, e depois o profeta Samuel. E as gentes disseram a Samuel: “Dá-nos um
rei.” E Deus zangou-se com Israel e deu-lhes o rei Saul. Porém, Saul não
quis submeter-se à lei de Deus e o Senhor escolheu David e colocou-o
como rei de Israel, e David agradou a Deus. A este David, Deus prometeu
que Deus nascerá na sua tribo. Ele foi o primeiro a profetizar a encarnação
de Deus, dizendo: “De um ventre te gerarei antes da estrela da manhã.”
Assim ele profetizou 40 anos e morreu. A seguir a ele profetizou seu filho
Salomão, que construiu o templo de Deus e o chamou de Santo dos Santos.
E ele foi sábio. Mas no final pecou; reinou 40 anos e morreu. Após Salomão
reinou o seu filho Roboam. Nos seus tempos o reino judeu dividiu-se em
dois: um era Jerusalém e outro Samária; ele fez dois bezerros de ouro e
colocou um numa colina em Belém e outro em Dana, tendo dito: “Cá estão
os teus deuses Israel!” E o povo adorava-os e esqueceu-se de Deus. Assim,
também em Jerusalém se esqueceram de Deus e começaram a adorar Baal,
ou seja, ao deus da guerra, por outras palavras a Aares. E esqueceram o
Deus dos seus pais. E Deus começou a enviar-lhes profetas. Os profetas
começaram a acusá-los de excessos e da sua servidão a ídolos. E eles, os
acusados, começaram a maltratar os profetas. Deus encolerizou-se com
Israel e disse: “Repudio-os, e chamarei a outra gente que me será obediente.
Se pecarem também, não me lembrarei dos seus excessos.” E começou a
enviar profetas, dizendo-lhes: “Profetizem sobre o repúdio dos Judeus e o
reconhecimento de novos povos.”
Oseas foi o primeiro que começou a vaticinar: “Acabarei com a casa de
Israel…Partirei o arco de Israel… Não terei mais compaixão da casa de
Israel. De forma alguma a perdoarei”, disse o Senhor. “E serão vagabundos
entre nações.” Jeremias disse: “Mesmo que se levantem Moisés e Samuel,
não terei piedade deles.” E o mesmo Jeremias disse: “Assim disse o Senhor:
Eu jurei pelo meu glorioso nome, de que o meu nome não será proferido
por lábios judeus.” Ezequiel disse: “Assim fala o Senhor Adonais: Eu vos
espalharei, e o resto que de vós sobrar disseminarei aos quatro ventos… Já
que profanaste o meu santuário com todos os teus atos detestáveis e todas as
vossas abominações; Eu te desprezarei e o meu olho não perdoará.”
Malaquias disse: “Assim fala Senhor: Já não tenho benevolência
convosco… Já que do Oriente ao Ocidente se glorifica o meu nome entre
povos, e em todo o lado lançam incenso em meu nome bem como a
sacrifícios de animais puros, é assim tão grande o meu nome entre povos.
Por isso serão dispersados entre todos os povos.” O grande Isaías disse:
“Assim fala o Senhor: Colocarei a minha mão sobre ti, te levarei e trarei e
te dispersarei e não te voltarei a reunir.” E esse profeta disse mais: “Sinto
ódio face às vossas festas e ao começo dos vossos meses e não aceito os
vossos sábados.” O profeta Amos disse: “Escutem a palavra do Senhor:
Farei o luto por vós. A casa de Israel caiu e não se levantará mais.”
Malaquias disse: “Assim fala o Senhor: Vos enviarei uma maldição e
amaldiçoarei as vossas bênçãos… e as destruirei e não estarão convosco.” E
os profetas vaticinaram muito sobre o seu repúdio.
Além disso, Deus ordenou aos profetas que vaticinassem sobre a
predestinação do seu lugar a outros povos. E Isaías começou a gritar,
dizendo assim: “De mim procede a lei e o meu juízo é a luz dos povos. A
minha verdade chegará rápido e se elevará… e no meu músculo confiam os
povos.” Jeremias disse: “O Senhor disseassim: Farei com a casa de Judá
um novo convénio… Dando-lhes leis segundo o seu entendimento, e as
escreverei nos seus corações, e serei Deus deles, e eles serão o meu povo.”
Isaías disse: “O que foi já passou e erguerei o novo. Antes de o erigir, ele
foi-vos revelado. Cantem ao Senhor um novo cantar.” “Aos meus escravos
será dado um novo nome e serão benditos por toda a terra.” “A minha casa
se chamará a casa de oração de todos os povos.” Esse mesmo profeta,
Isaías, disse: “O Senhor despirá o seu santo braço perante os olhos de todos
os povos e todos os confins da terra verão a salvação do nosso Deus.”
David disse: “Louvem ao Senhor todos os povos. Louvem todos os povos.”
Deus amou assim a nova gente e revelou que Ele mesmo descerá até eles,
aparecerá como pessoa em carne e redimirá, através do seu sofrimento, o
pecado de Adão. E começaram a vaticinar sobre a encarnação de Deus, e
em primeiro foi David: “O Senhor disse ao meu Senhor: Senta-te à minha
direita, até que eu ponha os teus inimigos debaixo dos teus pés.”. E ainda
mais: “O Senhor disse-me: Tu és meu filho. Gerei-te hoje.” Isaías disse:
“Nem embaixador, nem mensageiro, será o próprio Deus, chegando, que
nos salvará.” E mais: “Nascerá uma criança, sobre cujos ombros recairá a
soberania, e se chamará o Conselheiro maravilhoso, Deus forte, Pai eterno,
Príncipe da paz, para que o seu domínio cresça e para que não acabe a paz
sobre o trono de David. O seu poder é grande e o seu mundo não tem fim.”
