Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
ESTUDO DO MOVIMENTO II: CINESIOLOGIA Mariluce Ferreira Romão Cinesiologia aplicada às habilidades motoras Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Identificar as etapas para análise cinesiológica de um gesto motor. � Discutir a cinesiologia como forma de aperfeiçoar o gesto motor na aprendizagem e no alto rendimento. � Elaborar uma análise cinesiológica de um chute no futebol. Introdução A análise do movimento humano pode se tornar mais ou menos com- plexa, dependendo das variáveis consideradas. Um exemplo de maior complexidade é a utilização de objetos durante um movimento, como ao arremessar, chutar, rebater e agarrar, reconhecidos no atletismo, futebol, beisebol, entre outros esportes. Para realizar uma análise de movimento bem como, intervir de forma correta e responsável, o profissional de Educação Física precisa ter um conhecimento holístico sobre movimento humano. Trata-se de uma visão cinesiológica e biomecânica completa dos aspectos que controlam e podem interferir no movimento. Neste capítulo, você vai identificar as etapas para análise cinesiológica de um gesto motor; bem como discutir a cinesiologia como forma de aperfeiçoar o gesto motor na aprendizagem e no alto rendimento e, ao final, elaborar uma análise cinesiológica de um chute no futebol. Etapas cinesiológicas para análise de um gesto motor Análise cinemática do movimento Sob o ponto de vista cinemático, a análise do movimento humano leva em consideração o seu tipo, direção e quantidade, tanto em níveis segmentares como envolvendo todo o corpo, funcionalmente. A cinemática é fragmentada em osteocinemática (ossos) e artrocinemática (articulações), que descrevem os movimentos. Nas duas situações, as análises podem ser realizadas de forma qualitativa (baseada em observação) ou quantitativa (baseada em valores). A osteocinemática está relacionada com a formação das alavancas corpo- rais ou bioalavancas (alavancas de força, resistência ou equilíbrio, descritas na análise cinética do movimento), com ênfase na amplitude do movimento produzido pelos músculos esqueléticos. A descrição dos movimentos é feita considerando os planos de secção sagital, frontal e transverso, em torno dos seus respectivos eixos laterolateral, anteroposterior e longitudinal (HOUGLUM; BERTOTI, 2014). Exemplos de movimentos sob o ponto de vista osteocinemático incluem a flexão (diminuição do ângulo articular) do antebraço em direção ao úmero no cotovelo, bem como o aumento do ângulo da tíbia, em relação ao fêmur, durante a extensão do joelho (HOUGLUM; BERTOTI, 2014). Em cinesiologia, a artrocinemática combina várias articulações, que cons- tituem cadeias cinéticas ou cinemáticas. Pegar um livro, por exemplo, em uma estante, envolve movimentos da escápula, tórax, ombro, cotovelo, antebraço, punho e dedos trabalhando juntos na produção do movimento desejado. Este mesmo movimento pode ser relacionado com as articulações do pescoço, do tronco, da pelve e dos membros inferiores, que podem ser solicitadas para alcançar o mesmo livro em local mais alto na mesma prateleira. Assim, as articulações dos membros superiores se movimentam livres (cadeia cinética Cinesiologia aplicada às habilidades motoras2 ou cinemática aberta) na execução da tarefa, favorecendo a mobilidade neces- sária. Em contrapartida, os membros inferiores ficam fixos (cadeia cinética ou cinemática fechada), também imprescindível para a tarefa. Cadeias cinéticas ou cinemáticas abertas (CCA) ou fechadas (CCF), são utilizadas para descrever e/ou analisar o movimento humano, conforme de- monstrado na Figura 1. Portanto, os movimentos humanos devem ser reco- nhecidos como combinações de cadeias cinéticas ou cinemáticas abertas ou fechadas (HOUGLUM; BERTOTI, 2014). Figura 1. (a) Quando a atleta se equilibra para chutar