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Ficha Técnica Título original: Antologia do Pensamento Geopolítico e Filosófico Russo (Século IX – Século XXI) Autor: João Domingues e José Milhazes Capa: Rui Rosa Fotografias do interior: Direitos reservados Organização e tradução: José Milhazes e João Domingues Revisão: Marta Jacinto Paginação: Paulo Sousa ISBN: 9789722063753 Publicações Dom Quixote uma editora do grupo Leya Rua Cidade de Córdova, n.º 2 2610-038 Alfragide – Portugal Tel. (+351) 21 427 22 00 Fax. (+351) 21 427 22 01 © 2017, José Milhazes, João Domingues e Publicações Dom Quixote Todos os direitos reservados de acordo com a legislação em vigor www.dquixote.leya.com www.leya.pt Este livro segue a grafia anterior ao novo Acordo Ortográfico de 1990 http://www.dquixote.leya.com/ http://www.leya.pt/ Os autores deste livro agradecem ao Sr. Alexandre Soares dos Santos, sem cujo o apoio esta obra não poderia ser publicada. Um agradecimento a Liina Milhazes pela constante colaboração na preparação deste livro. PREFÁCIO A questão russa permanece actual. Várias décadas volvidas sobre o proclamado fim da Guerra Fria, não se vislumbra uma relação estável entre a Rússia e o Ocidente. Contrariamente ao que se passou com o Japão e a Alemanha, no final da II Guerra Mundial, o anunciado termo da Guerra Fria não se traduziu num apaziguamento entre vencedores e vencidos, nem na constituição de um modelo de relacionamento susceptível de gerar confiança mútua. Muitos dos elementos componentes e dos aliados da União Soviética seguiram ou estão a seguir o seu caminho no sentido de uma institucionalização política, de uma reforma económica e de uma nova inserção no sistema internacional. Porém, a Rússia, seu núcleo central, apesar dos impulsos que, em certos momentos, pareceu dar a essa mudança, acabou por auto-isolar-se na sociedade internacional, por bloquear as reformas que todos aguardavam, por não fazer crescer a sua economia e por repor os mecanismos do confronto militar com parte significativa dos seus vizinhos, hipotecando o seu futuro a esse caminho sem horizonte. Pode argumentar-se que faltou ao Ocidente o golpe de asa para conduzir estrategicamente esse objectivo de cooptar a Rússia. A NATO e a União Europeia acabaram paralisadas pela hesitação dos seus parceiros mais significativos e os Estados Unidos, salvo em curtos momentos, não impulsionaram uma verdadeira parceria estratégica com a Rússia, trazendo- a para o sistema internacional, pelo contrário acabaram por deixá-la entregue à reconstituição de velhas fórmulas apenas ajustadas a uma diferente conjuntura e a uma menor capacidade para gerar poder no plano externo. A compreensão da Rússia é algo que motiva alguns dos espíritos mais exigentes quanto à percepção da situação mundial. Porém, as vicissitudes vividas pelo país desde Outubro de 1917, bem como as que se seguiram ao final da Guerra Fria, têm feito antepor um quadro de análise preferencialmente político àquilo que merecia ser abordado numa perspectiva mais diversificada e serena. Em muitos casos, a politização do conhecimento acabou por ser inibidora do próprio estudo, não apenas da Rússia, mas da realidade do mundo eslavo em que a mesma se funda. No caso português, a incipiência desse tipo de pesquisa está bem à vista de todos. Pense-se o que se pensar sobre a forma como ruiu o Pacto de Varsóvia e, em seguida, a União Soviética, bem como sobre o rumo que tomou a Rússia na era pós-comunista, em especial nos dias de hoje, nada de rigoroso poderá ser dito que não tenha por fundamento uma exaustiva fundamentação geográfica e histórica. Ou seja, entender a Rússia de hoje não é possível sem compreender a Rússia de sempre. Muitos privilegiarão, nas origens do Estado russo, a deriva da expansão eslava para Leste, a partir do seu berço no Dniepre, a Rússia de Kiev, Novgorod e a Moscóvia, o enfrentamento defensivo e ofensivo com invasores e rivais, e as progressões em todos os azimutes a que a força espiritual de conversão ao cristianismo, e à sua versão ortodoxa, vem potenciar ao sentido da formação de um vasto império de contiguidade continental sob a liderança dos czares. A Norte, a Ocidente, a Sul e a Leste, diversos e muitos são os inimigos e raros os aliados. É uma das mais gigantescas tarefas geopolíticas de toda a humanidade, no sentido da ocupação e controlo de um imenso espaço, conduzida com valores próprios e assegurada por um articulado poder de delimitação de fronteiras até onde pode chegar a sua influência no confronto com outros modelos imperiais. O que é a perspectiva dos que se enfrentaram com a Rússia no seu projecto de progressivo controlo territorial está abundantemente testemunhado. O que é a súmula das posições russas sobre o seu próprio percurso encontra também abundantes elementos de prova, sejam eles de natureza militar, diplomática ou histórica. Alargar essa perspectiva às dimensões culturais, literárias e religiosas, numa antologia de síntese sobre o espírito e a ambição russas é o propósito desta colectânea crítica, e bem ilustrada, a que se abalançaram José Milhazes e João Domingues. Os traços de continuidade de pensamento entre o período anterior a 1917, a época soviética e a etapa posterior à queda do comunismo demonstram como, por vezes, as grandes distanciações doutrinais, por motivos ideológicos, não escondem a força e o peso dos arquétipos comuns, enraizados nas mesmas fontes, mas com outras semânticas. Prevaleceram e prevalecem na Rússia factores que favorecem a perspectiva autoritária, nacionalista e ortodoxa sobre a visão liberal democrata da Europa Ocidental e dos Estados Unidos da América, estruturando tendências para a formação de um isolacionismo de grande espaço com acentuada coerência geopolítica. Lidar com a Rússia no desconhecimento dessa realidade profunda é aventurar-se num terreno de enorme incerteza. Esta antologia, necessária em língua portuguesa, tem o mérito de nos ensinar a ver a Rússia com mais nitidez, quer quanto aos seus objectivos, mesmo quando reduzidos a uma dimensão mais confrontacional, com as vizinhanças difíceis, quer quanto ao seu espírito de fundo, esse sim no terreno insondável de grandeza que é o da alma russa, pese embora a nebulosa dos seus períodos de obscuridade, incerteza e, até, confusão. Como leitor, estou profundamente agradecido. Jaime Gama 23 de Agosto de 2017 INTRODUÇÃO A Antologia do Pensamento Geopolítico e Filosófico Russo foi pensada para dar ao leitor uma imagem multifacetada das teorias e das práticas que orientaram o Império Russo, a URSS e a Federação da Rússia nas várias fases do seu desenvolvimento, bem como para ajudar a compreender mais profundamente o que levou e leva os dirigentes do maior país do mundo a agirem de uma ou de outra forma, tanto no interior do país como no campo da política externa, por via da sua interacção com os povos e culturas vizinhos. Não obstante a Rússia ter vivido longos períodos – mais precisamente a maior parte da sua existência – em regimes de pensamento único, isso não impedia a discussão dos seus destinos, aberta ou clandestinamente, no interior do país ou no estrangeiro, sobre as vias do desenvolvimento político, económico, social, ideológico, etc. Estamos conscientes de que se trata de uma tarefa impossível tentar reunir num só livro textos de pensadores russos que espelhem de forma completa e cabal as suas reflexões sobre problemas fulcrais do passado e do presente do seu país, acerca da relação da Rússia com o mundo, sobre a correlação entre o desejo de assimilar os valores espirituais e culturais universais e a vontade natural de manter a sua identidade nacional e histórica. Afinal, estamos perante um país com quase mil anos de uma história muito intensa. Porém, fizemos uma selecção com vista a desenhar um quadro variado e multicolor desse pensamento não só porque ele, directa ou indirectamente, está presente na vida intelectual e política internacional mas também, e principalmente,porque este problema merece particular atenção em períodos de crise, de viragem na vida da sociedade russa, quando surge a necessidade de proceder a transformações radicais das estruturas económicas, sociais, políticas e ideológicas, quando se coloca a questão da via de desenvolvimento do país. E a Rússia encontra-se hoje num desses períodos fulcrais de procura do seu lugar no mundo. Isto é tanto mais importante quanto se atravessa um momento no qual todo o mundo se encontra numa fase de transição e a Rússia, em concreto, pretende desempenhar um papel fulcral nas transformações de âmbito internacional. Tendo em conta as dimensões do próprio país e a sua situação geográfica entre a Europa e a Ásia, os dirigentes russos há muito que tentam reivindicar para si o estatuto de um dos pólos do desenvolvimento mundial, tendo-o conseguido entre o fim da Segunda Guerra Mundial (1945) e o termo da União Soviética. Presentemente, defendendo um mundo multipolar, pretendem que o seu país seja um dos novos pólos de atracção, um dos jogadores decisivos no complexo xadrez internacional. Para alcançar esse objectivo, os actuais governantes russos procuram respostas a muitas perguntas olhando para o passado. Esse singular facto, por si só, dá particular relevância, se quisermos compreender a sua maneira de pensar, ao estudo das várias escolas filosóficas e geopolíticas da Rússia. Este estudo, no entanto, enfrentou alguns obstáculos, sendo de sublinhar o modo como se formaram as camadas sociais, cujos representantes estiveram envolvidos na discussão dos citados problemas, a excessiva concentração polémica das diferentes visões, as particularidades da forma de pensamento dos participantes na disputa, a influência de concepções oficiais impostas a partir de cima, etc. Tudo isso levou à formação de estereótipos bastante inflexíveis de pensamento, cujos traços mais característicos são a tendência para a simplificação do problema e para tentativas de resolvê-lo no quadro de um esquema previamente estabelecido, construído em disposições