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TCC SEGURANÇA PRIVADA RUSSA

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Prévia do material em texto

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E APLICADAS
DEPARTAMENTO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS
VINICIUS TELES DO CARMO SANTA ROSA
O PAPEL DAS EMPRESAS MILITARES E DE SEGURANÇA PRIVADA
NA ESTRATÉGIA NACIONAL DE SEGURANÇA DA FEDERAÇÃO
RUSSA
São Cristóvão, SE
2022
2
VINICIUS TELES DO CARMO SANTA ROSA
O PAPEL DAS EMPRESAS MILITARES E DE SEGURANÇA PRIVADA
NA ESTRATÉGIA NACIONAL DE SEGURANÇA DA FEDERAÇÃO
RUSSA
Projeto de trabalho de conclusão de curso
apresentado ao Departamento de Relações
Internacionais da Universidade Federal de
Sergipe como requisito pré-requisito para
aprovação na disciplina TCC 2.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Érica Cristina
Alexandre Winand
São Cristóvão, SE
2022
3
VINÍCIUS TELES DO CARMO SANTA ROSA
O PAPEL DAS EMPRESAS MILITARES E DE SEGURANÇA PRIVADA
NA ESTRATÉGIA NACIONAL DE SEGURANÇA DA FEDERAÇÃO
RUSSA
Trabalho de Conclusão de Curso II apresentado ao
Departamento de Relações Internacionais da
Universidade Federal de Sergipe como requisito parcial
para a obtenção do título de Bacharel em Relações
Internacionais
Aprovada em: __/__/____
Banca Examinadora
Profª. Drª. Érica Cristina Alexandre Winand (Orientadora)
Prof. Dr. Edson Tomaz de Aquino (Avaliador)
Prof. Dr. Alcides Eduardo dos Reis Peron (Avaliador)
4
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente a minha mãe, Ana Paula, pelo parco tempo dedicado a ela durante a
realização deste trabalho e por todo amor, carinho, compreensão e amizade que apesar disso
ela foi capaz de me dedicar. Te amo eternamente.
Gostaria de agradecer também a minha parceira de vida Larissa, sem o apoio dela, incentivo e
leitura atenta a este trabalho com questionamentos e sugestões, nada disso seria possível.
Obrigado por estar comigo nesse e em diversos outros momentos importantes.
Agradeço também aos meus amigos, Analu, Breno, Rebert, Willian e Allicia que tornaram
toda a passagem pela graduação muito mais leve e divertida.
Quero agradecer a todos os meus professores do Departamento de Relações Internacionais
(DRI) da Universidade Federal de Sergipe. Obrigado Edson, Érica, Lucas, Rodrigo, Flávia,
Geraldo, Thiago, Corival, Cairo, Bárbara, Lívia e Alcides pelos ensinamentos. Agradeço
também aos funcionários do DRI Leonardo, Louisse e Isabela, pela paciência.
Dedico agradecimento especial aos professores Lucas Pinheiro e Érica Winand. Que
mostraram que o ambiente acadêmico pode sim ser compreensivo, carinhoso e motivador.
Ambos foram os primeiros a acreditarem nesse trabalho e na minha capacidade em realizá-lo
e em momentos de desespero nunca me deixaram faltar afeto e motivação. Muito obrigado
por tudo que vocês foram capazes de me proporcionar e me ensinar.
Por fim, gostaria de agradecer a Universidade Pública em nome da Universidade Federal de
Sergipe por ser um ambiente acolhedor e de constante troca e que por maiores que fossem as
dificuldades sempre buscou acolher e defender da melhor forma possível os seus alunos,
funcionários e servidores. Que essa instituição siga formando com qualidade diversas outras
gerações.
5
Não há assunto tão velho que não se possa
dizer nada de novo sobre ele.
(Fiódor Dostoiévski)
6
RESUMO
O presente projeto tem como objetivo analisar os antecedentes históricos do relacionamento
entre o Estado Russo e o “mercenarismo” ao longo da história. Assim, tratando de toda a
evolução desse relacionamento, do período da Rússia Imperial até o momento em que esses
grupos se organizam em entidades civis e passam a formar as Empresas Militares e de
Segurança Privadas. Ainda será analisado de que forma e em que momento essas empresas
passaram a figurar entre os principais prestadores de serviços para o Estado, cultivando
relacionamentos bastante estreitos com pessoas do establishment político de Moscou. Por fim,
o foco do trabalho é investigar de que forma essas empresas passaram a influenciar, seja de
maneira direta ou indireta, a estratégia nacional de segurança da Federação Russa e quais os
mecanismos utilizados por essas empresas no exercício dessa influência para que adquiram
um papel quase que de protagonismo dentro dessa grande estratégia.
Palavras-chave: Empresas Militares e de Segurança Privada; Rússia; Estratégia Nacional de
Segurança; Mercenarismo.
7
ABSTRACT
This project aims to analyze the historical background of the relationship between the Russian
State and “mercenarism” throughout history. Thus, dealing with the entire evolution of this
relationship, from the period of Imperial Russia until the moment when these groups were
organized into civil entities and started to form Private Military and Security Companies. Still,
it will be analyzed how and when these companies became among the main service providers
for the State, cultivating very close relationships with people from the Moscow political
establishment. Finally, the focus of the work is to investigate and analyze how these
companies began to influence, whether directly or indirectly, the national security strategy of
the Russian Federation and what mechanisms were used by these companies in exercising this
influence until the moment when they acquire an almost leading role within this grand
strategy.
Keywords: Military and Private Security Companies; Russia; National Security Strategy;
Mercenarism
8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ....................................................................................................................... 9
Capítulo 1: Conceituando as Empresas Militares e de Segurança Privadas
(EMSPs)……………………………………………………………………………………. 13
Capítulo 2: O Estado Russo e o seu relacionamenteo com Grupos Armados não
Estatais.................................................................................................................................... 17
2.1.Os Grupos Cossacos do Regime Czarista a Rússia Moderna
.................................................................................................................................................. 17
2.2.O surgimento das Empresas Militares e de Segurança Privadas na Rússia
……………………………………………………………………………………………….. 22
2.3.As Empresas Militares e de Segurança Privadas e sua condição jurídica na
dentro da Rússia
……………………………………………………………………………………………….. 27
Capítulo 3: A atuação das Empresas Militares e de Segurança Privadas da Rússia
……………………………………………………………………………………………….. 29
3.1. As EMSPs russas ao redor do mundo ……………………………………….. 29
3.2. O papel das EMSPs na Estratégia Nacional de Segurança da Federação
Russa ……………………………………………………………………………………….. 37
Considerações finais ............................................................................................................ 46
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................ 48
9
INTRODUÇÃO
O presente trabalho de conclusão de curso pretende investigar como as Empresas
Militares e de Segurança Privadas (EMSPs) se desenvolveram na Federação Russa e passaram
a ocupar um papel importante na estratégia nacional de segurança do País, demonstrando que,
durante toda a história da Rússia, os diversos tipos de “mercenarismo” sempre ocuparam um
importante papel perante a autoridade central de Moscou. Segundo aponta Pimentel (2015),
Empresas Militares e de Segurança Privada (EMSPs) são corporações que atuam ativamente
nos esforços de guerra ao oferecer serviços de segurança armada, transporte, alimentação,
treinamento militar, funções de inteligência e consultoria estratégica em atividades e setores
que antes eram competência exclusiva dos homens fardados. Ainda, Sukhankin (2019) afirma
que o emprego dos grupos militares privados e atores não estatais pela Rússia tem uma longa
tradição histórica que remonta ao final do século XVI. Nesse sentido, a integração de forças
que não compõem oficialmente as Forças Armadas da Federação Russa para perseguir os
objetivos do governo não se trata de uma novidade.
Durante o período imperial, o desenvolvimento e o emprego ativo das forças militaresirregulares baseavam-se na expansão oriental e meridional no Império Russo e na necessidade
de integrar os povos não-russos à arquitetura deste Estado. (Sukhankin, 2019). A Rússia tem
uma longa história de utilização de empresários privados para realizar atividades como
fornecer segurança ao local, treinar forças estrangeiras e conduzir operações de combate.
Durante os séculos XVIII e XIX, por exemplo, os líderes russos negociaram acordos com os
cossacos, predominantemente eslavos-orientais, que habitavam as áreas do norte dos mares
Negro e Cáspio (JONES et al., 2021).
Ademais, a Revolução Russa de 1917 emerge em conjunto com diversos desafios
advindos do novo século que acabava de se apresentar. Kaldor (2012) pontua que a eclosão
das “novas guerras”, que são características dos laços entre Estados e atores não estatais,
assim como a violência contra os civis, mudaram “as velhas guerras”. Junto com a mudança
do conceito de guerra, de acordo com a autora, as forças regulares seriam substituídas por
tropas contratadas privadamente, que são autorizadas pelo Estado a executar missões
atribuídas, protegendo, assim, as referidas forças do contato direto com o inimigo. Desse
modo, as novas ameaças emergentes como terrorismo, motins, etc., levam à implementação
de novas soluções. A Rússia, sem estar diretamente envolvida no conflito, recruta empresas
militares privadas e persegue interesses pessoais atribuindo missões a elas (GIEDRAITIS,
2020, p. 128).
10
Essa mudança de perspectiva, por parte de Moscou, e o uso de Empresas Militares
Privadas (EMSPs) fazem parte da nova estratégia russa para minar os interesses do Ocidente e
fortalecer os objetivos do País para além das suas fronteiras. Nesse sentido, Dyner (2018)
coloca que a Rússia utiliza EMSPs tanto em conflitos no espaço pós-soviético (Ucrânia,
Transnistria, Nagorno-Karabakh) quanto em locais onde possui importantes interesses
políticos e econômicos. As Empresas Militares Privadas também são empregadas por
empresas estatais russas, incluindo Gazprom, Rosatom, Rosfnet e Russian Railways, para
proteger locais de extração de minério bruto e redes de transmissão, canteiros de obras ou
comboios de transporte em países da África, América do Sul e Oriente Médio (DYNER,
2018). Nessa perspectiva, esse emprego intensivo por parte da EMSPs, ao redor de todo o
globo, faz delas uma arma essencial para a nova estratégia de segurança aplicada pelo
Kremlin.
