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introdução aos estudos históricos

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INTRODUÇÃO 
AOS ESTUDOS 
HISTÓRICOS
Simone de Oliveira
História e cinema
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:
  Conceituar cinema, indústria e arte.
  Reconhecer o cinema como fonte para a produção do conhecimento 
histórico.
  Explicar as relações entre cinema e história.
Introdução
História e cinema são elementos importantes que podem se complemen-
tar na medida em que o historiador sistematiza o processo de coleta e 
análise dos dados das produções cinematográficas para torná-las fonte 
do conhecimento histórico. A partir dessa ação epistemológica, novos 
saberes podem surgir.
A construção de uma narrativa histórica com base em fontes cine-
matográficas deve ser feita com cuidado e ciência. Além da trama, há 
vários elementos que podem ser levados em consideração na análise e 
na interpretação de um filme. Além disso, um filme pode ser encarado 
como uma representação do contexto de sua produção, como um agente 
da história e não só como um produto. Nesse sentido, você deve buscar 
o que não é visível, uma vez que o filme muitas vezes excede o seu 
próprio conteúdo.
Neste capítulo, você vai estudar o conceito de cinema, a indústria 
cinematográfica e o contexto artístico que envolve essa temática. Além 
disso, você vai ver as contribuições que o cinema proporciona à área da 
história para a construção do conhecimento e acompanhar a problema-
tização das relações entre cinema e história.
Cinema, indústria e arte
O cinema surgiu no fi m do século XIX. A primeira sessão pública aconteceu 
em 1895, no Grand Café, em Paris, com duração de 40 minutos e ingresso a 
1 franco (Figura 1). A apresentação foi organizada pelos irmãos Auguste e 
Louis Jean Lumière.
Os irmãos Lumière foram pioneiros no uso do cinematógrafo. Além de 
filmar, o cinematógrafo era capaz de projetar os filmes, que inicialmente 
mostravam cenas do cotidiano. Conforme Lagny (2009), os operadores Lu-
mière filmavam a vida na cidade. As primeiras cenas registraram a saída de 
trabalhadores da usina, a refeição deles com seus filhos e as manifestações 
públicas da vida política ou de acontecimentos jornalísticos.
Figura 1. Primeira sessão pública de cinema — Paris, 1895.
Fonte: Villar (2017, documento on-line).
Segundo Kornis (1992), os irmãos Lumière eram defensores da imagem 
cinematográfica, pois acreditavam que ela fornecia testemunhos verídicos e 
infalíveis. Mais tarde, eles perceberam que os filmes eram montagens elaboradas 
de realidades que poderiam ser representadas ou criadas conforme interesses e 
intencionalidades. Dessa forma, um filme não poderia retratar com precisão a 
realidade nem ser interpretado como uma cópia fiel.
O francês Georges Meliès foi o responsável por tornar o cinema um espe-
táculo. Para além de retratar cenas comuns do cotidiano, Meliès criou histórias 
História e cinema2
elaboradas e até mesmo com efeitos especiais. Em 1912, ele lançou o seu filme 
mais famoso, Viagem à Lua. Esse momento marcou uma ruptura no cinema, que 
passou a ser utilizado como entretenimento (NAPOLITANO, 2014).
Inicialmente, o cinema era visto como um entretenimento para as classes 
inferiores e mais pobres da sociedade. Nas palavras de Ferro (1997), a elite domi-
nante considerava o cinema como uma espécie de atração nas feiras. Além disso, 
devido à sua capacidade de atingir as massas, o cinema passou a ser utilizado para 
alguns interesses políticos. Na Revolução Russa, por exemplo, Trótski utilizou a 
tela dos cinemas para se comunicar com a população e passar a sua mensagem.
A partir dos experimentos com o uso do cinema para comunicar, foi possível 
perceber a sua aplicabilidade em diversas áreas. Além disso, a indústria identificou 
um grande potencial que poderia ser aprimorado. Dessa forma, o cinema foi a 
primeira indústria de entretenimento de massa (MOCELLIN, 2008). Conforme 
Mocellin (2008), Itália e França foram as principais potências da produção cine-
matográfica mundial. Contudo, a indústria cinematográfica francesa teve uma 
forte queda após a Segunda Guerra Mundial, e a Itália consolidou-se apenas 
internamente. Nesse período, a Europa como um todo passou a consumir filmes 
norte-americanos e surgiram estúdios como os de Hollywood, grandes produtores 
e distribuidores de filmes até hoje.
