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1 2 - Coruja. 3 Índice Introdução à Bacteriologia e Citologia Bacteriana .................................................................. 4 Fisiologia Bacteriana ........................................................................................................... 11 Genética Bacteriana ............................................................................................................ 15 Resistência a Antimicrobianos ............................................................................................. 20 Microbiota Normal .............................................................................................................. 26 Agressão e Defesa Bacteriana .............................................................................................. 30 4 Introdução à Bacteriologia e Citologia Bacteriana As bactérias foram reconhecidas pelo ser humano pela primeira vez no século XVII e desde então procurou-se considerar o que eram as bactérias. Por um bom tempo, as bactérias foram categorizadas de acordo com o que elas faziam: se move, é um animal; faz fotossíntese, é um vegetal. No século XIX houve a divisão em três grandes reinos, em que as bactérias foram colocadas no grupo dos Protistas. O grupo de Protistas não só abrigavam as bactérias, mas também protozoários, algas, entre outros. No século XX, houve a clareza, principalmente com avanços na microscopia eletrônica, de que havia dois tipos celulares: procariotos e eucariotos. A classificação avançou em 1969 com a proposta dos cinco reinos, e nessa proposta as bactérias deixam reino Protista e compõe o reino Monera. Porém, baseada em características genéticas, foi feita a proposta em 1980 de três grandes grupos, denominados domínios: Eukarya, Bacteria e Archaea. Diferente dos vírus, que não crescem em meios acelulares, as bactérias, em sua maioria, crescem. Para identificar uma bactéria, ela precisa ser isolada para facilitar este processo. Depois de isolada, é importante explorar a fisiologia da bactéria: o que elas fazem, o que utilizam, entre outras coisas. A morfologia e a coloração também são observados na bactéria. Muitos fungos, principalmente de interesse médico, podem ser identificados pela morfologia de suas colônias. Isso não funciona muito bem com bactérias, necessitam mais testes bioquímicos para sua identificação. A espectrometria de massa também é utilizada para a identificação de micro- organismos, analisando suas proteínas de acordo com sua massa e carga. A PCR é muito utilizada para o reconhecimento de genes típicos de determinada espécie de bactéria. Há três tipos morfológicos básicos nas bactérias: cocos, bacilos e espiraladas. Há exceções, porém essas bactérias não são de interesse médico. Há fontes na literatura que classificam o vibrião como uma forma separada, porém há outras que a classificam como uma variação do bacilo, sendo um bacilo curvo. Há variações na morfologia da bactéria e são úteis na identificação da bactéria. As bactérias podem se agrupar em decorrência do plano de divisão celular. Quando uma bactéria cocos se divide sempre em um plano, ou as bactérias ficam juntas de duas em duas, formando o diplococo; ou todas ficam juntas formando uma fileira de bactérias, formando o estreptococos. Caso o cocos se reproduza de forma regular em dois planos, formam um grupo de quatro bactérias, formando o tetracocos. Caso o cocos se reproduza de forma regular em três planos, formam um grupo de formato cuboide, denominado sarcina. A reprodução do cocos 5 também pode ocorrer em planos de divisão irregulares, garantindo uma forma irregular ao grupo de bactérias, formando o estafilococos. As formas espiraladas não se agrupam, pois são extremamente móveis. Os bacilos podem se relacionar em grupos diplobacilos, estreptobacilos e bacilococos, porém não é muito comum e nem muito importante para sua identificação. Do ponto de vista metabólico, as células eucariotas e procariotas são muito parecidas. Uma das principais diferenças é que na célula eucariota há uma compartimentalização do metabolismo. A bactéria não apresenta organelas membranosas. A bactéria apresenta estruturas superficiais, apêndices e algumas organelas. Suas estruturas essenciais são: parede celular, membrana plasmática, citoplasma e nucleóide. Suas estruturas facultativas são cápsula, fímbria e flagelo. Fazem parte de seu envoltório, a parede celular, membrana e cápsula. Suas partes internas e apêndices são compostos por citoplasma, nucleóide, fímbrias e flagelos. As bactérias apresentam parede celular e está presente logo acima de sua membrana. Em alguns casos, a parede pode estar recoberta por uma cápsula. Todas as bactérias apresentam parede celular, membrana plasmática, citoplasma e material genético. A presença de cápsulas, fimbrias e flagelos é facultativa. A parede celular, apesar de não ser exclusiva da bactéria, é uma das características mais importantes para a bactéria. Uma bactéria é uma célula muito pequena, em torno de 1 a 4 µm. Devido ao seu tamanho pequeno, ela consegue fazer trocas com o meio mais facilmente, seu metabolismo fica mais rápido e os metabólitos ficam em maior concentração. A membrana de uma bactéria não é elástica e, devido a alta concentração de metabólitos em seu interior, a membrana seria rompida em meio aquoso. A parede, sendo uma estrutura rígida e firme, contém a membrana plasmática. Assim, a parede garante a vida e o metabolismo da bactéria. A parede celular também influencia na forma da bactéria. A parede celular pode ser tóxica, apresenta estruturas antigênicas que permitem sua identificação pelo sistema imune e é formado por peptidoglicano. O peptidoglicano apresenta uma fração de peptídeos e uma fração glicídica. Ele apresenta fileiras de dois açúcares: N- acetilglicosamina e N-acetilmurâmico, que se ligam alternadamente. As fileiras de açúcares, a parte glicana (glicana, pois são açúcares aminados), são interligadas por peptídeos. Os açúcares de cada lado da fileira estão ligados a um peptídeo de quatro aminoácidos e esses peptídeos se conectam formando uma ponte. Os primeiros antibióticos a serem descobertos inibem essa ligação peptídica entre as fileiras de açúcares. Esses peptídeos são alguns comuns à todas as bactérias, alguns comuns à determinadas espécies e alguns comuns à bactéria Gram-positiva ou Gram-negativa. 6 Há dois padrões de parede: Gram-positivo e Gram-negativo. A coloração de Gram é muito tradicional na bacteriologia. Foi descoberto que bactérias diferentes, expostas a dois corantes diferentes se manifestavam de formas diferentes. Algumas se coravam apenas com um corante e outras com outro corante. Aquelas que se coravam com o cristal violeta foram, arbitrariamente, denominadas de Gram-positivas. Aquelas que se coravam com a fucsina, foram denominadas de Gram-negativas. As bactérias Gram-positivas são muito mais espessas que a parede da bactérias Gram- negativas, cerca de quinze vezes mais. As bactérias Gram-positivas apresentam ácido lipoteicóico em sua parede, que também é utilizada pelo sistema imune para a identificação da bactéria. As bactérias Gram-negativas apresentam uma membrana externa recobrindo a parede de peptidoglicanos. Essa membrana externa é uma bicamada de fosfolipídeos muito semelhante à membrana plasmática, porém apresenta uma molécula típica de bactérias Gram-negativas, o lipopolissacarídeo (LPS). O LPS é composto de uma fração lipídica, o lipídico A, e uma porção polissacarídea. O lipídeo A é toxico e é chamado também de endotoxina bacteriana, podendo causar choque séptico. Os polissacarídeos O são antígenos.Há um espaço entre a membrana interna e a externa denominado periplasma, ou espaço periplasmático. Dependendo do antibiótico utilizado, a estrutura da parede interfere na sua potencialidade, sendo que cada tipo de bactéria implica na utilização de um antibiótico de parede diferente. Há algumas variações para essas estruturas de parede. A parede é essencial para a vida da bactéria, porém há um grupo de bactérias que sobrevive sem elas, o gênero Mycoplasma. Essas bactérias já tiveram parede em algum momento da história, perderam por variação genética e se adaptaram a isso. Umas das estratégias utilizadas pelo Mycoplasma é a absorção de esteroides do hospedeiro, aumentando a elasticidade da membrana. As micobactérias não apresentam membrana externa e não se coram com os corantes de Gram. As espiroquetas pouco se coram com Gram devido a sua espessura muito fina, apesar de serem Gram-negativas. Um dos principais alvos de antimicrobianos é a síntese de parede celular. A síntese na bactéria é inibida, mas o metabolismo não para. Pequenos cortes na parede são necessários durante divisão celular. Como o metabolismo não para, a parede começa a ser cortada para a divisão, mas não aumenta já que sua síntese está interrompida. Isso causa a morte da bactéria. As bactérias de forma L são cepas bacterianas que não apresentam parede celular. Há dois tipos de forma L: forma L instável, esferoplastos capazes de se dividirem, mas pode reverter para a forma original; e forma L estável, formas L que não podem reverter para a bactéria original. Os esferoplastos são células cujas paredes celulares foram quase completamente removidas, são osmoticamente frágeis e são Gram negativas. Os protoplastos são células cujas paredes celulares foram completamente removidas e são derivadas de Gram-positivas. 