Apesar do aumento da dependência do governo central com relação às atividades
relacionadas às EMSPs, a manutenção delas dentro da irregularidade da lei constitui fator
essencial para a conservação das relações entre o governo russo e essas companhias. Dyner
(2018) pontua que embora as operações conduzidas pelas Empresas Militares Privadas
estejam relacionadas à política russa, o funcionamento desses contratados não é
regulamentado pela lei russa. Por iniciativa do partido Rússia Justa, no início do ano de 2018
a Duma do Estado começou a trabalhar para regular as atividades das EMSPs, mas o projeto
de lei que se seguiu foi rejeitado, o segundo desde 2014. Vários Ministérios foram contra essa
regulamentação, incluindo Defesa e Relações Exteriores, e serviços especiais, como o FSB1 e
Guarda Nacional. A recusa do apoio foi justificada pelo art. 13 parágrafo 5 da Constituição da
Federação Russa e art. 208 do Código Penal que proíbe a atuação de grupos armados
privados, bem como a preocupação com a segurança do Estado (DYNER, 2018).
A não regulação, no entanto, não traz impactos negativos para o trabalho desses
grupos, que continuam ampliando cada vez mais a prestação dos seus serviços para o Estado.
A falta de regulamentação e a baixa probabilidade da Rússia assinar o documento de
Montreux2 não significa uma mudança na atitude do Estado em relação às (EMSPs), portanto,
elas ainda serão toleradas e apoiadas não oficialmente com armas, treinamento e cuidado
médico para os seus feridos. Elas também continuarão sendo uma importante ferramenta de
influência internacional para a Rússia, como outros países que se beneficiam dos serviços
2 Acordo que versa sobre as obrigações dos países signatários em relação às Empresas Militares e de Segurança
Privadas.
1 Serviço Federal de Segurança da Federação Russa.
11
dessas empresas, podendo aumentar sua influência política e militar em áreas de conflito sem
o envolvimento oficial ou adicional de suas próprias forças armadas (DYNER,2018, p. 2).
Essa perspectiva faz com que as Empresas Militares e de Segurança Privada estejam
cada vez mais integradas aos formuladores da política. Nesse sentido, Leander (2005)
confirma que as EMSPs parecem ter conquistado um poder considerável sobre os
entendimentos e discursos de segurança. Assim, elas moldam cada vez mais quais questões e
problemas são “securitizados” – transformados em ameaças existenciais – e que tipo de
reação deve ser considerada mais apropriada. Dessa maneira, elas fazem parte de um processo
geral em que a segurança não é apenas privatizada, mas também remilitarizada3 (LEANDER,
2005, p. 804).
O debate acerca do tema se faz importante atualmente, visto que, apesar das amplas
discussões sobre o papel dessas Empresas Militares e de Segurança Privadas, no âmbito dos
Estados Unidos, o caso do emprego desses meios pela Federação Russa ainda se mostra um
ponto cego nas produções acadêmicas em todo o mundo. Ademais, o aumento da
interdependência dessas empresas com órgãos da administração estatal, que reorientam os
formuladores de políticas em torno da maior militarização da segurança dos estados, além do
alargamento das relações entre as EMSPs e o establishment político de Moscou, que moldam
a atual estratégia nacional de segurança da Rússia, são de extrema importância para
entendermos os próximos passos da política externa do Kremlin.
No primeiro capítulo, iremos tentar traçar uma conceituação sobre as Empresas
Militares e de Segurança Privadas (EMSPs), demonstrando as dificuldades decorrentes de
uma tentativa de traçar uma taxonomia geral dessas EMSPs, dessa forma, chegaremos a
conclusão de que, os esforços dos pesquisadores da área na tentativa de traçar essa taxonomia
acabam esbarrando em diversos fatores, que são características próprias da indústria militar
privatizada.
Já no segundo capítulo, na primeira parte, o trabalho foca na relação entre o poder
central da Rússia e os grupos cossacos independentes ao longo da história czarista até a
modernidade. Com o objetivo principal de demonstrar que o uso de grupos armados não
estatais é uma realidade antiga e que historicamente se intensifica. Dessa maneira, iremos
focar no relacionamento entre o poder central e esse grupos armados e como Moscou costuma
lidar com esses grupos a fim de mantê-los fiéis. Na segunda parte, traremos todo o processo
de surgimento dessas Empresas Militares e de Segurança Privadas (EMSPs), trazendo uma
discussão acerca do seu desenvolvimento e momento que passam a atuar como atores
3 Trazer novamente um caráter militar à segurança.
12
importantes nos órgãos de segurança e defesa dos Estados, trazendo também um panorama
geral sobre a condição jurídica dessas empresas, dentro da Rússia.
No terceiro capítulo, faremos um apanhado geral da atuação das EMSPs russas ao
redor do mundo, traremos, portanto, como se deu a atuação dessas empresas ao redor do
mundo, buscando assim, traçarmos uma breve histórico da evolução do uso delas por parte do
Kremlin e qual foi o saldo dessas operações realizadas por elas. Na segunda parte, iremos
mostrar de que forma essas empresas acabam influenciando na atual estratégia nacional de
segurança da Federação Russa, mostrando, portanto, que o elevado grau de interdependência
entre esses atores, constitui a espinha dorsal dessa estratégia, concluindo, portanto, que
Moscou necessita dessas empresas não somente para a realização das suas operações no
exterior, como também para o treinamento e modernização dos seus exércitos, além dasustentação da atual estrutura política russa.
A Fim de responder à problemática central proposta, o escopo da pesquisa baseia-se
no método indutivo, de modo que busca-se examinar de que maneira a conexão histórica da
Rússia com grupos “mercenários”, além das suas formas de uso por parte da estratégia russa
para a manutenção da sua defesa fizeram com que a atual condição da Federação Russa,
frente as Empresas Militares e de Segurança Privadas, acabasse dando as essas EMSPs uma
grande margem de ação para que elas influenciaram nessa estratégia de segurança e que
passassem a induzir parte do establishment político do país. Quanto ao método indutivo,
esclarecemos que
Indução é um processo mental por intermédio do qual, partindo de dados
particulares, suficientemente constatados, infere-se uma verdade geral ou universal,
não contida nas partes examinadas. Portanto, o objetivo dos argumentos indutivos é
levar conclusões cujo conteúdo é muito mais amplo do que o das premissas nas
quais se basearam (LAKATOS E MARCONI, 2007).
Também lançaremos mão do método histórico para analisarmos de que modo a Rússia
se relacionava com os grupos “mercenários” para investigarmos a atual influência desses
grupos na política atual de Moscou. Prodanov e Freitas (2013) observam que o foco está na
investigação de acontecimentos ou instituições do passado, para verificar sua influência na
sociedade de hoje. Nesse sentido, a pesquisa qualitativa aqui proposta buscará, por meio do
uso das pesquisas bibliográficas e documental, buscar comprovar a influência na atual
estratégia de segurança da Federação Russa, das Empresas Militares e de Segurança Privadas.
13
1. CONCEITUANDO AS EMPRESAS MILITARES E DE SEGURANÇA
PRIVADAS
A decadência das fontes tradicionais de segurança foi o que deu espaço para o
surgimento e ocupação do ambiente vago por parte dos entes privados. Visto que, segundo
exemplifica Singer (2003), enquanto a guerra existir, também existirá a demanda por perícia
militar. As EMSPs se beneficiarão de qualquer folga dada pelas fontes tradicionais de
segurança. A história geral dos atores militares públicos versus privados indica que a indústria
militar privatizada continuará a desempenhar um papel significativo e crescente na segurança
internacional nas próximas décadas (SINGER, 2003, p. 230). No caso russo, a queda da
União Soviética foi um importante marco para o surgimento dessas empresas, visto que o fim
dessa superpotência levou não somente a Rússia a um declínio de poder bélico e moral, mas
também à repentina diminuição do Estado. Essas prerrogativas, portanto, foram cruciais para
o desenvolvimento do setor privado de segurança.
Os eventos citados acima levaram a um enorme vácuo de segurança na região, fazendo
com que diversos conflitos regionais passassem a escalar de forma nunca antes vista. Desse
modo, Singer (2003) recorda que o mercado militar ainda aberto se encontra inundado de
armamento, as capacidades militares fora do Estado continuam a se expandir e a demanda de
conflitos internos e externos não está diminuindo. As capacidades dos países em
desenvolvimento parecem cada vez mais fracas e poucas evidências sugerem que as principais
potências irão se engajar militarmente nas regiões, a menos que tenham importância
estratégica (SINGER, 2003). Ainda assim, como o exemplo do caso russo, esse envolvimento
depende de diversos fatores, como a percepção dos Estados e os riscos que eles estão
dispostos a correr atuando em áreas para além da sua soberania.
A derrocada da União Soviética alargou de forma muito abrangente a crise econômica
que a Rússia vivia naquele momento. O País acabou herdando uma enorme dívida externa,
proveniente dos espólios da antiga potência soviética, além disso, ainda era preciso trabalhar
para terminar a destruição do estado antigo e suas estruturas e construir quase que do zero, um
novo estado, com novas estruturas de poder. Da época soviética, restaram um exército
sucateado e com diversos órgãos que deveriam deixar de existir, visto que, tal existência era
contrária aos valores e preceitos dessa nova conformação política. Nesse ínterim, diversos
ex-militares e membros de alto escalão dos super-ministérios soviéticos passaram a atuar na
criação e expansão de organização civis, voltadas ao lucro, com objetivo de fornecer
instrumentos de segurança para Moscou. Nessa perspectiva, o nascimento dessas empresas na
Rússia surgem por três motivos principais: (1) a abolição de diversos cargos e órgãos da
14
antiga estrutura militar soviética, que liberava uma mão de obra militar capacitada e ainda
disposta a fazer parte do establishment político russo; (2) os movimentos separatistas e a
insegurança regional, devido ao vácuo de segurança deixado pela URSS no seu entorno; e,
por fim, (3) a necessidade de uma reforma aprofundada para que o país pudesse reconquistar
o seu prestígio como grande potência.