apriorísticas. Nuns casos, trata-se da tese da unidade do czar e do povo como principal particularidade da história russa (presentemente isto manifesta-se na máxima «A Rússia é Putin»); noutros casos, de concepções predefinidas de progresso e da reacção a ele e, noutros ainda, trata-se da avaliação das relações entre a Rússia, por um lado, e a Europa e a Ásia, por outro, que advém da teoria da luta de classes, da tomada em conta das perspectivas da revolução mundial. É de salientar que a discussão destes problemas não se ficou, nem fica, pelos gabinetes universitários, pelos salões de eslavófilos e ocidentalistas, pelos paços dos mosteiros, mas continua no centro das atenções da opinião pública, reflectindo-se nas disputas sobre a política interna e externa da Rússia, dependendo a intensidade da discussão do período que o país atravessa. Aqui é necessário assinalar uma particularidade importante. Ao contrário da China e do Japão medievais, a Rússia nunca se isolou face aos seus vizinhos e ao mundo externo em geral, mantendo contactos mais ou menos intensos com a Europa e com a Ásia, dependendo do estado das relações com os Estados de um ou de outro continente. Em geral, é necessário constatar que as relações com a Europa sempre foram mais intensas, salvo, talvez, durante o período de ocupação tártaro- mongol, mas conflituosas na maior parte do tempo. Se o confronto com o Oriente era cada vez menor à medida que desapareciam os antigos adversários, este mantém-se até hoje com maior ou menor intensidade com o Ocidente, atingindo níveis perigosos. Claro que a existência de um Estado gigante como é o russo, com pretensões a desempenhar um papel por vezes superior ao seu poderio económico nos assuntos europeus, causa preocupação nos países do continente europeu. Mas alguns analistas russos consideram que isso se deve a preconceitos provocados pela ignorância, a ideias deformadas sobre os objectivos da política externa do Estado russo sobre o carácter, o mundo espiritual e o nível cultural dos povos que o povoam. Todavia, a política externa dos dirigentes russos parece confirmar esses receios, nomeadamente no antigo espaço soviético. Por isso, não se pode afirmar que foram encontradas todas as respostas que surgem na discussão sobre o lugar da Rússia entre o Ocidente e o Oriente. A humanidade não se tornou mais humana e segura. As velhas contradições foram substituídas por novas e o futuro é incerto. Por fim, cabe realçar a diversidade técnica com a qual foi necessário trabalhar. Abarcámos estilos de escrita tão diversos como aqueles que eram regra no primeiro século do ano 1000 d. C. e os que actualmente são vigentes. Sempre que possível procurou-se a fonte mais fidedigna dos autores, traduzindo directamente da língua russa e francesa. Pese o «pensamento de época», procurou-se, sem deturpar as ideias dos autores, conferir um corpo lógico e fluido aos pensamentos manifestados, de modo a não comprometer a linha do tempo nem as inevitáveis mutações nas diversas linhas de pensamento. Esta publicação, não sendo exaustiva nem pretendendo sê-lo, visa ajudar a compreender o pensamento russo tanto no passado como no presente, bem como os motivos, sejam eles de ordem política, cultural, étnica ou religiosa, que levam os actuais dirigentes russos a tomarem umas ou outras decisões estratégicas. Naturalmente, e perante um tão longo período de tempo e um largo leque de pensadores, alguns dos leitores poderão não estar de acordo com a nossa selecção, considerando que deveríamos ter escolhido outros pensadores ou outros textos. Estarão, ipso facto, no seu direito. José Milhazes João Domingues CAPÍTULO I A ORIGEM DO PENSAMENTO RUSSO O aparecimento de fontes escritas que nos permitem estudar o início do pensamento russo está ligado à conversão da Rus de Kiev ao Cristianismo, em 988. Isto não significa, porém, que os povos que antes habitavam o Extremo Leste da Europa vivessem na escuridão cultural total. O facto é que as primeiras fontes escritas que chegaram até nós datam precisamente do período em que os príncipes de Kiev optaram pela religião oficial do Império Bizantino: o Cristianismo Ortodoxo. Entre essas primeiras obras está A Crónica dos Anos Passados, atribuída a Nestor, monge do Mosteiro de Petcherski, em Kiev. A cópia mais antiga é datada do início do século XII, mas, segundo os especialistas, estes anais podem ser uma colectânea que reúne textos escritos anteriormente. O autor desta obra pretende responder a várias perguntas colocadas no início: «Qual a origem da terra russa, quem foi o primeiro a reinar em Kiev e como nasceu a terra russa?» Nestor, tal como os cronistas medievais do mundo cristão, encontra as raízes dos Eslavos na Bíblia, mais precisamente em Jafé, um dos três filhos de Noé, mas concentra a sua principal atenção na escolha da religião por parte do príncipe Vladimir (980-1015), nas razões que o levaram a optar pelo Cristianismo de Bizâncio. O seu baptismo abriu a porta à união da dinastia dos Rurique com a casa imperial bizantina através do casamento de Vladimir com a princesa Ana, irmã de Vassili II, imperador de Bizâncio. Nome: Nestor, o Cronista Data e local de nascimento e de morte: 1056, Kiev, Principado de Kiev- 1114, Kiev, Principado de Kiev. Breve resenha biográfica: Monge no Mosteiro de Kiev-Petchersk, é considerado um dos primeiros cronistas russos e foi canonizado pela Igreja Ortodoxa. Os seus dados biográficos são extremamente escassos. Ter-se-á dedicado à vida monástica aos 17 anos e quando chegou ao mosteiro já seria homem de alguma erudição. Foi um dos primeiros pensadores a desenvolver a ideia da providência cristã, bem como o princípio da feroz oposição do princípio espiritual e material e um acérrimo defensor do ascetismo e da não-ganância na vida monástica. Contributo da sua obra para o pensamento geopolítico russo: A obra mais relevante de Nestor, escrita entre 1112 e 1113,é A Crónica dos Anos Passados, que tem por objectivo explicar o «nascimento» da Rússia, integrando-a na história mundial e na história da salvação da humanidade. Segundo Nestor, a história da Rússia, que é apresentada através do prisma religioso, é uma luta entre o bem e o mal, do bem eterno da alma humana contra a tentação demoníaca das forças do mal. Para elaborar as crónicas, Nestor recorre a inúmeras fontes históricas, nomeadamente crónicas anteriores, lendas, registos do mosteiro, crónicas bizantinas, colectâneas de História, relatos de mercadores, guerreiros e viajantes. O mérito de Nestor reside no facto de ter compilado, processado e escrito um documento que reúne os mais importantes momentos dos primórdios da história russa, destacando-se acontecimentos como o Baptismo da Rus, a criação do alfabeto cirílico por São Cirilo e São Metódio, os primeiros metropolitas da Igreja Ortodoxa, bem como a fundação do Mosteiro de Kiev-Petchersk e os seus primeiros habitantes. Contudo, A Crónica dos Anos Passados não é exclusivamente história religiosa ou civil, mas sim a história do povo russo, da nação, uma reflexão acerca da consciência russa, sobre a percepção do mundo pelos Russos, acerca do destino e da compreensão do mundo dos homens daqueles tempos. Não se trata, assim, apenas de uma enumeração de acontecimentos marcantes ou da descrição do quotidiano, mas sim de reflexões sobre o lugar de um jovem povo russo no mundo, levantando questões como: De onde vimos? O que nos torna belos? O que nos distingue de outros povos? É a estas questões que Nestor tenta dar resposta na sua obra. A Crónica dos Anos Passados Ano de 6494 (985). E os Búlgaros de fé muçulmana chegaram e disseram: «Tu, Príncipe, és sábio e sensato, mas não conheces a lei. Crê na nossa lei e curva-te perante Maomé.» E Vladimir perguntou: «Qual é a vossa fé?» Eles responderam: «Cremos em Deus e Maomé assim nos ensina: fazer a circuncisão, não comer porco, não beber vinho, mas depois da morte pode fornicar-se as mulheres. Maomé dará a cada um 70 belas esposas e escolherá uma entre elas, a mais bela, e colocará nela a beleza de todas; e essa será a sua esposa. Aqui deverá entregar-se a toda a fornicação. Quem for desgraçado neste mundo também o será noutro», e disseram outras mentiras que até dá vergonha escrevê-las. Vladimir escutou-os, já que ele próprio gostava de mulheres e de todo o tipo de fornicação. Por isso, escutou-os com gosto. Mas cá está o que lhe desagradou: a circuncisão e a abstinência face à carne de porco, e sobre a bebida, pelo contrário, foi o que disse: «Na Rus existe a alegria de beber e não podemos existir sem isso.» Os estrangeiros de Roma chegaram depois e disseram: «Chegamos enviados pelo Papa», e dirigiram-se a Vladimir: «O Papa diz-te assim: “A tua terra é como a nossa, mas a vossa fé não se parece com o nosso credo, pois a nossa fé é a luz. Nós imploramos a Deus, que criou o céu e a terra, as estrelas e a Lua, e a tudo que respira. Mas os vossos deuses são simplesmente madeira”.» Vladimir questionou-os: «Em que consiste o vosso mandamento?» E eles responderam: «Mensagem pela força: “se alguém bebe ou come, tudo é por glória de Deus”, como disse o nosso mestre Paulo.» E disse Vladimir aos estrangeiros: «Voltem para o sítio de onde vieram, pois os nossos pais não aprovariam isso.» Tendo ouvido isso, vieram os judeus de Khazar e disseram: «Ouvimos dizer que os Búlgaros e os cristãos tentaram, cada um, ensinar-te a sua fé. Os cristãos crêem naquele que nós crucificámos e nós acreditamos no Deus único de Abraão, Isaac e Jacob.» E Vladimir perguntou: «Que lei é a vossa?» Eles responderam: «Circuncisão, não comer carne de porco nem de coelho e cumprir o sábado.» E ele perguntou: «Onde é a vossa terra?» Eles responderam: «Em Jerusalém.» E ele perguntou: «É exactamente aí?» E eles responderam: «Zangou-se Deus com os nossos pais e disseminou-nos por diferentes países devido aos nossos pecados e deu a nossa terra aos cristãos.» Perante isso, disse Vladimir: «Como podeis ensinar a outros, se vós próprios fostes renegados por Deus e disseminados? Se Deus vos amasse a