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Língua Brasileira de Sinais LIBRAS Rio de Janeiro UVA 2016 Luzia Cristina Nogueira de Araújo Língua Brasileira de Sinais LIBRAS Rio de Janeiro UVA 2016 Copyright © UVA 2016 Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida por qualquer meio sem a prévia autorização desta instituição. Texto de acordo com as normas do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. ISBN: 978-85-69287-12-4 Autoria do Conteúdo Luzia Cristina Nogueira de Araújo Design Instrucional Sylvia Regina Silva Fernandes Projeto Gráfico UVA Diagramação Isabelle Martins Ilustrações Pedro Rodrigues Revisão Maria Lucia Daflon Lydianna Lima Ficha Catalográfica elaborada pelo Sistema de Bibliotecas da UVA. Biblioteca Maria Anunciação Almeida de Carvalho. A 663 Araújo, Luzia Cristina Nogueira de Língua brasileira de sinais: libras [livro eletrônico] / Luzia Cristina Nogueira de Araújo. – Rio de Janeiro : UVA, 2016. 3,5 MB ISBN 978-85-69287-12-4 Disponível também impresso. 1. Linguística. 2. Língua de sinais. 3. Língua brasileira de sinais. 4. Surdos - Educação. 5. Surdos - Meios de comunicação. I. Universidade Veiga de Almeida. II. Título. CDD – 419 SUMÁRIO Apresentação...............................................................................................................7 Sobre a autora..............................................................................................................9 Capítulo 1 - LIBRAS: aspectos históricos, culturais e legais................................................................................11 Surdez: aspectos básicos.........................................................................12 Cultura, identidade e surdez..................................................................18 A inclusão dos surdos e a legislação.................................................33 Referências...................................................................................................39 Capítulo 2 - LIBRAS e suas estruturas.........................45 Parâmetros da LIBRAS................................................................................46 Datilologia e números...............................................................................56 Estruturação de sentenças em LIBRAS.............................................68 Referências...............................................................................................77 Capítulo 3 - Aspectos gramaticais...............................79 Verbos e pronomes.......................................................................................80 Adjetivos e advérbios..................................................................................89 Morfologia, sintaxe e classificadores...................................................94 Referências..............................................................................................104 Capítulo 4 - Práticas socioculturais..........................107 LIBRAS e contextos sociais....................................................................108 Diálogo e conversação............................................................................115 Especificidades linguísticas da LIBRAS.............................................119 Referências...................................................................................................127 Considerações finais....................................................129 7 APRESENTAÇÃO O estudo da Língua de Sinais Brasileira – LIBRAS é, sem dúvida, um con- vite ao exercício de democracia e respeito às diversidades humanas, já que possibilita reflexões sobre a inclusão de cidadãos brasileiros que se diferenciam pela sua singularidade cultural e linguística. Antes de iniciarmos nossos estudos, é importante informar que a de- monstração dos sinais e da comunicação escrita ao longo dos capítulos será baseada nas formas de apresentação da maioria dos estudiosos e pesquisadores da LIBRAS. • Quando forem apresentados os sinais na forma escrita, serão utilizadas letras maiúsculas. Ex.: GOSTAR/NÃO-GOSTAR. • Para a representação de nomes próprios ou vocábulos sem si- nais estipulados, serão transcritas todas as letras separadas por hífen. Ex.: M-A-R-I-A. • Na LIBRAS, não há desinências de marca de gêneros; assim, na transcrição de termos que denotam marca de gênero, esta será re- presentada pelo símbolo “@”. Ex.: BONIT@. É válido ressaltar que, na representação gestual dos sinais, a marca de gênero é represen- tada pelos sinais de HOMEM/MULHER antes do sinal a ser expresso. HOMEM MULHER 8 • Para a representação dos movimentos dos sinais nas gravu- ras, será utilizada a tabela referendada pela Secretaria de Edu- cação Especial, do Ministério da Educação, aqui destacada no Capítulo 2. Dessa forma, pretende-se que os estudos sobre a LIBRAS contribuam não só para a ampliação de seus conhecimentos, mas também para o desenvolvimento de uma postura ética de respeito aos cidadãos sur- dos, pertencentes a uma minoria linguística. 9 SOBRE A AUTORA Luzia Cristina Nogueira de Araújo é pedagoga, especialista em Psico- pedagogia e mestre em Educação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ. Tem ainda as seguintes especializações: Docência do Ensino Superior, pela Universidade Cândido Mendes – UCAM; LIBRAS, Educação Especial e Inclusiva e Letras e Literatura pelas Faculdades Integradas de Jacarepaguá – FIJ; Aperfeiçoamento em Planejamento de Ensino, Educação Infantil e Educação Especial. É também graduada em Letras, com doutorado em Ciência da Educação pela Universidade Sal- gado de Oliveira – Universo, e pesquisadora da Secretaria de Estado da Educação – SEE/RJ e do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Edu- cacionais Anísio Teixeira – Inep/MEC. É membro do Grupo de Direitos Humanos da Universidade Veiga de Almeida - UVA e coordenadora do projeto “Pedagogia no contexto da inclusão”, do curso de Pedagogia. Tem experiência na área de formação de professores em turmas de graduação e pós-graduação como docente e coordenadora pedagógica e enfatiza em suas pesquisas e áreas de atuação os seguintes temas: formação de professores, políticas públicas educacionais, alfabetiza- ção e letramento, educação especial inclusiva, interdisciplinaridade e didática e práticas de ensino. ...................................................................................................................................................................................................................... 10 11Surdez: aspectos básicos ...................................................................................................................................................................................................................... CAPÍTULO 1 LIBRAS: ASPECTOS HISTÓRICOS, CULTURAIS E LEGAIS A princípio, pode parecer estranho iniciar a leitura com as- pectos básicos da surdez, o que implica definir o sujeito surdo clinicamente, visto que toda a concepção desse livro é respaldada pela visão da surdez como um aspecto cultu- ral, e não clínico. No entanto, o entendimento fisiológico da surdez pode contribuir para um melhor entendimento sobre questões de diferenciação entre pessoas que ouvem, pessoas que ouvem pouco, pessoas que ouvem com dificul- dade e pessoas que não ouvem nada, questões essas que também refletem na construção identitária e na forma de se “estar”no mundo dos sujeitos sociais. O reconhecimento da superação da visão puramente clí- nica para uma concepção cultural da surdez traz à tona reflexões históricas sobre a inclusão dos sujeitos surdos no mundo, bem como sinaliza o esforço da sociedade em sanar a sua própria deficiência de entendimento na área da surdez, inviabilizando o entendimento de “quem” são os sujeitos surdos, remetendo-nos, assim, à questão legal, e é na legislação vigente que encontramos as bases para a educação dos surdos, na perspectiva de respeito à sua identidade cultural. LIBRAS: aspectos históricos, culturais e legais12 ...................................................................................................................................................................................................................... SURDEZ: ASPECTOS BÁSICOS Para iniciarmos nossos estudos sobre a LIBRAS, torna-se relevante elucidar alguns aspectos básicos de fisiologia e etimologia na área da surdez, já que essas informações po- dem nos ajudar a refletir sobre os aspectos sociais, educa- cionais e políticos e, assim, facilitar