Existe uma vasta tipificação acerca das Empresas Militares e de Segurança Privadas
(EMSPs). Por isso, é importante salientarmos, segundo argumenta Singer (2003) que as
empresas que participam da indústria militar não se parecem e nem atendem aos mesmos
mercados. Elas variam em sua capitalização de mercado, número de funcionários, história da
empresa, interações corporativas, experiência e características dos funcionários e até mesmo a
localização geográfica de sua base e zonas (SINGER, 2003, p. 88). O único fator unificador
para a indústria militar privatizada, porém, é que todas as empresas dentro dela oferecem
serviços que se enquadram no domínio militar (SINGER, 2003). Dessa maneira, o caso da
Rússia se assemelha bastante com o do Ocidente, no que diz respeito à esfera dos trabalhos
desenvolvidos por tais EMSPs.
Kinsey (2006) confirma, portanto, que as Empresas Militares e de Segurança Privadas
são potencialmente um instrumento muito útil para governos que enfrentam uma série de
dilemas sociopolíticos e de segurança e organizações internacionais encarregadas de operar
em regiões voláteis no mundo. As EMSPs oferecem uma maneira econômica de gerenciar a
segurança desses grupos usando ex-soldados altamente treinados e proficientes, geralmente,
mas nem sempre pertencentes aos exércitos de Primeiro Mundo, com muitos anos de
experiência em operações em zonas de conflito e treinados em uma variedade de habilidades
(KINSEY, 2006, p.153). Percebe-se, dito isso, que as atuais EMSPs são uma espécie de
mercenarismo moderno que nasce no seio dos Estados e que passa a vender as suas
habilidades, por meio de empreendimentos civis semelhantes a qualquer empresa
multinacional ao redor do mundo.
A maioria das EMSPs são como qualquer outra empresa privada: elas têm estruturas
corporativas convencionais, operam como pessoas jurídicas, mantêm sites na internet e laços
corporativos (PAOLIELLO, 2016, p. 43). No caso russo, entretanto, elas atuam de forma mais
discreta, visto que a lei do País proíbe o funcionamento desse tipo de empreendimento em
território nacional. Dessa forma, elas evitam ter sites na internet oferecendo seus serviços, não
possuem sua sede no país de origem mas, ainda sim, possuem não somente laços corporativos
com o Estado, como alguns dos seus acionistas fazem parte dos altos círculos políticos de
15
Moscou e possuem grande proximidade com o presidente russo, Vladimir Putin, e até mesmo
com o ministro da Defesa, Serguei Shoigu.
Atualmente, observamos uma enorme mudança nos campos de batalhas
contemporâneos causadas pela multiplicação das EMSPs. Segundo argumenta Paoliello
(2016), a segurança como negócio foi uma das grandes forças responsáveis pela
transformação dos campos de batalha contemporâneos. Hoje, diversas operações
internacionais das forças armadas de grandes potências ocorrem amparadas por uma rede
ampla de serviços terceirizados. Funções que vão desde a logística, passando pela manutenção
de equipamentos, serviços de tradução, até funções que consideramos como o núcleo dos
aparatos dedefesa e segurança, como inteligência, mapeamento, treinamento de tropas e, em
diversos casos, as próprias funções de combate (PAOLIELLO, 2016, p. 16).
A expansão das EMSPs e sua popularização vieram seguidas de um enorme esforço
teórico por parte dos estudiosos da área a fim de gerar uma certa taxonomia para a
classificação das Empresas Militares e de Segurança Privadas segundo as tarefas que elas
desempenham nas missões que lhe são atribuídas, os vínculos que elas possuem dentro dos
grande conglomerados de segurança e defesa e as habilidades e serviços oferecidos por elas.
Portanto, diversas designações surgiram ao longo dos anos, até o presente momento, grande
parte dessas foram criadas tendo como base o caso ocidental do uso cada vez mais abrangente
de militares privados.
Há inúmeros termos e siglas utilizadas pelos estudiosos, tribunais e governos para se
referirem a pessoa jurídica que estabelece contrato com um departamento ou agência
governamental para fornecer equipamentos e/ou serviços em zonas de conflitos
armados. As diferentes classificações também podem se referir aos indivíduos que
são empregados ou contratados através das empresas. Private Military Companies;
Private Military Firms ou Private Military and Security Companies são termos
usados com frequência para descrever o fenômeno da privatização das questões
relacionadas ao uso da violência, não exercida diretamente por instituições estatais
(PAOLIELLO, 2016, p. 53).
Autores como Singer (2003) e Kinsey (2006) fizeram um enorme esforço na tentativa
de classificar e entender as principais diferenças entre as Empresas Militares e de Segurança
Privadas frente às suas principais características. No entanto, Paoliello (2016) exemplifica que
esses esforços acabam sendo em vão devido à imprecisão na atuação dessas empresas, visto
que o caráter das atividades realizadas pelas EMSPs pode variar de caso a caso, já que uma
mesma empresa pode exercer funções diferentes dentro de um mesmo contexto. Portanto, a
tentativa de uma taxonomia aprofundada sobre as empresas militares ainda é algo que não
está completamente formado e no caso russo ainda existem particularidades que impedem a
16
existência de uma total similaridade com o caso ocidental. Talvez, essa tipificação de
empresas seja mais relevante para revelar a ampla gama de funções hoje cobertas pelas
EMSPs do que para de fato nos ajudar a enquadrar seu funcionamento (PAOLIELLO,
2016,p.58).
Diante do exposto e levando em consideração o caso russo, no qual há uma escassez
de informações sobre essas empresas, além de uma mesma EMSP possuir diversos vínculos
junto ao Estado, elas também atuam nas mais diversas frentes, contanto que essa atuação lhe
renda lucros e, principalmente, uma posição privilegiada junto ao alto escalão político e
militar do País. Dessa forma, para tratarmos do conjunto de empresas militares que atuam
perante ao governo russo, utilizaremos a designação Empresas Militares e de Segurança
Privadas. A partir dessa nomeação, é possível tratarmos de uma totalidade de entes privados
do ramo de segurança que atuam junto ou em nome dos interesses de Moscou.
17
2. O ESTADO RUSSO E SEU RELACIONAMENTO COM GRUPOS ARMADOS
NÃO-ESTATAIS
2.1. Os grupos cossacos do Regime Czarista a Rússia Moderna
Em primeiro lugar, faz-se necessário o entendimento da dinâmica do relacionamento
entre o Estado Russo e os grupos armados não-estatais e em que momento esses grupos
passaram a atuar abertamente em nome da Rússia, em convergência com os objetivos da
estratégia de segurança do País. Inicialmente, nos séculos XVII e XVIII, os grupos cossacos
representavam, segundo observa Toje (2006), uma ameaça aos Estados em evolução. Isso por
conta dos seus ataques a assentamentos fronteiriços, o abrigo de criminosos procurados, pela
realização de atividades mercenárias e, mais tarde, como potenciais concorrentes nos
processos de formação do Estado. Ao mesmo tempo, os grupos cossacos também
representavam recursos militares potenciais para uma Rússia em desenvolvimento e em
expansão gradual (TOJE, 2006). Østensen e Bukkvoll (2018) concordam que, à medida que
mais território era conquistado, o Estado tinha a necessidade de defender as novas áreas e
transformá-las em território russo. O Estado negociou, assim, o contrato com os cossacos, que
lhes deu direitos especiais sobre os recursos naturais e um grau de autonomia administrativa
nas áreas onde se estabeleceram em troca de colonizar e defender esses territórios em nome de
Moscou (TOJE, 2006)
Nesse sentido, Tragtenberg (2007) observa que o estilo de colonização utilizada pelo
Império Russo para se expandir rumo ao seu interior foi acompanhado de dois elementos que
se alternavam ao longo dos últimos dez séculos. Dessa forma, pode ser observado uma
oposição entre aspectos obrigatórios e voluntários da colonização, uma vez que as autoridades
oscilavam entre refrear e empurrar adiante o movimento colonizador. O estilo de colonização
livre, que dependia da iniciativa individual e do espírito de grupo, realizou-se com os
cossacos4 do Don, exemplo admirável da conquista russa da zona dos estepes e da extensão
gradual do poder do Estado à custa da autonomia local, obedecendo à dinâmica geral da
estrutura social da fronteira (TRAGTENBERG, 2007).
Wallace (2015) argumenta que, ao longo desse período, os cossacos se estabeleceram
como amortecedores ortodoxos em direção ao sul islâmico e como defensores do Império
Czarista. No entanto, a lealdade entre o czar e os cossacos parecia altamente pragmática e
4 Podemos definir os cossacos como camponeses fugitivos que buscavam a liberdade do Estado ou de seus
senhores e da opressão do serviço feudal e que desfrutavam de um sistema de autogoverno. (GÚZEVA,
Aleksandra, 2022).
18
inconsistente. Os cossacos obedeciam ao czar sempre que suas ordens eram coniventes e o
czar denunciava e abraçava os cossacos como bem entendiam. O czar, às vezes, referia-se aos
cossacos como seus súditos fiéis; e, às vezes, como quando lhe foram feitas queixas sobre
ataques cossacos em território turco, declarou que eles de fato não eram seus súditos e que
suas ações não eram de sua responsabilidade (WALLACE, 2015).