7 A cápsula bacteriana, com raríssimas exceções, é sempre formada de açúcares. Prendendo açúcar em sua superfície, a bactéria consegue guardar alimento, sendo uma estratégia de reserva nutritiva. Todas as células do organismo humano são recobertas por açúcares, o que é importante para seu reconhecimento pelo sistema imune. As nossas células de defesa, através de receptores, não conseguem reconhecer a bactéria devido a sua cápsula. Ou seja, ela quebra uma etapa essencial da resposta imune que é a fagocitose. Além disso, a cápsula também facilita o processo de aderência. A bactéria Bacillus apresenta cápsula, a qual é uma estrutura importante, com função anti-fagocitária, porém sua natureza química não é sacarídea, mas sim polipeptídica. A doença antraz, causada pela bactéria Bacillus anthracis, é uma doença comum entre animais. O bacilo pode esporular e resistir a altos níveis de calor e frio. O homem geralmente só é infectado quando exposto a animais contaminados. A cápsula bacteriana propriamente dita apresenta uma borda semirrígida que acompanha o contorno da célula. A camada mucosa, ou camada de limo, ou camada limosa apresenta a mesma natureza química que a cápsula propriamente dita, porém as ligações entre os açúcares são mais frouxas. A camada mucosa é comumente encontrada em bactérias que formam biofilmes. Um biofilme seria a conexão das cápsulas de várias bactérias, formando uma comunidade em que as células da periferia tentam defender as células do interior. O biofilme quando é encontrado em locais onde normalmente há colônias de micro-organismos, nem sempre apresenta perigos de saúde ao hospedeiro, porém podem gerar graves problemas quando ocorrem, por exemplo, na corrente sanguínea. Uma bactéria intestinal chamada Klebsiella pneumoniae é muito associada a infecções extra intestinais e de gravidade elevada, pois é resistente a uma serie de antibióticos carbapenêmicos. A bactéria Klebsiella pneumoniae Carbapenemase (KPC) é uma “superbactéria”, a qual sofreu mutações que lhe conferiram resistência a múltiplos antibióticos (aos carbapenêmicos, especialmente) e a capacidade de tornar resistentes outras bactérias. Essa bactéria também produz cápsula, aumentando suas chances de escape do sistema imune. A membrana plasmática apresenta como função primária, a permeabilidade seletiva. O que não é comum é o transporte vesicular. As bactérias apresentam associado à membrana, funções adicionais e todos essas funções adicionais apresentam uma função lógica, pois são inerentes de membrana e a bactéria não apresenta organela membranosa. Por exemplo, da mesma forma que a respiração celular ocorre na membrana interna da mitocôndria nos eucariotos, nos procariotos a respiração celular ocorre na membrana plasmática. Outra função muito importante é sua capacidade de secreção de enzimas e toxinas. Há sistemas de secreção 8 de proteínas do tipo I ao VII, sendo os sistema de Gram-negativas mais complexos que os sistemas de Gram-positivas. A bactéria não apresenta núcleo verdadeiro, nem centríolo. Dessa forma, algum tipo de coordenação deve haver. As enzimas que promovem a duplicação do DNA estão ancoradas na sua membrana interna. Na membrana há uma série de sensores quimiotáticos. Por meio desses sensores ela pode identificar locais com nutrientes, a quantidade bactérias no local em que está, entre outras coisas. No citoplasma, o material genético é encontrado no nucleóide. Em termos quantitativos, o nucleóide ocupada uma grande proporção do citoplasma. O DNA fica enovelado no nucleóide por meio da ação de enzimas e esse dobramento é essencial para a cópia do DNA. Um dos alvos da ação de antimicrobianos são essas enzimas. A maioria das bactérias tem apenas um cromossomo, podendo ter até dois ou três, com apenas uma cópia, haploide. As bactérias podem ter plasmídeos. Os plasmídeos são moléculas de DNA menores que cromossomos, os quais codificam informações da bactéria, porém nunca essenciais. Dessa forma, o plasmídeo é uma molécula extra cromossômica e que pode estar presente em tamanhos variados. Os plasmídeos estão, quase sempre, relacionados com expressão de fatores que beneficiam a bactéria como resistência a antibióticos e síntese de fatores de agressão. Essas moléculas são muito mais facilmente transmitidas para outras bactérias do que cromossomos, por transmissão horizontal. No citoplasma, a única organela membranosa encontrada é o ribossomo. O ribossomo procarioto é muito menor que o ribossomo encontrado na célula eucariota. Um dos alvos de ação de antimicrobianos é a inibição da síntese de micro-organismos e ele não age em ribossomos eucariotos, pois é específico para ribossomos procariotos. Devido a característica procariota da mitocôndria, ela pode sofrer ação do antibiótico. O fígado e o rim são os órgãos mais afetados por esses antimicrobianos devido ao seu metabolismo muito intenso. O citoplasma pode apresentar grânulos ou inclusões, os quais são o acúmulo de substâncias não cercados por membrana. Há bactérias que acumulam ar, ferro, fosfato, entre outros. A presença de grânulos pode ser utilizado como indicador para um determinado grupo de bactérias. A bactéria apresenta um corpo rígido (com exceção das espiraladas). Assim, para promover sua locomoção, a bactéria necessita de flagelos. Os flagelos são estruturas proteicas de certa complexidade. Tradicionalmente, o flagelo é dividido em três partes: corpo basal (anéis que fixam o corpo do flagelo no revestimento da bactéria), gancho e o filamento propriamente 9 dito. Através de seu movimento de vibrar, o flagelo permite a locomoção da bactéria. Essa atividade consome muita energia. A célula bacteriana pode possuir desde nenhum até uma quantidade considerável de flagelos. As bactérias que possuem apenas um flagelos são chamadas de monotríqueas; as que possuem dois flagelos, anfitríqueas; as que possuem tufos de flagelos, lofotríqueas; as que possuem vários flagelos espalhados por toda a célula, peritríquea. As bactérias, utilizando-se de seus sensoresquímicos, provocam a movimentação de todos os seus flagelos na direção desejada. As bactérias espiraladas, que são Gram-negativas, também apresentam flagelos, porém não estão expostos. Esses flagelos estão cobertos por uma membrana externa. Apesar da função principal dos flagelos ser de locomoção, em algumas bactérias podem ter também a função de aderência. As bactérias podem ter adesinas na ponta dos flagelos (aderência à distância), assim como também na ponta das fímbrias (aderência média) e em proteínas que estão em sua parede (aderência íntima). A aderência via flagelo é quase sempre uma aderência provisória. As fímbrias também são chamadas de pelos (pilus no singular e pili no plural). São estruturas proteicas, em maior número que o flagelos, mais fina e mais curta. Em geral, as fímbrias não estão associadas à outras funções a não ser de aderir. As fímbrias sexuais são maiores e mais espessas que fímbrias normais, e são utilizadas no processo de transferência de material genético (geralmente plasmídeo) entre uma bactéria e outra. A função de fímbria sexual não deixa de ser aderência, porém com uma funcionalidade diferente. Há fímbrias maiores que estão associadas com um tipo de mobilidade denominada deslizante. A mobilidade de flagelo se manifesta em ambientes líquidos. A mobilidade deslizante se manifesta em superfícies sólidas. As pilis aderem pela sua extremidade e começam a ser degradas, diminuindo seu tamanho e locomovendo a bactéria pela superfície. Apesar da cápsula impedir a identificação pelo sistema imune e a fímbrias serem estruturas proteicas que estão mais externas que a cápsula, em geral, o sistema imune não apresenta receptores para reconhecer as proteínas das fímbrias. Um esporo não é uma estrutura da bactéria, ele é uma bactéria e que se transformou nessa morfologia. Os esporos bacterianos são mais corretamente denominados de endósporos, pois sempre se formam dentro de uma célula. Para ocorrer uma divisão celular em duas bactérias, a bactéria deve fazer essa divisão física por meio de uma invaginação de membrana e parede. Para formar um esporo, o processo é semelhante, porém na divisão celular são formadas duas unidades independentes. A formação do esporo dá-se pela invaginação de uma dupla camada de membrana celular que se fecha para 10 envolver um cromossomo e uma pequena quantidade de citoplasma, garantindo a sobrevivência da espécie. Quando a bactéria ativa o processo de esporulação, somente um esporo por bactéria é ejetado, somente ele permanece com vida e o resto morre. Nem todas as bactérias formam esporos. Ele é formado quando a bactéria, através de sensores, sente que o ambiente passou a ser um risco para sua vida. Essa sensitividade ativa genes que transformam a bactéria em um esporo, promovendo sua sobrevivência, pois a forma esporulada é muito mais resistente ao ambiente, agentes físicos e químicos. O esporo apresente algo semelhante a um citoplasma denominado de córtex. O córtex apresenta as características de um citoplasma como nucleóide, organelas, porém é mais desidratado e apresenta um acúmulo de cálcio como forma de preservar a integridade de suas moléculas, como proteínas de DNA. Há também uma série de camadas criadas em volta do endósporo com o objetivo de protege-lo. As bactérias que formam esporos da área médica são Gram-negativas. Os corantes Gram não coram os esporos. Sua coração é feita por métodos especiais. Uma característica fisiológica do esporo é sua ausência de metabolismo. Eles são mais frequentemente encontrados no solo e, nessa forma esporular não causam danos ao organismo hospedeiro. Entretanto, ao entrar em contato com o hospedeiro, o esporo encontra um ambiente ideal para seu desenvolvimento, propiciando sua germinação e, consequentemente, expressando sua patogenicidade. Algumas bactérias que infectam alimentos são esporulados e sua germinação não pode ser permitida. Como os antimicrobianos agem sob o metabolismo da bactéria, então, naturalmente, a forma esporulada não sofre ação desses agentes. A forma esporulada é muito mais resistente que sua forma germinada. Porém há intensidades capazes de destruir esporos, como calor e alguns agentes químicos quando expostos por um longo tempo. O método UHT (Ultra Alta Temperatura) é um método que pode ser utilizado para destruir esporos. A célula bacteriana apresenta citoesqueleto, porém em estruturas diferentes de células de eucariotas. Assim como na célula eucariota, há na bactéria uma proteína responsável pela divisão celular e morfologia. Entretanto, essas estruturas não forma descritas em todas as bactérias. Também já foram descritas vesículas membrana fazendo transporte de substâncias e em situações importantes, como a transferência de DNA, liberação de toxinas e comunicação interespécie. 