E mais: “Uma virgem o conceberá no seu ventre e lhe darão no nome de
Emanuel.” Miqueias disse: “Tu, Belém, casa de Eufrates, por acaso não és
tu grande entre milhares de judeus? De ti, pois, sairá esse que deve ser
soberano de Israel e cuja origem será de dias antigos. Então, ele vai
entregar-se, o tempo não gera aqueles que geram, e depois retornará a seus
irmãos que caíram, aos filhos de Israel.” Jeremias disse: “Esse é o nosso
Deus e nenhum outro é comparável a Ele. Ele encontrou todos os caminhos
da sabedoria e os mostrou ao seu servo Jacob… Depois disso Ele apareceu
na terra, vivo entre as gentes.” E mais: “Ele é um homem que sabe que Ele
é Deus? Já que morre como homem.” Zacarias disse: “Não obedeceram ao
meu filho e eu não os escutarei”, disse o Senhor. E Oseas disse: “Assim
disse o Senhor: A minha carne é a deles.”
Vaticinaram também os seus sofrimentos, falando como disse Isaías:
“Piedade à sua alma! Ao seguirem o conselho mau, disseram ‘atemos o
justo’.” E esse profeta disse mais: “Assim disse o Senhor: Eu não me
oponho nem não falarei contra. Entreguei a minha espinha dorsal para
ferirem, e o meu rosto para esbofetearem, e não virei a minha cara de
insultos e cuspo.” Jeremias disse: “Venham, colocaremos madeira na sua
comida e afastaremos a sua vida da terra.” Moisés disse sobre a sua
crucificação: “Vereis a vossa vida a passar frente aos olhos.” E David disse:
“Porque se rebelam os povos?” Isaías disse: “Ele era como a ovelha levada
para o holocausto.” Esdrás disse: “Bendito seja Deus que estende as suas
mãos e salva Jerusalém.”
E David disse sobre a ressurreição: “Levanta-te Deus, julga a terra, já que
Tu herdaste todos os povos.” E mais: “E o Senhor despertou como se fosse
de um sonho.” E mais: “Levantar-se-á Deus e se dispersarão os seus
inimigos.” E mais: “Levantar-se-á o Eterno, oh Deus, levanta a tua mão!”
Isaías disse: “Os que entraram no país da sombra mortal, a luz começará a
brilhar sobre vós.” Zacarias disse: “E tu libertaste os teus presos do fosso
em que não havia água em nome do pacto de sangue.”
E tanto profetizaram sobre Ele e tudo se cumpriu.»
Vladimir perguntou: «Quando se concretizou isso? E concretizou-se
tudo? Ou só agora se cumpre isso?» O filósofo respondeu-lhe: «Tudo isso
cumpriu-se quando Deus encarnou. Como já disse, quando os Judeus
maltratavam os profetas e os seus reis transgrediam as leis, Deus entregou-
os à rapina e foram feitos prisioneiros na Assíria pelos seus pecados e
estiveram aí escravizados durante 70 anos. E depois regressaram à sua terra
e não tinham rei, e os bispos governaram sobre eles até chegar o forasteiro
Herodes, que começou a governar sobre eles.» «Durante o governo deste
último, no ano de 5500, Gabriel foi enviado a Nazaré à Virgem Maria, que
tinha nascido na geração de David, e disse-lhe: “Salvé, cheia de graça, o
Senhor está contigo!” E, destas palavras, ela concebeu no ventre a Palavra
de Deus, e gerou um filho e chamou-o Jesus. E os magos chegaram do
Oriente a Jerusalém dizendo: “Onde nasceu o rei dos Judeus? Vimos a sua
estrela no Oriente e viemos adorá-lo.” O rei Herodes, ao ter ouvido isso,
ficou perturbado, e toda a Jerusalém com ele, chamou os bibliófilos e os
anciãos e perguntou-lhes: “Onde nasceu Cristo?” Eles responderam: “Em
Belém de Judá.” Herodes, tendo ouvido isso, enviou homens ao deserto
instruindo: “Mata todos os meninos até aos dois anos.” Eles partiram e
mataram os meninos. Mas Maria, assustada, escondeu o menino. Depois,
José com Maria pegaram no menino e fugiram para o Egipto, onde
permaneceram até à morte de Herodes. No Egipto, um anjo apareceu a José
e disse: “Levanta-te, toma o menino e a sua mãe e vai à terra de Israel.” E
tendo regressado, instalou-se na terra de Nazaré. Quando Jesus cresceu e
tinha 30 anos começou a fazer milagres e a vaticinar o reino celeste. E
elegeu 12 e os chamou seus discípulos, e começou a fazer grandes milagres:
ressuscitar mortos, limpar os leprosos, curar os coxos, recuperar a vista aos
cegos, e outros milagres grandiosos que os profetas anteriores tinham
vaticinado sobre ele, dizendo: “Aquele curou as nossas enfermidades e
tomou para si as nossas doenças.” E foi baptizado no rio Jordão por João,
mostrando a renovação a novas pessoas. Quando se baptizou, os céus
abriram-se e o Espírito desceu em forma de pomba e a voz disse: “Esse é o
meu filho amado, em quem deposito a minha benevolência.” E enviava os
seus discípulos para anunciarem o reino celeste e o arrependimento para o
perdão dos seus pecados. E começou a cumprir a profecia e a anunciar
como deve sofrer o Filho do Homem, ser crucificado e ressuscitar ao
terceiro dia. Quando Ele ensinava na igreja, os bispos e os bibliófilos
enchiam-se de inveja e queriam matá-lo, e tendo-O prendido, conduziram-
No ao governador Pilatos. Pilatos, sabendo que O tinham conduzido a si
sem culpa quis deixá-lo partir. Eles dirigiram-se a si: “Se deixas este partir,
é porque não és amigo de César.” Então, Pilatos ordenou que O
crucificassem. Eles, tomando Jesus, conduziram-No ao cadafalso e lá O
crucificaram. Uma sombra estendeu-se por toda a terra, da hora sexta até à
nona, e na nona hora Jesus expirou. O véu da igreja rasgou-se em dois e
levantaram-se muitos mortos, aos quais ordenou entrar no paraíso.
Retiraram-No da cruz, colocaram-No no sepulcro, e os Judeus selaram a sua
sepultura e colocaram-lhe guarda, dizendo: “Não vão os discípulos
roubarem-no.” Ele ressuscitou ao terceiro dia. Tendo ressuscitado por entre
os mortos, apareceu aos discípulos e disse: “Ide a todas as terras e ensinai a
todos os povos, baptizando em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.”