Apesar da certa autonomia que esses grupos conseguiram manter do governo central,
havia uma relação de subordinação entre os grupos cossacos, que dependiam de Moscou para
o suprimento de materiais essenciais à sua subsistência, e o poder central, que utilizavam
dessa influência para se expandir territorialmente e defender as suas fronteiras, sem o
envolvimento direto dos recursos do Estado. Isso porque, o governo czarista observou o
potencial desses grupos que atuavam de forma bastante eficaz para a expansão territorial e
conquista dos objetivos geoestratégicos da Rússia Imperial. Tragtenberg (2007) verifica
também que os cossacos eram utilizados pelo Estado para o serviço de correio, constituindo
uma forma decisiva que orientou a colonização da fronteira junto ao Cáucaso, nos Urais, e na
Sibéria, e estavam sempre sob o controle do Estado Russo. Os cossacos do Don
mantiveram-se durante um século, até 1671, semi-independentes do poder estatal concentrado
em Moscou, na forma de um bando organizado militarmente, porém governado
democraticamente por uma Assembleia Central em que os oficiais eram eleitos
(TRAGTENBERG, 2007).
No entanto, dependiam do poder central de Moscou no referente ao suprimento de
farinha, munições e roupas. Por outro lado, o desenvolvimento do intercâmbio
comercial resultou na formação de uma casta superior de cossacos. A partir de 1671
os cossacos de Don ficaram vinculados ao czar de Moscou por um juramento de
fidelidade. O governo cada vez mais desafiou o direito de asilo mantido pelos
cossacos na região do rio Don, até que sob Pedro o Grande (1723) eles perderam o
direito de eleger livremente seu chefe, o ataman. Daqui em diante o ataman dos
cossacos representará um agente do Poder de Moscou, especialmente quando passa a
ser nomeadodiretamente pelo Ministro da Guerra (TRAGTENBERG, 2007, p. 10).
Dessa forma, segundo argumenta Østensen e Bukkvoll (2018), o czar usava os
cossacos quando necessário e os mantinham à “distância de um braço” quando se fazia
urgente. Essa arranjo permitiu que as autoridades mantivessem uma certa “negação” no que
dizia respeito aos cossacos, e que os cossacos também mantivessem um compromisso frouxo
com o czar (ØSTENSEN; BUKKVOLL, 2018). Os grupos cossacos também causaram
bastante problemas para o poder central de Moscou, por meio de revoltas contra o Império.
Østensen e Bukkvoll (2018) compreendem que esses grupos lideraram duas grandes
19
revoluções no século XVII mas, após o Czar abafar tais revoltas, os cossacos foram
transformados em uma casta militar especial dentro das forças imperiais.
As brigadas cossacas eram consideradas as principais tropas de elite da Rússia e
eram constantemente usadas em campanhas militares para expandir o império no
Cáucaso, na Sibéria e na Ásia Central. Eles também foram usados como forças
paramilitares para expulsar (ou matar) mulçumanos e judeus dentro do império.
Enquanto eles lutaram sob o comando do império, no entanto, eles continuaram a
agir frequentemente por conta própria e permaneceram difíceis de controlar
(ØSTENSEN e BUKKVOLL, 2018).
Os grupos cossacos tiveram certa influência até o momento da Revolução
Bolchevique. Assim, o ciclo que se segue ao período revolucionário foi bastante desafiador
para os grupos autônomos em razão da sua proximidade com o estado burguês czarista os
cossacos se tornaram suspeitos de integrarem um movimento de contra revolução a favor do
status quo anteriormente instituído. Marten (2009) aponta que os cossacos de mentalidade
autônoma perderam as suas terras e foram fortemente perseguidos durante e após a Revolução
Bolchevique. Isso se deve à grande proximidade entre os grupos com o Estado czarista e,
possivelmente, o movimento contrário à revolução, visto que os cossacos correspondiam a um
grupo militarmente armado que poderia ser motivo de preocupação para o novo governo
socialista que emergia.
Testemunho dos laços frouxos com o czar, os cossacos lutaram em mais de um lado.
Alguns lutaram em exércitos cossacos independentes, outros pelos brancos, alguns pelos
vermelhos e muitos lutaram pelos três (O’Rourke, 2012). Como resultado, em janeiro de
1919, os bolcheviques lançaram um programa de “des-cossackização”, que levou ao expurgo
de mais de 1,5 milhão de cossacos, em que milhares fugiram e muitos se dividiram e se
espalharam em diversas regiões ao redor da Rússia (VAN HERPEN, 2014).
Após a queda da União Soviética, houve vários casos de cossacos atuando como
mercenários em zona de conflito, por exemplo nas províncias separatistas georgianas
da Abkházia e da Ossétia do Sul, na Chechênia e na Transnístria, bem como na
ex-Iugoslávia. Os líderes cossacos sempre se gabaram antes do início da guerra que
até 10.000 a 15.000 combatentes cossacos experientes poderiam ser enviados para se
juntar a luta (VAN HERPEN, 2014)
Nessa perspectiva, podemos perceber que o uso de grupos armados que não integram
oficialmente o Estado constitui uma prática antiga de Moscou. No caso dos cossacos, esse
agrupamento que durante muito tempo se relacionou com o País acabou sendo de fato
integrado à Federação Russa com a ascensão de Vladimir Putin ao poder. Um projeto de lei de
2005, chamado “Sobre o serviço estatal dos cossacos” criou a base legal para os cossacos
20
dispostos a servir a Rússia para fazê-los se tornarem oficiais e legais (BARANEC, 2014).
Portanto, Putin concedeu a mais de 600.000 cossacos amplos direitos para realizar várias
funções, em sua grande parte designadas pelo Estado. Isso inclui o direito de defender regiões
fronteiriças, guardar florestas nacionais, organizar treinamento militar para jovens cadetes,
combater o terrorismo, proteger prédios de governos e locais administrativos e fornecer o
serviço vago de proteger a ordem pública (Darczewska, 2017).
Dessa forma, o ano de 2012 foi um período significativo para os cossacos, pois trouxe
mudanças até mesmo nas bases da população cossaca, afinal, aqueles que faziam parte da
etnia cossaca sempre prezaram pela sua independência perante o governo central. Darczewska
(2017) observa que, a partir do ano de 2012, o líder cossaco (ataman5) estava localizado em
Moscou e se reportava diretamente ao seu comandante-chefe, Vladmir Putin. A partir disso, a
força militar cossaca passou a atuar conjuntamente com o presidente da Rússia, não somente
como unidade militar, mas também como força policial, vice squad 6, voluntários cibernéticos
e equipes de seguranças para eventos em massa.
As tarefas de policiamento têm sido direcionadas especificamente para manter a
ordem social e conter a oposição política. Eles têm sido particularmente visíveis ao
reprimir eventos que foram vistos como contrários a Putin ou a Igreja Ortodoxa,
como manifestações políticas, exposições de arte ou eventos que promovam os
direitos LGBTQIA+. Os cossacos realizaram tarefas de policiamento durante os
jogos olímpicos de inverno de 2014 em sochi, nas manifestações anti-Putin em
Moscou após a eleição presidencial de 2018 e a copa do mundo de 2018
(ØSTENSEN e BUKKVOLL, 2018, p. 18).
A partir do projeto de lei citado anteriormente, os cossacos, pela primeira vez na
história da Rússia, tiveram reconhecidos os seus direitos e a sua importância para o Estado,
que anteriormente havia sido concedido apenas de acordo com a conveniência do regime
czarista. Østensen e Bukkvoll (2018) salientam que os cossacos passaram a não servir mais
apenas de maneira informal ao Estado, mas também podem fazer isso formalmente, por meio
de inscrição no registro cossaco do Estado. Existem, portanto, associações cossacas não
registradas e registradas. As que optaram por registrar-se, desfrutam de uma relação
particularmente próxima com o Kremlin e trocam serviços por benefícios econômicos
fornecidos às associações. Apesar disso, as associações não registradas também são úteis a
Moscou, pois, segundo observado por Darczewska (2017), é muito mais fácil para o Kremlin
6Grupo especial de policiais que possuem como sua principal função o combate de crimes que envolvem
questões sexuais e ligadas a entorpecentes (VICE SQUAD. In Cambridge Advanced Learner's Dictionary &
Thesaurus, Inglaterra: Cambridge, 2022. Disponível
em:https://dictionary.cambridge.org/pt/dicionario/ingles/vice-squad. Acesso em: 04/11/2022.
5 Título oficial dos comandantes militares supremos dos exércitos cossacos.
21
esconder os seus laços com essas associações. Sendo assim, a utilização delas em objetivos os
quais os Estado pretende atuar de forma encoberta são uma importante ferramenta utilizada
pelo atual governo.
Em 2012, onze associações cossacos registradas foram desfeitas e transformadas em
uma Associação Militar Cossaca de Toda a Rússia, comumente chamadas de tropas
cossacas. As tropas provavelmente somam cerca de 300.000 indivíduos, isso inclui
também o Distrito Cossaco Independente do Báltico em Kaliningrado (Darczewska,
2017, p. 25-27)
Assim como as raízes do regime czarista, o papel dos cossacos junto a Moscou vem se
tornando cada vez mais importante para a manutenção da projeção do poder estatal, além
disso, levando em consideração o regime de Vladimir Putin, a fidelidade por parte de um
grande número de homens que são treinados e armados, é considerado uma ferramenta
essencial para a manutenção do atual presidente no poder. Østensen e Bukkvoll (2018)
afirmam que essa reestruturação do papel cossaco na história da Federação Russa faz parte de
uma ambição de Putin em tentar reavivar, não somente internamente como também na
comunidade internacional, a grandeza do passado russo, na qual os grupos cossacos tinham
um importante papel na defesa das fronteiras nacionais e culturais da federação russa. Tanto
que os cossacos tiveram um papel fundamental para a anexação russa da Crimeia ocorrida no
ano de2014. Assim, Galleoti (1995) argumenta que a população de cerca de um milhão de
cossacos sempre tiveram um papel crucial no encorajamento do Kremlin, na tomada de
decisão de integração de partes do território de países vizinhos sob a premissa de grave
violação dos direitos fundamentais das populações que ocupavam os territórios ao entorno do
País.
