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Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 5 INTRODUÇÃO Caro(a) aluno(a) É com prazer que apresento a você, aluno(a) do curso de graduação em Pedagogia da Unisa, na modalidade a distância, a apostila de Fundamentos da Educação Especial. Este material foi pensado e redigido tentando apontar os aspectos mais significativos no trabalho com alunos que tenham necessi- dades educacionais especiais. A diversidade educacional é significativa em nossas escolas, e, portanto, hoje é necessário que o professor possua conhecimentos que há alguns anos não eram importantes para o desenvolvimento do trabalho em escolas de ensino regular. Esta disciplina irá discutir aspectos funda- mentais sobre a legislação da educação especial e inclusiva e as características das diferentes deficiên- cias. Iremos estudar também as possibilidades de adaptação curricular para os alunos com deficiência. Lembramos que o conteúdo aqui apresentado é introdutório e que, durante sua vida profissional, a cada desafio em sua classe, será necessária a busca por aprofundamento nos conhecimentos. Gostaría- mos de ressaltar que o foco desta disciplina é o de propor questionamentos e apontar possibilidades so- bre sua prática pedagógica e beneficiar o trabalho com seu aluno. Temos a certeza de que cada conteúdo aqui discutido irá beneficiar a sua reflexão e o trabalho com seu(sua) aluno(a). Bom trabalho! Profa. Marcia Regina Zemella Luccas ESCOLA Escola é... o lugar onde se faz amigos não se trata só de prédios, salas, quadros, programas, horários, conceitos... Escola é, sobretudo, gente, gente que trabalha, que estuda, que se alegra, se conhece, se estima. O diretor é gente, O coordenador é gente, o professor é gente, o aluno é gente, cada funcionário é gente. E a escola será cada vez melhor na medida em que cada um se comporte como colega, amigo, irmão. Nada de ‘ilha cercada de gente por todos os lados’. Nada de conviver com as pessoas e depois descobrir que não tem amizade a ninguém nada de ser como o tijolo que forma a parede, indiferente, frio, só. Importante na escola não é só estudar, não é só trabalhar, é também criar laços de amizade, é criar ambiente de camaradagem, é conviver, é se ‘amarrar nela’! Ora, é lógico... numa escola assim vai ser fácil estudar, trabalhar, crescer, fazer amigos, educar-se, ser feliz. Paulo Freire Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 7 EDUCAÇÃO ESPECIAL1 Estamos sós, sem escusas. O homem está condenado a ser livre. Condenado porque não se criou a si mes- mo e, no entanto, por outro lado, livre, pois uma vez lançado ao mundo é responsável por tudo aquilo que faz. Jean-Paul Sartre numerosa parcela de excluídos por esse sistema, sem possibilidade de acesso à escolarização, ape- sar dos esforços empreendidos para a universali- zação do ensino. Enfrentar o desafio da educação na diver- sidade é uma condição para responder à expec- tativa de democratização da educação em nosso país. A escola que se espera para o século XXI deve responder à aspiração da sociedade, no sen- tido de produzir e difundir o saber já constituído e de formar cidadãos críticos e participativos, que possam responder às demandas cada vez mais complexas da sociedade moderna. 1.1 Política Educacional Você sabe como a educação mudou seus parâmetros? A pedagogia da exclusão tem origens re- motas, e desde então os deficientes são vistos como “doentes”, incapazes. Esses indivíduos “ocu- pam no imaginário coletivo das pessoas a posição de alvos de caridade popular e não de sujeitos de direito” (BRASIL, 2002, p. 20). Constatam-se, ainda hoje, dificuldades de aceitação de crianças com deficiências ou dificuldades de aprendizagem, por parte dos familiares, da sociedade e da escola, mesmo que esta permita que o aluno a frequente. As crianças com necessidades educacionais especiais são um “fato novo” em nossas escolas de ensino regular. Os professores explicitam por meio de seus discursos que os alunos por eles atendidos, no caso, os alunos com alguma defi- ciência, não fazem parte do