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* Mestranda em Educação pela Universidade Tuiuti do Paraná (UTP). Especializanda em Direito Aplicado pela Escola da Magistratura do Paraná (EMAP). Graduada em Direito pelo Centro Universitário Curitiba (UNICURITIBA). 1 A cidade-Estado ou pólis foi o modelo das antigas cidades gregas no período datado desde a Antiguidade até o helenista. História da ética Rosiane Follador Rocha Egg* Apresentação Falar sobre ética é lembrar os antigos ensinamentos de uma época em que o homem começou a conviver em sociedade e, a partir dessa experiência, passou a estabelecer normas de comportamento e convívio. Dessa convivência dos grupos societários surgiu a ética, cujos valores até hoje permanecem e vão se modificando, sendo questionados e até mesmo banalizados ou esquecidos. Segundo o dicionário de Língua Portuguesa, ética é “o estudo dos juízos de apreciação que se referem à conduta humana susceptível de qualificação, do ponto de vista do bem e do mal, seja relati- vamente à determinada sociedade, seja de modo absoluto” (HOLANDA, 1999, p. 848). Para entender o que a ética representa nos tempos atuais, vamos começar, mesmo que sucinta- mente, com os ensinamentos dos primeiros filósofos. Fundamentos da ética O significado da palavra ética vem do Grego ethos, referente ao modo de ser do indivíduo, ou ao caráter do ser humano. Na Grécia Antiga, período que coincide com o século IV a.C., os filósofos gregos foram os primeiros a pensar o conceito de ética, associando a tal palavra a ideia de moral e cidadania. Precisavam de honestidade, fidelidade e harmonia entre seus cidadãos, porque suas cidades-Estado1 estavam em desenvolvimento. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Sócrates Sócrates, Platão e Aristóteles são os pensadores gregos mais estudados e citados no campo da ética. De um modo geral, afirmavam que a conduta do ser humano deveria ser pautada no equilíbrio, a fim de evitar a falta de ética. Pregavam a virtude, a estreiteza moral e outras atitudes voltadas para a ética. Sócrates nasceu em Atenas, provavelmente no ano de 470 a.C., e tornou-se um dos principais pensadores da Grécia Antiga. Aprendeu música e literatura, mas se dedicou à meditação e ao ensino filosófico. Desde jovem, Sócrates ficou conhecido pela sua coragem e pelo seu intelecto. Serviu no exér- cito, desempenhou alguns cargos políticos e foi sempre modelo irrepreensível de bom cidadão. Desde a juventude, Sócrates tinha o hábito de debater e dialogar com as pessoas de sua região. Não fundou uma escola de pensamento, pois preferiu realizar seu trabalho em locais públicos, principalmente nas praças e ginásios. Costumava agir de forma descontraída e descompromissada, dialogando com todas as pessoas, o que fascinava jovens, mulheres e políticos de sua época. Vázquez (1997, p. 231) esclarece com propriedade: Resumindo, para Sócrates, bondade, conhecimento e felicidade se entrelaçam estreitamente. O homem age retamente quando conhece o bem e, conhecendo-o, não pode deixar de praticá-lo; por outro lado, aspirando ao bem, sente-se dono de si mesmo e, por conseguinte, é feliz. Para Sócrates, virtude é sabedoria (sofia) e conhecimento. Já o vício é o resultado da ignorância. O saber fundamental é o saber a respeito do homem. Sobre essa ideia, o pensador teria dito suas frases mais conhecidas como: “Conhece-te a ti mesmo” e “Sei que nada sei”. Sócrates, devido à sua liberdade de expressão e às fortes críticas que fazia à política da Grécia, foi acusado de corromper os jovens da época e foi condenado a beber cicuta2. Morreu em 399 a.C. Platão Platão nasceu em Atenas, em 427 a.C. e morreu em 347 da mesma Era. Pertencia a uma família rica, da mais alta aristocracia grega. Foi discípulo e admirador de Sócrates. Platão retratou seu mestre em muitas de suas obras, segun- do Natrielli (2003), em A República: Platão descreve o diálogo no qual Sócrates pesquisa a natureza da justiça e da injustiça. Para isso, transferindo a análise do individual ao coletivo, procura a justiça “em letras grandes”, imaginando a constituição de uma cidade ideal. À medi- da que essa cidade vai sendo construída, desde sua forma mais primitiva até se tornar mais complexa, há a necessidade de uma especialização de tarefas cada vez maior. Essa cidade terá então uma classe de guardiões para defendê-la e estes deverão receber uma boa educação para que sejam, segundo Sócrates, “brandos para os compatriotas embora acerbos para os inimigos; caso contrário não terão de esperar que outros a destruam, mas eles mesmos se anteciparão a fazê-lo” (p. 375). Sendo assim, uma grande parte do diálogo se dedica a decidir qual seria a educação mais adequada para se formar homens “com uma certa natureza filosófica” que terão a função de proteger e governar essa cidade imaginada como perfeita e justa. A descoberta da metafísica3 é atribuída à Platão, cujas reflexões filosóficas culminam para o mundo das ideias. Segundo a Teoria das Ideias de Platão, existem dois mundos; o primeiro mundo é composto 2 Suco que se extrai de uma planta rica em conicina, um dos venenos mais letais que existem. Era comumente usado na Grécia Antiga para executar condenados (HOUAISS, 2007). 3 Ciência ou o conjunto das ciências que estudam a essência das coisas, os primeiros princípios e causas do que existe (HOUAISS, 2007). 6 | História da ética Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br por ideias imutáveis, eternas, invisíveis e diferentes das coisas concretas; o segundo, o mundo real, é constituído por réplicas das ideias (coisas sensíveis), cópias imperfeitas e mutáveis. Ao contrário do que se pode pensar, o mundo das Ideias, de Platão, é o lugar das coisas verdadeiras enquanto o mundo real é o lugar onde reinam as aparências e as sombras. Segundo esta premissa, o homem não se pode deixar levar pelos sentidos, que sempre lhe passam uma percepção distorcida das coisas que o rodeiam. A verdadeira realidade só pode ser atingida e verdadeiramente compreendida por intermédio da razão. Vale destacar que Platão também afirma que o bem é um molde sobre o qual deveria se processar toda a ação humana. Ele entendia que o elemento da vontade do homem deveria estar sempre voltado para o bem. Platão também encaminhou seus estudos para as áreas da política e da reforma social, em decor- rência do seu envolvimento com a difícil situação de Atenas, após a Guerra do Peloponeso4. Ele ainda entendia que a pólis5 é o próprio terreno da vida moral e que a ética necessariamente desemboca na política. Platão reconhecia como “classes superiores” as dos governantes e guerreiros, pelas suas ati- vidades de contemplação, guerra e política. As “classes inferiores” eram as dos artesãos – devido ao desprezo do pensador pelo trabalho físico – e dos escravos – considerados pela sua sociedade como desprovidos de virtudes morais e de direitos cívicos. A ética de Platão dava-se de acordo com as ideias dominantes, a partir da realidade social e política daquela época. Seguindo suas ideias reformistas, Platão fundou a sua escola em Atenas, que denominou Aca- demia, um estabelecimento destinado à educação de adultos, com aulas ministradas por vários pro- fessores. Nesse estabelecimento, as mulheres eram aceitas com os mesmos direitos à educação que os homens, um fato curioso que não condizia com a cultura daquele contexto, em que elas eram consideradas inferiores física e intelectualmente. No entanto, para as mulheres frequentarem as salas de aula deveriam trajar-se tal qual os homens. A Academia foi fechada após nove séculos de atividade pelo imperador Justiniano, por ser considerada um reduto de “paganismo” do povo grego. Vale notar que, depois destes nove séculos, a cultura grega foi incorporada pelo Império Ro- mano, que se dividiu em duas partes. A parte que coube ao imperador Justiniano, conhecida como Império Bizantino, adotou a religião cristã ortodoxacomo oficial. Justiniano, durante seu governo (483 a 565 d.C.), buscou unir o Oriente e o Ocidente em torno de uma só religião. Autoritário, Justi- niano combateu e perseguiu judeus, pagãos e heréticos, ao mesmo tempo que interveio em todos os negócios da Igreja, a fim de mantê-la como sustentáculo e sob controle. As catedrais dos Santos Apóstolos e de Santa Sofia foram construídas durante seu governo, para mostrar ao povo a força da aliança que a Igreja tinha com o Estado. Para Platão, as virtudes se dividem em grupos, como consta a seguir: a :::: prudência ou sabedoria é a virtude da parte racional do homem, ou seja, a parte que corres- ponde à razão; 4 Foi um conflito armado entre Atenas (centro político do mundo Ocidental do século V a.C.) e Esparta (cidade de tradição militarista e costumes austeros), de 431 a 404 a.C. De acordo com Tucídides, autor que relatou esse conflito, a razão fundamental deste foi o crescimento do poder ateniense e o temor que o mesmo despertava entre os espartanos. 5 Pólis: as Polei (termo no plural) constituíram-se elementos fundamentais no desenvolvimento da cultura grega e, de um modo geral, Ocidental, que reafirmou a ideia de que o homem é fundamentalmente político, ou seja, da pólis. 7|História da ética Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br a :::: fortaleza ou valentia é a virtude do entusiasmo, ou seja, dos impulsos de vontade e ânimo; a :::: temperança ou autodomínio, relaciona-se à parte do apetite, à vida impulsiva e instintiva, mas que freia os prazeres corporais e a:::: justiça como o equilíbrio de todas as virtudes (VÁZQUEZ, 1997, p. 231). Platão associava cada parte da alma a uma determinada classe social própria de seu contex- to. Segundo ele, a razão era própria da classe dos governantes e filósofos, pois a prudência os guiava. Os guerreiros eram guiados pela valentia e entusiasmo, pois defendiam as cidades-Estado. A temperança era característica da camada dos artesãos e comerciantes, motivados pelo apetite e pela moderação. A justiça social era a responsável pela harmonia entre todas as partes da sociedade grega da época. As principais obras de Platão são A República e Leis. Morreu em 348 a.C. Aristóteles Aristóteles nasceu na Macedônia, na cidade de Estagira, no ano de 384 a.C. Seu pai chamava-se Nicômaco e exercia a profissão de médico do rei da Macedônia. No ano de 367 a.C., quando Aristóteles tinha aproximadamente 17 anos, foi enviado a Atenas para completar sua educação, devido à intensa vida cultural daquela cidade que lhe acenara possibilidade de estudo. Ingressou na Academia de Platão e estudou ali até o ano da morte do mestre, quando consolidou sua vocação para filósofo. Em 343 ou 342 a.C., Aristóteles foi chamado para ser mestre do jovem Alexandre, o rei da Macedônia, quando este ainda tinha 13 anos. Posteriormente o filósofo voltou a Atenas, em 334 a.C., e fundou sua pró- pria escola, o Liceu, cujos alunos eram chamados de peripatéticos6 . Morreu em 322 a.C. Aristóteles, refletindo sobre como o homem poderia viver uma boa vida, afirmava que a felicidade era a finalidade de todo homem e a plena realização humana era a contemplação do exercício da razão humana. Ele ensinava que há três formas de alcançar a felicidade: pela virtude, pela sabedoria e pelo prazer. Escreveu aproximadamente uma centena de obras, mas muitos de seus livros perderam-se por terem sido proibidos pela Igreja Católica, no final da Idade Média. O pensamento moral de Aristóteles está exposto em obras como Ética a Nicômaco, Ética a Eudemo e A Grande Ética. As suas obras foram das mais discutidas e comentadas da Antiguidade, deixando uma importante herança para a história da cultura e da filosofia. Ética ao longo da história Ética romana e Cícero Entre os filósofos romanos da Antiguidade, podemos citar Marco Túlio Cícero, que nasceu em 106 a.C. e morreu em 43 a.C. Além de filósofo, foi também orador, escritor, advogado e político romano. 6 Discípulos de Aristóteles, assim chamados porque passeavam no pátio do Liceu aristotélico enquanto aprendiam os ensinamentos do filósofo mestre. 8 | História da ética Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Quando Julio César desencadeou a guerra que o levaria a dominar todo o império, tratou de eliminar seus últimos adversários. Entre estes estava Cícero, que, na época, era senador e figura proeminente da política romana. Vendo-se obrigado a deixar a vida pública, Cícero recolheu-se à vida privada e retomou a meditação filosófica. Discutiu diferentes doutrinas gregas sem, no entanto, vincular-se inteiramente a nenhuma. Seu conhecimento sobre a filosofia grega fora decorrente do período em que estudou em Atenas. Uma de suas frases mais célebres diz que “a filosofia é o melhor remédio para a mente.” Os filósofos romanos dessa época, de um modo geral, convergiam para a mesma preocupação com a conduta humana, com o caráter do indivíduo e com seus costumes. Todos esses aspectos em conjunto recebem o nome de moral. Esses filósofos também acreditavam que o principal objetivo das ações humanas está na própria virtude, pela sua retidão ou honestidade. A moral foi para os romanos um conjunto de deveres que a natureza impôs ao homem, seja pelo respeito a si próprio, seja pela rela- ção com os outros homens. Ética cristã na Idade Média Por volta do século III a.C., o Império Romano passou por uma enorme crise econômica e política. A corrupção instalada no Senado e os gastos exorbitantes com artigos de luxo escassearam os recursos a serem investidos no exército romano, fato que atingiu negativamente o Império. Com o enfraqueci- mento da instituição militar romana, somado à crise política avassaladora, no ano de 395 a.C., o impe- rador Teodósio resolveu dividir os limites de seu império. Dava-se, com isso, o fim da Antiguidade e o início da Idade Média. Nessa época, a religião cristã assumiu o papel de determinar os valores morais e éticos a serem seguidos por boa parte do Ocidente. Ganham ênfase as revelações dos livros sagrados traduzidos pelo clero e, a partir deles, passam a ser determinadas as regras de conduta sociais. A figura messiânica de Jesus de Nazaré tornou-se o grande arauto de uma nova ética: a do amor ao próximo. A Igreja Católica e seus dogmas7 se mantiveram por longos anos. São Tomás de Aquino Santo Tomás de Aquino (1225-1274) foi um frade dominicano8. Era responsável pela orientação e proteção religiosa da sociedade. Seu maior mérito foi aplicar a visão aristotélica na doutrina cristã, fato que colaborou com o surgimento da Escolástica9. De acordo com Aquino, era a união do corpo com a alma que formava a identidade e dignidade de uma pessoa. O autor também acreditava que somente por meio do exercício da razão humana aliado à revelação divina o homem poderia atingir a perfeição das virtudes. Essa vertente afirma que Deus era o legislador, e os padres, os intérpretes da lei. Para Tomás de Aquino, a fé e a razão estavam unidas e não poderia haver contradição entre am- bas, pois estavam sempre dirigidas rumo a Deus. Esse pensador também afirma que toda a criação é boa, tudo o que existe é bom quando se está sob a orientação dos mandamentos de Deus. Ele também afirmou que o mal é a ausência de uma perfeição divina. 7 Um dogma, no campo filosófico, é uma crença ou doutrina imposta, que não admite contestação. No campo religioso, é uma verdade divina, revelada e acatada pelos fiéis. 8 Ordem religiosa, de característica mendicante, fundada no século XIII por São Domingos. 9 Uma linha dentro da filosofia medieval, surgida para responder às questões sobre a existência humana por meio da fé. Ensinada pela Igreja, foi considerada guardiã dos valores espirituais e morais de toda a crença católica. 9|História da ética Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Idade ModernaA partir do século XVI, durante a transição da Idade Média para a Moderna, a Igreja Católica come- çou a cair no descrédito da população devido ao protestantismo e a outros movimentos que eclodiram com a Reforma Religiosa do século XVII. Destaca-se dentro desse contexto a figura de Martinho Lutero, monge que viveu entre os anos de 1483 a 1546 e lutou pela reforma da Igreja Católica. Questionou a falta de ética na venda das indulgências10 e de relíquias sagradas, como pedaços do manto de Jesus Cristo e de minúsculos fragmentos da sua cruz. Lutero foi a Roma e lá presenciou o comportamento antiético de alguns membros da Igreja. Percebeu que a venda de indulgências poderia confundir as pessoas e levá-las a confiar apenas nas indulgências, deixando de lado a confissão e o arrependimento verdadeiros. Além dessa questão, Lutero criticava o fato de a Bíblia ser pouco acessível à população geral, pois poucos conheciam o idioma em que estava escrita (Latim), e os poucos exemplares do livro sagrado que existiam encontravam-se fechados nos conventos e igrejas. Ao contrário de uma elite eclesiástica, a grande maioria da população não conhecia a Bíblia. Lutero, no seu movimento reformista, promoveu a educação para todos, inclusive para cam- poneses e mulheres. Traduziu a Bíblia do Latim para o Alemão, dando a oportunidade para que todos a conhecessem. O aperfeiçoamento da imprensa por Gutenberg11 também ajudou a divulgar a sagrada escritura dos cristãos. Na Idade Moderna, foram consideráveis as transformações de ordem social, econômica e política, como as viagens às Índias e às Américas e a Revolução Científica, proporcionada por Nicolau Copérnico, Galileu Galilei, Newton, entre outros. A partir desse contexto, alguns filósofos modernos resgataram aspectos do pensamento filosófi- co greco-romano no tocante à necessidade de toda a humanidade alcançar a sabedoria e a felicidade, principalmente pautando-se no equilíbrio e na razão. Immanuel Kant (1724-1804) foi um filósofo prussiano, considerado o último grande filósofo dos princípios da Era Moderna. Kant teve um grande impacto no Romantismo alemão e nas filosofias idea- listas do século XIX. Para Kant, a ética é autônoma, ou seja, corresponde à lei ditada pela própria cons- ciência moral. Esse filósofo deu prosseguimento à construção da própria ideia moral, afirmando que aquilo que o homem procura está dentro dele mesmo. Muitos foram os filósofos que seguiram Kant. Relação da ética com outras ciências Ética e política Estão relacionadas pela natureza do poder. Se pensarmos em democracia12, como nos ensina Zajdsznajder (1994, p. 96), a grande preocupação das pessoas que elegem o político refere-se ao uso 10 Uma indulgência, na teologia católica, é o perdão ao cristão das penas temporais devidas a Deus, pelos pecados cometidos na vida terrena. 11 João Gutenberg ou Johannes Gensfleisch zur Laden zum Gutenberg (1390-1468) foi um inventor alemão que se tornou famoso pela sua contribuição para a tecnologia da impressão e tipografia. 12 Regime de governo por meio do qual o poder de tomar importantes decisões políticas está com os cidadãos (povo), direta ou indiretamente, por meio de eleitos representantes. Numa frase famosa, democracia é o “governo do povo, pelo povo e para o povo”. 10 | História da ética Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br indevido do poder, quando o eleito coloca seus interesses particulares acima dos interesses do povo, desviando os recursos em benefício próprio ou para pagar promessas feitas durante a campanha eleitoral. É uma das questões éticas mais relevantes no campo da política. Bioética Bioética enfoca as questões referentes à vida humana e às melhorias na qualidade de vida do homem. É composta por estudos multidisciplinares na área da Biologia, da Medicina e da Filosofia. Com o notável avanço da Medicina, em especial na pesquisa genética, surgiram grandes preocupações no campo da ética. A clonagem humana e a fecundação artificial são novas práticas genéticas que vêm alterar conceitos e realidades da sociedade de hoje. Por exemplo, com as descobertas da biociência, passou-se a questionar muitos pilares sobre os quais a família moderna está baseada. Tem-se por família o resultado da união de uma mulher e um homem. No entanto, notícias como as veiculadas no jornal O Globo de 12/01/2003 (Caderno da Família, p. 2), tratam exatamente de um novo conceito familiar. Vejamos: Uma clínica na Austrália mantém dois embriões congelados de um casal de milionários morto num acidente de carro em 1983. Ao saber da fortuna em jogo, numerosas mulheres ofereceram-se para gerar os bebês. Mas a justiça da Aus- trália decidiu manter os embriões congelados. Ética e Sociologia Estão estreitamente ligadas, pois a Sociologia trata das leis que regem o desenvolvimento e a estrutura das sociedades humanas. Além disso, estuda o indivíduo inserido no meio social, de quem se espera um comportamento ético para o bem coletivo. As transformações sofridas nos tempos mo- dernos atingem o homem em sociedade. A evolução das máquinas no campo e na indústria causam o alto índice de desemprego, a evasão rural e a superpopulação nas cidades. A Sociologia, por sua vez, está cada vez mais próxima da ética para encontrar soluções para esses problemas presentes na vida do indivíduo contemporâneo. Ética e Direito A relação entre essas áreas refere-se ao próprio fato de que o homem está sujeito às normas que regulamentam as condutas sociais. Os homens necessitam das leis e de sanções para manterem a ordem na sociedade. A exemplo disso, tem-se o Código de Trânsito Brasileiro. A sociedade também precisa de estatutos para determinar regras de convívio, deveres e direitos, como o que está disposto nos estatutos da Criança e do Adolescente e do Idoso, todos da década de 1990. 11|História da ética Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros SEVERINO, A.J. Fundamentos ético-políticos da educação no Brasil de hoje. In: LIMA, J.C.F., and NEVES, L.M.W., org. Fundamentos da educação escolar do Brasil contemporâneo [online]. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2006, pp. 289-320. ISBN: 978-85-7541-612-9. Available from: doi: 10.7476/9788575416129.0010. Also available in ePUB from: http://books.scielo.org/id/j5cv4/epub/lima-9788575416129.epub. All the contents of this work, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution 4.0 International license. Todo o conteúdo deste trabalho, exceto quando houver ressalva, é publicado sob a licença Creative Commons Atribição 4.0. Todo el contenido de esta obra, excepto donde se indique lo contrario, está bajo licencia de la licencia Creative Commons Reconocimento 4.0. 8. Fundamentos ético-políticos da educação no Brasil de hoje Antônio Joaquim Severino https://doi.org/10.7476/9788575416129.0010 http://books.scielo.org/id/j5cv4/epub/lima-9788575416129.epub http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/ http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/ http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/ http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/ http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/ http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/ Fundamentos Ético-Políticos da Educação 289 8. FUNDAMENTOS ÉTICO-POLÍTICOS DA EDUCAÇÃO NO BRASIL DE HOJE Antônio Joaquim Severino A educação é processo inerente à vida dos seres humanos, intrínseco à condição da espécie, uma vez que a reprodução dos seus integrantes não envolve apenas uma memória genética mas, com igual intensidade, pressupõe uma memória cultural, em decorrência do que cada novo membro do grupo precisa recuperá-la, inserindo-se no fluxo de sua cultura. Ao longo da consti- tuição histórico-antropológica da espécie, esse processo de inserção foi se dando, inicialmente, de formaquase que instintiva, prevalecendo o processo de imitação dos indivíduos adultos pelos indivíduos jovens, nos mais diferen- tes contextos pessoais e grupais que tecem a malha da existência humana. Porém, com a ‘complexificação’ da vida social, foram implementadas práti- cas sistemáticas e intencionais destinadas a cuidar especificamente desse pro- cesso, instaurando-se então instituições especializadas encarregadas de atuar de modo formal e explícito na inserção dos novos membros no tecido sociocultural. Nasceram então as escolas. Sem prejuízo dos esforços e investimentos sistemáticos que ocorrem no seio de suas práticas formais, o processo abrangente de educação infor- mal continua presente e atuante no âmbito da vida social em geral, graças às atividades interativas da convivência humana. Mas a formalização cada vez maior da interação educativa decorre da própria natureza da atividade huma- na, que é sempre intencionalmente planejada, sempre vinculada a um télos que a direciona. Desse modo, todos os agrupamentos sociais, quanto mais se tor- naram complexos, mais desenvolveram práticas formais de educação, institucionalizando-as sistematicamente. 290 FUNDAMENTOS DA EDUCAÇÃO ESCOLAR DO BRASIL CONTEMPORÂNEO Desde sua gênese mais arcaica, essa inserção sociocultural envolve sem- pre uma significação valorativa, ainda que o mais das vezes implícita nos pa- drões comportamentais do grupo e inconsciente para os indivíduos envolvidos, pois se trata de um compartilhamento subjetivamente vivenciado de sentidos e valores. A cultura, como conjunto de signos objetivados, só é apropriada medi- ante um intenso processo de subjetivação. O existir histórico dos homens realiza-se objetivamente nas circunstân- cias dadas pelo mundo material (a natureza física) e pelo mundo social (a soci- edade e a cultura) como referências externas de sua vida. No entanto, essa con- dição objetiva de seu existir concreto está intimamente articulada à vivência subjetiva, esfera constituída de diferentes e complexas expressões de seus senti- mentos, sensibilidades, consciência, memória, imaginação. Esses processos põem em cena a intervenção subjetiva dos homens no fluxo de suas práticas reais, marcando-as intensamente. Mas, ao mesmo tempo, as referências objetivas condicionantes da existência atuam fortemente na gestação, na formação e na configuração dessa vivência. Daí falar-se do processo de subjetivação, modo pelo qual as pessoas constituem e vivenciam sua própria subjetividade. A per- cepção dos valores integra esse processo tanto quanto a intelecção lógica dos conceitos. Esse processo de subjetivação é que permite aos homens atribuir significações aos dados e situações de sua experiência do real, o que eles fazem sempre de forma plurivalente, pois essa atribuição de significações não leva a sentidos unívocos, porém, o mais das vezes, plurais e mesmo equívocos. A discussão dos fundamentos ético-políticos da educação, objeto desta reflexão, envolve necessariamente a esfera da subjetivação, uma vez que implica referência a valores. Para conduzir essa discussão, o presente ensaio, elaborado de uma perspectiva filosófico-educacional, foi desenvolvido em três movimen- tos, cada um deles se desdobrando em dois percursos. O primeiro movimento, de caráter antropológico, procura, no primeiro percurso, situar a educação como prática humana, mediada e mediadora do agir histórico dos homens; e, no segundo, fundamentar teoricamente a necessária intencionalidade ético-política dessa prática, explicitando a sua relação com o processo de subjetivação. No segundo movimento, de cunho histórico, busca-se no primeiro momento mos- trar como a experiência socioeducacional brasileira marcou-se por diversas subjetivações ideológicas, enquanto no segundo são destacados, por sua rele- vância, os desafios e dilemas da educação brasileira atual no contexto da socia- bilidade neoliberal. No terceiro movimento, que tem uma perspectiva político- Fundamentos Ético-Políticos da Educação 291 pedagógica, ressalta-se, inicialmente, o compromisso ético-político da educa- ção como mediação da cidadania, para enfatizar, em seguida, a importância que a escola pública ainda tem como espaço público privilegiado para um projeto de educação emancipatória. A EDUCAÇÃO COMO PRÁTICA HISTÓRICO-SOCIAL Falar de fundamentos éticos e políticos da educação pressupõe assumi- la na sua condição de prática humana de caráter interventivo, ou seja, prática marcada por uma intenção interventiva, intencionando mudar situações indi- viduais ou sociais previamente dadas. Implica uma eficácia construtiva e reali- za-se numa necessária historicidade e num contexto social. Tal prática é cons- tituída de ações mediante as quais os agentes pretendem atingir determinados fins relacionados com eles próprios, ações que visam provocar transforma- ções nas pessoas e na sociedade, ações marcadas por finalidades buscadas intencionalmente. Pouco importa que essas finalidades sejam eivadas de ilu- sões, de ideologias ou de alienações de todo tipo: de qualquer maneira são ações intencionalizadas das quais a mera descrição objetivada obtida mediante os métodos positivos de pesquisa não consegue dar conta da integralidade de sua significação. O lado visível do agir educacional dos homens fica profun- damente marcado por essa construtividade e historicidade da prática humana e, como tal, escapa da normatividade nomotética e de qualquer outra forma de necessidade, seja ela lógica, seja biológica, física ou mesmo social, se toma- do este último aspecto como elemento de pura objetividade. Os fenômenos de natureza política e educacional não se determinam por pura mecanicidade, ou melhor, só a posteriori ganham objetividade mecânica, transitiva, mas, a essa altura, já perderam sua significação especificamente humana. É que eles se dão num fluxo de construtividade histórica, construção esta referenciada a intenções e finalidades que comprometem toda a logicidade nomotética de seu eventual conhecimento. O caráter práxico da educação, ou seja, sua condição de prática intencionalizada, faz com que ela fique vinculada a significações que não são da ordem da fenomenalidade empírica dessa existência e que devem ser levadas em conta em qualquer análise que se pretenda fazer dela, exigindo diferencia- ções epistemológicas que interferem em seu perfil cognoscitivo. Educação é prática histórico-social, cujo norteamento não se fará de maneira técnica, con- 292 FUNDAMENTOS DA EDUCAÇÃO ESCOLAR DO BRASIL CONTEMPORÂNEO forme ocorre nas esferas da manipulação do mundo natural, como, por exem- plo, naquelas da engenharia e da medicina. No seu relacionamento com o universo simbólico da existência humana, a prática educativa revela-se, em sua essencialidade, como modalidade técnica e política de expressão desse universo, e como investimento formativo em todas as outras modalidades de práticas. Como modalidade de trabalho, atividade técnica, essa prática é estritamente cultural, uma vez que se realiza mediante o uso de ferramentas simbólicas. Desse modo, é como prática cultural que a edu- cação se faz mediadora da prática produtiva e da prática política, ao mesmo tempo que responde também pela produção cultural. É servindo-se de seus elementos de subjetividade que a prática educativa prepara para o mundo do trabalho e para a vida social (Severino, 2001). Os recursos simbólicos de que se serve, em sua condição de prática cultural, são aqueles constituídos pelo pró- prio exercício da subjetividade, em seu sentido mais abrangente, sob duas mo- dalidades mais destacadas: a produção de conceitos e a vivência de valores. Conceitos e valores são as referências básicas para a intencionalização do agir humano, em toda a sua abrangência. O conhecimento é a ferramenta funda- mental de que o homem dispõe para dar referências à condução de sua existên- cia histórica. Tais referências se fazem necessárias para a prática produtiva, para a política e mesmo para a prática cultural. Ser eminentemente prático,o homem tem sua existência definida como um contínuo devir histórico, ao longo do qual vai construindo seu modo de ser, mediante sua prática. Essa prática coloca-o em relação com a natureza, median- te as atividades do trabalho; em relação com seus semelhantes, mediante os processos de sociabilidade; em relação com sua própria subjetividade, median- te sua vivência da cultura simbólica. Mas a prática dos homens não é uma prática mecânica, transitiva, como o é a dos demais seres naturais; ela é uma prática intencionalizada, marcada que é por um sentido, vinculado a objetivos e fins, historicamente apresentados. Além disso, a intencionalização de suas práticas também se faz pela sen- sibilidade valorativa da subjetividade. O agir humano implica, além de sua refe- rência cognoscitiva, uma referência valorativa. Com efeito, a intencionalização da prática histórica dos homens depende de um processo de significação simul- taneamente epistêmico e axiológico. Daí a imprescindibilidade das referências éticas do agir e da explicitação do relacionamento entre ética e educação. Fundamentos Ético-Políticos da Educação 293 A PRÁTICA EDUCACIONAL COMO PRÁTICA ÉTICO-POLÍTICA Na esfera da subjetividade, a vivência moral é uma experiência comum a todos nós. Pelo que cada um pode observar em si mesmo e pelo que se pode constatar pelas mais diversificadas formas de pesquisas científicas e de observa- ções culturais, todos os homens dispõem de uma sensibilidade moral, mediante a qual avaliam suas ações, caracterizando-as por um índice valorativo, o que se expressa comumente ao serem consideradas como boas ou más, lícitas ou ilíci- tas, corretas ou incorretas. Hoje se sabe, graças às contribuições das diversas ciências do campo antropológico, que muitos dos padrões que marcam o nos- so agir derivam de imposições de natureza sociocultural, ou seja, os próprios homens, vivendo em sociedade, acabam impondo uns aos outros determina- das normas de comportamento e de ação. Mas a incorporação dessas normas pressupõe uma espécie de adesão por parte das pessoas individualmente, ou seja, é preciso que elas vivenciem, no plano de sua subjetividade, a força do valor que lhe é, então, imposto. Os usos, os costumes, as práticas, os comporta- mentos, as atitudes que carregam consigo essas características e que configuram o agir dos homens nas mais diferentes culturas e sociedades constituem a moral. A moralidade é fundamentalmente a qualificação desses comportamentos, aquela ‘força’ que faz com que eles sejam praticados pelos homens em função dos valores que essa qualificação subsume. Podemos constatar que é em função desses valores que as várias culturas, nos vários momentos históricos, vão cons- tituindo seus códigos morais de ação, impondo aos seus integrantes um modo de agir que esteja de acordo com essas normas. Porém, por mais que se encon- tre premido por essas normas, o homem defronta-se com a experiência insu- perável de que participa pessoalmente da decisão que o leva a agir dessa ou daquela maneira; sente-se responsável por sua ação e muitas vezes bem ciente das conseqüências dela. Assim, a norma moral tem um caráter imperativo que o impressiona. Os valores morais impõem-se ao homem com força normativa e prescritiva, quase que ditando como e quando suas ações devem ser conduzidas. Quando não as segue, tem a impressão de estar fazendo o que não devia fazer, embora continue com um nível proporcional de liberdade para não fazer como e quando a norma parece lhe impor. Se toda e qualquer ação do homem dependesse deterministicamente de fatores alheios à sua vontade livre, então não seria o caso de se sentir responsá- 294 FUNDAMENTOS DA EDUCAÇÃO ESCOLAR DO BRASIL CONTEMPORÂNEO vel por elas; mas ocorre que, apesar de toda a gama de condicionamentos que o cercam e o determinam, há margem para a intervenção de uma avaliação de sua parte e para uma determinada tomada de posição e de decisão. Goza, por isso, de um determinado campo de liberdade, de vontade livre, de autonomia, não podendo alegar total determinação por fatores externos à sua decisão. Hoje, os conhecimentos objetivos da realidade humana, proporcionados pelas ciências humanas, de modo especial a psicologia, a sociologia, a economia, a etologia, a psicanálise, a antropologia e a história, permitem identificar com bastante precisão aquelas atitudes que são tomadas por imposição de forças superiores à vontade pessoal. Mas permitem ver igualmente mais claro o alcan- ce da vontade e o nível de arbítrio de que se dispõe quando se tem de escolher entre várias alternativas, assim como a possibilidade de saber qual a ‘melhor’ opção cabe em cada caso. Pode-se falar então da consciência moral, fonte de sensibilidade aos valores que norteiam o agir humano, análoga à consciência epistêmica, que permite ao homem o acesso à representação dos objetos de sua experiência geral, mediante a formação de conceitos. Assim, como tem uma cons- ciência sensível aos conceitos, tem igualmente uma consciência sensível aos valores. Do mesmo modo que a filosofia sempre se preocupou em discutir e buscar compreender como se formam os conceitos, como se pode acessá-los, o que os funda, ela procura igualmente compreender como se justifica essa sensibilidade aos valores. Desenvolveu então uma área específica de seu campo de investigação, no âmbito da axiologia, para conduzir essa discussão: a ética. Cabe aqui um breve esclarecimento semântico. Moral e ética não são propriamente dois termos sinônimos, apesar da etimologia análoga, em latim e em grego, respectivamente. É certo que, na linguagem comum do dia-a-dia, já não se distingue um conceito do outro. Mas, a rigor, moral refere-se à relação das ações com os valores que a fundam, tais como consolidados num determi- nado grupo social, não exigindo uma justificativa desses valores que vá além da consagração coletiva em função dos interesses imediatos desse grupo. No caso da ética, refere-se a essa relação, mas sempre precedida de um investimento elucidativo dos fundamentos, das justificativas desses valores, independente- mente de sua aprovação ou não por qualquer grupo. Por isso, fala-se de ética em dois sentidos correlatos: de um lado, frisa-se a sensibilidade aos valores justificados mediante uma busca reflexiva por parte dos sujeitos; de outro, convencionou-se chamar igualmente de ética a disciplina filosófica que busca elucidar esses fundamentos. Fundamentos Ético-Políticos da Educação 295 Mas de onde vem o valor dos valores? Onde se funda a consciência moral? Se o homem é um ser histórico em construção, em devir, sem vinculação determinante com a essência metafísica e a natureza física, naquilo que lhe é específico, onde ancorar a referência valorativa de sua consciência moral? O valor fundador dos valores que fundam a moralidade é aquele representado pela própria dignidade da pessoa humana, ou seja, os valores éticos fundam-se no valor da existência humana. É em função da qualidade desse existir, delinea- do pelas características que lhe são próprias, que se pode traçar o quadro da referência valorativa, para se definir o sentido do agir humano, individual ou coletivo. O próprio homem já é um valor em si, nas suas condições contingenciais de existência, na sua radical historicidade, facticidade, corporeidade, incompletude e finitude. Assim, a filosofia, por meio da ética, busca dar conta dos possíveis fun- damentos desse nosso modo de ‘vivenciar’ as coisas, tendo sempre em vista que é necessário ir além das justificativas imediatistas, espontaneístas e particularistas das morais empíricas de cada grupo social. A ética coloca-se numa perspectiva de universalidade, enquanto a moral fica sempre presa à particularidade dos grupos e mesmo dos indivíduos. Mas é possível encontrar um fundamento universal para os valores éticos? A filosofia ocidental, como mostra sua história milenar, sempre o procurou e continua a procurá-lo, dada a permanência das demandas da consciência ética. A EDUCAÇÃO BRASILEIRA: DETERMINAÇÃOHISTÓRICA E SUBJETIVAÇÃO VALORATIVA A presença da educação formal e institucionalizada é traço marcante das sociedades ocidentais, com destaque para a sociedade européia. No caso do Bra- sil, em que pese sua ainda pequena trajetória na era moderna da sociedade ociden- tal e a lentidão de seu desenvolvimento nos três primeiros séculos de sua inserção histórica nessa sociedade, ela não ocorreu de forma diferente. O Brasil conta com uma já bastante visível experiência de educação formal, experiência esta herdeira da experiência européia, forjada sob a marca da perspectiva cristã, mas tributária igualmente das circunstâncias históricas próprias do contexto local. Instaurada então nos idos da fase colonial sob a concepção escolástica da formação humana, a educação no Brasil nasce como obra do trabalho missio- nário dos jesuítas, fundada sob uma perspectiva ideológica católica, de origem 296 FUNDAMENTOS DA EDUCAÇÃO ESCOLAR DO BRASIL CONTEMPORÂNEO na Contra-Reforma, e operacionalizada pedagogicamente sob o modelo da escolástica. Em que pese a pequena expressão de um aparelho escolar nesse período, a cultura brasileira dos períodos colonial e imperial foi impregnada pelo catolicismo. Com seus conceitos e valores, o catolicismo marcou a vida social e cultural do país, contribuindo significativamente para um forte pro- cesso de subjetivação de seus habitantes, sob a representação dos dogmas doutrinários católicos. No que concerne às relações entre a educação e a ideologia católica, fundada, de um lado, na teologia cristã e, de outro, na metafísica da escolástica tomista, prevalece a postulação de uma ética essencialista, articulada ao voluntarismo moral. A dimensão política não tem autonomia como dinâmica de pulsão de valores propriamente sociais. Toda a defesa dos valores cristãos é baseada na crença do poder da vontade individual para a condução da vida, uma vez que da postura ética de todas as pessoas decorreria necessariamente uma vida coletiva harmoniosa, independentemente das condições contextuais, da hierarquização das pessoas e da arbitrariedade das ações dos mais fortes. Não sem razão, durante todo esse longo período de Colônia e Império, a evolução do sistema educacional do país, tanto do ponto de vista organizacional como do ponto de vista de sua função social, foi pouco significativa, uma vez que a finalidade da escola encontrava-se na continuidade da finalidade evangelizadora e pastoral da Igreja, não se podendo falar de referências políti- cas para a configuração da ética. Visava-se a uma ética fundada na vontade individual das pessoas, o que podia se realizar preferencialmente na esfera priva- da, não se atribuindo à educação a contribuição para a instauração de um espa- ço público de vida. Desse modo, o pouco que houve de institucionalização de educação escolar serviu de reforço para a reprodução da ideologia dominante e das condições econômico-sociais, marcadas pela degradação, pela opressão e pela alienação da maioria da população em relação às situações de trabalho, de participação política e de vivência cultural. O modelo econômico era o agrário- exportador, voltado para a produção agrícola destinada à exportação aos paí- ses centrais. Todo o aparato político da época visava dar sustentação aos seg- mentos dominantes, que, além de possuírem os meios de produção e até a força de trabalho (detinham a posse da terra, a força escrava, a renda financei- ra), utilizavam o controle ideológico pela divulgação e ‘inculcação’ da concep- ção cristã do mundo. Assim, ao lado da alienação objetiva em que as pessoas se encontravam lançadas pelas condições socioeconômicas, ocorria o reforço de Fundamentos Ético-Políticos da Educação 297 uma percepção enviesada dessas condições pela consciência, que instaura então uma alienação subjetiva. Coube ao ideário católico exercer esse papel, funcio- nando então como ideologia adequada ao momento histórico. Pode-se afirmar que o cristianismo, a par de seus princípios teológicos, apresentava igualmente uma ética individual, da qual decorreram as referências também para o convívio social, dada a suprema prioridade da pessoa sobre a sociedade. É a qualidade moral dos indivíduos que devia garantir a qualidade moral da sociedade. Mas o caráter idealizado dessas referências comprometia sua eficácia histórica, pois esta dependeria da causalidade da vontade, insuficien- te para mover a realidade social. Daí transformar-se numa ideologia, atuando apenas como ideologia. É o que explica sua incapacidade de impedir a prática da escravidão, apesar de, no plano teórico, tratar-se de prática incompatível com os valores apregoados. Mas a ideologia católica dos primeiros séculos de formação da socieda- de brasileira foi perdendo aos poucos sua hegemonia em decorrência da mu- dança socioeconômica pela qual o país igualmente sofreu em decorrência da lenta, extensa e intensa expansão do capitalismo. Embora a imersão do Brasil no capitalismo não tivesse ocorrido com características idênticas ao que havia acontecido na Europa e na América do Norte, não se podendo nem mesmo falar de uma revolução burguesa que o implantasse em nossas paragens, o país não podia escapar à influência dessa expansão comandada inicialmente pelos ingleses e, posteriormente, pelos americanos. Assim, a sociedade brasileira, em- bora conservando muitos elementos de sua fase escravista, incorporou as for- ças produtivas do modo de produção capitalista e as conseqüentes configura- ções no plano político e cultural. Da mesma forma, novos valores passaram a marcar a subjetividade das pessoas, dando nova fisionomia à vida da sociedade. Com o capitalismo, a oligarquia rural e o campesinato perderam poder social, emergindo uma burguesia urbano-industrial, as camadas médias e o proletaria- do, que se tornaram os novos sujeitos a conduzir a vida nacional, impondo alterações significativas no perfil da vida político-social do país. Em que pesem suas reconhecidas limitações, o processo republicano espelhou essa nova reali- dade, ligando-se a novas referências ideológicas, decorrentes de outros paradigmas filosóficos, como o iluminismo, o liberalismo, o laicismo, o positivismo (Severino, 1986). A nova ideologia que se configurou entrou em conflito com a ideologia conservadora do catolicismo, embora se trate de conflito que não chegou a 298 FUNDAMENTOS DA EDUCAÇÃO ESCOLAR DO BRASIL CONTEMPORÂNEO gerar uma ruptura radical na coesão da sociedade, em função das peculiarida- des da própria configuração das classes sociais do país. A Revolução de 1930 é um marco representativo desse novo momento vivido pela sociedade brasilei- ra, referendando-o e dando-lhe maior identidade. O processo se consolidou com o fim da Segunda Guerra Mundial, quando o capitalismo, sob a égide americana, se instalou de forma irreversível. Com a Revolução de 1964, esse ciclo se completou, mediante uma estruturação tecnocrática, inserindo de vez a economia do país no fluxo do capitalismo mundial. Essa modernização econômica e cultural do país levou à paulatina subs- tituição da ideologia religiosa do catolicismo por uma ideologia laica, de inspi- ração liberal e republicana. Nesse novo ambiente de desenvolvimentismo e modernização, a educação institucionalizada teve seu papel extremamente revalorizado, uma vez que lhe cabiam então tarefas importantes não só na for- mação cultural das pessoas mas também na profissionalização dos trabalhado- res para as indústrias e para os diversos serviços. Além disso, as camadas médias viam na educação um dos principais caminhos para a ascensão social, o que suscitou forte demanda pela educação. Esta deveria ser fornecida por um siste- ma público, laico, imune às interferências de cunho religioso. À educação cabia então cuidar da preparação de mão-de-obra para a expansão industrial e dos serviços, bem como da oferta de cultura e status social. Este passava a ser o perfil do novo cidadão, imbuído de espírito público e identificado com a cons- trução de sua pátria nacional. Todoo complexo conjunto de valores, de forte inspiração iluminista e liberal, passou a ganhar contornos específicos, constituindo uma nova hegemonia ideológica. O modelo academicista, literário e humanístico da educação cristã foi considerado alienado em relação aos problemas sociais do país e não tinha condições de superar os desafios do atraso nacional. Só um humanismo lastreado no conhecimento científico e expresso mediante valores liberais poderia levar o país a seu verdadeiro destino. E a educação pública era o grande instrumento de que dispunha a sociedade para alcançar esse objetivo. Pública, laica, obrigatória e gratuita, a nova educação, nascida no bojo de uma reconstrução educacional, seria a única via para a reconstrução social. São apregoados os valores ligados ao espírito científico, à ordem democrática, às metodologias renovadas de ensino, à esfera pública, à cidadania e ao desenvolvimento econômico e social do país. Mas esse novo projeto encontrou dois obstáculos insuperáveis que fize- ram com que esses novos valores continuassem sendo apenas valores ideológi- Fundamentos Ético-Políticos da Educação 299 cos. De um lado, a ideologia religiosa do catolicismo, embora não mais hegemônica no plano oficial, continuou impregnando, capilarmente, a vida cul- tural brasileira, da qual constitui, na verdade, uma camada arcaica da subjetivação das massas, arraigada que era no espírito do povo – e, como tal, impôs resistên- cia à recepção das novas referências. Por isso, o impacto da nova ideologia, do lado da subjetivação, foi muito lento e superficial. De outro lado, o modo de produção capitalista tem suas exigências férreas, suas cláusulas pétreas, e não atua nos termos dos valores que apregoa. As políticas educacionais e culturais efetivamente implementadas não foram necessariamente coerentes, em seu ca- ráter radical, com os valores declarados. Com isso, não se nega o efetivo desen- volvimento ocorrido no país, mas ele não aconteceu por força da realização dos novos valores; ao contrário, ocorreu muito mais pela violência das determi- nações do capitalismo em sua incansável busca da acumulação, com sensibilida- de mínima às necessidades objetivas da maioria da população. De qualquer modo, é correto afirmar que a ideologia que prevaleceu como elemento aglutinador da constituição da subjetividade social brasileira desse segundo período da trajetória sociopolítico-educacional do país foi a ideologia liberal burguesa, laicizada, modernizada e modernizadora, com pre- tensão de ser fundada na ciência e no reconhecimento da liberdade e da igualda- de humanas. Impôs-se assim uma concepção liberal do mundo, da cultura e da educação. Essa ideologia atendia aos interesses da burguesia nacional urbano- industrial e justificava a modernização de todos os setores da vida social. Na verdade, estava lançando raízes para um projeto que deveria consolidar cada vez mais o capitalismo monopolista, a serviço do qual deveria ser colocado o próprio Estado (Bresser Pereira, 1968; Fernandes, 1975). No entanto, assim como a ideologia católica, a ideologia liberal não conseguiu implementar uma educação efetivamente voltada para a emancipa- ção de toda a população, como pressupunha o ideário republicano, liberal e iluminista, limitando-se a exercer apenas seu papel ideológico, ou seja, procla- mar, como se fossem universais, valores que são realizados apenas para aten- der a interesses particulares de grupos privilegiados. Enquanto as camadas dominantes mantiveram e ampliaram seus privilégios e as camadas médias usufruíram de algumas conquistas, vendo atendidas algumas de suas reivindi- cações, graças a seu poder de negociação e de aliança, os segmentos popula- res alcançaram objetivamente poucas conquistas econômicas, sociais e cultu- rais, aí incluída a educação, que sequer se universalizou em seus níveis iniciais. 