a bola, os segmentos distais dos membros superiores estão livres para se mover (CCA), a extremidade distal do membro inferior que executa o gesto (no exemplo da imagem, o membro direito) também está em cadeia aberta, ao passo que a extremidade distal do membro inferior de apoio (neste caso da imagem, o membro esquerdo) está fixo e em equilíbrio (CCF). (b) Na realização da flexão de braços, os segmentos distais dos membros superiores e inferiores estão fixos (CCF). Fonte: Adaptada de OSTILL is Franck Camhi/Shutterstock.com; Di Studio/Shutterstock (a) (b) Análise cinética do movimento A cinética considera as forças que produzem, finalizam ou modificam o mo- vimento corporal como um todo ou de forma segmentar. 3Cinesiologia aplicada às habilidades motoras Para descrever o movimento humano, antes de considerar as aplicações de força, é importante reconhecer: o tipo de movimento, se é translação (linear) ou rotação (angular); a localização do movimento, indicada pelos planos de secção, e seus respectivos eixos; a magnitude do movimento, que sinaliza a distância que a força se move; a direção do movimento, indicada pelos eixos de movimentos (anteroposterior, laterolateral, ou longitudinal); e a velocidade ou mudança do movimento, que demonstra a taxa em que o movimento acon- tece, a sua aceleração e o torque (força aplicada em um arco de movimento, ao redor de um eixo). As principais forças que interferem no movimento são: a gravidade, os músculos, as resistências aplicadas externamente, e a fricção, bem como as três leis de Newton regem os movimentos: lei da inércia, da aceleração e da ação e reação (HOUGLUM; BERTOTI, 2014). No link a seguir, do professor Douglas Gomes, você aprenderá mais sobre as três leis de Newton de forma conceitual, para aprender de forma significativa, evitando a memorização mecânica. Aqui você irá encontrar os conceitos de inércia, ação-reação e resultante das forças implicando aceleração. https://goo.gl/kEBivz As alavancas corporais geram força e apresentam resistência ou equilíbrio. Conforme demonstrado na Figura 2, auxiliam na compreensão de cuidados, sobretudo, em movimentos rotacionais, identificando especificamente o ponto fixo (articulação), o ponto de aplicação de força (inserção muscular) e a resis- tência (força externa ou o próprio peso do corpo). Nesse tópico, vimos que, para fazer uma análise cinesiológica de um gesto motor, é necessário ter conhecimento sobre a habilidade em questão. É preciso reconhecer o plano no qual o movimento acontece e seus respectivos eixos, bem como as articulações, músculos e forças envolvidos. Na sequência, vamos discutir sobre os recursos cinesiológicos que permitem o aperfeiçoamento do gesto motor, tanto na aprendizagem quanto no alto rendimento. Cinesiologia aplicada às habilidades motoras4 Figura 2. Alavancas corporais. Fonte: Adaptada de Dufour (2016). Alavanca inter�xa Alavanca interforça R F F F F a a P1 P2 b c R R R R F F F a R Rb Alavanca inter-resistente b c a b Cinesiologia: aperfeiçoamento do gesto motor na aprendizagem e no alto rendimento Para aperfeiçoar o gesto motor na aprendizagem ou no alto rendimento, é necessário que o profissional de Educação Física conheça as habilidades requeridas, bem como tenha a capacidade de fragmentar essas habilidades, tendo em vista suas partes constituintes. Trata-se de entender quais exigências a atividade requer, sendo uma alternativa preferencial a análise quantitativa da atividade em questão. Mesmo sem utilizar fórmulas ou outras medições quantitativas, pode-se detalhar partindo do ponto vista do que é considerado normal. No esporte e na recreação, por exemplo, a análise muscular e articular se une à habilidade de observação, para comparar o que é esperado na ação realizada pelo indivíduo que pratica. Portanto, é preciso identificar os movimentos dos músculos e articulações durante qualquer atividade considerada para análise. 