grupo que eles ima- ginavam que trabalhariam. Os professores res- saltam que sua opção de trabalho foi, sim, com crianças, porém não com crianças deficientes. Essa é uma observação legítima, pois, em nossa sociedade, os deficientes, doentes, ou dife- rentes estão excluídos da convivência social. Caro(a) aluno(a), O direito de todas as pessoas à educação é resguardado pela Constituição Federal de 1988 e também pelas diretrizes da política nacional de educação, independentemente de gênero, et- nia, idade ou classe social. O acesso à escola vai além do ato da matrícula e significa que o aluno deve aprender a desenvolver suas habilidades e competências a partir das oportunidades educa- cionais oferecidas a ele e a todos os alunos com o objetivo de atingir as finalidades da educação previstas. A perspectiva de educação para TODOS constitui um grande desafio para os sistemas edu- cacionais. A realidade brasileira aponta para uma Marcia Regina Zemella Luccas Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 8 A modernidade explica a sociedade atra- vés da classificação, a partir dos atos de inclusão e de exclusão (o que não forma uma classe é excluído). Na modernida- de, tempo de designação e denotação, surgem novas ambivalências. A partir de novas ambivalências aparecem os que podem ser chamados de inomináveis. Os inomináveis são os que não são nem isto nem aquilo. Os inomináveis são aqueles que desordenam, que deixam a ordem sem efeito (SCLIAR, 2003, p. 55). Os defi- cientes são aqueles que nunca são o que deveriam ser, e se sabe que alguém é na medida do desejo dos outros... (LARA apud SCLIAR, 2003, p. 12). Este é um fato historicamente criado, [...] os valores e as normas praticadas sobre as deficiências formam parte de um discurso historicamente construído, onde a deficiência não é simplesmente um objeto, um fato natural, uma fatalida- de... esse discurso, assim construído, não afeta somente as pessoas com deficiên- cia, regula também a vida das pessoas consideradas normais, incapacitação e normalidade pertencem, assim, a uma mesma matriz de poder (SILVA, 1997 apud SCLIAR, 2003, p. 155). A instituição educativa, chamada escola, é uma invenção, um produto do que denominamos modernidade. No início do século XIX, a infância já era tida como algo obtido através da constru- ção. No texto “A infância na cidade de Gepeto ou possibilidades do neopragmatismo para pensar- mos os direitos da criança na cultura pós-moderna”, Ghiraldelli (1999, p. 11-12), faz uma comparação entre o conto “As aventuras de Pinóquio” com a constituição da criança, aquele que não é criança, mas pode tornar-se. Como conhecemos, Pinóquio é um boneco de madeira, que, para se tornar um menino de verdade, deveria ser bom para seu pai e para com os outros, ter responsabilidade e ter sua própria consciência. O pai de Pinóquio entende que é ne- cessário que este vá para a escola, que fica na ci- dade. Escola e Cidade são dois lugares entendidos como em parte responsáveis pela constituição da infância. Fica claro que a infância pode acontecer nesse espaço, mas não necessariamente aconte- cerá, pois existem diversas possibilidades nessa vivência. Pinóquio não é bom e nem mau, é ape- nas um boneco de madeira que sofre diversas in- fluências de outros personagens que não são, ne- cessariamente, cidadãos. Ao término da narrativa ele se transforma em menino de verdade na me- dida em que contraria os não cidadãos e desen- volve comportamentos que aos olhos do pai e da fada são de bondade e responsabilidade. Gepeto, pai de Pinóquio, acreditava que a cidade oferecia um espaço próprio para todos os meninos. Na es- cola, entendia Gepeto, viver-se-ia como “menino de verdade” para enfim se tornar “menino de ver- dade”. Gepeto esculpiu Pinóquio em um pedaço de madeira falante. Nessa relação, uma possibili- dade de hominização foi dada ao que antes era boneco, porém só a relação como pai não era su- ficiente, ele precisava viver com outros humanos em outros lugares diferentes para poder realizar escolhas e ser reconhecido pelo pai e pela socie- dade como “menino