Apesar disso, o governo da Ucrânia também tomou iniciativas a fim de integrar
melhor os cossacos da região. Para reforçar a lealdade dos cossacos de Lugansk, as
autoridades ucranianas criaram, igualmente, unidades cossacas a fim de guardar suas
fronteiras (GALEOTTI, 1995). Todavia, Østensen e Bukkvoll (2018) complementam que o
sucesso ucraniano foi limitado, pois diversos relatos na mídia revelaram que os cossacos
russos e ucranianos desempenharam um papel fundamental na ocupação Russa da Crimeia.
Grupos paramilitares cossacos ucranianos mantinham postos de controle nas
estradas, guardavam a sede do governo separatista, patrulhavam as ruas e ajudavam
a construir e defender fortificações na fronteira da Crimeia com a Ucrânia. Por tudo
isso, eles tiveram ampla ajuda das forças cossacas profissionais patrocinadas pelo
Estado da Rússia, que vieram aos milhares para defender o que consideram terras
historicamente russas (SHUSTER, 2014).
22
Nessa perspectiva, Østensen e Bukkvoll (2018) concluem que o uso de cossacos pelo
Kremlin é um testemunho de sua propensão em empregar atores não estatais para realizar
tarefas muitas vezes consideradas de domínio exclusivo das forças de segurança do Estado.
Entretanto, há uma necessidade de distinguir entre esses provedores de força privada mais do
tipo milícia e os emergentes da indústria russa de Empresas Militares e de Segurança Privadas
(EMSPs), visto que, esta última tende a ser mais bem organizadas, administradas, treinadas e
orientadas para o lucro (ØSTENSEN e BUKKVOLL, 2018, p. 20).
2.2. O surgimento das Empresas Militares Privadas
A fim de compreender a continuação no uso de outras forças para além dos exércitos
nacionais por parte dos Estados, é importante frisar que, segundo analisa Sukhankin (2018),
no período pré-1917, a Rússia não travou uma luta ideológica permanente com o Ocidente –
formas irregulares de guerra eram usadas de forma ad hoc, ou para alcançar objetivos
geoestratégicos. Mas, sob o regime comunista (especialmente depois de 1945), a guerra
irregular7 tornou-se uma ferramenta usada pelo lado soviético para alcançar, principalmente,
objetivos geopolíticos dentro do seu confronto ideológico mais amplo com o Ocidente
(SUKHANKIN, 2018).
Na época da União Soviética sob o governo de Joseph Stalin, houve diversos planos
com o intuito de salvaguardar as inovações tecnológicas para o grandioso Exército Vermelho,
evitando o aumento das disparidades tecnológicas frente às forças armadas inimigas. Stone
(2006) afirma que as doutrinas inovadoras do Exército Vermelho exigiam tecnologia militar
moderna para implementá-las. Depois de 1929, as Forças Armadas Soviéticas iniciaram uma
transformação fundamental sob uma perspectiva bem diferente. Depois que Stalin venceu a
luta para suceder Lênin, ele lançou uma campanha de industrialização acelerada, em grande
parte impulsionada por preocupações militares, colocando a tecnologia em quantidades além
dos sonhos dos exércitos ocidentais nas mãos dos comandantes soviéticos.
Em meados da década de 1930, a União Soviética de Stalin abandonou a revolução
social e cultural, retornando às hierarquias e normas culturais tradicionais, incluindo,
por exemplo, maiores diferenciais salariais para mão de obra qualificada versus não
qualificada. Os militares não foram exceção, abandonando muitas tradições
revolucionárias. Mesmo a discussão parcialmente livre de tópicos militares
tornou-se mais difícil. Muitos especialistas militares foram expurgados. Termos
tradicionais de classificação e insígnias foram trazidas de volta. Stalin introduziu o
posto de marechal como o mais alto nas forças armadas soviéticas. As unidades
nacionais foram dissolvidas e substituídas por equivalentes etnicamente integrados,
7Conflito conduzido por uma força que não dispõe de uma organização militar formal e, sobretudo, de
legitimidade jurídica institucional (VISACRO, 2009).
23
e a milícia territorial foi abandonada em favor de um exército regular com reservas
em 1935. A nova constituição de 1936 eliminou as restrições de classe ao serviço
militar, tornando-o uma obrigação de todos os cidadãos soviéticos (STONE, 2006, p.
187).
Dessa maneira, Sergey Sukhankin (2018) alega que a dissolução da União das
Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) testemunhou uma série de conflitos regionais que
eclodiram em suas margens. Esses confrontos davam início a introdução dos novos
mercenários russos. Para não perder a sua influência sobre as Repúblicas
Recém-Independentes em sua periferia, Moscou fez questão de usar formações militares
ilegais, além de outras estratégias, para garantir a sua participação nesses conflitos regionais,
sem se envolver direta ou abertamente (SUKHANKIN, 2018). Uesseler (2008), verifica que,
depois do fim da Guerra Fria, os mercenários começaram a se reunir em empreendimentos de
direito civil. Portanto, a época das empresas militares privadas começou depois de quase
duzentos anos de estigmatização e marginalização e o mercenarismo voltou a vivenciar um
crescimento vertiginoso (UESSELER, 2008).
Quase todos os países – não apenas os do antigo Pacto de Varsóvia e da Organização
do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) – reduziram enormemente seus orçamentos de defesa.
Houve uma diminuição drástica das forças armadas nacionais e dos arsenais de armas, assim
como o redimensionamento da segurança externa. A redução global das forças armadas
deixou cerca de 7 milhões de soldados sem emprego, que inundaram o mercado de trabalho à
procura de ocupação para além dos limites nacionais. (UESSELER, 2008, p. 152). Alisson
(2015) exemplifica que, nos anos que se seguiram à queda da União Soviética, o excesso de
pessoal militar e de segurança do Estado frequentemente estabeleceu empresas de segurança
domésticas como descrito acima, mas alguns também foram para o exterior trabalhar para a
indústria internacional de Empresas Militares e de Segurança Privadas. Ex-soldados russos
serviram como guarda-costas e contavam com diversos tipos de trabalho de proteção,
enquanto pilotos e técnicos russos eram atraentes para empresas que operavam aeronaves
(ALISSON, 2015).
A dissolução da União Soviética, marcou o início da reinserção da Rússia nas
relações internacionais. Ao longo da década de 1990, Moscou viu-se em um
acelerado processo de deterioração de seu poder nacional, em especial a vertente
militar. No período, a antiga esfera de influência soviética foi paulatinamente sendo
absorvida pela expansão da OTAN e da União Europeia. As guerras dos Bálcãs e a
guerra civil na Chechênia galvanizaram a sensação de derrota, de perda de prestígio
e o risco de desintegração territorial. Como resposta, a presidência de Vladimir Putin
apontou como estratégia para reposicionar o país no cenário internacional a
construção de um mundo policêntrico, no qual a Rússia seria reconhecida como
grande potência (TEIXEIRA JÚNIOR, 2018, p. 6).
24
Østensen e Bukkvoll (2018) afirmam que o debate russo sobre o desenvolvimento e
aplicação das Empresas Militares e de Segurança Privadas sugere pelo menos cinco fatores
principais para o seu desenvolvimento: lucros, emulação militar, potencial das empresas como
um meio de coerção não imputável, driblar a aversão popular à derrotas semelhantes às
ocorridas no Afeganistão, limitar o retorno à Rússia de combatentes endurecidos pela batalha
e ideologicamente desapontados. Um fator que ainda causa bastante descontentamento nos
tomadores de decisão russos é que, devido ao subdesenvolvimento das EMSPs russas, muitas
delas ainda contam com os serviços de outras empresas ocidentais. Por conta disso, o Estado
russo tem atuado de formabastante incisiva a fim de prestar apoio ao desenvolvimento dessas
instituições dentro do País, não somente para que elas tenham a capacidade de cumprir as suas
missões sem o apoio de terceiros, mas também para que elas sejam capazes de prover suporte
para as Forças Armadas nacionais quando necessário.
As reformas radicais das forças armadas russas, iniciadas pelo ministro da Defesa
Anatoli Serdiukov em 2008, foram em grande medida uma emulação de reformas
que ocorreram em muitos países ocidentais após o fim da Guerra Fria. Isso, em
particular, diz respeito à mudança de um grande exército de conscritos para uma
força menor e mais profissional, e a preferência pela organização das forças
terrestres em brigadas em vez de divisões. Assim, não é estranho ver o
desenvolvimento das EMPs russas como uma tentativa mais ou menos consciente de
imitar pela Rússia o que pode parecer uma inovação inteligente do Ocidente
(ØSTENSEN e BUKKVOLL, 2018, p. 30).
O novo cenário se mostrou desafiador para a política interna e externa russa, de
maneira que, era necessária uma ação enérgica por parte do Estado, a fim de evitar uma
derrocada e uma perda de prestígio ainda maior. Desse modo, Moscou começou a se envolver
de forma bastante direta em conflitos no seu entorno estratégico. Teixeira Júnior (2018)
verifica que a Guerra Russo-Georgiana expressou a intenção do Kremlin, por meio do
emprego da força militar, de frear o processo de desagregação de seu entorno estratégico.
Entre os resultados observados, a experiência demonstrou que a Rússia era capaz de influir
decisivamente na resolução de questões vitais ao longo de suas fronteiras terrestres
(TEIXEIRA JÚNIOR, 2018). Após os episódios do conflito com a Geórgia, no qual a Rússia
conquistou uma parte do território de outro país, essa perspectiva parece sugerir uma mudança
qualitativa nas percepções do Kremlin sobre os seus direitos e responsabilidades históricas no
“exterior próximo” de formas mais indiretas de dominação para uma visão expansionista
(RENZ, 2018).