11 Fisiologia Bacteriana O conhecimento sobre fisiologia bacteriana serve de base para o entendimento do crescimento da bactéria, a velocidade de seu crescimento, as formas de controlar seu crescimento, sempre podendo ser aplicado na forma como a bactéria interage com o hospedeiro, alimentos e o meio ambiente. Nutrição Para sua sobrevivência, a bactéria necessita de uma fonte de energia, de uma fonte de carbono, nitrogênio, enxofre e outros minerais, como vitaminas e água. Suas necessidades são supridas de diferentes formas. A energia que a vida no planeta necessita ou vem da energia luminosa, ou vem da energia contida nas moléculas. Dessa forma, há bactérias fototróficas e bactérias quimiotróficas. Seres que assimilam carbono na forma de dióxido de carbono são autotróficos, pois produzem seu próprio alimento. Os seres heterotróficos dependem de carbono proveniente de fontes orgânicas. Como os seres humanos, a maioria das bactérias de interesse médico são quimioheterotróficas. Há também bactérias fotoautotróficas, como cianobactérias. Os seres quimioautotróficos retiram o carbono de fontes inorgânicas, porém não conseguem fazer fotossíntese. Um exemplo são as bactérias nitrificantes. As bactérias fotoheterotróficas retiram energia da luz, porém não conseguem assimilar o carbono inorgânico. Um exemplo são as bactérias púrpuras. Não por acaso, todos os tipos de seres vivos, em relação à sua fonte energética, apresentam algum representante bacteriano. Quanto ao nitrogênio, presente nos ácidos nucleicos e proteínas, apresenta como único ser no planeta capaz de assimilá-lo a partir de sua forma gasosa, uma bactéria. Assim como os seres humanos, as bactérias podem adquirir o nitrogênio de fontes orgânicas ou inorgânicas. A redução de nitrato a nitrito é uma forma de respiração anaeróbica. O fósforo e o enxofre são um importante componente de proteínas. O ferro entra no metabolismo bacteriano, fundamentalmente, na cadeia respiratória, sendo constituinte dos citocromos. Assim, o ferro é necessário para a produção de energia. Quando a bactéria infecta um indivíduo, algumas produzem proteínas chamadas sideróforos, que captam o ferro do hospedeiro. Ter ou não ter a capacidade de captar ferro pode ser o fator 12 decisivo para sua patogenicidade. O fato da bactéria conseguir capturar o ferro é uma vantagem metabólica. A bactéria, sendo uma célula muito pequena, apresenta dificuldade em absorver macromoléculas. Assim, sua digestão ocorre de forma extracelular. Nem todas bactérias apresentam esse mecanismo. Uma das principais causas de deterioração de alimentos por bactérias é a sua digestão extracelular. Os meios de cultura nada mais são do que fontes de nutrientes para o desenvolvimento bacteriano, sendo modificados dependendo da exigência da bactéria. Podem apresentar inibidores, impedindo o crescimento de determinada bactéria, e indicadores químicos como indicadores de pH. Crescimento e reprodução A reprodução bacteriana é uma divisão binária simples.Suas estruturas externas vão aumentando gradativamente enquanto seu material genético é duplicado. No final, as duas bactérias se separam ou se mantém associadas formando arranjos. Dependendo da bactéria, sua reprodução será influenciada por determinada temperatura. Há uma temperatura em que o crescimento bacteriano apresenta uma velocidade máxima, a temperatura ótima. Acima da temperatura ótima, a tendência é haver uma queda brusca na população em decorrência da morte celular. Abaixo da temperatura ótima ocorre uma diminuição da velocidade de crescimento populacional, não necessariamente havendo morte celular. Classicamente, há três grupos de bactérias em relação a sua temperatura ótima de crescimento: psicrófilas, termófilas e mesófilas. As bactérias mesófilas são as de maior interesse médico, pois sua temperatura ótima coincide com a temperatura média do corpo humano. Há outros grupos de bactérias em relação a sua temperatura ótima, como as psicrotróficas e as intertermófilas. Eubactérias dificilmente são intertermófilas, a maioria são Archaea. A faixa de desenvolvimento das psicrotróficas está entre -3°C (aproximadamente) e 35°C, com uma temperatura ótima em torno de 25°C. Essas bactérias compartilham uma ampla faixa de crescimento com as mesófilas. Sendo assim, são muito frequentemente encontradas em alimentos refrigerados. Em relação à presença de oxigênio, basicamente, as bactérias são estritamente aeróbicas e estritamente anaeróbicas. As bactérias estritamente aeróbicas apenas crescem na 13 presença de oxigênio. As bactérias estritamente anaeróbicas crescem apenas na ausência de oxigênio. Há um tipo mais versátil de bactéria chamada anaeróbica facultativa, podendo crescer tanto na presença quanto na ausência de oxigênio, porém crescendo melhor na sua presença. Um outro tipo bacteriano, microaerófila cresce em ambiente aeróbico, porém necessita de uma quantidade de oxigênio menor que as bactérias aeróbicas, não conseguindo crescer em ambiente atmosférico. As bactérias anaeróbicas aerotolerantes cresce em ambiente aeróbico, porém tem preferência pelo ambiente anaeróbico. O oxigênio no meio intracelular pode dar origem à espécies reativas de oxigênio como peróxido de hidrogênio e outros radicais livres. Para defender-se, as células apresentam enzimas responsáveis por converter esses radicais em água. Essas enzimas são a superóxido desmutase e a catalase peroxidase. A bactéria aeróbia estrita produz essas enzimas. A bactéria anaeróbia estrita apresenta o metabolismo isento de oxigênio, pois não apresenta essas enzimas. A anaeróbia aerotolerantes não utiliza oxigênio, porém produz essas enzimas. A microaerófila não tolera o oxigênio na concentração máxima pois ela não apresenta uma boa produção de catalase peroxidase. No organismo humano há tanto regiões anaeróbicas quanto regiões anaeróbicas. O intestino grosso e a sulco gengival é eminentemente anaeróbico. Quanto ao pH, a maioria das bactérias são neutrofílicas, crescendo em pH neutro. Há algumas bactérias acidófilas como os lactobacilos. Raras são as bactérias alcalófilas. Quanto ao sal, há muitas bactérias alófilas, a qual são dependentes de sal, como bactérias marinhas. Há bactérias alotolerantes, pois toleram concentração elevadas de sal, porém não necessitam de sal para o seu crescimento. Alguns micro-organismos são osmofílicos, ou seja, são tolerantes a presença de açúcares, porém eles são principalmente leveduras e não bactérias. Entre os micro-organismo a quantidade de água é limitante a medida que ela vai diminuindo. A capacidade tolerar baixas quantidades de água é comum a poucos micro- organismos, como fungos. Esses micro-organismos são chamados de xerofílicos. O crescimento bacteriano continuo só existe caso haja uma oferta ilimitada de nutrientes. O crescimento bacteriano responde a uma evolução. O tempo necessário para o surgimento de uma nova geração na colônia bacteriana, ou seja, o tempo necessário para dobrar o contingente populacional é chamado de tempo de geração. Esse tempo de geração é um indicador importante para o ritmo do metabolismo de cada bactéria. O tempo de geração da bactéria pode ser mudado caso as condições do meio sejam mudadas, como temperatura e pH. 14 Assim, com pequenas mudanças, em diferentes fatores, o crescimento microbiano pode ser inibido. Isso é um fato importante, por exemplo, na conservação de alimentos, pois eles não podem ser muito aquecidos para a destruição das bactérias devido ao risco de estragar os produtos. Assim com pequenas mudanças de temperatura, pH e salinidade, o crescimento bacteriano é inibido e as condições gerais continuam favoráveis para o mantimento do produto. O CTI de hospitais apresentam temperaturas baixas exatamente para criar um ambiente inadequado para o crescimento de bactérias mesófilas. O crescimento bacteriano não é uniforme ao longo do tempo, porém ele é reconhecido por conter fases. Uma bactéria, quando chega a determinado ambiente, fatalmente necessitará de um período de adaptação. Essa fase é denominada de fase de latência (lag), em que a bactéria começa a metabolizar as enzimas necessárias para consumir os nutrientes do meio. Após isso, há a fase log, que é a fase de crescimento propriamente dito. Nesse ponto, a bactéria está ativamente multiplicando-se. O ritmo de crescimento diminui devido à diminuição de nutrientes e o acúmulo de metabólitos tóxicos, determinando a fase estacionária. A fase estacionária é caracterizada por um equilíbrio entre nascimento e morte celular. Em determinado momento há a fase de declínio, com expressiva redução populacional. Algumas bactérias, quando atingem a fase de declínio, apresentam a alternativa de esporular. Muitas bactérias, quando entram na fase de declínio, para não morrerem apresentam uma alteração no metabolismo em que ele cessa. Células viáveis mas não cultiváveis são um risco principalmente na área médica e de