de verdade”. Entendo que essa reflexão pode nos auxiliar a compreender o processo que marca a ideia de inclusão escolar de alunos deficientes. A educação especial, hoje, pensada a par- tir do paradigma de apoios/suportes, e visando à inclusão, entende que a diversidade é fator de enriquecimento social e que o sujeito vai se cons- tituir a partir das relações estabelecidas nessa so- ciedade. AtençãoAtenção A educação especial hoje visa à inclusão das pes- soas com necessidades especiais, entende que a diversidade é fator de enriquecimento e mudan- ça do paradigma social. Fundamentos da Educação Especial Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 9 Hoje nos questionamos: será que esse alu- no deve estar na escola regular? Ele não deveria estar em uma escola especial? No Brasil, a educação especial hoje é vista como uma modalidade de educação escolar que está a serviço da formação dos alunos que pos- suem alguma deficiência como um indivíduo, vi- sando ao exercício da cidadania. Como elemento integrante e indistin- to do sistema educacional, realiza-se transversalmente, em todos os níveis de ensino, nas instituições escolares, cujo projeto, organização e prática pedagó- gica devem respeitar a diversidade dos alunos, a exigir diferenciações nos atos pedagógicos que contemplem as neces- sidades educacionais de todos. Os servi- ços educacionais especiais, embora di- ferenciados, não podem desenvolver-se isoladamente, mas devem fazer parte de uma estratégia global de educação e vi- sar suas finalidades gerais. (BRASIL, 1999, p. 21). A educação especial, portanto, é vista como uma modalidade de ensino que atua transver- salmente em todos os níveis – educação infantil, ensinos fundamental, médio e superior, educa- ção de jovens e adultos e educação profissional –, tendo como objetivo auxiliar o pleno desenvolvi- mento das capacidades de cada sujeito de direito. A legislação brasileira aponta que a socie- dade e as instituições de educação devem respei- tar a diversidade humana; e que os diferentes, en- tre estes os deficientes, também têm o direito de acesso à escola e que esta deve visar à qualidade de ensino para todos, sem restrições, bem como deve proporcionar a todos os alunos o desenvol- vimento cognitivo e a socialização. A escola, pen- sada a partir dessa perspectiva, busca consolidar o respeito às diferenças, e estas não devem servir de obstáculo para a aprendizagem, mas devem ser fator de enriquecimento da ação educativa. 1.2 Quem são os Sujeitos da Educação Especial A diversidade contempla uma ampla di- mensão de características, entre elas as necessi- dades educacionais especiais. As necessidades educacionais especiais podem ser identificadas em diversas si- tuações representativas de dificuldades de aprendizagem, como decorrência de condições individuais, econômicas ou socioculturais dos alunos. Podemos citar algumas, crianças com condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais e senso- riais diferenciadas; crianças com deficiên- cia e bem dotadas; crianças trabalhadoras ou que vivem nas ruas; crianças de popu- lações distantes ou nômades; crianças de minorias lingüísticas, étnicas ou culturais; crianças de grupos desfavorecidos ou marginalizados. A expressão necessida- des educacionais especiais pode ser uti- lizada para referir-se a crianças e jovens cujas necessidades decorrem de sua ele- vada capacidade ou de suas dificuldades para aprender. Está associada, portanto, a dificuldades de aprendizagem, não ne- cessariamente vinculada a deficiência(s). (BRASIL, 1999, p. 21). A Declaração de Salamanca, de 1994 (UNESCO, 1996), aponta uma interessante e de- safiadora concepção ao utilizar o termo necessi- dades educacionais especiais. Esse termo esten- de a possibilidade de acolher em seu âmbito a todos que possuam necessidades diferenciadas de aprendizagem, a partir de suas características pessoais ou sociais. As escolas devem acolher a todas as crianças, incluindo as deficientes, super- dotadas, de rua, de populações distantes e nôma- des, pertencentes a minorias linguísticas, étnicas