25
Essas experiências demonstraram para os dirigentes do País que, apesar da nova
posição russa e das conquistas obtidas em prol da conservação do status e da segurança da
Rússia, o Estado ainda não estava preparado para o confronto com o Ocidente. Teixeira Júnior
(2018) aponta que a partir do aprendizado fruto da Guerra da Geórgia, o governo de
Medvedev deu início às reformas militares que seriam conhecidas como NovyOblik8. A
iniciativa visava modernizar as Forças Armadas, superando o modelo de força baseado na
mobilização em massa para uma ação militar calcada na prontidão permanente. A realização
desse empreendimento incorporou legados da Military Technical Revolution soviética
somados ao estudo das lições aprendidas dos processos de transformação militar dos Estados
Unidos (EUA) e da OTAN (TEIXEIRA JÚNIOR, 2018).
Esses movimentos em torno de uma modernização das Forças Armadas abrem espaço
para que diversas empresas privadas atuem em conjunto com o exército nacional e as forças
de segurança, assumindo funções que antes estavam exclusivamente reservadas ao campo dos
militares. Uesseler (2008) explana que a dependência das Forças Armadas em relação às
armas de alta tecnologia faz com que elas não sejam mais capazes de entrar em ação sem o
auxílio de pessoal privado. Dessa maneira, as novas guerras surgem e com elas a grande
necessidade de pessoal especializado, para que possam assumir postos que anteriormente não
existiam dentro da doutrina militar. Assim, é devido às novas necessidades advindas desse
novo modelo de conflito que ganham espaço as Empresas Militares e de Segurança Privada
(EMSPs).
Embora o uso de empresas militares privadas seja pouco conhecido na história da
Rússia, essa prática se intensificou desde março de 2014 após a anexação da
Crimeia. Esta não é a principal estratégia da Política da Rússia, mas abrange uma
parte significativa da atual política externa e de segurança. A Rússia contrata
empresas que atuam em diferentes regiões para perseguir as metas estabelecidas
(GIEDRAITIS, 2020, p. 124).
Katz et al. (2020) confirma que as EMSPs são apenas uma das ferramentas nos
esforços de Moscou para expandir seu poder e influência no exterior. Desse modo, a Rússia
tem usado unidades de inteligência, forças de operações especiais e essas empresas privadas
para realizar uma ampla gama de atividades no exterior - como coletar inteligência, treinar e
equipar forças estrangeiras, conduzir operações de combate, realizar operações cibernéticas,
participar de missões de informação e desinformação e extrair recursos por meio de ações
secretas. Essa gama de atividades destinadas a essas empresas faz com que elas obtenham
8 Expressão em russo que significa novo visual.
26
cada vez mais poder perante a autoridade central de Moscou e principalmente que as suas
atividades possuam de forma cada vez mais crescente o respaldo e apoio do Kremlin.
Segundo salientado pela Figura 1, a partir de 2014, o número de empresas militares privadas
cresceu constantemente, bem como os países nos quais elas passaram a agir, confirmando,
assim, a disposição da Rússia em permitir a atuação dessas instituições, a fim de possibilitar o
crescimento do número de grupos armados não-estatais.
Figura 1: Number of Countries Where PMCs Operated, 2010-2021
Fonte: CSIS Transnational Threats Project
Katz et al. (2020) demonstram que o uso de Empresas Militares e de Segurança
Privadas em Moscou aumentou nos últimos anos e reflete as lições aprendidas com
implantações anteriores: uma crescente mentalidade expansionista e um desejo de ganhos
econômicos, geopolíticos e militares em expansão da Rússia. As EMSPs agora desempenham
vários papéis para minar a influência dos EUA e apoiar os interesses geopolíticos, militares e
econômicos em expansão da Rússia. Com base nessas ações, essas instituições representam
uma ameaça para os Estados Unidos, expandindo a influência política, militar, de inteligência
e econômica da Rússia (KATZ et al., 2021, p. 20-21). Deduzimos, portanto, que há uma
relação mútua de interdependência entre as Empresas Militares Privadas e o Kremlin, que
necessita dessas atividades desenvolvidas por esses atores a fim de, não somente expandir as
suas operações e influência no espaço pós-soviético como também minar a influência dos
27
Estados Unidos e essas empresas em ascensão que necessitam da influência do governo para
que continuem atuando livremente.
2.3. As Empresas Militares e de Segurança Privadas sob a perspectiva da lei
russa:
Apesar da grande importância que as Empresas Militares e de Segurança Privadas
(EMSPs) adquiriram ao longo do tempo para o establishment da Rússia, ainda há grande
resistência por parte do Kremlin e dos órgãos responsáveis em legalizar as atividades dessas.
Katz et al (2021) salienta que, apesar da crescente interdependência entre essas EMSPs e
Moscou, o País geralmente se recusa a legalizar atividades “mercenárias”. As atividades
supracitadas são ilegais de acordo com o artigo 359 do Código Penal Russo de 1996 que
observa: “Recrutamento, treinamento, financiamento ou qualquer outra provisão material de
um mercenário e também o uso dele em um conflito armado ou hostilidades, serão puníveis
com privação de liberdade por um período de quatro a oito anos’’ (KATZ et al., 2021).
Parte da resistência doméstica à legalização das EMSPs é provavelmente ideológica
- ou seja, devido a convicção da necessidade de manter o monopólio estatal sobre o
uso legítimo da violência. No entanto, igualmente ou possivelmente mais
importante, diferentes agências podem resistir à legalização, desde que não tenham a
certeza de que elas ou agências rivais a elas estarão no controle dessa nova
capacidade. Tal controle é desejável devido à potencial influência política associada
e à gestão de recursos financeiros destinados a essas empresas. Pode ser que,
enquanto a questão do controle permaneça indecisa, a maioria dos players
domésticos naRússia prefira a atual existência ambígua dessas empresas em vez da
legalização (ØSTENSEN e BUKKVOLL, 2018, p. 31).
Não obstante, diversas foram as manifestações favoráveis por parte dos tomadores de
decisão sobre o papel que essas empresas possuíam para a atual estratégia de segurança da
Federação Russa. Sukhankin (2019) exemplifica que essa simpatia pode ser observada em
diversas manifestações de autoridades públicas, como a exemplo do general e atual
comandante das Forças Armadas da Federação Russa, Valeri Gerassimov que afirmou que o
País se apoiará ativamente no princípio de assimetria e em sua tradicional força na guerra não
linear (SUKHANKIN, 2019, p. 9). O próprio presidente Putin, em 2012, atuando na época
como primeiro-ministro, discursou para deputados da Duma em apoio à criação de um
sistema legal de Empresas Militares Privadas que poderia fornecer serviços de proteção de
instalações e treinamentos de militares no exterior sem a participação do Estado Russo. Na
28
ocasião, afirmou que “as empresas militares e de segurança privadas são uma forma de
implementar os interesses nacionais sem o envolvimento direto do Estado”9.
Vários analistas debatem sobre essa ambiguidade entre as declarações dadas
publicamente pelos tomadores de decisões e as ações que são feitas no âmbito estatal. Katz et
al. (2021) reiteram que alguns analistas sugerem que Putin optou em manter as EMSPs ilegais
para controlá-las, já que elas podem ser ameaçadas de prisão a qualquer momento. Ainda é
importante salientarmos que essas empresas não pagam impostos ao Estado por não serem
tecnicamente legais, dando-lhes a capacidade de não se registrar ou ser reconhecido como
uma entidade verdadeiramente russa. Østensen e Bukkvoll (2018) complementam o raciocínio
reiterando que outros fatores como (1) o crescente conflito de interesse entre o Serviço
Federal de Segurança da Rússia (FSB) e o Departamento Central de Inteligência (GRU), que
devido a competição e rivalidade entre elas jamais aceitariam dividir a sua influência com as
Empresas Militares e de Segurança Privadas e (2) forte ceticismo nos meios militares sobre a
importância do papel desenvolvido pelas EMSPs. Dessa forma, esses são os dois principais
empecilhos que travam o reconhecimento pleno e um status de legalidade dessas agências.
9 RIA NOVOSTI (Rússia). Putin supported the idea of creating private military companies in Russia. RIA
Novosti, [S. l.], 11 abr. 2012. Disponível em: https://ria.ru/20120411/623227984.html. Acesso em: 2 maio 2022.
29
3. A atuação das Empresas Militares e de Segurança Privadas da Rússia
3.1. As EMSPs russas ao redor do mundo:
Ao longo dos anos, a Federação Russa adotou para si, de forma cada vez mais intensa,
o uso das Empresas Militares e de Segurança Privadas como parte de sua estratégia para
minar a influência dos Estados Unidos e seus aliados da OTAN no seu entorno e no espaço
pós-soviético, que Moscou considera como sendo o espaço historicamente destinado a sua
influência. Katz et al (2021) argumenta que o uso dessas empresas pela Rússia é parte de uma
estratégia mais ampla para expandir sua influência e minar o poder dos EUA e do Ocidente
por meios irregulares. Tais meios têm se tornado cada vez mais uma tendência por parte dos
Estados ao redor do mundo que possuem como pretensão se envolverem cada vez menos em
conflitos, devido ao enorme gasto de capital político e monetário que a interdependência entre
os países fomentaram.
Após o fim da Guerra Fria, enquanto os Estados Unidos conduziam operações
militares nos Bálcãs, Afeganistão, Iraque, Líbia e outras áreas, os líderes russos
avaliaram que os EUA e outros países ocidentais se engajaram em uma “nova”
abordagem clandestina para derrubar governos e expandir a sua influência. Em vez
de usar um grande número de forças militares convencionais para atingir objetivos
políticos, usaram cada vez mais métodos irregulares (KATZ et al., 2021).