300 FUNDAMENTOS DA EDUCAÇÃO ESCOLAR DO BRASIL CONTEMPORÂNEO Apesar de o atendimento das necessidades do povo fazer parte explícita do discurso político oficial, como se fosse o objetivo primordial das políticas públicas, na realidade, no tecido socioeconômico, não ocorreram mudan- ças significativas, nem quanto à quantidade nem quanto à qualidade. É o que mostram a injusta distribuição não só da renda como também dos bens culturais e os índices da desigualdade social, que permanecem até hoje (IBGE, 2005). Agregou-se a essa ideologia liberal a crença no caráter redentor e equalizador da educação, que, se fosse difundido universalmente, eliminaria os conflitos de classe, promoveria o progresso econômico e social e asseguraria a condição de cidadania a todas as pessoas (Xavier, 2005). Com o regime militar autoritário que se estabelece no país em 1964, os elementos básicos dessa concepção socioeducacional foram mantidos tecen- do a política educacional, mas agregando agora um referencial a mais, que é aquele do valor técnico especializado da educação. Essa peculiaridade dará às políticas públicas do período e, em particular, às políticas educacionais um feitio explicitamente tecnicista sob uma perspectiva ideológica tecnocrática. Foi característica do movimento conduzido pela elite empresarial e pelo estamento militar a idéia-força de que o desenvolvimento tecnológico é a grande matriz de todo desenvolvimento econômico, desde que possa ocorrer num clima de total harmonia político-social. Daí ser a educação chamada a implementar uma vocação eminentemente dedicada à formação profissional, visando à preparação de mão-de-obra técnica bem qualificada de cidadãos ordeiros e pacíficos. Foi imbuído desse espírito que o próprio mote do novo sistema de gerenciamento da nação se expressou, retomando o anacrônico lema comtiano ‘ordem e progresso’, que então passou a ser ‘desenvolvimento e segurança’. Politicamente, o regime levou aos estertores as últimas veleida- des do discurso liberal populista, sufocando, inclusive pela repressão violenta, todas as iniciativas atreladas ao ideário libertário do período anterior, pondo fim ao populismo sob todas as suas expressões. Ao mesmo tempo, o atrelamento da economia nacional ao capitalismo internacional se consolidou definitivamente, mediante uma política de associação e de dependência. A função do Estado nacional se redefine, gerando um Executivo forte e centralizador, com poder de controle político-policial, modernizando e cen- tralizando a administração pública e repelindo brutalmente toda contestação. Trata-se de um regime tecnoburocrático, assumidamente autoritário e repressor. Fundamentos Ético-Políticos da Educação 301 Valores proclamados, seja pela ideologia católica, seja pela ideologia libe- ral, são reenquadrados nas coordenadas da ideologia tecnocrática, que passa a ser o critério de sua validade e sobrevivência no novo contexto social. Suas contribuições só são aproveitadas quando não se contrapõem aos novos inte- resses, não provocando interferências e questionamentos nos negócios de Esta- do da nova ordem político-social. Ao mesmo tempo, o governo militar apoia- va, incentivava e induzia iniciativas, em todos os campos da vida social, que concretizassem os valores de sua nova política plenamente em sintonia com o capitalismo. Assim, no campo educacional e cultural, favoreceu e incentivou a privatização, uma vez que a educação deve ser entendida e praticada como um serviço, no seio de um mercado livre. A demanda por educação, tão cara às camadas médias da população, deverá ser atendida pela oferta do mercado dos serviços educacionais. Trata-se de uma política de expansão pela privatização. Ademais, o Estado pós-64 tem uma visão instrumentalista da educação, organi- zada em função do crescimento econômico (Martins, 1981). O conteúdo do ensino deve ser técnico, sem conotação política de cunho crítico. Visa-se à maior produtividade possível, a baixo custo, mediante o preparo de uma mão-de- obra numerosa, com qualificação puramente técnica, disciplinada e dócil, ade- quada ao atendimento das necessidades do sistema econômico. A ideologiatecnocrática do período pratica um autoritarismo disciplinar intrínseco ao pro- cesso de engenharia social que deve comandar todos os aspectos da vida da sociedade. Alicerçada epistemologicamente no mesmo cientificismo positivista, que se julga legitimado pela sua eficácia tecnológica, opera a modernização da sociedade pelo uso da sofisticação técnico-informacional, ao mesmo tempo que, investindo pesado nos meios de comunicação, desenvolve um intenso pro- grama de indústria cultural destinado à formação da opinião pública, banalizan- do ainda mais os conteúdos do conhecimento disponibilizado para as massas. Após 25 anos de autoritarismo exacerbado, o regime, no início da déca- da de 1980, começa a dar sinais de exaustão. Devorando seus próprios filhos, não mais satisfazia aos interesses capitalistas que pretendiam se universalizar mundo afora. Considerou-se superada essa fase da imposição tecnocrática, entenden- do-se que os 25 anos foram suficientes para aplainar o terreno para uma nova etapa, agora não mais baseada na repressão violenta pela força, mas pela im- pregnação sutil da subjetivação ideológica por si mesma. Nos últimos trinta anos, o país vivencia então uma nova fase marcada pela implementação da agenda neoliberal, nova proposta do capitalismo internacional. 302 FUNDAMENTOS DA EDUCAÇÃO ESCOLAR DO BRASIL CONTEMPORÂNEO OS DESAFIOS DA EDUCAÇÃO NO CONTEXTO DA SOCIABILIDADE NEOLIBERAL A partir dos anos 1980, o Brasil, como de resto todo o Terceiro Mundo, é instado a inserir-se no novo processo de desenvolvimento econômico e social do capitalismo em expansão. De preferência isso deveria ser feito sem o uso da violência física de regimes repressivos. Ao contrário, deveria acontecer num ambiente político-social de redemocratização. Nessa linha, os grandes agentes desse capitalismo internacional sem pátria especificam, além de cobrar, via me- canismos propriamente econômicos, a adoção de suas práticas produtivas, monetárias e financeiras, comprometendo todos os países por meio de acor- dos mundiais, passando a exigir também adequações nos campos político e cultural. A meta continua sendo aquela da plena expansão do capitalismo, agora sem concorrências ideológicas significativas e numa perspectiva declarada de globalização. Fala-se então da agenda neoliberal, ou seja, de uma retomada dos princípios do liberalismo clássico, mas com a devida correção de seus desvios humanitários. O que está em pauta é a total liberação das forças do mercado, a quem cabe a efetiva condução da vida das nações e das pessoas. Daí a pregação do livre-comércio, da estabilização macroeconômica e das reformas estruturais necessárias, em todos os países, para que o sistema tenha alcance mundial e possa funcionar adequadamente. Opera-se então severa crítica ao Estado do Bem-Estar Social, propondo-se um estado mínimo, em seu papel e funções. A iniciativa política deve dar prioridade à iniciativa econômica dos agentes priva- dos. Graças às impressionantes inovações tecnológicas, mormente na esfera da informática, mudam-se igualmente as relações industriais, o sistema do trabalho e o gerenciamento da produção. Os mercados financeiros são liberados e ex- pandidos. Os Estados nacionais tornam-se reféns das políticas internacionais do grande capital. A política interna dos países, por sua vez, é forçada a esse ajuste econômico, impondo a queda dos salários reais, o crescimento do desemprego estrutural, a estatização da dívida externa e a elevação da taxa de juros. Isso implica também a ruptura do esquema de financiamento do setor público (Ianni, 2004; Lombardi, Saviani & Sanfelice, 2004). Assim como nas fases anteriores, também agora desencadeia-se um pro- cesso ideológico para justificar o modelo imposto, apresentando-o como o único capaz de realizar os objetivos emancipatórios da sociedade e, nesse senti- do, superando os anteriores. Mais uma vez, tem-se um conjunto articulado de Fundamentos Ético-Políticos da Educação 303 valores que são proclamados, mas não realizados. Uma retórica, que não deixa de encontrar apoios estratégicos em formulações teóricas do pensamento pós- moderno, se torna insistentemente presente em todas as frentes do debate so- cial, fazendo sua cerrada defesa. Ao mesmo tempo, por meio da legislação e das medidas programáticas, o governo passa a aplicar políticas públicas que vão efetivando as diretrizes neoliberais, mais uma vez adiando e talvez inviabilizando uma educação que possa ser mediação da libertação, da emancipação e da construção da cidadania. Não sem razão, o ceticismo e a desesperança consti- tuem a conclusão de estudiosos da questão educacional brasileira. Ao falar da escola brasileira, em conclusão a seus estudos históricos sobre a educação esco- lar, conclui Xavier (2005:291): Ela parece ser uma instituição, se não dispensável, secundária para o funcionamento da sociedade brasileira, tal como se encontra estrutura- da. Entretanto, é fundamental, para o controle das insatisfações popula- res e a neutralização dos movimentos sociais contestatórios e reivindica- tórios, alimentar a crença no caráter redentor da educação escolarizada. Daí a ênfase no discurso pedagógico, nos debates e na elaboração de projetos educacionais e a falta de pressa em realizá-los. Para essa autora, ocorre uma mitificação da escola, mitificação que atua como um dos pilares da doutrina liberal produzida na transição capitalista e que penetrou cedo em nossa sociedade como parte da ideologia do colonialismo. E quanto mais o capitalismo avançou no país, mais se solidificou essa crença. O poder se concentrava, a riqueza crescia e supostamente não se distribuía porque a expansão da escola não acompanhava o crescimento populacional, ou sua qualidade não atendia às demandas sociais. “A escola não revoluciona ou trans- forma a sociedade que a produz e à qual serve; ela apenas consolida e maximiza as transformações em curso quando a aparelhamos para tanto” (Xavier, 2005:284). Essa forma atual de expressão histórica do capitalismo, sob predomínio do capital financeiro, conduzido de acordo com as regras de um neoliberalismo desenfreado, num momento histórico marcado por um irreversível processo de globalização econômica e cultural, produz um cenário existencial em que as referências ético-políticas perdem sua força na orientação do comportamento das pessoas, trazendo descrédito e desqualificação para a educação. Ao mesmo tempo que, pelas regras da condução da vida econômica e social, instaura um quadro de grande injustiça social, sonegando para a maioria das pessoas as 304 FUNDAMENTOS DA EDUCAÇÃO ESCOLAR DO BRASIL CONTEMPORÂNEO condições objetivas mínimas para uma subsistência num patamar básico de qualidade de vida, interfere profundamente na constituição da subjetividade, no processo de subjetivação, manipulando e desestabilizando valores e critérios. Prevalece um espírito de niilismo axiológico, de esvaziamento de todos os valo- res, de fim das utopias e metanarrativas e da esperança de um futuro melhor, de incapacidade de construir projetos. A eficiência e a produtividade são os únicos critérios válidos. Com bem sintetiza Goergen, “generaliza-se nesse pro- cesso para toda a cultura um aspecto da ordem econômica: a eficiência torna- se padrão do bom comportamento exigido pela sociedade” (Lombardi & Goergen, 2005:3). Configura-se então uma sociabilidade típica desse contexto neoliberal, que se constitui atrelada a profundas mudanças provocadas pelas injunções des- sa etapa da economia capitalista na esfera do trabalho, da cidadania e da cultura. Desse modo, constata-se a ocorrência de situações de degradação, no mundo técnico e produtivo do trabalho; de opressão, na esfera da vida social; e de alienação, no universo cultural. Essas condições manifestam-se, em que pesem as alegações em contrário de variados discursos, como profundamente adver- sas à formação humana, o que tem levado a um crescente descrédito quanto ao papel e à relevância da educação, como processo intencional e sistemático.Nesse contexto da história real, a educação é interpelada pela dura deter- minação dessa realidade, no que diz respeito às condições objetivas da existên- cia. Numa profunda inserção histórico-social, a educação é serva da história. Aqui se paga tributo a nossa condição existencial de seres encarnados e, como tais, profundamente predeterminados – esfera dos a priori existenciais. Uma lógica perversa compromete o esforço da humanização. São adversas as con- dições para se assegurar a qualidade necessária para a educação. Em que pese a existência, nas esferas do Estado brasileiro, de um discurso muito elogioso e favorável à educação, a prática real da sociedade política e das forças econô- micas desse atual estágio histórico não corresponde ao conteúdo de seu dis- curso. Esse discurso se pauta em princípios e valores elevados, mas que não são sustentados nas condições objetivas para sua realização histórica no plano da realidade social. No plano da subjetividade, utilizando-se de diferentes modalidades de intervenções ideológicas, particularmente através dos meios de comunicação, o sistema atua fortemente no processo da subjetivação humana. Numa frente, opera a subversão do desejo, deturpando a significação do prazer, não se inves- Fundamentos Ético-Políticos da Educação 305 tindo adequadamente no aprimoramento da sensibilidade estética. Açulam-se os corpos no sentido de fazer deles fogueiras insaciáveis de prazer que jamais será satisfeito. Ocorre total regressão do estético. Embora prometa a felicidade, não gera condições para sua efetiva realização por todas as pessoas. Subverte também a vontade, impedindo o exercício de sua liberdade, não deixando que o homem pratique sua condição de igualdade: não investe na formação do cidadão, ou seja, aquele que pode agir livremente na sociedade de iguais. Propa- ga a idéia de uma democracia puramente formal. Não tem por meta o cidadão, mas o contribuinte, o socícola, aquele que habita o locus social mas não compar- tilha efetivamente de sua constituição, não compartilha das decisões que instau- ram o processo político-social. No fundo mantém-se a servidão... que até se torna voluntária... Toda essa pedagogia, em vez de levar os sujeitos a entender- se no mundo, mistifica o mundo, manipulando-o para produzir a ilusão da felicidade. Prosperidade prometida mas nunca realizada. Leva ao individualis- mo egoísta e narcísico, simulacro do sujeito autônomo e livre. Essa pedagogia subverte ainda a prática do conhecimento, eliminando o seu processamento como construção dos objetos que são conhecidos. Torna-se mero produto e não mais processo, experiência de criatividade, de criticidade e de competência. É literalmente tecnicizado, objetivado, empacotado. A própria ciência é vista como conhecimento eminentemente técnico, o que vem a ser um conceito autocontraditório. Todas as demais formas de saber são desqualificadas. O ceticismo e o relativismo generalizados se impõem, sob alegação de seus compromissos com metanarrativas infundadas. Nesse contexto, prospera uma ética hedonista baseada no individualis- mo, de traço narcísico, que vê o homem como se fosse um átomo solto, viven- do em torno de si mesmo, numa sensibilidade ligada apenas ao espetáculo. Puro culto ao prazer que se pretende alcançar pelo consumo compulsivo e desregra- do dos bens do mercado. Essa lógica fundada na exacerbada valorização de uma suposta autonomia e suficiência do sujeito individual, no apelo ao consu- mo desenfreado, compromete o reconhecimento e a reafirmação dos valores universais da igualdade, da justiça e da eqüidade, referências necessárias para uma concepção mais consistente da humanidade, alicerçada no valor básico da dignidade humana. Coagida pela pressão das determinações objetivas, de um lado, e pelas interferências subjetivas, de outro, a educação é presa fácil do enviesamento ideológico, que manipula as intenções e obscurece os caminhos, confundindo 306 FUNDAMENTOS DA EDUCAÇÃO ESCOLAR DO BRASIL CONTEMPORÂNEO objetivos com interesses. Tal situação aumenta e agrava o desafio que a educa- ção enfrenta em sua dialética tarefa de, simultânea e contraditoriamente, inserir os sujeitos educandos nas malhas culturais de sua sociedade e de levá-los a criticar e a superar essa inserção; assim como de fazer um investimento na conformação das pessoas a sua cultura ao mesmo tempo que precisa levá-las a se tornarem agentes da transformação dessa cultura. Como a educação tem papel fundamental no processo de subjetivação, embora não seja ela o único vetor desse processo, já que essa subjetivação se dá também por outras vias, seja no âmbito da vivência familiar, seja pelos meios de comunicação de massa, seja ainda por interações informais das pessoas no seio da sociedade civil, ela sofre o impacto dessas forças geradas no bojo da dinâmi- ca da vida social e cultural do capitalismo contemporâneo. O HORIZONTE DO COMPROMISSO ÉTICO-POLÍTICO DA EDUCAÇÃO: EM BUSCA DE UMA NOVA SOCIABILIDADE No contraponto dessa situação de degradação, de opressão e de aliena- ção, a educação é interpelada pela utopia, ou seja, por um télos que acena para uma responsabilidade histórica de construção de uma nova sociedade também mediante a construção de uma nova sociabilidade. Isso decorre da condição dos homens como sendo também seres teleológicos, dispondo da necessidade e da capacidade de estabelecer fins para sua ação. É isso que ocorre com a educação; ela precisa ter intencionalidades, buscar a realização de fins previa- mente estabelecidos. Levando em conta o seu papel no processo de subjetivação e tendo em vista que o conhecimento é a única ferramenta que cabe ao educador utilizar para enfrentar esses desafios, há que se entender a educação como processo que faz a mediação entre os seus resultados e as práticas reais, pelas quais os brasilei- ros devem conduzir sua história. Assim, cabe à educação ter em seu horizonte três objetivos intrínsecos: 1) Desenvolver ao máximo o conhecimento científico e tecnológico em todos os campos e dimensões; superar o amadorismo e apropriar-se da ciência e da tecnologia disponíveis para alicerçar o trabalho de interven- ção na realidade natural e social. Fundamentos Ético-Políticos da Educação 307 2) Desenvolver ao máximo a sensibilidade ética e estética buscando deli- near o télos da educação com sensibilidade profunda à condição humana; sentir a razão de ser da existência e a pulsação da vida. 3) Desenvolver ao máximo sua racionalidade filosófica numa dupla dire- ção: numa frente, esclarecer epistemicamente o sentido da existência, e, noutra, afastar o ofuscamento ideológico dos vários discursos; construir uma contra-ideologia como ideologia universalizante que apresenta os produtos do conhecimento para atender aos interesses da totalidade dos homens. Pela sua própria natureza, a educação tende a atuar como força de con- formação social, mas precisa atuar também como força de transformação so- cial. A conformação nasce da necessidade de conservação da memória cultural da espécie, força centrípeta, apelo da imanência, enquanto que a transformação, força centrífuga, apelo da transcendência, busca um avanço, a criação do novo, gerando elementos que respondam pela criação de nova cultura. A educação conforma os indivíduos, inserindo-os na sua sociedade, fa- zendo-os compartilhar dos costumes morais e de todos os demais padrões culturais, com o fito de preservar a memória cultural; porém, ao transformar, impele à criação de nova cultura, reavaliando seus estágios anteriores de subjetivação. Cabe-lhe questionar os estágios vigentes de uma perspectiva críti- ca, desconstruindo para reconstruir, pois o que não se transforma se petrifica. É pela mediação de sua consciência subjetiva que o homem pode intencionar sua prática, pois essa consciência é capaz de elaborar sentidos e de se sensibilizar a valores. Assim, ao agir, o homem está sempre se referenciando a conceitos e valores, de tal modo que todos os aspectos da realidade envolvidos com suaexperiência, todas as situações que vive e todas as relações que estabe- lece são atravessados por um coeficiente de atribuição de significados, por um sentido, por uma intencionalidade, feita de uma referência simultaneamente conceitual e valorativa. Desse modo, as coisas e situações relacionam-se com nossos interesses e necessidades, por meio da experiência dessa subjetividade valorativa, atendendo, de um modo ou de outro, a uma sensibilidade que te- mos, tão arraigada quanto aquela que nos permite representar as coisas e conhecê- las mediante os conceitos. Com efeito, a ética só pode ser estabelecida por meio de um processo permanente de decifração do sentido da existência humana, tal como ela se 308 FUNDAMENTOS DA EDUCAÇÃO ESCOLAR DO BRASIL CONTEMPORÂNEO desdobra no tecido social e no tempo histórico, não mais partindo de um quadro atemporal de valores, abstratamente concebidos e idealizados. Essa in- vestigação é inteiramente compromissada com as mediações históricas da exis- tência humana, não tendo mais a ver apenas com ideais abstratos, mas também com referências econômicas, políticas, sociais, culturais. Nenhuma ação que pro- voque a degradação do homem em suas relações com a natureza, que reforce sua opressão pelas relações sociais, ou que consolide a alienação subjetiva, pode ser considerada moralmente boa, válida e legítima. É por isso que, na perspectiva do modo atual de se conceber a ética, ela se encontra profundamente entrelaçada com a política, concebida esta como a área de apreensão e aplicação dos valores que atravessam as relações sociais que interligam os indivíduos entre si. Mas a política, por sua vez, está intimamente vinculada à ética, pelo fato de não poder se ater exclusivamente a critérios técni- co-funcionais, caso em que se transformaria numa nova forma de determinismo extrínseco ao homem, à sua humanidade. Isso quer dizer que os valores pes- soais não são apenas valores individuais; eles são simultaneamente valores soci- ais, pois a pessoa só é especificamente um ser humano quando sua existência realiza-se nos dois registros valorativos. Assim, a avaliação ética de uma ação não se refere apenas a uma valoração individual do sujeito; é preciso referi-la igualmente ao índice do coletivo. É assim que, à luz das contribuições mais críticas da filosofia da educa- ção da atualidade, impõe-se atribuir à educação, como sua tarefa essencial, a construção da cidadania. A educação já se deu outrora como objetivo a busca da perfeição humana, idealizada como realização da essência do homem, de sua natureza; mais recentemente, essa perfeição foi concebida como plenitude da vida orgânica, como saúde física e mental. Hoje, no entanto, as finalidades perseguidas pela educação dizem respeito à instauração e à consolidação da condição de cidadania, pensada como qualidade específica da existência con- creta dos homens, lembrando-se sempre que essa é uma teleologia historica- mente situada. Com efeito, a educação só se compreende e se legitima enquanto for uma das formas de mediação das mediações existenciais da vida humana, se for efetivo investimento em busca das condições do trabalho, da sociabilidade e da cultura simbólica. Portanto, só se legitima como mediação para a construção da cidadania. Por isso, enquanto investe, do lado do sujeito pessoal, na construção dessa condição de cidadania, do lado dos sujeitos sociais estará investindo na Fundamentos Ético-Políticos da Educação 309 construção da democracia, que é a qualidade da sociedade que assegura a todos os seus integrantes a efetivação coletiva dessas mediações. À educação cabe, como prática intencionalizada, investir nas forças emancipatórias dessas mediações, num procedimento contínuo e simultâneo de denúncia, desmascaramento e superação de sua inércia de entropia, bem como de anúncio e instauração de formas solidárias de ação histórica, buscando con- tribuir, com base em sua própria especificidade, para a construção de uma humanidade renovada. Ela deve ser assumida como prática simultaneamente técnica e política, atravessada por uma intencionalidade teórica, fecundada pela significação simbólica, mediando a integração dos sujeitos educandos nesse tríplice universo das mediações existenciais: no universo do trabalho, da produção material, das relações econômicas; no universo das mediações institucionais da vida social, lugar das relações políticas, esfera do poder; no universo da cultura simbólica, lugar da experiência da identidade subjetiva, esfera das relações inten- cionais. Em suma, a educação só se legitima intencionalizando a prática histórica dos homens... Com efeito, se se espera que a educação seja de fato um processo de humanização, é preciso que ela se torne mediação que viabilize, que invista na implementação dessas mediações mais básicas, contribuindo para que elas se efetivem em suas condições objetivas reais. Ora, esse processo não é automáti- co, não é decorrência mecânica da vida da espécie. É verdade que ao superar a transitividade do instinto e, com ela, a univocidade das respostas às situações, a espécie humana ganha em flexibilidade, mas simultaneamente torna-se vítima fácil das forças alienantes, uma vez que todas as mediações são ambivalentes: ao mesmo tempo que constituem o lugar da personalização, constituem igualmen- te o lugar da desumanização, da despersonalização. Assim, a vida individual, a vida em sociedade, o trabalho, as formas culturais, as vivências subjetivas, po- dem estar levando não a uma forma mais adequada de existência, da perspec- tiva humana, mas antes a formas de despersonalização individual e coletiva, ao império da alienação. Sempre é bom não perdermos de vista a idéia de que o trabalho pode degradar o homem, a vida social pode oprimi-lo e a cultura pode aliená-lo, ideologizando-o... É por isso que, ao lado do investimento na transmissão aos educandos dos conhecimentos científicos e técnicos, impõe-se garantir que a educação seja mediação da percepção das relações situacionais, que ela lhes possibilite a apre- ensão das intrincadas redes políticas da realidade social, pois só a partir daí eles 310 FUNDAMENTOS DA EDUCAÇÃO ESCOLAR DO BRASIL CONTEMPORÂNEO poderão se dar conta também do significado de suas atividades técnicas e cultu- rais. Cabe ainda à educação, no plano da intencionalidade da consciência, des- vendar os mascaramentos ideológicos de sua própria atividade, evitando assim que ela se instaure como mera força de reprodução social e se torne força de transformação da sociedade, contribuindo para extirpar do tecido desta todos os focos da alienação (Althusser, s.d.; Gramsci, 1968; Severino, 1986). A análise crítica da experiência histórica da educação brasileira mostra que ela desempenhou, em cada um dos seus cenários temporais, a função de repro- dução da ideologia, mediante o que contribuiu para a reprodução das relações sociais vigentes a cada momento. Mas isso não compromete seu outro papel fundamental, que é aquele de transformar essas relações sociais, contribuindo para a elaboração de uma contra-ideologia que possa identificar-se com os interesses e objetivos da maioria da população, fazendo com que os benefícios do conheci- mento possam atingir o universo da comunidade humana a que se destina. Esse compromisso ético-político da educação para com a condução do destino da sociedade não pode, no entanto, ser concebido nos parâmetros da ética essencialista, de fundo metafísico, ou de uma ética funcionalista, de fundo fenomenista. Trata-se de entender sua concepção e prática com base num enfoque praxista. Isso decorre de um modo igualmente novo de pensar o homem. Embora continue sendo entendido como ser natural e dotado de uma identida- de subjetiva, que lhe permite projetar e antever suas ações, ele não é visto mais nem como um ser totalmente determinado nem como um ser inteiramente livre. Ele é simultaneamente determinado e livre. Sua ação é sempre um com- promisso, em equilíbrio instável entre as injunções impostas pelasua condição de ser natural e a autonomia de sujeito capaz de intencionalizar suas ações, a partir da atividade de sua consciência. Por práxis, entende-se a prática real do homem, atravessada pela intencionalização subjetiva, ou seja, pela reflexão epistêmica elucidativa e esclarecedora, que delineia os fins e o sentido dessa ação. O que está em pauta, pois, na reflexão filosófica contemporânea, é a radi- cal historicidade humana. O homem concebido como ser histórico perde tanto sua fusão com a totalidade metafísica como com a natureza física do mundo. Desse ponto de vista, ele só é especificamente humano quando, em que pesem suas amarras ao mundo objetivo, é capaz de ir construindo-se efetivamente medi- ante sua ação real. Ora, a ética só tem a ver com sua dimensão especificamente humana, e é nessa especificidade que ela pode encontrar suas referências. Fundamentos Ético-Políticos da Educação 311 Esse é o sentido da historicidade da existência humana, ou seja, o ho- mem não é a mera expressão de uma essência metafísica predeterminada, nem o mero resultado de um processo de transformações naturais que estaria em evolução. Ao contrário, naquilo em que o faz especificamente humano, o ho- mem é um ser em permanente processo de construção, em ininterrupto devir. Nunca está pronto e acabado, nem no plano individual, nem no plano coletivo, como espécie. Por sobre um lastro de uma natureza físico-biológica prévia, mas que é pré-humana, compartilhada com todos os demais seres vivos, ele vai se transformando e se reconstruindo como ser especificamente humano, como ser ‘cultural’. E isso não apenas na linha de um necessário aprimoramento, de um aperfeiçoamento contínuo ou de progresso. Ao contrário, essas mudanças transformativas, decorrentes de sua prática, podem até ser regressivas, nem sempre sinalizando para uma eventual direção de aprimoramento de nosso modo de ser. O que é importante observar é que seu modo de ser vai se constituindo por aquilo que ele efetivamente faz; é sua ação que o constitui, e não seus desejos, seus pensamentos ou suas teorias... Assim, a ética contemporânea entende que o sujeito humano se encontra sob as injunções de sua realidade natural e histórico-social, que até certo ponto o conduz, determinando seu comportamento, mas que é também constituída por ele, por meio de sua prática efetiva. Ele não é visto mais como um sujeito substancial, soberano e absolutamente livre, nem como um sujeito empírico puramente natural. Existe concretamente nos dois registros, na medida mesma em que é um sujeito histórico-social, um sujeito cultural. É uma entidade natural histórica, determinada pelas condições objetivas de sua existência, ao mesmo tempo que atua sobre elas por meio de sua práxis. A NECESSIDADE DO ESPAÇO PÚBLICO PARA UM PROJETO EDUCACIONAL COMPROMETIDO COM A EMANCIPAÇÃO HUMANA: A ESCOLA PÚBLICA E A CIDADANIA O ético-político incorpora a sensibilidade aos valores da convivência so- cial, da condição coletiva das pessoas. A relação, a inter-relação, a dependência recíproca entre as pessoas, é também um valor ético – a eticidade que se apóia na dignidade humana. Essa dignidade não se referencia apenas à existência so- cial, mas também à co-existência social. 312 FUNDAMENTOS DA EDUCAÇÃO ESCOLAR DO BRASIL CONTEMPORÂNEO É a partir dessa exigência que se pode compreender a importância da escola para a construção da cidadania. Com efeito, para que a prática educativa real seja uma práxis, é preciso que ela se dê no âmbito de um projeto. A escola é o lugar institucional de um projeto educacional. Isso quer dizer que ela deve instaurar-se como espaço-tempo, como instância social que sirva de base me- diadora e articuladora dos outros dois projetos que têm a ver com o agir huma- no: de um lado, o projeto político da sociedade e, de outro, os projetos pessoais dos sujeitos envolvidos na educação. Todo projeto implica uma intencionalidade, assim como suas condições reais, objetivas, de concretização, já que a existência dos homens se dá sempre no duplo registro da objetividade/subjetividade, de modo que estão sempre lidando com uma objetividade subjetivada e com uma subjetividade objetivada. Configura-se aqui a complexa e intrincada questão das relações do pro- cesso educativo com o processo social que o envolve por todos os lados. É o que vem sendo apresentado sob o enfoque da teoria do reprodutivismo da educação, segundo a qual a escola nada mais faria do que reproduzir as relações de dominação presentes no tecido social na medida em que, como instância que lida com os instrumentos simbólicos, reproduziria os valores hegemônicos da sociedade, inculcando-os nas novas gerações. A escola é vista então como privi- legiado aparelho ideológico do Estado que, por sua vez, não é um representan- te dos interesses universais da sociedade, mas tão-somente de grupos privile- giados e, conseqüentemente, dominantes. Reapresenta-se então a questão da dialética objetividade/subjetividade. Em se tratando de processo que lida fundamentalmente com ferramentas sim- bólicas, a educação é ambígua, ambivalente, uma vez que a subjetividade é lugar privilegiado de alienação. Trata-se ainda de múltiplas subjetividades envolvidas, o que potencializa a força da alienação em relação aos dados da objetividade circundante. Com efeito, a prática da educação pressupõe mediações subjetivas, a intervenção da subjetividade de todos aqueles que se envolvem no processo. Dessa forma, tanto no plano de suas expressões teóricas como naquele de suas realizações práticas, a educação implica a própria subjetividade e suas produ- ções. Mas a experiência subjetiva é também uma riquíssima experiência das ilusões, dos erros e do falseamento da realidade, ameaçando assim, constante- mente, comprometer sua própria atividade. Não sem razão, pois, o exercício da prática educativa exige, da parte dos educadores, uma atenta e constante Fundamentos Ético-Políticos da Educação 313 vigilância diante dos riscos da ideologização de sua atividade, seja ela desenvol- vida na sala de aula, seja em qualquer outra instância do plano macrossocial do sistema de educação da sociedade. O procedimento da consciência, no seu desempenho subjetivo, não tem a inflexibilidade mecânica e linear dos instintos. Ao representar e ao avaliar os diversos aspectos da realidade, a consciência facilmente os falseia. A representa- ção simbólica da realidade, que lhe cabia fazer, perde então seu caráter objetivo e se impregna de significações que não mais correspondem à realidade, e a visão elaborada pelo sujeito fica falseada. Na sua atividade subjetiva, a consciência deveria visar e dirigir-se à realidade objetiva, atendo-se a ela. No entanto, quanto mais autônoma e livre em relação à transitividade dos instintos, mais frágil se torna em relação à objetividade e mais suscetível de sofrer interferências perturbadoras. À consciência subjetiva pode ocorrer de se projetar numa obje- tividade não-real, apenas projetada, imaginada, ideada. É como se estivesse imaginando um mundo inventado, invertido. E assim a consciência, alienando- se em relação à realidade objetiva, constrói conteúdos representativos com os quais pretende explicar e avaliar os vários aspectos da realidade e que apresenta como sendo verdadeiros e válidos, aptos não só a explicá-los mas também a legitimá-los. Porém, alienada, a consciência não se dá conta de que tais conteú- dos nem sempre estão se referindo adequadamente ao objeto. Na verdade, tais conteúdos – idéias, representações, conceitos, valores – são ideológicos, ou seja, têm obviamente um sentido, um significado, mas descolado do real objetivo, pois referem-se de fato a um outro aspecto da realidade que, no entanto, fica oculto e camuflado. Ocorre um falseamento da própria apreensão pela consci- ência, um desvirtuamento de seu proceder, decorrente sobretudo da pressão de interesses sociais que, intervindo na valoração da própria subjetividade, altera a relação de significação das representações. Esses interesses/valoresque intervêm e interferem na atividade cognoscitiva e valorativa da consciência nascem das relações sociais de poder, das relações políticas, que tecem a trama da sociedade. É para legitimar determinadas rela- ções de poder que a consciência apresenta como objetivas, universais e necessá- rias, portanto supostamente verdadeiras, algumas representações que, na reali- dade social, referem-se de fato a interesses de grupos particulares, em geral grupos dominantes, detentores do poder no interior da sociedade. A força do processo de ideologização é, sem dúvida, um dos maiores percalços da prática educativa, porque ela atua no seu âmago. Mas a possibilida- 314 FUNDAMENTOS DA EDUCAÇÃO ESCOLAR DO BRASIL CONTEMPORÂNEO de da interferência da ideologia não invalida nem inviabiliza a escola. O simples fato do reconhecimento do poder ideologizador da educação testemunha igual- mente o valor da subjetividade, seu poder de doação de significações. O que cabe, no entanto, à escola, na sua autoconstituição como centro de um projeto educacional, é ter presente essa ambivalência de sua própria condição de agên- cia educativa e investir na explicitação e na crítica desses compromissos ideoló- gicos, etapas preliminares para que possa tornar seu projeto elemento que trans- forma a escola em lugar também de elaboração de um discurso contra-ideoló- gico e, conseqüentemente, de instauração de uma nova consciência social e até mesmo de novas relações sociais. A educação pode se tornar também uma força transformadora do social, atuando portanto contra-ideologicamente. Educar contra-ideologicamente é utilizar, com a devida competência e criticidade, as ferramentas do conhecimento, as únicas de que efetivamente o homem dispõe para dar sentido às práticas mediadoras de sua existência real. Por mais ambíguos e fragilizados que sejam esses recursos da subjetividade, eles são instrumentos capazes de explicitar verdades históricas e de significar, com um mínimo de fidelidade, a realidade objetiva em que o homem desenvolve sua história. O que se impõe é a adequada exploração do conhecimento, pode- rosa estratégia do homem para se nortear no espaço social e no tempo históri- co. Daí a relevância do conhecimento em suas dimensões científica e filosófica, âmbitos nos quais há a possibilidade efetiva de se assegurar a competência e a criticidade necessárias no caso de utilização de nossa subjetividade. A escola se caracteriza, pois, como a institucionalização das mediações reais para que uma intencionalidade possa tornar-se efetiva, concreta, histórica, para que os objetivos intencionalizados não fiquem apenas no plano ideal, mas ganhem forma real. Assim sendo, a escola se dá como lugar do entrecruzamento do projeto político coletivo da sociedade com os projetos pessoais e existenciais de educandos e educadores. É ela que viabiliza que as ações pedagógicas dos edu- cadores se tornem educacionais, na medida em que se impregna das finalidades políticas da cidadania que interessa aos educandos. Se, de um lado, a sociedade precisa da ação dos educadores para a concretização de seus fins, de outro os educadores precisam do dimensionamento político do projeto social para que sua ação tenha real significado como mediação da humanização dos educandos. Estes encontram na escola um dos espaços privilegiados para a vivificação e a efetivação de seu projeto. Fundamentos Ético-Políticos da Educação 315 A escola se faz necessária para abrigar e mediatizar o projeto educa- cional, imprescindível para uma sociedade autenticamente moderna. A especificidade do trabalho pedagógico exige uma institucionalização de meios que vinculem educadores e educandos. A escola não pode ser substituída pelos meios de comunicação de massa; toda relação pedagógica depende de um relacionamento humano direto. Toda situação de aprendizagem, para ser educacional, não basta ser tecnicamente operativa; precisa ser pedagógi- ca, ou seja, relacionar pessoas diretamente entre si. Aliás, a fecundidade di- dática dos meios técnicos já é dependente da incorporação de significados valorativos pessoais. Para que se possa falar de um projeto impregnado por uma intencionalidade significadora, impõe-se que todas as partes envolvidas na prá- tica educativa de uma escola estejam profundamente integradas na constituição e no vivenciamento dessa intencionalidade. Do mesmo modo que, num campo magnético, todas as partículas do campo estão imantadas, no âmbito de um projeto educacional todas as pessoas envolvidas precisam compartilhar dessa intencionalidade, adequando seus objetivos parciais e particulares ao objetivo abrangente da proposta pedagógica decorrente do projeto educacional. Mas, para tanto, impõe-se que toda a comunidade escolar seja efetivamente envolvi- da na construção e na explicitação dessa mesma intencionalidade. É um sujeito coletivo que deve instaurá-la; e é nela que se lastreiam a significação e a legitimi- dade do trabalho em equipe e de toda interdisciplinaridade, tanto no campo teórico como no campo prático. Ao investir na constituição da cidadania dos indivíduos, a educação esco- lar está articulando o projeto político da sociedade – que precisa ter seus mem- bros como cidadãos – e os projetos pessoais desses indivíduos que, por sua vez, precisam do espaço social para existir humanamente. Em sociedades históricas passando por momentos de determinação alienadora, de opressão e de exploração, implementando projeto político volta- do para interesses egoísticos de grupos particulares hegemônicos, como é o caso de nossa sociedade brasileira atual, fica ainda mais fragilizada a força da instituição escolar nesse seu trabalho de construção da cidadania, uma vez que o projeto educacional autêntico estaria necessariamente em conflito com o proje- to político da sociedade que, ao oprimir a maioria dos indivíduos que a inte- gram, compromete até mesmo a possibilidade de o educador construir seu projeto pessoal. Esbarra-se aí nos limites impostos pela manipulação, pela ex- 316 FUNDAMENTOS DA EDUCAÇÃO ESCOLAR DO BRASIL CONTEMPORÂNEO propriação e pela alienação dos seres humanos. Muitas vezes, investir na cons- trução de um projeto educacional é pura prática de resistência. No entanto, mesmo nesse caso, a escola se torna ainda mais necessária, impondo-se um investimento sistemático com vistas a sua sustentação e ao desenvolvimento de um projeto educacional eminentemente contra-ideológico, ou seja, desmascarando, denunciando, criticando esse projeto político, não se conformando com ele, não o aceitando passivamente. Com as armas fornecidas pelo conhecimento, devendo realizar seu trabalho educacional no contexto de uma sociedade opressiva, os educadores precisam pautar-se num público de educação, concebido e articulado em instituições que gerem um espaço público aberto à totalidade social, sem qualquer tipo de restrição. Após duas décadas sob a tutela de um Estado autoritário e autocrático, no qual a dimensão pública se reduzira à expressão meramente tecnoburocrática do estatal, mergulhada na voracidade consumista do momento neoliberal, o sentido do público acaba deslizando para uma mera identificação do civil ao mercadológico, ou seja, a sociedade civil não é mais a comunidade dos cida- dãos, mas a comunidade dos produtores e dos consumidores em relação de mercado. Toda a vida social passa a ser medida e marcada pelo compasso das transações comerciais, do que não escapa nenhum setor da cultura, nem mesmo a educação. O dilema que vivemos hoje se expressa exatamente por essa ambi- güidade, pela qual a dimensão pública se esvazia, impondo a minimização do Estado na condução das políticas sociais, que ficam dependentes apenas das leis do mercado, tido como dinâmica própria da esfera do privado. Daí o ímpeto privatizante que varre