perspectivas inclusivas na sociedade vigente. Torna-se importante primeiramente ressaltar que o fato de essa aula se ocupar em destacar a surdez sob o aspecto clínico não se confunde com a histo- ricidade da concepção da surdez como uma patologia clí- nica, atualmente já superada pelo entendimento da surdez como uma diferença cultural. Anatomia do ouvido humano O ouvido humano é formado por três partes, uma externa e duas internas, localizadas dentro da caixa craniana. Ouvido externo Estribo Martelo Bigorna Os sinais elétricos são transmitidos ao cérebro O tímpano vibra As ondas sonoras penetram no ouvido externo Ouvido interno Cóclea ou caracol No caracol, as células nervosas originam sinais elétricos Ouvido médio 13Surdez: aspectos básicos ...................................................................................................................................................................................................................... Ouvido externo Ouvido médio Ouvido interno Formação: - Pavilhão auri- cular (orelha). - Canal auditivo, e o conduto auditivo é a porta de entrada do som. Nesse canal, certas glândulas produzem cera para proteger o ouvido. Essa estrutura tem por função receber as ondas sonoras, captadas pela orelha, e transportá-las até a membrana timpâ- nica, ou tímpano, fazendo-a vibrar com a pressão das ondas sonoras. A membrana timpânica separa o ouvido externo do ouvido médio. Formação: - Membrana timpânica. - Três ossos minúscu- los, que são cha- mados de martelo, bigorna e estribo, pois são parecidos com esses objetos. Em contato com a membrana timpânica e o ouvido interno, eles transmitem as vibrações sonoras, que entram no ouvi- do externo e devem ser conduzidas até o ouvido interno. Esses ossículos são presos por mús- culos, tendo por função mover-se para frente e para trás, colaborando no transporte das ondas sonoras até a parte interna do ouvido. Onde está localizada a cóclea, em forma de caracol, que é a parte mais importante do ouvido, responsá- vel pela percepção auditiva. Os sons recebidos na cóclea são transformados em impulsos elétri- cos, que caminham até o cérebro, onde são “entendidos” pela pessoa. É nessa porção do ouvido que ocor- re a percepção do som. O processo de decodificação de um estímulo auditivo tem início na cóclea e termina nos centros auditivos do cérebro, possibilitando a compreensão da mensagem recebida. Fonte: Quadro elaborado a partir de leituras de Redondo e Carvalho (2000) e Gomes (2006). Se houver qualquer tipo de problema ou distúrbio no pro- cessamento normal da audição, independentemente de causa, tipo ou maior ou menor grau de severidade, isso pode constituir uma alteração auditiva, gerando no indiví- duo uma diminuição da sua capacidade de ouvir e perce- LIBRAS: aspectos históricos, culturais e legais14 ...................................................................................................................................................................................................................... ber os sons (GOMES, 2006). Assim, quanto à localização de dano e ao tipo de perda auditiva, destacam-se: - Condutiva: a alteração está localizada no ouvido externo e/ou ouvido médio; as principais causas deste tipo são as otites e a rolha de cera, acúmulo de secreção que vai da tuba auditiva para o interior do ouvido médio, prejudicando a vibração dos os- sículos (geralmente aparece em crianças frequente- mente resfriadas). Na maioria dos casos, essas per- das são reversíveis após tratamento. - Neurossensorial: a alteração está localizada no ou- vido interno (cóclea ou em fibras do nervo auditivo). Esse tipo de lesão é irreversível; as causas mais co- muns são a meningite e a rubéola materna. - Mista: a alteração está localizada no ouvido ex- terno e/ou médio e no ouvido interno. Geralmente ocorre devido a fatores genéticos determinantes de má-formação. - Central: a alteração pode se localizar desde o tron- co cerebral até as regiões subcorticais e o córtex ce- rebral. (GOMES, 2006, p. 16) As perdas auditivas são medidas pelo audiômetro — ins- trumento utilizado para medir a sensibilidade auditiva —, que classifica os graus da audição em: Audição normal - de 0 a 15 dB. Surdez leve - de 16 a 40 dB. Nesse caso a pessoa pode apresentar dificuldade para ouvir o som do tic-tac do relógio ou mesmo uma conversação em voz baixa (cochicho). Surdez moderada - de 41 a 55 dB. Com esse grau de perda auditiva a pessoa pode apresentar alguma dificuldade para ouvir uma voz fraca ou o canto de um pássaro. Surdez acentuada - de 56 a 70 dB. Com esse grau de perda auditiva a pessoa poderá ter alguma difi- culdade para ouvir uma conversação normal. Surdez severa - de 71 a 90 dB. Nesse caso a pes- soa poderá ter dificuldades para ouvir o telefone tocando ou ruídos das máquinas de escrever num escritório. 15Surdez: aspectos básicos ...................................................................................................................................................................................................................... Surdez profunda - acima de 91 dB. Nesse caso a pessoa poderá ter dificuldade para ouvir o ruído de caminhão, de discoteca, de uma máquina de serrar madeira ou, ainda, o ruído de um avião decolando. (GOMES , 2006, p. 16-17, grifo nosso) Dessa forma, podemos afirmar que os níveis da audição podem ser classificados como: normal, perda leve, perda moderada, perda acentuada, perda severa e perda pro- funda. No entanto, no Brasil, existem algumas divergências quanto à classificação dos graus, pois eles podem variar de acordo com a idade. A tabela acima é baseada em Gomes (2006). Abaixo, segue mais uma classificação, que, segun- do os Conselhos Federal e Regionais de Fonoaudiologia (2009), é a mais utilizada. Ressaltamos que a tabela é a mesma inserida nos estudos da Unidade 1, baseada no Ins- tituto Nacional de Educação de Surdos – INES. ≤ 25 dB = Audição normal. 26 - 40 dB = Perda auditiva de grau leve. 41 - 55 dB = Perda auditiva de grau moderado. 56 - 70 dB = Perda auditiva de grau moderadamente severo. 71 - 90 dB = Perda auditiva de grau severo. ≥ 91 dB = Perda auditiva de grau profundo. Fonte: Classificação da perda auditiva de acordo com o grau (LLOYD; KAPLAN, 1978, apud CONSELHOS FEDERAL E REGIONAIS DE FONOAUDIOLOGIA, 2009). Gomes (2006) ressalta que a surdez pode ser classificada como unilateral, quando se apresenta em apenas um ouvi- do, e bilateral, quando acomete os dois ouvidos. Quanto à aquisição, a autora acrescenta que a surdez pode ser divi- dida em dois grandes grupos: (i) surdez congênita, quando a pessoa já nasceu surda — nesse caso, a surdezé pré-lin- gual, ou seja, ocorreu antes da aquisição da linguagem; e LIBRAS: aspectos históricos, culturais e legais16 ...................................................................................................................................................................................................................... (ii) surdez adquirida, quando a pessoa perde a audição no decorrer da sua vida — nesse caso, a surdez poderá ser pré ou pós-lingual, dependendo de sua ocorrência ter se dado antes ou depois da aquisição da linguagem. Quanto à etimologia da surdez (causas), podemos destacar: •Pré-natais (durante a gestação): surdez provocada por fatores genéticos e hereditários, doenças adqui- ridas pela mãe na época da gestação (rubéola, to- xoplasmose, citomegalovírus, sífilis) e exposição da mãe a drogas ototóxicas (medicamentos que podem afetar a audição). •Perinatais (durante o nascimento): surdez pro- vocada mais frequentemente por parto prematuro, anóxia cerebral (falta de oxigenação no cérebro logo após o nascimento) e trauma de parto (uso inade- quado de fórceps, parto excessivamente rápido, parto demorado). •Pós-natais (depois do nascimento): surdez pro- vocada por doenças adquiridas pelo indivíduo ao longo da vida, como: meningite, caxumba, sarampo, ou pelo uso de medicamentos ototóxicos. Outros fatores também têm relação com a surdez, como avanço da idade, acidentes. (GOMES, 2006, p. 15-16, grifo nosso) O Decreto nº 5.626, de 2005, que regulamenta a Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002 (sobre a LIBRAS), e o artigo 18 da Lei nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000 (que esta- belece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas com deficiências), destacam: Art. 2º Para os fins deste Decreto, considera-se pessoa surda aquela que, por ter perda auditiva, compreende e interage com o mundo por meio de experiências visuais, manifestando sua cultura principalmente pelo uso da Língua Brasileira de Si- nais – LIBRAS. Parágrafo único. Considera-se deficiência auditiva a 17Surdez: aspectos básicos ...................................................................................................................................................................................................................... perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e um decibéis (dB) ou mais, aferida por audiograma nas frequências de 500 Hz, 1.000 Hz, 2.000 Hz e 3.000 Hz. (BRASIL, 2005) Os estudos dos aspectos básicos da surdez, dessa forma, contribuem para o entendimento de que o cidadão surdo é o sujeito que, pelo déficit sensorial (auditivo), pode se comunicar por meio de uma modalidade visual-gestual ou visual-espacial, representada pela língua de sinais, que é a língua natural dos surdos. 