ou culturais. A partir dessa concepção, entende- -se que deve ser desenvolvida uma pedagogia centrada na relação com a criança, que seja capaz de educar todos os alunos, atendendo às necessi- dades de cada um, considerando suas diferenças e necessidades individuais. Marcia Regina Zemella Luccas Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 10 E quanto à educação especial, deve atender a toda essa demanda? Não. A educação especial aponta para uma definição de prioridades no que se refere ao atendimento especializado a ser ofe- recido para a escola. Segundo os Parâmetros Cur- riculares Nacionais de Educação Especial (BRASIL, 1999): Nessa perspectiva, define como aluno portador de necessidades especiais aque- le que ‘[…] por apresentar necessidades próprias e diferentes dos demais alunos no domínio das aprendizagens curricula- res correspondentes à sua idade, requer recursos pedagógicos e metodologias educacionais específicas’. A classificação desses alunos, para efeito de prioridade no atendimento educacional especializa- do (preferencialmente na rede regular de ensino), consta da referida Política e dá ênfase a: • portadores de deficiência mental, vi- sual, auditiva, física e múltipla; • portadores de condutas típicas (proble- mas de conduta); • portadores de superdotação/altas habi- lidades (BRASIL, 1999, p. 21). Atualmente, a Resolução nº 4, de 13 de ju- lho de 2010, ratifica o que foi apontado pelos Pa- râmetros Curriculares Nacionais, porém modifica a nomenclatura, passando de alunos com condu- tas típicas para alunos com Transtornos Globais do Desenvolvimento, conforme segue: Art. 29. A Educação Especial, como mo- dalidade transversal a todos os níveis, etapas e modalidades de ensino, é parte integrante da educação regular, devendo ser prevista no projeto político-pedagó- gico da unidade escolar. § 1º Os sistemas de ensino devem ma- tricular os estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimen- to e altas habilidades/superdotação nas classes comuns do ensino regular e no Atendimento Educacional Especializado [...] (BRASIL, 2010). É importante salientar que o fato de um alu- no ter deficiência, Transtornos Globais do Desen- volvimento ou superdotação/altas habilidades, não quer dizer que ele necessariamente possui necessidades educacionais especiais; só serão assim considerados quando estes exigirem res- postas específicas e adequadas. O que se quer resgatar com essa expressão é a necessidade de um olhar singular para todos os alunos, de modo que suas necessidades educacionais sejam satis- feitas. Falar em necessidades educacionais espe- ciais, portanto, deixa de ser pensar nas dificulda- des específicas dos alunos e passa a significar o que a escola pode fazer para dar respostas às suas necessidades, de um modo geral, bem como aos que apresentam necessidades específicas muito diferentes dos demais. É importante ressaltar que, nesse contexto, a ajuda pedagógica não deve restringir ou preju- dicar os trabalhos dos alunos, mas potencializar sua participação e aprendizagem. 1.3 Resumo do Capítulo Neste capítulo, ressaltamos a importância da escola enquanto instituição social. Apontamos que é nesse espaço que as crianças se desenvolvem, aprendem e apreendem conceitos e comportamentos da nossa sociedade. É importante ressaltar que a família também possui sua parcela de responsabilidade para com seus filhos. Os autores e a legislação mostram que as pessoas com deficiência devem frequen- tar a escola como qualquer outra criança. Vamos, agora, avaliar a sua aprendizagem. Fundamentos da Educação Especial Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 11 1.4 Atividades Propostas Agora, responda:1. Quem são os alunos considerados para a atuação da educação especial, segundo a Resolução nº 4/2010? 2. Quais os objetivos da escola inclusiva? Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 13 UM POUCO DA HISTÓRIA DO ATENDIMENTO AOS DEFICIENTES2 A história tem o hábito de não permanecer no passado. Apple e Teitelbaun Caro(a) aluno(a), pudemos observar que a educação tem passado por modificações signi- ficativas. Agora, iremos entender um pouco os elementos que propiciaram essas mudanças, por meio da história do atendimento às pessoas com deficiência. Ao longo da história da civilização ociden- tal, a conquista dos direitos das pessoas “excep- cionais” (ou seja, aquele em que constitui ou en- volve exceção) foi ocorrendo de forma gradativa, assim como a conceituação de infância e escola. Foram ocorrendo mudanças nas formas de cons- tituição dos espaços e tempos sociais, bem como na constituição dos espaços públicos e privados. Ainda hoje, apesar dos movimentos sociais e edu- cacionais existentes, vivemos com o preconceito em relação às pessoas com deficiência. O sentimento da infância foi sendo culti- vado a partir de mudanças na estrutura familiar, pois a formação dos estados nacionais foi deman- dando a necessidade de se instituírem comporta- mentos integrados aos fins da vida social (CAMBI, 1999 apud LABRIOLA, 2002). Para que esses comportamentos fossem consolidados, foram criadas instituições voltadas a produzir essa convergência de comportamen- tos. O espaço criado para a criança foi a escola. Esse espaço, em conjunto com a família, deveria desempenhar um papel fundamental na forma- ção dos indivíduos e na reprodução cultural, ideo- lógica e profissional da sociedade. AtençãoAtenção ...a escola é, portanto, o lugar de reconstrução da vida social, de conexão de passado, presente e futuro, entre teoria e práxis e entre indivíduo e sociedade. A escola moderna foi também um lugar de emancipação dos indivíduos, princi- palmente das classes populares, elevan- do-as da condição de governadas à de potenciais governantes; foi um lugar so- cial complexo e ambíguo, onde ideologia e cultura se enfrentam, se opõem. (CAM- BI, 1999 apud LABRIOLA, 2002, p. 193). Conforme citado, o autor observa que a es- cola é, portanto, o lugar de reconstrução da vida social, de conexão de passado, presente e futuro, entre teoria e práxis e entre indivíduo e socieda- de. Nesse espaço, portanto, as perguntas sobre a natureza da infância são inseparáveis. A infância não é uma fase natural dos seres humanos, mas algo que vai sendo montado, cria- do a partir das novas formas de falar e sentir dos adultos em relação ao que fazer com as crianças. A escola é um elemento que concorre para forjar a infância. Se na infância é necessária a família e a ins- tituição social escola para forjá-la, como podemos entender o deficiente (segundo Dicionário Auré- lio: falto, falho, carente; imperfeito, incompleto) nesse espaço? Marcia Regina Zemella Luccas Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 14 Como a nossa sociedade encarava os defi- cientes. Na Antiguidade, os excepcionais eram en- carados como uma aberração que deveria ser descartada da sociedade. Em Esparta, assim como em Atenas, a criança só ficava sob os cuidados da mãe após uma inspeção do Estado, já que a crian- ça era propriedade dele a partir do nascimento. Nessa inspeção, verificava-se se a criança era sau- dável e forte; se fosse doente, fraca, ou deficiente, deveria morrer. Era costume deixar vivos somente os filhos sadios e robustos; entretanto, essa deci- são ficava sob a responsabilidade do pai, e não só do Estado. Para os gregos, a grande preocupação era o desenvolvimento de um adulto saudável e forte que pudesse atuar na defesa da pátria, obter êxito nos jogos e ter boa prática nas ciências. Verifica- -se, então, que não havia lugar nessa sociedade para o “deficiente”, visto como “problema”. A me- lhor forma de erradicá-los era, então, a morte. Na Roma Antiga, a criança após oito ou nove dias sofria uma verificação. O pai tinha o direito de decidir sobre a vida e a morte de suas esposas e filhos. A criança era colocada sob os pés do pai: se ele a erguesse seria aceita, caso permanecesse indiferente seria repudiada e abandonada, fato fre- quente quando a criança era deficiente (EMMEL, 2001, p. 142). Esses fatos nos permitem compreender que os deficientes, ao longo da história ocidental, eram considerados um estorvo para a sociedade e, sendo assim, deveriam