vós e à vossa lei, não teriam sido disseminados por terras alheias. Ou também nos desejam isso?» Depois, os Gregos enviaram um filósofo a Vladimir que dizia assim: «Ouvimos dizer que os Búlgaros chegaram e incitaram-te a aceitar a sua fé. A sua fé profana, o céu e a terra, e eles são malditos acima de todas as pessoas, assemelham-se aos habitantes de Sodoma e Gomorra, sobre quem Deus atirou uma pedra ardente e os afogou. Também a eles os aguarda o dia da sua ruína, quando vier Deus e julgar todos os povos e destruir todos os que cometerem ilegalidades e os que fazem mal. Ao se lavarem vertem a mesma água para a boca, com ela esfregam a barba e pensam em Maomé. Também as suas mulheres fazem a mesma imundice, mas ainda maior…» Tendo ouvido isso, Vladimir cuspiu para a terra e disse: «Esse assunto é impuro.» O filósofo disse: «Ouvimos também que vieram até vós desde Roma e ensinaram a sua fé. A sua fé distingue-se um pouco da nossa: servem com o pão ázimo, ou seja, com a hóstia, não como Deus mandou. Ele ensinou os apóstolos, havendo tomado o pão, o seguinte: “Este é o meu corpo partido para vós…”. Da mesma forma, tomou o cálice e disse: “Este é o meu sangue do Novo Testamento. Os que não fazem isso não crêem correctamente”.» Pois disse Vladimir: «Os Judeus vieram a mim e disseram que os Alemães e os Gregos crêem naquele que eles crucificaram.» O filósofo respondeu: «Em verdade cremos naquele…, os seus profetas predisseram que nasceria Deus e outros que será crucificado e sepultado, mas ao terceiro dia ressuscitará e ascenderá aos céus. A uns profetas espancavam e a outros matavam. Quando se cumpriram as suas profecias, quando Ele desceu à terra, Ele foi crucificado e acabou por ressuscitar e ascendeu aos céus. Deus esperou pelo seu arrependimento durante 46 anos, mas não se arrependeram, e enviou contra eles os Romanos; e destruíram as suas cidades e eles próprios dispersaram-se por outras terras, onde também vivem em escravidão.» Vladimir perguntou: «Porque desceu Deus à terra e aceitou tal sofrimento?» O filósofo respondeu: «Se quiseres ouvir, contar- te-ei, por ordem e desde o início, porque desceu Deus à terra.» Vladimir disse: «Gostaria de ouvir.» E o filósofo começou a dizer assim: «No princípio, no primeiro dia, Deus criou o céu e a terra. Ao segundo dia, criou a terra entre as águas. No mesmo dia, dividiram-se as águas, sendo que metade ficou na terra e outra desceu para debaixo da terra. Ao terceiro dia, criou o mar, os rios, as nascentes e as sementes. Ao quarto, o Sol, a Lua e as estrelas, e Deus adornou o céu. O primeiro anjo, o ancião da hierarquia angelical, viu tudo isso e pensou: “Descerei à terra e me apoderarei dela, e serei semelhante a Deus, e colocarei o meu trono nas nuvens do norte.” E no mesmo instante foi expulso dos céus e atrás dele caíram todos os que seguiam as suas ordens, o décimo nível da hierarquia angelical. O inimigo tinha nome, Satã, e Deus colocou o ancião Miguel no seu lugar. Satanás, ao ter-se enganado na sua intenção e tendo perdido a glória da sua primazia, denominou-se inimigo de Deus. Depois, ao quinto dia, Deus criou as baleias, os peixes, os répteis e os pássaros. Ao sexto dia, Deus criou o gado bovino e ovino, os répteis terrestres e criou também o homem. Ao sétimo dia, ou seja, no sábado, Deus descansou da sua obra. E Deus colocou o paraíso no Oriente, no Éden, e introduziu nele o homem que criou e ao qual mandou comer frutos de todas as árvores e não comer os de uma árvore, a do conhecimento do bem e do mal. E Adão estava no paraíso, viu a Deus e glorificou-o quando os anjos o glorificaram. E deu sono a Adão, e Adão dormiu. E Deus tirou uma costela de Adão e criou-lhe uma esposa, e introduziu-a no paraíso onde estava Adão, e Adão disse: “Está aqui o osso do meu osso e a carne da minha carne. Ela se chamará mulher.” E Adão deu o nome ao gado e aos pássaros, às feras e aosrépteis, e, inclusivamente, deu o nome aos próprios anjos. E Deus submeteu a Adão as feras e o gado, e possuía-os a todos e todos o escutavam. O Diabo, ao ver como Deus honra o homem, começou a invejá-lo, transformou-se em serpente, chegou-se junto de Eva e disse-lhe: “Porque não comes da árvore que está no meio do paraíso?” E a mulher disse à serpente: “Deus disse: Não comais, se comerdes morrereis de morte.” E a serpente disse à mulher: “Não morrerão de morte, pois Deus sabe que no dia em que comerem desta árvore os vossos olhos se abrirão e serão como Deus, tendo conhecido o bem e o mal.” E a mulher viu que a árvore era comestível, retirou um fruto e comeu um fruto e o deu ao seu marido, e comeram ambos, e abriram-se os seus olhos e compreenderam que estavam nus e costuraram roupas de folhas. E Deus disse: “Maldita seja a terra pelas tuas acções e terás tristezas todos os dias da tua vida.” E Deus, o Senhor, disse: “Quando esfregarem as mãos e comerem da árvore da vida, viverão eternamente.” E Senhor Deus expulsou Adão do paraíso. E ele instalou-se frente ao paraíso, a chorar e a trabalhar a terra, e Satanás alegrou-se com a maldição da terra. Essa é a nossa primeira queda e o preço amargo que pagámos, a queda da vida angelical. Adão gerou Caim e Abel. Caim era lavrador e Abel era pastor. E Caim trazia os frutos da terra em sacrifício a Deus e Deus não aceitou as suas dádivas. Abel trouxe um cordeiro primogénito e Deus aceitou as dádivas de Abel. Satanás entrou em Caim e começou a incitá-lo a matar Abel. E Caim disse a Abel: “Vamos ao campo.” E Abel obedeceu-lhe, e quando saíram Caim lançou-se contra Abel e quis matá-lo, mas não sabia como fazê-lo. E Satanás disse-lhe: “Toma uma pedra e golpeia-o.” Ele agarrou numa pedra e matou Abel. E Deus disse a Caim: “Onde está o teu irmão?” Ele respondeu: “Por acaso sou o guardião do meu irmão?” E Deus disse: “O sangue do teu irmão clama por mim, irás gemer e tremer até ao final da tua vida.” Adão e Eva choraram e o Diabo alegrou-se, dizendo: “A quem Deus honrou, obriguei eu a separar-se de Deus e agora atraí para ele a desgraça.” E choraram por Abel durante 30 anos, e não se reduziu a pó o seu corpo, e não souberam sepultá-lo. E por ordem de Deus vieram a voar dois pássaros. Um deles morreu. Outro cavou um buraco e colocou o morto nele e o sepultou. Tendo visto isso, Adão e Eva cavaram um buraco, nele puseram Abel e sepultaram-no, chorando. Quando Adão tinha 230 anos gerou Set e duas filhas, a uma tomou-a Caim e a outra Set e a partir daí começaram as pessoas a procriar e a multiplicar-se pela terra. E não conheceram a quem os criou, fornicaram e cometeram todo o tipo de impurezas, e assassinatos, e inveja, e viviam as pessoas como gado. Somente um, Noé, foi justo no seio da raça humana. E ele gerou três filhos: Sem, Cam e Jafet. E Deus disse: “Não permanecerá o meu espírito entre as gentes”; e mais: “Destruirei o que criei, do ser humano ao gado.” E o Senhor disse a Noé: “Constrói uma arca com o comprimento de 300 cúbitos, uma largura de 80 e uma altura de 30.” Os Egípcios chamam os cúbitos de sazhen. Noé construiu a sua arca durante cem anos, e quando Noé informou as pessoas de que haveria um dilúvio, riram-se dele. Quando acabou a arca, o Senhor disse a Noé: “Entra nela tu, a tua mulher, os teus filhos, as tuas noras, e mete nela um casal de todas as feras, e de todos os pássaros, e de todos os répteis.” E Noé meteu quem Deus mandou. E Deus enviou o dilúvio à terra, afogou-se tudo que era vivo, e a arca navegava na água. Quando a água baixou, Noé, os seus filhos e a sua mulher saíram. Por eles se povoou a terra. E houve muita gente, e falavam numa língua e diziam uns aos outros: “Vamos construir uma torre até ao céu.” Começaram a construir e Nemrod era o seu ancião. E Deus disse: “Multiplicaram-se as pessoas e os seus projetos são presunçosos.”. E Deus desceu e dividiu a sua fala em 72 línguas. Só a língua de Adão não foi tirada a Heber; só ele ficou afastado do seu louco intento e disse assim: “Se Deus tivesse ordenado às pessoas construir uma torre até ao céu, então o próprio Deus o teria ordenado através da sua palavra, da mesma forma que Ele criou o céu, a terra, e tudo que é visível e invisível.” Por isso não se alterou a sua língua; os Hebreus descenderam dele. Foi assim que as pessoas se dividiram em 71 línguas e se dispersaram por todos os países, e cada país adoptou a sua moral. Seguindo os ensinamentos do diabo, fizeram sacrifícios a bosques, aos prados e rios e não conheciam Deus. Desde Adão ao dilúvio passaram 2242 anos, e desde o dilúvio à divisão das gentes passaram 529 anos. Depois, o diabo levou as pessoas a um desvio maior e começaram a construir ídolos: uns de madeira, outros de cobre, os terceiros de mármore, e alguns de ouro e prata. Imploravam-lhes e levavam-lhes os seus filhos e as suas filhas, e os sacrificavam perante eles e foi profanada toda a terra. Sarug foi o primeiro que começou a fazer ídolos, ele criou-os em homenagem aos mortos: a alguns antigos reis, ou a pessoas valentes e magos e às mulheres adúlteras. Sarug gerou Teraj. Teraj gerou três filhos: Abraão, Najor e Harán. Teraj fazia ídolos, tendo aprendido isso com o seu pai. Abraão, ao se aperceber da verdade, olhou para o céu e viu as estrelas e o céu e disse: “É verdadeiro esse Deus que criou o céu e a terra, mas o meu pai engana as pessoas.” E Abraão disse: “Vou pôr à prova os deuses do meu pai.” E dirigiu-se ao seu pai: “Pai! Porque enganas as pessoas fazendo deuses de madeira? Este é o Deus que criou o céu e a terra.” Abraão, agarrando no fogo, queimou os ídolos do templo. Harán, irmão de Abraão, vendo isso, e venerando os ídolos, quis retirá-los, mas ardeu ele nesse mesmo instante e morreu antes do seu pai. Antes disso, um filho não morria antes do pai, mas sim o pai antes do filho. E desde então os filhos começaram a morrer antes dos pais. Deus amava Abraão e disse-lhe: “Sai da casa do teu pai para a terra que te mostrarei e farei de ti um grande povo e te louvarão as gerações de gentes.” E Abraão agiu como Deus lhe mandou. E Abraão levou o seu sobrinho Lot. Lot era também seu cunhado