18 ...................................................................................................................................................................................................................... LIBRAS: aspectos históricos, culturais e legais CULTURA, IDENTIDADE E SURDEZ Falar sobre a construção da identidade surda é um bom começo para o entendimento do surdo como um sujeito constitutivo de significados culturais e um agente social que influencia e é influenciado pela sua cultura. Nessa perspectiva, a comunidade surda vem a ser um grupo que se forma na diferença, um grupo com cultura pró- pria. Destacamos que a cultura representa a identidade de um povo e retrata seu modo de viver sob vários aspec- tos, como costumes, hábitos, formas de lidar e construir o conhecimento e de entender as complexidades sociais. Seguindo tais argumentações, Perlin (2007) destaca que os surdos pertencem a uma cultura com referências culturais próprias, as quais permitem que eles se considerem sujei- tos culturais, e não deficientes. Historicamente, a concepção médico-terapêutica, dispen- sada às pessoas surdas, influenciou a definição da surdez a partir do déficit auditivo, mas deixou de incluir a ex- periência da surdez e de considerar os contextos sociais, culturais e identitários nos quais as pessoas surdas se de- senvolvem. Hoje, com o desenvolvimento político, social e científico, tais definições passaram a ser coadjuvantes na construção do sujeito surdo pela superação do enten- dimento tradicional meramente terapêutico para a adoção de uma concepção socioidentitária da surdez. Os surdos, hoje, formam uma organização social com atri- butos culturais próprios e “inter-relacionados, nos quais 19Cultura, identidade e surdez ...................................................................................................................................................................................................................... prevalecem as construções significativas de uma comuni- dade minoritária, que passa pela mudança de paradigma da deficiência para o de minoria linguística e cultural” (SILVA; KAUCHAKJE; GESUELI, 2003, p. 58). Para um melhor en- tendimento dessa transitoriedade histórica, vale ressaltar algumas manifestações sócio-históricas que contribuíram para a conquista de um entendimento do surdo como um sujeito cultural. Manifestações sócio-históricas na área da surdez No decorrer da história sobre grupos minoritários, que se distinguem por não se encaixarem em modelos preestabe- lecidos pela sociedade vigente, muitas concepções influen- ciaram as atitudes dessa sociedade e determinaram o aten- dimento ofertado às pessoas com deficiência. É interessante ressaltarmos que diferentes nomenclaturas surgiram para identificar os “diferentes” dos padrões da sociedade, tais como, entre outras: dementes, idiotas, inválidos, pessoas com necessidades especiais. Atualmente, seguindo o Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, sanciona- do pela Presidente Dilma Rousseff, o Decreto nº 7.612, de 17 de novembro 2011, em conformidade com a Convenção Internacional das Pessoas com Deficiência, define: Artigo 2º - São consideradas pessoas com deficiência aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na socieda- de em igualdades de condições com as demais pes- soas. (BRASIL, 2011) Nesse contexto, é mister destacar que as conquistas dessas pessoas não se restringem às preocupações com inúmeras e diferenciadas nomenclaturas, mas envolvem também o 20 ...................................................................................................................................................................................................................... LIBRAS: aspectos históricos, culturais e legais que elas representam na luta por direitos desses cidadãos. Na Antiguidade, por exemplo, os “diferentes” eram elimi- nados ou abandonados, pois o padrão da sociedade era a perfeição do indivíduo. Os surdos eram estereotipados como anormais, com algum tipo de atraso na inteligência, devido à ausência de trabalhos e pesquisas científicas de- senvolvidas na área socioeducacional. Naquela sociedade, para o indivíduo ser considerado “normal”, era preciso fa- lar e ouvir, sob esse prisma, os sujeitos surdos eram exclu- ídos da vida social e educacional. Nessa época, não havia a preocupação de formação educacional de surdos, uma vez que eles não eram vistos como cidadãos produtivos ou úteis à sociedade. Veloso e Maia Filho (2000) destacam que, em Atenas, os surdos eram deixados nas praças públicas ou campos; em Esparta, jogados de rochedos; e, em Roma, atirados no Rio Tigre. Isso se dava não só com os surdos, mas com qualquer outra pessoa que apresentasse algum tipo de deficiência. Os autores enfatizam, ainda, que os posicionamentos a serem tomados eram baseados nas diferentes culturas, ou seja, es- ses indivíduos podiamser exterminados, ofertados aos deu- ses ou abandonados. Ignorava-se o respeito a essas pessoas. Aristóteles, em 384 a.C., defendeu a ideia de que o homem expressava seus conhecimentos e inteligência por meio da fala; se um indivíduo não tem linguagem, logo, tampouco será dotado de inteligência. Assim, o filósofo ressaltava que: “[...] de todas as sensações, é a audição que contribui mais para a inteligência e o conhecimento [...], portanto, os nascidos surdos se tornam insensatos e naturalmente incapazes de razão.” (VELOSO; MAIA FILHO, 2000, p. 21). Tal concepção impedia os surdos de receber educação. 21Cultura, identidade e surdez ...................................................................................................................................................................................................................... Da Idade Média até o final do século XV, não existiam es- colas especializadas para sujeitos surdos. Dias (2006) des- taca que os surdos eram vistos como ineducáveis, e, em consequência disso, considerados como inúteis à coletivi- dade. Devido a esse fato, eles enfrentavam o preconceito, a piedade, o descrédito e até mesmo a denominação de loucos. Nessa época: [...] não era permitido aos surdos participarem da comunhão na igreja, pois eles não eram capazes de confessar seus pecados, assim como não era per- mitido o casamento entre pessoas surdas, só sendo consentidos aqueles que recebiam favor do Papa. Os surdos também não tinham direito a voto, herança e muitos outros direitos como cidadão. (STRÖBEL, 2009, p. 16) Com o avanço da medicina, do século XVI até o XVIII, a deficiência passa a ser considerada um problema médico, e não mais espiritual. Lane (1992), psicólogo e especialista em cultura surda, reconhecido pela afirmação de que “sur- dez não é deficiência”, acrescenta que, a partir do século XVI, estudiosos e filósofos que debatiam sobre a educação ressaltaram a integração social dos surdos. Essa preocu- pação educacional alertou estudiosos, que desenvolve- ram de forma independente seus trabalhos com surdos. Dentre eles, podemos destacar as experiências do médico pesquisador italiano Gerolamo Cardano (1501-1576), que afirmou que o surdo tinha habilidade de raciocinar e que a surdez não poderia se constituir em um obstáculo para o surdo adquirir o conhecimento. Vale destacar que, historicamente, não há registros oficiais do surgimento da língua de sinais no mundo; no entanto, existem registros iconográficos no século XVI (1579). Nes- se mesmo século, surgiu outra significativa experiência 22 ...................................................................................................................................................................................................................... LIBRAS: aspectos históricos, culturais e legais educacional, que foi desenvolvida pelo monge beneditino Pedro Ponce de León (1510-1584), reconhecido como o pri- meiro professor de surdos. León era herbólogo e também manipulava alguns remédios à base de ervas, com a fina- lidade de “curar” e fazer falar os surdos (GOMES, 2008). Ele utilizava, além dos sinais, treinamento da voz e leitura dos lábios. Foi também o divulgador de uma metodologia fonética de alfabetização, que diminuía o alfabeto para 21 sons e resolvia o problema de ensinar os nomes das le- tras (“Aleph” para “A”, por exemplo), assim, valorizando a representação sonora de cada elemento gráfico (REILY, 2007). Ele utilizava um alfabeto bimanual — com ambas as mãos — e alguns sinais simples. Gomes (2008, p. 9) enfatiza que “com o alfabeto bimanual, o estudante apren- dia a soletrar letra por letra qualquer palavra, mas não a se comunicar”. Léon dedicou-se a ensinar os surdos a ler, escrever, falar e a entender as doutrinas da fé católica. No entanto, Reily (2007) destaca que foram enviados ao mosteiro para receberem atendimento educacional apenas os filhos das famílias que faziam parte da nobreza espa- nhola. Os surdos que não pertenciam à elite social da épo- ca viviam em verdadeira miséria, sofrendo com a falta de trabalho e o isolamento social (SILVA, 2006). Moura (2000, p. 18) evidencia: “A possibilidade de o surdo falar impli- cava no seu reconhecimento como cidadão e, consequen- temente, no seu direito de receber a fortuna e o título da família.” A experiência de León, apesar de contribuir para a concepção da possibilidade de aprendizagem do surdo, paralelamente detonou a noção de que o surdo teria de falar para ser humanizado. Além disso, sua experiência respaldava o aprendizado dos surdos em metodologias destinadas a ouvintes. 23Cultura, identidade e surdez ...................................................................................................................................................................................................................... Ao longo do século XVII, as tentativas de ensinar o surdo a falar e/ou se comunicar por meio da escrita foram inúme- ras, tais como destacadas por Moura (2000) nos trabalhos de Juan Pablo Bonet, Konrah Amman, Jacob Rodrigues Pe- reire e Thomas Braidwood, a saber: Juan Pablo Bonet (1573–1633) Padre espanhol Konrah Amman (1669-1724) Médico e educador suíço Jacob Rodrigues Pereire (1715 – 1780) Educador francês Thomas Braidwood (1715-1806) Professor escocês Utilizava o al- fabeto manual (datilologia) para ensinar a leitura e a lín- gua de sinais e, posteriormen- te, a gramática. Defendia a oralização, mas não dispen- sou o auxílio da língua de sinais em seu trabalho. Educava os sur- dos por meio dos movimen- tos dos lábios, enquanto falava. Depois, induzia-os a imitar esses movimentos, até fazê-los repetir distin- tamente as letras, sílabas e palavras. “Os sinais eram utilizados para instruções, explicações lexicais, con- versações com os alunos, até eles terem a capacidade de poder se comu- nicar oralmente ou pela escrita [...].” (PEREIRE apud MOURA, 2000, p. 19) Para ele, falar significava ser um sujeito pensante. Dessa forma, seu objetivo era ensinar o surdo a falar. Fonte: Quadro elaborado a partir das pesquisas em Moura (2000). Quanto aos estudos e às experiências dos educadores su- pracitados, podemos observar que a metodologia utiliza- da para o processo de aprendizagem era baseada em uma concepção oralista, em que a surdez ainda é vista como uma doença. Gomes (2008) assegura que o século XVII foi marcado pelo oralismo. 24 ...................................................................................................................................................................................................................... LIBRAS: aspectos históricos, culturais e legais Não obstante, o século XVIII é considerado pelos estu- diosos em surdez o período mais fértil da educação de surdos, por conta do grande impulso quantitativo na área, como o aumento de escolas para surdos com a utilização da língua de sinais. Esse cenário contribuiu para a apren- dizagem dos surdos e para sua inserção em diversas pro- fissões. Dessa forma, podemos observar que houve uma conquista, antes inconcebível, na área da surdez: a utiliza- ção da língua de sinais como uma ferramenta importante na educação dos surdos. Tal conquista se deu a partir do educador francês Charles Michel de L’Epée (1712-1789), que, por motivos religiosos, fundou um asilo para pessoas surdas. Sacks (2005) destaca que L’Epée aprendeu a lín- gua de sinais e iniciou a educação de surdos na França, ensinando-lhes, além da religião, conhecimentos de nível escolar. O autor destaca: “[...] E então, associando sinais a figuras e palavras escritas, o abade ensinou-os a ler; e com isso, de um golpe, deu-lhes o acesso aos conhecimentos e à cultura do mundo.” (SACKS, 2005, p. 30). Além disso, o autor complementa que o educadortinha em sua sala um intérprete de língua de sinais para auxiliar no processo de ensino e aprendizagem. Para ele, os sons articulados não eram eficazes na educação de surdos, mas, sim, a língua de sinais, pois era por meio dela que os surdos tinham a possibilidade de aprender a ler e a escrever, já que era a forma natural que possuíam para expressar suas ideias (SILVA, 2006). Mesmo com todo avanço no processo de aprendizagem dos surdos, L’Epée se equivocou em não considerar a lín- gua de sinais como uma língua completa. A esse respeito, Sacks (2005, p. 33) ressalta: 25Cultura, identidade e surdez ...................................................................................................................................................................................................................... De fato, sua ignorância ou incredulidade a esse res- peito que levou a propor, e a impor, seu inteiramen- te absurdo e supérfluo sistema de ‘sinais metódi- cos’ que, em certa medida, retardava a educação e a comunicação de surdos. A compreensão da língua de sinais por De L’Epée continha tanta exaltação como depreciação. Ele a considerava, por um lado, uma língua ‘universal’; por outro lado, destituída de gramática (portanto, necessitando da importação da gramática francesa, por exemplo). Esse equívoco persistiu por sessenta anos, até que Roch-Ambroi- se Bébian, pupilo de Sicard, percebendo claramente que a língua de sinais nativa era autônoma e com- pleta, descartou os ‘sinais metódicos’, a gramática importada. O autor destaca que Abbé Sicard (1789-1839) foi o su- cessor de L’Epée na escola de surdos, após sua morte em 1789. Ele escreveu dois livros, um sobre gramática e o ou- tro apresentando métodos de como educar os surdos. Foi ele também quem escreveu o primeiro dicionário de sinais. No Brasil, até onde temos conhecimento, o registro mais remoto é do ano de 1875, produzido pelo aluno do INES, Flausino José da Gama, intitulado Iconographia dos Sig- naes dos Surdos-Mudos. Seu original se encontra na Biblio- teca Nacional e há ainda uma cópia no Biblioteca do INES. Sacks (2005, p. 32) ainda complementa: [...] Os surdos sem língua podem de fato ser como imbecis — e de um modo particularmente cruel, pois a inteligência, embora presente e talvez abun- dante, fica trancada pelo tempo que durar a au- sência de uma língua. Assim, o abade Sicard está correto, além de ser poético, quando escreve que a introdução da língua de sinais ‘abre as portas da [...] inteligência pela primeira vez’. A língua [de sinais] que usamos entre nós, sendo uma imagem fiel do objeto expresso, é singularmente apropriada para tornar nossas ideias acuradas e para ampliar nossa 26 ...................................................................................................................................................................................................................... LIBRAS: aspectos históricos, culturais e legais compreensão, obrigando-nos a adquirir o hábito da observação e análise constantes. Essa língua é vívi- da; retrata sentimentos e desenvolve a imaginação. Nenhuma outra língua é mais adequada para trans- mitir emoções fortes e intensas. Essa concepção inspirou todas as pesquisas no século XIX. Aqui no Brasil isso ocorre com a chegada de Edu- ard Huet (1822-1882), professor francês que criou a pri- meira escola de surdos no país, o Instituto de Surdos-Mu- dos – INSM — mais tarde rebatizada