a sociedade e a cultura do Brasil nas últimas três décadas, sob o sopro incessante e denso dos ventos ideológicos do neoliberalismo. A oferta de educação, assim como dos demais chamados serviços públicos, é um dentreoutros empreendimentos econômico-financeiros a serem conduzidos nos termos das implacáveis leis do mercado. Em todas as situações de ambigüidade que as atravessam, as categorias de público e de privado padecem de uma limitação congênita que compromete sua validade político-educacional, impondo aos atuais teóricos e práticos da educação uma inconclusa tarefa de redimensioná-los com vistas a assegurar-lhe eficácia e legitimidade. Para tanto, é preciso ter presente a historicidade da cons- trução dessas categorias. Assim, é necessário reconhecer a procedência da uni- versalidade do bem comum, mas que deve ser entendida como uma possibili- dade histórica a ser realizada no fluxo do tempo. Impõe-se ainda reconhecer a Fundamentos Ético-Políticos da Educação 317 rica contribuição do iluminismo liberal na construção do estado de direito como tentativa de instauração de uma determinada ordenação do social. Como se sabe, o direito nasceu na civilização humana como forma de organizar as rela- ções entre os homens, de modo a garantir um mínimo de simetria nessas rela- ções, assegurando assim a justiça, ou seja, que um mínimo de eqüidade nelas reinasse. No entanto, tão logo conseguiu apreender-se como uma coletividade a que se impunha uma convivência em comum, a humanidade percebeu, com base em sua experiência empírica, que o tecido social não se constituía como uma teia de membros iguais. O tecido social era todo marcado por forte hierarquização estratificada, em que ocorre grande desequilíbrio das forças em presença, em que alguns indivíduos ou grupos não só se opunham uns aos outros como dominavam os indivíduos ou grupos mais fracos. Uma intensa luta de interesses colocava esses elementos em situação de conflito, geradora de muitas formas de violência e de opressão. É íntima a aproximação que os teóricos modernos fizeram entre demo- cracia e o caráter público da atuação do Estado (por isso mesmo, deveria ser preferencialmente uma res publica), mediante a qual poderia assegurar a todos os integrantes da sociedade o acesso e o usufruto dos bens humanos, garantindo a todos, com o máximo de eqüidade, o compartilhamento do bem comum. No entanto, essa expectativa tende a frustrar-se continuamente, tal a fragilidade do direito em nossa sociedade. A experiência histórica da sociedade brasileira foi e continua sendo marcada pela realidade brutal da violência, do autoritarismo, da dominação, da injustiça, da discriminação, da exclusão, enfim, da falta do direi- to. É assim que o nosso não tem sido um Estado de direito; ele sempre foi, sob as mais variadas formas, um Estado de fato, no qual as decisões são tomadas e implementadas sob o império da força e da dominação. Não é um agenciador dos interesses coletivos e muito menos dos interesses dos segmentos mais fra- cos da população que constitui sua sociedade civil. Na verdade, as relações de poder no interior da sociedade brasileira continuam moldadas nas relações de tipo escravocrático que a fundaram, aquelas relações do tipo ‘casa-grande e senzala’, metáfora que é, na verdade, descrição científica. Desse modo, o direito acaba desvirtuado pelo seu próprio enviesamento ideológico. Se, de um lado, ele é visto pelos que dele dependem como meio para contar com o usufruto do bem comum, de outro ele é usado por aqueles que dele pouco precisam para salvaguardar seus privilégios. No campo especí- fico da educação, a legislação passa a ser então estratagema ideológico, prome- 318 FUNDAMENTOS DA EDUCAÇÃO ESCOLAR DO BRASIL CONTEMPORÂNEO tendo exatamente aquilo que não pretende conceder. Por isso mesmo, na medi- da em que grupos com interesses diferentes e opostos podem lutar por eles, acabam travando uma luta ideológica, ou seja, buscam servir-se da legislação como um instrumento da garantia desses direitos. Nessa luta sem tréguas, o caráter público da educação vai sendo, cada vez mais, comprometido. É por isso mesmo que, de acordo com o atual modelo, o processo fundamental da história humana deve ser conduzido pelas forças da própria sociedade civil, e não mais pela administração via aparelho do Estado. Entende- se que o motor da vida social é o mercado, e não a administração política. As leis gerais são aquelas da economia do mercado, e não as da economia política. E o mercado se regula por forças concorrenciais, nascidas dos interesses dos indivíduos e grupos, que se ‘vetorizam’ no interior da própria sociedade civil – donde a proposta do Estado mínimo e os elogios à fecundidade da livre- iniciativa, à privatização generalizada etc. Dessa situação decorrem igualmente os profundos equívocos que vêm atravessando a política educacional brasileira das últimas décadas, ao estender a privatização exacerbada e sem critérios também aos assim chamados ‘serviços educacionais’, atendendo apenas às diretrizes da agenda econômica neoliberal. Trata-se de prática duplamente perversa. De um lado, desconhece a incapacida- de econômica da maioria da população brasileira de se integrar no processo produtivo de uma economia de mercado, que pressupõe um patamar mínimo de condições objetivas para que os agentes possam dela participar. Abaixo des- se nível, essa participação se situará necessariamente numa esfera de marginalidade econômico-social. De outro lado, a perversidade do sistema se manifesta igual- mente no fato da precária qualidade de educação que sobra para a população que dela mais precisa, tanto nas escolas/empresas quanto nas escolas públicas ainda mantidas pelo Estado, ou seja, tal educação ofertada não habilitará essa população a ponto de lhe viabilizar a ruptura do círculo de ferro de sua opres- são. Apenas uma elite vinculada aos segmentos dominantes dispõe de uma edu- cação qualificada, sem dúvida alguma capaz de habilitá-a para continuar no exercício da dominação. O sentido do público é aquele abrangido pelo sentido do bem comum efetivamente universal, ou seja, que garanta ao universo dos sujeitos o direito de usufruir dos bens culturais da educação, sem nenhuma restrição. A questão bá- sica não é a da referência jurídica de manutenção dos subsistemas de ensino, mas a do seu efetivo envolvimento com o objetivo da educação universalizada. Fundamentos Ético-Políticos da Educação 319 As instituições particulares de ensino também não podem eximir-se de um comprometimento que leve em conta um projeto político-social identificado com as necessidades objetivas do todo da população. O equívoco radical está em se entenderem e, sobretudo, em se vivenciarem apenas como instâncias do mercado, em que os bens simbólicos da cultura transformam-se em bens pura- mente econômicos, esvaziados de todo conteúdo humano e humanizador. CONSIDERAÇÕES FINAIS De todas essas considerações, impõe-se concluir que, na atual situação histórico-social brasileira, só mesmo um sistema universalizado de ensino es- tará em condições de enfrentar o desafio da construção da cidadania – universalização esta absolutamente imprescindível para tanto. Se é verdade que possam existir, hipoteticamente, variadas modalidades de mediações da educação, historicamente é também verdadeiro que a escola se revela como sua mediação potencialmente mais eficaz para a universalização da educação. Isso implica, sem nenhuma dúvida, a constituição de um grande e qualificado sistema público de ensino. A identidade específica da prática educativa, a ser implementada por todos aqueles que têm um projeto civilizatório para o enfrentamento dos desa- fios históricos lançados na atualidade, se encontra no tripé formado pelo domí- nio do saber teórico, pela apropriação da habilitação técnica e pela sensibilidade ao caráter político das relações sociais. Mas essas três dimensões só se consoli- dam se soldadas, se articuladas pela dimensão ética. O envolvimento pessoal e a sensibilidade ética dos educadores estão radicalmente vinculados a um com- promisso com o destino dos homens. É à humanidade que cada um tem que prestar contas. Por isso mesmo é que o maior compromisso ético é ter com- promisso comas responsabilidades técnicas e com o engajamento político. Tra- ta-se, pois, para todos os homens, de vincular sua responsabilidade ética à res- ponsabilidade referencial de construção de uma sociedade mais justa, mais eqüi- tativa – vale dizer, uma sociedade democrática, constituída de cidadãos partici- pantes em condições que garantam a todos os bens naturais, os bens sociais e os bens simbólicos, disponíveis para a sociedade concreta em que vivem, e a que todos têm direito, em decorrência da dignidade humana de cada um. O respeito e a sensibilidade ao eminente valor representado pela dignida- de da pessoa humana não tornam essa postura ética abstrata, idealizada e aliena- 320 FUNDAMENTOS DA EDUCAÇÃO ESCOLAR DO BRASIL CONTEMPORÂNEO da. Ao contrário, exigem o aguçamento da sensibilidade às condições históricas e concretas de nossa existência – afinal, suas únicas mediações reais. Esse aguçamento exige, por sua vez, o pleno compromisso de aplicação do uso da única ferramenta para a orientação da existência humana: o conhecimento que precisa tornar-se, então, competente, criativo e crítico. A mais radical exigência ética que se faz manifesta, neste quadrante de nossa história, para todos os sujeitos envolvidos na e pela educação é, sem nenhuma dúvida, o compromisso de aplicação do conhecimento na construção da cidadania. Referências Bibliográficas ALTHUSSER, L. Ideologia e Aparelhos Ideológicos de Estado. Lisboa, São Paulo: Presença, Martins Fontes, s.d. BRESSER PEREIRA, L. C. Desenvolvimento e Crise no Brasil: 1939-1967. Rio de Janeiro: Zahar, 1968. FERNANDES, F. A Revolução Burguesa no Brasil: ensaio de interpretação sociológica. Rio de Janeiro: Zahar, 1975. GRAMSCI, A. A Concepção Dialética da História. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968 IANNI, O. O cidadão do mundo. In: LOMBARDI, J. C.; SAVIANI, D. & SANFELICE, J. L. (Orgs.). Capitalismo, Trabalho e Educação. 2.ed. Campinas: Autores Associados, 2004. p.27-34. IBGE. PNAD: Relatório 2004. Brasília: IBGE, 2005. LOMBARDI, J. C. & GOERGEN, P. (Orgs.). Ética e Educação: reflexões filosóficas e históricas. Campinas: Autores Associados, 2005. LOMBARDI, J. C.; SAVIANI, D. & SANFELICE, J. L. (Orgs.). Capitalismo, Trabalho e Educação. 2.ed. Campinas: Autores Associados, 2004. MARTINS, C. B. Ensino Privado, um Retrato sem Retoques. São Paulo: Global, 1981. SEVERINO, A. J. Educação, Ideologia e Contra-Ideologia. São Paulo: EPU, 1986. SEVERINO, A. J. Educação, Sujeito e História. São Paulo: Olho d’Água, 2001. XAVIER, M. E. S. P. Políticas educacionais, modelos pedagógicos e movimentos sociais. In: MIGUEL, M. E. B. & CORRÊA, L. T. (Orgs.). A Educação Escolar em Perspectiva Histórica. Campinas: Autores Associados, Capes, 2005. p.283- 291. (Memória da educação) Formato: 16 x 23 cm Tipologia: Garamond e Engravers Papel: Pólen Bold 90g/m2(miolo) Cartão supremo 250g/m2 (capa) Fotolito: Graftipo Gráfica e Editora Ltda.(capa) Fotolitos: Laser vegetal (miolo) Reimpressão e acabamento: Editora e Papéis Nova Aliança Rio de Janeiro, julho de 2014 Não encontrando nossos títulos em livrarias, contactar a EDITORA FIOCRUZ: Av. Brasil, 4036 – Térreo – sala 112 – Manguinhos – 21040-361 Rio de Janeiro – RJ. Tel.: (21) 3882-9039 e 3882-9041 – Telefax: (21) 3882-9006 www.fiocruz.br/editora editora@fiocruz.br colofão.pmd 25/05/2014, 10:25321 Painel / Minhas Disciplinas / 10A105 / Aula 01 - História da ética / Atividade 01 Ética nas Organizações Iniciado em Monday, 26 Sep 2022, 13:11 Estado Finalizada Concluída em Monday, 26 Sep 2022, 13:13 Tempo empregado 2 minutos 5 segundos Avaliar 8,00 de um máximo de 10,00(80%)   https://ava.politecnicabr.com.br/my/ https://ava.politecnicabr.com.br/my/ https://ava.politecnicabr.com.br/course/view.php?id=832 https://ava.politecnicabr.com.br/course/view.php?id=832#section-2 https://ava.politecnicabr.com.br/mod/quiz/view.php?id=21178 https://ava.politecnicabr.com.br/ Questão 1 Completo Atingiu 2,00 de 2,00 Com base nos fundamentos ético-políticos da educação no Brasil de hoje, marque a alternativa correta: Escolha uma opção: a. o ético-político incorpora a sensibilidade aos valores da convivência social, da condição coletiva das pessoas. A relação, a inter-relação, a dependência recíproca entre as pessoas, é também um valor ético – a eticidade que se apóia na dignidade humana. b. educar contra-ideologicamente é utilizar, com a devida competência e criticidade, as ferramentas do conhecimento, as únicas de que efetivamente o homem dispõe para dar sentido às práticas mediadoras de sua existência real. c. a ética contemporânea entende que o sujeito humano se encontra sob as injunções de sua realidade natural e histórico- social, que até certo ponto o conduz, determinando seu comportamento, mas que é também constituída por ele, por meio de sua prática efetiva. d. Todas as alternativas estão corretas.   https://ava.politecnicabr.com.br/ Questão 2 Completo Atingiu 0,00 de 2,00 Assinale a alternativa correta, com base no conceitos apresentados na aula. Escolha uma opção: a. os �lósofos gregos foram os primeiros a pensar o conceito de ética, associando a tal palavra a ideia de imoral e cidadania. b. precisavam de honestidade, �delidade e harmonia entre seus cidadãos, porque suas cidades-Estado estavam em desenvolvimento. c. o signi�cado da palavra ética vem do Latim ethos, referente ao modo de ser do indivíduo, ou ao caráter do ser humano. Na Grécia Antiga, período que coincide com o século V a.C. d. todos os itens anteriores estão incorretos.   https://ava.politecnicabr.com.br/ Questão 3 Completo Atingiu 2,00 de 2,00 Marque a alternativa incorreta quanto aos pensadores gregos. Escolha uma opção: a. Para Sócrates, virtude é sabedoria (so�a) e conhecimento. Já o vício é o resultado da ignorância. b. Aristóteles também encaminhou seus estudos para as áreas da política e da reforma social, em decorrência do seu envolvimento com a difícil situação de Atenas, após a Guerra do Peloponeso. c. Sócrates, Platão e Aristóteles são os pensadores gregos mais estudados e citados no campo da ética. De um modo geral, a�rmavam que a conduta do ser humano deveria ser pautada no equilíbrio, a �m de evitar a falta de ética. Pregavam a virtude, a estreiteza moral e outras atitudes voltadas para a ética. d. Segundo a Teoria das Ideias de Platão, existem dois mundos; o primeiro mundo é composto. por ideias imutáveis, eternas, invisíveis e diferentes das coisas concretas; o segundo, o mundo real, é constituído por réplicas das ideias (coisas sensíveis), cópias imperfeitas e mutáveis.   https://ava.politecnicabr.com.br/ Questão 4 Completo Atingiu 2,00 de 2,00 Com base no texto a seguir, marque (V) Verdadeiro ou (F) Falso. Falar sobre ética é lembrar os antigos ensinamentos de uma época em que o homem começou a conviver em sociedade e, a partir dessa experiência, passou a estabelecer normas de comportamento e convívio. Dessa convivência dos grupos societários surgiu a ética, cujos valores até hoje permanecem e vão se modi�cando, sendo questionados e até mesmo banalizados ou esquecidos. ( ) ética é “o estudo dos juízos de apreciação que se referem à conduta humana susceptível de quali�cação, do ponto de vista do bem e do mal, seja relativamente à determinada sociedade, seja de modo absoluto” (HOLANDA, 1999, p. 848). Escolha uma opção: Verdadeiro Falso   https://ava.politecnicabr.com.br/ Questão 5 Completo Atingiu 2,00 de 2,00 Marque (V) Verdadeiro e (F) Falso: ( ) O pensamento moral de Aristóteles está exposto em obras como Ética a Nicômaco, Ética a Eudemo e A Grande Ética. As suas obras foram das mais discutidas e comentadas da Antiguidade, deixando uma importante herança para a história da cultura e da �loso�a. ( ) Seguindo suas ideias reformistas, Platão fundou a sua escola em Atenas, que denominou Academia, um estabelecimento destinado à educação de adultos, com aulas ministradas por vários professores.( ) Aristóteles nasceu em Atenas, provavelmente no ano de 470 a.C., e tornou-se um dos principais pensadores da Grécia Antiga. Aprendeu música e literatura, mas se dedicou à meditação e ao ensino �losó�co. ( ) Ao contrário do que se pode pensar, o mundo das Ideias, de Sócrates, é o lugar das coisas verdadeiras enquanto o mundo real é o lugar onde reinam as aparências e as sombras. Escolha uma opção: a. V, F, F, V. b. F, F, V, F. c. V, V, V, F. d. F, F, V, V. e. V, V, F, F.   https://ava.politecnicabr.com.br/ © 2022 - Escola Politécnica Brasileira Entre em Contato https://www.politecnicabr.com.br 0800 084 2627 0800 084 2627     Links Úteis Dicas da nossa Diretora Acadêmica Planner de Estudos Declaração de Matrícula Orientações do AVA Abertura de Ticket Fale com o Tutor Cronograma de Estudos Manual de Estágio Manual de Competência Siga-nos nas redes sociais     https://ava.politecnicabr.com.br/mod/quiz/0 https://ava.politecnicabr.com.br/mod/quiz/0 https://www.politecnicabr.com.br/ https://soundcloud.com/user-501638417/sets/escola-politecnica-brasileira https://soundcloud.com/user-501638417/sets/escola-politecnica-brasileira https://storage.googleapis.com/sirius-pubstore/semestre_plannerdeestudo%20poli.pdf https://storage.googleapis.com/sirius-pubstore/semestre_plannerdeestudo%20poli.pdf https://storage.googleapis.com/sirius-pubstore/declaracao_matricula.pdf https://storage.googleapis.com/sirius-pubstore/declaracao_matricula.pdf https://storage.googleapis.com/sirius-pubstore/orientacoes_ava.pdf https://storage.googleapis.com/sirius-pubstore/orientacoes_ava.pdf https://storage.googleapis.com/sirius-pubstore/abertura_ticket.pdf https://storage.googleapis.com/sirius-pubstore/abertura_ticket.pdf https://storage.googleapis.com/sirius-pubstore/fale_com_tutor.pdf https://storage.googleapis.com/sirius-pubstore/fale_com_tutor.pdf https://storage.googleapis.com/sirius-pubstore/cronograma_estudos.pdf https://storage.googleapis.com/sirius-pubstore/cronograma_estudos.pdf https://storage.googleapis.com/sirius-pubstore/manual_estagio.pdf https://storage.googleapis.com/sirius-pubstore/manual_estagio.pdf https://storage.googleapis.com/sirius-pubstore/manual_competencia.pdf https://storage.googleapis.com/sirius-pubstore/manual_competencia.pdf https://www.facebook.com/politecnicabr https://www.instagram.com/politecnicabr_oficial https://ava.politecnicabr.com.br/ Moral e princípios éticos Ética e moral Relembrando a origem das palavras, ética vem do Grego ethos, que significa “modo de ser”. Moral, por sua vez, vem do Latim mores e significa “costumes”. Entre os filósofos contemporâneos que discutem o tema, encontram-se aqueles que acreditam ser a distinção entre moral e ética algo de elevada importância; já outros sequer distinguem os dois conceitos, ou ainda, fazem uma mistura completa, entrelaçando-os e interligando-os constantemente, como se um conceito não pudesse existir sem o outro. Na religião, por exemplo, pode-se dizer que tanto católicos como protestantes discutem regras de conduta e valores sociais. Contudo, para os protestantes, esses aspectos estão bastante relacionados à ética. Já os católicos, que discutem o mesmo conteúdo, definem-no no campo da moral. Para que haja uma compreensão simplificada sobre o assunto, é interessante alinhavar algumas diferenças, e, em outro momento, mostrar a igualdade de conceitos. Diferenças de conceitos Para diferenciar ética de moral, é razoável lembrar que a primeira procura as causas do compor- tamento humano, as atitudes do indivíduo inserido em uma determinada sociedade. Pensar sobre ética induz a uma reflexão sobre o significado do bem, das virtudes e de nossa relação com o próximo. A moral, por sua vez, trata do juízo de valor concebido pelo indivíduo que agirá conforme sua consciência determina. Corresponde a um conjunto de regras de conduta social que contribuem para a harmonia da ordem de uma sociedade específica. Tais regras assumem as características próprias do contexto sócio-histórico vivenciado pelo indivíduo. Tendo em vista que os códigos de moral mudam de país para país, de comunidade para comuni- dade e até mesmo de família para família, deve-se ter muito cuidado ao se julgar esses códigos como “inadequados” ou “ignorantes”. Por exemplo, um ocidental, que possui uma moral muito diferente de Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br qualquer povo oriental, não pode querer impor seus princípios. Não há um código mais correto que outro, tendo em vista a diversidade cultural que se estende ao redor do mundo. A moral, na explicação do filósofo Vázquez (1997, p. 24) é “um conjunto de normas e regras destinadas a regular as relações dos indivíduos numa comunidade social”. Pode-se citar um exemplo para a melhor compreensão dessa questão. Uma pessoa que sai para passear completamente nua numa rua movimentada da cidade seria imediatamente considerada imo- ral, mas sua atitude dificilmente seria considerada uma falta de ética, pois não está praticando mal algum ao próximo. Mas se essa nudez é para um fim específico, representando uma forma de perversão ou prostituição, daí sim estaria infringindo as leis éticas de nossa sociedade. A ética está diretamente relacionada à Filosofia, tendo em vista que busca refletir sobre a existên- cia humana e, assim, estabelecer o ideal de comportamento do homem em sociedade. A reflexão sobre o ethos leva-nos à prática do respeito ao próximo, do bem social, do exercício da cidadania. A partir da ética, fala-se sobre autonomia da vontade em praticar o bem. Vale lembrar, no entanto, que o comportamento ético não se refere apenas à prática do bem, mas a exteriorizar aquilo que se aprendeu a respeito. É exercitar a tolerância diante das faltas alheias, a paciência em muitos mo- mentos da vida, a obediência aos superiores em uma hierarquia, o silêncio ante uma ofensa recebida. Diferenças entre ética e moral. Ética é permanente, moral é temporal. :::: Ética é universal, moral é cultural.:::: Ética é regra, moral é conduta da regra. :::: Ética é teoria, moral é prática. :::: A ética é permanente, imutável e constante, posto que é a determinação do que é o bem, o justo, o correto. A moral se modifica conforme a passagem do tempo e se adapta à cultura de um grupo ou de um povo. É a regulamentação dos valores e dos comportamentos considerados legítimos por uma determinada religião, sociedade, povo, tribo, ordem política, tradição cultural, e, dessa forma, não é universal. Por fim, a ética está nos conceitos teóricos do bem e do mal, do certo e do errado, do justo e do injusto. A moral, por sua vez, está no campo da prática, da consciência do homem, regulando seus atos no exercício do bem e da justiça. Igualdade de conceitos Em nossos dias, enfrentamos problemas de ordem moral e ética. Estamos sempre perguntando à nossa consciência se devemos fazer isto ou aquilo, sempre preocupados em não prejudicar o próxi- mo. O entendimento da diferença entre esses dois conceitos na nossa realidade confunde-se e muitos 16 | Moral e princípios éticos Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br estudiosos ainda encontram dificuldades em diferenciar ambos. Seus significados se misturam na for- ma cotidiana de viver e pensar de cada indivíduo. Assim, algumas considerações podem ser feitas para demonstrar que as duas denominações buscam fins idênticos e benéficos para as sociedades e suas organizações e, por isso, igualam-se. Vamos analisar a situação hipotética a seguir: Ao saber que um prefeito, sem constrangimento e amparado pela legislação, aumentou seu salário em 100%, a população daquela cidade, indignada, afirmou que ele foi imoral e faltou com a devida ética. Talvez, o que favoreça a confusão entre ética e moral seja o fato de que, originalmente, os roma- nos traduziram a palavra ética, do Grego ethos, literalmentepara a palavra mores, moral, no tocante aos hábitos, costumes, usos e regras. Por isso, pode-se dizer que ocorre a fusão de ambos os conceitos, na medida em que não existe a prática de ato moral sem o prévio conhecimento de conceitos éticos. Moral como objeto da ética Pode-se relacionar os dois conceitos, afirmando que a moral é o objeto de estudo da própria ética. Tal asserção torna-se coerente se pensarmos que fazem parte da ética os bons costumes, valores como o amor, solidariedade, paz, bondade e tolerância, ou seja, aspectos de natureza eminentemente moral. A ética é a teoria ou ciência do comportamento moral dos homens em sociedade. Ética não é moral. Ética é a reflexão crítica do ato moral, do que está certo ou errado, do que é justo ou injusto. Como lembra Nalini (2001, p. 57), ao praticar um ato seguindo sua moral o indivíduo estará sujei- to a sofrer consequências negativas. Muitas vezes, o que para uns parece correto, para outros pode ser “imoral”. Alguns povos têm hábitos culturais que consideram corretos, mas que podem ser incorretos para outro grupo social. Ou seja, tais hábitos podem ser imorais1 ou amorais2. Em uma família, pai, mãe e filhos têm o costume de tomar banho todos juntos. É um hábito decor- rente de uma cultura específica que foi nela introduzido por costumes de familiares antepassados. Nessa cultura, considera-se a exposição do corpo nu sem quaisquer conotações de sexualidade ou de promis- cuidade. No entanto, tal hábito, caso seja relatado a outras pessoas, não pertencentes à cultura da família citada, certamente não terá uma boa aceitação, considerando-o imoral. Diante de uma diversidade de culturas, é necessário que se regulamentem as condutas social- mente aceitas. Para isso, tem-se o Código de Ética, uma ampla gama de estatutos e regulamentos que normalizam o que pode ou não pode ser considerado moral numa organização, numa sociedade, ou seja, no âmbito comum. Dentro do campo da ética, está sendo estipulada o que se considera aceitável sobre a conduta individual, para manter o equilíbrio, a igualdade de condições, o respeito mútuo, enfim, a maneira correta de se comportar adequadamente em sociedade. 1 Imoral: contrário à moral, contrário às regras de conduta vigentes em dada época ou sociedade ou ainda contrário àquelas regras que um indivíduo estabelece para si próprio; sem moralidade, indecoroso, vergonhoso. 2 Amoral: moralmente neutro (nem moral nem imoral, isto é, nem contra, nem a favor da moral); que não leva em consideração preceitos morais, indiferente a eles; que não tem senso de moral. 17|Moral e princípios éticos Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Virtudes segundo Aristóteles Ao falarmos sobre ética e moral, é oportuno lembrar que Aristóteles questionou-se bastante sobre a ideia do bem e do mal. Esse filósofo grego, por meio da observação do comportamento hu- mano, notou que o homem parece necessitar de riqueza e prosperidade, mas para ser feliz também precisa das virtudes. A felicidade é uma atividade virtuosa da alma. O filósofo ensina que há duas es- pécies de virtudes: as intelectuais e as morais. As virtudes intelectuais resultam do ensinamento. As vir- tudes morais resultam do hábito, adquiridas pelo exercício desses costumes. O homem torna-se justo praticando atos justos. Os homens tornam-se arquitetos construindo edifícios. Mas Aristóteles alerta que, da mesma forma que se gera virtudes, pode-se destruí-las. O homem torna-se completamente bom ou completamente mal, não havendo meio-termo. Como já afirmou Chauí (1994, p. 310), “(...) e assim, a felicidade não é obra de um só dia, nem de pouco tempo, mas de uma vida inteira”. Para tanto, o pensador grego explica que a Doutrina do Meio-Termo garante a prática de ações que possibilitam a formação de um caráter excelente, do homem feliz. A virtude ética é a perfeita medida da razão para o comportamento do homem, o qual, muitas vezes, tende a cometer excesso em suas atitu- des. São alguns exemplos de virtudes aristotélicas, de seus respectivos excessos e deficiências: cora:::: gem – é o meio-termo em relação ao sentimento de medo e de confiança. A covardia é a deficiência dessa virtude e a temeridade é o excesso. temperança:::: – é o meio-termo em relação aos prazeres. Assim, por exemplo, a moderação é a temperança no comer e a sobriedade no beber. A gula é o outro extremo dessa virtude. seriedade:::: – é o meio-termo entre a complacência e a soberba. justa indignação:::: – é o meio-termo entre a inveja e o despeito. calma:::: – é o meio-termo em relação à cólera e à pacatez. magnificência:::: – é o meio-termo entre a suntuosidade e a mesquinharia. veracidade:::: – é o meio-termo no tocante à verdade. Já o exagero é a jactância, e a carência dessa virtude gera a falsa modéstia. amabilidade:::: – é o meio-termo na disposição de agradar a todos de maneira devida e amável; o excesso é o obsequioso, se não tiver propósito; e lisonjeiro, se visa a um interesse próprio; a deficiência é a pessoa mal-humorada (mau-humor). modéstia:::: – seu exagero gera o envergonhado (vergonha); enquanto aquele que mostra defi- ciência é o despudorado, que não se envergonha de coisa alguma (despudor). justiça:::: – é o meio-termo entre o ganho e a perda. A justiça é a disposição de caráter que torna as pessoas propensas a fazer o que é justo e a desejar o que é justo. Dessa forma, a justiça é uma virtude completa, por isso, é considerada, muitas vezes, a maior das virtudes. É importante saber que é o caráter voluntário ou involuntário que determina o justo. O homem só é justo quando age de maneira voluntária e tem consciência de seus atos. Caso contrário, não pode ser considerado justo ou injusto. Temos nesses ensinamentos o quanto é importante saber a respeito das deficiências e excessos das virtudes para se buscar o meio-termo e, com isso, tornar-se digno e virtuoso. É fundamental aprender, por exemplo, o quanto é prejudicial ser excessivamente polido numa determinada situação, quando 18 | Moral e princípios éticos Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br se poderia ser amável e conquistar a todos. Igualmente, se algumas pessoas fossem menos ostensivas, certamente se tornariam mais autênticas. A justa medida dos sentimentos traz ao homem mais sucesso em todas as instâncias de sua vida. Princípios éticos Vale lembrar que são muitos os problemas a serem enfrentados pelo homem contemporâneo quanto à sua conduta moral. Dentre eles, destaca-se a dificuldade de discernimento entre o bem e o mal. É comum, ao longo de sua vida diária, os indivíduos se perguntarem: O que é o bem?:::: Quais são os fundamentos das condutas morais e éticas?:::: Colocando tais questões, entraremos no campo dos princípios éticos, refletindo sobre experiên- cias dos bons costumes, das obrigações e dos deveres. Ao longo desta aula, será destacada a importância dos princípios éticos para a vida em socieda- de. Tais princípios devem ser retomados e renovados. Devem ainda instigarem a reflexão no tempo e no espaço em que vive o homem. Falar, por exemplo, em dignidade humana, liberdade e igualdade é buscar nortear e esclarecer as pessoas para que não incorram em desvios de valores e desconsiderem o corrente código ético e moral. O homem a serviço ou não da sociedade onde vive, julga e é julgado por ela, com base em princípios éticos comuns. Por isso, os indivíduos têm por obrigação conhecer esses princípios sociais, para neles pautar sua conduta moral. Atitudes como a de ser íntegro, preservar com sabedoria a liberdade de escolha, praticar o ab- soluto respeito à vida humana em todas as suas formas e manifestações, ser honesto com o próximo e consigo mesmo, falar sempre a verdade, agir com responsabilidade sobre suas atitudes, além de ter boa conduta pessoal, são exemplos considerados éticos para boa parte das sociedades contemporâneas.Vázquez (1997) afirma que é possível falar em comportamento moral somente quando o indiví- duo opta conscientemente por ele. Isso envolve o pressuposto de que o homem pode fazer o que quer, ou seja, escolher entre duas ou mais alternativas, agindo de acordo com sua decisão. Por isso, pode-se afirmar que a liberdade torna os indivíduos totalmente responsáveis pelas suas escolhas. Valores no mundo atual Moisés repassou 10 mandamentos ou regras ao seu povo que, segundo o profeta, teriam vin- do diretamente de Deus. Passados milhares de anos, as pessoas ainda relembram esses ensinamentos como a verdadeira forma de conduta moral e ética. Contudo, essas mesmas pessoas parecem estar numa encruzilhada, sem saber o que é certo ou errado, principalmente quando se trata de sua sobrevi- vência financeira no mundo dos negócios e na ascensão profissional. Então, como manter intacto o respeito aos valores, às questões e princípios éticos elaborados e desenvolvidos ao longo da história? Como se manter ético na “guerra dos negócios”? 19|Moral e princípios éticos Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br A ética e a moral determinam a perfeição do ser. Mas, as pessoas, sofrendo com as pressões da vida moderna, confundem os meios com os fins, e não conseguem visualizar claramente o fim último da existência humana. O amor ao próximo, o respeito à vida, à igualdade, à solidariedade são valores que não caem de moda, são perenes. A ambição nasce de uma vontade a ser realizada e pode ser consi- derada um sentimento virtuoso, digno, correto. Mas, o que vemos nos dias atuais? Vemos homens e mulheres esquecendo-se dos princípios éticos, fundamentais para o sucesso no campo dos negócios. Para realizar seu projeto de vida, não é necessário que a prática de ações golpeie os valores morais. E o mesmo serve para as ações individuais no cumprimento dos deveres, que devem respeitar a liberdade do indivíduo e, principalmente, a do próximo. Nas relações sociais, os princípios éticos têm extrema importância. Nenhum indivíduo será res- peitado se não dispensar o mesmo tratamento ao próximo. Ele só será considerado ético se estiver vivendo e agindo de acordo com as normas e convenções sociais. A população, não só brasileira, mas mundial, tem assistido a ondas de organizações criminosas, que têm como código moral não praticar seus crimes nas comunidades onde residem. Além disso, os componentes das organizações do narcotráfico obedecem ao código moral imposto pelos traficantes. E na política do nosso país? Atualmente há uma reestruturação nos partidos políticos. Todos os dias, eleitos pelo povo passam de um grupo para outro, motivados por falsos princípios morais, por armações e atitudes individuais vergonhosas com relação ao erário3. Mesmo assim, acabam sendo re- eleitos, recolocados nas câmaras, assembleias e no Senado Federal. Como bem lembra Zajdsznajder (1994, p. 96): Os políticos dispõem mais que o poder de elaborar e votar leis: podem estabelecer programas e dotações que irão be- neficiar comunidades, cidades, regiões, setores econômicos. É certo que também faz parte do jogo democrático que os interessados busquem, tanto no Congresso quanto nas agências governamentais, a realização de seus interesses. Essas atividades, denominadas lobby, contêm um elemento legítimo, que é o de apresentar o caso, mostrando a validade dos interesses. O lado ilegítimo apresenta-se quando se parte para adquirir a boa vontade por meio de presentes e facilidades – como viagens e hospedagens gratuitas, informações sobre possibilidade de negócios ou mesmo dinheiro. Todo esse processo ilegítimo já é conhecido há décadas. A cada momento histórico, assiste-se a mais uma história de vergonha política. Como se não bastasse, surgem cada vez mais as ondas de vio- lência, motivadas pelos novos valores do incorreto e do injusto. Como alternativa a esse quadro, muitas reflexões devem ser feitas. Os conceitos também deve- rão ser analisados com base nas nossas aspirações, naquilo que a humanidade quer para os seus dias futuros. Certamente queremos o resgate dos valores éticos, queremos a vida de condutas corretas e um mundo de respeito e cidadania. É interessante refletir acerca do comportamento humano, quando muitos apontam criminosos do campo da política, do meio ambiente, da área econômica. Culpa-se o outro pela conduta vergo- nhosa, quando se sabe que pouco se faz para erradicar o crime. A covardia para a realização de soluções eficazes também pode ser considerada uma vergonha. O problema é global. A infância e a juventude, cada qual ao modo mais adequado, devem ser conscientizadas da forma mais ampla possível, acerca dos conceitos de moral, ética, princípios e valores. 3 Erário: o tesouro público, ou seja, o conjunto de bens ou valores pertencentes ao Estado. 20 | Moral e princípios éticos Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br A compreensão deve ser tal, que possa refletir imediatamente na nossa realidade, no momento atual, para que haja tempo de corrigir e reconsiderar. Não se pode esquecer também que somente ensinar a moral e a ética nas escolas não é suficiente, pois os mais jovens aprendem através da experiência e do exemplo dos mais velhos. Assim, devemos exercer a sabedoria, a felicidade, a coragem, a temperança e a justiça em nosso dia a dia; lembrando que se agirmos com respeito para com os outros, temos o direi- to de também sermos respeitados. Ampliando conhecimentos Leitura do livro de Aristóteles :::: Ética a Nicômaco. É de fácil leitura e uma boa iniciação para es- tudar Filosofia. Leitura do livro :::: Ética, de Adolfo Sánchez Vázquez. Atividades 1. Qual é a diferença entre ética e moral? 2. Cite no mínimo três virtudes, apontando seus excessos e suas deficiências, respectivamente. 21|Moral e princípios éticos Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 105 Psicologia: Teoria e Pesquisa 2010, Vol. n. , pp. 105-114 Moral e Ética: Uma Leitura Psicológica Yves de La Taille1 Universidade de São Paulo RESUMO - Após um século de reflexões e investigações, como era de se esperar, a Psicologia Moral apresenta sinais de esgotamento de seus referenciais teóricos clássicos. Consequentemente, novas perspectivas se abrem, entre elas a abordagem teórica que leva o nome de ‘personalidade ética’, cuja tese é: para compreendermos os comportamentos morais (deveres) dos indivíduos, precisamos conhecer a perspectiva ética (vida boa) adotadas por eles. Entre os invariantes psicológicos de realização de uma ‘vida boa’, está a necessidade de ‘expansão de si próprio’. Como tal expansão implica ter ‘representações de si’ de valor positivo, entre elas poderão estar aquelas relacionadas à moral. Se estiverem, o sujeito experimentará o sentimento de dever, do contrário, a motivação para a ação moral será inexistente ou fraca. Palavras-chave: Psicologia Moral; moral; ética; personalidade ética; representações de si. Moral and Ethic: A Psychological Reading ABSTRACT - After nearly a century of reflections and investigations, as it would be expected, the classical theoretical referentials of Moral Psychology show signs of exhaustion. Consequently, new perspectives open up, including the theoretical approach that takes the name of ‘ethic personality’, whose thesis is: to understand the moral behavior (duties) of individuals, one needs to know the ethical perspective (good life) adopted by them. Among the psychological invariants to hold a ‘good life’ is the need for ‘expansion of the self’. Such expansion involves positive ‘self representations’, among of which may be those related to morality. If so, the subject will experience the feeling of duty, otherwise, the motivation for moral action will be weak or non-existent. Keywords: Moral Psychology; morality; ethics; ethical personality; self’s representations.26 especial 1 Endereço para correspondência: Via das Acácias, 731. Jardim Colibri. Embu, SP. CEP 06805330. E.mail: ytaille@usp.br. No começo do século XX, em 1902 exatamente, Lévy- Bruhl, para quem “uma moral, mesmo quando quer ser teórica, é sempre normativa, e, justamente porque é nor- mativa, nunca é realmente teórica” (1971, p. 12), propunha que a moralidade fosse finalmente tema de investigações científicas, notadamente psicológicas. O seu conselho foi seguido e, assim como na Filosofia, praticamente todos os grandes autores na área da Psicologia se debruçaram sobre o tema da moral. Os construtores de grandes ‘teorias do su- jeito’, como Freud, Piaget e Skinner, para citar apenas três, dedicaram-se a pensar a moralidade por intermédio de suas respectivas abordagens teóricas. Todavia, os três autores citados o fizeram de maneira, por assim dizer, ocasional. Com efeito, a moral não é o tema central da psicanálise, nem o é do construtivismo piagetiano, e tampouco do behavio- rismo skinneriano. Seria preciso esperar a segunda metade do século passado para que a chamada Psicologia Moral se tornasse campo preciso e consagrado de estudo, notadamente graças às já clássicas contribuições de Lawrence Kohlberg. Como o psicólogo americano inspirou-se no livro pioneiro de Jean Piaget, Le jugement moral chez l’enfant, publicado pela primeira vez em 1932, pode-se dizer que a linha mestra que orientou grande quantidade de estudos e pesquisas foi tributária das ideias do criador da Epistemologia Genética. Note-se que, no Brasil, a área da Psicologia Moral foi desen- volvida por vários pesquisadores, como o atesta a existência, desde o início da década de 1990, de um grupo de trabalho da Associação Nacional de Pesquisa em Psicologia (ANPEPP) dedicado ao tema. No final do século XX, assiste-se, como era de se esperar, a certo esgotamento do referido modelo teórico, que costuma responder pelo nome de construtivismo, não que ele se mos- trasse ‘errado’ (tantos dados comprovaram sua relevância), mas porque não somente não oferecia grandes perspectivas de novos e relevantes achados empíricos e teóricos, como, centrado no aspecto racional da moralidade, relegava a uma zona obscura os motivos humanos da ação moral (que não se reduz ao juízo moral, embora dele indissociável). Novas perspectivas, então, foram encetadas. Como o presente texto não se pretende ‘didático’, logo não pretende contar a história passada e recente da Psicolo- gia Moral, nele será tratada uma dessas novas perspectivas por intermédio de conceitos e propostas teóricas que foram elaboradas durante a década de 1990 e os 10 primeiros anos do presente século. A tese psicológica que vamos aqui analisar pode ser as- sim enunciada: para compreendermos os comportamentos morais dos indivíduos precisamos conhecer a perspectiva ética que estes adotam. Tal afirmação, é claro, pressupõe uma diferença de senti- do entre os conceitos de moral e de ética. Vamos, portanto, começar por explicitar a diferença de sentido assumida para, em seguida, nos debruçarmos sobre a tese acima apresentada. 