ser eliminados. A Lei das 12 Tábuas, que vigorava no início da Repúbli- ca Romana, permitia que o pai matasse os filhos “anormais”. Essa foi a primeira vez na história em que apareceu o deficiente. Na Idade Média, aproximadamente no sé- culo XVI, sob a influência da Igreja, a sociedade passou a adotar uma consciência mais humana. Entendia-se que os homens eram criaturas “divi- nas” e que, portanto, os “excepcionais ou anor- 2.1 História da Deficiência mais” não poderiam mais ser eliminados e deve- riam ser deixados livres. A Igreja Católica começa, então, a se responsabilizar pelos leprosos, vaga- bundos e mutilados, colocando-os em locais se- parados da sociedade. O corpo do ‘deficiente’, fugindo ao padrão, trazia o desafio do trato diferenciado. A falta de conhecimento de como atender às necessidades do portador de deficiên- cia serviu, então, como justificativa para enclausurá-los em espaços ditos ‘especia- lizados’. [...] o preconceito demonstrava claramente que a função desse espaço era evitar que a população fosse conta- minada por aquela terrível doença: a de- ficiência. (EMMEL, 2001, p. 142). Do século XIV até o XVII, a exclusão dos in- divíduos indesejados foi uma prática constante. A sociedade pregava, por meio dos valores éticos e morais, que o melhor era retirar do convívio social todos os deficientes, enviando-os em embarca- ções marinhas para alto mar e deixando-os à pró- pria sorte, fechando-os em celas e calabouços, ou colocando-os em asilos e hospitais. A internação aparece como um grande movimento em um período de segregação e categorização dos in- divíduos, pois internar a loucura, a devassidão e a libertinagem era um meio de manter “normal” toda a sociedade. Aqueles cujas potencialidades pudessem vir a se concretizar em atos danosos à sociedade deveriam ser excluídos, pois seu comportamen- to poderia prejudicar o fim previamente traçado para ela. O objetivo alegado seria que essas insti- tuições, onde são confinados os excluídos, fossem instrumentos de reinserção do indivíduo, reajus- tando-os ao convívio social. Para diversos autores, o fim maior seria o de transformar e pesquisar o homem transformando-o em objeto científico; a ciência quer moldá-lo e controlar suas potencia- lidades. O importante deixa de ser punir e passa a ser vigiar, controlar, antes que o ato criminoso Fundamentos da Educação Especial Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 15 aconteça. O objetivo secundário seria reinseri-lo; para isso, ele teria de se moldar ao predetermina- do como socialmente aceitável. Focault, em seu livro – Vigiar e punir –, apon- ta que os manicômios, as escolas, os hospitais e as prisões fazem parte de uma rede de exclusão, em nome do progresso. A sociedade industrial leva o homem a uma homogeneidade. Nessa época, foi desenvolvida a ciência estatística que cria o con- ceito de normalidade. Nessa ciência, tudo o que é diferente, ou seja, que fica fora da média, é ruim e deve ser excluído. No século XIX, a sociedade ainda reflete nos seus atos uma posição preconceituosa que conti- nua confinando os excepcionais em instituições especiais, porém, modifica o trabalho e começa a introduzir propostas fundadas na prática médica que visam à habilitação, à reabilitação e à profis- sionalização. No século XX, a educação modifica seu pa- radigma e passa a ter uma visão inclusiva. Esta tem como objetivo modificar o percurso da ex- clusão histórica, que, em nome deaprimorar o ser humano, somente o tornou mais distante de seus pares e de uma forma cada vez mais hipócrita, porque em vez de incluí-lo na sociedade, esta o segregou mais. A Educação Especial é dirigida a pessoas “excepcionais”, isto é, àquelas que apresentam deficiências mentais, físicas, sensoriais, múltiplas deficiências, desajuste emocional, distúrbios de conduta, bem como aos superdotados, ou seja, todos aqueles que fogem da norma. Embora existam diferenças, a Educação Es- pecial faz parte da educação geral, já que suas finalidades são as mesmas (a autorrealização, a qualificação para o trabalho e a cidadania escla- recida). O