com o atual nome, INES — na cidade do Rio de janeiro, em 26 de setembro de 1837, por solicitação de D. Pedro II. (VELOSO; MAIA FILHO, 2000). O instituto funcionava como um internato. Crianças e adolescentes eram deixados lá durante todo o ano, estudavam os conteúdos disciplinares e participavam também de oficinas. Nelas, os meninos tinham atividades profissionalizantes, e as meninas aprendiam artesanato e culinária (JANUZZI, 2004). Segundo Veloso e Maia Filho (2000), o alfabeto manual foi difundido no Brasil pelos próprios surdos, alunos do instituto. De 6 a 11 de setembro de 1880, ocorreu o Congresso de Milão, com objetivo de discutir a educação das pes- soas com surdez, tendo como participantes 182 pessoas de vários países, na sua grande maioria ouvintes (SILVA, 2006). Nesse congresso, discutiu-se a educação de surdos e questionou-se se eles deveriam ser ensinados com uma abordagem de comunicação oral ou gestual. Um grupo de ouvintes defendeu a língua oral como a única possibilida- de de aprendizagem para os surdos. Alegava-se que as pa- lavras eram superiores aos gestos. Ficou, assim, proibida outra forma de comunicação, que não a oral, no contexto escolar. Tal decisão se transformou em um símbolo de re- 27Cultura, identidade e surdez ...................................................................................................................................................................................................................... pressão física e psicológica, ao rejeitar a língua de sinais ou gestos, mesmo que o aluno, apoiando-se nela, pudesse ter melhor desempenho na aprendizagem e maior integra- ção no mercado de trabalho (SILVA, 2006). Dessa forma, a oralização passou a ser a técnica mais em- pregada durante os fins do século XIX e grande parte do XX. Quanto a essa questão, Perlin e Ströbel (2008, p. 17) asseveram: A proibição de sinais por mais de 100 anos sempre esteve viva nas mentes dos povos surdos até hoje, no entanto, agora o desafio é construir uma nova história cultural, com o reconhecimento e respeito das diferenças, valorização de sua língua, a eman- cipação dos sujeitos surdos de todas as formas de opressão ouvintistas e seu livre desenvolvimento espontâneo de identidade cultural. Para Ströbel (2009), as representações baseadas na ideia de “modelar” os surdos a partir das representações dos ouvintes talvez tenham sido as mais “sofridas”. Dessa forma, entre os séculos XVIII e XIX, foram fundadas instituições para oferecer-lhes uma educação à parte, de caráter existencial, com práticas clínicas em uma perspec- tiva pedagógica. Vale ressaltar que, durante muitos anos, vivemos em parceria com o modelo médico de sociedade. Esse modelo é dotado de atitudes discriminatórias, nas quais as pessoas que não se encaixavam em um padrão estabelecido pelo grupo dominante, cultural e economica- mente falando, eram excluídas da sociedade. Esse quadro trouxe inúmeros preconceitos contra as pessoas com defi- ciência, interferindo na sua inserção junto à sociedade no que diz respeito ao acesso à escola e ao trabalho. 28 ...................................................................................................................................................................................................................... LIBRAS: aspectos históricos, culturais e legais No século XX, com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, iniciou-se um novo período, em que se buscava encontrar alternativas para tratar as pessoas com deficiência. Surge o conceito de normalização, que objetiva promover a “normalidade” da pessoa com defi- ciência, para que ela se torne produtiva, e, paralelamente, desenvolve-se a integração, propondo a modificação das pessoas com necessidades especiais, para que se ajustem às regras, aos valores e aos costumes da sociedade vigen- te. Na década de 1960, na área da surdez, preconizou-se a comunicação total ou bimodalismo, isto é, o uso simultâ- neo da língua dos sinais associada à oralização, ou seja, o uso simultâneo de palavras e sinais. A comunicação total valoriza a criação da língua si- nalizada, pois ela pode acompanhar a língua oral, possuindo a maioria dos elementos constitutivos da língua, mas não possui o elemento ‘produto cul- tural’, já que não é criada por uma comunidade falante, desvalorizando a característica histórica e cultural das línguasde sinais. (GOLDFELD, 2002, p. 41, grifo da autora) Nesse contexto, a comunicação total não obteve sucesso por conta da sua total desvalorização das línguas de sinais como uma modalidade que respeita o indivíduo surdo na sua totalidade, ou seja, como ser histórico-sociocultural e como usuário de uma língua com características linguís- ticas próprias. Surgem, no bojo desse processo histórico, em decorrência da superação da visão clínica da surdez, pesquisas sobre a língua de sinais, enfatizando que esta ajuda o desenvolvimento escolar das crianças surdas e se constitui em uma língua completa, que não prejudica as suas habilidades orais. Da mesma forma, as pesquisas de Stokoe (apud VILELA, 2007), considerado o pai da lin- guística das línguas de sinais, ocuparam-se em comprovar 29Cultura, identidade e surdez ...................................................................................................................................................................................................................... que as línguas de sinais são uma língua legítima, com sta- tus linguístico, tão completa e complexa quanto qualquer outra. O autor propôs que os sinais da língua americana (American Sign Language – ASL) são constituídos de três parâmetros, produzidos simultaneamente na articulação de um sinal: (i) produção da configuração das mãos, isto é, a forma como a mão se apresenta na realização dos si- nais; (ii) localização das mãos, que é o lugar no corpo ou no espaço em frente ao corpo no qual o sinal é feito; e (iii) movimento, ou seja, a maneira como a mão se move ao longo da articulação de um sinal. Esses estudos contribuíram significativamente para o en- tendimento de que a articulação de um sinal desempe- nhava, nas línguas sinalizadas, o mesmo papel dos fone- mas nas línguas orais. Assim, Stokoe (apud VILELA, 2007) utilizou o termo quirema (do grego quiros, que significa “mão”), no lugar de fonema, para designar cada aspecto (configuração, localização das mãos e movimento) que, em seus termos, constituíam simultaneamente os sinais e que tinham a função de distingui-los dos outros. Os estudos de Stokoe (apud VILELA, 2007) serviram como uma iniciativa qualitativa da preconização, iniciada na dé- cada de 1980 e presente ainda hoje, da modalidade bilín- gue na educação de surdos e contribuíram para pesquisas sobre a ampliação dos parâmetros, que hoje, além dos três citados pelo autor (configuração das mãos, localiza- ção das mãos e movimento), somam mais dois aspectos: direcionalidade (direção das mãos na realização do sinal) e expressões faciais e corporais, responsáveis pela inten- cionalidade da comunicação, ou seja, por demonstrar sen- timentos, ideias, emoções etc. 30 ...................................................................................................................................................................................................................... LIBRAS: aspectos históricos, culturais e legais Pesquisas têm mostrado que o bilinguismo é a proposta mais adequada para o ensino de crianças surdas. Nessa abordagem, considera-se a língua de sinais como primeira língua, e, a partir dela, passa-se para o ensino da segunda — no caso do nosso país, o português, com ênfase na mo- dalidade escrita ou oral. Na ideologia do bilinguismo, as crianças surdas precisam ser postas em contato primeiro com pessoas fluentes na língua de sinais, sejam seus pais, professores ou outros (PERLIN; STRÖBEL, 2008). O século XX foi palco de inúmeros movimentos sociais pelos direitos humanos, que corroboraram para a for- mulação e a promulgação de diversos decretos, leis e declarações para permitir, ainda que com restrições, a conscientização e a sensibilização da sociedade sobre os prejuízos da segregação e da marginalização de indivídu- os de grupos com status minoritários. Com relação ao mercado de trabalho, surgiu a Lei nº 7.853, de 24 de outubro de 1989, na qual são estabelecidas as nor- mas gerais que asseguram o pleno exercício dos direitos individuais e sociais das pessoas com deficiências e sua efetiva integração social. No âmbito educacional, em 1994, na Espanha, foi