e sobrinho, já que Abraão tomou para si Sara, filha do seu irmão Harán. E Abraão chegou à terra de Canaã, e junto de um carvalho alto Deus disse a Abraão: “Darei essa terra à tua descendência.” E Abraão adorou Deus. Abraão tinha 75 anos quando saiu de Jaran. Sara era estéril e padecia de infertilidade. E Sara disse a Abraão: “Entra para junto da minha escrava.” E Sara tomou a Agar e entregou-a ao seu marido. E Abraão entrou para junto de Agar. Agar concebeu e pariu um filho e Abraão chamou-o Ismael. Abraão tinha 86 anos quando Ismael nasceu. Depois Sara concebeu e pariu um filho e chamou-o Isaac. E Deus ordenou a Abraão que realizasse a circuncisão do adolescente e fez-se ao oitavo dia. Deus amava Abraão e a sua tribo e chamou-a de seu povo, e ao chamá-la de seu povo separou-o dos outros. E Isaac chegou à idade da puberdade, e Abraão viveu 175 anos e morreu e foi sepultado. Quando Isaac tinha 60 anos concebeu dois filhos: Esau e Jacob. Isaac era mentiroso e Jacob justo. Jacob trabalhou para o seu tio durante sete anos, conseguindo a sua filha mais nova, e Labão, seu tio, não lha deu tendo dito assim: “Fica com a mais velha.” E deu-lhe Lea, a mais velha, e quanto à outra disse-lhe: “Trabalha mais sete anos.” Ele trabalhou mais sete anos por Raquel, e assim tomou para si as duas irmãs e teve com elas oito filhos: Ruben, Simão, Levi, Judá, Isacar, Zabulão, José e Benjamim, e das duas escravas: Dan, Neftali, Gad e Aser. E os Hebreus descenderam deles. Jacob, quando tinha 130 anos, dirigiu-se para o Egipto com toda a sua família, totalizando 75 pessoas. Ele viveu 17 anos no Egipto e morreu, a sua descendência viveu na escravatura 400 anos. Passados estes anos, os Judeus reforçaram-se e multiplicaram-se, mas os Egípcios oprimiram-nos como escravos. Naquele tempo nasceu entre os Hebreus Moisés, e os magos disseram ao rei egípcio: “Nasceu um menino entre os Judeus que arruinaráo Egipto.” E nesse mesmo instante o rei ordenou que fossem atirados ao rio todos os meninos hebreus que nasceram. A mãe de Moisés, assustada com esse aniquilamento, pegou no menino, colocou-o numa cesta e levando-a colocou-a à beira do rio. Então Termuti, filha do Faraó, chegou para se banhar e viu o menino que chorava, pegou nele, teve pena dele e deu-lhe o nome de Moisés e criou-o. O menino era bonito e, quando fez os quatro anos, a filha do Faraó levou-o ao seu pai. O Faraó ao ver o menino sentiu amor por ele. Moisés agarrando-se ao pescoço do rei deixou cair a coroa e pisou-a. Um mago, tendo visto isso, disse ao rei: “Oh rei, destrói esse menino, se não o destruíres ele destruirá todo o Egipto.” O rei não só não lhe prestou atenção, como ordenou não matarem os meninos judeus. Moisés fez-se homem e tornou-se num grande homem na casa do Faraó. Quando o Egipto teve outro rei, os nobres começaram a invejar Moisés. Moisés, ao matar um egípcio que ofendeu um judeu, fugiu do Egipto e chegou à terra de Madian, e quando ia pelo deserto, soube do anjo Gabriel a génese deste mundo, do primeiro homem e do que aconteceu depois do dilúvio, e da mistura de línguas e quem quantos anos viveu e do movimento das estrelas e do seu número, e do tamanho da terra e todo o tipo de sabedoria. Depois Deus apareceu a Moisés em forma de espinheiro em chamas e disse-lhe: “Eu vi a desgraça do meu povo no Egipto e desci para libertá-los dos Egípcios e tirá-los desta terra. Vai ter com o Faraó e diz- lhe: ‘Deixa partir Israel para que durante três dias levem a cabo uma cerimónia em homenagem a Deus. Se não te escutar o rei egípcio, então derrotá-lo-ei com todos os meus milagres’.” Quando Moisés chegou, o Faraó não o ouviu e Deus lançou sobre ele dez pragas: primeiro os rios ensanguentados, em segundo lugar os sapos, em terceiro os mosquitos, em quarto os piolhos e as moscas, em quinto a peste do gado, em sexto abcessos, em sétimo o granizo, em oitavo as lagostas, em nono a escuridão durante três dias e em décimo a peste nas pessoas. Deus enviou-lhes dez pragas porque durante dez meses afogaram meninos judeus. Quando a peste começou no Egipto, o Faraó disse a Moisés e a seu irmão Aarão: “Saiam o quanto antes!” Moisés, tendo reunido os Judeus, partiu do Egipto. E Deus conduziu-o através do deserto, até ao Mar Vermelho, e uma coluna de fogo de noite, e uma de fumo durante o dia iam à sua frente. O Faraó ao ouvir que as pessoas fugiam foi atrás deles e encurralou-os no mar. Quando os Judeus viram isso gritaram a Moisés: “Porque nos conduziste para a morte?” E Moisés chamou a Deus e o Senhor disse: “O que me imploras? Bate com o bastão no mar.” E Moisés assim fez e abriram-se as águas em duas e os filhos de Israel entraram no mar. Tendo visto isso, o Faraó correu atrás deles. Os filhos de Israel atravessaram o mar por terra. E quando saíram para a costa, fechou-se o mar sobre o Faraó e os seus militares. E Deus amava Israel e eles foram desde o mar três dias pelo deserto e chegaram a Mara. A água era amarga aqui e as pessoas começaram a murmurar contra Deus e o Senhor mostrou uma madeira a Moisés e ele colocou-a na água e tornou-se mais agradável a água. Depois murmuraram novamente contra Moisés e Aarão: “Estávamos melhor no Egipto, onde comíamos carne, cebola e pão até nos fartarmos.” E o Senhor disse a Moisés: “Ouvi o murmúrio dos filhos de Israel”, e deu-lhes o maná. Depois deu-lhes a Lei no monte Sinai. Quando Moisés subiu ao monte para ir ter com Deus, as pessoas derramaram uma cabeça de bezerro e adoraram-na como a um Deus. E Moisés matou 3000 dessas pessoas. E depois as pessoas murmuraram novamente contra Moisés e Aarão porque não havia água. E Deus disse a Moisés: “Golpeia com o ferro na pedra.” E Moisés respondeu: “E se não der água?” E Deus zangou-se com Moisés porque não enalteceu o Senhor e ele não entrou na terra prometida por causa do murmúrio das pessoas, porém levou-os ao monte Pasga e mostrou-lhes a terra prometida. E Moisés morreu aqui na montanha. E José, filho de Nun, tomou o poder. Ele entrou na terra prometida, combateu uma tribo cananeia e estabeleceu no seu lugar os filhos de Israel. Quando José morreu, ficou no lugar dele o juiz Judá; e havia outros 14 juízes. Naquele tempo, os Judeus esqueceram Deus que os tirou do Egipto e começaram a servir o diabo. E Deus zangou- se e entregou-os aos forasteiros para serem pilhados. Quando começaram a arrepender-se, Deus perdoou-os; e quando os libertou, novamente se desviaram e começaram a servir demónios. Depois Elias, o sacerdote, foi juiz, e depois o profeta Samuel. E as gentes disseram a Samuel: “Dá-nos um rei.” E Deus zangou-se com Israel e deu-lhes o rei Saul. Porém, Saul não quis submeter-se à lei de Deus e o Senhor escolheu David e colocou-o como rei de Israel, e David agradou a Deus. A este David, Deus prometeu que Deus nascerá na sua tribo. Ele foi o primeiro a profetizar a encarnação de Deus, dizendo: “De um ventre te gerarei antes da estrela da manhã.” Assim ele profetizou 40 anos e morreu. A seguir a ele profetizou seu filho Salomão, que construiu o templo de Deus e o chamou de Santo dos Santos. E ele foi sábio. Mas no final pecou; reinou 40 anos e morreu. Após Salomão reinou o seu filho Roboam. Nos seus tempos o reino judeu dividiu-se em dois: um era Jerusalém e outro Samária; ele fez dois bezerros de ouro e colocou um numa colina em Belém e outro em Dana, tendo dito: “Cá estão os teus deuses Israel!” E o povo adorava-os e esqueceu-se de Deus. Assim, também em Jerusalém se esqueceram de Deus e começaram a adorar Baal, ou seja, ao deus da guerra, por outras palavras a Aares. E esqueceram o Deus dos seus pais. E Deus começou a enviar-lhes profetas. Os profetas começaram a acusá-los de excessos e da sua servidão a ídolos. E eles, os acusados, começaram a maltratar os profetas. Deus encolerizou-se com Israel e disse: “Repudio-os, e chamarei a outra gente que me será obediente. Se pecarem também, não me lembrarei dos seus excessos.” E começou a enviar profetas, dizendo-lhes: “Profetizem sobre o repúdio dos Judeus e o reconhecimento de novos povos.” Oseas foi o primeiro que começou a vaticinar: “Acabarei com a casa de Israel…Partirei o arco de Israel… Não terei mais compaixão da casa de Israel. De forma alguma a perdoarei”, disse o Senhor. “E serão vagabundos entre nações.” Jeremias disse: “Mesmo que se levantem Moisés e Samuel, não terei piedade deles.” E o mesmo Jeremias disse: “Assim disse o Senhor: Eu jurei pelo meu glorioso nome, de que o meu nome não será proferido por lábios judeus.” Ezequiel disse: “Assim fala o Senhor Adonais: Eu vos espalharei, e o resto que de vós sobrar disseminarei aos quatro ventos… Já que profanaste o meu santuário com todos os teus atos detestáveis e todas as vossas abominações; Eu te desprezarei e o meu olho não perdoará.” Malaquias disse: “Assim fala Senhor: Já não tenho benevolência convosco… Já que do Oriente ao Ocidente se glorifica o meu nome entre povos, e em todo o lado lançam incenso em meu nome bem como a sacrifícios de animais puros, é assim tão grande o meu nome entre povos. Por isso serão dispersados entre todos os povos.” O grande Isaías disse: “Assim fala o Senhor: Colocarei a minha mão sobre ti, te levarei e trarei e te dispersarei e não te voltarei a reunir.” E esse profeta disse mais: “Sinto ódio face às vossas festas e ao começo dos vossos meses e não aceito os vossos sábados.” O profeta Amos disse: “Escutem a palavra do Senhor: Farei o luto por vós. A casa de Israel caiu e não se levantará mais.” Malaquias disse: “Assim fala o Senhor: Vos enviarei uma maldição e amaldiçoarei as vossas bênçãos… e as destruirei e não estarão convosco.” E os profetas vaticinaram muito sobre o seu repúdio. Além disso, Deus ordenou aos profetas que vaticinassem sobre a predestinação do seu lugar a outros povos. E Isaías começou a gritar, dizendo assim: “De mim procede a lei e o meu juízo é a luz dos povos. A minha verdade chegará rápido e se elevará… e no meu músculo confiam os povos.” Jeremias disse: “O Senhor disseassim: Farei com a casa de Judá um novo convénio… Dando-lhes leis segundo o seu entendimento, e as escreverei nos seus corações, e serei Deus deles, e eles serão o meu povo.” Isaías disse: “O que foi já passou e erguerei o novo. Antes de o erigir, ele foi-vos revelado. Cantem ao Senhor um novo cantar.” “Aos meus escravos será dado um novo nome e serão benditos por toda a terra.” “A minha casa se chamará a casa de oração de todos os povos.” Esse mesmo profeta, Isaías, disse: “O Senhor despirá o seu santo braço perante os olhos de todos os povos e todos os confins da terra verão a salvação do nosso Deus.” David disse: “Louvem ao Senhor todos os povos. Louvem todos os povos.” Deus amou assim a nova gente e revelou que Ele mesmo descerá até eles, aparecerá como pessoa em carne e redimirá, através do seu sofrimento, o pecado de Adão. E começaram a vaticinar sobre a encarnação de Deus, e em primeiro foi David: “O Senhor disse ao meu Senhor: Senta-te à minha direita, até que eu ponha os teus inimigos debaixo dos teus pés.”