106 Psic.: Teor. e Pesq., Brasília, 2010, Vol. 26 n. especial, pp. 105-114 Y. La Taille O Plano Moral A Psicologia trabalha com fatos. Vamos, então, nos perguntar se a definição que Kant (1994) propõe da moral corresponde a uma possível realidade psíquica. Como se sabe, para o filósofo de Königsberg, somente é moral a ação inspirada por um imperativo categórico, portanto, oriunda de um dever incondicional. Logo, para Kant, a moral ordena: o sujeito moral sente-se intimamente obrigado a agir segundo determinadas regras. Sua ação é, para ele, necessária, e não apenas possível ou provável, e isto porque o bem moral é um bem em si. Não nos interessa, por enquanto, discutir o conteúdo da moral assim definida. O que nos interessa é saber se, sim ou não, tal sentimento de obrigatoriedade corresponde a um fato psicológico, pelo menos em alguns indivíduos. Se a resposta for afirmativa, seremos obrigados a reconhecer que existe um plano moral possível na psique humana (empregamos o conceito de plano moral para sepa- rar forma de conteúdo: tal plano é o lugar do sentimento de obrigatoriedade, seja qual for a regra contemplada - a moral é sempre uma determinada moral, portanto, comprometida com determinados valores, princípios e regras). Ora, a resposta à nossa pergunta certamente é afirmativa. É, pelo menos, o que a experiência leva a pensar, e é também o que autores dedicados ao tema que nos interessa assumem. Vejamos alguns exemplos, começando por dois filósofos. Tugendhat (1998), ao perguntar-se que critérios intervêm para que um juízo seja concebido como moral, analisa os sentidos das palavras ‘bom’ e ‘dever’. Eis a sua conclusão: “Todas as proposições que comportam – seja de maneira explícita ou implícita – a expressão gramaticalmente abso- luta de um dever prático ou de um valor (‘bom’ ou ‘mau’) expressam, nesse sentido, juízos morais” (p. 31). A referência ao absoluto, que se encontra nas falas usuais dos indivíduos, corresponde ao que estamos chamando de plano moral, e a linguagem expressa a existência psicológica de tal plano. Dupréel (1967), pesquisador de formação filosófica e que se propôs a escrever um Traité de Morale, no qual analisa as dimensões sociológicas e psicológicas da moral, também vê na definição kantiana um aspecto incontornável da reali- dade psicológica. Escreve ele: “O puro respeito pela regra, eis o fato decisivo; e por pouco frequente ou limitado que seja este estado de consciência, é isto que importa à ciência explicar” (p. 164). Na área da Sociologia, Durkheim (1974), preocupado em demonstrar a viabilidade de uma educação moral laica, aceita a definição de Kant, que ele traduz por “agir bem é obedecer bem” (p. 21), e encontra no sentimento do sagra- do a explicação psicológica da existência do sentimento de obrigatoriedade. Para o sociólogo francês, o plano moral corresponde a uma realidade humana, realidade esta durante séculos despertada pela religião, mas também passível de ser ocupada pelos mandamentos do Ser Coletivo. Na área da Psicologia, Freud (1991) não hesitou em afirmar que o superego “se manifesta enquanto imperativo categórico” (p. 278). Sabe-se que a força superegóica tem, para Freud, sua origem em esferas inconscientes: logo, sua referência à terminologia kantiana não o compromete com a existência de um ‘tribunal da razão’, para empregar uma feliz expressão de Deleuze (2004). Mas que há um ‘tribunal’, há – aliás tão implacável quanto aquele imaginado por Kant – e cabe à Psicologia explicar o lugar e a origem dessa voz da consciência que coage o homem a agir de determinadas formas, e não de outras. Mais perto da hipótese de um tribunal da razão está Piaget (1932), para quem a moral da cooperação implica a presença de um sentimento incontornável de dever. Para ele, “tal tese só é chocante para os que permanecem incapazes de experimentar em si próprios esta obrigação superior e puramente imanente que constitui a necessidade racional” (p. 298). Em suma, é perfeitamente legítimo afirmar a existência de um sentimento de obrigatoriedade, e explicar tal exis- tência é um desafio para a Psicologia. Antes de passarmos a refletir sobre os possíveis conteúdos desse plano moral e as fontes energéticas de sua força psicológica, façamos dois comentários. O primeiro: o sentimento de obrigatoriedade (ou dever) experimentado por um sujeito não corresponde sempre e necessariamente a uma exigibilidade social. Essa correspon- dência pode acontecer: por exemplo, quando alguém pauta suas ações pela regra ‘não matar’ e vive numa sociedade na qual o matar é moralmente proibido. Há, por assim dizer, uma dupla exigência: uma pessoal (o imperativo categórico) e outra social (castiga-se e/ou se desprezao assassino). Po- rém, tal correspondência pode não existir, como no caso de uma pessoa para a qual ser caridoso traduz um dever, mesmo vivendo numa sociedade na qual não há regra que vise obrigar a todos fazerem ‘dom de si’. Em geral, a obediência às regras que dizem respeito à justiça costuma ser socialmente exigida, enquanto a obediência àquelas que tratam de benevolência, não. Mas o que importa sublinhar aqui é que o sentimento de obrigatoriedade poder ser experimentado sem que haja exigibilidade social do comportamento decorrente. O segundo comentário incide sobre a frequência, na população e no próprio indivíduo, do referido sentimento. Comecemos pelo aspecto populacional: a maioria dos ho- mens sente-se movida por essa força interna chamada dever? Ou são poucos aqueles que experimentam tal ‘obrigação superior’? É evidentemente impossível responder estatistica- mente a essa indagação, mas o bom senso costuma fazer com que nos inclinemos pela raridade do fenômeno. Daí, aliás, a admiração comumente despertada pelas pessoas capazes de sacrifícios em nome de ideais morais. Os estudiosos da moralidade também costumam mostrar-se prudentes na hora de generalizar a um grande número de indivíduos a capaci- dade de serem inspirados por deveres. A citação de Dupréel (1967), transcrita acima, o atesta claramente. Freud (1971) também expressa seu pessimismo moral dizendo que em numerosos adultos, o medo da punição, e não o sentimento do dever, explica a correção de seus atos. Assim, escreve ele, “esses adultos permitem-se cometer um mal suscetível de lhes proporcionar prazer somente com a garantia de que a autoridade nunca de nada saberá ou nada poderá lhes fazer; apenas o medo de serem descobertos determina sua angústia” (p. 81). O próprio Piaget (1977), certamente mais confiante nas virtudes da humanidade do que seu colega psicanalista, admite que a enorme coerção exercida pela sociedade no que tange aos termas morais impede que a maioria aceda à autonomia moral. Ora, em fase de heteronomia, segundo ele, o sentimento do dever ainda é fraco, pois exterior à cons- 107Psic.: Teor. e Pesq., Brasília, 2010, Vol. 26 n. especial, pp. 105-114 Moral e Ética ciência. Assim, vemos que Dupréel, Freud e Piaget pensam ser rara a determinação das ações humanas por imperativos categóricos. Lipovetsky (1992) tem a mesma opinião, mas por motivos de ordem cultural. Segundo ele, vivemos tempos de crepúsculo do dever, nos quais “cessamos de reconhecer a obrigação de nos apegar a outra coisa que não seja nós mes- mos” (p. 15). A rarefação do sentimento de obrigatoriedade não seria devida, portanto, a fraquezas de caráter que, em todas as épocas, minam a força moral da maioria dos homens, mas sim a uma nova ordem social individualista que mais valoriza o prazer que o dever. A sociedade pós-moderna seria também a sociedade pós-moralista. O livro de Lipovetsky é instigante, repleto de exemplos e análises importantes, todavia, não pensamos que as ciências humanas possam alegremente abandonar o tema da moralidade, nem que seja porque muitos contemporâneos sentem os efeitos do suposto pós-moralismo como dolorosos e inquietantes para o futuro da sociedade ocidental. Huntington (1999), em seu polêmico livro sobre o ‘choque das civilizações’ atesta tal mal-estar. Raro? Talvez. Em franca regressão? Talvez. Resta que o sentimento de obrigatoriedade é tema humano incontornável. Mais interessante do que indagarmos sobre a frequência do sentimento de obrigatoriedade entre os seres humanos é nos perguntarmos sobre essa mesma frequência em cada indivíduo. O herói moral, o santo, é aquela pessoa cuja voz da consciência sempre fala mais alto do que as outras. Ela desconhece fraquezas que a fariam desviar-se do claro cami- nho do dever. Esta é a exceção, não a regra. O mais comum é o homem ‘cair em tentação’, como se diz no âmbito cristão, às vezes tornar-se surdo à voz de sua consciência moral. Longe de comprometer a validade do tema que nos ocupa, tal fenômeno o torna ainda mais interessante, pois ele nos mostra que devemos pensá-lo no âmbito do conflito pessoal. Em algum lugar, Wallon disse que os ‘eclipses’ permitem melhor estudar os fenômenos momentaneamente invisíveis. O fato de às vezes acontecerem ‘eclipses’ do sentimento de dever pode nos ajudar a melhor compreender as dimensões psicológicas que o tornam possível. Voltaremos a elas. Para finalizarmos nossa análise do plano moral, falta- nos perguntar se tal plano implica determinados conteúdos (uma determinada moral) e que fontes energéticas alimen- tam o sentimento do dever. Interessantemente, essas duas questões, na verdade distintas, mostram-se relacionadas nas teorias psicológicas. Encontramos o seguinte: as teorias que identificam uma fonte energética para o dever apontam para uma relativização do conteúdo da moral, e as teorias que postulam que uma determinada moral tende a impor- se à consciência deixam em aberto a dimensão energética. Durkheim e Freud são representantes das primeiras; Piaget e Kohlberg, das segundas. Vejamos como esse quadro se apresenta, começando por pensar a questão do conteúdo que pode ocupar o plano moral. Tugendhat (1998) afirma que “um conceito de moral que não permitiria manter a possibilidade de uma pluralidade de concepções morais é hoje inaceitável” (p. 49). Estará o filósofo defendendo o chamado ‘relativismo moral’? Existem dois tipos de relativismo moral, um que podemos chamar de axiológico, outro de antropológico. O relativismo axiológico implica pensar que todos e quaisquer valores morais assumidos por diversas culturas ou pessoas (e as regras de conduta decorrentes) equivalem-se, sendo impossível estabelecer uma hierarquia entre eles ou considerar alguns como imorais. Por exemplo, o relativista moral, embora não pratique, ele mesmo, excisão genital em meninas, considerará como válido que algumas pessoas o façam em nome de preceitos religiosos. Em tal relativismo, a tolerância é máxima. O relativismo moral levanta graves questões, tanto morais quanto psicológicas. Do ponto de vista moral, essa tolerância ilimitada destrói a si mesma. Como escreve Spaemann (1994): “A tolerância não é, de forma alguma, a decorrência natural do relativismo moral, como é frequentemente afirmado. A tolerância tem seu fundamento numa convicção moral bem determinada, uma convicção para a qual exige-se universalidade” (p. 23). Essa mesma universalidade coloca em cheque a possibilidade do relativis- mo moral do ponto de vista psicológico: como pode alguém, realmente convicto de que mutilar alguém é moralmente errado, aceitar, sem maiores problemas de consciência, que se mutilem pessoas seja lá em que lugar do mundo for? Faltar- lhe-ia experimentar o sentimento de indignação, inseparável do sentimento de obrigatoriedade. O relativismo antropológico é de outra espécie: não consiste em afirmar que todas as opções morais se valem, mas que, de fato existem. Por exemplo, aqui, matar o ímpio é proibido, lá é um dever; aqui, manter relações sexuais fora do casamento é permitido, acolá é terminantemente proibido etc. É nesse sentido que Tugendhat (1998) nos fala em plura- lidade de concepções morais. Porém, não acreditamos que ele sugere uma total dispersão dos deveres. Se formos analisar os diversos sistemas morais conhecidos, verificaremos que as virtudes justiça e benevolência estão sempre presentes. Mas o fato é que essa presença recebe interpretações bastante diversas e até contraditórias. Terroristas islâmicos matam em nome da justiça (divina), militantes dos direitos humanos condenam a pena de morte, também em nome da justiça. Em suma, parece que, de fato, o plano moral pode ser ocupado por uma variedade de conteúdos. Mas tudo ainda não está dito a respeito do relativismo moral antropológico. Os leitores de Piaget e Kohlberg hão de lembrar que para esses dois autores, há um desenvolvimento moral cujo vetor leva a uma determinada moral. ParaPiaget (1932), o gênese individual da moralidade parte da anomia, passa pela heteronomia e chega à autonomia. Mas o que é, para Piaget, a moral autônoma? É, entre outras coisas, uma moral da igualdade, da reciprocidade, do respeito mútuo. Logo, se ele tiver razão, o indivíduo moralmente autônomo não poderá legitimar deveres contraditórios com tais critérios. Dito de outra maneira, ao final da gênese da moralidade, o plano moral seria ocupado por uma determinada moral e não qualquer uma. Essa tese foi retomada e sofisticada por Kohlberg (1981). Para ele, o vetor do desenvolvimento moral leva ao ideal de justiça pela equidade, à perspectiva da reciprocidade universal, ao imperativo categórico kantia- no que reza que devemos sempre tratar a humanidade, na nossa própria pessoa e na pessoa de outrem, como um fim em si e não apenas como meio. Portanto, tanto em Piaget como em Kohlberg, há a recusa do relativismo moral an- tropológico, uma vez que o desenvolvimento moral segue, para toda e qualquer pessoa, uma direção precisa. Todavia, é preciso sublinhar que a negação do relativismo moral é 108 Psic.: Teor. e Pesq., Brasília, 2010, Vol. 26 n. especial, pp. 105-114 Y. La Taille apenas parcial, e isto por um motivo bem simples: ambos os autores reconhecem que, no caminho para a autonomia ou reciprocidade universal, há os estágios da moral heterônoma, aqueles durante os quais os indivíduos legitimam os valores e normas impostas pela cultura na qual vivem. Portanto, não é contraditório com essa abordagem teórica afirmar que há pluralidade de concepções morais. Seu provir será deixarem o lugar à moral da reciprocidade, mas enquanto isto não acontece (seja no nível do indivíduo, seja no nível da cultura), prevalecem as outras. Aliás, note-se que as pes- quisas de Kohlberg mostram que poucos são os indivíduos que chegam ao estágio da moral pós-convencional, a maioria ficando na moral convencional, justamente aquela que pensa a moral como garantia de estabilidade social (e não como inspiração para uma sociedade melhor, como pensam aqueles no estágio ulterior). Voltemos agora ao que assinalamos acima: nas aborda- gens de Piaget e Kohlberg, há uma tese psicológica a respeito do conteúdo da moral. Eles não falam de ‘qualquer moral’ pois pensam que os processos psicológicos de desenvol- vimento inevitavelmente trazem ao plano moral deveres inspirados pela reciprocidade. Em compensação, eles pouco ou nada nos dizem no que tange ao aspecto energético da ação. Essa constatação não equivale a uma crítica: o objetivo das investigações desses dois grandes autores foi o de obser- var e analisar a dimensão racional da moralidade, não sua dimensão afetiva. O conjunto de dados que tal abordagem construtivista reuniu é considerável e nenhum pesquisador in- teressado em moral pode, sem mais, descartá-lo e interpretar como quimera a afirmação de que o desenvolvimento da razão tem influência sobre as escolhas de que moral adotar. Todavia, o fato é que esse construtivismo deixa em aberto a dimensão energética, questão esta que pode ser assim formulada: os indivíduos sempre se comportam de maneira coerente com o que julgam ser o moralmente correto? O que está em jogo é a relação juízo/ação, logo a relação saber/querer (a ação moral, como toda ação, pressupõe um querer agir). Piaget estava consciente desse embate, tanto que redigiu um avertissement à guisa de introdução de seu livro de 1932, no qual, na primeira linha, já avisa o leitor que “é o juízo moral que nos propomos a estudar, e não as condutas ou os sentimentos morais”. Kohlberg (1981) sempre também frisou que o desenvolvimento do juízo moral é condição necessária, mas não suficiente para explicar as ações humanas. É claro que ele pressupunha a existência de uma correlação entre nível de desenvolvimento moral e ação morais. Todavia, as pesquisas não confirmaram totalmente tal fenômeno: ele às vezes é observado, outras vezes não (ver Biaggio, 2002; Blasi,1995; Colby & Damon, 1993). Em suma, a despeito de sua riqueza conceitual, a perspectiva construtivista de Piaget e Kohlberg fica devendo uma explicação para a ação moral que leve em conta a relação entre juízo e volição. Mas, por que não buscar essa explicação em outras teorias que, justamente, enfrentaram essa questão? Pode-se fazê-lo, é claro, mas não para complementar a abordagem construti- vista! Como o assinalamos acima, as teorias que contemplam a dimensão do querer agir moral nos descrevem um sujeito moralmente heterônomo e um plano moral aberto a todo e qualquer sistema moral. É o caso da teoria de Durkheim: é moral o que a sociedade, este ‘Ser Coletivo’, decidir que é, e a ação moral de cada indivíduo é inspirada por um sentimento do sagrado experimentado por fontes de autoridade. Também é o caso da teoria psicanalítica: é moral o que a sociedade impõe como tal através das figuras parentais, e a ação moral é comandada por uma esfera inconsciente que se instalou na psique humana por um duplo processo de renúncia e repressão. O que há de comum entre Durkheim e Freud é a hipótese de que a moral instala-se em cada indivíduo por um processo de interiorização, uma pressão social (a abordagem behaviorista tem a mesma hipótese) que molda o indivíduo. Ora, essa hipótese é diametralmente oposta àquela cons- trutivista que pressupõe uma atividade criadora do sujeito. Em resumo, se ficarmos com as teorias psicológicas clássicas da motivação para a ação moral, devemos assumir o relativismo moral e a heteronomia básica de cada indivíduo; e se ficarmos com as teorias do juízo moral, reconhecemos a realidade da autonomia e da progressiva unidade da moral, mas nos privamos de um entendimento do querer agir. Tudo se passa como se o estudo da dimensão afetiva implicasse o relativismo e a heteronomia morais, e aquele da dimensão cognitiva implicasse um ser afetivamente misterioso. Kant (1994) parece ter tido razão ao afirmar o inevitável divórcio entre autonomia moral e sensibilidade. Porém, não pode ficar paralisado nem intimidado o estudioso da moral convencido da realidade da autonomia moral e da necessidade de identificar as raízes afetivas da ação moral. Talvez possamos achar novas pistas teóricas no campo da ética. O Plano Ético Comumente, as palavras ‘moral’ e ‘ética’ são emprega- das como sinônimas. Por exemplo, diz-se de uma pessoa que ‘ela não tem ética’ para criticar seus comportamentos e atitudes; poder-se-ia muito bem chamá-la ‘imoral’. Quando se fala em ‘problemas éticos’, costuma-se fazer referência a questões atinentes aos deveres, portanto, ao plano moral. Em uma palavra, emprega-se, na maioria das vezes, ética como sinônimo de moral. Note-se que tal sinonímia é perfeitamen- te aceitável do ponto de vista acadêmico, e alguns autores empregam um ou outro conceito indistintamente. Vejamos definições de dicionário para nos convencermos da legiti- midade dessa sinonímia. O Dicionário Houaiss (2001), por exemplo, traz como uma das definições de moral “conjunto de regras, preceitos, etc. característicos de um determinado grupo social que os estabelece e defende” (p. 1958). Para a ética, o referido dicionário coloca: “conjunto de regras e preceitos de ordem valorativa e moral de um indivíduo, de um grupo social ou de uma sociedade” (p. 1270). Outros dicionários também atestam a sinonímia. Há de se notar que, hoje em dia, assistimos a uma valorização da palavra ‘ética’ em detrimento da palavra ‘moral’. Eis a avaliação crítica que Spitz (1995) faz dessa preferência: “Esse termo (ética), que tomou uma importância cada vez maior, veio para aliviar o inextricável embaraço daqueles que desejariam falar em moral sem ousar pronunciar esta palavra” (p. 149). Eis um diagnóstico convincente! Todavia, há possibilidades de estabelecer, por con- venção, diferenças entre ‘moral’e ‘ética’. As duas mais 109Psic.: Teor. e Pesq., Brasília, 2010, Vol. 26 n. especial, pp. 105-114 Moral e Ética frequentes e consagradas mantêm os dois termos como refe- rência a deveres. A primeira dessas possibilidades consiste em reservar a palavra ‘ética’ a deveres de ordem pública. É o caso de expressões como ‘ética da política’, ‘ ética da empresa’, ‘código de ética’ (de determinadas profissões), ou ainda ‘comitê de ética para pesquisa com seres humanos’. Está claro que em todos esses exemplos, o que está em jogo é um conjunto de princípios e regras que visam estabelecer obrigações por parte das pessoas contempladas. Ética na política nos remete, entre outros conteúdos, ao preceito da honestidade (não enganar o eleitor, não apoderar-se de bens públicos, não fazer tráfico de influências etc.): tal ética, portanto, exige comportamento moral. Os diversos códigos de ética trazem normas que devem, de maneira obrigatória, reger as atividades dos profissionais, normas cujas raízes encontram-se na moral legitimada pela sociedade. Mesma coisa pode-se dizer da atualmente muito em voga ‘ética da empresa’: trata-se de normatizar condutas (respeitar o cliente, por exemplo). Finalmente, os comitês de ética na pesquisa com seres humanos visam a regulamentar as ati- vidades de investigação para garantir o bem-estar físico e psicológico dos sujeitos que se submetem a procedimentos de investigação científica. Além de sua referência a deveres, o que há em comum nas expressões analisadas é o fato de referirem-se a ações que dizem respeito ao espaço público (não faria muito sentido em se falar em ‘ética familiar’). Uma segunda possibilidade de diferenciar ética de moral é reservar a primeira para os estudos científicos e filosóficos do fenômeno moral. É esta, aliás, a diferenciação mais em- pregada no meio acadêmico. Kant (1994), um dos primeiros a colocar ordem nos conceitos de moral e ética, propõe que se defina ética como a ciência das leis da liberdade (a física seria a ciência das leis da natureza). Outros autores, como o já citado Tugendhat (1998), definem ética de forma semelhante: reflexão filosófica sobre a moral. Mas, como já dito, a reflexão pode ser de ordem científica, como a busca empírica de dados para explicar o fenômeno moral, como o fizeram autores como Lévy-Bruhl (1971), Durkheim (1974), Freud (1991), Piaget (1932) e tantos outros. Mesmo aceita essa diferença de sentido, verifica-se que se permanece no campo do dever, da obrigatoriedade, portanto, permanece-se no que chamamos de plano moral: apenas o nível de abstração faz a diferença entre os dois termos. Todavia, há outra possibilidade de diferenciar-se ética de moral, que rompe claramente com a sinonímia. Leiamos a proposta de Paul Ricoeur (1990), a qual faremos nossa: “É por convenção que reservarei o termo ética para a busca (visée) de uma vida realizada (accomplie) e o de moral para a articulação dessa busca com normas caracterizadas ao mesmo tempo pela pretensão à universalidade e por um efeito de coação” (p. 200). Vemos que Ricoeur (1990) define moral como o fizemos até agora. Todavia, reserva o termo ética para outro plano: o da definição e busca do que seja uma ‘vida realizada’, ou, em termos filosóficos clássicos, uma ‘vida boa’ ou ‘feliz’. Outros autores contemporâneos fazem distinção semelhante entre moral e ética. Citemos dois, começando por Bernard Williams, que inicia seu livro L’Ethique et les Limites de la Philosophie (1990) afirmando que “o objetivo da filosofia moral e a esperança de que ela possa merecer atenção estão relacionados ao destino dado à questão de Sócrates (de que maneira viver?)” (p. 7). Williams (1990) reserva o concei- to de ética para essa ampla questão, e o de moral para os deveres que intimamente nos coagem. Comte-Sponville faz eco aos dois autores citados ao escrever que “a moral responde à questão ‘que devo fazer?’, e a ética, à questão “como viver?’ (Comte-Sponville, em Comte-Sponville & Ferry, 1998, p. 214). Como dito acima, seguiremos os autores que acabamos de citar e diferenciaremos, portanto, o plano ético referente ao tema da ‘vida boa’ e o plano moral, ao tema dos deveres para com outrem e para consigo mesmo. Falamos em plano ético para diferenciar forma e conteúdo. Com efeito, as respostas ao que seja uma ‘vida boa’ podem variar, logo, há variadas éticas, como há diversas morais. Isso posto, devemos lembrar que a questão da vida boa não é nova, que ela preocupa os filósofos desde a antigui- dade, e que as respostas dadas costumam responder pelo nome de eudemonismo (teoria da felicidade como bem para o homem). Dizemos que costumam ser chamadas de eudemonismo porque, como apontado por Dupréel (1967), há divergências a respeito de que propostas merecem, de fato, o nome de eudemonismo. Esse autor opta por reservar o referido conceito para as propostas que pressupõem que cada homem sabe muito em que consiste sua felicidade, cabendo à filosofia elaborar as técnicas para conquistá-la. É, por exemplo, o caso do utilitarismo de Mill (1988), para quem a felicidade consiste em “prazer e ausência de dor” (p. 48), e que discute regras de prudência para buscar o prazer e evitar a dor. A outras propostas, que visam a ensinar ao homem o que é a felicidade, Dupréel dá o nome de teorias idealistas. É o caso, por exemplo, de Aristote (1965), cuja ética implica que a felicidade depende da elevação do homem por intermédio do cultivo das virtudes. Mas deixemos as polêmicas a respeito de que nome merecem os diversos sistemas que se debruçaram sobre a felicidade, pois o que nos interessa aqui é sublinhar o fato de a reflexão sobre a ‘vida boa’ – seja ela intuitivamente conhecida ou, pelo contrário, revelada pelos sábios – ser tema recorrente da chamada filosofia moral. Aliás, pode-se dizer que esse tema tem sido muito mais trabalhado que o do dever – que somente ganha realce filosófico a partir de Kant, embora tenha sido questão central das religiões de origem judaica2. E é grande a variedade e riqueza de temas humanos tratados em nome do que estamos chamando de plano ético: a harmonia do universo e sua relação com o homem, a natureza humana, o papel do conhecimento no alcance da felicidade, as mazelas e virtudes das paixões, o egoísmo e o altruísmo, a convergência social de interesses, a evolução histórica e o porvir do homem etc., e, também, a justiça, a benevolência, a coragem, a fidelidade, ou seja, um conjunto de virtudes que também interessam à reflexão moral. Podemos, então, dizer que a tese anunciada no início do presente texto – a saber, que para compreendermos os comportamentos morais dos indivíduos precisamos conhecer a perspectiva ética que estes adotam – já foi defendida por 2 Note-se que a moral de Kant propõe deveres coerentes com o ‘amor universal’ cristão, só que fundamentados na razão e não na fé e obedi- ência a Deus. 110 Psic.: Teor. e Pesq., Brasília, 2010, Vol. 26 n. especial, pp. 105-114 Y. La Taille diversos sistemas filosóficos? A resposta a essa pergunta é, cremos, negativa. Seria talvez melhor dizer que é em parte negativa. Expliquemo-lo, lembrando que fizemos uma dife- renciação entre moral (conteúdo) e plano moral (forma). É fato que os diversos sistemas que evocam, de uma maneira ou de outra, a questão da ‘vida boa’, trazem-nos conteúdos morais sob forma de virtudes (justiça, generosidade etc.); porém, eles não as tratam como obrigatórias, mas sim como desejáveis. Ora, o plano moral implica o sentimento de obrigatoriedade. Portanto, se temos no epicurismo, no estoi- cismo, no utilitarismo, e em outras reflexões éticas, análises precisas de conteúdos morais, falta-nos a articulação entre a busca da felicidade e o dever, ou seja, a articulação entre o que chamamos de plano ético e plano moral. Edevemos, sem dúvidas, a Kant o equacionamento preciso das enormes dificuldades de estabelecer tal articulação. Dos argumentos kantianos podemos lembrar dois, a nosso ver, incontornáveis. O primeiro: a variedade de respostas possíveis ao que seja a felicidade. Escreve Kant (1994): “Embora o conceito de felicidade sirva em todos os casos de base para a relação prática dos objetos da faculda- de de desejar, ele é apenas o título geral dos princípios sub- jetivos de determinação e nada determina especificamente ...” (p. 24). O segundo: a busca da felicidade é determinada pela sensibilidade, logo por algo sobre o qual o homem não tem domínio, em relação ao qual, portanto, é heterônomo. Ora, a responsabilidade moral implica a autonomia. Em suma, para Kant (1990), a moral “é uma ciência que ensina não a maneira pela qual nós devemos nos tornar felizes, mas aquela pela qual devemos nos tornar dignos da feli- cidade” (p. 15, sublinhado por nós). Essa última definição de moral, rica e precisa, mostra o quanto os planos moral e ético não se articulam facilmente. Todavia, a referência à ‘dignidade’ fornece-nos uma pista de como estabelecer essa articulação. Por enquanto, o leitor poderá pensar que, se aceitamos as críticas de Kant a respeito da dificuldade de fazer do eude- monismo uma ciência moral, estamos, a priori, discordando de nossa própria tese segundo a qual os plano moral e ético devem ser pensados conjuntamente para explicarmos os comportamentos morais dos homens. A esse reparo respon- deríamos o seguinte: se a definição kantiana de dever (impe- rativo categórico) corresponde a uma realidade psicológica, a referência exclusiva à Razão não explica o fenômeno. Com efeito, vimos que as teorias psicológicas de inspiração kantia- na (Piaget e Kohlberg) deixam-nos, teórica e empiricamente, órfãos de uma explicação energética da ação. É, digamos, o seu ‘calcanhar de Aquiles’. Aliás, note-se que vários moralis- tas contemporâneos apontam essa lacuna do sistema kantiano (ver, entre outros, MacIntyre, 1997; Taylor, 1998; Tugendhat, 1998). E vimos também a impossibilidade de articular essas teorias psicológicas racionalistas com aquelas que contem- plam as motivações das ações (Durkheim e Freud), pois essas últimas levam ao relativismo moral (variadas podem ser as inspirações do sentimento do sagrado e os mandamentos do superego). Portanto, um mistério psicológico ainda persiste, pelo menos para aqueles que aceitam, com Piaget e Kohlberg, um vetor no desenvolvimento moral e a progressiva conquista da autonomia. É esse mistério que queremos ajudar, se não a desvendar, pelo menos a melhor situar. Antes de encetarmos essa busca, finalizemos o item de- dicado ao plano ético observando duas coisas. A primeira: praticamente nada se encontra em psicologia a respeito do plano ético. Talvez pudesse ser feita uma comparação entre as teorias utilitaristas e a psicanálise, uma vez que ambas as abordagens dão ênfase à importância do prazer e da dor para explicar as ações humanas. Todavia, essa comparação certamente não será fácil porque a hipótese do inconsciente equivale a um verdadeiro abismo separando ambas. A se- gunda coisa que queremos frisar é o fato de o tema da ‘vida boa’ ou ‘felicidade’ ter voltado a ser objeto de publicações recentes. Exemplos: na França, Ferry (2002) acaba de pu- blicar um livro de filosofia intitulado Qu’est-ce qu’une vie réussie?; no Brasil, Giannetti (2002) publicou diálogos sobre a Felicidade; aqui e ali são republicados antigos livros sobre o tema como o de Bertrand Russel (1962), intitulado, em francês, La conquête du bonheur; estão novamente em voga as virtudes, como o atesta o sucesso de venda dos livros de Bennett (1995) e também do Dalai Lama (1999); lembremos também os inúmeros textos de auto-ajuda, cujo triste sucesso reflete um desconforto existencial. Em suma, parece-nos que a inquietação ética está na ordem do dia. A nosso ver é bom que assim seja, pois as reflexões sobre a vida boa são sempre necessárias por incidirem sobre o sentido da vida. Camus (1973), na introdução de seu Mito de Sísifo, afirma que “somente há um problema filosófico realmente sério: o suicídio. Julgar que a vida vale ou não a pena de ser vivida é responder à questão fundamental da filosofia” (p. 15). Inte- ressante lembrar que Camus era um moralista e que, para ele, a busca de sentido para a vida não era estranha às questões morais, como o atesta seu romance L’Etranger. Moral e Ética: Personalidade Ética Aceitas as definições de plano moral e plano ético, a pergunta que imediatamente surge é a de saber se um deles engloba ou determina o outro. Para Comte-Sponville (em Comte-Sponville & Ferry, 1998), “a moral está dentro da ética (responder à pergunta ‘como viver?’ é, entre outras coisas, perguntar-se que lugar reservar aos deveres), bem mais do que a ética está dentro da moral (responder à pergunta ‘que devo fazer?’, ainda não permite saber como viver e nem mesmo – uma vez que a vida não é, aos meus olhos, um dever – se é preciso viver)” (p. 214)3. Ricoeur (1990) apresenta uma posi- ção, por assim dizer, intermediária, ao estabelecer “a primazia da ética sobre a moral, a necessidade para a perspectiva ética de passar pelo crivo da norma (moral), e a legitimidade de um recurso da norma à perspectiva (ética) quando a norma conduz a impasses práticos” (p. 200). Quanto a Tugendhat (1998), “pode-se definir ética diferentemente da moral (ética como busca da ‘vida boa’), mas não se pode definir a primeira como algo que englobe a segunda. Isto é impossível.” (p. 32). Como nossa investigação é psicológica, e não filosófica, vamos nos limitar a colocar algumas reflexões sobre a relação axiológica entre os planos moral e ético. 3 Lembremos que para Kant, o suicídio merece ser categoricamente condenado pois equivale a tratar a si próprio como meio, e não como fim: logo, para ele, viver é um dever. 111Psic.: Teor. e Pesq., Brasília, 2010, Vol. 26 n. especial, pp. 105-114 Moral e Ética É claro que a questão ética é mais ampla que a questão moral, mas isso não significa necessariamente que a primei- ra determine a segunda. Imaginemos, por exemplo, que se opte por definir a ‘vida boa’ como a busca de poder sobre os homens: não se vê como, de tal busca, podem se deduzir deveres morais. Mais ainda: não serão poucos aqueles que negarão validade a essa opção ética, por achá-la egoísta. É isto que Ricoeur (1990) quer dizer quando fala em passar as opções éticas pelo crivo da norma. Teríamos, portanto, o seguinte quadro: a moral limita a ética. Expressões como ‘a liberdade de cada um acaba quando começa a liberdade de outrem’, ou ‘live and let live’, traduzem bem o referido quadro, que poderia ser assim explicitado: cada um é livre para escolher a ‘vida boa’ que quiser, contanto que reconheça aos outros o mesmo direito e não os trate como instrumento. Nessa formulação, vê-se a moral como critério de limite para as escolhas do plano ético. Para alguns, o limite aci- ma enunciado ainda pode aparecer como demasiadamente amplo, pois deixaria as ações de benevolência totalmente a critério de cada um, e, portanto, não como dever. Pode-se, então, reformular o enunciado: cada um é livre para escolher a ‘vida boa’ que quiser, contanto que reconheça aos outros o mesmo direito, que não os trate como instrumento e que se preocupe com seu bem-estar. O que importa perceber nas formulações apresentadas é que o limite moral não parece em nada decorrer das opções éticas. Ele teria outro fundamento. Mas que fundamento é esse? Será que ele não é inspirado pela questão ética? Com efeito, por que respeitar os outros? Por que fazer-lhes justiça? Por que preocupar-se com seu bem estar? Não estará implícito que, sem respeito, sem justiça e sem benevolência, a vida é infeliz? Onde está o poder de convencimento da importância da dignidade humana, senão no fato de seu reconhecimento ser condição necessária para uma ‘vida boa’?E não estará pressuposto, em Kant, que o ‘merecer ser feliz’ corresponde a um grau de felicidade su- perior a outras formas de ‘vida boa’? É o que pensa Adam Smith: “Que maior felicidade que aquela de ser amado e saber que merecemos o amor? Que pior castigo do que ser odiado e saber que merecemos esse ódio?” (Smith, 1999, p. 105, grifo nosso). Concordamos com ele, o que nos faz pensar que, do ponto de vista axiológico, há, sim, relações entre o plano ético e o plano moral. Essa é a nossa convicção, do ponto de vista psicológico. Para começar a apresentá-la, vamos nos debruçar sobre o que realmente pode significar, para o ser humano, a ‘vida boa’ ou a ‘felicidade’, termos consagrados em diversos sistemas éticos (não vamos revisitar as concepções da antiguidade, inspiradas em sistemas metafísicos estranhos ao homem moderno). Gozar de saúde e ter condições mínimas de sobrevivên- cia, certamente, representam o patamar a partir do qual se pode falar em ‘vida boa’. Aristote (1965) já o afirmava e o bom senso o confirma. Mas uma vez garantido esse direito universal, o que mais associar ao alcance e usufruto da fe- licidade? O leque de conteúdos pode ser grande: amar e ser amado, construir uma família, gostar do que se faz no traba- lho, reconhecimento social, amigos, possibilidades de lazer, de alimentar-se intelectualmente, ter uma vida sexual ativa e prazerosa etc. Esses itens, e outros possíveis, fazem todo sentido. O problema é que não se identifica, entre eles, um eixo comum. Estamos em plena dispersão. Outro problema é que cada um deles levanta questões complexas quanto à sua definição (por exemplo, o que é a amizade?). Outro problema ainda: é perfeitamente possível pessoas dispensarem um ou outro item (o solitário prefere não ter amigos). Finalmente, observemos que tais itens correspondem mais a ‘pedaços de vida’, do que à vida como um todo. Ora, como o afirma Williams (1990), “é preciso pensar numa vida inteira” (p. 11) para realmente responder à questão de Sócrates sobre a vida que vale a pena ser vivida. Devemos, portanto, perguntar-nos se há algo em comum por detrás dos diversos conteúdos que podem ocupar o plano ético. Uma resposta clássica consiste em identificar a busca do prazer e a fuga do desprazer como invariantes do plano ético. Já vimos que os utilitaristas e a psicanálise de Freud encontram-se, nesse ponto, em companhia dos epicuristas. A tese hedonista é simples e elegante. Simples porque iden- tifica no ‘princípio do prazer’ a motivação básica de todas as ações humanas e elegante justamente em razão dessa simplicidade, que evita a profusão de conceitos articulados em arquiteturas teóricas complexas. Além do mais – e isto é essencial – permite separar claramente forma de conteúdo: todos os hedonistas afirmam a fundamental importância da busca do prazer, mas podem divergir sobre o que é, ou sobre o que deveria ser, esse prazer. Para o psicólogo, essa tese permite explicar comportamentos totalmente diversos. Em poucas palavras, a tese hedonista permite destacar o plano ético (busca do prazer e fuga do desprazer) de diferentes éticas (conteúdos associados ao prazer). Todavia, ela não deixa de apresentar problemas sérios, sendo o principal deles o aparente desmentido dos fatos, como por exemplo, a autodestruição observável em vários indivíduos, que levou Freud a ir ‘para além do princípio de prazer’ e fazer a hipótese da existência e da força de um instinto de morte. Spaemann (1994) apresenta um argumento diferente para negar a central importância do princípio de prazer e de conservação. Ele nos pede para imaginar a possibilidade de nosso cérebro ser conectado a cabos que conduzem correntes elétricas que nos deixariam em estado constante de euforia, e nos pergunta se estaríamos dispostos a ficar para o todo sempre nessa situa- ção que nos garantiria prazer constante e ausência definitiva de dor. Esse autor afirma que sentiríamos repulsa por uma alternativa de vida desta porque implicaria estarmos “fora da vida efetivamente real, fora da realidade” (p. 34). Conclui o filósofo: “o sentido verdadeiro da vida não reside nem no prazer, nem na conservação” (Spaemann, 1994, p. 36). Concordamos com o inevitável reducionismo implicado pelas teses hedonistas, embora reconheçamos não ser fácil derrubá-las. Mas há uma coisa nelas que deve ser resgatada: a identificação de algo que esteja presente em todas as opções possíveis de felicidade, ou, melhor dizendo, algo que explica – pelo menos em parte – as escolhas feitas para viver uma ‘vida boa’. Acreditamos encontrar esse invariante na noção de sentido da vida. Acabamos de ver que Spaemann (1994) nega que o prazer e a conservação sejam aquilo que confere sentido à vida. Também vimos acima que Camus (1973) elege o suicídio como grande problema filosófico porque julga que “o sentido da vida é a mais urgente das perguntas” (p. 16). Outros autores, como Taylor (1998), insistem sobre o fato de a atribuição de sentido ser fundamental para se poder 112 Psic.: Teor. e Pesq., Brasília, 2010, Vol. 26 n. especial, pp. 105-114 Y. La Taille viver. Para esse autor, ‘dar sentido’ é “definir o que torna as reações apropriadas: identificar o que torna algo um objeto digno delas e, correlativamente, melhor definir a natureza das reações e explicar tudo que está implicado quanto a nós mesmos e nossa situação no mundo” (p. 22). Mais adiante, escreve que a busca de algo na vida “é sempre busca de sentido” (p. 33)4. Certamente, seriam necessárias várias páginas para analisar em profundidade a importância maior do sentido da vida para a realização de uma ‘vida boa’. Remetemos o leitor aos autores que citamos, entre eles MacIntyre (1997)5, que aborda a questão pela dimensão da narrativa, dimensão esta tratada por Ricoeur (1990). Limitemo-nos a dizer que o sentido da vida remete à questão do ‘por que viver?’ e, logo, a escolhas existenciais que revelem o que é uma vida que vale a pena ser vivida. As opções que colocamos como possíveis conteúdos da ‘vida boa’ (amor, amizade, reconhecimento social, vida sexual etc.) não são estranhas ao tema do sen- tido, pois cada uma pode corresponder a um ‘existir para’. Para finalizar, lembremos que, no mundo contemporâneo, a angústia frequentemente se traduz pela falta de sentido (ver Taylor, 1998). Como escreve Collin (2003), “a reflexão ética moderna esteve frequentemente confrontada à questão da perda de sentido da vida” (p. 41). Em resumo, para nós, o invariante do plano ético é a bus- ca de sentido para a vida, e os diversos conteúdos dependerão dos diversos sentidos atribuídos à vida. Já podemos perceber uma relação entre o plano ético e o plano moral: se o grande problema da vida é ela fazer sentido, deduz-se que a moral, ela mesma, e as obrigações dela derivadas, devem também fazer sentido. A questão do sentido é incontornável no plano moral, e certamente não é por acaso que a anomia moral, ou o ‘crepúsculo do dever’, diagnosticados atualmente, são contemporâneos das dificuldades de encontrar um sentido para a vida e, logo, para as ações. Mas essa afirmação ainda não é suficiente para se saber que plano determina qual, ou se são independentes. Para defender a hipótese da prevalência do plano ético sobre o plano moral, devemos nos perguntar se há, dentro da própria problemática do sentido da vida, um outro inva- riante de ordem psicológica. Pensamos que tal invariante existe: o sentimento de ‘expansão de si próprio’. Dito de outra forma: fazemos a hipótese de que a possibilidade de ‘expansão de si próprio’ é condição necessária para que a vida faça sentido, assim como este fazer sentido é condição necessária à ‘vida boa’. Assumimos aqui a perspectiva teórica de Adler (1991), para quem “é unicamente o sentimento de ter atingido um grau satisfatóriona tendência a elevar-se que pode fornecer um sentimento de quietude, de valor e de felicidade” (p. 4 Jovens por nós pesquisados parecem lhe dar certa razão, pois numa investigação junto a 5160 alunos do Ensino Médio da Grande São Paulo (oriundos de escolas particulares e públicas), aos quais foi perguntado se o mais importante para a vida era, (1) ser amado, (2) ser tratado de forma justa, (3) achar que a vida vale a pena ser vivida, a maioria optou pela alternativa 3 (ver La Taille, 2006). 5 Escreve MacIntyre (1997): “Quando alguém se queixa, como os suicidas, que sua vida não tem sentido, ele se queixa talvez de que o relato de sua vida tornou-se, para ele, ininteligível, sem objetivo, sem movimento para um apogeu ou um thelos” (p. 211). 56). A expressão ‘expansão de si próprio’ não é de autoria de Adler, mas sim de Piaget (1954), que concordava plena- mente com o ex-colaborador de Freud, por ver, na tendência à superação de si mesmo, o vetor do desenvolvimento e a motivação central para as ações. Assumimos, portanto, a hipótese de que a vida somente pode fazer sentido para quem experimenta o sentimento de nela autoafirmar-se, expandir- se, em uma palavra, atribuir-se valor. Pela recíproca, quem não consegue, seja lá por que motivo for, atribuir a si próprio valor, não consegue dar sentido à sua vida e, logo, não usufrui de uma ‘vida boa’6. A tese acima exposta pode ser traduzida com dois ou- tros termos: representações de si e valor. Dedicamos dois livros à análise desses dois conceitos e de sua relação com o sentimento de vergonha, e retemos o leitor a eles para o aprofundamento da questão (La Taille, 2002a, 2006; ver também Harkot-de-La-Taille & La Taille, 2004). Basta aqui apresentar as ideias básicas. Entendemos o Eu como um conjunto de representações de si (imagens que a pessoa faz de si). Não importa confe- rir se tais representações correspondem, de fato, ao que a pessoa realmente é ou a como é vista pelos outros, mas sim sublinhar o fato de que elas correspondem ao que ela julga ser. Importante frisar que colocamos representações de si no plural: não se trata de um autoconceito, portanto unitário, mas realmente de um conjunto de representações, que podem até ser conflitivas ou contraditórias entre si. Prossigamos: essas representações de si são sempre valor. Definimos valor como investimento afetivo, tal qual Piaget (1954), e assumimos que, inevitavelmente, o Eu é objeto de investimento afetivo. Por isso dizemos que as representações de si são sempre valor. Coerentemente com a teoria de Adler, assumimos também - e isto é essencial para nossa análise - que a busca de representações de si com valor positivo é lei fundamental da vida humana. O insucesso nessa busca causa o sentimento de vergonha, ou seja, a dor psíquica resultante da consciência da disjunção entre uma ‘boa imagem’ (idealizada) e a imagem que, de fato, se tem de si (Harkot-de-La-Taille, 1999). A força do sentimento de vergonha – que pode ser letal – atesta a im- portância, para a vida, de conseguir ver a si próprio como valor positivo. Como o leitor pode perceber, não hesitamos em co- locar, no plano ético, o ‘famigerado’ amor próprio. Mas não somos os únicos a reconhecer que a ética não pode traduzir-se na negação do sujeito (ver Savater, 2000), e tampouco a moral pode fazê-lo. Basta atentar para o fato de a pergunta do plano ético ‘que vida quero viver?’ im- plica outra: ‘quem quero ser?’. Portanto, parece-nos não haver possibilidade de se pensar a ética sem contemplar a dimensão da identidade, e esta, sem a busca de atribuição pessoal (e coletiva) de valor. Estamos agora em condições de defender nossa tese, se- gundo a qual, para compreender os comportamentos morais dos indivíduos precisamos conhecer a perspectiva ética que eles adotam. 6 A referência à expansão de si próprio não é estranha à filosofia de Nietzsche sobre a ‘vontade de potência’. Escreve ele, “O objetivo não é a felicidade, é a sensação de potência” (Nietzsche, 1995, p. 234). 113Psic.: Teor. e Pesq., Brasília, 2010, Vol. 26 n. especial, pp. 105-114 Moral e Ética Comecemos por resumir o que estabelecemos, do ponto de vista psicológico, para o plano ético: a busca de uma vida boa implica a busca de uma vida com sentido, e uma vida que faça sentido deve, necessariamente, contemplar a ‘expansão de si próprio’ que se traduz pela busca e manuten- ção de representações de si com valor positivo. Adotamos, por assim dizer, uma teoria geral da motivação das ações humanas. Note-se que não assumimos uma perspectiva re- ducionista, que equivaleria a negar a presença e importância de outras fontes motivacionais. Queremos apenas afirmar que a busca de sentido, e dentro dela, a expansão de si próprio, constituem condições necessárias (mas não suficientes) das buscas existenciais no plano ético e, portanto, constituem- se em motivação incontornável de todas as ações, entre as quais se encontram aquelas inspiradas pelo sentimento de obrigatoriedade, as ações morais (novamente, devemos reafirmar que não negamos a importância e força de outras fontes motivacionais tipicamente morais, como a simpatia – ou empatia – por exemplo). Nesse ponto, encontramos a teoria de Psicologia Moral que responde pelo nome de moral self, expressão costumei- ramente traduzida por ‘personalidade moral’ ou, conforme preferimos, ‘personalidade ética’. Um dos pioneiros dessa teoria, Blasi (1995), afirma que os valores e as regras morais somente têm força motivacional se associados à identidade. Colby e Damon (1993), após realizarem um estudo com pessoas de caráter moral exemplar, chegaram à conclusão de que “quando há uma unidade entre Eu e moralidade, juízo e conduta são diretamente e previsivelmente relacionados e as ações são realizadas com segurança ... Aqueles para os quais a moralidade é central nas suas identidades pessoais devem ser mais fortemente motivados por suas convicções e objetivos” (p. 151). O especialista em educação moral, Puig (1998), tece considerações semelhantes, que também eram as de Piaget, e que se encontram em filósofos. Segundo Flanagan (1996), “é mais que provável que as variações do autoconceito e dos ideais intrapessoais acarretem uma grande diferença no que é notado, nas emoções, na maneira como nos expressamos e agimos, e também na maneira como dirigimos nossas vidas” (p. 309), e, logo, também, na moral. Taylor (1998) afirma que “o Eu e o bem, ou seja, a Eu e a moral, se interpenetram de forma inextricável” (p. 13). Os autores que acabamos de citar, e outros, não se referem à diferenciação entre moral e ética, mas vê-se que suas abordagens são coerentes com o que escrevemos até aqui. Em resumo, encontramos na teoria da personalidade ética um conjunto de dados e conceitos que sustentam a plausibilidade da relação entre planos ético e moral, e a prevalência do primeiro sobre o segundo, na dimensão psicológica. Para explicitar melhor tal prevalência, voltemos ao tema do ‘conflito’, deixado em suspenso mais acima. Perguntá- vamos sobre a frequência do sentimento de obrigatoriedade em cada indivíduo e assumíamos que, para alguns, e em determinadas situações, tal sentimento sofre um ‘eclipse’: a pessoa age de forma contraditória com os deveres que, em outras situações, inspiram suas ações. Admitindo que esse fenômeno ocorre, ele pode ser explicado pela hierarquia de valores associados às representações de si. Para descrever essa hierarquia, Colby e Damon (1993) empregam metáfo- ras espaciais: ‘valores periféricos’ e ‘valores centrais’7. Os valores periféricos são aqueles que, embora associados às representações de si, têm força menor e, portanto, menos intensidade motivacional do que outros, justamente aqueles chamados de valores centrais. Imaginemos alguém que preze ver a si mesmo como honesto, mas preze mais ainda ver-se como um ‘vencedor’ na vida – por exemplo, sucesso profissional. Em situações nas quais agir de maneira honesta não implicacomprometer o referido sucesso, ele agirá mo- ralmente. Nesse caso, não há conflito. Mas, se houver (por exemplo, deixar de obter algum sucesso se não enganar um concorrente), o dever moral da honestidade poderá sofrer um ‘eclipse’, pois o investimento afetivo da ‘boa imagem’ de vencedor é maior que na ‘boa imagem’ moral. Se pen- sarmos no sentimento de vergonha, nosso sujeito hipotético sente mais vergonha de ser mal sucedido do que de não ser honesto, pois a razão de viver (o sentido) está mais na glória do que na honra (ver Pitt-Rivers, 1965). Tal forma de pen- sar permite evitar a classificação binária das pessoas entre morais e imorais. Em suma, são as opções no plano ético que terão decisiva influência sobre a força do sentimento de obrigatoriedade. E quanto às pessoas que sempre (ou praticamente sempre) optam por seguir os mandamentos da moral, pode-se delas dizer, pela recíproca, que os valores centrais de suas represen- tações de si são justamente aqueles condizentes com a moral, ou eles mesmos morais. Delas se pode dizer que possuem realmente uma personalidade ética. Isso não implica dizer que não passam por conflitos – pelo menos se não forem heróis ou santos –, mas esses costumam ser resolvidos pela força do sentimento de obrigatoriedade moral, pois, para tais pessoas, ser elas mesmas e ser moral é a mesma coisa. Considerações Finais Para finalizar, voltemos à oposição entre as teorias psico- lógicas que apontam para o potencial de autonomia moral, traduzida pela adesão a morais da reciprocidade e aquelas que ignoram tal potencialidade. Vimos que as primeiras carecem de explicações energéticas, e que aquelas assumidas pelas segundas reforçam a tese da radical heteronomia dos homens e do relativismo moral. Podemos, então, nos perguntar se a relação que estabelecemos entre os planos ético e moral é coerente com a moral autônoma, assim como com a heterô- noma. Acreditamos que sim. As opções no plano ético não são dadas para todo o sempre, podem modificar-se, evoluir, assim como, segundo Piaget e Kohlberg, a moral evolui. É bem provável que à moral heterônoma, cujos conteúdos são coer- citivamente colocados pela sociedade, correspondam opções éticas também heterônomas (as ‘boas imagens’ valorizadas pelo grupo – coerente com a fase do ‘good boy, good girl ‘ do estágio 3 estabelecido por Kohlberg), e que à moral autônoma, inspirada pela reciprocidade entre os homens, correspondam outras opções éticas, sentidos da vida que pressuponham maior individualismo (no sentido de não dar valor à pessoas – e a si próprio – em razão do grupo ao qual pertencem), participação 7 Mais uma vez, reencontramos uma ideia de Nietzsche (1995): “o homem é uma pluralidade de forças hierarquizadas” (p. 289). 