despreparo de algumas instituições e educadores faz com que muitos excepcionais te- nham o seu desenvolvimento em um nível bem abaixo do que suas reais capacidades física, emo- cional, social e mental permitem. Há o preconcei- to de que todo excepcional é incapaz e limitado, e, por isso, o potencial desses indivíduos não é explorado. A grande dificuldade que encontramos hoje é que os deficientes são pessoas “um pouco diferentes”. Essas diferenças são correspondentes às diversas áreas de manifestação da excepciona- lidade e de vários graus. Para alguns, pequenas modificações na sala de aula e/ou enriquecimen- to do programa regular já são suficientes para facilitar seu ajustamento no processo ensino- -aprendizagem. Outros não podem ser educados dentro do sistema-padrão utilizado por crianças ditas “normais”, pois dependerá do grau de dife- rença do indivíduo. Tal estágio, quanto mais alto for, acarretará a necessidade de professores es- pecializados, metodologia especial, currículos apropriados, recursos instrucionais específicos e instalações adequadas. 2.2 A História da Educação Especial no Brasil A história da educação especial no Brasil acontece seguindo o que ocorreu no mundo oci- dental... A História da Educação no Brasil nos mostra que quando a economia começou a necessitar de mão de obra qualificada, as massas populares fo- ram chamadas à escola, enquanto os segmentos dominantes da sociedade, por sua vez, podiam estudar na Europa. A educação popular, assim, foi sendo concedida à medida que tornou-se ne- cessária para a subsistência do sistema dominante, até o momento em que se estruturaram os movimentos populares que passaram a reivindicar a educação como um direito. (FONTES, 2002, p. 507). Marcia Regina Zemella Luccas Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 16 Mazzotta (2001, p. 31) aponta que a evolu- ção da Educação Especial no Brasil pode ser divi- dida em dois períodos, a saber: �� de 1854 a 1956, quando acontecem ini- ciativas oficiais e particulares; �� de 1957 a 1993, quando acontecem ini- ciativas oficiais de âmbito nacional. O primeiro período, apontado por Mazzot- ta, tem início quando, em 1854, o Imperador Dom Pedro II funda, na cidade do Rio de Janeiro, o Im- perial Instituto de Meninos Cegos, sendo hoje co- nhecido como Instituto Benjamim Constant (IBC). Em 1857, D. Pedro II funda o Imperial Instituto dos Surdos-Mudos, hoje conhecido como Instituto Na- cional de Educação de Surdos (INES). Apesar de serem precários os atendimentos, o IBC e o INES, em 1883, realizaram o 1º Congresso de Instrução Pública, visando a discutir a educação dos portadores de deficiência no Brasil. Na década de 1920, a Reforma Francisco Campos, Decreto-Lei nº 7.870 A, de 15 de outubro de 1927, prescreveu a obrigatoriedade do Ensino Primário para crianças de 7 a 14 anos, que podia ser ampliada até 16 anos para os que não con- seguissem concluir o primário aos 14 anos. Fica- vam isentos dessa obrigatoriedade, entre outros, aqueles que tivessem “[...] incapacidade física ou mental verificada por médico escolar ou outro meio idôneo. Na incapacidade física além das de- formações do corpo incluíam-se moléstias conta- giosas ou repulsivas [...]” (FONTES, 2002, p. 507). Em 1932, a legislação fica mais específica e na IV Conferência da Associação Brasileira de Educação a legislação federal passa a entender que os alunos “anormais do físico (débeis, cegos e surdos-mudos), anormais de conduta [...] e anor- mais de inteligência” deveriam ser atendidos em escolas separadas dos “débeis mentais ligeiros”. Essa Lei chamou-se Ensino Emendativo (PRIETO, 1996, p. 32). A expressão Ensino Emendativo, que vem de emendare (latim) e significa corrigir falta, tirar defeito, traduziu o sentido desse trabalho. Ele vi- sava a suprir as falhas decorrentes da anormalida- de, buscando trazer o deficiente para a normali- dade. A partir da década de 1930, a sociedade civil começa a organizar-se em associações de pessoas preocupadas com o problema da defi- ciência, principalmente instituições filantrópicas como Pestallozzi (1934) e