Ele permaneceu com eles durante 40 dias, chegando a eles após a Sua
ressurreição. Após 40 dias, disse para irem ao Monte das Oliveiras e aqui
Apareceu-lhes e Abençoou-os, dizendo: “Fiquem na cidade de Jerusalém,
até Vos trazer a mensagem do meu pai.” E, tendo dito isso, ascendeu aos
céus. Eles adoraram-No. E regressaram a Jerusalém e ficaram sempre na
igreja. Passado 50 dias, o Espírito Santo desceu sobre os apóstolos. E
quando receberam a permissão do Espírito Santo, dispersaram-se pelo
mundo ensinando e baptizando com água.
Vladimir perguntou: «Porque nasceu de uma mulher, foi crucificado num
madeiro e baptizou-se com água?» O filósofo respondeu: «Cá está a
explicação. No princípio o género humano pecou através de uma mulher: o
diabo seduziu Adão com Eva, e ficou sem o paraíso, assim Deus vingou-se
também do diabo: através da mulher foi a primeira vitória do diabo, Adão
foi expulso do paraíso por causa da sua mulher;assim, Deus encarnou
através de uma mulher e ordenou aos fiéis que entrassem no paraíso. E foi
crucificado num madeiro porque Adão comeu da árvore e por causa dela foi
expulso do paraíso. Deus aceitou no madeiro os sofrimentos para que
através do madeiro o diabo fosse vencido e os justos se salvassem pela
árvore da vida. E a renovação com a água realizou-se porque em tempos de
Noé, quando se multiplicaram os pecados entre as gentes, Deus provocou o
dilúvio na terra e afogou as pessoas com água; por isso Deus disse também:
“Eu destruí as pessoas com a água, pelos seus pecados, assim limparei
também agora os pecados das pessoas com a água, a água da renovação”; já
que os Judeus se limparam também da perfídia moral egípcia no mar, já que
a água foi a primeira a ser criada, pois foi dito: O Espírito Divino voou
sobre as águas. Por isso, os cristãos continuam a batizar-se com água e
espírito. A primeira transfiguração foi também com água, quando Gedeão
deu o protótipo da seguinte forma: quando um anjo chegou, ordenando que
fosse contra os madianitas, ele, colocando-o à prova, dirigiu-se a Deus, e
tendo colocado um novelo de lã na eira disse: “Se houver orvalho por toda a
terra e a lã estiver seca, então…” E assim foi. Esse foi o protótipo de que
todos os outros países estavam antes, sem orvalho, e os Judeus eram o
novelo, depois caiu orvalho sobre todos os outros países, e que é o santo
batismo, e os Judeus ficaram sem orvalho. E os profetas vaticinaram que a
renovação seria feita através da água. Quando os apóstolos ensinaram pelo
mundo a crer em Deus, nós, os Gregos, aceitamos os seus ensinamentos. O
universo crê nos seus ensinamentos. Deus estabeleceu também o único dia
em que, descendo dos céus, julgará os vivos e os mortos, e dará a cada um
segundo os seus actos: aos justos o reino celestial, de uma beleza
inenarrável, alegria sem fim e a imortalidade eterna; aos pecadores, o
tormento ígneo, vermes que nunca dormem e suplício sem fim. Tais
sofrimentos serão para os que não crêem no nosso Deus Jesus Cristo: se
martirizarão no fogo aqueles que não se baptizarem.»
Tendo dito isso, o filósofo mostrou a Vladimir o véu no qual estava o
assento de julgamento do Senhor, ordenando para a direita os justos, com a
alegria de irem para o paraíso, e para a esquerda os pecadores, a
caminharem para o tormento. Vladimir, tendo suspirado, disse: «Bom para
aqueles que vão para a direita, desgraça daqueles que estão à esquerda.» O
filósofo disse: «Se queres ir para a direita, com os justos, então baptiza-te.»
Isso ficou gravado no coração de Vladimir e ele disse: «Esperarei um
pouco», desejando conhecer todos os credos. E Vladimir deu-lhe muitos
presentes e deixou-o partir com grandes honras.
Ano 6495 (987), Vladimir chamou os seus nobres e os anciãos das
cidades e disse-lhes: «Os Búlgaros vieram e disseram-me: “Aceita a nossa
lei.” Depois vieram os Alemães e gabaram a sua lei. Depois deles chegaram
os Judeus. E, de seguida, chegaram os Gregos, injuriando todas as leis e
elogiando a sua, e falaram muito, desde o princípio do mundo e do génesis
deste mundo. Eles falaram de forma sábia e é maravilhoso escutá-los, e
qualquer um terá gosto em ouvi-los. Eles também fazem relatos do outro
mundo: dizem, se alguém passar para a nossa fé, esse, após a morte, de
novo se levantará e não morrerá por toda a eternidade; se seguires outra lei,
arderás no fogo no outro mundo. O que aconselham? O que respondem?» E
os nobres e anciãos disseram: «Sabe, Príncipe, ninguém injuria o que é seu
e só elogia. Se queres conhecer tudo, tens homens na tua terra: envia-os, e
ficarás a saber como serve cada um e com serve a Deus.» E ao príncipe e a
todos agradou o seu discurso. Escolheram homens famosos e inteligentes
em número de dez e disseram-lhes: «Ide primeiro aos Búlgaros e
experimentai a sua fé.» Eles partiram, e chegando lá viram os seus
detestáveis actos e a adoração nas mesquitas e regressaram à sua terra. E
Vladimir disse: «Ide agora aos Alemães, vejam lá tudo e, a partir daí, ide à
terra grega.» Eles chegaram aos Alemães, viram o seu serviço eclesiástico e
depois chegaram a Bizâncio e apresentaram-se ao imperador. O Imperador
perguntou-lhes: «Porque vieram?» Eles contaram-lhe tudo. Tendo ouvido
isso, o imperador alegrou-se e nesse dia rendeu-lhes grandes honras. No dia
seguinte mandou um mensageiro ao patriarca, dizendo assim: «Os Russos
chegaram para conhecer a nossa fé. Prepara a igreja e o clero e tu mesmo
coloca as vestes sagradas para que eles vejam a glória do nosso Deus.»