. E ainda mais: “O Senhor disse-me: Tu és meu filho. Gerei-te hoje.” Isaías disse: “Nem embaixador, nem mensageiro, será o próprio Deus, chegando, que nos salvará.” E mais: “Nascerá uma criança, sobre cujos ombros recairá a soberania, e se chamará o Conselheiro maravilhoso, Deus forte, Pai eterno, Príncipe da paz, para que o seu domínio cresça e para que não acabe a paz sobre o trono de David. O seu poder é grande e o seu mundo não tem fim.” E mais: “Uma virgem o conceberá no seu ventre e lhe darão no nome de Emanuel.” Miqueias disse: “Tu, Belém, casa de Eufrates, por acaso não és tu grande entre milhares de judeus? De ti, pois, sairá esse que deve ser soberano de Israel e cuja origem será de dias antigos. Então, ele vai entregar-se, o tempo não gera aqueles que geram, e depois retornará a seus irmãos que caíram, aos filhos de Israel.” Jeremias disse: “Esse é o nosso Deus e nenhum outro é comparável a Ele. Ele encontrou todos os caminhos da sabedoria e os mostrou ao seu servo Jacob… Depois disso Ele apareceu na terra, vivo entre as gentes.” E mais: “Ele é um homem que sabe que Ele é Deus? Já que morre como homem.” Zacarias disse: “Não obedeceram ao meu filho e eu não os escutarei”, disse o Senhor. E Oseas disse: “Assim disse o Senhor: A minha carne é a deles.” Vaticinaram também os seus sofrimentos, falando como disse Isaías: “Piedade à sua alma! Ao seguirem o conselho mau, disseram ‘atemos o justo’.” E esse profeta disse mais: “Assim disse o Senhor: Eu não me oponho nem não falarei contra. Entreguei a minha espinha dorsal para ferirem, e o meu rosto para esbofetearem, e não virei a minha cara de insultos e cuspo.” Jeremias disse: “Venham, colocaremos madeira na sua comida e afastaremos a sua vida da terra.” Moisés disse sobre a sua crucificação: “Vereis a vossa vida a passar frente aos olhos.” E David disse: “Porque se rebelam os povos?” Isaías disse: “Ele era como a ovelha levada para o holocausto.” Esdrás disse: “Bendito seja Deus que estende as suas mãos e salva Jerusalém.” E David disse sobre a ressurreição: “Levanta-te Deus, julga a terra, já que Tu herdaste todos os povos.” E mais: “E o Senhor despertou como se fosse de um sonho.” E mais: “Levantar-se-á Deus e se dispersarão os seus inimigos.” E mais: “Levantar-se-á o Eterno, oh Deus, levanta a tua mão!” Isaías disse: “Os que entraram no país da sombra mortal, a luz começará a brilhar sobre vós.” Zacarias disse: “E tu libertaste os teus presos do fosso em que não havia água em nome do pacto de sangue.” E tanto profetizaram sobre Ele e tudo se cumpriu.» Vladimir perguntou: «Quando se concretizou isso? E concretizou-se tudo? Ou só agora se cumpre isso?» O filósofo respondeu-lhe: «Tudo isso cumpriu-se quando Deus encarnou. Como já disse, quando os Judeus maltratavam os profetas e os seus reis transgrediam as leis, Deus entregou- os à rapina e foram feitos prisioneiros na Assíria pelos seus pecados e estiveram aí escravizados durante 70 anos. E depois regressaram à sua terra e não tinham rei, e os bispos governaram sobre eles até chegar o forasteiro Herodes, que começou a governar sobre eles.» «Durante o governo deste último, no ano de 5500, Gabriel foi enviado a Nazaré à Virgem Maria, que tinha nascido na geração de David, e disse-lhe: “Salvé, cheia de graça, o Senhor está contigo!” E, destas palavras, ela concebeu no ventre a Palavra de Deus, e gerou um filho e chamou-o Jesus. E os magos chegaram do Oriente a Jerusalém dizendo: “Onde nasceu o rei dos Judeus? Vimos a sua estrela no Oriente e viemos adorá-lo.” O rei Herodes, ao ter ouvido isso, ficou perturbado, e toda a Jerusalém com ele, chamou os bibliófilos e os anciãos e perguntou-lhes: “Onde nasceu Cristo?” Eles responderam: “Em Belém de Judá.” Herodes, tendo ouvido isso, enviou homens ao deserto instruindo: “Mata todos os meninos até aos dois anos.” Eles partiram e mataram os meninos. Mas Maria, assustada, escondeu o menino. Depois, José com Maria pegaram no menino e fugiram para o Egipto, onde permaneceram até à morte de Herodes. No Egipto, um anjo apareceu a José e disse: “Levanta-te, toma o menino e a sua mãe e vai à terra de Israel.” E tendo regressado, instalou-se na terra de Nazaré. Quando Jesus cresceu e tinha 30 anos começou a fazer milagres e a vaticinar o reino celeste. E elegeu 12 e os chamou seus discípulos, e começou a fazer grandes milagres: ressuscitar mortos, limpar os leprosos, curar os coxos, recuperar a vista aos cegos, e outros milagres grandiosos que os profetas anteriores tinham vaticinado sobre ele, dizendo: “Aquele curou as nossas enfermidades e tomou para si as nossas doenças.” E foi baptizado no rio Jordão por João, mostrando a renovação a novas pessoas. Quando se baptizou, os céus abriram-se e o Espírito desceu em forma de pomba e a voz disse: “Esse é o meu filho amado, em quem deposito a minha benevolência.” E enviava os seus discípulos para anunciarem o reino celeste e o arrependimento para o perdão dos seus pecados. E começou a cumprir a profecia e a anunciar como deve sofrer o Filho do Homem, ser crucificado e ressuscitar ao terceiro dia. Quando Ele ensinava na igreja, os bispos e os bibliófilos enchiam-se de inveja e queriam matá-lo, e tendo-O prendido, conduziram- No ao governador Pilatos. Pilatos, sabendo que O tinham conduzido a si sem culpa quis deixá-lo partir. Eles dirigiram-se a si: “Se deixas este partir, é porque não és amigo de César.” Então, Pilatos ordenou que O crucificassem. Eles, tomando Jesus, conduziram-No ao cadafalso e lá O crucificaram. Uma sombra estendeu-se por toda a terra, da hora sexta até à nona, e na nona hora Jesus expirou. O véu da igreja rasgou-se em dois e levantaram-se muitos mortos, aos quais ordenou entrar no paraíso. Retiraram-No da cruz, colocaram-No no sepulcro, e os Judeus selaram a sua sepultura e colocaram-lhe guarda, dizendo: “Não vão os discípulos roubarem-no.” Ele ressuscitou ao terceiro dia. Tendo ressuscitado por entre os mortos, apareceu aos discípulos e disse: “Ide a todas as terras e ensinai a todos os povos, baptizando em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.” Ele permaneceu com eles durante 40 dias, chegando a eles após a Sua ressurreição. Após 40 dias, disse para irem ao Monte das Oliveiras e aqui Apareceu-lhes e Abençoou-os, dizendo: “Fiquem na cidade de Jerusalém, até Vos trazer a mensagem do meu pai.” E, tendo dito isso, ascendeu aos céus. Eles adoraram-No. E regressaram a Jerusalém e ficaram sempre na igreja. Passado 50 dias, o Espírito Santo desceu sobre os apóstolos. E quando receberam a permissão do Espírito Santo, dispersaram-se pelo mundo ensinando e baptizando com água. Vladimir perguntou: «Porque nasceu de uma mulher, foi crucificado num madeiro e baptizou-se com água?» O filósofo respondeu: «Cá está a explicação. No princípio o género humano pecou através de uma mulher: o diabo seduziu Adão com Eva, e ficou sem o paraíso, assim Deus vingou-se também do diabo: através da mulher foi a primeira vitória do diabo, Adão foi expulso do paraíso por causa da sua mulher;assim, Deus encarnou através de uma mulher e ordenou aos fiéis que entrassem no paraíso. E foi crucificado num madeiro porque Adão comeu da árvore e por causa dela foi expulso do paraíso. Deus aceitou no madeiro os sofrimentos para que através do madeiro o diabo fosse vencido e os justos se salvassem pela árvore da vida. E a renovação com a água realizou-se porque em tempos de Noé, quando se multiplicaram os pecados entre as gentes, Deus provocou o dilúvio na terra e afogou as pessoas com água; por isso Deus disse também: “Eu destruí as pessoas com a água, pelos seus pecados, assim limparei também agora os pecados das pessoas com a água, a água da renovação”; já que os Judeus se limparam também da perfídia moral egípcia no mar, já que a água foi a primeira a ser criada, pois foi dito: O Espírito Divino voou sobre as águas. Por isso, os cristãos continuam a batizar-se com água e espírito. A primeira transfiguração foi também com água, quando Gedeão deu o protótipo da seguinte forma: quando um anjo chegou, ordenando que fosse contra os madianitas, ele, colocando-o à prova, dirigiu-se a Deus, e tendo colocado um novelo de lã na eira disse: “Se houver orvalho por toda a terra e a lã estiver seca, então…” E assim foi. Esse foi o protótipo de que todos os outros países estavam antes, sem orvalho, e os Judeus eram o novelo, depois caiu orvalho sobre todos os outros países, e que é o santo batismo, e os Judeus ficaram sem orvalho. E os profetas vaticinaram que a renovação seria feita através da água. Quando os apóstolos ensinaram pelo mundo a crer em Deus, nós, os Gregos, aceitamos os seus ensinamentos. O universo crê nos seus ensinamentos. Deus estabeleceu também o único dia em que, descendo dos céus, julgará os vivos e os mortos, e dará a cada um segundo os seus actos: aos justos o reino celestial, de uma beleza inenarrável, alegria sem fim e a imortalidade eterna; aos pecadores, o tormento ígneo, vermes que nunca dormem e suplício sem fim. Tais sofrimentos serão para os que não crêem no nosso Deus Jesus Cristo: se martirizarão