alimentos. Metabolismo A diferença de fermentação e respiração baseia-se na característica química das moléculas finais. Na respiração, uma molécula orgânica é processada até formar moléculas inorgânicas. Na fermentação, uma molécula orgânica é processada até dar origem a outras moléculas orgânicas. A energia liberada na respiração é muito maior do que na fermentação. Na respiração, 38 moléculas de ATP são liberadas para cada molécula de glicose e consumida, em comparação com apenas 2 moléculas produzidas na fermentação lática. Na respiração aeróbica, o oxigênio é o último aceptor de elétrons na cadeia respiratória. Porém há muitas outras moléculas que também podem servir como últimos aceptores de elétrons em respiração anaeróbica, como nitrato, nitrito, sulfato, enxofre, ferro, entre outros. A fermentação ocorre de forma rápida e intensa. Isso ocorre justamente devido a baixa eficiência calórica da fermentação. A fermentação é identificada de acordo com produto final 15 da fermentação. Independente do produto final, o objetivo principal da fermentação é a recuperação de um potencial redutor, o NADH+. Fermentações diferentes podem ser utilizadas para a identificação de bactérias. A parede celular apresenta uma biossíntese complexa. Ela inicia no citoplasma, continua na membrana e termina no meio extracelular. Inibir a síntese de parede celular é uma estratégia de muitos antimicrobianos. O LPS apresenta uma grande variação na sua região polissacarídea. Devido a sua variabilidade, ela é uma antígeno. Genética Bacteriana A possibilidade de haver variabilidade genética em um ser unicelular procarioto, que faz divisão celular binária simples e não reprodução sexuada, não ocorre apenas em decorrência de mutações. Também pode ocorrer em decorrência de diversos mecanismos desenvolvidos por esses vivos. As bactérias não se beneficiam da reprodução como forma devariabilidade genética, pois são seres haploides. Ao mesmo tempo que a bactéria ganha características novas através da transferência genética, ela também apresenta mecanismos para controlar essa transferência. Além de variação genética, as bactérias também sofrem variação fenotípica. Produzir ou não produzir cápsula pode ser uma variação fenotípica da bactéria, pois sua síntese depende da presença de carboidratos no meio. A variação fenotípica, por definição, é algo reversível. A variação genotípica é algo novo e, geralmente, é irreversível. O genoma bacteriano se apresenta, como toda célula verdadeira, na forma de DNA e RNA. A bactéria geralmente apresenta um cromossomo e moléculas extra-cromossômicas, os plasmídeos. O DNA em bactérias é uma macromolécula em forma de dupla fita circular altamente empacotado e dobrado. Essa forma favorece a ação de certas enzimas, com as DNA girases e as topoisomerases. Comparativamente, o genoma do Homo sapiens apresenta em torno 5,3 x 109 pares de bases por genoma haploide, enquanto o genoma da Escherichia coli K-12 apresenta cerca de 4,6 x 106 pares de bases por genoma haploide. Ou seja, a genoma humano é cerca de mil vezes maior que o genoma bacteriano. Entretanto, para algumas bactérias, esse número não representa todo o repertório genético que uma bactéria pode apresentar. As bactérias apresentam um pan-genoma. Um pan-genoma descreve todo o conjunto de genes de uma espécie bacteriana, pois podem apresentar uma grande variação genética 16 entre cepas intimamente relacionadas. É um conjunto de todos os genes de todas as cepas de uma espécie. Quanto maior a diversidade genética de uma espécie, maior é a carga de genes circulantes. Em relação a números, geralmente, só há um cromossomo e uma quantidade variável de plasmídeos. Há bactérias que apresentam várias cópias de um mesmo plasmídeos, sendo de interesse na biologia molecular. O cromossomo apresenta de 500 a 10000 Kb, enquanto os plasmídeos são bem menores, apresentando de 2 a 200 Kb. Os plasmídeos e o cromossomo apresentam autonomia, ou seja, apresentam capacidade autônoma de replicação. Um exemplo para sua autonomia, é a presença de replicons tanto no cromossomo, quanto nos plasmídeos. O replicon é uma parte do DNA que contém o sítio origem capaz de replicação autônoma. Caso, por qualquer motivo, a bactéria perca o cromossomo, a célula bacteriana irá morrer. O plasmídeo apresenta importância, porém ele não é essencial para a sobrevivência bacteriana. O plasmídeo pode conferir à bactéria resistência antimicrobiana e aumento de sua virulência. As células eucariotas apresentam íntrons, sequências genéticas não codificantes consequências da evolução. O íntron é transcrito, porém, durante o processamento do RNA, ele é descartado. Os procariotas não apresentam íntron, mesmo havendo sequências não codificadoras no genoma bacteriano. A bactéria apresenta elementos genéticos móveis. Além de plasmídeos e cromossomos, a bactéria apresenta no interior dessas moléculas sequências de DNA com a capacidade mudar de posição no genoma. Dentre as elementos genéticos móveis mais tradicionais há as sequências de inserção e os transposons. A sequência de inserção é um trecho de DNA que codifica sua capacidade de transposição. O transposon é como uma sequência de inserção, porém no meio carregam genes adicionais, ou seja, quando o transposon mudar de posição, ele irá carregar algumas características. Quase sempre, essas características carregadas por transposons, são genes relacionados à resistência contra antimicrobianos. O transposon pode ser transmitido para outra bactéria. Há outros elementos móveis, como a ilha genômica (ou ilha de patogenicidade). Um trecho de DNA de origem distinta do trecho de genômico em que ele está localizado. As ilhas de patogenicidade são ilhas genômicas com a finalidade de conferir a bactéria características patogênicas. A origem de inserção apresenta em torno de 8.000 pares de bases, os transposons apresentam entre 2.000 e 5.000, as ilhas genômicas apresentam entre 15.000 e 40.000 pares de 17 bases. Nas extremidades das ilhas genômicas, geralmente, há sequências genéticas de bacteriófagos. Um quarto elemento móvel são os integrons. O integron é uma sequência de DNA que tem a capacidade de trazer novas sequências para o genoma da bactéria e integra-los na região. Assim, uma bactéria pode, aos poucos, colecionar diversos genes sobre um mesmo mecanismo. Muitos desses genes são de resistência e, não por acaso, a maioria dos integrons estão nos plasmídeos. Caso uma bactéria permanece muito tempo em contato com o hospedeiro, ela passa a se torna dependente do hospedeiro, caracterizando uma perda genética. Essa é a origem de bactérias endossimbiontes. A bactéria produz enzimas de restrição. Essas enzimas restringem a ação de DNA viral na célula bacterina, degradando esse DNA. Cada enzima de restrição corta o DNA em regiões especificas, porém, para que a enzima não aja sobre o genoma bacteriano, uma enzima chamada metilase metila o DNA bacteriano, impedindo a ação da enzima de restrição. A bactéria possui um sistema denominado sistema CRISPR, ou seja, Repetições Palindrômicas Curtas Agrupadas e Regularmente Interespaçadas. Esse sistema funciona como um sistema imune bacteriano. A bactéria sofre uma infecção viral, o sistema CRISPR captura um pedaço do DNA do vírus, insere no seu sistema e, posteriormente, o utiliza como memória imunológica. Assim, nem sempre adquirir material genético é o ideal para bactérias. O Enterococcus é um gênero bacteriano presente no intestino humano, porém é um patógeno oportunista. Quando provoca doença, apresenta muitas complicações devido a sua grande resistência antimicrobiana. Entretanto, as cepas que não apresentam o sistema CRISPR são aquelas que apresentam a maior resistência aos antimicrobianos. Mutação As mutações, causadas por erro de leitura no código genético, são um tipo de variabilidade genética causada por uma transferência vertical. A mutação é a perda, ou o ganho, ou a substituição de algumas bases nitrogenadas. Esse erro ocorre, basicamente, quando a célula bacteriana está multiplicando-se. Devido ao caráter degenerado do DNA, esse erro pode ter consequências ou não, podendo ou não haver modificações no produto. Os aminoácidos, também podem ser modificados, porém a proteína continua habilitada a produzir as mesmas funções. Às vezes, a bactéria pode sofrer resistência ao antimicrobiano por ter sofrido uma 18 modificação na enzima que sintetiza os ribossomos. Também há modificações mais radicais como, por exemplo, que paralisam a síntese de determinado gene. As mutações podem ser espontâneas ou induzidas. As mutações espontâneas ocorrem por erros durante a replicação do DNA. A mutação induzida ocorre quando há um agente químico ou físico que aumenta a chance de haver algum erro de leitura do DNA. Entretanto esse erro também pode ocorrer de taxa espontânea. Da mesma forma como é raro uma mutação ocorrer em uma célula eucariota, também é raro ocorrer uma mutação em células bacterianas. No entanto, basta haver uma pressão seletiva e um mutante é descoberto devido a velocidade de multiplicação bacteriana e sua logística. Entre as variações fenotípicas geradas pela mutação estão: Auxotróficos: são incapazes de sintetizar fatores de crescimento, ao afetar as enzimas envolvidas na síntese desses fatores. As linhagens selvagens são prototróficas. Resistente a drogas: mutantes que exibem diferente tolerância a drogas como antibióticos e quimioterápicos. Morfológicos: apresentam alterações morfológicas como a incapacidade de produzir flagelo. Temperatura sensíveis: são incapazes de produzir metabólito ou uma função a temperaturas diferentes à normal. Supressor-sensíveis: mutantes incapazes de funcionar. Há doissistemas de reparos do DNA: a resposta SOS e a resposta adaptativa. Transferência horizontal Nesse tipo de variação genética, o gene modificado é proveniente de outra linhagem. Quando a bactéria recebe o gene de outra célula bactéria, o DNA recebido pode ser mantido, basicamente, por dois motivos: ele se mantem autonomicamente como um replicon, ou seja, é um plasmídeo; ou ele se integra no genoma da bactéria por integração. Essa recombinação pode ser feita de maneira homóloga ou não homóloga. Mesmo com esses mecanismos, grande parte do que a bactéria recebe é degradado. A recombinação homóloga é aquela que ocorre em moléculas homólogas muito extensas, com centenas de pares de bases de uma dada região do DNA. A recombinação não homóloga pode ser conservativa ou restrita. 