Tendo ouvido isso, o patriarca ordenou o clero para que fizesse um serviço
festivo, seguindo o costume e organizando as canções e os coros. Ele foi
com os Russos à igreja e colocou-os no melhor lugar, tendo-lhes mostrado a
beleza da igreja, o canto e o serviço dos bispos, a proximidade dos diáconos
e tendo narrado sobre o serviço do seu Deus. Eles estavam maravilhados.
Admiraram-se e elogiaram o seu serviço. E os imperadores Basílio e
Constantino chamaram-nos e disseram: «Ide para a vossa terra.» E
deixaram-nos partir, com muitos presentes e honras. Eles regressaram à sua
terra. O príncipe chamou os seus nobres e anciãos, e Vladimir disse: «Os
homens que enviámos chegaram. Escutaremos tudo o que lhes aconteceu.»
E dirigiu-se aos recém-chegados: «Falem perante o séquito.» Eles disseram:
«Fomos à Bulgária. Vimos como rezam no templo, ou seja, na mesquita.
Estão em pé sem cinto. Tendo feito uma vénia, sentam-se e olham para um
lado e para outro, como loucos. E não têm alegria, só tristeza e grande
fedor. Não é boa a sua lei. E chegámos aos Alemães e vimos nos seus
templos um serviço diferente, mas não vimos beleza alguma. E logo
chegámos à terra dos Gregos e nos conduziram ao lugar onde servem a
Deus, e não sabíamos se estávamos no céu ou na terra, já que não existe na
terra espectáculo de tal beleza que nem sabemos bem como narrá-lo.
Apenas sabemos que aí estava Deus connosco e que o serviço era melhor do
que em qualquer outro país. Nós não podemos esquecer aquela beleza, já
que qualquer pessoa que goste de doce, não tomará depois o amargo.
Assim, também nós não podemos mais ficar aqui.» Os nobres disseram: «Se
a lei grega fosse má, a tua avó Olga não a teria aceitado, e ela era a mais
sábia entre as pessoas.» E Vladimir perguntou: «Onde aceitamos o
baptismo?» E eles disseram: «Onde te apetecer.»
E quando passou um ano, ano 6496 (988), Vladimir foi com o seu
exército até Querson, cidade grega, e os habitantes fecharam-se na cidade.
E Vladimir permaneceu do lado da cidade onde estava o cais, à distância de
voo de uma flecha ficou da cidade, e guerrearam firmemente do lado da
cidade. Vladimir cercou a cidade. As pessoas começaram a morrer na
cidade e Vladimir disse aos cidadãos: «Se não se renderem, ficarei aqui três
anos.» Eles não lhe obedeceram. Vladimir, tendo preparado um exército,
ordenou que elevassem terras junto das muralhas da cidade. Enquanto as
elevavam, os habitantes de Querson, escavando debaixo da muralha, da
cidade, roubavam a terra e levavam-na para a cidade e vertiam-na para o
meio dela. Os militares vertiam cada vez mais e Vladimir permanecia no
cerco. E aqui, um homem de Querson, de seu nome Atanásio, atirou uma
flecha, tendo escrito nela «Cava e corta a água, que vem dos poços pelas
tubagens atrás de ti desde o Oriente.» Vladimir, tendo ouvido isso, olhou
para o céu e disse: «Se isso se concretizar, eu me baptizarei!» E nesse
momento ordenou que cavassem as tubagens e cortou a água. As pessoas
começaram a morrer de sede e renderam-se. Vladimir entrou na cidade com
os seus homens e mandou que se dissesse aos imperadores Basílio e
Constantino o seguinte: «Tomei a vossa famosa cidade. Tendo ouvido que
tendes uma irmã donzela, se não ma derdes, farei o mesmo à vossa capital
que fiz a essa cidade.» E, tendo ouvido isso, os imperadores enviaram tal
notícia: «Não corresponde à tradição cristã entregar as suas mulheres aos
pagãos. Se te baptizares então a receberás, e aceitarás o reino celestial e
serás nosso correligionário. Se não fizeresisso, não te poderemos entregar a
nossa irmã.» Vladimir, tendo ouvido isso, disse aos enviados dos
imperadores: «Digam assim aos vossos imperadores: eu baptizo-me já que
experimentei a vossa lei e ela é-me querida, assim como a liturgia da qual
me falaram os homens por mim enviados.» E os imperadores mostraram-se
contentes ao ouvir isso, e convenceram a sua irmã, de nome Anna, e
mandaram um mensageiro a Vladimir: «Baptiza-te e então te enviaremos a
nossa irmã.» Vladimir respondeu: «Venham com a vossa irmã e baptizem-
me.» E os imperadores obedeceram e enviaram a sua irmã, os dignatários e
os presbíteros. Ela não queria ir, dizendo: «Vou como uma prisioneira, mais
valia morrer já aqui.» E os seus irmãos disseram-lhe: «É possível que
através de ti, Deus dirija a terra russa ao arrependimento e que sejas capaz
de livrar as terras gregas de uma horrível guerra. Por acaso viste quanto mal
fez aos Gregos a Rus? Se não fores agora, farão o mesmo novamente.» E
obrigaram-na a ir. Ela subiu ao barco, despediu-se dos que lhe eram
próximos chorando, e partiu através do mar. E chegou a Querson, e saiu a
população de Querson ao seu encontro com grande reverência, e
conduziram-na à cidade e instalaram-na num salão. Vladimir, que estava
doente dos olhos, naquela altura, por obra e providência divina, não via
nada, e lamentava-se fortemente e não sabia o que fazer. E a imperatriz
mandou dizer-lhe: «Se queres livrar-te dessa doença, então baptiza-te o
quanto antes; se não te baptizares, não poderás livrar-te da tua
enfermidade.» O bispo de Querson baptizou Vladimir com pompas
imperiais e, quando lhe colocou a mão, ele recuperou imediatamente a
vista. Vladimir, ao sentir a sua cura repentina, glorificou a Deus: «Agora
conheci o verdadeiro Deus.» Muitos dos que assistiam, ao verem isso,
baptizaram-se. Ele baptizou-se na igreja de São Basílio, e fica essa igreja no
meio da cidade, onde se reúne a população de Querson para o mercado; a
câmara de Vladimir fica no fundo da igreja até aos dias de hoje, e a câmara
da imperatriz fica atrás do altar. Após o baptismo levaram a Czarina e
celebraram o matrimónio. Os que não conhecem a verdade dizem que
Vladimir baptizou-se em Kiev. Outros dizem que foi em Vasilievo, e outros
contarão outra versão.