114 Psic.: Teor. e Pesq., Brasília, 2010, Vol. 26 n. especial, pp. 105-114 Y. La Taille nas decisões sociais, identidade cosmopolita e não grupal, o cultivo da reflexão. É apenas uma hipótese, por sinal passível de ser aferida por provas empíricas, como já foi feito por Colby e Damon (1993), em sua investigação sobre pessoas de vida moral exemplar e, mais recentemente, no Brasil, por nós mesmos (La Taille, 2002a, 2002b), por intermédio do estudo da gênese do sentimento de vergonha, por Tognetta e La Taille (2008), que comprovaram a correlação entre personalidade ética e autonomia, por Tardelli (2009), que investigou a relação entre personalidade ética e ações solidárias em adolescentes, por Nogushi e La Taille (2008), que se debruçaram sobre o universo moral de jovens infratores internado na antiga Febem, e por Dias (2010), cuja tese de doutorado foi dedicada à relação entre personalidade ética e atitudes morais na vida escolar. Em suma, cremos que pensar a motivação moral por inter- médio das opções éticas permite maior flexibilidade para dar conta da variedade de condutas que se observam. Sendo a área da psicologia como é, com profusão de teorias e dos chamados ‘novos paradigmas’8, é difícil saber se a abordagem teórica que responde pelo nome de moral self ou personalidade ética do- minará doravante os estudos de Psicologia Moral e Psicologia do Desenvolvimento Moral. Mas, uma coisa é certa, como o explicitamos com referências bibliográficas tanto na filosofia quanto na psicologia: tal abordagem encontra-se fortalecida e inspiradora de novas investigações, Brasil incluído. Referências Adler, A. (1991). Le sens de la vie. Paris: Payot. Aristote (1965). Ethique de Nicomade. Paris: Flamarion. Bennet, W. J. (1995). O livro das virtudes. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. Biaggio, A. (2002). Lawrence Kohlberg: ética e educação moral. São Paulo: Moderna. Blasi, A. (1995). Moral understanding and the moral personality: The process of moral integration. Em Kurtines, D. (Org.), Moral development: An introduction (pp. 229-254). London: Allyn and Bacon. Camus, A. (1973). 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Painel / Minhas Disciplinas / 10A105 / Aula 02 - Moral e princípios éticos / Atividade 02 Ética nas Organizações Iniciado em Monday, 26 Sep 2022, 13:14 Estado Finalizada Concluída em Monday, 26 Sep 2022, 13:20 Tempo empregado 6 minutos 19 segundos Avaliar 10,00 de um máximo de 10,00(100%) Questão 1 Completo Atingiu 2,00 de 2,00 A virtude ética é a perfeita medida da razão para o comportamento do homem, o qual, muitas vezes, tende a cometer excesso em suas atitudes. São alguns exemplos de virtudes aristotélicas, de seus respectivos excessos e de�ciências: Justiça Temperança Veracidade Coragem é o meio-termo entre o ganho e a perda. A justiça é a dispo é o meio-termo em relação aos prazeres. Assim, por exemp é o meio-termo no tocante à verdade. Já o exagero é a jact é o meio-termo em relação ao sentimento de medo e de c   https://ava.politecnicabr.com.br/my/ https://ava.politecnicabr.com.br/my/ https://ava.politecnicabr.com.br/course/view.php?id=832 https://ava.politecnicabr.com.br/course/view.php?id=832#section-3 https://ava.politecnicabr.com.br/mod/quiz/view.php?id=21182 https://ava.politecnicabr.com.br/ Questão 2 Completo Atingiu 2,00 de 2,00 Marque (V) Verdadeiro e (F) Falso, quanto a moral e ética: ( ) Amoral é o contrário à moral, contrário às regras de conduta vigentes em dada época ou sociedade ou ainda contrário àquelas regras que um indivíduo estabelece para si próprio; sem moralidade, indecoroso, vergonhoso. ( ) a ética está nos conceitos teóricos do bem e do mal, do certo e do errado, do justo e do injusto. A moral, por sua vez, está no campo da prática, da consciência do homem, regulando seus atos no exercício do bem e da justiça. ( ) Nalini (2001, p. 57), ao praticar um ato seguindo sua moral o indivíduo estará sujeito a sofrer consequências negativas. Muitas vezes, o que para uns parece correto, para outros pode ser “imoral”. ( ) A ética é permanente, imutável e constante, posto que é a determinação do que é o bem, o justo, o correto. A moral se modi�ca conforme a passagem do tempo e se adapta à cultura de um grupo ou de um povo. É a regulamentação dos valores e dos comportamentos considerados legítimos por uma determinada religião, sociedade, povo, tribo, ordem política, tradição cultural, e, dessa forma, não é universal. Escolha uma opção: a. V, F, V, V. b. F, V, V, V. c. V, V, V, V. d. F, V, F, V. e. F, F, V, V.   https://ava.politecnicabr.com.br/ Questão 3 Completo Atingiu 2,00 de 2,00 Para diferenciar ética de moral, marque (V) Verdadeiro ou (F) Falso. ( ) Pensar sobre moral induz a uma re�exão sobre o signi�cado do bem, das virtudes e de nossa relação com o próximo. A ética, por sua vez, trata do juízo de valor concebido pelo indivíduo que agirá conforme sua consciência determina. Corresponde a um conjunto de regras de conduta social que contribuem para a harmonia da ordem de uma sociedade especí�ca. Escolha uma opção: Verdadeiro Falso   https://ava.politecnicabr.com.br/ Questão 4 Completo Atingiu 2,00 de 2,00 Marque a alternativa incorreta que diferencia ética e moral. Escolha uma opção: a. Ética é teoria, moral é prática. b. Ética é temporal, moral é permanente. c. Ética é regra, moral é conduta da regra. d. Ética é universal, moral é cultural.   https://ava.politecnicabr.com.br/ Questão 5 Completo Atingiu 2,00 de 2,00 O que vemos nos dias atuais, conforme o livro da aula 02. Escolha uma opção: a. a população, não só brasileira, mas mundial, tem assistido a ondas de organizações criminosas, que têm como código moral não praticar seus crimes nas comunidades onde residem. b. todas as alternativas estão corretas. c. todos os dias, os políticos eleitos pelo povo passam de um grupo para outro, motivados por falsos princípios morais, por armações e atitudes individuais vergonhosas com relação ao erário. d. homens e mulheres esquecendo-se dos princípios éticos, fundamentais para o sucesso no campo dos negócios. Para realizar seu projeto de vida, não é necessário que a prática de ações golpeie os valores morais. Entre em Contato https://www.politecnicabr.com.br 0800 084 2627 0800 084 2627     Links Úteis Dicas da nossa Diretora Acadêmica Planner de Estudos Declaração de Matrícula Orientações do AVA Abertura de Ticket Fale com o Tutor Cronograma de Estudos Manual de Estágio Manual de Competência   https://www.politecnicabr.com.br/ https://soundcloud.com/user-501638417/sets/escola-politecnica-brasileira https://soundcloud.com/user-501638417/sets/escola-politecnica-brasileira https://storage.googleapis.com/sirius-pubstore/semestre_plannerdeestudo%20poli.pdf https://storage.googleapis.com/sirius-pubstore/semestre_plannerdeestudo%20poli.pdf https://storage.googleapis.com/sirius-pubstore/declaracao_matricula.pdf https://storage.googleapis.com/sirius-pubstore/declaracao_matricula.pdf https://storage.googleapis.com/sirius-pubstore/orientacoes_ava.pdf https://storage.googleapis.com/sirius-pubstore/orientacoes_ava.pdf https://storage.googleapis.com/sirius-pubstore/abertura_ticket.pdf https://storage.googleapis.com/sirius-pubstore/abertura_ticket.pdf https://storage.googleapis.com/sirius-pubstore/fale_com_tutor.pdf https://storage.googleapis.com/sirius-pubstore/fale_com_tutor.pdf https://storage.googleapis.com/sirius-pubstore/cronograma_estudos.pdf https://storage.googleapis.com/sirius-pubstore/cronograma_estudos.pdf https://storage.googleapis.com/sirius-pubstore/manual_estagio.pdf https://storage.googleapis.com/sirius-pubstore/manual_estagio.pdf https://storage.googleapis.com/sirius-pubstore/manual_competencia.pdf https://storage.googleapis.com/sirius-pubstore/manual_competencia.pdf https://ava.politecnicabr.com.br/ © 2022 - Escola Politécnica Brasileira Siga-nos nas redes sociais     https://ava.politecnicabr.com.br/mod/quiz/0 https://ava.politecnicabr.com.br/mod/quiz/0 https://www.facebook.com/politecnicabr https://www.instagram.com/politecnicabr_oficial https://ava.politecnicabr.com.br/ Éticas e normas É evidente que o homem, como um ser social e político, não vive sozinho. Ao estabelecer sua vida em grupo, por necessidade de segurança e por estímulos de sobrevivência, busca garantir o bem-estar individual e coletivo. Como um ser social, o homem está sempre aprendendo a melhor maneira de conviver com seus semelhantes e isso significa considerar seu próximo como ele é, com todas suas qualidades, defeitos e outras características pessoais. No contato com os outros, o homem deve buscar sempre compartilhar experiências, exercitar a confiança e a tolerância. Como um ser político, o homem é, segundo as palavras de Aristóteles, “um animal político”, isto é, destinado a viver na pólis (cidade), onde se realiza como cidadão. Por isso, os aspectos referentes à vida em sociedade são considerados políticos. Nela, o homem e seus pares organizam-se em forma de comunidades e desenvolvem a noção de governo,de poder, de liberdade e de igualdade. Para o estabelecimento de uma vida coletiva harmoniosa, o homem passou a constituir normas, padrões de condutas, regras e leis com a finalidade de regular a vida coletiva. Afinal, para que a harmo- nia seja instaurada em uma dada comunidade, seus membros devem respeitar uns aos outros, guiados por limites preestabelecidos que, como uma linha imaginária, têm a função de orientar os impulsos, dominar os instintos e, assim, tornar harmoniosa a convivência coletiva. Evolução das normas O costume de escrever as normas vem de milênios, data dos tempos anteriores à Era Cristã. As normas, como visto, passaram a existir como forma efetiva de garantir o equilíbrio entre as relações humanas, nas sociedades organizadas. Geralmente, os sistemas dessas normas são voltados à proteção do homem e à disciplina do seu comportamento. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Antiguidade Nesta época, as pessoas viviam em um ambiente em que todos os fenômenos maléficos eram vistos como resultantes das forças divinas. Para conter aquilo que acreditavam ser a “ira dos deuses”, criaram várias proibições que, quando não obedecidas, resultavam em castigo. Das desobediências, sur- giram os crimes e as penas. Muitas vezes os castigos eram cumpridos com oferendas aos deuses ou com o sacrifício da própria vida. O castigo não era algo feito para ofender ou humilhar o castigado. Acima de tudo, a prática do castigo tinha um caráter moralizador e corretivo. Pode-se afirmar que os homens na Antiguidade limitavam-se a proteger a vida, a integridade física, a honra e a propriedade. São algumas das leis escritas dessa época: Código de Hammurabi (séc. XVII a.C.) Hammurabi (1728-1686 a.C.) foi considerado o maior rei da Mesopotâmia Antiga, o verdadeiro consolidador do Império Babilônico, que era composto por uma grande heterogeneidade de povos. Ele foi também um exímio administrador público. Uma de suas primeiras preocupações foi a implantação do direito e da ordem na sociedade da época, fundamento da unidade interna do seu reino. O código proposto instituiu 282 parágrafos com matéria processual, penal, patrimonial, obrigacional e contratual, família, sucessão, regulamenta profissões, preços e remuneração de serviços. Eis alguns exemplos: Se um inquilino paga ao dono da casa a inteira soma do seu aluguel por um ano e o proprietário, antes de decorrido o termo do aluguel, ordena ao inquilino mudar-se de sua casa antes de passado o prazo, deverá restituir uma quota proporcional à soma que o inquilino lhe deu. (EDUCATERRA, 2007) As penas adotadas pelo legislador Hammurabi eram severas, principalmente para os crimes de lesão corporal e homicídios. Suas leis embasavam-se no princípio de Talião1, cuja premissa era a do “olho por olho, dente por dente”. Esse código chegava ao extremo de determinar que, caso um homem matasse o filho de outro, a pena seria paga com a vida do filho do homicida. Segundo Costa (1992, p. 23), sobre esse código: O autor de roubo por arrombamento deveria ser morto e enterrado em frente ao local do fato. (...) As penas eram cruéis: jogar no fogo (roubo em um incêndio), cravar em uma estaca (homicídio praticado contra o cônjuge), mutilações cor- porais, cortar a língua, cortar o seio, cortar a orelha, cortar as mãos, arrancar os olhos e tirar os dentes. Lei Mosaica (séc. XIII a.C.) Sua autoria é atribuída ao profeta Moisés e é encontrada nos primeiros livros da Bíblia cujo con- junto leva o título de Pentateuco. O judeus os chamam também de Torá. É considerado um dos códigos mais importantes da Antiguidade e se divide nos seguintes livros: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio. Tem como fundamento as leis divinas. Apesar de também considerar o princípio de Talião, essa lei possui um caráter mais humanitário, ou seja, concebe o indivíduo com maior digni- dade, visto que lhe reserva um dia de descanso e, com isso, poupa-lhe do trabalho escravo. Além disso, trata a relação social de forma mais igualitária. 1 O termo Talião vem do Latim talis, que significa igual ou semelhante. A lei tem esse nome justamente porque determina que o criminoso sofra tal qual fez sua vítima sofrer. 24 | Éticas e normas Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br O Código de Manu (séc. II a.C.) Este conjunto de leis da Índia Antiga é composto de 12 livros. Protege em especial a posse individual de bens, a propriedade privada, a honra pessoal, a vida, a integridade física e o clã, já que exigia do homem do casal comportamento digno com relação à mulher e à família. Punia o adultério e admitia a separação de casais. Entre suas mais altas penas estava a de morte, o exílio e o confisco de bens. Esse código não teve a mesma projeção do de Hammurabi, no entanto seus escritos se expandi- ram pelas regiões da Assíria, Judeia e Grécia. Essas leis são consideradas uma obra-prima de organiza- ção geral da sociedade, com fortes motivações políticas e religiosas. Nesse código, há uma série de ideias sobre valores, tais como verdade, justiça e respeito. Versa sobre a credibilidade dos testemunhos, atribui diferente validade à palavra dos homens, conforme a casta que pertencem. Lei das XII Tábuas (452 a.C.) A repercussão desta lei foi maior que qualquer outro código antigo, pois serviu de alicerce para a legislação romana. É um dos maiores monumentos jurídicos de todos os tempos e é considerado fonte do direito universal. Decorridos mais de 2 000 anos, suas palavras estão em legislações de muitos povos, ainda que transformadas pelo tempo e adaptadas às novas condições sociais. Alcorão (Corão) Datado do início do século VII d. C., é o livro religioso e jurídico dos muçulmanos. Os seus segui- dores acreditam que foi ditado por Alá (Deus) através do arcanjo Gabriel e, portanto, não foi redigido por Maomé, que não sabia escrever. Por meio de recursos sociológicos e lógicos, muitas complemen- tações foram feitas ao longo do tempo até os dias atuais, mas sem perder a força dos ditames de Alá ao profeta Maomé. Ainda em vigor em alguns Estados, como Arábia Saudita e Irã, o Alcorão estabelece severas pena- lidades em relação ao jogo, bebida e roubo, além de considerar a mulher inferior ao homem. Idade Média A Idade Média caracterizou-se por ser uma época de batalhas sangrentas, intolerância religiosa, perseguições e torturas. Além da frequência com que era aplicada a pena de morte, era executada com requintes de crueldade (fogueira, afogamento, soterramento, enforcamento), como forma de intimida- ção e atemorização e com o objetivo de dar exemplo. As sanções penais eram desiguais, dependendo da condição social e política do réu, sendo comum o confisco, a mutilação, os açoites, a tortura e as pe- nas infamantes. As leis medievais puniam o suicida com o confisco de bens quando consumado o crime, que acabava punindo injustamente os filhos pelo “erro” do pai. Nessa época, a Igreja Católica deixou uma considerável quantidade de informações sobre o que era certo e justo na visão da Lei Divina. Também normatizou o comportamento, o socialmente aceitável, 25|Éticas e normas Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br como os bons costumes e os cultos religiosos ministrados em Latim, de forma a estabelecer o compor- tamento padrão para essa época. No cenário medieval, o que prevalecia era a lei fundada naquilo que se acreditava ser a vontade de Deus. Outros exemplos do processo de desenvolvimento das leis nessa mesma época encontram-se nos seguintes documentos: a Carta Magna:::: (1215-1225) – firmada pelo rei inglês João Sem-terra [sic], feita para proteger os privilégios dos barões e os direitos dos homens livres. É considerado o documento básico das liberdades inglesas. as Leis de Leão de Castela:::: (1256) – denominadas “as Sete Partidas”, que visavamproteger a inviolabilidade da vida, da honra, do domicílio e da propriedade, assegurando aos acusados um processo legal que evitasse a punição injusta. A primeira das sete regras dispunha: “os juí- zes devem garantir a liberdade”. a:::: Carta das Liberdades (1253) – de Teobaldo II, de Navarra. o:::: Código de Magnus Erikson (Suécia, 1350) – segundo o qual o rei devia jurar lealdade e jus- tiça ao povo, comprometendo-se a não privar nem o pobre nem o rico, de sua vida ou de sua integridade corporal sem processo judicial em devida forma. Idade Moderna Vale lembrar que, na transição da Idade Média para a Idade Moderna (séculos XV e XVI), muitas transformações sociais, científicas, econômicas e culturais aconteceram na Europa, como a expansão do comércio marítimo, o descobrimento de novas terras pelos povos ibéricos, a formação da burguesia mercantil, o advento da imprensa, as descobertas científicas, a Reforma da Igreja Católica e o movimen- to Protestante. Tudo isso resultou em novas atitudes filosóficas e científicas que situaram o homem no centro dos estudos e dos acontecimentos. Na Inglaterra, foram produzidos documentos de grande expressão no século XVII , acerca da pro- teção dos direitos individuais. Vejamos alguns deles: Petition of Rights:::: (1628) – requerimento que impunha condições como a de que nenhum ho- mem livre pudesse ser detido ou aprisionado, nem despojado de seu feudo, suas liberdades e franquias, nem posto fora da lei, nem exilado, nem molestado de qualquer outro modo, senão em virtude de sentença legal de seus pares ou de disposição das leis do país, respeitando prin- cípios legais (PINHEIRO, 2001). Esse documento redigido pelos parlamentares foi dirigido ao monarca como forma de reconhecimento de diversos direitos e liberdades para os súditos; Habeas Corpus Amendment Act:::: (1679) – foi um documento que ficou conhecido pela sua conquista com relação à liberdade individual, diante da prepotência dos detentores do poder público da época; 26 | Éticas e normas Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Bill of Rights:::: (1688) – declarou ilegais os atos da autoridade real inglesa que, sem permissão do parlamento, suspendia as leis ou sua execução e mandava arrecadar dinheiro em nome da Coroa inglesa, além da quantia permitida pelo Parlamento. Esse documento também pro- clamou a liberdade de discussão e proibiu a imposição de penas cruéis e sem fundamento. Ainda no século XVIII foram editados três documentos, igualmente expressivos no que diz respei- to à preocupação com o indivíduo: a Declaração de Direitos do Bom Povo:::: da Virgínia (1776) – considerada a primeira decla- ração de direitos fundamentais, no sentido moderno: consagrava o princípio da isonomia2; da imparcilidade do juiz, da liberdade de imprensa e de religião; a Declaração da Independência dos Estados Unidos:::: (Thomas Jefferson, 1776) – confirma os direitos inalienáveis do ser humano e proclama que os poderes dos governantes derivam do consentimento do povo governado; Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789):::: – é uma das conquistas mais im- portantes das liberdades individuais no Ocidente moderno. Surgiu no contexto da Revolução Francesa e representa a síntese do pensamento político, moral e social do século XVIII até os dias atuais. É o documento marcante do Estado liberal e proclama os seguintes princípios: iso- nomia, liberdade, propriedade, legalidade, presunção de inocência, liberdade religiosa, livre manifestação do pensamento (PINHEIRO, 2001). Idade Contemporânea Muitos historiadores afirmam que esta fase teve seu início a partir da Revolução Francesa (1789). Com o evento das duas grandes guerras mundiais, o ceticismo imperou no mundo juntamente com a crença de que a humanidade toda, até mesmo as nações consideradas mais avançadas para a época, era capaz de cometer atrocidades dignas de bárbaros. A Primeira Grande Guerra3 resultou na criação da Sociedade das Nações (1919) e a segunda, na criação da ONU4 (1945). A partir desses eventos, a necessidade de normatizar e determinar sistematicamente o que eram direitos humanos, em âmbito universal, tornou-se mais evidente. A exemplo desta preocupação surgiu a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948. Aprovado pela ONU, em meados do século XX, esse documento visou estabelecer direitos para todos os seres humanos, independentemente de suas características, tais como idade, cor, raça, religião, sexo etc. Traz em seu cerne os princípios iluministas de liberdade, igualdade e fraternidade. Baseando-se nestes, essa declaração prevê, ainda, a garantia contra qualquer tipo de escravidão humana, tortura, prisão, penas arbitrárias e discriminações (PINHEI- RO, 2001). Possui 30 artigos no total. 2 Igualdade conforme a lei. 3 “Primeira” ou “Segunda” Grande Guerra são nomes, mais propriamente conceitos históricos, aceitos academicamente e aqui adotados pela autora. 4 A Organização das Nações Unidas (ONU) é a organização internacional que tem como objetivo: manter a paz e a segurança internacionais; estabelecer relações cordiais entre as nações do mundo, obedecendo aos princípios da igualdade de direitos e da autodeterminação dos povos; e incentivar a cooperação internacional na resolução de problemas econômicos, sociais, culturais e humanitários. 27|Éticas e normas Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Normas como regras de convívio Direitos humanos na Constituição Federal do Brasil (1988) Encontramos a relação da Constituição Federal com os direitos humanos, pois, já no primeiro artigo, aponta a cidadania, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho como princí- pios fundamentais. Também determina os objetivos fundamentais para a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, em que seja possível erradicar a pobreza, a marginalização, reduzir as desigualda- des sociais e promover o bem de todos sem qualquer forma de discriminação. A Constituição de 1988, também conhecida como nossa Carta Magna, garante a igualdade de todos perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. Garante ainda aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à proprie- dade. São incisos do artigo 5.º: I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição; II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei; III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante; IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato. A Constituição Federal do Brasil trata ainda dos direitos sociais, no que diz respeito à educação, à saúde, ao trabalho, ao lazer, à segurança, à previdência social, à proteção à maternidade, à infância e à assistência aos desamparados. Estatuto do Idoso Representado pela Lei 10.741/2003, veio para convocar toda a sociedade para zelar pelos idosos, estabelecendo regras a fim de esclarecer como devem ser amparados. Esse estatuto esclarece que o idoso goza dos mesmos direitos que o indivíduo comum e assegu- ra-lhe, por lei, todas as oportunidades e facilidades com o fim de preservar-lhe a saúde físico-mental, aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, sempre em condição de dignidade e liberdade. Esse código de normas veio esclarecer, no seu artigo 3.º, que é obrigação não só dos familiares do idoso, como também da comunidade e do Poder Público, assegurar-lhe com absoluta prioridade a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao traba- lho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária, bem como determinar que é dever de todos prevenir a ameaça ou violação aos direitos do idoso. Antigamente, desrespeitar um indivíduoidoso significava uma atitude antiética. Atualmente, aquele que assim proceder, tratando o indivíduo com mais de 60 anos com negligência, discrimina- ção, violência, crueldade ou opressão será punido na forma da lei. 28 | Éticas e normas Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Estatuto da Criança e do Adolescente A Lei 8.069/1990 defende a proteção integral à criança e ao adolescente, considerando criança, a pessoa até 12 anos de idade incompletos e adolescente aquela entre 12 e 18 anos de idade. Determina em seu artigo 3.º: Art. 3.º. A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata essa Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade. Essa lei veio responder a questões como a da responsabilidade dos pais ou pessoas físicas e jurí- dicas que, por algum motivo, tornaram-se responsáveis pela manutenção do menor, aplicando medidas que vão desde a advertência até a suspensão ou destituição do poder familiar. Igualmente ao que está estipulado em favor do idoso, o artigo 4.º do Estatuto da Criança e do Adolescente dispõe que, além do dever da família em assegurar com absoluta prioridade a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionali- zação, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, também incumbe as mesmas obrigações à comunidade, à sociedade em geral e ao Poder Público. E mais, o estatuto impõe que “nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qual- quer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais”. A grande preocupação do legislador é o bem comum individual e da coletividade, considerando a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento. Num País como o nosso, sem dúvida alguma, as crianças devem ter prioridade na prevenção e tratamento de saúde, uma farta alimentação e educação, para que se possa mudar o cenário nacional. Infelizmente, a realidade ainda está a demonstrar que as crianças brasileiras são alvos da exploração do trabalho sem remunera- ção (pois o que ganham entregam aos pais ou a outro adulto) e da delinquência (são usadas de mulas no tráfico de drogas), com grande representação no alto índice de criminalidade (são usadas por maio- res de idade5 como álibi para a impunidade de seus atos). Código do Consumidor Este conjunto de normas surgiu em resposta ao anseio da sociedade brasileira, cansada de sofrer abusos decorrentes da falta de ética de fornecedores de produtos e serviços, fatos estes que, em menor índice de ocorrência, ainda estão presentes no cotidiano. O Código do Consumidor, formalizado pela Lei 8.078/1990, estabelece normas de proteção e de- fesa do consumidor e está em conformidade com os termos dos artigos 5.º, inciso XXXII, artigo 170, inciso V, da Constituição Federal e artigo 48 de suas Disposições Transitórias. De acordo com esse código, considera-se consumidor “toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”. 5 “Adultos” não corresponde a um termo adequado para assuntos referentes à Constituição, que entende como “maior” o indivíduo com mais de 18 anos. 29|Éticas e normas Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Considera fornecedor “toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços”. Estabelece no seu artigo 4.º: Art. 4.º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consu- midores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo. Nesse código, fica expressamente estabelecida a Política Nacional das Relações de Consumo, que é composta por regras que visam proteger o consumidor brasileiro, principalmente no que se refere à sua dignidade financeira, saúde e segurança (SIQUEIRA NETO, 2007). A grande importância na leitura desse código é o respeito dos direitos básicos do consumidor, reconhecidos, principalmente: a proteçã:::: o da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no forneci- mento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos; a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, assegura-:::: das a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações; a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação :::: correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem; a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou :::: desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços; a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou :::: sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas; a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e :::: difusos; o acesso aos órgãos judiciários e administrativos com vistas à prevenção ou reparação de :::: danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção jurí- dica, administrativa e técnica aos necessitados; a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu :::: favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências. Muito embora não estejamos ainda diante do melhor entrosamento entre consumidor e for- necedor, com essas normas regulamentadoras temos um campo aberto para muitas negociações, conciliações e adaptações que vão alinhavando a melhor conduta a ser praticada nas relações de consumo. A exemplo disso, muitas empresas passaram a melhor redigir seus contratos, a esclarecer melhor os manuais de instrução dos seus produtos e a qualificar melhor seus funcionários em bene- fício da coletividade. 30 | Éticas e normas Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Código de Hamurabi - aproximadamente 1780 a.C. C Sexto rei sumério durante período controverso (1792-1750 ou 1730-1685 A.C.) e nascido em Babel, “Khammu-rabi” (pronúncia em babilônio) foi fundador do 1o Império Babilônico (correspondente ao atual Iraque), unificando amplamente o mundo mesopotâmico, unindo os semitas e os sumérios e levando a Babilônia ao máximo esplendor. O nome de Hamurabi permanece indissociavelmente ligado ao código jurídico tido como o mais remoto já descoberto: o Código de Hamurabi. O legislador babilônico consolidou a tradição jurídica, harmonizou os costumes e estendeu o direito e a lei a todos os súditos. Seu código estabelecia regras de vida e de propriedade, apresentando leis específicas, sobre situações concretas e pontuais. O texto de 281 preceitos (indo de 1 a 282 mas excluindo a cláusula 13 por superstições da época) foi reencontrado sob as ruínas da acrópole de Susa por uma delegação francesa na Pérsia e transportado para o Museu do Louvre, Paris. Consiste em um monumento talhado em dura pedra negra e cilíndrica de diorito. O tronco de pedra possui 2,25m de altura,1,60m de circunferência na parte superior e 1,90m na base. Toda a superfície dessa “estela” cilíndrica de diorito está coberta por denso texto cuneiforme, de escrita acádica. Em um alto-relevo retrata-se a figura de “Khammu- rabi” recebendo a insígnia do reinado e da justiça de Shamash, deus dos oráculos. O código apresenta, dispostas em 46 colunas de 3.600 linhas, a jurisprudência de seu tempo, um agrupamento de disposições casuísticas, de ordem civil, penal e administrativa. Mesmo havendo sido formulado a cerca de 4000 anos, o Código de Hamurabi apresenta algumas tentativas primeiras de garantias dos direitos humanos. � Código de Hamurabi � Fonte: Museu do Louvre, Paris � (trechos selecionados) 1. Se alguém enganar a outrem, difamando esta pessoa, e este outrem não puder provar, então que aquele que enganou deve ser condenado à morte. 2. Se alguém fizer uma acusação a outrem, e o acusado for ao rio e pular neste rio, se ele afundar, seu acusador deverá tomar posse da casa do culpado, e se ele escapar sem ferimentos, o acusado não será culpado, e então aquele que fez a acusação deverá ser condenado à morte, enquanto que aquele que pulou no rio deve tomar posse da casa que pertencia a seu acusador. 3. Se alguém trouxer uma acusação de um crime frente aos anciões, e este alguém não trouxer provas, se for pena capital, este alguém deverá ser condenado à morte. (...) 5. Um juiz deve julgar um caso, alcançar um veredicto e apresentá-lo por escrito. Se erro posterior aparecer na decisão do juiz, e tal juiz for culpado, então ele deverá pagar doze vezes a pena que ele mesmo instituiu para o caso, sendo publicamente destituído de sua posição de juiz, e jamais sentar- se novamente para efetuar julgamentos. 6. Se alguém roubar a propriedade de um templo ou corte, ele deve ser condenado à morte, e também aquele que receber o produto do roubo do ladrão deve ser igualmente condenado à morte. 7. Se alguém comprar o filho ou o escravo de outro homem sem testemunhas ou um contrato, prata ou ouro, um escravo ou escrava, um boi ou ovelha, uma cabra ou seja o que for, se ele tomar este bem, este alguém será considerado um ladrão e deverá ser condenado à morte. 8. Se alguém roubar gado ou ovelhas, ou uma cabra, ou asno, ou porco, se este animal pertencer a um deus ou à corte, o ladrão deverá pagar trinta vezes o valor do furto; se tais bens pertencerem a um homem libertado que serve ao rei, este alguém deverá pagar 10 vezes o valor do furto, e se o ladrão não tiver com o que pagar seu furto, então ele deverá ser condenado à morte. 9. Se alguém perder algo e encontrar este objeto na posse de outro: se a pessoa em cuja posse estiver o objeto disser " um mercador vendeu isto para mim, eu paguei por este objeto na frente de testemunhas" e se o proprietário disse" eu trarei testemunhas para que conhecem minha propriedade" , então o comprador deverá trazer o mercador de quem comprou o objeto e as testemunhas que o viram fazer isto, e o proprietário deverá trazer testemunhas que possam identificar sua propriedade. O juiz deve examinar os testemunhos dos dois lados, inclusive o das testemunhas. Se o mercador for considerado pelas provas ser um ladrão, ele deverá ser condenado à morte. O dono do artigo perdido recebe então sua propriedade e aquele que a comprou recebe o dinheiro pago por ela das posses do mercador. 10. Se o comprador não trouxer o mercador e testemunhas ante a quem ante quem ele comprou o artigo, mas seu proprietário trouxer testemunhas para identificar o objeto, então o comprador é o ladrão e deve ser condenado à morte, sendo que o proprietário recebe a propriedade perdida. 11. Se o proprietário não trouxer testemunhas para identificar o artigo perdido, então ele está mal- intencionado, e deve ser condenado à morte. 12. Se as testemunhas não estiverem disponíveis, então o juiz deve estabelecer um limite, que se expire em seis meses. Se suas testemunhas não aparecerem dentro de seis meses, o juiz estará agindo de má fé e deverá pagar a multa do caso pendente. [Nota: não há 13ªLei no Código, 13 provavelmente sendo considerado um número de azar ou então sacro] 14. Se alguém roubar o filho menor de outrem, este alguém deve ser condenado à morte. 15. Se alguém tomar um escravo homem ou mulher da corte para fora dos limites da cidade, e se tal escravo homem ou mulher, pertencer a um homem liberto, este alguém deve ser condenado à morte. 16. Se alguém receber em sua casa um escravo fugitivo da corte, homem ou mulher, e não trouxe-lo à proclamação pública na casa do governante local ou de um homem livre, o mestre da casa deve condenado à morte. 17. Se alguém encontrar um escravo ou escrava fugitivos em terra aberta e trouxe-los a seus mestres, o mestre dos escravos deverá pagar a este alguém dois shekels de prata. 18. Se o escravo não der o nome de seu mestre, aquele que o encontrou deve trazê-lo ao palácio; uma investigação posterior deve ser feita, e o escravo devolvido a seu mestre. 19. Se este alguém mantiver os escravos em sua casa, e eles forem pegos lá, ele deverá ser condenado à morte. 20. Se o escravo que ele capturou fugir dele, então ele deve jurar aos proprietários do escravo, e ficar livre de qualquer culpa. 21. Se alguém arrombar uma casa, ele deverá ser condenado à morte na frente do local do arrombamento e ser enterrado. 22. Se estiver cometendo um roubo e for pego em flagrante, então ele deverá ser condenado à morte. 23. Se o ladrão não for pego, então aquele que foi roubado deve jurar a quantia de sua perda; então a comunidade e... em cuja terra e em cujo domínio deve compensá-lo pelos bens roubados. (...) 38. Um capitão, homem ou alguém sujeito a despejo não pode responsabilizar por a manutenção do campo, jardim e casa a sua esposa ou filha, nem pode usar este bem para pagar um débito. 39. Ele pode, entretanto, assinalar um campo, jardim ou casa que comprou e que mantém como sua propriedade, para sua esposa ou filha e dar-lhes como débito. 40. Ele pode vender campo, jardim e casa a um agente real ou a qualquer outro agente público, sendo que o comprador terá então o campo, a casa e o jardim para seu usufruto. 41. Se fizer uma cerca ao redor do campo, jardim e casa de um capitão ou soldado, quando do retorno destes, a campo, jardim e casa deverão retornar ao proprietário. 42. Se alguém trabalhar o campo, mas não obtiver colheita dele, deve ser provado que ele não trabalhou no campo, e ele deve entregar os grãos para o dono do campo. 43. Se ele não trabalhar o campo e deixá-lo pior, ele deverá retrabalhar a terra e então entregá-la de volta ao seu dono. (...) 48. Se alguém tiver um débito de empréstimo e uma tempestade prostrar os grãos ou a colheita for ruim ou os grãos não crescerem por falta d'água, naquele ano a pessoa não precisa dar ao seu credor dinheiro algum, ele devendo lavar sua tábua de débito na água e não pagar aluguel naquele ano. (...) 116. Se o prisioneiro morrer na prisão por mau tratamento, o chefe da prisão deverá condenar o mercador frente ao juiz. Caso o prisioneiro seja um homem livre, o filho do mercador deverá ser condenado à morte; se ele era um escravo, ele deverá pagar 1/3 de uma mina em outro, e o chefe de prisão deve pagar pela negligência. (...) 127. Se alguém "apontar o dedo" (enganar) a irmã de um deus ou a esposa de outro alguém e não puder provar o que disse, esta pessoa deve ser levada frente aos juizes e sua sobrancelha deverá ser marcada. 128. Se um homem tomar uma mulher como esposa, mas não tiver relações com ela, esta mulher não será esposa dele. 129. Se a esposa de alguém for surpreendida em flagrante com outro homem, ambos devem ser amarrados e jogados dentro d'água, mas o marido pode perdoar a sua esposa, assim como o rei perdoa a seus escravos. 130. Se um homem violar a esposa (prometida ou esposa-criança) de outro homem, o violador deverá ser condenado à morte, mas a esposa estará isenta de qualquer culpa. 131. Se um homem acusar a esposa de outrém, mas ela não for surpreendidacom outro homem, ela deve fazer um juramento e então voltar para casa. 132. Se o "dedo for apontado" para a esposa de um homem por causa de outro homem, e ela não for pega dormindo com o outro homem, ela deve pular no rio por seu marido. 133. Se um homem for tomado como prisioneiro de guerra, e houver sustento em sua casa, mas mesmo assim sua esposa deixar a casa por outra, esta mulher deverá ser judicialmente condenada e atirada na água. 134. Se um homem for feito prisioneiro de guerra e não houver quem sustente sua esposa, ela deverá ir para outra casa, e a mulher estará isenta de toda e qualquer culpa. 135. Se um homem for feito prisioneiro de guerra e não houver quem sustente sua esposa, ela deverá ir para outra casa e criar seus filhos. Se mais tarde o marido retornar e voltar à casa, então a esposa deverá retornar ao marido, assim como as crianças devem seguir seu pai. 136. Se fugir de sua casa, então sua esposa deve ir para outra casa. Se este homem voltar e desejar Ter sua esposa de volta, por que ele fugiu, a esposa não precisa retornar a seu marido. 137. Se um homem quiser se separar de uma mulher ou esposa que lhe deu filhos, então ele deve dar de volta o dote de sua esposa e parte do usufruto do campo, jardim e casa, para que ela possa criar os filhos. Quando ela tiver criado os filhos, uma parte do que foi dado aos filhos deve ser dada a ela, e esta parte deve ser igual a de um filho. A esposa poderá então se casar com quem quiser. 138. Se um homem quiser se separar de sua esposa que lhe deu filhos, ele deve dar a ela a quantia do preço que pagou por ela e o dote que ela trouxe da casa de seu pai, e deixá-la partir. (...) 148. Se um homem tomar uma esposa, e ela adoecer, se ele então desejar tomar uma Segunda esposa, ele não deverá abandonar sua primeira esposa que foi atacada por uma doença, devendo mantê-la em casa e sustentá-la na casa que construiu para ela enquanto esta mulher viver. (...) 154. Se um homem for culpado de incesto com sua filha, ele deverá ser exilado. 155. Se um homem prometer uma donzela a seu filho e seu filho ter relações com ela, mas o pai também tiver relações com a moça, então o pai deve ser preso e ser atirado na água para se afogar. (...) 185. Se um homem adotar uma criança e der seu nome a ela como filho, criando-o, este filho crescido não poderá ser reclamado por outrém. 186. Se um homem adotar uma criança e esta criança ferir seu pai ou mãe adotivos, então esta criança adotada deverá ser devolvida à casa de seu pai. (...) 190. Se um homem não sustentar a criança que adotou como filho e criá-lo com outras crianças, então o filho adotivo pode retornar à casa de seu pai. 191. Se um homem, que tenha adotado e criado um filho, fundado um lar e tido filhos, desejar desistir de seu filho adotivo, este filho não deve simplesmente desistir de seus direitos. Seu pai adotivo deve dar-lhe parte da legítima, e só então o filho adotivo poderá partir, se quiser. Ele não deve dar, porém, campo, jardim ou casa a este filho. (...) 194. Se alguém der seu filho para uma ama (babá) e a criança morrer nas mãos desta ama, mas a ama, com o desconhecimento do pai e da mãe, cuidar de outra criança, então eles devem acusá-la de estar cuidando de uma outra criança sem o conhecimento do pai e da mãe. O castigo desta mulher será Ter os seus seios cortados. (...) - continua até 282. “...Para que o forte não prejudique o mais fraco, afim de proteger as viúvas e os órfãos, ergui a Babilônia...para falar de justiça a toda a terra, para resolver todas as disputas e sanar todos os ferimentos, elaborei estas palavras preciosas...” (retirado do Epílogo do Código de Hamurabi). ( DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DO HOMEM E DO CIDADÃO DE 1789 Os representantes do povo francês, constituídos em ASSEMBLEIA NACIONAL, considerando que a ignorância, o esquecimento ou o desprezo dos direitos do homem são as únicas causas das desgraças públicas e da corrupção dos Governos, resolveram expor em declaração solene os Direitos naturais, inalienáveis e sagrados do Homem, a fim de que esta declaração, constantemente presente em todos os membros do corpo social, lhes lembre sem cessar os seus direitos e os seus deveres; a fim de que os actos do Poder legislativo e do Poder executivo, a instituição política, sejam por isso mais respeitados; a fim de que as reclamações dos cidadãos, doravante fundadas em princípios simples e incontestáveis, se dirijam sempre à conservação da Constituição e à felicidade geral. Por consequência, a ASSEMBLEIA NACIONAL reconhece e declara, na presença e sob os auspícios do Ser Supremo, os seguintes direitos do Homem e do Cidadão: Artigo 1º- Os homens nascem e são livres e iguais em direitos. As distinções sociais só podem fundar-se na utilidade comum. Artigo 2º- O fim de toda a associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem. Esses Direitos são a liberdade. a propriedade, a segurança e a resistência à opressão. Artigo 3º- O princípio de toda a soberania reside essencialmente em a Nação. Nenhuma corporação, nenhum indivíduo pode exercer autoridade que aquela não emane expressamente. Artigo 4º- A liberdade consiste em poder fazer tudo aquilo que não prejudique outrem: assim, o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem por limites senão os que asseguram aos outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Estes limites apenas podem ser determinados pela Lei. Artigo 5º- A Lei não proíbe senão as acções prejudiciais à sociedade. Tudo aquilo que não pode ser impedido, e ninguém pode ser constrangido a fazer o que ela não ordene. Artigo 6º- A Lei é a expressão da vontade geral. Todos os cidadãos têm o direito de concorrer, pessoalmente ou através dos seus representantes, para a sua formação. Ela deve ser a mesma para todos, quer se destine a proteger quer a punir. Todos os cidadãos são iguais a seus olhos, são igualmente admissíveis a todas as dignidades, lugares e empregos públicos, segundo a sua capacidade, e sem outra distinção que não seja a das suas virtudes e dos seus talentos. Artigo 7º- Ninguém pode ser acusado, preso ou detido senão nos casos determinados pela Lei e de acordo com as formas por esta prescritas. Os que solicitam, expedem, executam ou mandam executar ordens arbitrárias devem ser castigados; mas qualquer cidadão convocado ou detido em virtude da Lei deve obedecer imediatamente, senão torna-se culpado de resistência. Artigo 8º- A Lei apenas deve estabelecer penas estrita e evidentemente necessárias, e ninguém pode ser punido senão em virtude de uma lei estabelecida e promulgada antes do delito e legalmente aplicada. Artigo 9º- Todo o acusado se presume inocente até ser declarado culpado e, se se julgar indispensável prendê- lo, todo o rigor não necessário à guarda da sua pessoa, deverá ser severamente reprimido pela Lei. Artigo 10º- Ninguém pode ser inquietado pelas suas opiniões, incluindo opiniões religiosas, contando que a manifestação delas não perturbe a ordem pública estabelecida pela Lei. Artigo 11º- A livre comunicação dos pensamentos e das opiniões é um dos mais preciosos direitos do Homem; todo o cidadão pode, portanto, falar, escrever, imprimir livremente, respondendo, todavia, pelos abusos desta liberdade nos termos previstos na Lei. Artigo 12º- A garantia dos direitos do Homem e do Cidadão carece de uma força pública; esta força é, pois, instituída para vantagem de todos, e não para utilidade particular daqueles a quem é confiada. Artigo 13º- Para a manutenção da força pública e para as despesas de administração é indispensável uma contribuição comum, que deve ser repartida entre os cidadãos de acordo com as suas possibilidades. Artigo 14º- Todos os cidadãos têm o direito de verificar, por si ou pelos seus representantes, a necessidade da contribuição pública, de consenti- la livremente, de observar o seu emprego e de lhefixar a repartição, a colecta, a cobrança e a duração. Artigo 15º- A sociedade tem o direito de pedir contas a todo o agente público pela sua administração. Artigo 16º- Qualquer sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos, nem estabelecida a separação dos poderes não tem Constituição. Artigo 17º- Como a propriedade é um direito inviolável e sagrado, ninguém dela pode ser privado, a não ser quando a necessidade pública legalmente comprovada o exigir evidentemente e sob condição de justa e prévia indemnização. 