APAE (1954). O governo continua a desencadear algumas ações criando escolas junto a hospitais e ao ensino regular. Em 1961, a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a Lei nº 4.024/1961, coloca a educação de excepcionais como título no capí- tulo X, com dois Artigos: 88 e 89. Nesses dois Arti- gos, segundo Carvalho (1997, p. 64), o direito à educação está garantido aos excepcionais entendendo-se que, para contribuir para sua integração na comu- nidade, seu processo educacional deve enquadrar-se no sistema geral de edu- cação. A esta diretriz segue-se outra que condiciona o referido direito à integração ao ‘no que for possível’. Na Constituição de 24/01/1967, no Título IV, Da Família, da Educação e da Cultura, os artigos 175, 176 e 177 definem que a lei especial disporá sobre a educação dos excepcionais; a educação é direito de todos e dever do estado, devendo ser dada no lar e na escola; obrigatoriamente cada sistema terá serviços de assistência educacional que assegurem aos alunos necessitados condi- ções de eficiência escolar. No título III, da Ordem Econômica e Social, o artigo Único incluído entre os artigos 165 e 166 dispõe: É assegurado ao deficiente a melhoria de sua condição social e econômica, espe- cialmente mediante: I – educação especial e gratuita; II – assistência, reabilitação e reinserção na vida econômica e social do país (BRA- SIL, 1978). Fundamentos da Educação Especial Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 17 A Lei nº 5.692/1971 continua deixando cla- ro que o atendimento aos alunos com deficiência deveria ser realizado com tratamento especial. A diretriz desse atendimento atribui um sentido clínico e/ou terapêutico à Educação Especial, na medida em que a educação assume um caráter preventivo e corretivo. A Constituição de 1988, no artigo 208, Inci- so III, prevê “atendimento educacional especializa- do aos portadores de deficiência preferencialmente na rede regular de ensino” (BRASIL, 1988). Em 1996, foi sancionada, pelo Presidente Fernando Henri- que Cardoso, a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a Lei nº 9.394/1996, de cujo Capítulo V – Da Educação Especial, ressaltamos o artigo 58, conforme segue: Entende-se por educação especial, para os efeitos desta Lei, a modalidade de educação escolar, oferecida preferencial- mente na rede regular de ensino, para educandos portadores de necessidades especiais (BRASIL, 1996). O que podemos observar é uma tentativa de modificação na forma de atendimento, bus- cando erradicar a segregação das salas especiais e das instituições especializadas. AtençãoAtenção A Educação Brasileira busca, por meio de sua le- gislação, garantir que os deficientes não sejam segregados e possam ter uma vida educacional mais plena. Neste capítulo, estudamos que os deficientes foram vistos de diversas formas ao longo da história da humanidade, como demônios, como anjos, porém dificilmente foram vistos como pessoas. Normal- mente, essas pessoas têm seu desenvolvimento em um nível bem abaixo do que suas reais capacidades física, emocional, social e mental permitem, pois a família e a sociedade não permitem seu pleno de- senvolvimento. Há o preconceito de quetodo excepcional é incapaz e limitado, e, por isso, o potencial desses indivíduos não é explorado. No Brasil, temos tido diversos movimentos para educar e cuidar dos deficientes, iniciados no Im- pério com a construção de escolas especiais para surdos e cegos. Varias modificações ao longo dos anos ocorreram. Hoje, nossa legislação aponta para o trabalho de educação Inclusiva, porém ainda há muitas dificuldades e preconceitos a serem superados. Vamos, agora, avaliar a sua aprendizagem. 2.3 Resumo do Capítulo 2.4 Atividades Propostas Agora, responda: 1. Ao longo da história da civilização ocidental, os deficientes foram tratados de diversas formas. Podemos apontar quais diferenças entre a proposta de educação do século XIX para o XX? 2. O que a LDBN nº 9.394/1996 aponta como diretriz para o atendimento do aluno com deficiên- cia?
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