 
Obras da Literatura Russa Antiga M. 1978, pp. 99-127.
 
 
 
CAPÍTULO II
MOSCOVO – TERCEIRA ROMA
 
 
 
 
 
 
 
 
O processo da desintegração feudal da Rus de Kiev coincidiu com a
invasão e a subjugação dos seus territórios pelas hordas tártaro-mongóis,
que se estendeu entre 1237 e 1480. À medida que os príncipes de Moscovo
se iam libertando do jugo tártaro-mongol, afirmavam o seu poder em
territórios cada vez mais amplos. A Batalha de Kulikov (1380), onde as
tropas russas conseguiram uma grande vitória, é considerada o início do
processo de libertação e de centralização do Estado a que veio a chamar-se
Moscóvia. Estes processos são impulsionados fortemente por Ivan III, o
Grande (1440-1505), e o seu filho Vassili III (1505-1533). Porém, não
podemos também deixar de salientar a figura de Vassili II, o Cego (1420-
1440), pai de Ivan III. Quando, em 1439, é assinada a União de Florença,
que previa a integração da Igreja Ortodoxa na Católica Romana e a sua
submissão ao Papa, Isidoro, grego que ocupava a cadeira de Metropolita de
Moscovo, apoiou essa decisão, mas, quando chegou à Rússia, foi afastado
do cargo pelo grão-príncipe Vassili II e substituído por um metropolita
russo.
Em 1453, cai Bizâncio às mãos dos Turcos e os senhores de Moscovo
tentam chamar a si o centro da Ortodoxia universal. Em finais de 1472, Ivan
III tenta reforçar o seu poder interno e externo através do casamento com
Sofia (Zoia) Paleóloga, sobrinha do último imperador bizantino, passando a
intitular-se «Senhor e Grão-Príncipe de Toda a Rússia» e com pretensões a
ser aceite como «Czar» (César). É precisamente no reinado deste Czar
(1462-1505) que aparecem as primeiras bases ideológicas da doutrina
«Moscovo-Terceira Roma». Em 1492, Zossima, Metropolita de Moscovo,
chama a esta cidade a «nova Constantinopla» e a Ivan III o «novo Czar de
Constantinopla».
Vassili III não só continua a política de centralização do pai, como se
tenta afirmar dentro e fora do país, chamando a si novos títulos. Passou a
chamar-se «Czar e Senhor de Toda a Rus pela graça de Deus». Um tratado
assinado em 1514 com Maximiliano I, o Imperador do Sacro Império
Romano, chama-lhe «Imperador». Mas são as cartas do monge Filofei,
escritos que lançam a base ideológica da doutrina «Moscovo – Terceira
Roma», que atribuem à Rússia e aos seus czares o papel messiânico de
herdeiros dos imperadores romanos e bizantinos. Ele compara-o mesmo ao
imperador Constantino, o Grande: «Não violes, Czar, o testamento dos
antepassados: Constantino, o Grande, São Vladimir, Iaroslav, o Grande, por
Deus escolhidos, e outros santos da mesma raiz do que tu.»
 
 
 
 
Nome: Filofei de Pskov
 
Data e local de nascimento e de morte: 1465, Pskov, República
Independente de Pskov-1542, Pskov, Principado de Moscovo
 
Breve resenha biográfica: Monge no mosteiro de Elizarovo, em Pskov,
foi pensador, escritor e um dos fundadores da ideologia de Estado da
monarquia russa. Os dados biográficos acerca de Filofei são extremamente
escassos, tendo chegado aos dias hoje as cartas que escreveu ao príncipe
Vassili III e ao czar Ivan IV. O trabalho de Filofei é notável pelo facto de ter
reunido e sistematizando diversos pensamentos filosóficos, teológicos e
políticos disseminados na antiga Rus.
 
Contributo da sua obra para o pensamento geopolítico russo: A obra
mais relevante de Filofei é Moscovo – Terceira Roma, um tratado místico e
messiânico que reúne ensinamentos acerca da monarquia e Ortodoxia.
Paralelamente, é destacado o papel cimeiro de Moscovo e do Estado russo
no mundo cristão após a queda de Constantinopla, enquanto guardiã do
verdadeiro Cristianismo. Filofei analisa as razões de queda dos dois
primeiros impérios. Assim, a Primeira Roma caiu devido à
transgressão/pecado, a Segunda Roma (Constantinopla) tombou perante o
domínio muçulmano, Moscovo será a Terceira Roma e Quarta Roma não
existirá. No decurso da História, os reinos cristãos têm caído devido à sua
decadência moral e espiritual; assim, o futuro passa pela fusão num único
reino russo, sendo que o Czar da Rússia será o único monarca dos cristãos.
O Reino Russo será o último reino mundano, após o qual chegará o eterno
Reino de Cristo.
O povo russo aceitou a missão da Terceira Roma tendo por base não o
nacionalismo, mas a fé na Ortodoxia e a convicção da santidade da Rússia,
pois tudo o que acontece na vida das pessoas e dos povos deve-se
exclusivamente à vontade divina. É por acção de Deus que os czares
ascendem ao trono e obtêm a sua grandeza.
A obra deste monge está marcada por uma profunda crítica à Astrologia,
em voga na sua época para determinar o futuro dos povos, defendendo que
todos os acontecimentos se devem, exclusivamente, à providência divina.
No plano político, a obra de Filofei é, não raras vezes, interpretada como
sendo uma afirmação de independência e de soberania dos czares e de
Moscovo face à Roma papal.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Cartas do ancião Filofei
 
Carta sobre os dias e as horas más (finais de 1523-início de 1524)
Ao Grão-Duque e Senhor [Vassili III] e ao diácono senhor Mikhail
Grigorievitch, do teu pobre peregrino, o velho Filofei ora a Deus e diz.