2a edição Atualizada até setembro de 2017 Código de Defesa do Consumidor e normas correlatas Código de Defesa do Consumidor e normas correlatas SENADO FEDERAL Mesa Biênio 2017 – 2018 Senador Eunício Oliveira PRESIDENTE Senador Cássio Cunha Lima PRIMEIRO-VICE-PRESIDENTE Senador João Alberto Souza SEGUNDO-VICE-PRESIDENTE Senador José Pimentel PRIMEIRO-SECRETÁRIO Senador Gladson Cameli SEGUNDO-SECRETÁRIO Senador Antonio Carlos Valadares TERCEIRO-SECRETÁRIO Senador Zeze Perrella QUARTO-SECRETÁRIO SUPLENTES DE SECRETÁRIO Senador Eduardo Amorim Senador Sérgio Petecão Senador Davi Alcolumbre Senador Cidinho Santos Brasília – 2017 Código de Defesa do Consumidor e normas correlatas 2a edição Secretaria de Editoração e Publicações Coordenação de Edições Técnicas Código de defesa do consumidor e normas correlatas. – 2. ed. – Brasília : Senado Federal, Coordenação de Edições Técnicas, 2017. 132 p. ISBN: 978-85-7018-872-4 Conteúdo: Dispositivos constitucionais pertinentes – Normas principais – Lei no 8.078/1990 – Decreto no 7.962/2013 – Decreto no 6.523/2008 – Decreto no 5.903/2006 – Decreto no 2.181/1997 – Normas correlatas. 1. Direito do consumidor, legislação, Brasil. 2. Proteção e defesa do consumidor, Brasil. 3. Relação de consumo, Brasil. 4. Brasil. [Código de proteção e defesa do consumidor (1990)]. CDD 342.5 Coordenação de Edições Técnicas Senado Federal, Bloco 08, Mezanino, Setor 011 CEP: 70165-900 – Brasília, DF E-mail: livros@senado.leg.br Alô Senado: 0800 61 2211 Edição do Senado Federal Diretora-Geral: Ilana Trombka Secretário-Geral da Mesa: Luiz Fernando Bandeira de Mello Filho Impressa na Secretaria de Editoração e Publicações Diretor: Fabrício Ferrão Araújo Produzida na Coordenação de Edições Técnicas Coordenador: Aloysio de Brito Vieira Organização: Nerione Nunes Cardoso Júnior Atualização: Kilpatrick Campelo Revisão técnica: Fábio Harlan e Marcelo Larroyed Revisão de provas: Vilma de Sousa Editoração eletrônica: Rejane Campos Capa e ilustrações: Serviço de Publicações Técnico-Legislativas Projeto gráfico: Raphael Melleiro e Rejane Campos Atualizada até setembro de 2017. Sumário 7 Apresentação Dispositivos constitucionais pertinentes 10 Constituição da República Federativa do Brasil Normas principais Lei no 8.078/1990 Título I – Dos Direitos do Consumidor 12 Capítulo I – Disposições Gerais 12 Capítulo II – Da Política Nacional de Relações de Consumo 13 Capítulo III – Dos Direitos Básicos do Consumidor Capítulo IV – Da Qualidade de Produtos e Serviços, da Prevenção e da Reparação dos Danos 13 Seção I – Da Proteção à Saúde e Segurança 14 Seção II – Da Responsabilidade pelo Fato do Produto e do Serviço 15 Seção III – Da Responsabilidade por Vício do Produto e do Serviço 16 Seção IV – Da Decadência e da Prescrição 17 Seção V – Da Desconsideração da Personalidade Jurídica Capítulo V – Das Práticas Comerciais 17 Seção I – Das Disposições Gerais 17 Seção II – Da Oferta 18 Seção III – Da Publicidade 18 Seção IV – Das Práticas Abusivas 19 Seção V – Da Cobrança de Dívidas 19 Seção VI – Dos Bancos de Dados e Cadastros de Consumidores Capítulo VI – Da Proteção Contratual 20 Seção I – Disposições Gerais 20 Seção II – Das Cláusulas Abusivas 21 Seção III – Dos Contratos de Adesão 22 Capítulo VII – Das Sanções Administrativas 23 Título II – Das Infrações Penais O conteúdo aqui apresentado está atualizado até a data de fechamento da edição. Eventuais notas de rodapé trazem informações complementares acerca dos dispositivos que compõem as normas compiladas. Título III – Da Defesa do Consumidor em Juízo 25 Capítulo I – Disposições Gerais 26 Capítulo II – Das Ações Coletivas para a Defesa de Interesses Individuais Homogêneos 27 Capítulo III – Das Ações de Responsabilidade do Fornecedor de Produtos e Serviços 27 Capítulo IV – Da Coisa Julgada 28 Título IV – Do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor 28 Título V – Da Convenção Coletiva de Consumo 29 Título VI – Disposições Finais 31 Decreto no 7.962/2013 33 Decreto no 6.523/2008 36 Decreto no 5.903/2006 39 Decreto no 2.181/1997 Normas correlatas 54 Lei no 13.455/2017 55 Lei no 12.965/2014 63 Lei no 12.741/2012 65 Lei no 12.529/2011 90 Lei no 12.414/2011 94 Lei no 12.291/2010 95 Lei no 10.962/2004 97 Lei no 9.870/1999 99 Lei no 9.656/1998 114 Lei no 8.987/1995 115 Lei no 8.137/1990 119 Decreto-Lei no 2.848/1940 120 Decreto no 8.771/2016 124 Decreto no 7.963/2013 128 Decreto no 4.680/2003 130 Decreto no 1.306/1994 7 A pr es en ta çã o Apresentação As obras de legislação do Senado Federal visam a permitir o acesso do cidadão à legislação em vigor relativa a temas específicos de interesse público. Tais coletâneas incluem dispositivos constitucionais, códigos ou leis principais sobre o tema, além de normas correlatas e acordos internacionais relevantes, a depender do assunto. Por meio de compilação atualizada e fidedigna, apresenta-se ao leitor um painel consistente para estudo e consulta. O índice temático, quando apresentado, oferece verbetes com tópicos de relevo, tornando fácil e rápida a consulta a dispositivos de interesse mais pontual. Na Livraria Virtual do Senado (www.senado.leg.br/livraria), além das obras impressas disponíveis para compra direta, o leitor encontra e-books para download imediato e gratuito. Sugestões e críticas podem ser registradas na página da Livraria e certamente contribuirão para o aprimoramento de nossos livros e periódicos. Dispositivos constitucionais pertinentes 10 C ód ig o de D ef es a do C on su m id or Constituição da República Federativa do Brasil �������������������������������������������������������������������������������� TÍTULO II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais CAPÍTULO I – Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos Art. 5o Todos são iguais perante a lei, sem dis- tinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: �������������������������������������������������������������������������������� XXXII – o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor; �������������������������������������������������������������������������������� TÍTULO III – Da Organização do Estado �������������������������������������������������������������������������������� CAPÍTULO II – Da União �������������������������������������������������������������������������������� Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: �������������������������������������������������������������������������������� VIII – responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; �������������������������������������������������������������������������������� TÍTULO VI – Da Tributação e do Orçamento CAPÍTULO I – Do Sistema Tributário Nacional �������������������������������������������������������������������������������� SEÇÃO II – Das Limitações do Poder de Tributar Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Muni- cípios: �������������������������������������������������������������������������������� § 5o A lei determinará medidas para que os consumidores sejam esclarecidosacerca dos impostos que incidam sobre mercadorias e serviços� �������������������������������������������������������������������������������� TÍTULO VII – Da Ordem Econômica e Financeira CAPÍTULO I – Dos Princípios Gerais da Atividade Econômica Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre ini- ciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: �������������������������������������������������������������������������������� V – defesa do consumidor; �������������������������������������������������������������������������������� ATO DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS �������������������������������������������������������������������������������� Art. 48. O Congresso Nacional, dentro de cen- to e vinte dias da promulgação da Constituição, elaborará código de defesa do consumidor� Normas principais 12 C ód ig o de D ef es a do C on su m id or Lei no 8.078/1990 Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: TÍTULO I – Dos Direitos do Consumidor CAPÍTULO I – Disposições Gerais Art. 1o O presente Código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de or- dem pública e interesse social, nos termos dos arts. 5o, inciso XXXII, 170, inciso V, da Cons- tituição Federal e art. 48 de suas Disposições Transitórias. Art. 2o Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indeter- mináveis, que haja intervindo nas relações de consumo. Art. 3o Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou es- trangeira, bem como os entes despersonaliza- dos, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transforma- ção, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. § 1o Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial. § 2o Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remunera- ção, inclusive as de natureza bancária, financei- ra, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista. CAPÍTULO II – Da Política Nacional de Relações de Consumo Art. 4o A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: I – reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo; II – ação governamental no sentido de pro- teger efetivamente o consumidor: a) por iniciativa direta; b) por incentivos à criação e desenvolvi- mento de associações representativas; c) pela presença do Estado no mercado de consumo; d) pela garantia dos produtos e serviços com padrões adequados de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho; III – harmonização dos interesses dos par- ticipantes das relações de consumo e compa- tibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores; IV – educação e informação de fornecedo- res e consumidores, quanto aos seus direitos e deveres, com vistas à melhoria do mercado de consumo; V – incentivo à criação pelos fornecedores de meios eficientes de controle de qualidade e segurança de produtos e serviços, assim como de mecanismos alternativos de solução de conflitos de consumo; VI – coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo, 13 N or m as p rin ci pa is inclusive a concorrência desleal e utilização indevida de inventos e criações industriais das marcas e nomes comerciais e signos distintivos, que possam causar prejuízos aos consumidores; VII – racionalização e melhoria dos serviços públicos; VIII – estudo constante das modificações do mercado de consumo. Art. 5o Para a execução da Política Nacional das Relações de Consumo, contará o poder público com os seguintes instrumentos, entre outros: I – manutenção de assistência jurídica, integral e gratuita para o consumidor carente; II – instituição de Promotorias de Justiça de Defesa do Consumidor, no âmbito do Minis- tério Público; III – criação de delegacias de polícia espe- cializadas no atendimento de consumidores vítimas de infrações penais de consumo; IV – criação de Juizados Especiais de Pe- quenas Causas e Varas Especializadas para a solução de litígios de consumo; V – concessão de estímulos à criação e de- senvolvimento das Associações de Defesa do Consumidor. § 1o (Vetado) § 2o (Vetado) CAPÍTULO III – Dos Direitos Básicos do Consumidor Art. 6o São direitos básicos do consumidor: I – a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços conside- rados perigosos ou nocivos; II – a educação e divulgação sobre o consu- mo adequado dos produtos e serviços, assegu- radas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações; III – a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especifica- ção correta de quantidade, características, com- posição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem; IV – a proteção contra a publicidade engano- sa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de pro- dutos e serviços; V – a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas; VI – a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, co- letivos e difusos; VII – o acesso aos órgãos judiciários e admi- nistrativos com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção jurí- dica, administrativa e técnica aos necessitados; VIII – a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências; IX – (Vetado); X – a adequada e eficaz prestação dos servi- ços públicos em geral. Parágrafo único. A informação de que trata o inciso III do caput deste artigo deve ser acessível à pessoa com deficiência, observado o disposto em regulamento. Art. 7o Os direitos previstos neste Código não excluem outros decorrentes de tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas competentes, bem como dos que derivem dos princípios gerais do direito, analogia, costumes e equidade. Parágrafo único. Tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo. CAPÍTULO IV – Da Qualidade de Produtos e Serviços, da Prevenção e da Reparação dos Danos SEÇÃO I – Da Proteção à Saúde e Segurança Art. 8o Os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à 14 C ód ig o de D ef es a do C on su m id or saúde ou segurança dos consumidores, exceto os considerados normais e previsíveis em de- corrência de sua natureza e fruição, obrigan- do-se os fornecedores, em qualquer hipótese, a dar as informações necessárias e adequadasa seu respeito. Parágrafo único. Em se tratando de produto industrial, ao fabricante cabe prestar as infor- mações a que se refere este artigo, através de impressos apropriados que devam acompanhar o produto. Art. 9o O fornecedor de produtos e serviços potencialmente nocivos ou perigosos à saúde ou segurança deverá informar, de maneira os- tensiva e adequada, a respeito da sua nocividade ou periculosidade, sem prejuízo da adoção de outras medidas cabíveis em cada caso concreto. Art. 10. O fornecedor não poderá colocar no mercado de consumo produto ou serviço que sabe ou deveria saber apresentar alto grau de nocividade ou periculosidade à saúde ou segurança. § 1o O fornecedor de produtos e serviços que, posteriormente à sua introdução no mercado de consumo, tiver conhecimento da periculosidade que apresentem, deverá co- municar o fato imediatamente às autoridades competentes e aos consumidores, mediante anúncios publicitários. § 2o Os anúncios publicitários a que se refere o parágrafo anterior serão veiculados na imprensa, rádio e televisão, às expensas do fornecedor do produto ou serviço. § 3o Sempre que tiverem conhecimento de periculosidade de produtos ou serviços à saúde ou segurança dos consumidores, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão informá-los a respeito. Art. 11. (Vetado) SEÇÃO II – Da Responsabilidade pelo Fato do Produto e do Serviço Art. 12. O fabricante, o produtor, o constru- tor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acon- dicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos. § 1o O produto é defeituoso quando não oferece a segurança que dele legitimamente se espera, levando-se em consideração as circuns- tâncias relevantes, entre as quais: I – sua apresentação; II – o uso e os riscos que razoavelmente dele se esperam; III – a época em que foi colocado em cir- culação. § 2o O produto não é considerado defeituo- so pelo fato de outro de melhor qualidade ter sido colocado no mercado. § 3o O fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não será responsabilizado quando provar: I – que não colocou o produto no mercado; II – que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste; III – a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. Art. 13. O comerciante é igualmente respon- sável, nos termos do artigo anterior, quando: I – o fabricante, o construtor, o produtor ou o importador não puderem ser identificados; II – o produto for fornecido sem identifica- ção clara do seu fabricante, produtor, construtor ou importador; III – não conservar adequadamente os pro- dutos perecíveis. Parágrafo único. Aquele que efetivar o pagamento ao prejudicado poderá exercer o direito de regresso contra os demais responsá- veis, segundo sua participação na causação do evento danoso. Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumido- res por defeitos relativos à prestação dos servi- ços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. 15 N or m as p rin ci pa is § 1o O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais: I – o modo de seu fornecimento; II – o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam; III – a época em que foi fornecido. § 2o O serviço não é considerado defeituoso pela adoção de novas técnicas. § 3o O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar: I – que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste; II – a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. § 4o A responsabilidade pessoal dos pro- fissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa. Art. 15. (Vetado) Art. 16. (Vetado) Art. 17. Para os efeitos desta Seção, equipa- ram-se aos consumidores todas as vítimas do evento. SEÇÃO III – Da Responsabilidade por Vício do Produto e do Serviço Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respon- dem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com as indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotu- lagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas. § 1o Não sendo o vício sanado no prazo má- ximo de trinta dias, pode o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha: I – a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso; II – a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos; III – o abatimento proporcional do preço. § 2o Poderão as partes convencionar a redução ou ampliação do prazo previsto no parágrafo anterior, não podendo ser inferior a sete nem superior a cento e oitenta dias. Nos contratos de adesão, a cláusula de prazo deverá ser convencionada em separado, por meio de manifestação expressa do consumidor. § 3o O consumidor poderá fazer uso imediato das alternativas do § 1o deste artigo sempre que, em razão da extensão do vício, a substituição das partes viciadas puder com- prometer a qualidade ou características do produto, diminuir-lhe o valor ou se tratar de produto essencial. § 4o Tendo o consumidor optado pela al- ternativa do inciso I do § 1o deste artigo, e não sendo possível a substituição do bem, poderá haver substituição por outro de espécie, marca ou modelo diversos, mediante complementação ou restituição de eventual diferença de preço, sem prejuízo do disposto nos incisos II e III do § 1o deste artigo. § 5o No caso de fornecimento de produtos in natura, será responsável perante o consu- midor o fornecedor imediato, exceto quando identificado claramente seu produtor. § 6o São impróprios ao uso e consumo: I – os produtos cujos prazos de validade estejam vencidos; II – os produtos deteriorados, alterados, adulterados, avariados, falsificados, corrom- pidos, fraudados, nocivos à vida ou à saúde, perigosos ou, ainda, aqueles em desacordo com as normas regulamentares de fabricação, distribuição ou apresentação; III – os produtos que, por qualquer mo- tivo, se revelem inadequados ao fim a que se destinam. Art. 19. Os fornecedores respondem soli- dariamente pelos vícios de quantidade do produto sempre que, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, seu conteúdo líquido for inferior às indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou de 16 C ód ig o de D ef es a do C on su m id or mensagem publicitária, podendo o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha: I – o abatimento proporcional do preço; II – complementação do peso ou medida; III – a substituição do produto por outro da mesma espécie, marca ou modelo, sem os aludidos vícios; IV – a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos. § 1o Aplica-se a este artigo o disposto no § 4o do artigo anterior. § 2o O fornecedor imediato será responsável quando fizer a pesagem ou a medição e o ins- trumento utilizado não estiver aferido segundo os padrões oficiais. Art. 20. O fornecedor de serviços responde pelos vícios de qualidade que os tornem im- próprios ao consumo ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da dispari- dade com as indicações constantes da oferta ou mensagem publicitária, podendo o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha: I – a reexecução dosserviços, sem custo adicional e quando cabível; II – a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos; III – o abatimento proporcional do preço. § 1o A reexecução dos serviços poderá ser confiada a terceiros devidamente capacitados, por conta e risco do fornecedor. § 2o São impróprios os serviços que se mostrem inadequados para os fins que razoa- velmente deles se esperam, bem como aqueles que não atendam as normas regulamentares de prestabilidade. Art. 21. No fornecimento de serviços que tenham por objetivo a reparação de qualquer produto considerar-se-á implícita a obrigação do fornecedor de empregar componentes de reposição originais adequados e novos, ou que mantenham as especificações técnicas do fabri- cante, salvo, quanto a estes últimos, autorização em contrário do consumidor. Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos. Parágrafo único. Nos casos de descumpri- mento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compeli- das a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste Código. Art. 23. A ignorância do fornecedor sobre os vícios de qualidade por inadequação dos produ- tos e serviços não o exime de responsabilidade. Art. 24. A garantia legal de adequação do pro- duto ou serviço independe de termo expresso, vedada a exoneração contratual do fornecedor. Art. 25. É vedada a estipulação contratual de cláusula que impossibilite, exonere ou atenue a obrigação de indenizar prevista nesta e nas Seções anteriores. § 1o Havendo mais de um responsável pela causação do dano, todos responderão solida- riamente pela reparação prevista nesta e nas Seções anteriores. § 2o Sendo o dano causado por componente ou peça incorporada ao produto ou serviço, são responsáveis solidários seu fabricante, construtor ou importador e o que realizou a incorporação. SEÇÃO IV – Da Decadência e da Prescrição Art. 26. O direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação caduca em: I – trinta dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produto não duráveis; II – noventa dias, tratando-se de forneci- mento de serviço e de produto duráveis. § 1o Inicia-se a contagem do prazo decaden- cial a partir da entrega efetiva do produto ou do término da execução dos serviços. § 2o Obstam a decadência: I – a reclamação comprovadamente formu- lada pelo consumidor perante o fornecedor de produtos e serviços até a resposta negativa correspondente, que deve ser transmitida de forma inequívoca; 17 N or m as p rin ci pa is II – (Vetado); III – a instauração de inquérito civil, até seu encerramento. § 3o Tratando-se de vício oculto, o prazo decadencial inicia-se no momento em que ficar evidenciado o defeito. Art. 27. Prescreve em cinco anos a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço prevista na Seção II deste Capítulo, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria. Parágrafo único. (Vetado) SEÇÃO V – Da Desconsideração da Personalidade Jurídica Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a per- sonalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efeti- vada quando houver falência, estado de insol- vência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração. § 1o (Vetado) § 2o As sociedades integrantes dos grupos societários e as sociedades controladas, são subsidiariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste Código. § 3o As sociedades consorciadas são so- lidariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste Código. § 4o As sociedades coligadas só responderão por culpa. § 5o Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarci- mento de prejuízos causados aos consumidores. CAPÍTULO V – Das Práticas Comerciais SEÇÃO I – Das Disposições Gerais Art. 29. Para os fins deste Capítulo e do se- guinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas. SEÇÃO II – Da Oferta Art. 30. Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado. Art. 31. A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações cor- retas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualida- des, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores. Parágrafo único. As informações de que trata este artigo, nos produtos refrigerados oferecidos ao consumidor, serão gravadas de forma indelével. Art. 32. Os fabricantes e importadores deve- rão assegurar a oferta de componentes e peças de reposição enquanto não cessar a fabricação ou importação do produto. Parágrafo único. Cessadas a produção ou importação, a oferta deverá ser mantida por período razoável de tempo, na forma da lei. Art. 33. Em caso de oferta ou venda por telefone ou reembolso postal, deve constar o nome do fabricante e endereço na embalagem, publicidade e em todos os impressos utilizados na transação comercial. Parágrafo único. É proibida a publicidade de bens e serviços por telefone, quando a chamada for onerosa ao consumidor que a origina. Art. 34. O fornecedor do produto ou serviço é solidariamente responsável pelos atos de seus prepostos ou representantes autônomos. Art. 35. Se o fornecedor de produtos ou servi- ços recusar cumprimento à oferta, apresentação 18 C ód ig o de D ef es a do C on su m id or ou publicidade, o consumidor poderá, alterna- tivamente e à sua livre escolha: I – exigir o cumprimento forçado da obri- gação, nos termos da oferta, apresentação ou publicidade; II – aceitar outro produto ou prestação de serviço equivalente; III – rescindir o contrato, com direito à res- tituição de quantia eventualmente antecipada, monetariamente atualizada, e a perdas e danos. SEÇÃO III – Da Publicidade Art. 36. A publicidade deve ser veiculada de tal forma que o consumidor, fácil e imediata- mente, a identifique como tal. Parágrafo único. O fornecedor, na publici- dade de seus produtos ou serviços, manterá, em seu poder, para informação dos legítimos inte- ressados, os dados fáticos, técnicos e científicos que dão sustentação à mensagem. Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva. § 1o É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publi- citário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, ca- paz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quanti- dade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços. § 2o É abusiva, dentre outras, a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a supers- tição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o con- sumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança. § 3o Para os efeitos deste Código, a publi- cidade é enganosa por omissão quando deixar de informar sobre dado essencial do produto ou serviço. § 4o (Vetado) Art. 38. O ônus da prova da veracidade e correção da informaçãoou comunicação pu- blicitária cabe a quem as patrocina. SEÇÃO IV – Das Práticas Abusivas Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:1 I – condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos; II – recusar atendimento às demandas dos consumidores, na exata medida de suas dispo- nibilidades de estoque, e, ainda, de conformi- dade com os usos e costumes; III – enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço; IV – prevalecer-se da fraqueza ou ignorân- cia do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços; V – exigir do consumidor vantagem mani- festamente excessiva; VI – executar serviços sem a prévia elabo- ração de orçamento e autorização expressa do consumidor, ressalvadas as decorrentes de práticas anteriores entre as partes; VII – repassar informação depreciativa, referente a ato praticado pelo consumidor no exercício de seus direitos; VIII – colocar, no mercado de consumo, qualquer produto ou serviço em desacordo com as normas expedidas pelos órgãos oficiais competentes ou, se normas específicas não existirem, pela Associação Brasileira de Normas Técnicas ou outra entidade credenciada pelo Conselho Nacional de Metrologia, Normaliza- ção e Qualidade Industrial (Conmetro); IX – recusar a venda de bens ou a prestação de serviços, diretamente a quem se disponha a adquiri-los mediante pronto pagamento, res- salvados os casos de intermediação regulados em leis especiais; X – elevar sem justa causa o preço de pro- dutos ou serviços; 1 Nota do Editor (NE): o inciso XI foi incluído pela Medida Provisória no 1.890-67/1999 e transfor- mado em inciso XIII, quando da conversão na Lei no 9.870/1999. 19 N or m as p rin ci pa is XII – deixar de estipular prazo para o cum- primento de sua obrigação ou deixar a fixação de seu termo inicial a seu exclusivo critério; XIII – aplicar fórmula ou índice de reajuste diverso do legal ou contratualmente estabe- lecido; XIV – permitir o ingresso em estabele- cimentos comerciais ou de serviços de um número maior de consumidores que o fixado pela autoridade administrativa como máximo. Parágrafo único. Os serviços prestados e os produtos remetidos ou entregues ao con- sumidor, na hipótese prevista no inciso III, equiparam-se às amostras grátis, inexistindo obrigação de pagamento. Art. 40. O fornecedor de serviço será obrigado a entregar ao consumidor orçamento prévio discriminando o valor da mão de obra, dos materiais e equipamentos a serem empregados, as condições de pagamento, bem como as datas de início e término dos serviços. § 1o Salvo estipulação em contrário, o valor orçado terá validade pelo prazo de dez dias, contado de seu recebimento pelo consumidor. § 2o Uma vez aprovado pelo consumidor, o orçamento obriga os contraentes e somente pode ser alterado mediante livre negociação das partes. § 3o O consumidor não responde por quais- quer ônus ou acréscimos decorrentes da con- tratação de serviços de terceiros não previstos no orçamento prévio. Art. 41. No caso de fornecimento de produtos ou de serviços sujeitos ao regime de controle ou de tabelamento de preços, os fornecedores deverão respeitar os limites oficiais sob pena de, não o fazendo, responderem pela restituição da quantia recebida em excesso, monetariamente atualizada, podendo o consumidor exigir, à sua escolha, o desfazimento do negócio, sem prejuízo de outras sanções cabíveis. SEÇÃO V – Da Cobrança de Dívidas Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumi- dor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de cons- trangimento ou ameaça. Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção mo- netária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável. Art. 42-A. Em todos os documentos de co- brança de débitos apresentados ao consumidor, deverão constar o nome, o endereço e o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas – CPF ou no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica – CNPJ do fornecedor do produto ou serviço correspondente. SEÇÃO VI – Dos Bancos de Dados e Cadastros de Consumidores Art. 43. O consumidor, sem prejuízo do disposto no art. 86, terá acesso às informações existentes em cadastros, fichas, registros e da- dos pessoais e de consumo arquivados sobre ele, bem como sobre as suas respectivas fontes. § 1o Os cadastros e dados de consumidores devem ser objetivos, claros, verdadeiros e em linguagem de fácil compreensão, não podendo conter informações negativas referentes a pe- ríodo superior a cinco anos. § 2o A abertura de cadastro, ficha, registro e dados pessoais e de consumo deverá ser co- municada por escrito ao consumidor, quando não solicitada por ele. § 3o O consumidor, sempre que encontrar inexatidão nos seus dados e cadastros, poderá exigir sua imediata correção, devendo o arqui- vista, no prazo de cinco dias úteis, comunicar a alteração aos eventuais destinatários das informações incorretas. § 4o Os bancos de dados e cadastros relati- vos a consumidores, os serviços de proteção ao crédito e congêneres são considerados entida- des de caráter público. § 5o Consumada a prescrição relativa à cobrança de débitos do consumidor, não serão fornecidas, pelos respectivos Sistemas de Pro- teção ao Crédito, quaisquer informações que 20 C ód ig o de D ef es a do C on su m id or possam impedir ou dificultar novo acesso ao crédito junto aos fornecedores. § 6o Todas as informações de que trata o caput deste artigo devem ser disponibilizadas em formatos acessíveis, inclusive para a pes- soa com deficiência, mediante solicitação do consumidor. Art. 44. Os órgãos públicos de defesa do consumidor manterão cadastros atualizados de reclamações fundamentadas contra for- necedores de produtos e serviços, devendo divulgá-lo pública e anualmente. A divulgação indicará se a reclamação foi atendida ou não pelo fornecedor. § 1o É facultado o acesso às informações lá constantes para orientação e consulta por qualquer interessado. § 2o Aplicam-se a este artigo, no que couber, as mesmas regras enunciadas no artigo anterior e as do parágrafo único do art. 22 deste Código. Art. 45. (Vetado) CAPÍTULO VI – Da Proteção Contratual SEÇÃO I – Disposições Gerais Art. 46. Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance. Art. 47. As cláusulas contratuais serão in- terpretadas de maneira mais favorável ao consumidor. Art. 48. As declarações de vontade constantes de escritos particulares, recibos e pré-contratos relativos às relações de consumo vinculam o fornecedor, ensejando inclusive execução específica, nos termos do art. 84 e parágrafos. Art. 49. O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de forne- cimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio. Parágrafo único. Se o consumidor exer- citar o direito de arrependimento previsto neste artigo, os valores eventualmente pagos, a qualquer título, durante o prazo de reflexão, serão devolvidos, de imediato, monetariamente atualizados. Art. 50. A garantia contratual é complementar à legal e será conferida mediante termo escrito. Parágrafo único. O termo de garantia ou equivalente deve ser padronizado e esclarecer, de maneira adequada, em que consiste a mesma garantia, bem como a forma, o prazoe o lugar em que pode ser exercitada e os ônus a cargo do consumidor, devendo ser-lhe entregue, de- vidamente preenchido pelo fornecedor, no ato do fornecimento, acompanhado de manual de instrução, de instalação e uso do produto em linguagem didática, com ilustrações. SEÇÃO II – Das Cláusulas Abusivas Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: I – impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis; II – subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga, nos casos pre- vistos neste Código; III – transfiram responsabilidades a ter- ceiros; IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incom- patíveis com a boa-fé ou a equidade; V – (Vetado); VI – estabeleçam inversão do ônus da prova em prejuízo do consumidor; VII – determinem a utilização compulsória de arbitragem; 21 N or m as p rin ci pa is VIII – imponham representante para con- cluir ou realizar outro negócio jurídico pelo consumidor; IX – deixem ao fornecedor a opção de con- cluir ou não o contrato, embora obrigando o consumidor; X – permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de maneira unilateral; XI – autorizem o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente, sem que igual direito seja conferido ao consumidor; XII – obriguem o consumidor a ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação, sem que igual direito lhe seja conferido contra o fornecedor; XIII – autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato, após sua celebração; XIV – infrinjam ou possibilitem a violação de normas ambientais; XV – estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor; XVI – possibilitem a renúncia do direito de indenização por benfeitorias necessárias. § 1o Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que: I – ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence; II – restringe direitos ou obrigações funda- mentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual; III – se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso. § 2o A nulidade de uma cláusula contra- tual abusiva não invalida o contrato, exceto quando de sua ausência, apesar dos esforços de integração, decorrer ônus excessivo a qualquer das partes. § 3o (Vetado) § 4o É facultado a qualquer consumidor ou entidade que o represente requerer ao Ministé- rio Público que ajuíze a competente ação para ser declarada a nulidade de cláusula contratual que contrarie o disposto neste Código ou de qualquer forma não assegure o justo equilíbrio entre direitos e obrigações das partes. Art. 52. No fornecimento de produtos ou serviços que envolva outorga de crédito ou concessão de financiamento ao consumidor, o fornecedor deverá, entre outros requisitos, informá-lo prévia e adequadamente sobre: I – preço do produto ou serviço em moeda corrente nacional; II – montante dos juros de mora e da taxa efetiva anual de juros; III – acréscimos legalmente previstos; IV – número e periodicidade das prestações; V – soma total a pagar, com e sem finan- ciamento. § 1o As multas de mora decorrentes do inadimplemento de obrigações no seu termo não poderão ser superiores a dois por cento do valor da prestação. § 2o É assegurado ao consumidor a liquida- ção antecipada do débito, total ou parcialmente, mediante redução proporcional dos juros e demais acréscimos. § 3o (Vetado) Art. 53. Nos contratos de compra e venda de móveis ou imóveis mediante pagamento em prestações, bem como nas alienações fidu- ciárias em garantia, consideram-se nulas de pleno direito as cláusulas que estabeleçam a perda total das prestações pagas em benefício do credor que, em razão do inadimplemento, pleitear a resolução do contrato e a retomada do produto alienado. § 1o (Vetado) § 2o Nos contratos do sistema de consórcio de produtos duráveis, a compensação ou a res- tituição das parcelas quitadas, na forma deste artigo, terá descontada, além da vantagem eco- nômica auferida com a fruição, os prejuízos que o desistente ou inadimplente causar ao grupo. § 3o Os contratos de que trata o caput deste artigo serão expressos em moeda corrente nacional. SEÇÃO III – Dos Contratos de Adesão Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autorida- de competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem 22 C ód ig o de D ef es a do C on su m id or que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo. § 1o A inserção de cláusula no formulário não desfigura a natureza de adesão do contrato. § 2o Nos contratos de adesão admite-se cláusula resolutória, desde que alternativa, ca- bendo a escolha ao consumidor, ressalvando-se o disposto no § 2o do artigo anterior. § 3o Os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, cujo tamanho da fonte não será inferior ao corpo doze, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor. § 4o As cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão. § 5o (Vetado) CAPÍTULO VII – Das Sanções Administrativas Art. 55. A União, os Estados e o Distrito Fe- deral, em caráter concorrente e nas suas respec- tivas áreas de atuação administrativa, baixarão normas relativas à produção, industrialização, distribuição e consumo de produtos e serviços. § 1o A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios fiscalizarão e controlarão a produção, industrialização, distribuição, a pu- blicidade de produtos e serviços e o mercado de consumo, no interesse da preservação da vida, da saúde, da segurança, da informação e do bem-estar do consumidor, baixando as normas que se fizerem necessárias. § 2o (Vetado) § 3o Os órgãos federais, estaduais, do Dis- trito Federal e municipais com atribuições para fiscalizar e controlar o mercado de consumo manterão comissões permanentes para elabora- ção, revisão e atualização das normas referidas no § 1o, sendo obrigatória a participação dos consumidores e fornecedores. § 4o Os órgãos oficiais poderão expedir notificações aos fornecedores para que, sob pena de desobediência, prestem informações sobre questões de interesse do consumidor, resguardado o segredo industrial. Art. 56. As infrações das normas de defesa do consumidor ficam sujeitas, conforme o caso, às seguintes sanções administrativas, sem prejuízo das de natureza civil, penal e das definidas em normas específicas: I – multa; II – apreensão do produto; III – inutilização do produto; IV – cassação do registro do produto junto ao órgão competente; V – proibição de fabricação do produto; VI – suspensão de fornecimento de produtos ou serviço; VII – suspensão temporária de atividade; VIII – revogação de concessão ou permissão de uso; IX – cassação de licença do estabelecimento ou de atividade; X – interdição, total ou parcial, de estabele- cimento, de obra ou de atividade; XI – intervenção administrativa; XII – imposição de contrapropaganda. Parágrafo único. As sanções previstas neste artigo serão aplicadas pela autoridade adminis- trativa, no âmbito de sua atribuição, podendo ser aplicadas cumulativamente, inclusive por medida cautelar antecedente ou incidente de procedimento administrativo. Art. 57. A pena de multa, graduada de acordo com a gravidade da infração,a vantagem au- ferida e a condição econômica do fornecedor, será aplicada mediante procedimento adminis- trativo, revertendo para o Fundo de que trata a Lei no 7.347, de 24 de julho de 1985, os valores cabíveis à União, ou para os Fundos estaduais ou municipais de proteção ao consumidor nos demais casos. Parágrafo único. A multa será em montante não inferior a duzentas e não superior a três milhões de vezes o valor da Unidade Fiscal de Referência (Ufir), ou índice equivalente que venha a substituí-lo. Art. 58. As penas de apreensão, de inutiliza- ção de produtos, de proibição de fabricação de produtos, de suspensão do fornecimento de produto ou serviço, de cassação do registro do produto e revogação da concessão ou permissão de uso serão aplicadas pela administração, me- 23 N or m as p rin ci pa is diante procedimento administrativo, assegu- rada ampla defesa, quando forem constatados vícios de quantidade ou de qualidade por inade- quação ou insegurança do produto ou serviço. Art. 59. As penas de cassação de alvará de licença, de interdição e de suspensão tempo- rária da atividade, bem como a de intervenção administrativa serão aplicadas mediante proce- dimento administrativo, assegurada ampla de- fesa, quando o fornecedor reincidir na prática das infrações de maior gravidade previstas neste Código e na legislação de consumo. § 1o A pena de cassação da concessão será aplicada à concessionária de serviço público, quando violar obrigação legal ou contratual. § 2o A pena de intervenção administrativa será aplicada sempre que as circunstâncias de fato desaconselharem a cassação de licença, a interdição ou suspensão da atividade. § 3o Pendendo ação judicial na qual se discuta a imposição de penalidade administra- tiva, não haverá reincidência até o trânsito em julgado da sentença. Art. 60. A imposição de contrapropaganda será cominada quando o fornecedor incorrer na prática de publicidade enganosa ou abusiva, nos termos do art. 36 e seus parágrafos, sempre às expensas do infrator. § 1o A contrapropaganda será divulgada pelo responsável da mesma forma, frequência e dimensão e, preferencialmente no mesmo veículo, local, espaço e horário, de forma capaz de desfazer o malefício da publicidade enganosa ou abusiva. § 2o (Vetado) § 3o (Vetado) TÍTULO II – Das Infrações Penais Art. 61. Constituem crimes contra as relações de consumo previstas neste Código, sem prejuí- zo do disposto no Código Penal e leis especiais, as condutas tipificadas nos artigos seguintes. Art. 62. (Vetado) Art. 63. Omitir dizeres ou sinais ostensivos sobre a nocividade ou periculosidade de produ- tos, nas embalagens, nos invólucros, recipientes ou publicidade: Pena – Detenção de seis meses a dois anos e multa. § 1o Incorrerá nas mesmas penas quem deixar de alertar, mediante recomendações escritas ostensivas, sobre a periculosidade do serviço a ser prestado. § 2o Se o crime é culposo: Pena – Detenção de um a seis meses ou multa. Art. 64. Deixar de comunicar à autoridade competente e aos consumidores a nocividade ou periculosidade de produtos cujo conhe- cimento seja posterior à sua colocação no mercado: Pena – Detenção de seis meses a dois anos e multa. Parágrafo único. Incorrerá nas mesmas pe- nas quem deixar de retirar do mercado, imedia- tamente quando determinado pela autoridade competente, os produtos nocivos ou perigosos, na forma deste artigo. Art. 65. Executar serviço de alto grau de pe- riculosidade, contrariando determinação de autoridade competente: Pena – Detenção de seis meses a dois anos e multa. § 1o As penas deste artigo são aplicáveis sem prejuízo das correspondentes à lesão corporal e à morte. § 2o A prática do disposto no inciso XIV do art. 39 desta Lei também caracteriza o crime previsto no caput deste artigo. Art. 66. Fazer afirmação falsa ou enganosa, ou omitir informação relevante sobre a na- tureza, característica, qualidade, quantidade, segurança, desempenho, durabilidade, preço ou garantia de produtos ou serviços: Pena – Detenção de três meses a um ano e multa. § 1o Incorrerá nas mesmas penas quem patrocinar a oferta. § 2o Se o crime é culposo: 24 C ód ig o de D ef es a do C on su m id or Pena – Detenção de um a seis meses ou multa. Art. 67. Fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria saber ser enganosa ou abusiva: Pena – Detenção de três meses a um ano e multa. Parágrafo único. (Vetado) Art. 68. Fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria saber ser capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma preju- dicial ou perigosa a sua saúde ou segurança: Pena – Detenção de seis meses a dois anos e multa. Parágrafo único. (Vetado) Art. 69. Deixar de organizar dados fáticos, téc- nicos e científicos que dão base à publicidade: Pena – Detenção de um a seis meses ou multa. Art. 70. Empregar, na reparação de produtos, peça ou componentes de reposição usados, sem autorização do consumidor: Pena – Detenção de três meses a um ano e multa. Art. 71. Utilizar, na cobrança de dívidas, de ameaça, coação, constrangimento físico ou moral, afirmações falsas, incorretas ou enga- nosas ou de qualquer outro procedimento que exponha o consumidor, injustificadamente, a ridículo ou interfira com seu trabalho, descanso ou lazer: Pena – Detenção de três meses a um ano e multa. Art. 72. Impedir ou dificultar o acesso do con- sumidor às informações que sobre ele constem em cadastros, banco de dados, fichas e registros: Pena – Detenção de seis meses a um ano ou multa. Art. 73. Deixar de corrigir imediatamente informação sobre consumidor constante de cadastro, banco de dados, fichas ou registros que sabe ou deveria saber ser inexata: Pena – Detenção de um a seis meses ou multa. Art. 74. Deixar de entregar ao consumidor o termo de garantia adequadamente preenchido e com especificação clara de seu conteúdo: Pena – Detenção de um a seis meses ou multa. Art. 75. Quem, de qualquer forma, concorrer para os crimes referidos neste Código, incide nas penas a esses cominadas na medida de sua culpabilidade, bem como o diretor, adminis- trador ou gerente da pessoa jurídica que pro- mover, permitir ou por qualquer modo aprovar o fornecimento, oferta, exposição à venda ou manutenção em depósito de produtos ou a oferta e prestação de serviços nas condições por ele proibidas. Art. 76. São circunstâncias agravantes dos crimes tipificados neste Código: I – serem cometidos em época de grave crise econômica ou por ocasião de calamidade; II – ocasionarem grave dano individual ou coletivo; III – dissimular-se a natureza ilícita do procedimento; IV – quando cometidos: a) por servidor público, ou por pessoa cuja condição econômico-social seja manifestamen- te superior à da vítima; b) em detrimento de operário ou rurícola; de menor de dezoito ou maior de sessenta anos ou de pessoas portadoras de deficiência mental, interditadas ou não; V – serem praticados em operações que en- volvam alimentos, medicamentos ou quaisquer outros produtos ou serviços essenciais. Art. 77. A pena pecuniária prevista nesta Se- ção será fixada em dias-multa, correspondente ao mínimo e ao máximo de dias de duração da pena privativa da liberdade cominada ao crime. Na individualização desta multa, o juiz observa- rá o disposto no art. 60, § 1o do Código Penal. Art. 78. Além das penas privativas de liberda- de e de multa, podem ser impostas, cumulativa ou alternadamente, observado o disposto nos arts. 44 a 47, do Código Penal: I – a interdição temporária de direitos; 25 N or m as p rin ci pa is II – a publicação em órgãos de comunicação de grande circulação ou audiência, às expensas do condenado, de notícia sobre os fatos e a condenação; III – a prestação de serviços à comunidade. Art. 79. O valor da fiança, nas infrações de que trata este Código, será fixado pelo juiz, ou pela autoridade que presidir o inquérito, entre cem e duzentas mil vezes o valor do Bônus do TesouroNacional (BTN), ou índice equivalente que venha a substituí-lo. Parágrafo único. Se assim recomendar a situação econômica do indiciado ou réu, a fiança poderá ser: a) reduzida até a metade do seu valor mínimo; b) aumentada pelo juiz até vinte vezes. Art. 80. No processo penal atinente aos crimes previstos neste Código, bem como a outros crimes e contravenções que envolvam relações de consumo, poderão intervir, como assistentes do Ministério Público, os legitimados indicados no art. 82, inciso III e IV, aos quais também é facultado propor ação penal subsidiária, se a denúncia não for oferecida no prazo legal. TÍTULO III – Da Defesa do Consumidor em Juízo CAPÍTULO I – Disposições Gerais Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo. Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: I – interesses ou direitos difusos, assim en- tendidos, para efeitos deste Código, os transin- dividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato; II – interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os tran- sindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base; III – interesses ou direitos individuais ho- mogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum. Art. 82. Para os fins do art. 81, parágrafo úni- co, são legitimados concorrentemente: I – o Ministério Público; II – a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal; III – as entidades e órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, ainda que sem per- sonalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos por este Código; IV – as associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos por este Código, dispensada a autorização assemblear. § 1o O requisito da pré-constituição pode ser dispensado pelo juiz, nas ações previstas nos arts. 91 e seguintes, quando haja manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou característica do dano, ou pela relevância do bem jurídico a ser protegido. § 2o (Vetado) § 3o (Vetado) Art. 83. Para a defesa dos direitos e interesses protegidos por este Código são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela. Parágrafo único. (Vetado) Art. 84. Na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento. § 1o A conversão da obrigação em perdas e danos somente será admissível se por elas optar o autor ou se impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente. § 2o A indenização por perdas e danos se fará sem prejuízo da multa (art. 287, do Código de Processo Civil). § 3o Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz 26 C ód ig o de D ef es a do C on su m id or conceder a tutela liminarmente ou após justi- ficação prévia, citado o réu. § 4o O juiz poderá, na hipótese do § 3o ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando prazo razoável para o cumprimento do preceito. § 5o Para a tutela específica ou para a obten- ção do resultado prático equivalente, poderá o juiz determinar as medidas necessárias, tais como busca e apreensão, remoção de coisas e pessoas, desfazimento de obra, impedimento de atividade nociva, além de requisição de força policial. Art. 85. (Vetado) Art. 86. (Vetado) Art. 87. Nas ações coletivas de que trata este Código não haverá adiantamento de custas, emolumentos, honorários periciais e quais- quer outras despesas, nem condenação da associação autora, salvo comprovada má-fé, em honorários de advogados, custas e despesas processuais. Parágrafo único. Em caso de litigância de má-fé, a associação autora e os diretores responsáveis pela propositura da ação serão solidariamente condenados em honorários advocatícios e ao décuplo das custas, sem pre- juízo da responsabilidade por perdas e danos. Art. 88. Na hipótese do art. 13, parágrafo único deste Código, a ação de regresso poderá ser ajuizada em processo autônomo, facultada a possibilidade de prosseguir-se nos mesmos autos, vedada a denunciação da lide. Art. 89. (Vetado) Art. 90. Aplicam-se às ações previstas neste Título as normas do Código de Processo Civil e da Lei no 7.347, de 24 de julho de 1985, inclusive no que respeita ao inquérito civil, naquilo que não contrariar suas disposições. CAPÍTULO II – Das Ações Coletivas para a Defesa de Interesses Individuais Homogêneos Art. 91. Os legitimados de que trata o art. 82 poderão propor, em nome próprio e no inte- resse das vítimas ou seus sucessores, ação civil coletiva de responsabilidade pelos danos indi- vidualmente sofridos, de acordo com o disposto nos artigos seguintes. Art. 92. O Ministério Público, se não ajuizar a ação, atuará sempre como fiscal da lei. Parágrafo único. (Vetado) Art. 93. Ressalvada a competência da Justiça Federal, é competente para a causa a justiça local: I – no foro do lugar onde ocorreu ou deva ocorrer o dano, quando de âmbito local; II – no foro da Capital do Estado ou no do Distrito Federal, para os danos de âmbito nacional ou regional, aplicando-se as regras do Código de Processo Civil aos casos de compe- tência concorrente. Art. 94. Proposta a ação, será publicado edital no órgão oficial, a fim de que os interessados possam intervir no processo como litisconsor- tes, sem prejuízo de ampla divulgação pelos meios de comunicação social por parte dos órgãos de defesa do consumidor. Art. 95. Em caso de procedência do pedido, a condenação será genérica, fixando a responsa- bilidade do réu pelos danos causados. Art. 96. (Vetado) Art. 97. A liquidação e a execução de senten- ça poderão ser promovidas pela vítima e seus sucessores, assim como pelos legitimados de que trata o art. 82. Parágrafo único. (Vetado) Art. 98. A execução poderá ser coletiva, sendo promovida pelos legitimados de que trata o art. 82, abrangendo as vítimas cujas indeni- zações já tiverem sido fixadas em sentença de liquidação, sem prejuízo do ajuizamento de outras execuções. 27 N or m as p rin ci pa is § 1o A execução coletiva far-se-á com base em certidão das sentenças de liquidação, da qual deverá constar a ocorrência ou não do trânsito em julgado. § 2o É competente para a execução o juízo: I – da liquidação da sentença ou da ação condenatória, no caso de execução individual; II – da ação condenatória, quando coletiva a execução. Art. 99. Em caso de concurso de créditos decorrentes de condenação prevista na Lei no 7.347, de 24 de julho de 1985, e de indeniza- ções pelos prejuízos individuais resultantes do mesmo evento danoso, estas terão preferência no pagamento. Parágrafo único. Para efeito do disposto neste artigo, a destinação da importância re- colhida ao fundo criado pela Lei no 7.347, de 24 de julho de 1985, ficará sustada enquanto pendentes de decisão de segundo grau as ações de indenização pelos danos individuais, salvo na hipótese de o patrimônio do devedor ser manifestamente suficiente para responder pela integralidade das dívidas. Art. 100. Decorrido o prazo de um ano sem habilitação de interessados em número com- patível com a gravidade do dano, poderão os legitimados do art. 82 promover a liquidação e execução da indenização devida. Parágrafo único. O produto da indenização devida reverterá para o fundo criado pela Lei no 7.347, de 24 de julho de1985. CAPÍTULO III – Das Ações de Responsabilidade do Fornecedor de Produtos e Serviços Art. 101. Na ação de responsabilidade civil do fornecedor de produtos e serviços, sem prejuízo do disposto nos Capítulos I e II deste Título, serão observadas as seguintes normas: I – a ação pode ser proposta no domicílio do autor; II – o réu que houver contratado seguro de responsabilidade poderá chamar ao processo o segurador, vedada a integração do contraditório pelo Instituto de Resseguros do Brasil. Nesta hipótese, a sentença que julgar procedente o pedido condenará o réu nos termos do art. 80 do Código de Processo Civil. Se o réu houver sido declarado falido, o síndico será intimado a informar a existência de seguro de responsa- bilidade, facultando-se, em caso afirmativo, o ajuizamento de ação de indenização diretamen- te contra o segurador, vedada a denunciação da lide ao Instituto de Resseguros do Brasil e dis- pensado o litisconsórcio obrigatório com este. Art. 102. Os legitimados a agir na forma deste Código poderão propor ação visando compelir o Poder Público competente a proibir, em todo o território nacional, a produção, divulgação, distribuição ou venda, ou a determinar a alte- ração na composição, estrutura, fórmula ou acondicionamento de produto, cujo uso ou consumo regular se revele nocivo ou perigoso à saúde pública e à incolumidade pessoal. § 1o (Vetado) § 2o (Vetado) CAPÍTULO IV – Da Coisa Julgada Art. 103. Nas ações coletivas de que trata este Código, a sentença fará coisa julgada: I – erga omnes, exceto se o pedido for julga- do improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação, com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova, na hipótese do inciso I do parágrafo único do art. 81; II – ultra partes, mas limitadamente ao gru- po, categoria ou classe, salvo improcedência por insuficiência de provas, nos termos do inciso anterior, quando se tratar da hipótese prevista no inciso II do parágrafo único do art. 81; III – erga omnes, apenas no caso de pro- cedência do pedido, para beneficiar todas as vítimas e seus sucessores, na hipótese do inciso III do parágrafo único do art. 81. § 1o Os efeitos da coisa julgada previstos nos incisos I e II não prejudicarão interesses e direi- tos individuais dos integrantes da coletividade, do grupo, categoria ou classe. § 2o Na hipótese prevista no inciso III, em caso de improcedência do pedido, os interes- sados que não tiverem intervindo no processo 28 C ód ig o de D ef es a do C on su m id or como litisconsortes poderão propor ação de indenização a título individual. § 3o Os efeitos da coisa julgada de que cuida o art. 16, combinado com o art. 13 da Lei no 7.347, de 24 de julho de 1985, não pre- judicarão as ações de indenização por danos pessoalmente sofridos, propostas individual- mente ou na forma prevista neste Código, mas, se procedente o pedido, beneficiarão as vítimas e seus sucessores, que poderão proceder à liqui- dação e à execução, nos termos dos arts. 96 a 99. § 4o Aplica-se o disposto no parágrafo an- terior à sentença penal condenatória. Art. 104. As ações coletivas, previstas nos incisos I e II e do parágrafo único do art. 81, não induzem litispendência para as ações in- dividuais, mas os efeitos da coisa julgada erga omnes ou ultra partes a que aludem os incisos II e III do artigo anterior não beneficiarão os autores das ações individuais, se não for re- querida sua suspensão no prazo de trinta dias, a contar da ciência nos autos do ajuizamento da ação coletiva. TÍTULO IV – Do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor Art. 105. Integram o Sistema Nacional de De- fesa do Consumidor (SNDC) os órgãos federais, estaduais, do Distrito Federal e municipais e as entidades privadas de defesa do consumidor. Art. 106. O Departamento Nacional de Defe- sa do Consumidor, da Secretaria Nacional de Direito Econômico (MJ), ou órgão federal que venha substituí-lo, é organismo de coordenação da política do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, cabendo-lhe: I – planejar, elaborar, propor, coordenar e executar a política nacional de proteção ao consumidor; II – receber, analisar, avaliar e encaminhar consultas, denúncias ou sugestões apresentadas por entidades representativas ou pessoas jurí- dicas de direito público ou privado; III – prestar aos consumidores orientação permanente sobre seus direitos e garantias; IV – informar, conscientizar e motivar o consumidor através dos diferentes meios de comunicação; V – solicitar à polícia judiciária a instaura- ção de inquérito policial para a apreciação de delito contra os consumidores, nos termos da legislação vigente; VI – representar ao Ministério Público competente para fins de adoção de medidas processuais no âmbito de suas atribuições; VII – levar ao conhecimento dos órgãos competentes as infrações de ordem admi- nistrativa que violarem os interesses difusos, coletivos, ou individuais dos consumidores; VIII – solicitar o concurso de órgãos e enti- dades da União, Estados, do Distrito Federal e Municípios, bem como auxiliar a fiscalização de preços, abastecimento, quantidade e segurança de bens e serviços; IX – incentivar, inclusive com recursos financeiros e outros programas especiais, a formação de entidades de defesa do consu- midor pela população e pelos órgãos públicos estaduais e municipais; X – (Vetado); XI – (Vetado); XII – (Vetado); XIII – desenvolver outras atividades compa- tíveis com suas finalidades. Parágrafo único. Para a consecução de seus objetivos, o Departamento Nacional de Defesa do Consumidor poderá solicitar o concurso de órgãos e entidades de notória especialização técnico-científica. TÍTULO V – Da Convenção Coletiva de Consumo Art. 107. As entidades civis de consumidores e as associações de fornecedores ou sindicatos de categoria econômica podem regular, por convenção escrita, relações de consumo que te- nham por objeto estabelecer condições relativas ao preço, à qualidade, à quantidade, à garantia e características de produtos e serviços, bem como à reclamação e composição do conflito de consumo. 29 N or m as p rin ci pa is § 1o A convenção tornar-se-á obrigatória a partir do registro do instrumento no cartório de títulos e documentos. § 2o A convenção somente obrigará os filia- dos às entidades signatárias. § 3o Não se exime de cumprir a convenção o fornecedor que se desligar da entidade em data posterior ao registro do instrumento. Art. 108. (Vetado) TÍTULO VI – Disposições Finais Art. 109. (Vetado) Art. 110. Acrescente-se o seguinte inciso IV ao art. 1o da Lei no 7.347, de 24 de julho de 1985: “IV – a qualquer outro interesse difuso ou coletivo.” Art. 111. O inciso II do art. 5o da Lei no 7.347, de 24 de julho de 1985, passa a ter a seguinte redação: “II – inclua, entre suas finalidades institu- cionais, a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, ao patrimônio artístico, esté- tico, histórico, turístico e paisagístico, ou a qualquer outro interesse difuso ou coletivo.” Art. 112. O § 3o do art. 5o da Lei no 7.347, de 24 de julho de 1985, passa a ter a seguinte redação: “§ 3o Em caso de desistência infundada ou abandono da ação por associação legitimada, o Ministério Público ou outro legitimado assumirá a titularidade ativa.” Art. 113. Acrescente-se os seguintes §§ 4o, 5o e 6o ao art. 5o da Lei no 7.347, de 24 de julho de 1985: “§ 4o O requisito da pré-constituição po- derá ser dispensado pelo juiz, quando haja manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou característica do dano, ou pela relevância do bem jurídico a ser protegido. § 5o Admitir-se-á o litisconsórcio facultati- vo entre os Ministérios Públicos da União, do Distrito Federal e dos Estados na defesa dos interesses e direitos de que cuida esta Lei. § 6o Os órgãos públicos legitimados pode- rão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigênciaslegais, mediante combinações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial.” Art. 114. O art. 15 da Lei no 7.347, de 24 de julho de 1985, passa a ter a seguinte redação: “Art. 15. Decorridos sessenta dias do trân- sito em julgado da sentença condenatória, sem que a associação autora lhe promova a execução, deverá fazê-lo o Ministério Público, facultada igual iniciativa aos demais legitimados.” Art. 115. Suprima-se o caput do art. 17 da Lei no 7.347, de 24 de julho de 1985, passando o parágrafo único a constituir o caput, com a seguinte redação: “Art. 17. Em caso de litigância de má-fé, a associação autora e os diretores responsáveis pela propositura da ação serão solidariamen- te condenados em honorários advocatícios e ao décuplo das custas, sem prejuízo da responsabilidade por perdas e danos.” Art. 116. Dê-se a seguinte redação ao art. 18 da Lei no 7.347, de 24 de julho de 1985: “Art. 18. Nas ações de que trata esta Lei, não haverá adiantamento de custas, emo- lumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas, nem condenação da asso- ciação autora, salvo comprovada má-fé, em honorários de advogado, custas e despesas processuais.” Art. 117. Acrescente-se à Lei no 7.347, de 24 de julho de 1985, o seguinte dispositivo, renu- merando-se os seguintes: “Art. 21. Aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor.” Art. 118. Este Código entrará em vigor dentro de cento e oitenta dias a contar de sua publicação. 30 C ód ig o de D ef es a do C on su m id or Art. 119. Revogam-se as disposições em contrário. Brasília, 11 de setembro de 1990; 169o da Inde- pendência e 102o da República. FERNANDO COLLOR – Bernardo Cabral – Zélia M. Cardoso de Mello – Ozires Silva Promulgada em 11/9/1990, publicada no DOU de 12/9/1990 – Edição extra – e retificada no DOU de 10/1/2007. 31 N or m as p rin ci pa is Decreto no 7.962/2013 Regulamenta a Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990, para dispor sobre a contratação no comércio eletrônico. A PRESIDENTA DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, caput, inciso IV, da Constituição, e tendo em vista o disposto na Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990, DECRETA: Art. 1o Este Decreto regulamenta a Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990, para dispor sobre a contratação no comércio eletrônico, abrangendo os seguintes aspectos: I – informações claras a respeito do produto, serviço e do fornecedor; II – atendimento facilitado ao consumidor; e III – respeito ao direito de arrependimento. Art. 2o Os sítios eletrônicos ou demais meios eletrônicos utilizados para oferta ou conclusão de contrato de consumo devem disponibilizar, em local de destaque e de fácil visualização, as seguintes informações: I – nome empresarial e número de inscrição do fornecedor, quando houver, no Cadastro Nacional de Pessoas Físicas ou no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas do Ministério da Fazenda; II – endereço físico e eletrônico, e demais informações necessárias para sua localização e contato; III – características essenciais do produto ou do serviço, incluídos os riscos à saúde e à segurança dos consumidores; IV – discriminação, no preço, de quaisquer despesas adicionais ou acessórias, tais como as de entrega ou seguros; V – condições integrais da oferta, incluídas modalidades de pagamento, disponibilidade, forma e prazo da execução do serviço ou da entrega ou disponibilização do produto; e VI – informações claras e ostensivas a respei- to de quaisquer restrições à fruição da oferta. Art. 3o Os sítios eletrônicos ou demais meios eletrônicos utilizados para ofertas de compras coletivas ou modalidades análogas de contra- tação deverão conter, além das informações previstas no art. 2o, as seguintes: I – quantidade mínima de consumidores para a efetivação do contrato; II – prazo para utilização da oferta pelo consumidor; e III – identificação do fornecedor responsável pelo sítio eletrônico e do fornecedor do produto ou serviço ofertado, nos termos dos incisos I e II do art. 2o. Art. 4o Para garantir o atendimento facilitado ao consumidor no comércio eletrônico, o for- necedor deverá: I – apresentar sumário do contrato antes da contratação, com as informações necessá- rias ao pleno exercício do direito de escolha do consumidor, enfatizadas as cláusulas que limitem direitos; II – fornecer ferramentas eficazes ao consu- midor para identificação e correção imediata de erros ocorridos nas etapas anteriores à finalização da contratação; III – confirmar imediatamente o recebimen- to da aceitação da oferta; IV – disponibilizar o contrato ao consumi- dor em meio que permita sua conservação e reprodução, imediatamente após a contratação; V – manter serviço adequado e eficaz de atendimento em meio eletrônico, que possibi- lite ao consumidor a resolução de demandas referentes a informação, dúvida, reclamação, suspensão ou cancelamento do contrato; VI – confirmar imediatamente o recebi- mento das demandas do consumidor referidas no inciso, pelo mesmo meio empregado pelo consumidor; e 32 C ód ig o de D ef es a do C on su m id or VII – utilizar mecanismos de segurança eficazes para pagamento e para tratamento de dados do consumidor. Parágrafo único. A manifestação do forne- cedor às demandas previstas no inciso V do caput será encaminhada em até cinco dias ao consumidor. Art. 5o O fornecedor deve informar, de forma clara e ostensiva, os meios adequados e eficazes para o exercício do direito de arrependimento pelo consumidor. § 1o O consumidor poderá exercer seu direi- to de arrependimento pela mesma ferramenta utilizada para a contratação, sem prejuízo de outros meios disponibilizados. § 2o O exercício do direito de arrependi- mento implica a rescisão dos contratos aces- sórios, sem qualquer ônus para o consumidor. § 3o O exercício do direito de arrependi- mento será comunicado imediatamente pelo fornecedor à instituição financeira ou à ad- ministradora do cartão de crédito ou similar, para que: I – a transação não seja lançada na fatura do consumidor; ou II – seja efetivado o estorno do valor, caso o lançamento na fatura já tenha sido realizado. § 4o O fornecedor deve enviar ao consumi- dor confirmação imediata do recebimento da manifestação de arrependimento. Art. 6o As contratações no comércio eletrô- nico deverão observar o cumprimento das condições da oferta, com a entrega dos produ- tos e serviços contratados, observados prazos, quantidade, qualidade e adequação. Art. 7o A inobservância das condutas descritas neste Decreto ensejará aplicação das sanções previstas no art. 56 da Lei no 8.078, de 1990. ................................................................................ Art. 9o Este Decreto entra em vigor sessenta dias após a data de sua publicação. Brasília, 15 de março de 2013; 192o da Indepen- dência e 125o da República. DILMA ROUSSEFF – José Eduardo Cardozo Decretado em 15/3/2013 e publicado no DOU de 15/3/2013 – Edição extra. 33 N or m as p rin ci pa is Decreto no 6.523/2008 Regulamenta a Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990, para fixar normas gerais sobre o Serviço de Atendimento ao Consumidor – SAC. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso IV, da Constituição, e tendo em vista o disposto na Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990, DECRETA: Art. 1o Este Decreto regulamenta a Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990, e fixa normas gerais sobre o Serviço de Atendimento ao Consumidor – SAC por telefone, no âmbito dos fornecedores de serviços regulados pelo Poder Público Federal, com vistas à observância dos direitos básicos do consumidor de obter informação adequada e clara sobre os serviços que contratar e de manter-se protegido contra práticas abusivas ou ilegais impostas no forne-cimento desses serviços. CAPÍTULO I – Do Âmbito da Aplicação Art. 2o Para os fins deste Decreto, compreen- de-se por SAC o serviço de atendimento telefô- nico das prestadoras de serviços regulados que tenham como finalidade resolver as demandas dos consumidores sobre informação, dúvida, reclamação, suspensão ou cancelamento de contratos e de serviços. Parágrafo único. Excluem-se do âmbito de aplicação deste Decreto a oferta e a contratação de produtos e serviços realizadas por telefone. CAPÍTULO II – Da Acessibilidade do Serviço Art. 3o As ligações para o SAC serão gratuitas e o atendimento das solicitações e demandas previsto neste Decreto não deverá resultar em qualquer ônus para o consumidor. Art. 4o O SAC garantirá ao consumidor, no primeiro menu eletrônico, as opções de contato com o atendente, de reclamação e de cancela- mento de contratos e serviços. § 1o A opção de contatar o atendimento pessoal constará de todas as subdivisões do menu eletrônico. § 2o O consumidor não terá a sua ligação finalizada pelo fornecedor antes da conclusão do atendimento. § 3o O acesso inicial ao atendente não será condicionado ao prévio fornecimento de dados pelo consumidor. § 4o Regulamentação específica tratará do tempo máximo necessário para o contato di- reto com o atendente, quando essa opção for selecionada. Art. 5o O SAC estará disponível, ininterrup- tamente, durante vinte e quatro horas por dia e sete dias por semana, ressalvado o disposto em normas específicas. Art. 6o O acesso das pessoas com deficiência auditiva ou de fala será garantido pelo SAC, em caráter preferencial, facultado à empresa atri- buir número telefônico específico para este fim. Art. 7o O número do SAC constará de forma clara e objetiva em todos os documentos e ma- teriais impressos entregues ao consumidor no momento da contratação do serviço e durante o seu fornecimento, bem como na página ele- trônica da empresa na INTERNET. Parágrafo único. No caso de empresa ou grupo empresarial que oferte serviços con- juntamente, será garantido ao consumidor o acesso, ainda que por meio de diversos núme- ros de telefone, a canal único que possibilite o atendimento de demanda relativa a qualquer um dos serviços oferecidos. 34 C ód ig o de D ef es a do C on su m id or CAPÍTULO III – Da Qualidade do Atendimento Art. 8o O SAC obedecerá aos princípios da dignidade, boa-fé, transparência, eficiência, eficácia, celeridade e cordialidade. Art. 9o O atendente, para exercer suas funções no SAC, deve ser capacitado com as habilidades técnicas e procedimentais necessárias para rea- lizar o adequado atendimento ao consumidor, em linguagem clara. Art. 10. Ressalvados os casos de reclamação e de cancelamento de serviços, o SAC garantirá a transferência imediata ao setor competente para atendimento definitivo da demanda, caso o primeiro atendente não tenha essa atribuição. § 1o A transferência dessa ligação será efe- tivada em até sessenta segundos. § 2o Nos casos de reclamação e cance- lamento de serviço, não será admitida a transferência da ligação, devendo todos os atendentes possuir atribuições para executar essas funções. § 3o O sistema informatizado garantirá ao atendente o acesso ao histórico de demandas do consumidor. Art. 11. Os dados pessoais do consumidor se- rão preservados, mantidos em sigilo e utilizados exclusivamente para os fins do atendimento. Art. 12. É vedado solicitar a repetição da de- manda do consumidor após seu registro pelo primeiro atendente. Art. 13. O sistema informatizado deve ser programado tecnicamente de modo a garantir a agilidade, a segurança das informações e o respeito ao consumidor. Art. 14. É vedada a veiculação de mensagens publicitárias durante o tempo de espera para o atendimento, salvo se houver prévio consenti- mento do consumidor. CAPÍTULO IV – Do Acompanhamento de Demandas Art. 15. Será permitido o acompanhamento pelo consumidor de todas as suas demandas por meio de registro numérico, que lhe será informado no início do atendimento. § 1o Para fins do disposto no caput, será utilizada sequência numérica única para iden- tificar todos os atendimentos. § 2o O registro numérico, com data, hora e objeto da demanda, será informado ao con- sumidor e, se por este solicitado, enviado por correspondência ou por meio eletrônico, a critério do consumidor. § 3o É obrigatória a manutenção da grava- ção das chamadas efetuadas para o SAC, pelo prazo mínimo de noventa dias, durante o qual o consumidor poderá requerer acesso ao seu conteúdo. § 4o O registro eletrônico do atendimento será mantido à disposição do consumidor e do órgão ou entidade fiscalizadora por um período mínimo de dois anos após a solução da demanda. Art. 16. O consumidor terá direito de acesso ao conteúdo do histórico de suas demandas, que lhe será enviado, quando solicitado, no prazo máximo de setenta e duas horas, por correspondência ou por meio eletrônico, a seu critério. CAPÍTULO V – Do Procedimento para a Resolução de Demandas Art. 17. As informações solicitadas pelo con- sumidor serão prestadas imediatamente e suas reclamações, resolvidas no prazo máximo de cinco dias úteis a contar do registro. § 1o O consumidor será informado sobre a resolução de sua demanda e, sempre que solici- tar, ser-lhe-á enviada a comprovação pertinente por correspondência ou por meio eletrônico, a seu critério. § 2o A resposta do fornecedor será clara e objetiva e deverá abordar todos os pontos da demanda do consumidor. 35 N or m as p rin ci pa is § 3o Quando a demanda versar sobre ser- viço não solicitado ou cobrança indevida, a cobrança será suspensa imediatamente, salvo se o fornecedor indicar o instrumento por meio do qual o serviço foi contratado e comprovar que o valor é efetivamente devido. CAPÍTULO VI – Do Pedido de Cancelamento do Serviço Art. 18. O SAC receberá e processará imedia- tamente o pedido de cancelamento de serviço feito pelo consumidor. § 1o O pedido de cancelamento será per- mitido e assegurado ao consumidor por todos os meios disponíveis para a contratação do serviço. § 2o Os efeitos do cancelamento serão ime- diatos à solicitação do consumidor, ainda que o seu processamento técnico necessite de prazo, e independe de seu adimplemento contratual. § 3o O comprovante do pedido de cancela- mento será expedido por correspondência ou por meio eletrônico, a critério do consumidor. CAPÍTULO VII – Das Disposições Finais Art. 19. A inobservância das condutas descri- tas neste Decreto ensejará aplicação das sanções previstas no art. 56 da Lei no 8.078, de 1990, sem prejuízo das constantes dos regulamentos específicos dos órgãos e entidades reguladoras. Art. 20. Os órgãos competentes, quando ne- cessário, expedirão normas complementares e específicas para execução do disposto neste Decreto. Art. 21. Os direitos previstos neste Decreto não excluem outros, decorrentes de regula- mentações expedidas pelos órgãos e entidades reguladores, desde que mais benéficos para o consumidor. Art. 22. Este Decreto entra em vigor em 1o de dezembro de 2008. Brasília, 31 de julho de 2008; 187o da Indepen- dência e 120o da República. LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA – Tarso Genro Decretado em 31/7/2008 e publicado no DOU de 1o/8/2008. 36 C ód ig o de D ef es a do C on su m id or Decreto no 5.903/2006 Regulamenta a Lei no 10.962, de 11 de outubro de 2004, e a Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso IV, da Constituição, e tendo em vista o disposto na Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990, e na Lei no 10.962, de 11 de outubro de 2004, DECRETA: Art. 1o Este Decreto regulamenta a Lei no 10.962, de 11 de outubro de 2004, e dispõe sobre as práticas infracionais que atentam contra o direito básico do consumidor de obter informação adequada e clara sobre produtos e serviços, previstas na Lei no 8.078, de 11 de setembrode 1990. Art. 2o Os preços de produtos e serviços deverão ser informados adequadamente, de modo a garantir ao consumidor a correção, clareza, precisão, ostensividade e legibilidade das informações prestadas. § 1o Para efeito do disposto no caput deste artigo, considera-se: I – correção, a informação verdadeira que não seja capaz de induzir o consumidor em erro; II – clareza, a informação que pode ser entendida de imediato e com facilidade pelo consumidor, sem abreviaturas que dificultem a sua compreensão, e sem a necessidade de qualquer interpretação ou cálculo; III – precisão, a informação que seja exata, definida e que esteja física ou visualmente li- gada ao produto a que se refere, sem nenhum embaraço físico ou visual interposto; IV – ostensividade, a informação que seja de fácil percepção, dispensando qualquer esforço na sua assimilação; e V – legibilidade, a informação que seja vi- sível e indelével. Art. 3o O preço de produto ou serviço deverá ser informado discriminando-se o total à vista. Parágrafo único. No caso de outorga de crédito, como nas hipóteses de financiamento ou parcelamento, deverão ser também discri- minados: I – o valor total a ser pago com financia- mento; II – o número, periodicidade e valor das prestações; III – os juros; e IV – os eventuais acréscimos e encargos que incidirem sobre o valor do financiamento ou parcelamento. Art. 4o Os preços dos produtos e serviços expostos à venda devem ficar sempre visíveis aos consumidores enquanto o estabelecimento estiver aberto ao público. Parágrafo único. A montagem, rearranjo ou limpeza, se em horário de funcionamento, deve ser feito sem prejuízo das informações relativas aos preços de produtos ou serviços expostos à venda. Art. 5o Na hipótese de afixação de preços de bens e serviços para o consumidor, em vitrines e no comércio em geral, de que trata o inciso I do art. 2o da Lei no 10.962, de 2004, a etiqueta ou similar afixada diretamente no produto exposto à venda deverá ter sua face principal voltada ao consumidor, a fim de garantir a pronta visualização do preço, independentemente de solicitação do consumidor ou intervenção do comerciante. Parágrafo único. Entende-se como similar qualquer meio físico que esteja unido ao pro- duto e gere efeitos visuais equivalentes aos da etiqueta. Art. 6o Os preços de bens e serviços para o consumidor nos estabelecimentos comer- ciais de que trata o inciso II do art. 2o da Lei no 10.962, de 2004, admitem as seguintes mo- dalidades de afixação: 37 N or m as p rin ci pa is I – direta ou impressa na própria embala- gem; II – de código referencial; ou III – de código de barras. § 1o Na afixação direta ou impressão na própria embalagem do produto, será observado o disposto no art. 5o deste Decreto. § 2o A utilização da modalidade de afixação de código referencial deverá atender às seguin- tes exigências: I – a relação dos códigos e seus respecti- vos preços devem estar visualmente unidos e próximos dos produtos a que se referem, e imediatamente perceptível ao consumidor, sem a necessidade de qualquer esforço ou desloca- mento de sua parte; e II – o código referencial deve estar fisi- camente ligado ao produto, em contraste de cores e em tamanho suficientes que permitam a pronta identificação pelo consumidor. § 3o Na modalidade de afixação de código de barras, deverão ser observados os seguintes requisitos: I – as informações relativas ao preço à vista, características e código do produto deverão estar a ele visualmente unidas, garantindo a pronta identificação pelo consumidor; II – a informação sobre as características do item deve compreender o nome, quantidade e demais elementos que o particularizem; e III – as informações deverão ser disponibi- lizadas em etiquetas com caracteres ostensivos e em cores de destaque em relação ao fundo. Art. 7o Na hipótese de utilização do código de barras para apreçamento, os fornecedores deverão disponibilizar, na área de vendas, para consulta de preços pelo consumidor, equipa- mentos de leitura ótica em perfeito estado de funcionamento. § 1o Os leitores óticos deverão ser indicados por cartazes suspensos que informem a sua localização. § 2o Os leitores óticos deverão ser dispostos na área de vendas, observada a distância máxi- ma de quinze metros entre qualquer produto e a leitora ótica mais próxima. § 3o Para efeito de fiscalização, os for- necedores deverão prestar as informações necessárias aos agentes fiscais mediante dispo- nibilização de croqui da área de vendas, com a identificação clara e precisa da localização dos leitores óticos e a distância que os separa, demonstrando graficamente o cumprimento da distância máxima fixada neste artigo. Art. 8o A modalidade de relação de preços de produtos expostos e de serviços oferecidos aos consumidores somente poderá ser empregada quando for impossível o uso das modalidades descritas nos arts. 5o e 6o deste Decreto. § 1o A relação de preços de produtos ou serviços expostos à venda deve ter sua face principal voltada ao consumidor, de forma a garantir a pronta visualização do preço, inde- pendentemente de solicitação do consumidor ou intervenção do comerciante. § 2o A relação de preços deverá ser também afixada, externamente, nas entradas de restau- rantes, bares, casas noturnas e similares. Art. 9o Configuram infrações ao direito bá- sico do consumidor à informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, sujeitando o infrator às penalidades previstas na Lei no 8.078, de 1990, as seguintes condutas: I – utilizar letras cujo tamanho não seja uni- forme ou dificulte a percepção da informação, considerada a distância normal de visualização do consumidor; II – expor preços com as cores das letras e do fundo idêntico ou semelhante; III – utilizar caracteres apagados, rasurados ou borrados; IV – informar preços apenas em parcelas, obrigando o consumidor ao cálculo do total; V – informar preços em moeda estrangeira, desacompanhados de sua conversão em moeda corrente nacional, em caracteres de igual ou superior destaque; VI – utilizar referência que deixa dúvida quanto à identificação do item ao qual se refere; VII – atribuir preços distintos para o mesmo item; e VIII – expor informação redigida na vertical ou outro ângulo que dificulte a percepção. Art. 10. A aplicação do disposto neste Decreto dar-se-á sem prejuízo de outras normas de 38 C ód ig o de D ef es a do C on su m id or controle incluídas na competência de demais órgãos e entidades federais. Parágrafo único. O disposto nos arts. 2o, 3o e 9o deste Decreto aplica-se às contratações no comércio eletrônico. Art. 11. Este Decreto entra em vigor noventa dias após sua publicação. Brasília, 20 de setembro de 2006; 185o da Inde- pendência e 118o da República. LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA – Márcio Thomaz Bastos Decretado em 20/9/2006 e publicado no DOU de 21/9/2006. 39 N or m as p rin ci pa is Decreto no 2.181/1997 Dispõe sobre a organização do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor – SNDC, estabelece as normas gerais de aplicação das sanções administrativas previstas na Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990, revoga o Decreto no 861, de 9 julho de 1993, e dá outras providências. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso IV, da Constituição, e tendo em vista o disposto na Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990, DECRETA: Art. 1o Fica organizado o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor – SNDC e estabeleci- das as normas gerais de aplicação das sanções administrativas, nos termos da Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990. CAPÍTULO I – Do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor Art. 2o Integram o SNDC a Secretaria Nacio- nal do Consumidor do Ministério da Justiça e os demais órgãos federais, estaduais, do Distrito Federal, municipais e as entidades civis de de- fesa do consumidor. CAPÍTULO II – Da Competênciados Órgãos Integrantes do SNDC Art. 3o Compete à Secretaria Nacional do Consumidor do Ministério da Justiça, a coor- denação da política do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, cabendo-lhe: I – planejar, elaborar, propor, coordenar e executar a política nacional de proteção e defesa do consumidor; II – receber, analisar, avaliar e apurar con- sultas e denúncias apresentadas por entidades representativas ou pessoas jurídicas de direito público ou privado ou por consumidores in- dividuais; III – prestar aos consumidores orientação permanente sobre seus direitos e garantias; IV – informar, conscientizar e motivar o consumidor, por intermédio dos diferentes meios de comunicação; V – solicitar à polícia judiciária a instauração de inquérito para apuração de delito contra o consumidor, nos termos da legislação vigente; VI – representar ao Ministério Público competente, para fins de adoção de medidas processuais, penais e civis, no âmbito de suas atribuições; VII – levar ao conhecimento dos órgãos competentes as infrações de ordem administra- tiva que violarem os interesses difusos, coletivos ou individuais dos consumidores; VIII – solicitar o concurso de órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, bem como auxiliar na fiscalização de preços, abastecimento, quan- tidade e segurança de produtos e serviços; IX – incentivar, inclusive com recursos financeiros e outros programas especiais, a criação de órgãos públicos estaduais e muni- cipais de defesa do consumidor e a formação, pelos cidadãos, de entidades com esse mesmo objetivo; X – fiscalizar e aplicar as sanções admi- nistrativas previstas na Lei no 8.078, de 1990, e em outras normas pertinentes à defesa do consumidor; XI – solicitar o concurso de órgãos e entida- des de notória especialização técnico-científica para a consecução de seus objetivos; XII – celebrar convênios e termos de ajusta- mento de conduta, na forma do § 6o do art. 5o da Lei no 7.347, de 24 de julho de 1985; XIII – elaborar e divulgar o cadastro na- cional de reclamações fundamentadas contra fornecedores de produtos e serviços, a que se refere o art. 44 da Lei no 8.078, de 1990; XIV – desenvolver outras atividades com- patíveis com suas finalidades. 40 C ód ig o de D ef es a do C on su m id or Art. 4o No âmbito de sua jurisdição e com- petência, caberá ao órgão estadual, do Distrito Federal e municipal de proteção e defesa do consumidor, criado, na forma da lei, especifi- camente para este fim, exercitar as atividades contidas nos incisos II a XII do art. 3o deste Decreto e, ainda: I – planejar, elaborar, propor, coordenar e executar a política estadual, do Distrito Federal e municipal de proteção e defesa do consumi- dor, nas suas respectivas áreas de atuação; II – dar atendimento aos consumidores, processando, regularmente, as reclamações fundamentadas; III – fiscalizar as relações de consumo; IV – funcionar, no processo administrativo, como instância de instrução e julgamento, no âmbito de sua competência, dentro das regras fixadas pela Lei no 8.078, de 1990, pela legislação complementar e por este Decreto; V – elaborar e divulgar anualmente, no âmbito de sua competência, o cadastro de re- clamações fundamentadas contra fornecedores de produtos e serviços, de que trata o art. 44 da Lei no 8.078, de 1990 e remeter cópia à Secre- taria Nacional do Consumidor do Ministério da Justiça; VI – desenvolver outras atividades compa- tíveis com suas finalidades. Art. 5o Qualquer entidade ou órgão da Admi- nistração Pública, federal, estadual e municipal, destinado à defesa dos interesses e direitos do consumidor, tem, no âmbito de suas respectivas competências, atribuição para apurar e punir infrações a este Decreto e à legislação das rela- ções de consumo. Parágrafo único. Se instaurado mais de um processo administrativo por pessoas jurídicas de direito público distintas, para apuração de infração decorrente de um mesmo fato impu- tado ao mesmo fornecedor, eventual conflito de competência será dirimido pela Secretaria Nacional do Consumidor, que poderá ouvir a Comissão Nacional Permanente de Defesa do Consumidor – CNPDC, levando sempre em consideração a competência federativa para legislar sobre a respectiva atividade econômica. Art. 6o As entidades e órgãos da Administra- ção Pública destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos pelo Código de Defesa do Consumidor poderão celebrar compromissos de ajustamento de conduta às exigências legais, nos termos do § 6o do art. 5o da Lei no 7.347, de 1985, na órbita de suas respectivas compe- tências. § 1o A celebração de termo de ajustamento de conduta não impede que outro, desde que mais vantajoso para o consumidor, seja lavrado por quaisquer das pessoas jurídicas de direito público integrantes do SNDC. § 2o A qualquer tempo, o órgão subscritor poderá, diante de novas informações ou se assim as circunstâncias o exigirem, retificar ou complementar o acordo firmado, determinando outras providências que se fizerem necessárias, sob pena de invalidade imediata do ato, dando- se seguimento ao procedimento administrativo eventualmente arquivado. § 3o O compromisso de ajustamento con- terá, entre outras, cláusulas que estipulem condições sobre: I – obrigação do fornecedor de adequar sua conduta às exigências legais, no prazo ajustado; II – pena pecuniária, diária, pelo descum- primento do ajustado, levando-se em conta os seguintes critérios: a) o valor global da operação investigada; b) o valor do produto ou serviço em ques- tão; c) os antecedentes do infrator; d) a situação econômica do infrator; III – ressarcimento das despesas de investi- gação da infração e instrução do procedimento administrativo. § 4o A celebração do compromisso de ajustamento suspenderá o curso do processo administrativo, se instaurado, que somente será arquivado após atendidas todas as condições estabelecidas no respectivo termo. Art. 7o Compete aos demais órgãos públi- cos federais, estaduais, do Distrito Federal e municipais que passarem a integrar o SNDC fiscalizar as relações de consumo, no âmbito de sua competência, e autuar, na forma da legisla- ção, os responsáveis por práticas que violem os direitos do consumidor. 