no fogo aqueles que não se baptizarem.» Tendo dito isso, o filósofo mostrou a Vladimir o véu no qual estava o assento de julgamento do Senhor, ordenando para a direita os justos, com a alegria de irem para o paraíso, e para a esquerda os pecadores, a caminharem para o tormento. Vladimir, tendo suspirado, disse: «Bom para aqueles que vão para a direita, desgraça daqueles que estão à esquerda.» O filósofo disse: «Se queres ir para a direita, com os justos, então baptiza-te.» Isso ficou gravado no coração de Vladimir e ele disse: «Esperarei um pouco», desejando conhecer todos os credos. E Vladimir deu-lhe muitos presentes e deixou-o partir com grandes honras. Ano 6495 (987), Vladimir chamou os seus nobres e os anciãos das cidades e disse-lhes: «Os Búlgaros vieram e disseram-me: “Aceita a nossa lei.” Depois vieram os Alemães e gabaram a sua lei. Depois deles chegaram os Judeus. E, de seguida, chegaram os Gregos, injuriando todas as leis e elogiando a sua, e falaram muito, desde o princípio do mundo e do génesis deste mundo. Eles falaram de forma sábia e é maravilhoso escutá-los, e qualquer um terá gosto em ouvi-los. Eles também fazem relatos do outro mundo: dizem, se alguém passar para a nossa fé, esse, após a morte, de novo se levantará e não morrerá por toda a eternidade; se seguires outra lei, arderás no fogo no outro mundo. O que aconselham? O que respondem?» E os nobres e anciãos disseram: «Sabe, Príncipe, ninguém injuria o que é seu e só elogia. Se queres conhecer tudo, tens homens na tua terra: envia-os, e ficarás a saber como serve cada um e com serve a Deus.» E ao príncipe e a todos agradou o seu discurso. Escolheram homens famosos e inteligentes em número de dez e disseram-lhes: «Ide primeiro aos Búlgaros e experimentai a sua fé.» Eles partiram, e chegando lá viram os seus detestáveis actos e a adoração nas mesquitas e regressaram à sua terra. E Vladimir disse: «Ide agora aos Alemães, vejam lá tudo e, a partir daí, ide à terra grega.» Eles chegaram aos Alemães, viram o seu serviço eclesiástico e depois chegaram a Bizâncio e apresentaram-se ao imperador. O Imperador perguntou-lhes: «Porque vieram?» Eles contaram-lhe tudo. Tendo ouvido isso, o imperador alegrou-se e nesse dia rendeu-lhes grandes honras. No dia seguinte mandou um mensageiro ao patriarca, dizendo assim: «Os Russos chegaram para conhecer a nossa fé. Prepara a igreja e o clero e tu mesmo coloca as vestes sagradas para que eles vejam a glória do nosso Deus.» Tendo ouvido isso, o patriarca ordenou o clero para que fizesse um serviço festivo, seguindo o costume e organizando as canções e os coros. Ele foi com os Russos à igreja e colocou-os no melhor lugar, tendo-lhes mostrado a beleza da igreja, o canto e o serviço dos bispos, a proximidade dos diáconos e tendo narrado sobre o serviço do seu Deus. Eles estavam maravilhados. Admiraram-se e elogiaram o seu serviço. E os imperadores Basílio e Constantino chamaram-nos e disseram: «Ide para a vossa terra.» E deixaram-nos partir, com muitos presentes e honras. Eles regressaram à sua terra. O príncipe chamou os seus nobres e anciãos, e Vladimir disse: «Os homens que enviámos chegaram. Escutaremos tudo o que lhes aconteceu.» E dirigiu-se aos recém-chegados: «Falem perante o séquito.» Eles disseram: «Fomos à Bulgária. Vimos como rezam no templo, ou seja, na mesquita. Estão em pé sem cinto. Tendo feito uma vénia, sentam-se e olham para um lado e para outro, como loucos. E não têm alegria, só tristeza e grande fedor. Não é boa a sua lei. E chegámos aos Alemães e vimos nos seus templos um serviço diferente, mas não vimos beleza alguma. E logo chegámos à terra dos Gregos e nos conduziram ao lugar onde servem a Deus, e não sabíamos se estávamos no céu ou na terra, já que não existe na terra espectáculo de tal beleza que nem sabemos bem como narrá-lo. Apenas sabemos que aí estava Deus connosco e que o serviço era melhor do que em qualquer outro país. Nós não podemos esquecer aquela beleza, já que qualquer pessoa que goste de doce, não tomará depois o amargo. Assim, também nós não podemos mais ficar aqui.» Os nobres disseram: «Se a lei grega fosse má, a tua avó Olga não a teria aceitado, e ela era a mais sábia entre as pessoas.» E Vladimir perguntou: «Onde aceitamos o baptismo?» E eles disseram: «Onde te apetecer.» E quando passou um ano, ano 6496 (988), Vladimir foi com o seu exército até Querson, cidade grega, e os habitantes fecharam-se na cidade. E Vladimir permaneceu do lado da cidade onde estava o cais, à distância de voo de uma flecha ficou da cidade, e guerrearam firmemente do lado da cidade. Vladimir cercou a cidade. As pessoas começaram a morrer na cidade e Vladimir disse aos cidadãos: «Se não se renderem, ficarei aqui três anos.» Eles não lhe obedeceram. Vladimir, tendo preparado um exército, ordenou que elevassem terras junto das muralhas da cidade. Enquanto as elevavam, os habitantes de Querson, escavando debaixo da muralha, da cidade, roubavam a terra e levavam-na para a cidade e vertiam-na para o meio dela. Os militares vertiam cada vez mais e Vladimir permanecia no cerco. E aqui, um homem de Querson, de seu nome Atanásio, atirou uma flecha, tendo escrito nela «Cava e corta a água, que vem dos poços pelas tubagens atrás de ti desde o Oriente.» Vladimir, tendo ouvido isso, olhou para o céu e disse: «Se isso se concretizar, eu me baptizarei!» E nesse momento ordenou que cavassem as tubagens e cortou a água. As pessoas começaram a morrer de sede e renderam-se. Vladimir entrou na cidade com os seus homens e mandou que se dissesse aos imperadores Basílio e Constantino o seguinte: «Tomei a vossa famosa cidade. Tendo ouvido que tendes uma irmã donzela, se não ma derdes, farei o mesmo à vossa capital que fiz a essa cidade.» E, tendo ouvido isso, os imperadores enviaram tal notícia: «Não corresponde à tradição cristã entregar as suas mulheres aos pagãos. Se te baptizares então a receberás, e aceitarás o reino celestial e serás nosso correligionário. Se não fizeresisso, não te poderemos entregar a nossa irmã.» Vladimir, tendo ouvido isso, disse aos enviados dos imperadores: «Digam assim aos vossos imperadores: eu baptizo-me já que experimentei a vossa lei e ela é-me querida, assim como a liturgia da qual me falaram os homens por mim enviados.» E os imperadores mostraram-se contentes ao ouvir isso, e convenceram a sua irmã, de nome Anna, e mandaram um mensageiro a Vladimir: «Baptiza-te e então te enviaremos a nossa irmã.» Vladimir respondeu: «Venham com a vossa irmã e baptizem- me.» E os imperadores obedeceram e enviaram a sua irmã, os dignatários e os presbíteros. Ela não queria ir, dizendo: «Vou como uma prisioneira, mais valia morrer já aqui.» E os seus irmãos disseram-lhe: «É possível que através de ti, Deus dirija a terra russa ao arrependimento e que sejas capaz de livrar as terras gregas de uma horrível guerra. Por acaso viste quanto mal fez aos Gregos a Rus? Se não fores agora, farão o mesmo novamente.» E obrigaram-na a ir. Ela subiu ao barco, despediu-se dos que lhe eram próximos chorando, e partiu através do mar. E chegou a Querson, e saiu a população de Querson ao seu encontro com grande reverência, e conduziram-na à cidade e instalaram-na num salão. Vladimir, que estava doente dos olhos, naquela altura, por obra e providência divina, não via nada, e lamentava-se fortemente e não sabia o que fazer. E a imperatriz mandou dizer-lhe: «Se queres livrar-te dessa doença, então baptiza-te o quanto antes; se não te baptizares, não poderás livrar-te da tua enfermidade.» O bispo de Querson baptizou Vladimir com pompas imperiais e, quando lhe colocou a mão, ele recuperou imediatamente a vista. Vladimir, ao sentir a sua cura repentina, glorificou a Deus: «Agora conheci o verdadeiro Deus.» Muitos dos que assistiam, ao verem isso, baptizaram-se. Ele baptizou-se na igreja de São Basílio, e fica essa igreja no meio da cidade, onde se reúne a população de Querson para o mercado; a câmara de Vladimir fica no fundo da igreja até aos dias de hoje, e a câmara da imperatriz fica atrás do altar. Após o baptismo levaram a Czarina e celebraram o matrimónio. Os que não conhecem a verdade dizem que Vladimir baptizou-se em Kiev. Outros dizem que foi em Vasilievo, e outros contarão outra versão. Obras da Literatura Russa Antiga M. 1978, pp. 99-127. CAPÍTULO II MOSCOVO – TERCEIRA ROMA O processo da desintegração feudal da Rus de Kiev coincidiu com a invasão e a subjugação dos seus territórios pelas hordas tártaro-mongóis, que se estendeu entre 1237 e 1480. À medida que os príncipes de Moscovo se iam libertando do jugo tártaro-mongol, afirmavam o seu poder em territórios cada vez mais amplos. A Batalha de Kulikov (1380), onde as tropas russas conseguiram uma grande vitória, é considerada o início do processo de libertação e de centralização do Estado a que veio a chamar-se Moscóvia. Estes processos são impulsionados fortemente por Ivan III, o Grande (1440-1505), e o seu filho Vassili III (1505-1533). Porém, não podemos também deixar de salientar a figura de Vassili II, o Cego (1420- 1440), pai de Ivan III. Quando, em 1439, é assinada a União de Florença, que previa a integração da Igreja Ortodoxa na Católica Romana e a sua submissão ao Papa, Isidoro, grego que ocupava a cadeira de Metropolita de Moscovo, apoiou essa decisão, mas, quando chegou à Rússia, foi afastado do cargo pelo grão-príncipe Vassili II e substituído por um metropolita russo. Em 1453, cai Bizâncio às mãos dos Turcos e os senhores de Moscovo tentam chamar a si o centro da Ortodoxia universal. Em finais de 1472, Ivan III tenta reforçar o seu poder interno e externo através do casamento com Sofia (Zoia) Paleóloga, sobrinha do último imperador bizantino, passando a intitular-se «Senhor e Grão-Príncipe de Toda a Rússia» e com pretensões a ser aceite como «Czar» (César). É precisamente no reinado deste Czar (1462-1505) que aparecem as primeiras bases ideológicas da doutrina «Moscovo-Terceira Roma». Em 1492, Zossima, Metropolita de Moscovo, chama a esta cidade a «nova Constantinopla» e