5Cinesiologia aplicada às habilidades motoras Conhecendo o que é normal, torna-se possível identificar oque é passível de correção. Geralmente, as atividades são divididas em fases, facilitando os aspectos a serem discutidos e esperados na execução desejável ou ideal (HOUGLUM; BERTOTI, 2014). Neste tópico, prioriza-se considerar todos os elementos envolvidos na atividade, bem como o corpo humano como um todo durante a atividade em questão. Partindo desse pressuposto, uma atividade deve ser escolhida, fragmentada e considerada no seu desempenho e desenvolvimento normais. Em seguida, todas as fases devem ser discutidas, identificando-se o começo, o meio e o fim e destacando-se os movimentos esperados em cada fase, bem como os músculos responsáveis pelas ações. A capacidade de avaliação de uma atividade, de forma segmentar ou no todo, proporciona uma visualização completa de toda a demanda das ações, permitindo selecionar técnicas, tanto para realizar a atividade normalmente, como em nível de performance ou alto rendimento. Antes de avaliar qualquer atividade esportiva ou outras habilidades rela- cionadas ao movimento humano, é necessário ter conhecimento sobre o que se pretende analisar e, em seguida, identificar o propósito ou objetivo da atividade e interpretá-la em termos cinesiológicos e biomecânicos (ZATSIORSKY, 2013). Trata-se de uma condição imprescindível no momento de propor a melhor técnica para a sua execução. Saber as regras da atividade, bem como, as suas restrições evitam fraudes ou ilegalidades na prática da atividade. Como no beisebol, a análise das técnicas ao arremessar pode indicar que a velocidade do próprio arremesso seria maior, se o jogador corresse vários passos, se dirigindo à base, antes mesmo de liberar a bola. Entretanto, esta técnica, por exemplo, violaria a regra, que indica que o pé de apoio do jogador deve estar sobre a marca de borracha, antes de arremessar a bola (HOUGLUM; BERTOTI, 2014). O propósito da habilidade compreende-se como sendo o resultado desejado ou considerado ideal, capaz de sinalizar a medida de desempenho ou sucesso ou o critério de performance. O que o atleta se esforça para alcançar durante o desempe- nho da habilidade? Em alguns casos, isso é fácil de definir, em outros é muito mais difícil. Algumas habilidades esportivas têm apenas um propósito, outras possuem diversos. A complexidade da tarefa depende da habilidade que está sendo analisada (ZATSIORSKY, 2013). Cinesiologia aplicada às habilidades motoras6 Rebate no voleibol A cortada eficiente no voleibol depende de ações coordenadas e sem super- posições na sequência dos movimentos. É iniciada com flexão do tornozelo e extensão dos joelhos e quadris, de maneira que o corpo seja elevado. A velocidade angular alta dos músculos extensores do quadril e do joelho, bem como a velocidade angular de flexão plantar gera a velocidade vertical, tendo em vista o centro de massa na impulsão. A sequência dos movimentos na cortada é descrita com inicial rotação do tronco, acompanhada por movimentos de todo o membro superior, com alguns relatos de rotação medial do braço antes do impacto, mais relacionada com a velocidade da bola. Entretanto, a velocidade angular do cotovelo não se correlaciona representativamente nesse contexto. Assim, primeiro o membro superior fica em extensão, para depois realizar a rotação medial, que, por sua vez, é responsável, em grande parte, pela força na batida. Na sequência do movimento, é relevante utilizar o braço que não bate, ou seja, a reação igual ou oposta, do membro que não bate rodar em sentido inferior, ajuda na ação da batida em si, considerando o corpo fora do solo. O impacto na cortada do voleibol deve ocorrer próximo ao ápice do salto, que no corte e no serviço são