No início do século XX, o cinema foi considerado a “sétima arte”. Essa 
expressão surgiu em 1911 e foi cunhada por Ricciotto Canudo no seu Manifesto 
das Sete Artes, documento publicado apenas em 1923. Por meio do manifesto, o 
teórico e crítico de cinema Canudo, pertencente ao futurismo italiano, pretendia 
afastar a ideia de que o cinema era um espetáculo para a massa, integrando-o 
à categoria das belas artes, como a música, a poesia e a dança. Para Canudo, 
o cinema era uma arte síntese, uma arte total, que conciliava todas as outras 
artes. Por isso, seria a sétima arte. Canudo caracterizou o cinema como uma 
linguagem, com características estéticas organizadas, aberta para a renovação, 
a transformação e a difusão de outras artes (BRANDÃO, 2008).
Você sabe quais são as sete artes? A primeira modalidade de arte é a música, 
em função de o som ter sido descoberto primeiro. Em seguida, vem a dança, 
que decorre do uso do movimento. Em terceiro, as artes plásticas, surgidas com 
as pinturas rupestres. A sequência continua com a escultura, as artes cênicas e 
a literatura, decorrente do desenvolvimento da escrita. Assim, a sétima arte é 
o cinema e a oitava, a fotografia. O marco inicial da sétima arte, como você já 
viu, é o ano de 1895.
Muitos teóricos entraram na discussão referente à conceituação do cinema 
como arte, analisando a linguagem e a estética nesse contexto. Aumont (2011) 
definiu que a estética do cinema é o estudo dos filmes como mensagens artís-
3História e cinema
ticas, apresentando a noção do belo a partir do gosto e do prazer do espectador. 
Contudo, o conceito de cinema ganhou novos significados no decorrer dos anos. 
Inicialmente visto como ferramenta para retratar fatos da vida, ele depois foi 
reconhecido como a sétima arte. Em paralelo, o cinema foi desenvolvido por meio 
da indústria cinematográfica e utilizado também como espaço para divulgação 
de marcas e produtos.
Um exemplo que indica o crescimento industrial cinematográfico são as 
produções hollywoodianas. Hollywood se construiu a partir da noção de cinema 
de estúdio e com forte ideologia industrial. Suas produções abordavam o estilo 
de vida americano como maneira de pensar, consumir e viver. A proposta era 
expandir essas ideias e ampliar o mercado. Esse estilo de fazer cinema não se 
preocupou muito com aspectos artísticos. A produção era encarada como fonte 
de riquezas e forma de atingir o grande mercado consumidor mundial. Onde os 
filmes fossem rodados, também os produtos americanos e o seu modo de viver 
seriam disseminados.
Como você pode observar, o cinema possui algumas faces específicas. Consi-
dere, por exemplo, o cinema produzido como sétima arte, que retrata a sociedade 
e a cultura por meio de suas produções. É o caso do cinema mudo do britânico 
Charles Spencer Chaplin (1889–1977). Chaplin encarava o cinema de uma pers-
pectiva artística. Ele foi ator, diretor, produtor, humorista, empresário, escritor, 
comediante, dançarino, roteirista e músico. Em sua obra, Chaplin representou 
principalmente o contexto social da sua época e as disparidades vividas pelos 
operários.
Atualmente, o cinema pode ser visto como uma poderosa e popular indústria de 
entretenimento. Os filmes podem ser acessados de formas diversas, nos cinemas, 
em casa, pela internet, etc. As produções exploram e acompanham a evolução 
tecnológica, oportunizando até mesmo a interação do usuário com o desfecho 
do filme. Como você sabe, há também a tecnologia 3D, de realidade aumentada. 
Assim, hoje são gastos milhões para produzir filmes com as últimas tecnologias.
No link a seguir, você pode conhecer melhor a vida e a obra de Charlie Chaplin, um 
dos nomes mais importantesda história do cinema.
www.charliechaplin.com
História e cinema4
Cinema como fonte do conhecimento histórico
Para os historiadores, o início do século XX foi marcado pelo surgimento da 
escola dos Annales (em 1929). Ela oportunizou transformações importantes 
na forma de construir o conhecimento. O fazer historiográfi co sofreu um 
profundo enriquecimento e se diversifi cou, passando a incorporar grande 
variedade de fontes, entre elas o cinema. Assim, a sétima arte começou a 
ser encarada como um elemento de registro para a conservação da própria 
história.