41 N or m as p rin ci pa is Art. 8o As entidades civis de proteção e de- fesa do consumidor, legalmente constituídas, poderão: I – encaminhar denúncias aos órgãos públi- cos de proteção e defesa do consumidor, para as providências legais cabíveis; II – representar o consumidor em juízo, observado o disposto no inciso IV do art. 82 da Lei no 8.078, de 1990; III – exercer outras atividades correlatas. CAPÍTULO III – Da Fiscalização, das Práticas Infrativas e das Penalidades Administrativas SEÇÃO I – Da Fiscalização Art. 9o A fiscalização das relações de consu- mo de que tratam a Lei no 8.078, de 1990, este Decreto e as demais normas de defesa do con- sumidor será exercida em todo o território na- cional pela Secretaria Nacional do Consumidor do Ministério da Justiça, pelos órgãos federais integrantes do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, pelos órgãos conveniados com a Secretaria e pelos órgãos de proteção e defesa do consumidor criados pelos Estados, Distrito Federal e Municípios, em suas respectivas áreas de atuação e competência. Art. 10. A fiscalização de que trata este Decre- to será efetuada por agentes fiscais, oficialmente designados, vinculados aos respectivos órgãos de proteção e defesa do consumidor, no âmbito federal, estadual, do Distrito Federal e munici- pal, devidamente credenciados mediante Cédu- la de Identificação Fiscal, admitida a delegação mediante convênio. Art. 11. Sem exclusão da responsabilidade dos órgãos que compõem o SNDC, os agentes de que trata o artigo anterior responderão pelos atos que praticarem quando investidos da ação fiscalizadora. SEÇÃO II – Das Práticas Infrativas Art. 12. São consideradaspráticas infrativas: I – condicionar o fornecimento de produto ou serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos; II – recusar atendimento às demandas dos consumidores na exata medida de sua disponi- bilidade de estoque e, ainda, de conformidade com os usos e costumes; III – recusar, sem motivo justificado, aten- dimento à demanda dos consumidores de serviços; IV – enviar ou entregar ao consumidor qualquer produto ou fornecer qualquer serviço, sem solicitação prévia; V – prevalecer-se da fraqueza ou ignorân- cia do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços; VI – exigir do consumidor vantagem mani- festamente excessiva; VII – executar serviços sem a prévia ela- boração de orçamento e autorização expressa do consumidor, ressalvadas as decorrentes de práticas anteriores entre as partes; VIII – repassar informação depreciativa referente a ato praticado pelo consumidor no exercício de seus direitos; IX – colocar, no mercado de consumo, qual- quer produto ou serviço: a) em desacordo com as normas expedidas pelos órgãos oficiais competentes, ou, se nor- mas específicas não existirem, pela Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT ou outra entidade credenciada pelo Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qua- lidade Industrial – CONMETRO; b) que acarrete riscos à saúde ou à segurança dos consumidores e sem informações ostensi- vas e adequadas; c) em desacordo com as indicações constan- tes do recipiente, da embalagem, da rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as varia- ções decorrentes de sua natureza; d) impróprio ou inadequado ao consumo a que se destina ou que lhe diminua o valor; X – deixar de reexecutar os serviços, quando cabível, sem custo adicional; XI – deixar de estipular prazo para o cum- primento de sua obrigação ou deixar a fixação 42 C ód ig o de D ef es a do C on su m id or ou variação de seu termo inicial a seu exclusivo critério. Art. 13. Serão consideradas, ainda, práticas infrativas, na forma dos dispositivos da Lei no 8.078, de 1990: I – ofertar produtos ou serviços sem as in- formações corretas, claras, precisas e ostensivas, em língua portuguesa, sobre suas característi- cas, qualidade, quantidade, composição, preço, condições de pagamento, juros, encargos, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados relevantes; II – deixar de comunicar à autoridade competente a periculosidade do produto ou serviço, quando do lançamento dos mesmos no mercado de consumo, ou quando da verificação posterior da existência do risco; III – deixar de comunicar aos consumi- dores, por meio de anúncios publicitários, a periculosidade do produto ou serviço, quando do lançamento dos mesmos no mercado de consumo, ou quando da verificação posterior da existência do risco; IV – deixar de reparar os danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projetos, fabricação, construção, montagem, manipulação, apresentação ou acondiciona- mento de seus produtos ou serviços, ou por informações insuficientes ou inadequadas sobre a sua utilização e risco; V – deixar de empregar componentes de reposição originais, adequados e novos, ou que mantenham as especificações técnicas do fabri- cante, salvo se existir autorização em contrário do consumidor; VI – deixar de cumprir a oferta, publicitária ou não, suficientemente precisa, ressalvada a in- correção retificada em tempo hábil ou exclusi- vamente atribuível ao veículo de comunicação, sem prejuízo, inclusive nessas duas hipóteses, do cumprimento forçado do anunciado ou do ressarcimento de perdas e danos sofridos pelo consumidor, assegurado o direito de regresso do anunciante contra seu segurador ou res- ponsável direto; VII – omitir, nas ofertas ou vendas eletrôni- cas, por telefone ou reembolso postal, o nome e endereço do fabricante ou do importador na embalagem, na publicidade e nos impressos utilizados na transação comercial; VIII – deixar de cumprir, no caso de forne- cimento de produtos e serviços, o regime de preços tabelados, congelados, administrados, fixados ou controlados pelo Poder Público; IX – submeter o consumidor inadimplente a ridículo ou a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça; X – impedir ou dificultar o acesso gratuito do consumidor às informações existentes em cadastros, fichas, registros de dados pessoais e de consumo, arquivados sobre ele, bem como sobre as respectivas fontes; XI – elaborar cadastros de consumo com dados irreais ou imprecisos; XII – manter cadastros e dados de consumi- dores com informações negativas, divergentes da proteção legal; XIIII – deixar de comunicar, por escrito, ao consumidor a abertura de cadastro, ficha, re- gistro de dados pessoais e de consumo, quando não solicitada por ele; XIV – deixar de corrigir, imediata e gratui- tamente, a inexatidão de dados e cadastros, quando solicitado pelo consumidor; XV – deixar de comunicar ao consumidor, no prazo de cinco dias úteis, as correções ca- dastrais por ele solicitadas; XVI – impedir, dificultar ou negar, sem justa causa, o cumprimento das declarações cons- tantes de escritos particulares, recibos e pré- contratos concernentes às relações de consumo; XVII – omitir em impressos, catálogos ou comunicações, impedir, dificultar ou negar a desistência contratual, no prazo de até sete dias a contar da assinatura do contrato ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio; XVIII – impedir, dificultar ou negar a devo- lução dos valores pagos, monetariamente atua- lizados, durante o prazo de reflexão, em caso de desistência do contrato pelo consumidor; XIX – deixar de entregar o termo de garantia, devidamente preenchido com as informações previstas no parágrafo único do art. 50 da Lei no 8.078, de 1990; 43 N or m as p rin ci pa is XX – deixar, em contratos que envolvam vendas a prazo ou com cartão de crédito, de informar por escrito ao consumidor, prévia e adequadamente, inclusive nas comunicações publicitárias, o preço do produto ou do serviço em moeda corrente nacional, o montante dos juros de mora e da taxa efetiva anual de juros, os acréscimos legal e contratualmente previstos, o número e a periodicidade das prestações e, com igual destaque, a soma total a pagar, com ou sem financiamento; XXI – deixar de assegurar a oferta de com- ponentes e peças de reposição, enquanto não cessar a fabricação ou importação do produto, e, caso cessadas, de manter a oferta de com- ponentes e peças de reposição por período razoável de tempo, nunca inferior à vida útil do produto ou serviço; XXII – propor ou aplicar índices ou formas de reajuste alternativos, bem como fazê-lo em desacordo com aquele que seja legal ou contra- tualmente permitido; XXIII – recusar a venda de produto ou a prestação de serviços, publicamente ofertados, diretamente a quem se dispõe a adquiri-los mediante pronto pagamento, ressalvados os casos regulados em leis especiais; XXIV – deixar de trocar o produto impró- prio, inadequado, ou de valor diminuído, por outro da mesma espécie, em perfeitas condi- ções de uso, ou de restituir imediatamente a quantia paga, devidamente corrigida, ou fazer abatimento proporcional do preço, a critério do consumidor. Art. 14. É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publici- tário inteira ou parcialmente falsa, ou, por qual- quer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir a erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantida- de, propriedade, origem, preço e de quaisquer outros dados sobre produtos ou serviços. § 1o É enganosa, por omissão, a publicidade que deixar de informar sobre dado essencial do produto ou serviço a ser colocado à disposição dos consumidores.§ 2o É abusiva, entre outras, a publicidade discriminatória de qualquer natureza, que inci- te à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e da inexperiência da criança, desrespeite valores ambientais, seja capaz de induzir o consumi- dor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança, ou que viole normas legais ou regulamentares de controle da publicidade. § 3o O ônus da prova da veracidade (não enganosidade) e da correção (não abusividade) da informação ou comunicação publicitária cabe a quem as patrocina. Art. 15. Estando a mesma empresa sendo acionada em mais de um Estado federado pelo mesmo fato gerador de prática infrativa, a autoridade máxima do sistema estadual poderá remeter o processo ao órgão coordenador do SNDC, que apurará o fato e aplicará as sanções respectivas. Art. 16. Nos casos de processos administra- tivos em trâmite em mais de um Estado, que envolvam interesses difusos ou coletivos, a Secretaria Nacional do Consumidor poderá avocá-los, ouvida a Comissão Nacional Perma- nente de Defesa do Consumidor, e as autorida- des máximas dos sistemas estaduais. Art. 17. As práticas infrativas classificam-se em: I – leves: aquelas em que forem verificadas somente circunstâncias atenuantes; II – graves: aquelas em que forem verificadas circunstâncias agravantes. SEÇÃO III – Das Penalidades Administrativas Art. 18. A inobservância das normas contidas na Lei no 8.078, de 1990, e das demais normas de defesa do consumidor constituirá prática infrativa e sujeitará o fornecedor às seguintes penalidades, que poderão ser aplicadas isolada ou cumulativamente, inclusive de forma caute- lar, antecedente ou incidente no processo admi- nistrativo, sem prejuízo das de natureza cível, penal e das definidas em normas específicas: I – multa; II – apreensão do produto; 44 C ód ig o de D ef es a do C on su m id or III – inutilização do produto; IV – cassação do registro do produto junto ao órgão competente; V – proibição de fabricação do produto; VI – suspensão de fornecimento de produtos ou serviços; VII – suspensão temporária de atividade; VIII – revogação de concessão ou permissão de uso; IX – cassação de licença do estabelecimento ou de atividade; X – interdição, total ou parcial, de estabele- cimento, de obra ou de atividade; XI – intervenção administrativa; XII – imposição de contrapropaganda. § 1o Responderá pela prática infrativa, su- jeitando-se às sanções administrativas previstas neste Decreto, quem por ação ou omissão lhe der causa, concorrer para sua prática ou dela se beneficiar. § 2o As penalidades previstas neste artigo serão aplicadas pelos órgãos oficiais integran- tes do SNDC, sem prejuízo das atribuições do órgão normativo ou regulador da atividade, na forma da legislação vigente. § 3o As penalidades previstas nos incisos III a XI deste artigo sujeitam-se a posterior con- firmação pelo órgão normativo ou regulador da atividade, nos limites de sua competência. Art. 19. Toda pessoa física ou jurídica que fizer ou promover publicidade enganosa ou abusiva ficará sujeita à pena de multa, cumu- lada com aquelas previstas no artigo anterior, sem prejuízo da competência de outros órgãos administrativos. Parágrafo único. Incide também nas penas deste artigo o fornecedor que: a) deixar de organizar ou negar aos legíti- mos interessados os dados fáticos, técnicos e científicos que dão sustentação à mensagem publicitária; b) veicular publicidade de forma que o consumidor não possa, fácil e imediatamente, identificá-la como tal. Art. 20. Sujeitam-se à pena de multa os órgãos públicos que, por si ou suas empresas conces- sionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, deixarem de fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos. Art. 21. A aplicação da sanção prevista no inciso II do art. 18 terá lugar quando os pro- dutos forem comercializados em desacordo com as especificações técnicas estabelecidas em legislação própria, na Lei no 8.078, de 1990, e neste Decreto. § 1o Os bens apreendidos, a critério da autoridade, poderão ficar sob a guarda do pro- prietário, responsável, preposto ou empregado que responda pelo gerenciamento do negócio, nomeado fiel depositário, mediante termo pró- prio, proibida a venda, utilização, substituição, subtração ou remoção, total ou parcial, dos referidos bens. § 2o A retirada de produto por parte da autoridade fiscalizadora não poderá incidir sobre quantidade superior àquela necessária à realização da análise pericial. Art. 22. Será aplicada multa ao fornecedor de produtos ou serviços que, direta ou indire- tamente, inserir, fizer circular ou utilizar-se de cláusula abusiva, qualquer que seja a modali- dade do contrato de consumo, inclusive nas operações securitárias, bancárias, de crédito direto ao consumidor, depósito, poupança, mú- tuo ou financiamento, e especialmente quando: I – impossibilitar, exonerar ou atenuar a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou implicar renúncia ou disposição de direito do consumidor; II – deixar de reembolsar ao consumidor a quantia já paga, nos casos previstos na Lei no 8.078, de 1990; III – transferir responsabilidades a terceiros; IV – estabelecer obrigações consideradas iníquas ou abusivas, que coloquem o consumi- dor em desvantagem exagerada, incompatíveis com a boa-fé ou a equidade; V – estabelecer inversão do ônus da prova em prejuízo do consumidor; VI – determinar a utilização compulsória de arbitragem; VII – impuser representante para concluir ou realizar outro negócio jurídico pelo con- sumidor; 45 N or m as p rin ci pa is VIII – deixar ao fornecedor a opção de concluir ou não o contrato, embora obrigando o consumidor; IX – permitir ao fornecedor, direta ou indi- retamente, variação unilateral do preço, juros, encargos, forma de pagamento ou atualização monetária; X – autorizar o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente, sem que igual direi- to seja conferido ao consumidor, ou permitir, nos contratos de longa duração ou de trato sucessivo, o cancelamento sem justa causa e motivação, mesmo que dada ao consumidor a mesma opção; XI – obrigar o consumidor a ressarcir os cus- tos de cobrança de sua obrigação, sem que igual direito lhe seja conferido contra o fornecedor; XII – autorizar o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato após sua celebração; XIII – infringir normas ambientais ou pos- sibilitar sua violação; XIV – possibilitar a renúncia ao direito de indenização por benfeitorias necessárias; XV – restringir direitos ou obrigações funda- mentais à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar o seu objeto ou o equilíbrio contratual; XVI – onerar excessivamente o consumidor, considerando-se a natureza e o conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras cir- cunstâncias peculiares à espécie; XVII – determinar, nos contratos de compra e venda mediante pagamento em prestações, ou nas alienações fiduciárias em garantia, a perda total das prestações pagas, em beneficio do credor que, em razão do inadimplemento, pleitear a resilição do contrato e a retomada do produto alienado, ressalvada a cobrança judicial de perdas e danos comprovadamente sofridos; XVIII – anunciar, oferecer ou estipular pagamento em moeda estrangeira, salvo nos casos previstos em lei; XIX – cobrar multas de mora superiores a dois por cento, decorrentes do inadimplemento de obrigação no seu termo, conforme o dispos- to no § 1o do art. 52 da Lei no 8.078, de 1990, com a redação dada pela Lei no 9.298, de 1o de agosto de 1996; XX – impedir, dificultar ou negar ao consu- midor a liquidação antecipada do débito, total ou parcialmente, mediante redução proporcio- nal dos juros, encargos e demais acréscimos, inclusive seguro; XXI – fizer constar do contratoalguma das cláusulas abusivas a que se refere o art. 56 deste Decreto; XXII – elaborar contrato, inclusive o de adesão, sem utilizar termos claros, caracteres ostensivos e legíveis, que permitam sua ime- diata e fácil compreensão, destacando-se as cláusulas que impliquem obrigação ou limi- tação dos direitos contratuais do consumidor, inclusive com a utilização de tipos de letra e cores diferenciados, entre outros recursos gráficos e visuais; XXIII – que impeça a troca de produto impróprio, inadequado, ou de valor diminuí- do, por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso, ou a restituição imediata da quantia paga, devidamente corrigida, ou fazer abatimento proporcional do preço, a critério do consumidor. Parágrafo único. Dependendo da gravidade da infração prevista nos incisos dos arts. 12, 13 e deste artigo, a pena de multa poderá ser cumulada com as demais previstas no art. 18, sem prejuízo da competência de outros órgãos administrativos. Art. 23. Os serviços prestados e os produtos remetidos ou entregues ao consumidor, na hipótese prevista no inciso IV do art. 12 deste Decreto, equiparam-se às amostras grátis, ine- xistindo obrigação de pagamento. Art. 24. Para a imposição da pena e sua gra- dação, serão considerados: I – as circunstâncias atenuantes e agravantes; II – os antecedentes do infrator, nos termos do art. 28 deste Decreto. Art. 25. Consideram-se circunstâncias ate- nuantes: I – a ação do infrator não ter sido fundamen- tal para a consecução do fato; II – ser o infrator primário; III – ter o infrator adotado as providências pertinentes para minimizar ou de imediato reparar os efeitos do ato lesivo. 46 C ód ig o de D ef es a do C on su m id or Art. 26. Consideram-se circunstâncias agra- vantes: I – ser o infrator reincidente; II – ter o infrator, comprovadamente, co- metido a prática infrativa para obter vantagens indevidas; III – trazer a prática infrativa consequências danosas à saúde ou à segurança do consumi- dor; IV – deixar o infrator, tendo conhecimento do ato lesivo, de tomar as providências para evitar ou mitigar suas consequências; V – ter o infrator agido com dolo; VI – ocasionar a prática infrativa dano co- letivo ou ter caráter repetitivo; VII – ter a prática infrativa ocorrido em detrimento de menor de dezoito ou maior de sessenta anos ou de pessoas portadoras de deficiência física, mental ou sensorial, interdi- tadas ou não; VIII – dissimular-se a natureza ilícita do ato ou atividade; IX – ser a conduta infrativa praticada aproveitando-se o infrator de grave crise econômica ou da condição cultural, social ou econômica da vítima, ou, ainda, por ocasião de calamidade. Art. 27. Considera-se reincidência a repetição de prática infrativa, de qualquer natureza, às normas de defesa do consumidor, punida por decisão administrativa irrecorrível. Parágrafo único. Para efeito de reincidência, não prevalece a sanção anterior, se entre a data da decisão administrativa definitiva e aquela da prática posterior houver decorrido período de tempo superior a cinco anos. Art. 28. Observado o disposto no art. 24 deste Decreto pela autoridade competente, a pena de multa será fixada considerando-se a gravidade da prática infrativa, a extensão do dano causado aos consumidores, a vantagem auferida com o ato infrativo e a condição eco- nômica do infrator, respeitados os parâmetros estabelecidos no parágrafo único do art. 57 da Lei no 8.078, de 1990. CAPÍTULO IV – Da Destinação da Multa e da Administração dos Recursos Art. 29. A multa de que trata o inciso I do art. 56 e caput do art. 57 da Lei no 8.078, de 1990, reverterá para o Fundo pertinente à pes- soa jurídica de direito público que impuser a sanção, gerido pelo respectivo Conselho Gestor. Parágrafo único. As multas arrecadadas pela União e órgãos federais reverterão para o Fundo de Direitos Difusos de que tratam a Lei no 7.347, de 1985, e Lei no 9.008, de 21 de março de 1995, gerido pelo Conselho Federal Gestor do Fundo de Defesa dos Direitos Difusos – CFDD. Art. 30. As multas arrecadadas serão destina- das ao financiamento de projetos relacionados com os objetivos da Política Nacional de Re- lações de Consumo, com a defesa dos direitos básicos do consumidor e com a modernização administrativa dos órgãos públicos de defesa do consumidor, após aprovação pelo respectivo Conselho Gestor, em cada unidade federativa. Art. 31. Na ausência de Fundos municipais, os recursos serão depositados no Fundo do respectivo Estado e, faltando este, no Fundo federal. Parágrafo único. O Conselho Federal Gestor do Fundo de Defesa dos Direitos Difusos po- derá apreciar e autorizar recursos para projetos especiais de órgãos e entidades federais, esta- duais e municipais de defesa do consumidor. Art. 32. Na hipótese de multa aplicada pelo órgão coordenador do SNDC nos casos pre- vistos pelo art. 15 deste Decreto, o Conselho Federal Gestor do FDD restituirá aos fundos dos Estados envolvidos o percentual de até oitenta por cento do valor arrecadado. CAPÍTULO V – Do Processo Administrativo SEÇÃO I – Das Disposições Gerais Art. 33. As práticas infrativas às normas de proteção e defesa do consumidor serão apu- radas em processo administrativo, que terá início mediante: 47 N or m as p rin ci pa is I – ato, por escrito, da autoridade compe- tente; I – lavratura de auto de infração; III – reclamação. § 1o Antecedendo à instauração do processo administrativo, poderá a autoridade competen- te abrir investigação preliminar, cabendo, para tanto, requisitar dos fornecedores informações sobre as questões investigados, resguardado o segredo industrial, na forma do disposto no § 4o do art. 55 da Lei no 8.078, de 1990. § 2o A recusa à prestação das informações ou o desrespeito às determinações e convo- cações dos órgãos do SNDC caracterizam desobediência, na forma do art. 330 do Código Penal, ficando a autoridade administrativa com poderes para determinar a imediata cessação da prática, além da imposição das sanções administrativas e civis cabíveis. SEÇÃO II – Da Reclamação Art. 34. O consumidor poderá apresentar sua reclamação pessoalmente, ou por telegrama, carta, telex, fac-símile ou qualquer outro meio de comunicação, a quaisquer dos órgãos oficiais de proteção e defesa do consumidor. SEÇÃO III – Dos Autos de Infração, de Apreensão e do Termo de Depósito Art. 35. Os Autos de infração, de Apreensão e o Termo de Depósito deverão ser impressos, numerados em série e preenchidos de forma clara e precisa, sem entrelinhas, rasuras ou emendas, mencionando: I – o Auto de Infração: a) o local, a data e a hora da lavratura; b) o nome, o endereço e a qualificação do autuado; c) a descrição do fato ou do ato constitutivo da infração; d) o dispositivo legal infringido; e) a determinação da exigência e a intima- ção para cumpri-la ou impugná-la no prazo de dez dias; f) a identificação do agente autuante, sua assinatura, a indicação do seu cargo ou função e o número de sua matrícula; g) a designação do órgão julgador e o res- pectivo endereço; h) a assinatura do autuado; II – o Auto de Apreensão e o Termo de Depósito: a) o local, a data e a hora da lavratura; b) o nome, o endereço e a qualificação do depositário; c) a descrição e a quantidade dos produtos apreendidos; d) as razões e os fundamentos da apreensão; e) o local onde o produto ficará armaze- nado; f) a quantidade de amostra colhida para análise; g) a identificação do agente autuante, sua assinatura, a indicação do seu cargo ou função e o número de sua matrícula; h) a assinatura do depositário; i) as proibições contidas no § 1o do art. 21 deste Decreto. Art. 36. Os Autos de Infração, de Apreensão e o Termo de Depósito serão lavrados pelo agente autuante que houver verificado a prática infrativa, preferencialmente no local onde foi comprovada a irregularidade. Art. 37. Os Autos de Infração, de Apreensão e o Termo de Depósito serãolavrados em impres- so próprio, composto de três vias, numeradas tipograficamente. § 1o Quando necessário, para comprovação de infração, os Autos serão acompanhados de laudo pericial. § 2o Quando a verificação do defeito ou vício relativo à qualidade, oferta e apresentação de produtos não depender de perícia, o agente competente consignará o fato no respectivo Auto. Art. 38. A assinatura nos Autos de Infração, de Apreensão e no Termo de Depósito, por parte do autuado, ao receber cópias dos mesmos, constitui notificação, sem implicar confissão, para os fins do art. 44 do presente Decreto. 48 C ód ig o de D ef es a do C on su m id or Parágrafo único. Em caso de recusa do autuado em assinar os Autos de Infração, de Apreensão e o Termo de Depósito, o Agente competente consignará o fato nos Autos e no Termo, remetendo-os ao autuado por via pos- tal, com Aviso de Recebimento (AR) ou outro procedimento equivalente, tendo os mesmos efeitos do caput deste artigo. SEÇÃO IV – Da Instauração do Processo Administrativo por Ato de Autoridade Competente Art. 39. O processo administrativo de que tra- ta o art. 33 deste Decreto poderá ser instaurado mediante reclamação do interessado ou por iniciativa da própria autoridade competente. Parágrafo único. Na hipótese de a inves- tigação preliminar não resultar em processo administrativo com base em reclamação apresentada por consumidor, deverá este ser informado sobre as razões do arquivamento pela autoridade competente. Art. 40. O processo administrativo, na for- ma deste Decreto, deverá, obrigatoriamente, conter: I – a identificação do infrator; II – a descrição do fato ou ato constitutivo da infração; III – os dispositivos legais infringidos; IV – a assinatura da autoridade competente. Art. 41. A autoridade administrativa poderá determinar, na forma de ato próprio, cons- tatação preliminar da ocorrência de prática presumida. SEÇÃO V – Da Notificação Art. 42. A autoridade competente expedirá notificação ao infrator, fixando o prazo de dez dias, a contar da data de seu recebimento, para apresentar defesa, na forma do art. 44 deste Decreto. § 1o A notificação, acompanhada de cópia da inicial do processo administrativo a que se refere o art. 40, far-se-á: I – pessoalmente ao infrator, seu mandatário ou preposto; II – por carta registrada ao infrator, seu mandatário ou preposto, com Aviso de Rece- bimento (AR). § 2o Quando o infrator, seu mandatário ou preposto não puder ser notificado, pessoalmen- te ou por via postal, será feita a notificação por edital, a ser afixado nas dependências do órgão respectivo, em lugar público, pelo prazo de dez dias, ou divulgado, pelo menos uma vez, na im- prensa oficial ou em jornal de circulação local. SEÇÃO VI – Da Impugnação e do Julgamento do Processo Administrativo Art. 43. O processo administrativo decor- rente de Auto de Infração, de ato de ofício de autoridade competente, ou de reclamação será instruído e julgado na esfera de atribuição do órgão que o tiver instaurado. Art. 44. O infrator poderá impugnar o pro- cesso administrativo, no prazo de dez dias, contados processualmente de sua notificação, indicando em sua defesa: I – a autoridade julgadora a quem é dirigida; II – a qualificação do impugnante; III – as razões de fato e de direito que fun- damentam a impugnação; IV – as provas que lhe dão suporte. Art. 45. Decorrido o prazo da impugnação, o órgão julgador determinará as diligências cabíveis, podendo dispensar as meramente pro- telatórias ou irrelevantes, sendo-lhe facultado requisitar do infrator, de quaisquer pessoas fí- sicas ou jurídicas, órgãos ou entidades públicas as necessárias informações, esclarecimentos ou documentos, a serem apresentados no prazo estabelecido. Art. 46. A decisão administrativa conterá re- latório dos fatos, o respectivo enquadramento legal e, se condenatória, a natureza e gradação da pena. § 1o A autoridade administrativa competen- te, antes de julgar o feito, apreciará a defesa e as provas produzidas pelas partes, não estando 49 N or m as p rin ci pa is vinculada ao relatório de sua consultoria jurí- dica ou órgão similar, se houver. § 2o Julgado o processo e fixada a multa, será o infrator notificado para efetuar seu re- colhimento no prazo de dez dias ou apresentar recurso. § 3o Em caso de provimento do recurso, os valores recolhidos serão devolvidos ao re- corrente na forma estabelecida pelo Conselho Gestor do Fundo. Art. 47. Quando a cominação prevista for a contrapropaganda, o processo poderá ser instruído com indicações técnico-publicitárias, das quais se intimará o autuado, obedecidas, na execução da respectiva decisão, as condições constantes do § 1o do art. 60 da Lei no 8.078, de 1990. SEÇÃO VII – Das Nulidades Art. 48. A inobservância de forma não acarre- tará a nulidade do ato, se não houver prejuízo para a defesa. Parágrafo único. A nulidade prejudica somente os atos posteriores ao ato declarado nulo e dele diretamente dependentes ou de que sejam consequência, cabendo à autoridade que a declarar indicar tais atos e determinar o adequado procedimento saneador, se for o caso. SEÇÃO VIII – Dos Recursos Administrativos Art. 49. Das decisões da autoridade compe- tente do órgão público que aplicou a sanção caberá recurso, sem efeito suspensivo, no prazo de dez dias, contados da data da intimação da decisão, a seu superior hierárquico, que profe- rirá decisão definitiva. Parágrafo único. No caso de aplicação de multas, o recurso será recebido, com efeito suspensivo, pela autoridade superior. Art. 50. Quando o processo tramitar no âm- bito do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor, o julgamento do feito será de responsabilidade do Diretor daquele órgão, ca- bendo recurso ao titular da Secretaria Nacional do Consumidor, no prazo de dez dias, contado da data da intimação da decisão, como segunda e última instância recursal. Art. 51. Não será conhecido o recurso inter- posto fora dos prazos e condições estabelecidos neste Decreto. Art. 52. Sendo julgada insubsistente a in- fração, a autoridade julgadora recorrerá à autoridade imediatamente superior, nos termos fixados nesta Seção, mediante declaração na própria decisão. Art. 53. A decisão é definitiva quando não mais couber recurso, seja de ordem formal ou material. Art. 54. Todos os prazos referidos nesta Seção são preclusivos. SEÇÃO IX – Da Inscrição na Dívida Ativa Art. 55. Não sendo recolhido o valor da multa em trinta dias, será o débito inscrito em dívida ativa do órgão que houver aplicado a sanção, para subsequente cobrança executiva. CAPÍTULO VI – Do Elenco de Cláusulas Abusivas e do Cadastro de Fornecedores SEÇÃO I – Do Elenco de Cláusulas Abusivas Art. 56. Na forma do art. 51 da Lei no 8.078, de 1990, e com o objetivo de orientar o Sis- tema Nacional de Defesa do Consumidor, a Secretaria Nacional do Consumidor divulgará, anualmente, elenco complementar de cláusulas contratuais consideradas abusivas, notadamen- te para o fim de aplicação do disposto no inciso IV do caput do art. 22. § 1o Na elaboração do elenco referido no caput e posteriores inclusões, a consideração sobre a abusividade de cláusulas contratuais se dará de forma genérica e abstrata. § 2o O elenco de cláusulas consideradas abusivas tem natureza meramente exemplifi- cativa, não impedindo que outras, também, 50 C ód ig o de D ef es a do C on su m id or possam vir a ser assim consideradas pelos ór- gãos da Administração Pública incumbidos da defesa dos interesses e direitos protegidos pelo Código de Defesa do Consumidor e legislação correlata. § 3o A apreciação sobre a abusividade de cláusulas contratuais, para fins de sua inclusão no elenco a que se refere o caput deste artigo, se dará de ofício ou por provocação dos legitima- dos referidos no art. 82 da Lei no 8.078, de 1990. SEÇÃO II – Do Cadastro de Fornecedores Art. 57. Os cadastros de reclamações fun- damentadascontra fornecedores constituem instrumento essencial de defesa e orientação dos consumidores, devendo os órgãos públicos competentes assegurar sua publicidade, confia- bilidade e continuidade, nos termos do art. 44 da Lei no 8.078, de 1990. Art. 58. Para os fins deste Decreto, conside- ra-se: I – cadastro: o resultado dos registros feitos pelos órgãos públicos de defesa do consumidor de todas as reclamações fundamentadas contra fornecedores; II – reclamação fundamentada: a notícia de lesão ou ameaça a direito de consumidor ana- lisada por órgão público de defesa do consumi- dor, a requerimento ou de ofício, considerada procedente, por decisão definitiva. Art. 59. Os órgãos públicos de defesa do consumidor devem providenciar a divulgação periódica dos cadastros atualizados de recla- mações fundamentadas contra fornecedores. § 1o O cadastro referido no caput deste artigo será publicado, obrigatoriamente, no órgão de imprensa oficial local, devendo a en- tidade responsável dar-lhe a maior publicidade possível por meio dos órgãos de comunicação, inclusive eletrônica. § 2o O cadastro será divulgado anualmen- te, podendo o órgão responsável fazê-lo em período menor, sempre que julgue necessá- rio, e conterá informações objetivas, claras e verdadeiras sobre o objeto da reclamação, a identificação do fornecedor e o atendimento ou não da reclamação pelo fornecedor. § 3o Os cadastros deverão ser atualizados permanentemente, por meio das devidas anotações, não podendo conter informações negativas sobre fornecedores, referentes a pe- ríodo superior a cinco anos, contado da data da intimação da decisão definitiva. Art. 60. Os cadastros de reclamações funda- mentadas contra fornecedores são conside- rados arquivos públicos, sendo informações e fontes a todos acessíveis, gratuitamente, vedada a utilização abusiva ou, por qualquer outro modo, estranha à defesa e orientação dos consumidores, ressalvada a hipótese de publicidade comparativa. Art. 61. O consumidor ou fornecedor poderá requerer, em cinco dias a contar da divulgação do cadastro e mediante petição fundamentada, a retificação de informação inexata que nele conste, bem como a inclusão de informação omitida, devendo a autoridade competente, no prazo de dez dias úteis, pronunciar-se, motiva- damente, pela procedência ou improcedência do pedido. Parágrafo único. No caso de acolhimento do pedido, a autoridade competente providenciará, no prazo deste artigo, a retificação ou inclusão de informação e sua divulgação, nos termos do § 1o do art. 59 deste Decreto. Art. 62. Os cadastros específicos de cada órgão público de defesa do consumidor serão consolidados em cadastros gerais, nos âmbitos federal e estadual, aos quais se aplica o disposto nos artigos desta Seção. CAPÍTULO VII – Das Disposições Gerais Art. 63. Com base na Lei no 8.078, de 1990, e legislação complementar, a Secretaria Nacional do Consumidor poderá expedir atos adminis- trativos, visando à fiel observância das normas de proteção e defesa do consumidor. Art. 64. Poderão ser lavrados Autos de Com- provação ou Constatação, a fim de estabelecer 51 N or m as p rin ci pa is a situação real de mercado, em determinado lugar e momento, obedecido o procedimento adequado. Art. 65. Em caso de impedimento à aplicação do presente Decreto, ficam as autoridades com- petentes autorizadas a requisitar o emprego de força policial. Art. 66. Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação. Art. 67. Fica revogado o Decreto no 861, de 9 de julho de 1993. Brasília, 20 de março de 1997; 176o da Indepen- dência e 109o da República. FERNANDO HENRIQUE CARDOSO – Nelson A. Jobim Decretado em 20/3/1997 e publicado no DOU de 21/3/1997. Normas correlatas 54 C ód ig o de D ef es a do C on su m id or Lei no 13.455/2017 Dispõe sobre a diferenciação de preços de bens e serviços oferecidos ao público em função do prazo ou do instrumento de pagamento utilizado, e altera a Lei no 10.962, de 11 de outubro de 2004. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: Art. 1o Fica autorizada a diferenciação de preços de bens e serviços oferecidos ao públi- co em função do prazo ou do instrumento de pagamento utilizado. Parágrafo único. É nula a cláusula contra- tual, estabelecida no âmbito de arranjos de pa- gamento ou de outros acordos para prestação de serviço de pagamento, que proíba ou restrinja a diferenciação de preços facultada no caput deste artigo. ................................................................................ Art. 3o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. Brasília, 26 de junho de 2017; 196o da Indepen- dência e 129o da República. MICHEL TEMER – Henrique Meirelles – Ilan Goldfajn Promulgada em 26/6/2017 e publicada no DOU de 27/6/2017. 55 N or m as c or re la ta s Lei no 12.965/2014 Estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil. A PRESIDENTA DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: CAPÍTULO I – Disposições Preliminares Art. 1o Esta Lei estabelece princípios, garan- tias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil e determina as diretrizes para atuação da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios em relação à matéria. Art. 2o A disciplina do uso da internet no Bra- sil tem como fundamento o respeito à liberdade de expressão, bem como: I – o reconhecimento da escala mundial da rede; II – os direitos humanos, o desenvolvimento da personalidade e o exercício da cidadania em meios digitais; III – a pluralidade e a diversidade; IV – a abertura e a colaboração; V – a livre iniciativa, a livre concorrência e a defesa do consumidor; e VI – a finalidade social da rede. Art. 3o A disciplina do uso da internet no Brasil tem os seguintes princípios: I – garantia da liberdade de expressão, co- municação e manifestação de pensamento, nos termos da Constituição Federal; II – proteção da privacidade; III – proteção dos dados pessoais, na forma da lei; IV – preservação e garantia da neutralidade de rede; V – preservação da estabilidade, segurança e funcionalidade da rede, por meio de medidas técnicas compatíveis com os padrões interna- cionais e pelo estímulo ao uso de boas práticas; VI – responsabilização dos agentes de acordo com suas atividades, nos termos da lei; VII – preservação da natureza participativa da rede; VIII – liberdade dos modelos de negócios promovidos na internet, desde que não con- flitem com os demais princípios estabelecidos nesta Lei. Parágrafo único. Os princípios expressos nesta Lei não excluem outros previstos no ordenamento jurídico pátrio relacionados à matéria ou nos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. Art. 4o A disciplina do uso da internet no Brasil tem por objetivo a promoção: I – do direito de acesso à internet a todos; II – do acesso à informação, ao conheci- mento e à participação na vida cultural e na condução dos assuntos públicos; III – da inovação e do fomento à ampla difusão de novas tecnologias e modelos de uso e acesso; e IV – da adesão a padrões tecnológicos aber- tos que permitam a comunicação, a acessibili- dade e a interoperabilidade entre aplicações e bases de dados. Art. 5o Para os efeitos desta Lei, considera-se: I – internet: o sistema constituído do con- junto de protocolos lógicos, estruturado em escala mundial para uso público e irrestrito, com a finalidade de possibilitar a comunicação de dados entre terminais por meio de diferentes redes; II – terminal: o computador ou qualquer dispositivo que se conecte à internet; III – endereço de protocolo de internet (en- dereço IP): o código atribuído a um terminal de uma rede para permitir sua identificação, definido segundo parâmetros internacionais; IV – administrador de sistema autônomo: a pessoa física ou jurídica que administrablocos 56 C ód ig o de D ef es a do C on su m id or de endereço IP específicos e o respectivo sis- tema autônomo de roteamento, devidamente cadastrada no ente nacional responsável pelo registro e distribuição de endereços IP geogra- ficamente referentes ao País; V – conexão à internet: a habilitação de um terminal para envio e recebimento de pacotes de dados pela internet, mediante a atribuição ou autenticação de um endereço IP; VI – registro de conexão: o conjunto de informações referentes à data e hora de início e término de uma conexão à internet, sua du- ração e o endereço IP utilizado pelo terminal para o envio e recebimento de pacotes de dados; VII – aplicações de internet: o conjunto de funcionalidades que podem ser acessadas por meio de um terminal conectado à internet; e VIII – registros de acesso a aplicações de internet: o conjunto de informações referentes à data e hora de uso de uma determinada apli- cação de internet a partir de um determinado endereço IP. Art. 6o Na interpretação desta Lei serão levados em conta, além dos fundamentos, princípios e objetivos previstos, a natureza da internet, seus usos e costumes particulares e sua importância para a promoção do desenvolvi- mento humano, econômico, social e cultural. CAPÍTULO II – Dos Direitos e Garantias dos Usuários Art. 7o O acesso à internet é essencial ao exer- cício da cidadania, e ao usuário são assegurados os seguintes direitos: I – inviolabilidade da intimidade e da vida privada, sua proteção e indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; II – inviolabilidade e sigilo do fluxo de suas comunicações pela internet, salvo por ordem judicial, na forma da lei; III – inviolabilidade e sigilo de suas co- municações privadas armazenadas, salvo por ordem judicial; IV – não suspensão da conexão à internet, salvo por débito diretamente decorrente de sua utilização; V – manutenção da qualidade contratada da conexão à internet; VI – informações claras e completas cons- tantes dos contratos de prestação de serviços, com detalhamento sobre o regime de proteção aos registros de conexão e aos registros de acesso a aplicações de internet, bem como sobre práticas de gerenciamento da rede que possam afetar sua qualidade; VII – não fornecimento a terceiros de seus dados pessoais, inclusive registros de conexão, e de acesso a aplicações de internet, salvo me- diante consentimento livre, expresso e informa- do ou nas hipóteses previstas em lei; VIII – informações claras e completas so- bre coleta, uso, armazenamento, tratamento e proteção de seus dados pessoais, que somente poderão ser utilizados para finalidades que: a) justifiquem sua coleta; b) não sejam vedadas pela legislação; e c) estejam especificadas nos contratos de prestação de serviços ou em termos de uso de aplicações de internet; IX – consentimento expresso sobre coleta, uso, armazenamento e tratamento de dados pessoais, que deverá ocorrer de forma desta- cada das demais cláusulas contratuais; X – exclusão definitiva dos dados pessoais que tiver fornecido a determinada aplicação de internet, a seu requerimento, ao término da relação entre as partes, ressalvadas as hipóteses de guarda obrigatória de registros previstas nesta Lei; XI – publicidade e clareza de eventuais políticas de uso dos provedores de conexão à internet e de aplicações de internet; XII – acessibilidade, consideradas as caracte- rísticas físico-motoras, perceptivas, sensoriais, intelectuais e mentais do usuário, nos termos da lei; e XIII – aplicação das normas de proteção e defesa do consumidor nas relações de consumo realizadas na internet. Art. 8o A garantia do direito à privacidade e à liberdade de expressão nas comunicações é condição para o pleno exercício do direito de acesso à internet. 57 N or m as c or re la ta s Parágrafo único. São nulas de pleno direito as cláusulas contratuais que violem o disposto no caput, tais como aquelas que: I – impliquem ofensa à inviolabilidade e ao sigilo das comunicações privadas, pela internet; ou II – em contrato de adesão, não ofereçam como alternativa ao contratante a adoção do foro brasileiro para solução de controvérsias decorrentes de serviços prestados no Brasil. CAPÍTULO III – Da Provisão de Conexão e de Aplicações de Internet SEÇÃO I – Da Neutralidade de Rede Art. 9o O responsável pela transmissão, comu- tação ou roteamento tem o dever de tratar de forma isonômica quaisquer pacotes de dados, sem distinção por conteúdo, origem e destino, serviço, terminal ou aplicação. § 1o A discriminação ou degradação do tráfego será regulamentada nos termos das atri- buições privativas do Presidente da República previstas no inciso IV do art. 84 da Constituição Federal, para a fiel execução desta Lei, ouvidos o Comitê Gestor da Internet e a Agência Na- cional de Telecomunicações, e somente poderá decorrer de: I – requisitos técnicos indispensáveis à prestação adequada dos serviços e aplicações; e II – priorização de serviços de emergência. § 2o Na hipótese de discriminação ou degra- dação do tráfego prevista no § 1o, o responsável mencionado no caput deve: I – abster-se de causar dano aos usuários, na forma do art. 927 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil; II – agir com proporcionalidade, transpa- rência e isonomia; III – informar previamente de modo trans- parente, claro e suficientemente descritivo aos seus usuários sobre as práticas de gerenciamen- to e mitigação de tráfego adotadas, inclusive as relacionadas à segurança da rede; e IV – oferecer serviços em condições comer- ciais não discriminatórias e abster-se de praticar condutas anticoncorrenciais. § 3o Na provisão de conexão à internet, onerosa ou gratuita, bem como na transmissão, comutação ou roteamento, é vedado bloquear, monitorar, filtrar ou analisar o conteúdo dos pacotes de dados, respeitado o disposto neste artigo. SEÇÃO II – Da Proteção aos Registros, aos Dados Pessoais e às Comunicações Privadas Art. 10. A guarda e a disponibilização dos registros de conexão e de acesso a aplicações de internet de que trata esta Lei, bem como de dados pessoais e do conteúdo de comunicações privadas, devem atender à preservação da inti- midade, da vida privada, da honra e da imagem das partes direta ou indiretamente envolvidas. § 1o O provedor responsável pela guarda somente será obrigado a disponibilizar os registros mencionados no caput, de forma autônoma ou associados a dados pessoais ou a outras informações que possam contribuir para a identificação do usuário ou do terminal, mediante ordem judicial, na forma do disposto na Seção IV deste Capítulo, respeitado o dis- posto no art. 7o. § 2o O conteúdo das comunicações privadas somente poderá ser disponibilizado mediante ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer, respeitado o disposto nos incisos II e III do art. 7o. § 3o O disposto no caput não impede o acesso aos dados cadastrais que informem qualificação pessoal, filiação e endereço, na forma da lei, pelas autoridades administrativas que detenham competência legal para a sua requisição. § 4o As medidas e os procedimentos de segurança e de sigilo devem ser informados pelo responsável pela provisão de serviços de forma clara e atender a padrões definidos em regulamento, respeitado seu direito de confi- dencialidade quanto a segredos empresariais. Art. 11. Em qualquer operação de coleta, armazenamento, guarda e tratamento de re- gistros, de dados pessoais ou de comunicações por provedores de conexão e de aplicações de internet em que pelo menos um desses atos ocorra em território nacional, deverão ser obri- gatoriamente respeitados a legislação brasileira 58 C ód ig o de D ef es a do C on su m id or e os direitos à privacidade, à proteção dos dados pessoais e ao sigilo das comunicações privadas e dos registros. § 1o O disposto no caput aplica-se aos dados coletados em