19 Nem sempre o plasmídeo, quando entra na bactéria, se mantem com ela. Para se manter na bactéria, o plasmídeo necessita ser compatível com a bactéria. Mecanismo de transferência de material genético Há três tipos de recombinações genéticas: transformação, transdução e conjugação. A transformação, que historicamente foi o primeiro mecanismo a ser descoberto, é a captura, ou assimilação, de DNA presente no meio pela bactéria. Esse evento é raro entre as bactérias, pois para ocorrer há uma série de componentes (componentes de competência) necessários para provocar o mecanismo. Entretanto, a transformação é muito utilizada pela biologia molecular. Ao atingir o estado fisiológico de competência, a célula bacteriana cliva o DNA em vários e pedaços e uma exonuclease cliva as duas fitas. Assim apenas uma fita entra na célula. A fita simples do DNA se liga à homóloga da receptora. A conjugação ocorre por meio da transferência de material genético entre bactérias por meio de um contato físico. Esse DNA transferido, geralmente, é um DNA plasmidial. Para ocorrer esse processo há necessidade de contato físico e as duas bactérias precisam estar vivas. Esse processo é inerente a presença de plasmídeos. A transferência é feita através de fímbrias denominadas pili sexuais. A fímbria é como uma adesina formada por uma proteína contrátil hidrofóbica, a pilina, e, quando a bacteria receptora se liga na fímbria, ela vai se despolimerizando e aproximando as bactérias. Os plasmídeos transferíveis são: conjugativos, plasmídeos que apresentam genes que codificam proteínas para haver o contato efetivo, como os genes da pili sexual; mobilizável, plasmídeo que prepara seu DNA para transferência; autotransmissível, é um plasmídeo conjugativo e mobilizável. A conjugação também pode transferir transposon. Os transposons são segmentos móveis de DNA que são movimentados em baixa frequência no cromossomo. Está transposição é um tipo de recombinação, porém não homóloga, pois não há intercâmbio de material genético entre sequências homólogas. É importante ressaltar que o processo de conjugação não implica em perda na bactéria doadora. O plasmídeo é um DNA e, sendo DNA, é composto de dupla fita. Na conjugação, uma fita se mantém na bactéria doadora e a outra vai para a bactéria receptora. Em cada célula bacteriana a fita simples é utilizada de molde para a síntese da fita de DNA complementar. Caso o plasmídeo transferido seja um plasmídeo de fertilidade (F), a bactéria receptora ganha a capacidade de passa-lo para outra bactéria. Há plasmídeos que não são de fertilidade, e 20 portanto não são retransferíveis, e há plasmídeos que não podem sofrer conjugação. A célula bacteriana que possui um plasmídeo conjugativo é denominada célula Hfr. Em bactérias Gram-positivas não há presença de pili sexual e quem induz a conjugação é a bacteria receptora, e não a doadora. Isso ocorre através da liberação de feromônios. A conjugação pode transferir genes cromossômicos. Há certos plasmídeos que, por questão de combinação, são inseridos no cromossomo. Se um plasmídeo conjugativo se inserir no cromossomo, quando a bactéria for transferir o plasmídeo, ela irá transferir um pedaço do cromossomo e um pedaço do plasmídeo. Assim, nem o plasmídeo ou o cromossomo são transferidos integralmente. Pela passagem de cromossomo, ocorre uma alta frequência de recombinação. A transformação só ocorre quando o material genético assimilado é semelhante ao que a bactéria já apresenta no seu genoma. Na conjugação isso não é necessário, pois o material genético transmitido é autônomo. Entretanto, bactérias Gram-negativas conjugam apenas com bactérias Gram-negativas e o mesmo ocorre com bactérias Gram-positivas. Isso ocorre pois o mecanismo de conjugação é diferente. A transdução ocorre por intermédio de um infector. Os bacteriófagos podem ter dois tipos de ciclos nas bactérias: lítico, em que a bacteria é infectada e imediatamente começa a fazer cópias virais, causando a morte bacteriana; e lisogênico, em que o vírus insere seu genoma no DNA da bactéria. Em determinado momento, o genoma viral inserido é ativado e o ciclo lítico inicia-se. A transdução ocorre quando, durante a montagem das partículas virais no citoplasma bacteriano, uma partícula viral é montada erroneamente, não internalizando DNA viral, mas sim DNA bacteriano. Caso esse vírus mal formado infecte outra bactéria, ele irá inserir DNA bacteriano na nova bactéria infectada, fazendo essa bactéria sofrer uma variação genética. A transdução, assim como a transformação, é um processo mais específico, pois os bacteriófagos apresentam especificidade em relação a bactéria que elas infectam. 21 Resistência a A ntimicrobianos O mecanismo de resistência a antimicrobianos pode ser transmitido entre bactérias através mecanismos de transmissão genética. 22 No início do século XX, quando Alexander Fleming descobriu-se a penicilina, era dito pela comunidade científica que a guerra contra os micro-organismo estava ganha. A descoberta de substâncias específicas contra micro-organismos faria com que o combate a doenças infecciosas fosse apenas uma questão de tempo. Hoje, a situação é oposta. Cada vez mais na mídia há o anúncio do aparecimento das chamadas superbactérias, para qual os antimicrobianos disponíveis não surtam efeitos. Antibiótico, antimicrobiano e quimioterápico A penicilina é um antibiótico. A diferença entre antibiótico e quimioterápico é a origem. A origem dos antibióticos é sempre relacionada a alguma célula produtora. A penicilina é produzida pelo fungo Penicillium. A estreptomicina é produzida por uma bactéria chamada Streptomyces. O quimioterápicos apresentam origem sintética. Exemplos de quimioterápicos são sulfas e quinolonas. Tanto os antibióticos, quanto os quimioterápicos são antimicrobianos. A palavra antimicrobianos é mais geral. Muitos micro-organismo produzem antibióticos por competição. Não por acaso, a maioria dos micro-organismos produtores de antibióticos vivem no solo e apresentam uma grande rede de competição. Há evidencias de bactérias resistentes a antibióticos provenientes de material mumificado. Isso ocorre, pois a interação da bacteria com o produto produzido pelo produtor natural já ocorre há muito tempo. Entretanto, o uso de antibióticos em larga escala como medicamento causou uma pressão seletiva adicional e não natural. Teste de sensibilidade a antimicrobianos O teste de sensibilidade a antimicrobianos (TSA), ou antibiograma, é um teste feito para averiguar a capacidade de um antimicrobiano contra um micro-organismo. Ele é composto por discos de filtro impregnados por antimicrobianos, em cada disco está com uma droga diferente. Essa droga se difunde de forma radial e, dependendo da bactéria, irá aparecer ou não uma área de inibição. 23 Através da análise área de inibição, devidamente comparada com parâmetros já existentes, é possível chegar a conclusão se a bactéria é sensível, resistente ou sem sensibilidade imediata.Características de antimicrobianos Um antimicrobiano ideal deve apresentar ação seletiva, ou seja, deve agir no micro- organismo e não no hospedeiro. Alguns antimicrobianos agem em mecanismos procariotos que ocorrem também nas células eucariotas. Se uma droga se apresenta potente contra micro- organismos, porém é pouco seletiva, seu uso é praticamente inviável. Curiosamente, muitas drogas de baixa seletividade, inicialmente estudadas como antimicrobianos, hoje são utilizadas no combate ao câncer. As células tumorais são mais sensíveis à drogas que atuam nesse campo que as células comuns. Outras características desejadas num antimicrobiano é ser bactericida ou bacteriostático. O bactericida mata a célula bacteriano. O bacteriostático impede sua multiplicação. O bacteriostático é eficiente quando o sistema imune do indivíduo afetado está funcionando normalmente. Pessoas com imunossupressão não podem usar esse tipo de antimicrobiano. Antigamente era desejado que o antimicrobiano fosse de amplo espectro. Hoje ocorre o inverso, que seja de espectro estreito. Isso se deve pois hoje há a clareza da importância e atuação da microbiota interna e um antimicrobiano de amplo espectro atuaria nessa microbiota, selecionando linhagens resistentes e desregulando a flora intestinal. Outras características importantes são baixa toxicidade, estabilidade, não desencadear hipersensibilidade, homogeneidade posológica, níveis bactericidas que se mantenham por um tempo considerável e baixo custo. Mecanismo de ação de antimicrobianos O mecanismo de inibição da parede celular é o mais seletivo possível. Não obstante, essas drogas costumam ser de primeira escolha. Os betalactâmicos são inibidores da síntese de parede celular. Os mais conhecidos são as penicilinas e as cefalosporinas. Os monolactâmicos e os carbapenêmicos, utilizados principalmente para as bactérias de interesse hospitalar, são muito importantes. 