A Guerra Irregular inclui atividades fora da guerra convencional e nuclear que são
projetadas para expandir a influência e a legitimidade de um país, bem como para enfraquecer
os adversários, utilizando inúmeras ferramentas de política que os governos podem usar a fim
de mudar o equilíbrio de poder a seu favor, como por exemplo: operações de informação
(incluindo operações psicológicas e de propaganda), operações cibernéticas, apoio a parceiros
estatais e não estatais, ação secreta, espionagem e coerção econômica (Katz et al., 2021, p.
12). Østensen e Bukkvoll (2018) reiteram que a existência de EMSPs como tal ferramenta
remete desde meados do ano de 2000, seu papel como uma ferramenta de política externa
parece mais recente. Dois aspectos do uso russo de EMSPs como ferramentas da política
externa são particularmente notáveis: a diversidade de operações em que essas empresas estão
engajadas e a indefinição entre o interesse nacional e privado em seu emprego (KATZ et al.,
2021).
Atualmente, a Rússia atua por meio de Empresas Militares e de Segurança Privadas
em diversos Estados ao redor do mundo, principalmente na África. Esse emprego elevado no
continente se deve principalmente à defesa de empresas que exploram as riquezas desses
30
países, principalmente em áreas ligadas à extração de petróleo e gás. Nesse sentido, podemos
perceber, através da Figura 2, que para além das atividades mercenárias tradicionais, a Rússia
utiliza essas instituições não somente na perseguição de objetivos militares, mas também pela
perseguição dos objetivos comerciais. Dessa forma, elas podem atuar de duas formas, em
nome do governo russo ou em nome de empresas privadas por meio de contratos
extremamente valiosos para as EMSPs.
Figura 2: Número de Países onde as EMSPs russas atuam (2016-2021)
Fonte: CSIS Transnational Threats Project
Katz et al.(2021) aponta que a primeira grande introdução em massa de Empresas
Militares e de Segurança Privadas na perseguição e defesa dos objetivos da estratégia de
segurança e política externa de Moscou em campo de batalhas ocorreu na Ucrânia, durante a
anexação da Crimeia pela Rússia em março de 2014, e na guerra secreta em curso na região
do Donbass, no leste do território ucraniano. Nos estágios iniciais da intervenção
semi-encoberta da Rússia, as EMSPs desempenharam apenas papéis auxiliares, dando volume
aos soldados das Forças de Operações Especiais da Federação Russa (SOF) e às unidades que
auxiliavam no trabalho do Departamento Central de Inteligência (GRU), que foram
famosamente conhecidos como “pequenos homens verdes”10, grupo que ficou à frente da
operação russa na região da Crimeia.
10 The Little Green Men - termo utilizado pela população local para se referir aos soldados mascarados da
Rússia.
31
Operando sob o comando de militares russos, diversas EMSPs foram utilizados
principalmente como forças de bloqueio, a fim de impedir que reforços militares
cruzassem a península ucraniana da Crimeia. Enquanto isso, as Forças de Operações
Especiais da Federação Russa (SOF) e as unidades do Departamento Central de
Inteligência (GRU) assumiram tarefas mais complexas, como tomar as principais
instalações militares e a apreensão de civis importantes. Apesar desse papel de
combate inicialmente limitado, as empresas militares demonstraram na Crimeia sua
utilidade como um elemento primordial do “exército híbrido" das forças regulares da
Rússia, combinadas com a SOF, milícias locais, EMSPs que executariam as
operações militares da Rússia no leste da Ucrânia (KATZ et al., 2021, p.29).
A medida que a Rússia passou a intensificar a sua intervenção na Ucrânia, as
Empresas Militares e de Segurança Privadas começaram a assumir papéis cada vez mais
importantes e centrais na orquestração da campanha russa do Donbass e o seu apoio aos
separatistas nas chamadas “repúblicas populares” de Luhansk e Donetsk (KATZ et al., 2021).
Os papéis das EMSPs no leste da Ucrânia começaram a evoluir e passaram a assumir as
missões das forças regulares no treinamento militar eaconselhamento estratégico das milícias
separatistas e no apoio aos esforços de propaganda de Moscou. Para o Kremlin elas foram
amplamente bem-sucedidas em sua missão de habilitar os separatistas do Donbass, permitindo
que eles assegurassem o território no leste ucraniano que garantiriam a influência da Rússia
sobre talvez o país mais vital em seu “exterior próximo” (KATZ et al., 2021).
Apesar das qualidades salientadas é preciso recordar portanto que, os mercenários
russos contaram com uma série de benefícios nas missões que foram designadas a elas no
leste do país vizinho, primeiramente eles desfrutaram de uma série de pequenas missões com
objetivos limitados que fizeram com que as EMSPs pudessem ter foco no objetivo
empenhado por elas, em segundo lugar elas se depararam com um ambiente no qual os focos
de resistência foram limitados e um oponente muito menos preparado militarmente e com
arsenal defasado, se comparado com o poder de fogo utilizado pela Rússia, e por fim, os
militares privados a serviço de Moscou estavam geograficamente próximos do teatro de
operações e conheciam de forma bastante completa o território que eles pretendiam invadir.
Após o caso do sucesso de uso de pessoal privado na campanha da Crimeia, os
dirigentes russos começaram a utilizá-las com maior amplitude. Sukhankin (2018) observa
que a atuação do grupo militar privado Wagner na Síria é uma história de sucesso seguida de
fracasso, pelo menos desde meados de 2018. Durante a retomada de Palmira do Estado
Islâmico (na primavera de 2016), o principal avanço para a antiga cidade síria foi conduzido
por um grupo de militares privados. Perto de Latakia e Aleppo, membros do Grupo Wagner (e
presumivelmente membros de outras EMSPs) foram coordenados pelo Departamento Central
de Inteligência da Rússia e pelo Serviço Federal de Segurança (FSB) para várias funções,
nesta fase preliminar esses mercenários desempenharam um importante papel em termos de
32
permitir que as forças pró-al-Assad reconquistassem parte do país, entretanto, os sucessos
militares foram em maior medida determinados pela fraqueza do oponente do que pela
inerente força e invencibilidade das próprias EMSPs russas (SUKHANKIN,2018, p.10).
As atividades das EMSPs russas na Síria foram aninhadas em dois objetivos
maiores: primeiro, os líderes russos queriam estabilizar o país, que estava sob
ameaça particular da oposição e das forças extremistas até 2015, como um centro
estrategicamente importante para Moscou no Oriente Médio. Em segundo lugar,
Moscou pretendia impedir a mudança de regime liderada pelos EUA, a fim de
substituir o governo amigo da Rússia de Assad (KATZ et al., 2021, p.32).
Na campanha militar da Síria as Empresas Militares e de Segurança Privadas foram
um componente valioso do teatro de operações de Moscou no país médio oriental,
considerada uma das maiores operações fora da área de influência da Rússia desde o fim da
Guerra Fria (KATZ et al., 2021). Katz et al. (2021) coloca que, as EMSPs servem como uma
força quase que inegáveis, de baixo custo e atribuível cujas as funções na Síria evoluíram ao
longo dos desdobramentos no campo de batalha foram necessitando de um incremento cada
vez maior de homens para as forças terrestres russas e de poder de fogo. Nesse sentido, foram
observados que as funções iniciais dessas empresas, como segurança de locais vitais para as
forças aliadas, escolta de funcionários e pessoas importantes e transferência de armas para o
teatro de operações, evoluíram para funções cada vez mais diretas em operações de combate
pró-regime em lugares como Palmira em 2016 e 2017 e Dayr az Zawr a partir de 2017, nesse
intervalo de tempo os militares contratados na Síria somavam entre 1.000 e 3.000 homens.
As Empresas Militares e de Segurança Privadas (EMSPs) atuando na Síria
sincronizaram os avanços militares com as prioridades econômicas, permitindo que
a Rússia capitalize os avanços terrestres em áreas ricas em petróleo e gás, por meio
da garantia de oleodutos, campos de petróleo, refinarias e usinas de gás para encenar
futuros avanços terrestres e obter lucros. Notavelmente as EMSPs russas que operam
na Síria geralmente contam com o apoio militar convencional russo de ponta e
parceiros capazes na Forças Quds do Corpo da Guarda Revolucionária Islâmica, no
Hezbollah libânes e na Forças Tigres do Exército sírio, que lhe permitiram ganhar e
manter o terreno em cidades contestadas (KATZ et al., 2021, p. 33)
Apesar do aparente sucesso que os grupos militares privados que atuavam em nome
da Rússia experimentaram em boa parte da sua campanha da Síria, um incidente ocorrido na
cidade de Dayr az Zawr, no lado oriental do país demonstrou a enorme fragilidade que o
emprego desses grupos pode vir a trazer para a estratégia russa. Sukhankin (2018) relembra
que o massacre de um grupo de EMSPs russos na cidade de Dayr az Zawr, onde o grupo
estava mobilizado para tomar campos de petróleo e gás no início de 2018 ilustrou o colapso
das táticas utilizadas, incluindo o uso de mercenários russos em conjunto com as forças Sírias
em condições de deserto. Aproximadamente 200 funcionários de grupos privados foram
33
mortos em uma batalha com forças conjuntas dos Estados Unidos e grupos curdos
(SUKHANKIN, 2018).
Outro motivo que causou um enorme declínio de moral e ligou um alerta para Moscou,
foram o aumento das denúncias de violações de direitos humanos e uma maior exposição
desses casos na mídia internacional que acabaram conduzindo um enorme mal-estar aos
dirigentes do Kremlin. Nesse sentido, essas causalidades podem levar a sérios
desdobramentos para o governo russo perante à sociedade internacional, além de serem
necessários grande uso de capital político e diplomático com a finalidade de encobrir tais
ações criminosas.