a Ivan III o «novo Czar de Constantinopla». Vassili III não só continua a política de centralização do pai, como se tenta afirmar dentro e fora do país, chamando a si novos títulos. Passou a chamar-se «Czar e Senhor de Toda a Rus pela graça de Deus». Um tratado assinado em 1514 com Maximiliano I, o Imperador do Sacro Império Romano, chama-lhe «Imperador». Mas são as cartas do monge Filofei, escritos que lançam a base ideológica da doutrina «Moscovo – Terceira Roma», que atribuem à Rússia e aos seus czares o papel messiânico de herdeiros dos imperadores romanos e bizantinos. Ele compara-o mesmo ao imperador Constantino, o Grande: «Não violes, Czar, o testamento dos antepassados: Constantino, o Grande, São Vladimir, Iaroslav, o Grande, por Deus escolhidos, e outros santos da mesma raiz do que tu.» Nome: Filofei de Pskov Data e local de nascimento e de morte: 1465, Pskov, República Independente de Pskov-1542, Pskov, Principado de Moscovo Breve resenha biográfica: Monge no mosteiro de Elizarovo, em Pskov, foi pensador, escritor e um dos fundadores da ideologia de Estado da monarquia russa. Os dados biográficos acerca de Filofei são extremamente escassos, tendo chegado aos dias hoje as cartas que escreveu ao príncipe Vassili III e ao czar Ivan IV. O trabalho de Filofei é notável pelo facto de ter reunido e sistematizando diversos pensamentos filosóficos, teológicos e políticos disseminados na antiga Rus. Contributo da sua obra para o pensamento geopolítico russo: A obra mais relevante de Filofei é Moscovo – Terceira Roma, um tratado místico e messiânico que reúne ensinamentos acerca da monarquia e Ortodoxia. Paralelamente, é destacado o papel cimeiro de Moscovo e do Estado russo no mundo cristão após a queda de Constantinopla, enquanto guardiã do verdadeiro Cristianismo. Filofei analisa as razões de queda dos dois primeiros impérios. Assim, a Primeira Roma caiu devido à transgressão/pecado, a Segunda Roma (Constantinopla) tombou perante o domínio muçulmano, Moscovo será a Terceira Roma e Quarta Roma não existirá. No decurso da História, os reinos cristãos têm caído devido à sua decadência moral e espiritual; assim, o futuro passa pela fusão num único reino russo, sendo que o Czar da Rússia será o único monarca dos cristãos. O Reino Russo será o último reino mundano, após o qual chegará o eterno Reino de Cristo. O povo russo aceitou a missão da Terceira Roma tendo por base não o nacionalismo, mas a fé na Ortodoxia e a convicção da santidade da Rússia, pois tudo o que acontece na vida das pessoas e dos povos deve-se exclusivamente à vontade divina. É por acção de Deus que os czares ascendem ao trono e obtêm a sua grandeza. A obra deste monge está marcada por uma profunda crítica à Astrologia, em voga na sua época para determinar o futuro dos povos, defendendo que todos os acontecimentos se devem, exclusivamente, à providência divina. No plano político, a obra de Filofei é, não raras vezes, interpretada como sendo uma afirmação de independência e de soberania dos czares e de Moscovo face à Roma papal. Cartas do ancião Filofei Carta sobre os dias e as horas más (finais de 1523-início de 1524) Ao Grão-Duque e Senhor [Vassili III] e ao diácono senhor Mikhail Grigorievitch, do teu pobre peregrino, o velho Filofei ora a Deus e diz. Meu senhor, enviaste-me um documento onde está escrito que eu devo interpretar as tuas palavras. Mas tu, meu senhor, sabes que eu sou um homem do campo, estudei apenas as letras, mas não conheço os subterfúgios pagãos, não li astrólogos, não conversei com filósofos sábios; aprendo apenas com os livros da Lei Sagrada e, se for possível purificar a minha alma dos pecados, peço isso a Deus Misericordioso, ao Senhor Nosso Jesus Cristo, à Virgem Mãe de Deus e a todos os santos que agradaram a Deus, para que me livre do castigo eterno. E sobre o que tu escreveste a propósito da numeração dos anos, que nos livros do Génesis,nos escritos por Moisés, sobre os «Seis Dias», sobre a criação do mundo, o cronógrafo, depois de excluir os primeiros cinco dias, começou com o primeiro de Adão e até hoje; os católicos, porém, depois de excluírem todos esses anos passados, começam a contar os anos a partir do nascimento de Cristo; mas, não obstante, não há qualquer diferença entre essas contagens. Porque o apóstolo diz: «O primeiro homem, da terra, é terreno; o segundo homem, o Senhor, é do Céu.» E a seguir afirma: «O primeiro homem, Adão, foi feito em alma vivente; o último Adão em espírito vivificante.» E em que meditam os filósofos: há dois anos, o solar e o lunar; o solar tem 365 dias, o lunar tem 354; daqui se conclui que o ano solar tem mais 11 dias, mas não se vê em que tempo ocorre o eclipse solar ou lunar. Quem se dedica mais profundamente a isso e conta as partes das horas pelo «Seis Asas», encontrará a que horas será o eclipse da Lua e do Sol; porém, nessa obra, os esforços são grandes, mas os resultados são poucos. E o que se escreveu sobre as estrelas em movimento, elas pressagiam o dilúvio, quando chegarem ao fim todas as cidades, reinados e países do Universo, juntamente com tudo o que há de vivo na Terra, porque a Escritura Sagrada fala claramente disso: «O Espírito Santo renova qualquer criatura», voltando ao anterior, pois ele é igual ao Pai e à Palavra, mas isso não se deve às estrelas. Os símbolos do Zodíaco são 12, os planetas são sete, não têm sentidos, não estão vivos, trata-se apenas de fogo não material. No primeiro dia, ela foi criada por Deus, quando Ele disse: «Faça-se luz», e a luz não é mais do que fogo. E quando quis separar a luz da escuridão, ordenou a esse fogo que desaparecesse, e fez-se escuridão. Assim Deus separou a luz da escuridão e Ele chamou dia à luz e noite à escuridão, e por isso a noite não é mais do que a ausência de luz. No segundo dia, Ele criou o Céu; no terceiro dia, a Terra, os mares, as árvores, a erva, as sementes, e colocou metade da água no Céu. E, por isso, quando desejou criar os astros, no quarto dia, do mesmo fogo a que chamara luz, criou dois grandes astros: o astro maior para iluminar o dia, ou seja o Sol, e o astro menor, para iluminar a noite, ou seja, a Lua, bem como as estrelas, como um sábio ourives que dividiu parte do ouro para vasos e parte para moedas. E nomeou 12 estrelas, a que chamamos Zodíaco, que são os caminhos para o Sol e a Lua. E o Sol movimenta-se numa parte do Zodíaco durante 13 dias e cinco horas, depois passa para outra parte do Zodíaco e assim em 12 constelações do Zodíaco, passando de uma para outra, forma um ano. A Lua, porém, forma-se em 15 dias, porque se ficasse cheia durante um dia, isso seria mau para os dois astros e provocaria eclipses frequentes. A Lua atravessa cada um dos 12 signos do Zodíaco em 29 dias, meio-dia, meia-hora e um quinto da hora. Mas no que respeita aos sete planetas e 12 estrelas do Zodíaco, às restantes estrelas, horas más, nascimento do homem sob uma determinada estrela, numa hora má ou boa, que define o destino, a riqueza ou a pobreza, que origina as virtudes ou vícios, uma vida longa ou morte breve, tudo isso são blasfémias e fábulas. Os primeiros a escreverem isso foram os Caldeus, que, loucos, construíram uma torre e depois de chegarem ao cimo ficaram encantados pelas estrelas. Mas Deus, vendo a sua loucura, a sua intenção, dispersou-os, destruiu a obra e rejeitou os seus escritos. Os Gregos herdaram deles esses escritos, deram os nomes de deuses a esses planetas e às restantes estrelas, afastaram-se do Criador e adoravam o que tinham criado; o Profeta David falou assim desses: «Diz o louco para consigo mesmo: Deus não existe. Todos se têm corrompido e degenerado.» Depois dos Gregos, os hereges pegaram e plantaram joio amargo entre o trigo da fé cristã ortodoxa, seduzindo as pessoas pouco inteligentes que acreditam nos dias e horas maus. E não se arrependem disso, considerando isso a verdade, mas, no dia do Juízo Final, irão pagar e serão condenados com os hereges porque transformaram a luz em escuridão e a verdade em falsidade. Se Deus tivesse criado os dias e horas maus, para que é que Ele faz sofrer os pecadores? Pois Deus seria culpado de ter criado o homem mau. O homem bom sabe que o príncipe nasce do czar, e um nobre de um nobre, e mesmo que não alcance por um pouco a glória e a honra paternal, não será lavrador, e os czares não dão as mãos das filhas aos lavradores, e eles não pegam nas filhas destes para os seus filhos, tudo isso é dirigido pelo destino invisível de Deus omnipotente. Quanto ao movimento das estrelas, do Sol e da Lua, que Vossa Alteza saiba que não são esses astros que se movimentam, que são insensíveis, mortos e não vêem nada (porque o fogo imaterial nada vê, nada sabe), mas forças angélicas invisíveis. Testemunha disso foi o apóstolo Paulo, vaso por Deus escolhido que, mesmo sem chegar ao terceiro céu, tendo estado no meio desses astros, viu aí essas mesmas forças angélicas, como trabalham sem descanso para o homem: umas transportam o Sol, outras a Lua, outras as estrelas, umas enviam pelo ar ventos, nuvens, raios, outras levam água da terra numa nuvem, e são anjos que dão de beber à terra para que produza frutos, para a Primavera e o Verão, o Outono e o Inverno. Por isso, o Senhor mostrou ao apóstolo o serviço permanente realizado pelos anjos em prol do homem, para o ensinar a ir constantemente pregar em prol da salvação do homem, sem preguiça; o apóstolo, vendo visões indescritíveis, escreve nas suas cartas: «Não são todos eles espíritos encarregados de um ministério, enviados ao serviço daqueles que hão-de herdar a salvação?». E diz novamente que: «também ela será libertada da escravidão da corrupção, para alcançar a liberdade na glória dos filhos de Deus». Compreendes, caro, que as criaturas chamadas de anjos são uma criação de Deus, que a libertação dos anjos é compreendida como o fim do seu serviço no último dia? No que respeita à destruição de reinos e países, isso não ocorre devido às estrelas, mas é obra de Deus que tudo dá; o profeta Isaías disse sobre isso: «Se fordes dóceis e