24 Há mecanismos diferentes para as diferentes classes de inibidores de síntese de parede celular. A síntese de parede é feita em três etapas: uma no citoplasma, outra na membrana citoplasmática e outra no meio extracelular. Os betalactâmicos agem na etapa do meio extracelular, impedindo a ligação dos peptídeos de ligação cruzada nas cadeias laterais do decapeptídeo, fazendo um interferência nas ligações transversais. Sem essas ligações, a estrutura da parede é prejudicada na sua integridade, sendo muito sujeito à quebra. O anel betalactâmico apresenta uma similaridade espacial com os peptídeos utilizados pela enzima transpeptidase para formar a ligação cruzada. Na presença de betalactâmico a enzima não liga a parede celular, ficando ligado ao betalactâmico. A atuação de betalactâmicos leva à um aumento de autolisinas, enzimas que clivam o peptidoglicano. Um dos mecanismo de resistência aos betalactâmicos é a síntese de uma enzima chamada betalactamase, que cliva o anel betalactâmico e inativando a ação da droga. As transpeptidases são chamadas de proteínas de ligação à penicilina (PBP). Os diferentes tipos de PBP são importantes para a resistência e especificidade de atuação dos betalactâmicos. Uma PBP pode sofrer uma mutação, em que a síntese de parede não é afetada, porém a droga não consegue agir na enzima. Essas enzimas podem se ligar tanto a betalactâmicos, quanto às cefalosporinas. Há outros antimicrobianos que atuam na parede como a vancomicina. A vancomicina é um glicopeptídeo e atua na síntese de parede em um ponto diferente dos betalactâmicos. A estrutura da vancomicina, assim como os betalactâmicos, é semelhante a estrutura de um peptídeo utilizado por uma enzima. Essa droga é de escolha para bactérias resistentes. Outro alvo é a alteração da membrana plasmática, como polimixina e a daptomicina. Basicamente, essas substâncias atuam diminuindo a permeabilidade seletiva. Essa classe não é muito seletiva e, desde a sua descoberta, é um antibiótico utilizado em aplicações tópicas como colírios e pomadas. Hoje, em ambiente hospitalar, a polimixina é utilizada em pacientes de CTI quando infectados por bactérias multirresistentes. As polimixinas são mais especificas pois agem contra fosfolipídeos presentes apenas em procariotos. A síntese proteica é universal para todas as células. O ribossomo procarioto é estruturalmente diferente do ribossomo eucarioto. Isso garante sua seletividade, porém não absoluta pois o ribossomo mitocondrial pode sofrer ação desses antimicrobianos. Alguns antimicrobianos inibem a síntese proteica ao se ligar na subunidade 30S, como aminoglicosídeos e tetraciclinas. Outros atuam na subunidade maior, como o cloranfenicol. Os aminoglicosídeos provocam a leitura errada do código genético. As tetraciclinas impedem a fixação dos RNA transportadores. A eritromicina, que se liga a subunidade 50S, impede o movimento de translocação. 25 O quarto e último alvo de ação dos antimicrobianos é a inibição da síntese de ácidos nucleicos. As sulfas apresentam um mecanismo de inibição de vias metabólicas, porém as vias inibidas afetam a síntese de ácidos nucleicos. Um das vias inibidas é a via de produção do ácido fólico, pois as sulfas mimetizam a estrutura do ácido paraminobenzóico. Essa via não afeta eucarioto, pois ela é inexiste neste tipo celular. Uma forma de criar resistente é a criação de uma via bacteriana alternativa. Outras formas de afetar a síntese desses ácidos seriam afetando a síntese de RNA e na replicação do DNA. As quinolonas atuam inibindo a DNAgirase e as topoisomerases, atingindo uma estratégia de replicação que só ocorre nos procariotos. O metronidazol forma metabólitos tóxicos que se intercalam na molécula de DNA, quebrando-a. A rifampicina bloqueia a transcrição de RNA ao se ligar as RNA-polimerases. Alguns antimicrobianos são específicos para micobactérias, agindo na parede ou em outras vias metabólicas. Mecanismos de ação da resistência aos antimicrobianos Há bactérias que são naturalmente resistentes e outras em que a resistência foi adquirida. Um bactéria é naturalmente resistente devido a sua composição intrínseca. As bactérias Gram-negativas são naturalmente resistentes contra vários betalactâmicos devido a incapacidade desses fármacos de atravessar as camadas lipídicas. Várias penicilinas naturais sofreram alterações sintéticas com a objetivo de burlar essas limitações. Uma penicilina recebe o nome de ampicilina pois age em Gram-positivas e Gram- negativas. A resistência adquirida pode vir através de uma variação genética intrínseca, como através de uma mutação, ou através da transferência genética entre bactérias. A resistência pode ser cromossômica ou extra-cromossômica. As resistências naturais são quase todas cromossômicas e estão quase sempre relacionadas a características estruturais. A resistência extra-cromossômica é feita, principalmente, através de plasmídeos. Um mecanismo de resistência é a alteração da permeabilidade de membrana. Se o antimicrobiano não atingir determinada concentração intracelular na bactéria, seu efeito não será deflagrado adequadamente. A bactéria apresenta bombas de efluxo que, ativamente e seletivamente, expulsam substâncias indesejadas do citoplasma bacteriano. 26 Muitos antimicrobianos sofrem ação de enzimas desativadoras, que modificam e inativam os antimicrobianos que entram na bactéria. As carbapenemases são enzimas desativadoras e apresentam atividade mais pronunciada contra os betalactâmicos carbapenêmicos. A Klebsiella pneumonia é uma bactéria intestinal que apresenta carbapenemase e é extremamente capaz de resistir a antimicrobianos. As betalactamases de espectro estendido (ESBL) é uma enzima capaz de inativar todos os betalactâmicos e são produzidas, por exemplo, pelas enterobactérias. A inativação por enzimas pode ser por quebra ou ligação de outros radicais, comoacetilase, adenilase e fosforilase. Outra estratégia é modificação de sítio-alvo, ocorrendo através de mutação. Caso um antimicrobiano aja inativando uma via metabólica, uma estratégia contra esse mecanismo é a criação de uma via metabólica alternativa. As bactérias podem produzir betalactamases, que clivam o anel betalactâmico, inativando os antibióticos. A ação dos aminoglicosídeos pode ocorrer por alterações na permeabilidade, modificações ribossômicas e produção de enzimas inativantes. A resistência à tetraciclinas é provocada devido a presença de uma proteína Tet, que provoca a saída quase imediata do antibiótico na célula. O cloranfenicol pode perder a permeabilidade ou ser acetilado pela CACT, perdendo a afinidade pelo alvo. A resistência à eritromicina pode ser conferida pela metilação do RNA ribossômico. As rifamicinas e quinolonas perdem efeito devido a uma mutação nas RNA polimerases. Os enterococos resistentes à vancomicina produzem uma enzima que o estágio final da síntese seja concluído. Critérios para o uso racional de antimicrobianos Colabora para limitar a resistência, ter um tratamento eficaz. Sem o tratamento inteiro, a possibilidade de se selecionar resistentes, geralmente, é maior. A administração de dois ou mais fármacos diminui a probabilidade do aparecimento de cepas resistentes. Isso ocorre, pois a probabilidade de aparecer uma cepa resistente a dois ou mais fármacos é menor do que a probabilidade de aparecer cepas resistentes a um único fármaco. Evitar o uso de fármacos que não são de primeira escolha. O início da resistência à vancomicina ocorreu justamente pois ela foi utilizada muitas vezes como a primeira escolha no combate aos micro-organismos. 27 Implicações clínicas da resistência aos antimicrobianos Por muito tempo o tratamento para a gonorreia era relativamente simples e, após a descoberta dos betalactâmicos, mais simples ainda. No entanto, com o passar do tempo o gonococo adquiriu resistência provenientes de outras bactérias Gram-negativas. Hoje não é possível tratar gonorreia com penicilina. O Staphylococcus aureus resistente à meticilina (MRSA) é constantemente investigado em pacientes de longa internação. Essa bacteria é multirresistente e muito virulenta. Para casos de pacientes com politraumatismos, ou com infecções mistas o uso de vários fármacos também é aconselhado. Há antimicrobianos que, ao serem utilizadas em conjunto, podem apresentar ação sinérgica. O uso de antimicrobiano como profilático pode ser realizado nas seguintes situações: indivíduo com sensibilidade normal, porém exposto a um patógeno específico, como na febre reumática; indivíduos com um maior sensibilidade, como uma cardiopatia. Microbiota Normal A microbiota normal compõe um grupo de micro-organismos que ocupam o organismo em determinados locais através de uma convivência harmônica. A microbiota também pode ser chamada de microbiota anfibiôntica devido a sua característica de, as vezes, ser benéfica e, as vezes, ser maléfica. Em condições de equilíbrio, na grande maioria das vezes, a microbiota será benéfica. O útero gravídico é um ambiente estéril. Dessa forma, o corpo ao nascer, é estéril e não apresenta micro-organismos. A presença da microbiota é uma consequência do contato do neonato com o mundo exterior. Ao nascer de parto normal, a microbiota do recém-nascido passa a ser composta pela microbiota da mãe por meio dos micro-organismos da vagina, períneo e pele. Rapidamente, através da alimentação, o trato gastrointestinal passa a ser colonizado por micro-organismos. A microbiota não é estática, passando por mudanças durante a vida devido a vários fatores, como alimentação, ambiente, características pessoais, imunológicas e genéticas. A microbiota pode ser encontrada no trato digestório, pele, parte superior do sistema respiratório, cavidade oral, parte distal do sistema urogenital, conjuntiva e ouvido externa. A microbiota se localiza em locais que há contato direto ou indireto com o meio exterior. 