Meu senhor, enviaste-me um documento onde está escrito que eu devo
interpretar as tuas palavras. Mas tu, meu senhor, sabes que eu sou um
homem do campo, estudei apenas as letras, mas não conheço os
subterfúgios pagãos, não li astrólogos, não conversei com filósofos sábios;
aprendo apenas com os livros da Lei Sagrada e, se for possível purificar a
minha alma dos pecados, peço isso a Deus Misericordioso, ao Senhor
Nosso Jesus Cristo, à Virgem Mãe de Deus e a todos os santos que
agradaram a Deus, para que me livre do castigo eterno. E sobre o que tu
escreveste a propósito da numeração dos anos, que nos livros do Génesis,nos escritos por Moisés, sobre os «Seis Dias», sobre a criação do mundo, o
cronógrafo, depois de excluir os primeiros cinco dias, começou com o
primeiro de Adão e até hoje; os católicos, porém, depois de excluírem todos
esses anos passados, começam a contar os anos a partir do nascimento de
Cristo; mas, não obstante, não há qualquer diferença entre essas contagens.
Porque o apóstolo diz: «O primeiro homem, da terra, é terreno; o segundo
homem, o Senhor, é do Céu.» E a seguir afirma: «O primeiro homem, Adão,
foi feito em alma vivente; o último Adão em espírito vivificante.»
E em que meditam os filósofos: há dois anos, o solar e o lunar; o solar
tem 365 dias, o lunar tem 354; daqui se conclui que o ano solar tem mais 11
dias, mas não se vê em que tempo ocorre o eclipse solar ou lunar. Quem se
dedica mais profundamente a isso e conta as partes das horas pelo «Seis
Asas», encontrará a que horas será o eclipse da Lua e do Sol; porém, nessa
obra, os esforços são grandes, mas os resultados são poucos.
E o que se escreveu sobre as estrelas em movimento, elas pressagiam o
dilúvio, quando chegarem ao fim todas as cidades, reinados e países do
Universo, juntamente com tudo o que há de vivo na Terra, porque a
Escritura Sagrada fala claramente disso: «O Espírito Santo renova qualquer
criatura», voltando ao anterior, pois ele é igual ao Pai e à Palavra, mas isso
não se deve às estrelas.
Os símbolos do Zodíaco são 12, os planetas são sete, não têm sentidos,
não estão vivos, trata-se apenas de fogo não material. No primeiro dia, ela
foi criada por Deus, quando Ele disse: «Faça-se luz», e a luz não é mais do
que fogo. E quando quis separar a luz da escuridão, ordenou a esse fogo que
desaparecesse, e fez-se escuridão. Assim Deus separou a luz da escuridão e
Ele chamou dia à luz e noite à escuridão, e por isso a noite não é mais do
que a ausência de luz. No segundo dia, Ele criou o Céu; no terceiro dia, a
Terra, os mares, as árvores, a erva, as sementes, e colocou metade da água
no Céu. E, por isso, quando desejou criar os astros, no quarto dia, do
mesmo fogo a que chamara luz, criou dois grandes astros: o astro maior
para iluminar o dia, ou seja o Sol, e o astro menor, para iluminar a noite, ou
seja, a Lua, bem como as estrelas, como um sábio ourives que dividiu parte
do ouro para vasos e parte para moedas. E nomeou 12 estrelas, a que
chamamos Zodíaco, que são os caminhos para o Sol e a Lua. E o Sol
movimenta-se numa parte do Zodíaco durante 13 dias e cinco horas, depois
passa para outra parte do Zodíaco e assim em 12 constelações do Zodíaco,
passando de uma para outra, forma um ano. A Lua, porém, forma-se em 15
dias, porque se ficasse cheia durante um dia, isso seria mau para os dois
astros e provocaria eclipses frequentes. A Lua atravessa cada um dos 12
signos do Zodíaco em 29 dias, meio-dia, meia-hora e um quinto da hora.
Mas no que respeita aos sete planetas e 12 estrelas do Zodíaco, às
restantes estrelas, horas más, nascimento do homem sob uma determinada
estrela, numa hora má ou boa, que define o destino, a riqueza ou a pobreza,
que origina as virtudes ou vícios, uma vida longa ou morte breve, tudo isso
são blasfémias e fábulas. Os primeiros a escreverem isso foram os Caldeus,
que, loucos, construíram uma torre e depois de chegarem ao cimo ficaram
encantados pelas estrelas. Mas Deus, vendo a sua loucura, a sua intenção,
dispersou-os, destruiu a obra e rejeitou os seus escritos. Os Gregos
herdaram deles esses escritos, deram os nomes de deuses a esses planetas e
às restantes estrelas, afastaram-se do Criador e adoravam o que tinham
criado; o Profeta David falou assim desses: «Diz o louco para consigo
mesmo: Deus não existe. Todos se têm corrompido e degenerado.» Depois
dos Gregos, os hereges pegaram e plantaram joio amargo entre o trigo da fé
cristã ortodoxa, seduzindo as pessoas pouco inteligentes que acreditam nos
dias e horas maus. E não se arrependem disso, considerando isso a verdade,
mas, no dia do Juízo Final, irão pagar e serão condenados com os hereges
porque transformaram a luz em escuridão e a verdade em falsidade. Se
Deus tivesse criado os dias e horas maus, para que é que Ele faz sofrer os
pecadores? Pois Deus seria culpado de ter criado o homem mau.
O homem bom sabe que o príncipe nasce do czar, e um nobre de um
nobre, e mesmo que não alcance por um pouco a glória e a honra paternal,
não será lavrador, e os czares não dão as mãos das filhas aos lavradores, e
eles não pegam nas filhas destes para os seus filhos, tudo isso é dirigido
pelo destino invisível de Deus omnipotente.