As Vitimas das Empresas Militares e de Segurança Privadas (EMSPs) tornaram-se
cada vez mais expostas na mídia internacional, ao longo da intervenção, lançando
dúvidas sobre se os russos seriam capazes de implementar essas EMSPs no futuro e
ainda esperar um meio de negar uma relação entre eles. Essas reportagens da mídia,
combinadas com outras descobertas de crimes, por partes das EMSPs, podem
aumentar a carga de desdobramentos em outros possíveis conflitos (KATZ et al.,
2021).
A última grande empreitada das Empresas Militares e de Segurança Privadas
(EMSPs) da Rússia teve como principal objetivo a expansão global para além dos países
próximos. Segundo Katz et al. (2021), após o uso das EMSPs na Ucrânia, Síria e Líbia, a
Rússia passou a expandir o escopo geográfico de suas implementações de militares privados.
Anteriormente eram utilizados apenas em apoio a regimes apoiados por Moscou e em
algumas poucas empreitadas comerciais, em sua grande maioria empregados na segurança de
plantas de petróleo e gás, escolta de membros importantes ligados ao Kremlin e segurança de
funcionários das petrolíferas russas. A era de atuação dos militares privados no continente
africano veio seguida de uma abrupta mudança no modus operandi dessa arquitetura híbrida
de forças russas e privadas atuando juntas em prol de um objetivo.
A presença de EMSPs na África ainda se dá sobre o escopo do controle de Moscou,
entretanto com uma baixa presença de militares russos em posição de combate, já que no caso
africano os militares ligados diretamente às Forças Armadas russas foram postos apenas em
posição de comando, enquanto que toda a parte operacional e logística ficou a cargo das
empresas privadas. Em particular, a Rússia tem como alvo países ricos em recursos com
governança fraca, incluindo Sudão, República Centro Africana, Madagascar e Moçambique.
Embora as tarefas das EMSPs tenham variado de caso para caso para atender as necessidades
locais, em cada um desses países a Rússia trocou o seu apoio militar e de segurança por
ganhos econômicos, geopolíticos e militares. No entanto, nem todos os militares privados
34
espalhados pelo continente alcançaram níveis de sucesso esperado na execuçãode suas
missões (KATZ et al., 2021).
Na perseguição dessa estratégia Moscou intensificou a frequência e melhorou o
nível dos seus contatos bilaterais com os intervenientes africanos. Nomeadamente
entre 2015 e 2019 a Rússia acolheu os líderes do Zimbábue, Guiné, Sudão,
República Centro Africana, Senegal, Angola e Congo (algumas deles mais de uma
vez). E enquanto desenvolvia laços com esses e outros países africanos, Moscou
explicitamente procurou colocar os interesses econômicos estritamente à frente dos
sentimentos e considerações ideológicas em um esforço para enfatizar um
afastamento de suas práticas da era soviética (SUKHANKIN,2020, p. 5).
A expansão da Rússia moderna em direção a África, diferentemente da época da
União Soviética, aparenta ter um maior caráter pragmático. Segundo Sukhankin (2020) as
atividades da Rússia na África hoje diferem marcadamente dos compromissos soviéico
naquele continente durante a Guerra Fria, ou seja, o “pragmatismo” parece desempenhar um
papel muito maior na política atual de Moscou para a África do que antes de 1991. Apesar
disso, é importante salientarmos que a Rússia possui recursos econômicos limitados quando
comparados aos Estados Unidos e China e nem mesmo possui capacidade de implementar
uma diplomacia cultura convincente nos países africanos. Nesse sentido, a escolha dos países
nos quais os militares privados e os elementos de política externa estarão presentes, devem ser
escolhidos com bastante cautela, evitando assim a perda de recursos, capital humano e
político.
No entanto, ao contrário do seu predecessor histórico, a Rússia é incapaz de desviar
recursos econômicos substanciais para alcançar os seus objetivos na África, o que
obriga Moscou a agir assimétricamente. A Rússia está cuidadosamente “escolhendo
as suas batalhas” (limitando o número de clientes que recebe em um determinado
momento); mas, ao mesmo tempo, está empregando sabidamente suas vantagens
competitivas em relação a outras potências globais. Como tal, Moscou está
determinada a tirar vantagem da presença (temporária) enfraquecida de Washington
na região. Nesta conjuntura um aspecto verdadeiramente crítico - com um impacto
potencialmente pesado no equilíbrio de poder no continente - será a relativa
capacidade do lado russo de cooperar com a China. Esse fator já está frequentemente
presente no discurso oficial da Rússia, embora possa não ser tão firme e genuíno
(SUKHANKIN, 2020, p. 14).
Apesar da grande desvantagem da Rússia atualmente no seu avanço por um aumento
da sua influência no continente africano. Sukhankin (2020) reitera que, a Rússia não tem
potencial econômico adequado, nem mecanismos convincentes de “soft power” para competir
com atores internacionais mais poderosos, principalmente com EUA, China e União
Europeia. Portanto, a estratégia de Moscou é baseada em ferramentas e meios previamente
testados em outras regiões. Nesse sentido, seria crucial determinar três fatores
35
essenciais:venda de armas, cooperação de segurança “híbrida” e operações políticas
informativas (SUKHANKIN,2020, p. 14).
No que diz respeito às armas e vendas de armas - uma estratégia iniciada durante o
período soviético - isso agora serve como um fator chave nas propostas
contemporâneas do Kremlin para estados africanos individualmente. Além disso,
dado ao fato de que o armamento construído pelos soviéticos (que requer serviços
qualificados que ainda faltam em países africanos) continua a construir a espinha
dorsal de algumas forças armadas africanas a
manutenção/reequipamento/modernização dessas armas naturalmente ajudam a
facilitar a cooperação russa com esses estados regionais (SUKHANKIN, 2020).
Uma segunda condição importante, que traz uma vantagem crucial para a Rússia tem
sido, consequentemente devido ao avanço da indústria militar privada no país, a exportação
dos mecanismos de segurança. Isso significa o envio de pessoal especializado, por parte da
Rússia para o aconselhamento técnico, segurança de locais e estruturas cruciais para o
governo local e combate de milícias terroristas que atuam nesses países. Sukhankin (2020) vai
evidenciar que, exemplos como aqueles que ocorre na República Centro Africana, Congo e
Sudão, em particular, demonstraram o surgimento desse mecanismo de apoio técnico-militar
legal (que inclui o envio de um número limitado de instrutores militares uniformizados), com
serviços prestados por formações “ilegais” - ou seja as EMSPs russas, que de jure são
proibidos e atuam de forma confidencial em nome de Moscou (SUKHANKIN, 2020).
Tornou-se cada vez mais comum a aprovação, por parte dos países africanos em
acolherem esse tipo de cooperação "trilateral", entre um país do continente africano, Rússia e
alguma empresa militar privada a serviço do Kremlin. Sukhankin (2020) reforça que, em
grande parte isso se deve a dois fatores chaves: 1) os medos das elites dominantes africanas de
protestos públicos, bem como 2) o aumento do radicalismo islâmico e a incapacidade das
forças armadas locais de lidar efetivamente com este desafio. A capacidade da Rússia em
explorar ambos esses fatores pode desempenhar um papel crucial em sua competição com
outros atores globais no continente africano (SUKHANKIN, 2020).
Por fim, Moscou ainda conta com uma terceira estratégia com objetivo de ampliar a
sua atuação e consequentemente o uso das Empresas Militares de Segurança Privadas russas,
segundo justificado por Sukhankin (2020) a terceira parte da estratégia de Moscou para a
África abrange um amplo espectro de vários mecanismos não militares na esferas políticas e
informacionais. Isso inclui operar troll/botnets em nome de clientes africanos, enviar
consultores políticos ("tecnológicos políticos”) e espalhar desinformação na mídia.
36
O uso integrado e racional desses três fatores pode dar a Moscou maior latitude em
seus projeto e iniciativas na África e expandir ainda mais o seu envolvimento russo
em todo o continente, que, com base nas observações mais atualizadas, continua
experimentando um crescimento visível (SUKHANKIN, 2020).
Os argumentos postos anteriormente demonstram que a Rússia tem se esforçado
bastante para empregar as Empresas Militares e de Segurança Privadas de forma mais
abrangente, a Figura 03 exemplifica de forma bastante simples as Empresas Militares e de
Segurança Privadas que atuam em nome do governo russo e quais são os órgãos que se
estipulam que essas EMSPs possuam uma relação estreita e contratos para atuação.
Independente dos sucessos e fracassos, Moscou continua demonstrando uma grande
disposição perante ao crescimento dessas empresas, contato que, não atuem dentro do seu
território, nesse sentido, a visão do Kremlin é de que, a partir do momento que as EMSPs
atuarem em conjunto com o governo para garantir o avanço da estratégia de segurança e
sustentação a política externa assertiva, a Rússia estará disposto a garantir os contratos para
elas, além de atuarem juntos em missões por meio de uma força híbrida.
37
Figura 03: Ligação e área de atuação das EMSPs
Fonte: CSIS Transnational Threats Project
3.2. O papel das EMSPs na Estratégia Nacional de Segurança da Federação
Russa:
O atual nível de interação existente entre as Empresas Militares e de Segurança
Privadas (EMSPs) e as Forças Armadas e de Segurança da Rússia, constituem um fator
crucial para a manutenção dessas organizações de direito civil, apesar da sua existência ser
algo bastante controverso dentro do país. O uso de EMSPs tem como objetivo não somente
atuar junto a incorporação de novas tecnologias internamente às Forças Armadas da
Federação Russa, mas também de perseguirem os interesses de Moscou sem a necessidade de
38
envolvimento direto do governo em conflitos para além das suas fronteiras. Isso possibilita
uma maior expansão sem a necessidade de lidar internamente com toda a burocracia estatal
para o envio de tropas ao exterior.
Essa proximidade entre os meios militares e privados não constitui uma mera
coincidência, segundo observado

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