criada a Declaração de Salamanca, consi- derada mundialmente uma das mais importantes dentro do movimento de inclusão social. Ela trata dos princípios, da política e da prática em educação especial e tem como objetivo a inclusão daqueles que têm necessidades edu- cativas especiais, reconhecendo essa necessidade e visan- do a uma educação de qualidade para todos, sem distin- ções. Enveredando por esse caminho, surge a atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN (Lei nº 9.394/96), que trata a educação especial como uma mo- 31Cultura, identidade e surdez ...................................................................................................................................................................................................................... dalidade de educação escolar voltada para a formação do indivíduo, com vistas ao exercício da cidadania. A LDBEN, em consonância com a Constituição (1988), estabelece as bases para viabilizar a igualdade de oportunidades e des- taca a importância de se conviver com o diferente, tanto do ponto de vista de valores quanto de costumes, crenças religiosas, expressões artísticas, capacidades e limitações. O documento assevera que todas as pessoas com defici- ência têm o direito de serem incluídas na rede comum de ensino. Conclui-se que os surdos, fazendo parte des- se contexto, têm o direito de serem incluídos em escolas públicas em turmas regulares, de “ouvintes”. Iniciou-se, assim, um processo de luta pela legitimação da defesa da língua de sinais e da cultura surda, em que: [...] resistindo às pressões da concepção etnocêntri- ca dos ouvintes, organizou-se em todo o mundo e levantou bandeiras em defesa de uma língua e cul- tura próprias, voltando a protagonizar sua história. A princípio, as mudanças iniciais vêm sendo perce- bidas no espaço educacional, através de alternativas metodológicas que transformam em realidade o di- reito do surdo a ser educado em sua língua natural. (FERNANDES, 2006, p. 21) Chegamos, assim, ao século XXI, em que o processo de inclusão educacional e social de pessoas com deficiência, de minorias étnicas e/ou identitárias se intensificou mui- to, especialmente nos últimos anos. Pode-se identificar a crescente visibilidade de indivíduos que anteriormente es- tavam localizados à margem do processo social (MITTLER, 2003). A sociedade atual vislumbra formar cidadãos, su- jeitos históricos capazes de analisar e criticar as situações que vêm ocorrendo no mundo, fazendo inúmeras e dife- renciadas leituras, entendendo-as, adaptando-as e modi- ficando-as. Esse processo deve possibilitar aos cidadãos ...................................................................................................................................................................................................................... 32 ...................................................................................................................................................................................................................... LIBRAS: aspectos históricos, culturais e legais a construção de suas próprias histórias, que, inseridas no mundo, promovem o sentimento de pertencimento a essa nova sociedade marcada pela multidimensionalidade social, cultural e política, determinando uma nova ordem social — o respeito pelas diferenças. Com efeito, surge, na área da surdez, a Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002, que reconhece a LIBRAS como a língua materna dos surdos. Agrega-se a esse contexto o Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005, que, ao regulamen- tar a lei supramencionada, determina, no seu artigo 14, o ensino da línguaportuguesa na sua modalidade escrita como segunda língua para os deficientes auditivos, ratifi- cando o ensino bilíngue. Vale ressaltar que, embora sendo de modalidade diferente, a língua de sinais possui tam- bém características em relação às diferenças regionais, so- cioculturais, entre outras. “Assim, é preciso acrescentar que, do ponto de vista so- ciocultural, é direito do indivíduo surdo ter acesso ao instrumento linguístico característico da comunidade a qual naturalmente pertence.” (FERNANDES, 2006, p. 31). A cultura em que o sujeito surdo está inserido, portan- to, descreve as crenças, os comportamentos, a história e os valores constituídos e constituintes das subjetividades inerentes às produções culturais. Nesse contexto somáti- co, ressalta-se a língua não só como uma ferramenta de comunicação e transmissão da cultura, mas como elemen- to cultural engendrado de subjetividade, a partir da qual os surdos buscam construir sua própria identidade. 33A inclusão dos surdos e a legislação ............................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................ A INCLUSÃO DOS SURDOS E A LEGISLAÇÃO A sociedade contemporânea vem assistindo a implanta- ção de políticas inclusivas, visando sempre contemplar, de maneira cada vez mais efetiva, a democratização da sociedade. Nesse cenário, o Brasil vem assumindo compromissos com a ampliação de oportunidades também de escolari- zação para todos os seus cidadãos, independentemente de diferenças e condições especiais. Para Mantoan (2006), a inclusão só pode ser realizada no âmbito educacional por meio da mudança de paradigma. Segundo a autora, paradigma é um conceito moderno; são regras, valores e crenças partilhados por um grupo de pessoas em um dado momento na história, que determinam o comportamento de uma sociedade até o momento em que entram em cri- se, por não serem mais satisfatórios ou suficientes para a solução de problemas. Quando um paradigma entra em crise, há um conflito de ideias, diante de visões que neces- sitam rapidamente de mudança. Assim, mudança de para- digma é exatamente o que propõe a inclusão. Sobre a mudança de paradigmas, Mittler (2003) também dá a sua contribuição, destacando que é preciso substituir a ideia de “defeito” pela de um “modelo social”. Segundo o autor, ao se basear na ideia de defeito, entende-se que as dificuldades de aprendizagem estão localizadas no alu- no; logo, sob esse ponto de vista, a escola (sua cultura, 34 ...................................................................................................................................................................................................................... LIBRAS: aspectos históricos, culturais e legais suas normas, seus métodos de ensino, suas instalações e a capacitação e o perfil dos professores) não precisa mu- dar, porém o aluno necessita de auxílio para que possa se adequar à instituição escolar. Já o modelo social se sus- tenta na premissa de que a sociedade e as instituições são opressivas, discriminadoras e incapacitantes, e, portanto, é preciso dar ênfase à retirada de barreiras que impeçam a participação de pessoas deficientes na sociedade, bem como à mudança em instituições, regulamentos e atitudes que contribuam ou mantenham a exclusão. Assim, a educação inclusiva incorpora os mais do que comprovados princípios de uma educação da qual todos os cidadãos possam se beneficiar. Ela assume que as di- ferenças humanas são normais, com a concepção de que a aprendizagem deve ser adaptada às necessidades do sujeito da aprendizagem, em vez de adaptar o sujeito às assunções preconcebidas a respeito do ritmo e das formas do processo de aprendizagem. Tais prerrogativas assegu- ram condições necessárias para uma educação de qualida- de para todos, independentemente das diferenças políti- cas, físicas, sensoriais, sociais e culturais, em consonância com a nossa Constituição (1988), que, por meio da decla- ração do direito à educação, enfatiza, no seu artigo 5º: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade [...].” Como forma de sistematização desse contexto, a atual LDBEN trata a educação especial como uma modalidade de educação escolar voltada para a formação do indivíduo, com vistas ao exercício da cidadania, que deve se realizar 35A inclusão dos surdos e a legislação ...................................................................................................................................................................................................................... transversalmente, permeado a todos os níveis e demais modalidades de ensino nas instituições escolares. Por educação inclusiva, segundo a lei, entende-se o processo de inclusão das pessoas com deficiência na rede comum de ensino. A referida lei assegura ainda, entre outras coi- sas: professores