similares, no que se refere aos ângulos segmentares e parâmetros de tempo. Três aspectos são destacados no contato considerado ideal entre o antebraço e a bola, no início do retorno de um serviço. O primeiro é que quanto maior for o ângulo formado no cotovelo esquerdo no contato com a bola, melhor a ação. O segundo aspecto estabelece uma relação que quanto menor for o ângulo formado no cotovelo esquerdo, onde ocorre a recepção, e o cotovelo direito, formando um local de grande eficiência no rebate, melhor é o contato. E por último, quanto menor for a diferença entre a trajetória do ponto médio dos cotovelos, pelo contato e a trajetória da bola rebatida, melhor é o contato. Devido ao tempo de contato, considerando a bola e os antebraços, o retorno do serviço no voleibol é um rebate que requer o envolvimento postural de todo o membro superior, preparado para o impacto. No saque, de frente e de costas, a cabeça, o tronco e os membros apresentam muitas variações, inclusive técnicas, demonstrando a extensão do cotovelo antes do contato com a bola, o que identifica o saque mais como um rebate do que um arremesso. 7Cinesiologia aplicada às habilidades motoras Chute no futebol Em descrições do chute com o dorso do pé, rápido e lento, foi identificada maior rotação pélvica no chute mais rápido, com abdução do quadril relativamente constante. No começo da oscilação para frente, a coxa acelera a sua velocidade angular, e a perna permanece fletida e em posição também relativamente cons- tante. Assim, ocorre a diminuição da inércia do membro inferior, reduzindo a potência requerida para a rotação. Tanto a coxa quanto a perna aceleram as suas velocidades angulares, precedendo ao impacto. Contudo, a velocidade angular da perna eleva, e a da coxa diminui. No momento do impacto do chute a coxa fica quase estática, embora tenha relatos de situações contrárias. O maior consenso é de que a coxa sofre menor efeito, considerando a velocidade do pé no momento do impacto. Nesse contexto, jogadores profissionais de futebol desenvolvem melhor velocidade do pé no impacto com a bola, como determinante mecânico representativo na ação. Na fase de oscilação do chute para frente, em relação aos membros inferiores, e considerando a interação intersegmentar, conjetura-se que a ação extensora do quadril eleva a velocidade da rotação da perna imediatamente anterior ao impacto. Como em um chute com a ponta do pé, a perna pode ter a sua aceleração aumentada ou diminuída, devido à sua relação estrutural e funcional com a coxa, sem um momento muscular identificado. Outra teoria é que a rotação da perna atrasa a rotação da coxa. Há registros de momentos articulares, que resultam da flexão do quadril durante, nas fases de desaceleração da coxa, ou seja, a desaceleração se deve ao movimento da perna, e não ao momento articular que resulta do quadril, sem relação com a velocidade. Tendo em vista as teorias acima, e independente de qual prevaleça, os jogadores devem ser estimulados a fletir e estender a coxa, em alta frequência, no momento do impacto, para que o resultado seja considerado satisfatório ou ótimo (HOUGLUM; BERTOTI, 2014). Para utilizar a cinesiologia como forma de aperfeiçoar o gesto motor, na aprendizagem ou no alto rendimento, é preciso ter conhecimento sobre os conceitos básicos de cinesiologia e biomecânica, e, especificamente, da habilidade a ser observada. Trata-se de uma condição essencial para comparar o que se espera com a performance de quem pratica e intervir com as correções. Na sequência, apresentamos uma análise cinesiológica no futebol, do chute com o dorso do pé, e de um dos tipos de chute realizados no futebol americano (punt), demonstrando a sequência do movimento e as estruturas envolvidas. Cinesiologia aplicada às habilidades motoras8 Análise cinesiológica de chute no futebol Em