28 No pulmão pode ser encontrado o fungo Pneumocystis carinii na microbiota, o qual é totalmente inofensivo, a menos que haja alguma imunossupressão. Entretanto, o sistema respiratório, assim como o trato urogenital, apresenta uma série de mecanismos para impedir o deslocamento da microbiota para mais adentro do trato. Microbiota residente ou transitória Há micro-organismo que se adaptaram de tal forma a alguns desses locais no organismo, que praticamente sempre são detectados durante a investigação, sendo parte da microbiota residente. Por outro lado, há micro-organismo presentes na chamada microbiota transitória, ou seja, estão presentes no organismos de maneira temporária. A microbiota transitória é muito influenciada pela higiene. Dependendo da circunstância, tanto a microbiota residente quanto a transitória podem ser mais virulentas. A microbiota residente está mais adaptada ao ambiente, podendo apresentar defesas mais eficazes. O Staphylococcus aureus é um dos principais organismos causadores de infecção de pele, porém também é um dos mais comuns na microbiota da pele. Sua capacidade de gerar a infecção irá depender da integridade da pele. A microbiota transitória é estranha ao organismo, podendo causar respostas inflamatórias muito intensas ou patologias sérias caso consiga se instalar. Em condições normais, a microbiota transitória é muito mais fácil de ser eliminada. Locais estéreis O ouvido externo apresenta micro-organismo, porém o ouvido médio e o interno, não. Isso torna o ouvido médio e interno locais estéreis. Os seios nasais são locais estéreis. Entretanto, anatomicamente, há conexões entre os seios nasais e a cavidade oral, sendo importante fisiologicamente e que podem causar infecções. Outros locais são o interior do olho, a medula óssea, o músculo esquelético, todas as glândulas, os órgãos compactos, as serosas, o sistema nervoso central, os ovários e os testículos, a saliva antes da secreção, a urina (nos rins e na bexiga), o sêmen antes da chegada na uretra, o sistema circulatório e o coração. Ou seja, todos os locais que não apresentam contato direto ou indireto com o ambiente externo. Microbiotas do organismo 29 Os pés, couro cabeludo e ouvido externo apresentam uma microbiota semelhante ao geral da pele, porém em regiões específicas. A cavidade oral apresenta uma microbiota muito variada. Quase todos os micro-organismos que causam as infecções orais estão presentes na microbiota residente. A nasofaringe e nariz apresentam uma microbiota um pouco diferente, porém muito influenciada pela pele. A orofaringe também apresenta uma variedade de micro- organismos grande. A uretra e a vagina apresentam micro-organismos variados. A virilha e o períneo apresentam micro-organismos semelhantes a pele. O pulmão não apresenta uma microbiota abundante. A pele é o maior órgão e o mais exposto. Do ponto de vista de permanência e residência, a pele não é um lugar muito favorável para a microbiota. A pele é ácida, apresenta ácido graxos de ação antimicrobiana e níveis acelerados de renovação. Na pele, em geral, a microbiota residente estará em maior proporção. A microbiota residente estará em maior quantidade em lugares quentes e úmidos, como axilas e períneo. Predominam os gêneros Staphylococcus, Propionibacterium e Corynebacterium. A microbiota da pele é mais frequentemente composta por Gram-positivos. A espécie Propionibacterium acnes é uma bactéria anaeróbica que, a partir da adolescência, apresenta um ambiente mais favorável na pele devido a secreção de glândulas sebáceas. As espécies Staphylococcus epidermidis e Staphylococcus aureus também estão presentes na pele. O Staphylococcus aureus, em menor quantidade, é o mais preocupante e pode causar doenças em várias circunstancias. A espécie Corynebacteriumminutíssima costuma penetrar na pele das regiões genitocrural e axilar, dando origem à doença chamada eritrasma. A pele apresenta muitas camadas, poros e um relevo heterogêneo. Ainda na pele integra, há bactérias presentes mais profundamente. Essas bactérias mais profundas apresentam a função de recolonizar a pele quando as bactérias mais superficiais são removidas. Um local com muita diversidade é a pele mesmo com limpeza. A assepsia é um conjunto de ações para evitar a presença de micro-organismos em um local que previamente não existiam. A antissepsia é um conjunto de ações para eliminar os micro-organismos de um determinado local com a utilização de uma substância antimicrobiótica. O álcool gel, por exemplo, é bactericida. A cavidade oral e vias áreas superiores apresentam mais bactérias que a pele. Em determinados locais, a concentração de bactérias é maior do que no intestino. O Staphylococcus está presente tanto na cavidade oral, quanto na cavidade nasal. O Streptococcus está presente na orofaringe. O Streptococcus mutans é muito importante no processo da cárie, sendo, geralmente, o iniciador do processo. O Streptococcus pyogenes está relacionado a infecções com 30 formação de muito pus. Nas fossas nasais, predominam Staphylococcus e Corynebacterium. Indivíduos que fazem o uso de β-lactâmicos costumam estar colonizados por Klebsiella pneumoniae, Escherichia coli, Pseudomonas aeruginosa e Staphylococcus aureus, devido a supressão da microbiota local. No sistema digestório é muito frequente a presença de micro-organismos. O esôfago é um local de passagem, apresentando pouco ou nenhum micro-organismo. O estômago apresenta uma quantidade pequena de microbiota, como Lactobacillus e Helicobacter pylori. A Helicobacter pylori está associada a gastrite e câncer. Assim como as células da mucosa do estomago, há bactérias que desenvolveram estratégias para se proteger do pH do estomacal. No duodeno, jejuno e íleo, o pH sobe e, proporcionalmente, a microbiota. O peristaltismo do intestino delgado é mais rápido que o do intestino grosso, assim a quantidade bactérias que conseguem se fixar no intestino delgado é menor. Raramente o intestino delgado apresenta bactérias anaeróbicas. Depois da válvula ileocecal, a concentração bacteriana aumenta bruscamente. No intestino grosso, as bactérias anaeróbicas superam as demais. Calcula-se que haja em trono de duzentos gêneros na microbiota intestinal, mas apenas vinte são quantitativamente significativos. Na mulher, a microbiota é muito influenciada pelas condições fisiológicas. Ela varia de acordo com a idade, pH, níveis hormonais e quantidade glicogênio na vagina. Há dois perfis principais de microbiota na mulher: durante o primeiro o mês de vida e entre a puberdade e a menopausa (período fértil). O perfil do primeiro mês de vida é devido a microbiota da mãe. O perfil do período fértil ocorre devido aos hormônios e aumento de glicogênio na vagina. A principal bactéria beneficiada com o aumento de glicogênio é o gênero Lactobacillus, pois é anaeróbico. A fermentação da glicose mantém o pH levemente ácido. Outros perfis são da infância (entre o primeiro mês e a puberdade) e a menopausa. Na menopausa, há uma liberação hormonal menor, com menos liberação de glicogênio e, consequentemente, o pH é levemente menos ácido. Isso provoca uma microbiota mais variável, de diferentes gêneros. A uretra, conjuntiva e ouvido externo apresentam microbiota variável. Na uretra, geralmente, a quantidade é mais elevada, enquanto na conjuntiva, menor. A conjuntiva está frequentemente sendo lavada por secreção lacrimal. O ouvido externo apresenta microbiota semelhante a pele, porém em concentração mais elevada devido a temperatura. Ações positivas e negativas da microbiota 31 A nossa alimentação é compartilhada com essa microbiota. Assim, essas bactérias produzem uma grande quantidade de vitaminas. Há bactérias da microbiota intestinal que são essenciais para o desenvolvimento de resposta imune contra infecções respiratórias. Isso se deve pois a microbiota é essencial para o desenvolvimento e maturação de uma resposta imune por meio do contato da microbiota e o sistema imune. A microbiota nos defende diretamente de outros micro-organismos por motivos de competição. Mais do que competição, há o antagonismo, pois muito micro-organismo da microbiota produzem substâncias que matam outras bactérias. Enquanto a bactéria estiver no seu nicho e o sistema estiver íntegro, a bactéria não irá causar problemas. Entretanto, desordens imunológicas, quebras de barreira ou antibioticoterapias podem acabar com o equilíbrio da microbiota, causando a exacerbação de uma determinada população bacteriana. Isso pode causar patologias. Dependendo da situação, as bactérias da microbiota podem aumentar a probabilidade de desenvolvimento de um tumor. Entretanto, elas também podem executar ações que diminuem as células tumorais. Microbioma É o estudo de todos os micro-organismos que podem fazer parte da microbiota. Através desses estudos, descobriu-se que há muito mais bactérias na microbiota do que se pensava. Agressão e Defesa Bacteriana O assunto trata, basicamente, da relação das bactérias com o hospedeiro. Muitas dessas relações entre o patógeno bacteriano e o hospedeiro podem ser compartilhadas por outros micro-organismos. A relação entre um micro-organismo e um hospedeiro não obrigatoriamente necessita ser uma relação prejudicial. Em alguns momentos há o parasitismo, em que ocorre um benefício unilateral para o micro-organismo. Pode ocorrer um comensalismo, em que o micro-organismo se beneficia do hospedeiro através de abrigo e alimento, porém não o influencia negativamente. E também pode ocorrer o mutualismo, em que um benefício recíproco entre as espécies, sendo muito comum na microbiota. Além disso, pode ocorrer uma simbiose, uma associação entre espécie. 