capacitados e especializados; educação continuada; proposta pedagógica em consonância com os princípios éticos, políticos e estéticos; flexibilizações e adaptações curriculares. Daí se conclui que os surdos, fazendo parte desse contexto, poderão ser incluídos em turmas regulares, de “ouvintes”, em escolas públicas. Com efeito, o projeto de lei do Senado nº 180, de 2004, altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 — que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional —, incluindo, no currículo oficial da rede de ensino, a obrigatoriedade da oferta da LIBRAS em todas as etapas e modalidades da educação básica: Art. 26-B - Será garantida às pessoas surdas, em to- das as etapas e modalidades da educação básica, nas redes públicas e privadas de ensino, a oferta da Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS, na condição de língua nativa das pessoas surdas. (BRASIL, 2004) Esse contexto foi fruto da conquista dos surdos pela le- gitimação da Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002, que reconhece, como meio legal de comunicação e expressão, a LIBRAS como língua materna dos surdos: Entende-se como Língua Brasileira de Sinais – LI- BRAS a forma de comunicação e expressão, em que o sistema linguístico de natureza visual-motora, com estrutura gramatical própria, constituem um sistema linguístico de transmissão de ideias e fa- tos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil. (BRASIL, 2002) 36 ...................................................................................................................................................................................................................... LIBRAS: aspectos históricos, culturais e legais Nesse contexto, surge o Decreto nº 5.626, de 22 de dezem- bro de 2005, para regulamentar a lei supracitada, deter- minando, no seu artigo 14, o ensino da língua portuguesa como segunda língua para os deficientes auditivos. O mes- mo artigo, em seu inciso III, alínea b, menciona “prover as escolas com tradutor-intérprete de LIBRAS – Língua Portu- guesa”. E, ainda, no que diz respeito à contratação desses profissionais, assim como à avaliação de suas habilidades laborais, destaca-se que ela deve ser condizente com al- gumas diretrizes e resoluções já estabelecidas pelas po- líticas nacionais de educação especial na perspectiva da educação inclusiva (ARAÚJO, 2013). A Resolução CNE/CEB nº 2/2001, em seu artigo 2º, determina que: [...] os sistemas de ensino devem matricular todos os alunos, cabendo às escolas organizarem-separa o atendimento aos educandos com necessidades educacionais especiais, assegurando as condições necessárias para uma educação de qualidade para todos. (BRASIL, 2001) As peculiaridades das leis propostas reconhecem a língua de sinais como a língua materna dos grupos surdos, le- gitimando a sua cultura, e ainda preconizam a educação bilíngue, ou seja, o processo de ensino-aprendizagem con- duzido na língua de sinais como primeira língua, tratando a língua portuguesa, na modalidade escrita, como segun- da língua, conforme mencionado anteriormente. Assim, ao pensarmos na educação de surdos, respalda- dos nos nossos estudos anteriores, é justo optarmos por uma definição de diferença associada a aspectos sociais e culturais. Sugere-se, desse modo, que se acentue a diver- sidade como uma manifestação da diferença em favor do entendimento de que ser diferente é ser necessariamente 37A inclusão dos surdos e a legislação ...................................................................................................................................................................................................................... um sujeito singular e multicultural, pertencente a um ou vários grupos sociais, que diferem nas suas formas de re- presentatividade do(s) contexto(s) em que estão inseridos. A questão é que, no cotidiano educacional brasileiro, além do aprendizado da LIBRAS, que muitas das crianças sur- das brasileiras não aprenderam e cujo sistema linguístico é um sistema de natureza visual-espacial com estrutura gramatical própria, o aluno é obrigatoriamente submetido ao aprendizado da modalidade escrita da língua portugue- sa, já que a Lei nº 10.436, de 2002, no seu artigo 4º, pará- grafo único, diz que “a Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS não poderá substituir a modalidade escrita da língua por- tuguesa” (BRASIL, 2002). Percebe-se que há uma busca pela compreensão integral da pessoa surda e uma tentativa de aplicar as supracita- das leis em contextos educacionais; no entanto, a efeti- vação qualitativa ainda encontra muitas barreiras à sua concretização, principalmente quando se trata do enten- dimento da língua de sinais, já que esta é responsável pela forma como os sujeitos surdos adquirem o conhecimento e expressam seus pensamentos. Para a superação desse quadro, um bom caminho é difundir a LIBRAS e suas pe- culiaridades. Essas questões, porém, serão abordadas nos próximos capítulos. Enfatizamos, aqui, a necessidade de se entender a surdez em uma perspectiva sociocultural. Hoje, as leis, como a Lei nº 10.436, de 2002, e o Decreto nº 5.626, de 2005, as- seguram os direitos da pessoa surda com relação à educa- ção e à acessibilidade social. Nesse contexto, a língua de sinais é reconhecida em sua completude linguística como 38 ...................................................................................................................................................................................................................... LIBRAS: aspectos históricos, culturais e legais a primeira língua (L1) para os surdos, e a língua majoritá- ria, a língua portuguesa, como a segunda língua (L2). O bi- linguismo representa um enorme avanço para os surdos, uma vez que constitui uma concepção de linguagem como meio de apreensão e expressão. Nesse sentido, no que diz respeito à inclusão dos surdos no cotidiano educacional e social, foi exposto, neste capí- tulo, que é relevante compreender a problemática da in- serção desses sujeitos a partir dos desafios colocados pe- las estruturas de políticas públicas que preconizem a ideia de um mundo no qual exista espaço para todos e de que é possível o desenvolvimento de uma inclusão de qualidade. 39 ...................................................................................................................................................................................................................... REFERÊNCIAS ARAÚJO, Luzia Cristina de. Alfabetização/letramento para surdos: pela singularidade da legalização. Áquila: revista interdisciplinar da UVA. Rio de Janeiro, ano IV, n. 9, p. 99- 111, 2013. 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CAPÍTULO 2 LIBRAS E SUAS ESTRUTURAS Quando falamos em língua, é válido defini-la, segundo es- tudiosos, como: (i) um conjunto de regras e signos conven- cionais que constituem as suas manifestações, seja oral, gestual ou escrita; (ii) o código linguístico (conjunto de sig- nos e símbolos) empregado por uma determinada comuni- dade para a comunicação entre seus falantes sociais. Dessa forma, a língua torna-se o meio pelo qual os seres humanos desenvolvem sua linguagem, cabendo a ela a função de es- truturar a experiência humana em conteúdos significativos e torná-los comunicáveis. A linguagem, nesse contexto, se- ria a capacidade dos seres humanos de se comunicarem por meio de ideias, pensamentos, sentimentos ou até mesmo por sons, cores, imagens, gestos etc., inerentes a uma co- munidade para a comunicação entre seus sujeitos sociais. A LIBRAS, assim como a língua portuguesa, tem gramática própria, com todas as características que a definem como uma língua visual-espacial, capaz de manifestar suas re- gras linguísticas a fim de viabilizar suas formas de leituras de mundo e possibilidades de comunicação na sociedade em que vive. De modo a difundir a LIBRAS como uma possibilidade de comunicação e expressão legítima dos sujeitos surdos, este capítulo apontará suas estruturas linguísticas. 