geral, no esporte, o nível de habilidade do jogador reflete nos resultados das suas execuções. Um jogador mais experiente executa movimentos mais coordenados. No chute com o dorso do pé, o jogador mais habilidoso conse- gue centralizar o arco de tensão no início do movimento, o que consiste em combinar a extensão e abdução do quadril e a rotação do tronco em direção ao mesmo lado da perna dochute, bem como consegue liberar esse arco de tensão por meio de um movimento de chicote da perna de chute, direcionado à bola, realizando rotação simultânea do tronco, direcionada para o mesmo lado do chute, e, ainda, mantém uma distância extrema entre o quadril do mesmo lado do chute e o ombro contralateral. Trata-se de acreditar que tais características cinemáticas ocasionam uma velocidade da bola depois da execução do chute considerada ideal. Conforme descrito em outros esportes, a fase de preparação do corpo e o desenvolvimento inicial favorecem a transferência das forças através do corpo. O movimento do segmento distal resulta do movimento de chicote que ocorre em rotação, com cada transferência de força do segmento, para as pessoas, no final do movimento. Portanto, no chute do futebol, o membro e o tronco devem ser preparados para favorecer a execução do chute com a maior nível de velocidade. Os membros superiores, em especial os ombros, durante o movimento de chute, devem equilibrar e auxiliar na manutenção do centro de massa sobre o membro de apoio. A atividade muscular, nesse momento, é de leve abdução dos braços, e, em várias posições, entre flexão e extensão horizontais. “Quando o jogador se aproxima da bola, o ângulo ideal com a bola é de 30 a 45°, durante o contato com a bola com o dorso do pé. O jogador mantém o olhar sobre a bola durante todo o chute” (HOUGLUM; BERTOTI, 2014, p. 644). Chute com o dorso do pé No futebol, o chute com o dorso (peito) do pé é considerado um dos mais executados. Esse chute é dividido em quatro fases: impulso para trás (1ª); armação da perna (2ª); aceleração (3ª); e finalização do movimento (4ª), con- forme descritas as seguir. 9Cinesiologia aplicada às habilidades motoras 1ª fase — No impulso para trás O chute no futebol começa com o movimento do membro do chute para trás, considerando o lado direito, à medida que o pé se afasta do chão e o quadril se movimenta direcionado à extensão máxima. Os braços se elevam em abdução, e o braço do outro lado se mantém em leve extensão horizontal. Assim, a perna do chute se movimenta para trás da linha de gravidade. Com a elevação do braço, os músculos rotadores da escápula estabilizam a abdução do ombro, por ação do deltoide e dos músculos que formam o manguito rotador (redondo menor, supra e infraespinal e subescapular). O braço esquerdo eleva-se em torno de 90 graus de abdução e extensão horizontal. Portanto, a escápula esquerda retrai, devido à ação da parte transversa do trapézio e dos romboides, enquanto o úmero se eleva, pela ação do deltoide acromial, com o auxílio do manguito rotador. O deltoide posterior ou espinhal faz extensão horizontal do úmero, posterior ao tronco. O tronco, por sua vez, é mantido verticalizado pela contração dos músculos abdominais e espinais; entretanto, a parte cranial do tronco roda distalmente, em direção oposta à perna de chute, estendendo horizontalmente o braço contralateral. Na proporção que o jogador corre em direção à bola, a perna que estabiliza avança, e a perna do chute se movimenta atrás dele. Quando a perna do chute passa pela fase de impulso posterior, com a aproximação da perna de suporte em relação à bola, o quadril direito se movimenta em extensão, rotação medial e abdução, de acordo com a inclinação anterior da pelve. O joelho faz flexão, enquanto o tornozelo permanece em neutro no plano sagital mediano. O quadril esquerdo faz flexão à medida que a perna