Você sabe o que é fonte histórica? Conforme Febvre (1989), a história se 
constrói com documentos escritos, quando eles existem. Mas ela pode e deve 
ser feita com toda a engenhosidade do historiador a partir de sua interpretação 
e da leitura do contexto envolvido. Assim, palavras e sinais, paisagens e telhas, 
formas de campos e ervas daninhas, eclipses lunares e cordas de atrelagem, 
análises de pedras pelos geólogos e de espadas de metal pelos químicos são 
consideradas fontes históricas. Em síntese, fontes históricas são tudo aquilo 
que, pertencendo ao homem, depende do homem, serve ao homem, exprime 
o homem, significa a presença, a atividade, os gostos e as maneiras de ser 
do homem. Como você pode notar, a tese de Febvre (1989) abre uma possi-
bilidade ampla e quase infinita para que ações, memórias ou objetos sejam 
considerados fontes.
Atualmente, há um número crescente de historiadores ampliando suas 
fontes de pesquisa e utilizando o cinema para fins de investigação histórica. 
Muitas narrativas históricas estão presentes em grandes produções cinema-
tográficas, e o historiador pode usar e problematizar esses recursos, pois eles 
consistem em uma ferramenta que atinge muitas pessoas. Como você deve 
saber, alguns indivíduos, por falta de conhecimento, tomam como verdade 
tudo o que é reproduzido pela indústria cinematográfica. Nesse sentido, o 
historiador é convidado a desenvolver pesquisas científicas utilizando como 
critérios a compilação e a análise documental.
Macedo e Baldissera (2006) analisaram o uso do cinema como fonte histó-
rica com a premissa de que, para muitos indivíduos, ele é a única fonte dispo-
nível, ou seja, há quem veja a vida por meio das luzes e cenas de Hollywood. 
Como historiador, você deve notar que o cinema pode apresentar realidades 
interessantes e, algumas vezes, até próximas da verdade vivida por diferentes 
povos e culturas. Portanto, ele é um instrumento que não se pode ignorar. 
Contudo, é preciso utilizá-lo com critérios científicos e com um olhar de 
criticidade em relação à história e ao objeto de estudo.
5História e cinema
O cinema apresenta, muitas vezes, verdades que podem ser utilizadas para análises 
referentes à condição humana. Contudo, ele não substitui a história documentada 
com base em evidências científicas. Algumas perguntas reflexivas devem sempre 
acompanhar você: qual é o limite entre a ficção e a história? A história pode trabalhar 
com o cinema e o cinema pode ajudar a história? (MACEDO; BALDISSERA, 2006).
Todo o fascínio exercido no cinema pelo jogo de cores, pela intensidade 
das cenas e pelo figurino, por exemplo, leva a maioria das pessoas a não fazer 
uma análise mais complexa sobre os fatos apresentados. Assim, muitas das 
reflexões desenvolvidas são superficiais. No entanto, o historiador que utilizar 
o cinema como fonte de investigação e análise de determinada situação deverá 
estar atento também às imagens, aos figurinos e aos cenários, verificando 
o que eles desejam comunicar. Conforme Ferro (1997), em sua reflexão, o 
historiador dever partir das imagens. Ele deve encará-las não somente como 
ilustração, mas como instrumento que transmite uma mensagem. Para isso, 
talvez o historiador precise do apoio de outras áreas do conhecimento, a fim 
de desenvolver uma reflexão mais profunda e complexa.
Como você sabe, a área de história utiliza como fonte de produção do 
conhecimento documentos escritos e não escritos. Os documentos não escritos 
incluem: o folclore, as artes e as tradições populares. Nesse contexto, o cinema 
pode ser estudado e utilizado como fonte para produção do conhecimento 
histórico quando explorado com base no contexto histórico e na associação 
com o mundo que o produziu. O cinema como produção do conhecimento 
histórico pode ser associado a outras áreas do conhecimento que possuem um 
potencial de contribuição significativo para a construção do saber. É o caso 
da sociologia, da antropologia, da arqueologia ou de outras áreas específicas, 
conforme as características do objeto de estudo.
Conforme Bourdieu (2003), o historiador possui legitimidade social para 
utilizar e analisar o cinema como fonte histórica. Essa legitimidade é denomi-
nada pelo autor de “capital simbólico”, fundamentado no próprio saber e na 
bagagem epistemológica do pesquisador. O autor afirma que o capital — que 
pode existir no estado objetivado, com base em propriedades materiais, ou, no 
caso do capital cultural, no estado incorporado, e que pode ser juridicamente 
História e cinema6
garantido —, de certa forma, representa um poder sobre um campo (num 
dado contexto temporal e espacial).
Nesse contexto, o historiador pode organizar-se para utilizar o cinema 
como fonte de produção do conhecimento histórico a partir de algumas 
sistematizações. Veja:
  escolher um filme para estudo;
  selecionar o objeto de estudo histórico (relação com o conteúdo 
histórico);
  selecionar o campo de análise do filme (temporalidade e contextos);
  organizar as categorias de análise (figurinos, cenários, músicas, cenas 
ou falas);
  comunicar os resultados da análise.
