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lusografia versus lusofonia

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LETRAS 
Literaturas em Língua Portuguesa - prof. Dr. Paulo Nunes 
PORTUGAL, BRASIL, ÁFRICAS, LUSOFONIA VERSUS LUSOGRAFIA, UMA INTRODUÇÃO 
 
 
Fonte: luisalessa/blogspot.com, acesso: 07 de agosto de 2023. 
 
I – CARTÃO DE VISITAS: UMA INTRODUÇÃO AO TEMA 
Um “curso caleidoscópico”, contemplando um painel das Literaturas Angolana, Moçambicana, Guineense, 
Santomista, Caboverdiana, ministrado no Brasil é, de certo modo, a busca por uma teoria da alteridade1, ou 
ainda de questionamento das tensões hierarquizantes dos hemisférios Norte/Sul, o que propicia uma abertura 
para o diálogo Sul/Sul. Tais estratégias são postas na mesa com o objetivo de desmontar, de algum modo, as 
colonialidades que a literatura canônica (sobretudo a Literatura Portuguesa e depois, por que não dizer?, a 
Brasileira) ajudaram a configurar, ao longo dos séculos. Sem eufemismos, é preciso lembrar as relações tensas 
 
1 Entende-se por alteridade a ideia que defende o respeito às diferenças socioculturais de toda espécie. Há um 
movimento pela busca de alteridades todas as vezes que nos debruçarmos sobre a literatura de outros países 
que não os nossos. 
(ou distensas) entre países que se preconizam “irmãos num mesmo idioma”, relações que ficam mais 
complexas, diante do quadro de crises institucionais e democráticas na geopolítica global, que se manifesta de 
diversos fatos, como por exemplo, os grandes fluxos migratórios, sobretudo os classificados como “ilegais”, que 
tendem, neste século XXI, a se intensificar ainda mais. 
 
As relações preconizadas como de “amizade” entre Estados (sobretudo com o crescimento de uma “nova 
extrema direita”). As tensões se ampliam, as negociações diplomáticas entram em campo para “apagar 
incêndios” e evitar a dissolução completa dos laços de ligação de uma política cultural e “de afetos”, que, salvo 
engano, não passam de uma utopia (e falo a partir de meu local de pertencimento: o Brasil, que se tem mostrado 
tão xenófobo e preconceituoso). Se considerarmos a chamada “Comunidade de Língua Portuguesa”, o PALOP 
(conjunto de países africanos que têm a Língua Portuguesa como idioma oficial), ao qual se agregam, com 
algum esforço, Brasil e Portugal, a situação parece mais séria. 
 
II – LITAFRIC EM CURSO 
Na África, talvez mais que no Brasil, o problema da LUSOFONIA – conceito e prática, de certo ponto de vista, 
bastante questionáveis – é mais complexo, pois que a opressão colonial em África rompeu-se 
institucionalmente de 1973 a 1975, após a queda, em Portugal, de Salazar, através da Revolução do Cravos e 
a eclosão das guerras de libertação das antigas colônias portuguesas em África (e Oceania). Superadas as 
tensões do pós-guerra, reconhecidos os novos Estados africanos autônomos, e em virtudes das negociações e 
acordos, elos foram retomados, mesmo que as vezes precariamente. A literatura serve de propósito para o 
reaproximar de povos leitores que têm o português como idioma de escrita. 
 
Assim a literatura, um curso de literaturas africanas em língua portuguesa, ministrado a partir do Brasil 9da 
Amazônia brasileira), poderia constituir-se, de certa forma, numa reafirmação da lusofonia, NÃO FOSSE A 
LUSOFONIA UMA EXPRESSÃO NEM SEMPRE BEM VISTA, PARA A QUAL MUITOS ESTUDIOSOS DAS 
LITERATURAS AFRICANAS, INCLUSIVE OS PESQUISADORES BRASILEIROS, ‘TORCEMOS O NARIZ’, DADO 
O INTENSO GRAU DE COLONIALIDADE nele presente. O poeta Filinto de Almeida, em Encontro de 
Professores e Pesquisadores de Literaturas Africanas de Língua Portuguesa2, afirmou que em se tratando de 
nossos países, os “de” língua portuguesa, é mais apropriado falar-se numa LUSOGRAFIA. Lusografia, 
concepção mais democrática e de respeito às diversidades etnicoculturais locais, passou a ser um contraponto 
à ideia [colonialista] de lusofonia. Em síntese, há que se afirmar que adotamos um posicionamento crítico a 
 