já prepara o pé para entrar em contato com o chão. O joelho esquerdo se direciona à extensão, e o tornozelo faz dorsiflexão, com objetivo de não atingir o chão. Os ombros se posicionam em abdução, e o braço esquerdo, contralateral à perna de chute, próximo a 90 graus, se movimenta em extensão horizontal. Com a perna de chute, os músculos extensores do quadril e os posteriores da coxa agem como agentes motores na extensão do quadril. Os músculos glúteos médio e mínimo fazem abdução do quadril, com auxílio do grácil e do tensor da fáscia lata, que rodam a coxa medialmente. Os posteriores da coxa iniciam a flexão do joelho, enquanto o bíceps femoral faz rotação lateral da tíbia. O tibial anterior faz dorsiflexão, e os fibulares longo e curto fazem a eversão do tornozelo e pé. Na perna que dá suporte, o quadril flexiona, com ação do músculo iliopsoas e do reto femoral, o quadríceps faz extensão joelho, bem como o tibial anterior mantém o tornozelo em dorsiflexão. Cinesiologia aplicada às habilidades motoras10 2ª fase — Armação da perna A fase de armação da perna inicia com o joelho em flexão, preparando para acelerar o membro direcionado à bola, permanecendo até o limite extremo de flexão do joelho. O ombro do mesmo lado da perna de chute se eleva, enquanto o contralateral se estende horizontalmente na própria altura. Superiormente, o tronco faz rotação direcionado ao braço esquerdo, e a pelve roda em direção à perna de chute, de maneira que o braço esquerdo é afastado da perna direita, gerando uma torção no tronco. A posição do tronco é sustentada devido ao impulso do ombro esquerdo e do quadril direito, sob controle excêntrico dos músculos oblíquos interno e externo do abdome. A acão excêntrica do músculo reto do abdome ocasiona uma flexão leve do tronco. À medida que os glúteos fazem extensão do quadril direito, os músculos posteriores da coxa flexionam o joelho. Em abdução, o quadril também mantém a rotação medial do joelho, utilizando a musculatura supracitada. O músculo bíceps femoral roda, lateral- mente, o joelho, durante a flexão, enquanto o pé fica em flexão plantar, por ação do tríceps sural (gastrocnêmio e do sóleo). Nesse momento, o centro de massa é identificado entre o pé esquerdo e o pé direito, com movimento anterior, direcio- nado à frente do pé esquerdo. Isso significa que o quadril esquerdo faz extensão, devido à contração dos glúteos máximo, médio e mínimo, e o joelho esquerdo fica extendido pela ação concêntrica do quadríceps femoral. Como o centro de massa está posterior ao pé, o tornozelo faz flexão plantar, por ação do tríceps sural. No final dessa fase, apesar do pé entrar em contato direto com o solo, os músculos ainda estão todos muito ativos para movimentar o corpo sobre o pé. 3ª fase — Aceleração Após a extensão extrema do joelho, o membro inicia a aceleração direcionada à bola. A fase de aceleração inicia no momento em que o membro inferior se move anteriormente e finaliza com o contato do pé com a bola. O joelho do pé de chute encontra-se sobre a bola, e o centro de massa, imediatamente posterior ao pé de apoio. A potência do chute é gerada durante essa fase e aumenta até o contato do pé com a bola. Os dois ombros se encontram com maior elevação nessa fase e, à medida que a perna do chute avança anteriormente, o braço do outro lado se movimenta com maior elevação e flexão horizontal obliqua em relação ao corpo, enquanto o braço do mesmo lado se movimenta em extensão. O úmero esquerdo é movido para frente pelo músculo peitoral maior e o deltoide clavicular, e os rotadores escapulares ficam responsáveis pela estabilização do ombro. A parte espinhal ou posterior do deltoide, o latíssimo do dorso e o redondo 11Cinesiologia aplicada às habilidades motoras maior do ombro direito fazem extensão do ombro, e os romboides, peitoral menor e levantador