Por fim, um dos grandes desafios do trabalho do historiador com o cinema 
é elaborar pesquisas sobre a relação entre a história e o tema gerador da pro-
dução, com fundamentação e fontes de referência. Afinal, cada filme tem uma 
intencionalidade e um imaginário sobre determinado povo, local ou gênero. 
Nesse contexto, o historiador necessita investigar como os personagens são 
apresentados, como as culturas e as etnias são retratadas. Ele não deve se 
deter somente na veracidade dos fatos expostos na produção cinematográfica. 
O pesquisador deve debater os sentidos e os significados representados na 
película e analisar qual é o interesse de que essas informações sejam disse-
minadas, levadas ao público.
Enfim, o cinema é um elemento produtor de conhecimento historiográfico. 
Contudo, o historiador deve estar atento para o fato de que o filme é um 
documento rico em fontes, mas que exige conhecimentos ou contribuições 
de outras áreas, assim como uma postura voltada ao trabalho interdisciplinar 
na busca e na análise dos objetos de conhecimento.
Acesse o link a seguir para assistir a um vídeo sobre o uso do cinema como fonte 
histórica.
https://qrgo.page.link/Crjp
7História e cinema
As relações entre o cinema e a história
Ao longo do tempo, as fontes históricas incorporaram novas relações e sig-
nifi cados. Mas esse processo não ocorreu da noite para o dia. O início da 
relação entre história e cinema não foi muito pacífi ca, devido às críticas dos 
historiadores tradicionais. Como você viu anteriormente, só a partir da escola 
dos Annales é que houve uma abertura para diferentes fontes de pesquisa 
historiográfi cas serem aceitas na produção do conhecimento. Nóvoa (1995) 
afi rma que muitos historiadores do século XX se limitaram a fontes históricas 
com base na historiografi a positivista, fazendo uso apenas das técnicas e 
fontes tradicionais de investigação.
O cinema pode ter três tipos de relações com a história. Assim, inicial-
mente, é preciso definir que tipo de relação será estabelecida. Depois, é 
possível iniciar a seleção, a análise e a construção do conhecimento. Na Figura 
2, a seguir, veja quais são os três tipos de relação possíveis.
Figura 2. Relações do cinema com a história.
Fonte: Leitura ObrigaHISTÓRIA (2017, documento on-line).
Na relação cinema na história,o historiador pode explorar e analisar 
o contexto da sociedade que produziu a obra, entendendo como o filme se 
relaciona com a cultura que o criou. Ele pode fazer isso por meio da análise 
do discurso, da semiótica, do figurino e de outros elementos. Na relação 
história no cinema, é revelada a representação da história no cinema, ou seja, 
História e cinema8
produções cinematográficas apresentam determinados fatos históricos de um 
povo. Por fim, a relação história do cinema se refere às transformações que 
o cinema sofreu no decorrer do tempo, a partir de análises do cinema como 
arte, expressão cultural e política e dos vínculos estabelecidos com a indústria 
(VALIM, 2012).
A segunda dessas relações foi e é atualmente a mais explorada para a aná-
lise e a produção do conhecimento. Como exemplo, considere uma análise da 
filmografia alemã até o início da década de 1930 que tem o intuito de identificar 
características psicológicas que se congregavam no que seria futuramente 
o nazismo. Como você pode imaginar, essa pesquisa seria importante para 
desvendar o papel do cinema na conformação e no fomento do partido nazista. 
Para Machado (2006), o filme pode ser portador de aspectos psicológicos, 
algumas vezes até inconscientes, relacionados à formação da identidade de 
um povo. Ou ainda pode deixar entrever elementos relacionados a períodos 
de crises políticas, sociais ou econômicas.
Segundo Napolitano (2014), nos anos de 1920 a 1930, portanto após a 
Revolução Russa de 1917, a União Soviética criou um importante centro de 
cinema clássico. Nesse contexto, diversos artistas se engajaram no cinema 
com objetivos políticos de doutrinar a população usando os filmes. Ao mesmo 
tempo, alguns artistas conseguiram desenvolver a arte e a estética do cinema, 
constituindo uma das escolas clássicas, o cinema épico soviético. Outro exem-
plo é o caso da Alemanha nazista, em que os filmes foram utilizados como 
elementos políticos para disseminar e doutrinar a população conforme os 
interesses do Estado (MOCELLIN, 2008).