32 Em teoria, com o passar do tempo, a interação de determinado micro-organismo com o hospedeiro torna-se cada vez mais pacífica. Entre a colonização, a infecção e a doença, a doença é o mais agressivo. Entre a infecção e a colonização, a infecção é o mais preocupante. A infecção ocorre quando há multiplicação de um micro-organismo e que pode levar a doença. A doença é o resultado de muitas variáveis da interação do patógeno e seu hospedeiro, como, por exemplo, a virulência do micro-organismo, a carga infectante e o sistema imune do hospedeiro. A carga infectante não só dita a possibilidade de haver doença, como também a rapidez da resposta imunológica. A patogenicidade é a capacidade do micro-organismo de causar doença. A virulência é o grau de patogenicidade da doença causada, o grau de severidade da doença. Os fatores de virulência são todos aqueles fatores que colaboram direta ou indiretamente para a doença. Os patógenos podem ser classificados em primários e oportunistas. Os patógenos primários causam a doença quando infectam um organismo, mesmo o organismo estando com o sistema imune atuando normalmente. O patógeno oportunista só causa doença quando algum cofator estiver presente. A maioria dos patógenos são oportunistas. Os patógenos primários, em geral, são aqueles em que o contato não é feito rotineiramente. As relações entre o micro-organismo patogênico e o hospedeiro são muito mais amplas do que o quadro clássico da doença. Etapas obrigatórias para micro-organismos infecciosos A infecção inicia com a entrada ou aderência do micro-organismo, em que o patógeno evita mecanismos naturais de proteção e limpeza. Durante a disseminação local ou generalizada no corpo, o patógeno evita defesas imediatas locais. Com a disseminação, o patógeno multiplica-se, elevando sua quantidade. Nesse processo muitos morrerão no hospedeiro, ou a caminho de novos hospedeiros. O hospedeiro irá respondercom seu sistema imune e, consequentemente, o patógeno irá tentar promover a evasão das defesas do hospedeiro por meio de mecanismos de defesa microbianos. Ao ser eliminado do corpo, ocorre a transmissão. O patógeno deve sair do corpo em um sítio e em escala que assegure a disseminação para novos hospedeiros. A patologia não é estritamente necessária, mas frequentemente ocorre, causando danos ao hospedeiro. Entretanto algumas patologias são decisivas para a disseminação do patógeno, como a tosse causada por um micro-organismo que infecta as vias aéreas. 33 Fontes patogênicas A transmissão pode ocorrer de maneira direta ou indireta. A forma direta ocorre por meio do contato entre o reservatório e o hospedeiro. A forma indireta ocorre por meio de um agente interventor. O agente interventor pode ser um vetor, como animais, insetos e outros humanos, ou um veículo, como água, comida, ar e vários outros objetos inanimados. O ser humano pode ser um reservatório para patógenos que irão causar doenças em humanos e em outros animais. Essa transmissão pode ser feita por meio de propagação respiratória ou pela saliva, sendo uma transmissão não prontamente controlável. Também pode ser feita através de propagação fecal-oral e venérea. A propagação fecal-oral é controlável por medidas de saúde pública. A propagação venérea é difícil de controlar quando há fatores sociais envolvidos. As infecção também pode ocorrer via picada de artrópode ou interação com outros vertebrados. A malária, febre do flebótomo e tifo, por exemplo, apresentam um artrópode como vetor. A brucelose, raiva, tripanossomíase, por exemplo, apresentam um vertebrado como vetor. O alimento, na maioria das vezes, não é um reservatório, mas sim um veículo. Entretanto o vegetal, enquanto vivo, pode ser um reservatório. Mecanismo de defesa do hospedeiro Basicamente, a defesa humana pode ser inata (ou inespecífica) e adquirida (específica), sendo os dois extremamente interligados. O sistema imune é composto por órgãos, tecidos e células. Como mecanismos utilizados pelo sistema imune há a fagocitose, a neutralização e a lise. O sistema imune é uma decorrência da interação dos animais com micro-organismos. A resposta inata é barreira imune inicial contra os patógenos apresentando fatores solúveis como lisozimas, sistema complemento, interferons, proteínas de fase aguda e proteína C-reativa (CRP), e corpos celulares como fagócitos e células NK. O sistema adaptativo apresenta anticorpos e linfócitos. 34 Apesar de, em um primeiro contato, a resposta inata ser mais rápida que a adaptativa, a resposta adaptativa, em um segundo contato, é muito mais rápida que a inata. Isso se deve, pois a resposta adaptativa apresenta células de memória específicas, com uma resposta melhorada pelo contato repetitivo. As barreiras físicas não necessariamente fazem parte do sistema imune. A renovação e multiplicação rápida das células epiteliais da pele é um mecanismo importante de resistência a patógenos, assim como também sua acidez e ácidos graxos. O muco das mucosas, além de proteger as células, distancia a mucosa de possíveis agressores. A diminuição de muco aumenta a susceptibilidade a infecções. O movimento ciliar, tosse, espirro, peristaltismo, lavagem das lágrimas, saliva, urina também funcionam como barreira. Há também barreiras químicas como o ácido estomacal, a lactoperoxidase no leite, as lisozimas nas lágrimas, secreções nasais e saliva. Uma dos benefícios promovidos pela microbiota é o antagonismo feito pela microbiota. A fagocitose é promovida por neutrófilos e macrófagos. Há muitos receptores na superfície de fagócitos que identificam várias moléculas na superfície dos micro-organismos, os receptores de reconhecimento de padrão patogênico (PRR). Esses padrões são moléculas típicas de micro-organismos. O tipo de PRR muito comum é o receptor semelhante ao Toll (TLR). Há vários tipos de TLR e cada tipo identifica padrões diferentes, como, por exemplo, o TLR4 reconhece LPS enterobacteriano e o TLR5 reconhece flagelos bacterianos. Os neutrófilos apresentam vida curta e seu mecanismo ocorre no meio extracelular através de grânulos contento mieloperoxidase, lactoferrina, lisozima, fosfatase alcalina, citocromo b558, entre outros componentes. Os macrófagos apresentam vida longa, estando presentes em diversos tecidos sua ação ocorrer no meio intracelular. O mecanismo dos macrófagos ocorre por um processo de aderência e ingestão, seguido por ação de intermediários ativos de oxigênio e óxido nítrico. As proteínas do complemento são ativadas por clivagem de C3 e formação de C3bBb (C3 convertase), estabilização de C3 convertase em superfícies microbianas (via alternativa) e por meio do complexo de ataque a membrana (MAC). Elas apresentam muitas funções biológicas como receptores de C3b, que promovem opsonização, otimizando a fagocitose; os fragmentos C3a e C5a funcionam como anafilotoxinas, quimiotáticos e vasodilatadores; o MAC atua lesando as membranas dos patógenos. O complemento da defesa inata é chamada de via alternativa. O complemento ativado por anticorpos é a via clássica. Em geral, para micro-organismos extracelulares a resposta mais importante é através de anticorpos, uma resposta humoral. Para micro-organismos intracelular, a principal resposta é a de origem celular. 35 Para bactérias extracelulares, a resposta humoral é a principal defesa. Elas podem ser neutralizadas por meio de, por exemplo, ligações dos anticorpos com adesinas nas fímbrias e interações dos anticorpos com metabólitos bacterianos. Os anticorpos potencializam a fagocitose e opsonização. Na resposta celular, a resposta do tipo TH1 é uma resposta mais voltada para a ativação de macrófagos, com liberação IFN-γ, enquanto a resposta do tipo TH2 é uma resposta com foco na liberação de anticorpos e ativação de eosinófilos, com liberação de IL-4 e IL-5. A resposta do tipo celular é feita para capacitar as células de defesa a destruir micro- organismos intracelulares. Entretanto, há bactérias de difícil destruição (Mycobacteria por exemplo) que, por não serem destruídas no meio intracelular, provocam estímulos para aumentar a resposta celular e, muitas vezes, essa é a causa da doença, uma imunopatogênese. Outra possível resposta é a TH17, geralmente associada também à liberação de anticorpos, porém em casos mais particulares em que há liberação de IL-17. As bactérias intracelulares induzem a fagocitose. Dentro da célula hospedeira, a bacteria pode estar dentro de um vacúolo ou livre no citoplasma. Para as bactérias presentes nos fagolisossomos, a destruição ocorre quando um linfócito T CD4+ ativa o fagócito. Para as bactérias citoplasmáticas, ocorre a atuação de linfócitos T CD8+, que promovem a morte da célula infectada. Fatores de virulência bacterianos Há basicamente três tipos de adesinas: fímbrias, proteínas de parede e, para algumas bactérias, flagelos. Há vários tipos de fímbrias e as bactérias Gram-negativas apresentam maior quantidade que as Gram-positivas. O ácido lipoteicóico e o LPS também podem funcionar como adesinas. A aderência pode evoluir para a formação de um biofilme. As adesinas somente funcionam quando interagem com receptores do organismo, como receptores de membrana ou proteínas extracelulares. Nas bactérias Gram-negativas há quatro tipos de adesinas: fímbrias montadas pela via chaperonina/usher, onde os componentes da fímbria são movidos para o periplasma, interagem com chaperoninas e são transportadas para a plataforma de montagem constituída proteína usher; fímbrias do tipo IV, montadas no periplasma e excretadas com o sistema de secreção do tipo II; fímbrias do tipo curli, as subunidades são secretadas e precipitam como fibrilas na superfície da fímbria; fatores de colonização (CFA), semelhante à via chaperonina/usher,
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