Quanto ao movimento das estrelas, do Sol e da Lua, que Vossa Alteza
saiba que não são esses astros que se movimentam, que são insensíveis,
mortos e não vêem nada (porque o fogo imaterial nada vê, nada sabe), mas
forças angélicas invisíveis. Testemunha disso foi o apóstolo Paulo, vaso por
Deus escolhido que, mesmo sem chegar ao terceiro céu, tendo estado no
meio desses astros, viu aí essas mesmas forças angélicas, como trabalham
sem descanso para o homem: umas transportam o Sol, outras a Lua, outras
as estrelas, umas enviam pelo ar ventos, nuvens, raios, outras levam água da
terra numa nuvem, e são anjos que dão de beber à terra para que produza
frutos, para a Primavera e o Verão, o Outono e o Inverno. Por isso, o Senhor
mostrou ao apóstolo o serviço permanente realizado pelos anjos em prol do
homem, para o ensinar a ir constantemente pregar em prol da salvação do
homem, sem preguiça; o apóstolo, vendo visões indescritíveis, escreve nas
suas cartas: «Não são todos eles espíritos encarregados de um ministério,
enviados ao serviço daqueles que hão-de herdar a salvação?». E diz
novamente que: «também ela será libertada da escravidão da corrupção,
para alcançar a liberdade na glória dos filhos de Deus». Compreendes, caro,
que as criaturas chamadas de anjos são uma criação de Deus, que a
libertação dos anjos é compreendida como o fim do seu serviço no último
dia?
No que respeita à destruição de reinos e países, isso não ocorre devido às
estrelas, mas é obra de Deus que tudo dá; o profeta Isaías disse sobre isso:
«Se fordes dóceis e obedientes, provareis os melhores frutos da terra; se
recusardes e vos revoltardes, provareis a espada. É a boca do Senhor que o
declara.» E os apóstolos perguntaram novamente: «Senhor, é porventura
agora que ides instaurar o reino de Israel?» Mas Jesus respondeu-lhes: «Não
vos pertence a vós saber os tempos nem os momentos que o Pai fixou em
seu poder.» Compreende, pois, por amor de Deus, a que estrela estão
ligados os reinos cristãos, actualmente espezinhados pelos infiéis, como diz
o profeta: «Quem então entregou Israel aos depredadores? (Não é o Senhor
contra quem pecamos?» Há 90 anos que o reino grego foi destruído e não se
recompôs; e isso aconteceu devido aos nossos pecados, porque eles traíram
a fé grega ortodoxa pelo Catolicismo. E não fiques espantado, eleito de
Deus, quando os católicos dizem: «o nosso reino romano é indestrutível e,
se a nossa fé não fosse a verdadeira, Deus não se preocuparia connosco».
Não devemos ceder às tentações deles, pois eles são realmente hereges, pelo
seu desejo de se afastarem da fé cristã ortodoxa, principalmente devido ao
serviço com pão ázimo. Estiveram unidos connosco 770 anos, afastaram-se
da fé verdadeira há 735 anos, caíram na heresia de Apolinário, foram
tentados pelo rei Carlos [Magno] e pelo papa Formoso. Falam do pão ázimo
supostamente devido à pureza e à ausência de paixões, mas mentem,
escondendo o diabo dentro de si. Apolinário, com a sua falsa doutrina,
ordenou realizar o serviço com pão ázimo, porque, segundo dizem, não
aceitou o fruto humano da Virgem Mãe, o Nosso Senhor Jesus Cristo, mas
com um fruto celestial pronto, precisamente um tubo, depois de atravessar o
ventre virgem, não tomou a forma humana, mas em vez da alma nele habita
o Espírito Santo; eis como seduzem as almas delicadas e instáveis.
Infelizmente, trata-se de uma sedução lastimável e um afastamento do Deus
vivo! Porque se o Salvador não tomou a essência humana, entãoo fruto do
pecador Adão e todas as pessoas dele nascidas não tomou a forma divina, e
se Deus não se tornou em alma humana, então, agora, as almas humanas
estão atormentadas nas profundezas do inferno.
Quem não tremerá, quem não chorará por tal sedução e pecado; no
orgulho da loucura sua seguiu a doutrina herética também a multidão de
judeus que matou Deus, que durante a crucificação de Cristo foram
cúmplices daqueles sobre os quais o evangelista escreve: «Depois,
trançaram uma coroa de espinhos, meteram-lha na cabeça e puseram-lhe na
mão uma vara. Dobrando os joelhos diante dele, diziam com escárnio:
“Salvé, rei dos Judeus!”» Tal como os soldados do procurador, eram servos
de Pilatos, mas como Pilatos era romano, da cidade de Ponta no Império
Romano, também hoje, durante a oração, os católicos não baixam a cabeça,
mas apenas dobram o joelho. Desses, David, tendo sido iluminado pelo
Espírito Santo, disse literalmente em nome de Cristo: «“não me abandoneis
ao riso dos insensatos». E, embora os muros, as torres e os edifícios de três
andares da grande Roma não tenham sido tomados, as suas almas foram
tomadas pelo diabo devido ao pão com ázimo. Embora os netos de Hagar
tenham conquistado o reino grego, não prejudicaram a fé e não obrigaram
os Gregos a renunciar a ela, mas o reino romano é indestrutível, porque
Deus entrou no território romano.
Eis o que diz o nosso mistério cristão sobre a Sagrada Eucaristia. Os
discípulos rodearam Jesus e perguntaram: «Onde queres que a [Páscoa]
preparemos?» Ele respondeu-lhes: «Ao entrardes na cidade, encontrareis
um homem carregando uma bilha de água; segui-o até à casa em que ele
entrar, e direis ao dono da casa: “O Mestre pergunta-te: Onde está a sala em
que comerei a Páscoa com os meus discípulos?”» O dono da casa era
Zebedeu, pai de João Evangelista, a quem Cristo ordenara preparar duas
Páscoas: uma, segundo a Lei de Moisés com pão ázimo, outra, secreta, para
a qual fazem pão com fermento. Por isso se chama última (secreta) ceia,
porque os Judeus entre as 11 e as 14 não têm pão com fermento em casa. E,
primeiro, eles celebraram a Páscoa legal, como era costume, pão ázimo e
cordeiro com mostarda, em pé, de cinto apertado e apoiados em varas, com
as cabeças cobertas. Depois disso, sentou-se, ensinou-os a evitar dar ordens,
depois falou da traição e, após isso, depois de verter água numa bacia,
começou a lavar os pés aos discípulos, dando-lhes o exemplo do santo
batismo. Depois, sentou-se de novo e ordenou colocar apenas pão e vinho,
começou a pronunciar palavras tristes, levantando o olhar divino para o céu:
«Pai, é chegada a hora. Glorifica teu Filho, para que teu Filho te glorifique;
e para que, pelo poder que lhe conferiste sobre todas as criaturas, ele dê a
vida eterna a todos aqueles que lhe entregaste. Ora, a vida eterna consiste
em que conheçam a ti, um só Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo que
enviaste. Eu te glorifiquei na terra. Terminei a obra que me deste para fazer.