Por meio desses dois exemplos, você pode observar como o cinema foi 
aplicado em benefício da lógica e dos interesses políticos da elite dirigente 
a partir do século XX. O intuito era influenciar o modo de pensar e viver da 
população a fim de contribuir para a construção da identidade do país, evocar 
sentimentos nacionalistas e destacar heróis nacionais.
Para Ferro (1997), a partir do momento em que os líderes políticos ou econô-
micos perceberam que poderiam utilizar o cinema como ferramenta de dissemi-
nação e doutrinação das suas ideias, essa prática passou a se difundir nos países 
conforme interesses específicos. No entanto, as classes dominantes não foram 
as únicas a perceber a influência do cinema sobre as massas. Alguns cineastas 
independentes também perceberam essa situação e viram nos filmes a possibi-
lidade de se oporem à ideologia predominante do Estado. O autor denominou 
esse movimento de “contrapoder”. Nesse sentido, os cineastas, conscientemente 
ou não, estão cada um a serviço de uma causa, de uma ideologia.
9História e cinema
Veja o que afirma Valim (2012, p. 28):
[...] o cinema não é apenas uma prática social, mas um gerador de práticas 
sociais, ou seja, o cinema, além de ser um testemunho das formas de agir, 
pensar e sentir de uma sociedade, é também um agente que suscita certas 
transformações, veicula representações ou propõe modelos. Sendo assim, 
investigar os meios pelos quais alguns filmes tentam induzir os indivíduos 
a se identificar com as ideologias, as posições e as representações sociais e 
políticas dominantes e quais as rejeições a essas tentativas de dominação 
propicia uma visão mais crítica da sociedade.
Ferro (1997) afirma que os membros da elite utilizam o cinema conforme 
seus interesses. Da mesma forma, os diversos governos valem-se dessa fer-
ramenta para disseminar as suas ideologias massivamente. O autor afirma 
que, desde que o cinema se consolidou como arte, seus pioneiros passaram a 
intervir na história com filmes ou documentários, muitas vezes doutrinando 
ou glorificando determinados ídolos nacionais. Exemplo disso são algumas 
produções cinematográficas inglesas que apresentam essencialmente a rainha, 
o seu império ou a sua frota. Já na França, eram produzidos filmes com as 
criações da burguesia ascendente e as instituições republicanas.
Pensar o cinema com base na história não é novidade. O cinema é um 
elemento, uma fonte de análise complexa devido aos seus fatores de ordem 
estética, política, econômica e social. No entanto, o uso do cinema como fonte 
de produção do conhecimento histórico vem aumentando gradativamente. 
Além disso, cresce a relevância da análise interdisciplinar, a partir da reflexão 
sobre a emissão, a mediação e a recepção. Questões antes desvalorizadas ou 
deixadas em segundo plano hoje estimulam um vasto e profícuo campo de 
investigação.
O papel da história em relação ao cinema também é o de investigar os meios 
pelos quais alguns filmes buscam induzir os indivíduos a se identificar com as 
ideologias, as posições e as representações sociais e políticas dominantes. Há 
ainda a necessidade de verificar quais rejeições a essas tentativas de dominação 
propiciam uma visão mais crítica da sociedade (VALIM, 2012). A resistência 
aos significados e mensagens dominantes pode favorecer novas leituras e 
novos modos de apropriação do cinema, usando a cultura como recurso para 
o fortalecimento e a invenção de significados, identidades e formas de vida.
Por fim, convém notar que a cultura é um terreno de disputas, no qual 
grupos sociais e ideologias políticas rivais lutam pela hegemonia. Por sua 
vez, os indivíduos vivenciam essas lutas mediante imagens, discursos, mitos 
História e cinema10
e espetáculos veiculados não somente pelo cinema, mas pela mídia de forma 
geral. Essa realidade é um campo aberto ao desenvolvimento da criticidade 
reflexiva sobre as relações entre cinema e história, bem como sobre o que a 
sétima arte pretende comunicar.
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Dissertação (Mestrado em Filosofia) – Departamento de Filosofia, Faculdade de Letras, 
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11História e cinema
Leituras recomendadas
BAUER, C. S.; OLIVEIRA, S.; ALVEZ,A. C. Z. Conteúdo e metodologia do ensino de história. 
Porto Alegre: Sagah, 2018.
ROSENSTONE, R. A. A história nos filmes: os filmes na história. São Paulo: Paz e Terra, 2010.
VESENTINI, C. A. História e ensino: o tema do sistema de fábrica visto através de filme. 
In: BITTENCOURT, C. (org.). O saber histórico na sala de aula. São Paulo: Contexto, 1997. 
p. 163-174.
História e cinema12

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