da escápula, que são rotatores escapulares, agem estabilizando a escápula esquerda. A extensão do cotovelo é sustentada pelo tríceps braquial, dos dois membros. O movimento do punho é diversificado, e o tronco faz rotação direcionada para a direita, enquanto a pelve roda para a esquerda à medida que a perna de chute se movimenta em sentido anterior. A rotação acontece devido à ação concêntrica do músculo oblíquo externo esquerdo e do oblíquo interno direito. O tronco também se movimenta em flexão (excêntrica) dos músculos eretores da espinha. Nessa fase, os agentes motores da perna de chuteincluem os flexores de quadril e o quadríceps femoral trabalhando efetivamente na flexão do quadril e na extensão do joelho, simultaneamente. No momento em que a perna de chute se movimenta da abdução para adução, o grupo muscular adutor da coxa também está ativo. Os músculos isquiocrurais contraem-se de forma excêntrica, precedendo o contato com a bola, controlando o contato e prevenindo a hiperextensão do joelho. Na posição de prontidão para o chute, o músculo tibial anterior atinge o máximo da sua atividade. Os músculos que estabilizam a perna de apoio incluem o músculo glúteo médio, no apoio unipodal, e a estabilidade pélvica, visto que o centro de massa se encontra posterior ao pé esquerdo durante esse período; entretanto, avança com rapidez anteriormente. O quadríceps femoral mantém o joelho em leve flexão, enquanto o peso do corpo é suportado pelo membro conforme a bola é chutada pela perna contralateral. 4ª fase — Finalização do movimento A fase de finalização acontece no contato com a bola até concluir a atividade. Não obstante outros esportes, a finalização do gesto motor é representativa para a redução do risco de lesões, tendo em vista a disseminação de forças e, no contexto do chute, quanto maior o tempo de contato direto do pé com a bola, maior será a força aplicada a ela. Durante essa fase, o ombro oposto ao membro do chute e o quadril do mesmo lado se movimentam um em direção ao outro, e o tronco permanece em rotação. Isso significa que o ombro esquerdo se movimenta em flexão horizontal, pela ação do músculo deltoide clavicular e do peitoral maior, e o cotovelo faz flexão, realizada pelo músculo bíceps braquial e braquiorradial. O ombro direito faz abdução e extensão horizontal devido à contração do deltoide espinhal ou posterior, latíssimo do dorso e redondo maior, com auxílio dos músculos romboides, peitoral menor e levantador da escápula. O tríceps braquial estende o cotovelo. Os movimentos do punho, nessa fase, dos braços direito e esquerdo, são diversificados. O tronco permanece em flexão anterior, acompanhando o impulso da perna do chute, e os eretores da espinha controlam a desaceleração Cinesiologia aplicada às habilidades motoras12 da flexão do tronco. A perna do chute se movimenta transversalmente em relação ao corpo, com flexão do quadril e extensão do joelho. Os músculos isquiocrurais permanecem ativos desacelerando a extensão do joelho. O glúteo máximo desa- celera a flexão do quadril, enquanto o gastrocnêmio desacelera a dorsiflexão do tornozelo. Na perna de apoio, o músculo glúteo médio mantêm a pelve em nível estável, enquanto o glúteo máximo permence mantendo extensão do quadril. O quadríceps femoral sustenta a extensão do joelho, e o gastrocnêmio movimenta o tornozelo em flexão plantar à medida que o centro de massa do corpo se desloca anteriormente em relação membro de apoio. Chute no futebol americano Outro exemplo de ação realizada pelos músculos e que causam mudanças de energia cinética é o chute no futebol americano. Vamos apresentar quadro a quadro as fases do movimento, conforme demonstrado na Figura 3, tendo em vista a sua complexidade, e a análise qualitativa envolvendo as articulações, grupos musculares, aceleração e amplitude de movimento, no Quadro 1. Figura 3. Desenhos sequenciais de um chute executado por um indivíduo qualificado no futebol americano. Fonte: McGinnis (2013, p. 343). 