2 Seminário realizado pela UFMG, UFOP e PUC Minas, em Ouro Preto, Minas Gerais, em outubro 
de 2010, de que participei. 
respeito do emprego de lusofonia como conceito fraterno e colaborativo, usado sobretudo pelos órgãos oficiais 
do Estado português. Adiante veremos que motivos sustentam nossa posição. 
 
Creio que os laços solidários entre os países falantes da língua portuguesa constituem espaço privilegiado 
(sobretudo em se tratando de literatura) para amenizar-se o nosso isolamento político, social, econômico como 
povos falantes de um idioma que é muitas vezes considerado, apesar de ser um dos 5 mais falados no planeta, 
como um dialeto do espanhol. Penso que muito mais que acordos ortográficos, fazem-se necessárias medidas 
práticas dos governos de Brasil, Portugal e de nossos irmãos africanos para divulgar, mundo afora, a “língua 
de Camões”, a ‘nossa’ língua portuguesa. Intercâmbios culturais e acadêmicos, patrocínios a concursos e 
concessões de bolsas de estudo para os países que tem a língua portuguesa como idioma oficial de escrita: um 
trânsito de ideias e prática construtivas e solidárias. 
 
III – A LUSOFONIA: UM CONCEITO DIFERENCADO QUE VEM DO BRASIL 
Podemos pensar a lusofonia de modo diverso do viés colonialista. Deste modo vale explicar um outro 
significado para o conceito, significado mais adequado à práticas democráticas. Desta feita, Lusofonia seria, 
filosoficamente, a reunião de aspectos multiculturais dos países falantes da língua portuguesa. 
Adotados este ponto de vista menos conservador e ortodoxos, recorremos não aos linguistas, filólogos, 
gramáticos, antropólogos ou ainda internacionalistas; recorreremos doravante a um artista: Martinho da Vila, 
escritor fluminense, um dos compositores mais politizados e engajados da música brasileira quando se trata 
das relações África X Brasil X Europa. Martinho lançou, no ano de 2000, um disco sobre o tema-título aqui 
tratado. É ele quem conceitua lusofonia, e o faz de modo a compreendermos o conceito a partir de um artista, 
preto, brasileiro, que transita por países africanos dos PALOP: 
 
Lusofonia não é somente a adoção do idioma português como 
linguagem de cultura. É a ação de solidário intercâmbio cultural 
entre os povos lusoparlantes e também a filosofia de interligação 
afetiva entre os lusófonos. Lusófono é quem está identificado com a 
lusofonia. Eu me sinto assim, mas não gravei este cd com intenção 
prioritária de fazer política cultural. 
 
Sonho com este disco –Lusofonia - faz muito tempo, levei mais de 
dois anos na elaboração e, portanto, não é um trabalho feito 
especialmente para as comemorações dos 500 anos do Brasil. É 
apenas um CD de carreira para tocar no rádio e fazer o povo dançar 
e cantar com ancestral emoção, feliz alegria! 
 
Presume-se que a falta de autoestima nos leva, os brasileiros, cidadãos de um país, que, em passado recente, 
sonhou superar sua condição de nação periférica, a cultuar excessivamente outras culturas, outros idiomas 
(atenção: não somos contra o uso de estrangeirismos, colocamo-nos apenas contrários ao exagero!), sem nos 
apercebermos dos danos que isto poda causar-nos. Marcas de subdesenvolvimento? As medidas de valorização 
do idioma luso passam, no Brasil, por exemplo, por medidas amplas, tais como, requalificar a escola brasileira, 
valorização da carreira do magistério. Fala-se – exageros? – em lei disciplinadoras ao uso de estrangeirismos 
(modelo francês?); questiona-se a afetivação multilateral do polêmico acordo ortográfico lusófono (que 
Portugal ajudou a construir mas hoje teima em renegar). Problemas a parte, parece-nos fundamental (e 
urgente) retomar, em todas as esferas, o intercâmbio entre os países falantes da língua portuguesa. Não cabe, 
pois NÃO SERIA COERENTE ACEITÁ-LA, A IDEIA DE LUSOFONIA COMO RECOLONIZAÇÃO CULTURAL, 
HIERARQUIZAÇÃO COLONIALISTA DO NORTE SOBRE O SUL, COMO PENSAM ALGUNS MAIS 
CONSERVADORES (sobretudo as elites brancas de diversos países). Sigamos adiante em nosso objetivo de 
ver/rever o significado de lusofonia. Leiamos abaixo a letrade “Lusofonia”, composta por Martinho da Vila e 
Elton Medeiros: 
 