46 ...................................................................................................................................................................................................................... LIBRAS e suas estruturas PARÂMETROS DA LIBRAS A língua é um sistema de categorias com que o homem organiza o mundo em uma estrutura dotada de sentido. A produção e a compreensão de frases em uma língua (como o português) requerem que o falante seja capaz de associar corretamente sequências sonoras e significados. Podemos dizer que uma pessoa conhece realmente uma língua quando ela conhece as unidades constitutivas de cada plano e sabe combiná-las e recombiná-las de acordo com as suas necessidades comunicativas. Para Quadros, a língua de sinais “é uma língua espacial-vi- sual, pois utiliza a visão para captar as mensagens, e os movimentos, principalmente das mãos, para transmiti-la” (2006, p. 35). Percebe-se, assim, que ela se distingue das línguas orais pela utilização do canal comunicativo; en- quanto as línguas orais utilizam o canal oral-auditivo, as línguas de sinais utilizam o canal gestual-visual. Destaca-se que os sinais em LIBRAS representam a forma de representação das palavras quese deseja comunicar e podem ser definidos como icônicos (quando lembram o significado da palavra, como o sinal de borboleta, por exemplo, que remete às suas asas) ou arbitrários (que não têm semelhança alguma com a palavra, como o sinal do verbo estudar). É importante destacar que as línguas de sinais não são universais; cada país tem a sua, e seus códi- gos linguísticos sofrem influências culturais, ou seja, a lín- gua de sinais tem expressões que diferem de região para região — os regionalismos. 47Parâmetros da LIBRAS ...................................................................................................................................................................................................................... Em LIBRAS, os sinais contêm partes independentes, cada qual com número limitado de combinações, designados parâmetros. Conceituar a palavra “parâmetro” pode ser uma boa possibilidade de ampliar o conhecimento e o en- tendimento de uma língua de modalidade visual-espacial, como a LIBRAS. De acordo com o Dicionário inFormal (2015) “parâmetro” é uma “norma”, um “padrão”, uma “constante”. Ao refletirmos sobre a forma de comunicação na língua de sinais e a nomenclatura “parâmetros” para definir a construção de seus sinais, podemos concluir que a LIBRAS possui um padrão constante na sua forma de comunicação. Quais são os parâmetros da LIBRAS? Como visto anteriormente, as línguas de sinais são de modalidade visual-espacial (ou gestual-visual), pois as in- formações linguísticas são recebidas pelos olhos e trans- mitidas pelas mãos. Mesmo com as diferenças entre as modalidades oral e gestual, o termo “fonologia” também é usado para referir-se ao estudo dos elementos básicos das línguas de sinais. Contudo, justamente para marcar essa diferença entre as duas modalidades linguísticas, Stokoe (1960, apud VILELA, 2007) sugeriu o termo quirema — como vimos no capítulo anterior, ao destacarmos a his- toricidade da LIBRAS — para designar os elementos que formam os sinais: “configuração de mão – CM, locação – L e movimento – M”; e, para os estudos das combinações desses elementos, propôs o termo “quirologia”, que vem do grego: quiro (“mão”) e logia (“ciência”), ou, mais poeti- camente, “ouvir o que as mãos falam”. Assim, permaneceu a ideia de CM, L e M como as partes mínimas (fonemas) que formam os morfemas nas línguas de sinais, de forma semelhante aos fonemas que compõem os morfemas nas 48 ...................................................................................................................................................................................................................... LIBRAS e suas estruturas línguas orais. Contudo, a principal diferença entre língua de sinal e língua oral é a existência da ordem linear (se- quência de ordem horizontal no tempo) entre os fonemas das línguas orais e a forma simultânea na qual os fonemas (quiremas) das línguas de sinais são articulados (STOKOE, 1960, apud VILELA, 2007). Desse modo, os fonemas da lín- gua oral são substituídos na língua de sinais pelos quire- mas, que é a unidade elementar visual da língua sinalizada. Com o tempo, análises referentes às unidades de forma- ção dos sinais foram feitas, e foi sugerida por Battison (1974-1978) a adição de estruturas referentes à orienta- ção da mão (Or) e aos aspectos não manuais dos sinais (NM), que são as expressões faciais e corporais, e, assim, esses dois parâmetros também foram adicionados ao es- tudo da fonologia de sinais (STOKOE, 1960, apud VILELA, 2007). Nessa perspectiva, estudos atuais demonstram que a LIBRAS tem cinco parâmetros para a produção de sinais: configurações das mãos, localização, movimento, orienta- ção e expressões faciais e corporais. Configuração das mãos: são as possíveis formas que a mão apresenta ao realizar o sinal ou a letra do alfabeto manual. Podem ser realizadas pela mão predominante (mão direita, para os destros, e esquerda, para canhotos) ou pelas duas mãos de quem faz o sinal. Em suma, é o gesto que é feito com a mão. “Um gesto pode ter mais de um significado, o que vai di- fereciá-lo são as outras configurações.” (QUADROS; KAR- NOPP, 2004, p. 53). 49Parâmetros da LIBRAS ...................................................................................................................................................................................................................... Exemplo: sinais que se opõem quanto à locação, isto é, têm a mesma configuração de mãos, mas são realizados em par- tes diferentes do corpo (QUADROS; KARNOPP, 2004, p. 52). Ponto de articulação: é o local onde incide a mão (direita ou esquerda) configurada. A “locação é a área do corpo ou próxima ao corpo que está dentro do raio de alcance das mãos (cabeça, mão, tronco, braço e o espaço em volta ao corpo)” (QUADROS; KARNOPP, 2004, p. 53). Exemplo de locação APRENDER SÁBADO Cabeça Mão Tronco Braço Espaço 50 ...................................................................................................................................................................................................................... LIBRAS e suas estruturas Movimento: alguns sinais podem ter ou não movimento. O movimento também pode representar intensidade, isto é, podemos intensificar um sinal realizando-o de forma rápida, modificando seu significado. Por exemplo, o verbo trabalhar pode ter o movimento correspondente intensi- ficado, sendo essa uma forma de acrescentar-lhe um ad- vérbio. Na língua de sinais, a mão do enunciador desem- penha o papel de objeto, e o espaço no qual o movimento é realizado é a área ao redor do enunciador (QUADROS; KARNOPP, 2004, p. 53). AJOELHAR EM PÉ SENTAR Com movimento Sem movimento RIR CHORAR CONHECER 51Parâmetros da LIBRAS ...................................................................................................................................................................................................................... Por exemplo: Tipos de movimentos Para representar graficamente a realização dos sinais com movimentação, foi elaborada, pela Secretaria de Educação Especial, do Ministério da Educação, a tabela abaixo: Movimentos longos repetidos. Movimento único retilíneo com vibração das pontas dos dedos. Movimentos curtos repetidos. Movimentos curtos repetidos. Movimentos circulares repetidos. Movimento único semi- circular. Movimento único longo. Movimentos repetidos para cima e para baixo, tocando-se. TRABALHAR TRABALHAR MUITO TRABALHAR CONTINUADAMENTE 52 ...................................................................................................................................................................................................................... LIBRAS e suas estruturas Movimento único circular curto. Vibração dos dedos. Movimentos médios se- micirculares repetidos. Movimento em zigue-zague. Fonte: Ensino de língua portuguesa para surdos (BRASIL, 2002, p. 85). Alguns exemplos gráficos dos sinais e seus movimentos IMPORTANTE APRENDER Semicirculares repetitivos Circulares repetitivos 53Parâmetros da LIBRAS ...................................................................................................................................................................................................................... IMPORTANTE = circular repetitivo. APRENDER = curto repetitivo. LIBRAS = circular repetitivo. COMUNICAR = longo repetitivo. SURDO = único movimento longo. Orientação: tem fundamento na existência de pares mí- nimos de sinais que apresentam mudança em seus signi- ficados “apenas pela direção para qual a palma da mão aponta (para cima, para baixo, para dentro ou para o cor- po, para frente e para os lados direito e
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