13Cinesiologia aplicada às habilidades motoras A rt ic ul aç ão Q ua dr os (f as es ) M ov im en to ar ti cu la r Co nt ra çã o m us cu la r G ru po m us cu la r at iv o A ce le ra çã o si gn if ic at iv a ou im pa ct o A m pl it ud e de m ov im en to ex tr em a Q ua dr il di re ito 1– 2 H ip er ex te ns ão Co nc ên tr ic a e en tã o ex cê nt ric a Ex te ns or es e en tã o fle xo re s N o fin al d a fa se 2– 3 Fl ex ão Co nc ên tr ic a Fl ex or es 3– 4 Fl ex ão Co nc ên tr ic a Fl ex or es 4– 5 Fl ex ão Co nc ên tr ic a e en tã o ex cê nt ric a Fl ex or es e e nt ão ex te ns or es Si m Fl ex ão co m pl et a Q ua dr il es qu er do 1– 2 Ex te ns ão Co nc ên tr ic a Ex te ns or es 2– 3 Ex te ns ão Co nc ên tr ic a Ex te ns or es 3– 4 Fl ex ão Ex cê nt ric a Ex te ns or es 4– 5 Se m m ov im en to Iso m ét ric a Ex te ns or es Jo el ho d ire ito 1– 2 Ex te ns ão Co nc ên tr ic a e en tã o ex cê nt ric a Ex te ns or es e en tã o fle xo re s 2– 3 Fl ex ão Co nc ên tr ic a e en tã o ex cê nt ric a Fl ex or es e e nt ão ex te ns or es 3– 4 Se m m ov im en to Iso m ét ric a Ex te ns or es Q ua dr o 1. E xe m pl o e an ál ise c in es io ló gi ca q ua lit at iv a de u m c hu te n o fu te bo l a m er ic an o (C on tin ua ) Cinesiologia aplicada às habilidades motoras14 Fo nt e: A da pt ad o de M cG IM N IS , 2 01 3. Q ua dr o 1. E xe m pl o e an ál ise c in es io ló gi ca q ua lit at iv a de u m c hu te n o fu te bo l a m er ic an o A rt ic ul aç ão Q ua dr os (f as es ) M ov im en to ar ti cu la r Co nt ra çã o m us cu la r G ru po m us cu la r at iv o A ce le ra çã o si gn if ic at iv a ou im pa ct o A m pl it ud e de m ov im en to ex tr em a 4– 5 Ex te ns ão Co nc ên tr ic a e en tã o ex cê nt ric a Ex te ns or es e en tã o fle xo re s Im pa ct o da b ol a Jo el ho e sq ue rd o 1– 2 Ex te ns ão Co nc ên tr ic a Ex te ns or es 2– 3 Ex te ns ão Co nc ên tr ic a Ex te ns or es 3– 4 Fl ex ão Ex cê nt ric a Ex te ns or es 4– 5 Se m m ov im en to Iso m ét ric a Ex te ns or es To rn oz el o di re ito 1– 2 Fl ex ão p la nt ar Co nc ên tr ic a Fl ex or es p la nt ar es 2– 3 Se m m ov im en to Co nc ên tr ic a Fl ex or es p la nt ar es 3– 4 Se m m ov im en to Co nc ên tr ic a Fl ex or es p la nt ar es 4– 5 Se m m ov im en to Iso m ét ric a D or sif le xo re s Im pa ct o da b ol a To rn oz el o es qu er do 1– 2 Fl ex ão p la nt ar Co nc ên tr ic a Fl ex or es p la nt ar es 2– 3 Fl ex ão p la nt ar Ex cê nt ric a D or sif le xo re s Im pa ct o da b ol a 3– 4 D or sif le xã o Ex cê nt ric a Fl ex or es p la nt ar es 4– 5 Fl ex ão p la nt ar Co nc ên tr ic a Fl ex or es p la nt ar es (C on tin ua çã o) 15Cinesiologia aplicada às habilidades motoras Você sabe qual é a diferença entre as contrações concêntrica, excêntrica e isomérica? Acompanhe: � contração concêntrica: os músculos encurtam na geração de força; � contração excêntrica: os músculos alongam na geração de força. Neste momento, ocorre desaceleração do movimento; � contração isométrica: o músculo gera força sem alterar o seu comprimento. HOUGLUM, P. A.; BERTOTI, D. B. Cinesiologia clínica de Brunnstrom. Barueri, SP: Manole, 2014. MCGINNIS, P. M. Biomecânica do esporte e do exercício. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2013. ZATSIORSKY, V. M. (ed.). Biomecânica no esporte: performance do desempenho e pre- venção de lesão. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2013. Leituras recomendadas MOORE, K. L.; DALLEY, A. F.; AGUR, A. M. R. Anatomia orientada para a clínica. 7. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2014. WEINECK, J. Anatomia aplicada ao esporte. 18. ed. Barueri, SP: Manole, 2013. Cinesiologia aplicada às habilidades motoras16
Compartilhar