obedientes, provareis os melhores frutos da terra; se recusardes e vos revoltardes, provareis a espada. É a boca do Senhor que o declara.» E os apóstolos perguntaram novamente: «Senhor, é porventura agora que ides instaurar o reino de Israel?» Mas Jesus respondeu-lhes: «Não vos pertence a vós saber os tempos nem os momentos que o Pai fixou em seu poder.» Compreende, pois, por amor de Deus, a que estrela estão ligados os reinos cristãos, actualmente espezinhados pelos infiéis, como diz o profeta: «Quem então entregou Israel aos depredadores? (Não é o Senhor contra quem pecamos?» Há 90 anos que o reino grego foi destruído e não se recompôs; e isso aconteceu devido aos nossos pecados, porque eles traíram a fé grega ortodoxa pelo Catolicismo. E não fiques espantado, eleito de Deus, quando os católicos dizem: «o nosso reino romano é indestrutível e, se a nossa fé não fosse a verdadeira, Deus não se preocuparia connosco». Não devemos ceder às tentações deles, pois eles são realmente hereges, pelo seu desejo de se afastarem da fé cristã ortodoxa, principalmente devido ao serviço com pão ázimo. Estiveram unidos connosco 770 anos, afastaram-se da fé verdadeira há 735 anos, caíram na heresia de Apolinário, foram tentados pelo rei Carlos [Magno] e pelo papa Formoso. Falam do pão ázimo supostamente devido à pureza e à ausência de paixões, mas mentem, escondendo o diabo dentro de si. Apolinário, com a sua falsa doutrina, ordenou realizar o serviço com pão ázimo, porque, segundo dizem, não aceitou o fruto humano da Virgem Mãe, o Nosso Senhor Jesus Cristo, mas com um fruto celestial pronto, precisamente um tubo, depois de atravessar o ventre virgem, não tomou a forma humana, mas em vez da alma nele habita o Espírito Santo; eis como seduzem as almas delicadas e instáveis. Infelizmente, trata-se de uma sedução lastimável e um afastamento do Deus vivo! Porque se o Salvador não tomou a essência humana, entãoo fruto do pecador Adão e todas as pessoas dele nascidas não tomou a forma divina, e se Deus não se tornou em alma humana, então, agora, as almas humanas estão atormentadas nas profundezas do inferno. Quem não tremerá, quem não chorará por tal sedução e pecado; no orgulho da loucura sua seguiu a doutrina herética também a multidão de judeus que matou Deus, que durante a crucificação de Cristo foram cúmplices daqueles sobre os quais o evangelista escreve: «Depois, trançaram uma coroa de espinhos, meteram-lha na cabeça e puseram-lhe na mão uma vara. Dobrando os joelhos diante dele, diziam com escárnio: “Salvé, rei dos Judeus!”» Tal como os soldados do procurador, eram servos de Pilatos, mas como Pilatos era romano, da cidade de Ponta no Império Romano, também hoje, durante a oração, os católicos não baixam a cabeça, mas apenas dobram o joelho. Desses, David, tendo sido iluminado pelo Espírito Santo, disse literalmente em nome de Cristo: «“não me abandoneis ao riso dos insensatos». E, embora os muros, as torres e os edifícios de três andares da grande Roma não tenham sido tomados, as suas almas foram tomadas pelo diabo devido ao pão com ázimo. Embora os netos de Hagar tenham conquistado o reino grego, não prejudicaram a fé e não obrigaram os Gregos a renunciar a ela, mas o reino romano é indestrutível, porque Deus entrou no território romano. Eis o que diz o nosso mistério cristão sobre a Sagrada Eucaristia. Os discípulos rodearam Jesus e perguntaram: «Onde queres que a [Páscoa] preparemos?» Ele respondeu-lhes: «Ao entrardes na cidade, encontrareis um homem carregando uma bilha de água; segui-o até à casa em que ele entrar, e direis ao dono da casa: “O Mestre pergunta-te: Onde está a sala em que comerei a Páscoa com os meus discípulos?”» O dono da casa era Zebedeu, pai de João Evangelista, a quem Cristo ordenara preparar duas Páscoas: uma, segundo a Lei de Moisés com pão ázimo, outra, secreta, para a qual fazem pão com fermento. Por isso se chama última (secreta) ceia, porque os Judeus entre as 11 e as 14 não têm pão com fermento em casa. E, primeiro, eles celebraram a Páscoa legal, como era costume, pão ázimo e cordeiro com mostarda, em pé, de cinto apertado e apoiados em varas, com as cabeças cobertas. Depois disso, sentou-se, ensinou-os a evitar dar ordens, depois falou da traição e, após isso, depois de verter água numa bacia, começou a lavar os pés aos discípulos, dando-lhes o exemplo do santo batismo. Depois, sentou-se de novo e ordenou colocar apenas pão e vinho, começou a pronunciar palavras tristes, levantando o olhar divino para o céu: «Pai, é chegada a hora. Glorifica teu Filho, para que teu Filho te glorifique; e para que, pelo poder que lhe conferiste sobre todas as criaturas, ele dê a vida eterna a todos aqueles que lhe entregaste. Ora, a vida eterna consiste em que conheçam a ti, um só Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo que enviaste. Eu te glorifiquei na terra. Terminei a obra que me deste para fazer. Agora, Pai, glorifica-me junto de ti, concedendo-me a glória que tive junto de ti, antes que o mundo fosse criado.» E disse novamente aos discípulos: «Eu sou a videira; vós, os ramos. Quem permanecer em mim e eu nele, esse dará muito fruto.» E depois de elevar novamente os olhos, disse: «Santifica- os pela verdade. A Tua palavra é a verdade. Como Tu me enviaste ao mundo, também eu os enviei ao mundo. Santifico-me por eles para que também eles sejam santificados pela verdade. Não rogo somente por eles, mas também por aqueles que por sua palavra hão-de crer em mim. Para que todos sejam um, assim como tu, Pai, estás em mim e eu em ti, para que também eles estejam em nós e o mundo creia que Tu me enviaste.» Compreende aqui de forma ambígua: quando se reza por estes, depois de ter aprendido os seus segredos sagrados, pede para ensinar bispos e sacerdotes a fazerem entrar no sagrado banquete; onde há ordem na liturgia, até o servo pode realizar a acção sagrada. E depois de tomar o pão nas suas mãos sagradas e puras, levantou-o, mostrando a Deus Pai, agradecendo, partiu-o, deu aos seus discípulos e apóstolos santos, dizendo: «Tomai, comei, isto é o meu corpo.» Depois de comer, pegou no cálice de vinho e, depois de o misturar com água quente, deu aos discípulos, dizendo: «Bebei dele todos; Porque isto é o meu sangue, o sangue do novo testamento, que é derramado por muitos, para remissão dos pecados.» E não só deu aos discípulos, mas ele próprio comeu e bebeu com eles. Depois, disse novamente: «Desejei muito comer convosco esta Páscoa, antes que padeça; Porque vos digo que não a comerei mais até que ela se cumpra no reino de Deus.» E, depois disso, «tendo cantado o hino, saíram para o Monte das Oliveiras». Vês agora, amante de Cristo, qual o mistério da consagração, a origem da hóstia divina, pois o próprio Jesus os abençoou e ensinou a exercerem o sacerdócio? Olha, meu caro, como bebeu o vinho, depois de misturar com água, também na cruz, do seu corpo divino corriam duas fontes: sangue e água. Compreende, por amor de Deus, que, em 30 anos da sua vida, todos os anos, o Salvador comia a Páscoa do Antigo Testamento e nunca disse: «Desejei muito comer convosco esta Páscoa», e só com esta nova e santa ceia ele garantiu a nossa salvação. Sendo assim, e depois de pôr fim o que foi dito, digamos algumas palavras sobre o actual reinado glorioso do Nosso Senhor mais iluminado e mais poderoso que, em toda a Terra, é o único czar dos cristãos e o soberano de todos os tronos divinos, da Santa Igreja Apostólica Universal que nasceu no lugar da de Roma e de Constantinopla e que existe na cidade por Deus salva de Moscovo, a igreja da santa e gloriosa Assunção da Virgem Mãe de Deus, que só ela no universo reluz com maior beleza do que o Sol. Fica a saber, abençoado por Deus e por Cristo, que todos os reinos cristãos chegaram ao fim e juntaram-se num único reino do Nosso Senhor, segundo os livros dos profetas, o reino romano: porque duas Romas caíram, a terceira está de pé e a quarta não virá. Numerosas vezes também o apóstolo Paulo recorda Roma nas cartas, diz- se nas profecias: «Roma é todo o mundo.» Porque na igreja cristã já se realizou a palavra do bem-aventurado David: «Eis o meu descanso eternamente, aqui irei viver tal como desejei eu.» Mas segundo o grande teólogo: «E viu-se um grande sinal no céu: uma mulher vestida do Sol, tendo a Lua debaixo dos seus pés. E estava grávida, e com dores de parto, e gritava com ânsias de dar à luz. E viu-se outro sinal no céu; e eis que era um grande dragão vermelho, que tinha sete cabeças e dez chifres, e sobre as suas cabeças sete diademas. E a sua cauda levou após si a terça parte das estrelas do céu, e lançou-as sobre a terra; e o dragão parou diante da mulher que havia de dar à luz, para que, dando ela à luz, lhe tragasse o filho. E foram dadas à mulher duas asas de grande águia, para que voasse para o deserto... E a serpente lançou da sua boca, atrás da mulher, água como um rio, para que pela corrente a fizesse arrebatar.» A infidelidade é chamada a água; vês, eleito de Deus, como todos os reinados cristãos foram afogados pelos infiéis e só o senhor do nosso reino está sob a bênção de Cristo. Deve o reinante dirigi-lo com todo o cuidado e olhando para Deus, sem depositar confiança no ouro e na riqueza passageira, mas tendo esperança em tudo o que Deus dá. E como já disse, as estrelas não ajudam em nada, nem mais, nem menos. Pois o apóstolo supremo Pedro disse na carta: «Mas amados, não ignoreis uma coisa, que um dia para o Senhor é como mil anos, e mil anos como um dia. O Senhor não retarda a sua promessa, ainda que alguns a têm por tardia; mas é magnânimo para connosco, não querendo que alguns se percam, senão que todos venham a arrepender-se». Vês, amado de Deus, que nas mãos dele está a respiração de todos os seres, porque diz: «Ainda mais uma vez abalarei não só a terra, mas também o som». E visto que os apóstolos ainda não estavam prontos, não ordenou utilizar super-forças: o evangelista escreve no seu «Apocalipse»: «Nos últimos tempos,
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