Agora, Pai, glorifica-me junto de ti, concedendo-me a glória que tive junto
de ti, antes que o mundo fosse criado.» E disse novamente aos discípulos:
«Eu sou a videira; vós, os ramos. Quem permanecer em mim e eu nele, esse
dará muito fruto.» E depois de elevar novamente os olhos, disse: «Santifica-
os pela verdade. A Tua palavra é a verdade. Como Tu me enviaste ao
mundo, também eu os enviei ao mundo. Santifico-me por eles para que
também eles sejam santificados pela verdade. Não rogo somente por eles,
mas também por aqueles que por sua palavra hão-de crer em mim. Para que
todos sejam um, assim como tu, Pai, estás em mim e eu em ti, para que
também eles estejam em nós e o mundo creia que Tu me enviaste.»
Compreende aqui de forma ambígua: quando se reza por estes, depois de ter
aprendido os seus segredos sagrados, pede para ensinar bispos e sacerdotes
a fazerem entrar no sagrado banquete; onde há ordem na liturgia, até o
servo pode realizar a acção sagrada. E depois de tomar o pão nas suas mãos
sagradas e puras, levantou-o, mostrando a Deus Pai, agradecendo, partiu-o,
deu aos seus discípulos e apóstolos santos, dizendo: «Tomai, comei, isto é o
meu corpo.» Depois de comer, pegou no cálice de vinho e, depois de o
misturar com água quente, deu aos discípulos, dizendo: «Bebei dele todos;
Porque isto é o meu sangue, o sangue do novo testamento, que é derramado
por muitos, para remissão dos pecados.» E não só deu aos discípulos, mas
ele próprio comeu e bebeu com eles. Depois, disse novamente: «Desejei
muito comer convosco esta Páscoa, antes que padeça; Porque vos digo que
não a comerei mais até que ela se cumpra no reino de Deus.»
E, depois disso, «tendo cantado o hino, saíram para o Monte das
Oliveiras».
Vês agora, amante de Cristo, qual o mistério da consagração, a origem da
hóstia divina, pois o próprio Jesus os abençoou e ensinou a exercerem o
sacerdócio? Olha, meu caro, como bebeu o vinho, depois de misturar com
água, também na cruz, do seu corpo divino corriam duas fontes: sangue e
água. Compreende, por amor de Deus, que, em 30 anos da sua vida, todos
os anos, o Salvador comia a Páscoa do Antigo Testamento e nunca disse:
«Desejei muito comer convosco esta Páscoa», e só com esta nova e santa
ceia ele garantiu a nossa salvação.
Sendo assim, e depois de pôr fim o que foi dito, digamos algumas
palavras sobre o actual reinado glorioso do Nosso Senhor mais iluminado e
mais poderoso que, em toda a Terra, é o único czar dos cristãos e o
soberano de todos os tronos divinos, da Santa Igreja Apostólica Universal
que nasceu no lugar da de Roma e de Constantinopla e que existe na cidade
por Deus salva de Moscovo, a igreja da santa e gloriosa Assunção da
Virgem Mãe de Deus, que só ela no universo reluz com maior beleza do que
o Sol. Fica a saber, abençoado por Deus e por Cristo, que todos os reinos
cristãos chegaram ao fim e juntaram-se num único reino do Nosso Senhor,
segundo os livros dos profetas, o reino romano: porque duas Romas caíram,
a terceira está de pé e a quarta não virá.
Numerosas vezes também o apóstolo Paulo recorda Roma nas cartas, diz-
se nas profecias: «Roma é todo o mundo.» Porque na igreja cristã já se
realizou a palavra do bem-aventurado David: «Eis o meu descanso
eternamente, aqui irei viver tal como desejei eu.» Mas segundo o grande
teólogo: «E viu-se um grande sinal no céu: uma mulher vestida do Sol,
tendo a Lua debaixo dos seus pés.
E estava grávida, e com dores de parto, e gritava com ânsias de dar à luz.
E viu-se outro sinal no céu; e eis que era um grande dragão vermelho, que
tinha sete cabeças e dez chifres, e sobre as suas cabeças sete diademas.
E a sua cauda levou após si a terça parte das estrelas do céu, e lançou-as
sobre a terra; e o dragão parou diante da mulher que havia de dar à luz, para
que, dando ela à luz, lhe tragasse o filho. E foram dadas à mulher duas asas
de grande águia, para que voasse para o deserto... E a serpente lançou da
sua boca, atrás da mulher, água como um rio, para que pela corrente a
fizesse arrebatar.» A infidelidade é chamada a água; vês, eleito de Deus,
como todos os reinados cristãos foram afogados pelos infiéis e só o senhor
do nosso reino está sob a bênção de Cristo. Deve o reinante dirigi-lo com
todo o cuidado e olhando para Deus, sem depositar confiança no ouro e na
riqueza passageira, mas tendo esperança em tudo o que Deus dá. E como já
disse, as estrelas não ajudam em nada, nem mais, nem menos. Pois o
apóstolo supremo Pedro disse na carta: «Mas amados, não ignoreis uma
coisa, que um dia para o Senhor é como mil anos, e mil anos como um dia.
O Senhor não retarda a sua promessa, ainda que alguns a têm por tardia;
mas é magnânimo para connosco, não querendo que alguns se percam,
senão que todos venham a arrepender-se».
Vês, amado de Deus, que nas mãos dele está a respiração de todos os
seres, porque diz: «Ainda mais uma vez abalarei não só a terra, mas
também o som». E visto que os apóstolos ainda não estavam prontos, não
ordenou utilizar super-forças: o evangelista escreve no seu «Apocalipse»:
«Nos últimos tempos,

Outros materiais