Eu gostaria de exaltar em bom tupi 
As belezas do meu país 
Falar dos rios, cachoeiras e cascatas 
Do esplendor das verdes matas e remotas tradições 
Também cantar em guarani os meus amores 
Desejos e paixões 
Bem fazem os povos 
Das nações irmãs 
Que preservam os sons e a cultura de raiz 
 
A expressão do olhar 
Traduz o sentimento 
Mas é primordial 
Uma linguagem comum 
Importante fator para o entendimento 
Que é semente do fruto 
Da razão e do amor 
 
É sonho ver um dia 
A música e a poesia 
Sobreporem-se às armas 
Na luta por um ideal 
E preconizar a lusofonia 
Na diplomacia universal 
 * * * 
À frente, voltados para pensar a língua como manifestação da diacronia, leiamos um fragmento de texto que 
nos parece bastante conhecido: A carta de Pero Vaz de Caminha, escrita a el-rey D. Manuel, o venturoso: 
 
Assim, quando o batel chegou à foz do rio estavam ali dezoito ou vinte 
homens, pardos, todos nus, sem nenhuma roupa que lhes cobrisse suas 
vergonhas. Traziam aros nas mãos e suas setas (...) A feição deles é serem 
pardos, quase avermelhados, de rostos regulares e narizes bem feitos, 
andam nus sem nenhuma cobertura; nem se importam de cobrir 
nenhuma coisa. E sobre isto são tão inocentes como em mostrar o rosto 
(...) 
 
Ali andavam, entre eles, três ou quatro moças, bem moças e bem gentis, 
com cabelos muito pretos, caídos pelas espáduas abaixo; e suas 
vergonhas tão altas e tão cerradinhas e tão limpas de cabeleiras, que de 
as olharmos muito bem não tínhamos nenhuma vergonhas (...). 
 
Parece-me gente de tanto inocência, que se a gente os entendesse e eles 
a nós, seriam logo cristãos, porque eles não têm e nem atendem a 
nenhuma crença, segundo parece. E, portanto, se os degredados que aqui 
hão de ficar aprenderem bem a sua fala, e os entenderem, não duvido, 
segundo a santa tenção de Vossa Alteza, fazerem-se cristãos e crerem na 
nossa santa fé (...) E, portanto, Vossa Alteza, pois tanto deseja acrescentar 
na santa fé católica, deve intervir e sua salvação... 
 
(Escrita original no português do séc. XVI, temos aqui uma versão atualizada pelo filólogo prof. Dr. José Augusto 
Vaz Valente). 
 
Está claro, no entanto, que não é assunto que se possa esgotar em uma única aula, mas, o trouxemos aqui com 
o objetivo de iniciar uma reflexão que se faz fundamental num curso de ‘literaturas internacionais’. Afinal, os 
profissionais de Letras devemos nos posicionar acerca do fato, vê-lo como fenômeno cultural e político 
fundamental para os dias contemporâneos. A literatura, afinal, faz tempo, deixou de ser um acessório de 
beletrismo, um “enfeite” pequeno burguês que massageia os egos. Diante da complexidade das relações 
multiculturais do mundo global, pergunta-se: é possível falar-se em LUSOFONIA ou será mais coerente 
adotarmos a ideia da LUSOGRAFIA, enfatizada pelo poeta angolano Filinto de Almeida? A resposta cabe a cada 
um de vocês, leitoras e leitores de literatura deste quarentão curso de Letras da Universidade da Amazônia. 
 
 
	LETRAS
	Literaturas em Língua Portuguesa - prof. Dr. Paulo Nunes

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