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Métodos de Pesquisa em História Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Prof. Dr.Vanderlei Elias Nery Revisão Textual: Profa. Ms. Selma Aparecida Cesarin A História e as Manifestações Artísticas: novas fontes 5 • Introdução • História e Música • História e Literatura • História e Teatro • História e Cinema · Discutir a relação da Música, da Literatura, do Teatro e do Cinema com a História. · Buscaremos analisar como essas artes podem servir de fonte documental para a pesquisa na área de História. Nesta Unidade, analisaremos A História e as manifestações artísticas: novas fontes, discutindo a relação da Música, da Literatura, do Teatro e do Cinema com a História. Faremos também algumas indicações de leitura interessantes para que você compreenda melhor o que procuramos apresentar no texto. Não deixe de fazer essas leituras! Certamente você irá achá-las bem interessantes! Nesta Unidade: A História e as manifestações artísticas: novas fontes, você deve estar atento à relação da Música, da Literatura, do Teatro e do Cinema com a História e como estas artes servem de fonte documental para a pesquisa na área de História. É importante, também, que você participe dos fóruns propostos e se prepare para as avaliações planejadas. Nesta unidade haverá um fórum de discussão e três questões de múltipla escolha na Atividade de Sistematização. Ao realizá-las, você poderá avaliar seus conhecimentos e se preparar para a avaliação presencial que ocorrerá no final do semestre. A História e as Manifestações Artísticas: novas fontes 6 Unidade: A História e as Manifestações Artísticas: novas fontes Contextualização Iniciamos os estudos relativos à Disciplina Metodologia da pesquisa em História tratando do tema A História e as manifestações artísticas: novas fontes. Esta Unidade está subdividida em 4 itens: 1 História e Música 2 História e Literatura 3 História e Teatro 4 História e Cinema Buscamos explicitar a relação dessas artes com a História. Analisaremos como a Música, a Literatura, o Teatro e o Cinema podem ser utilizados como fonte documental para o pesquisador da área de História. 7 Introdução Nesta Unidade, estudaremos a importância da Música, da Literatura, do Teatro e do Cinema como fonte documental. As artes, em geral, e a Música, a Literatura, o Teatro e o Cinema, em particular, são manifestações artísticas que possibilitam ao historiador ouvir a “voz” dos dominados, pois possuem documentos que, na maioria das vezes, distanciam-se dos documentos oficiais, que apresentam, em geral, a história dos vencedores. História e Música Sons e ruídos estão impregnados no nosso cotidiano de tal forma que, na maioria das vezes, não tomamos consciência deles. Eles nos acompanham diariamente, como uma autêntica trilha sonora de nossas vidas, manifestando-se sem distinção nas experiências individuais ou coletivas. Isso ocorre porque a música, a forma artística que trabalha com os sons e ritmos nos seus diversos modos e gêneros, geralmente permite realizar as mais variadas atividades sem exigir atenção centrada do receptor, apresentando- se no nosso cotidiano de modo permanente, às vezes de maneira quase imperceptível. (MORAES, 2000, p.204). José Geraldo Vinci de Moraes chama a atenção para importância da música como fonte histórica, mas adverte que durante muito tempo as universidades e as agências financiadoras privilegiaram os estudos a partir de músicas eruditas e folclóricas, desprezando as canções populares como documento histórico. Ele afirma: “a canção e a música popular poderiam ser encaradas como uma rica fonte para compreender certas realidades da cultura popular e desvendar a história de setores da sociedade pouco lembrados pela historiografia” (MORAES, 2000, p.204-5). No Brasil, podemos citar o samba, entre outros ritmos, como exemplo de música popular, que pode revelar certas realidades da cultura popular. Esse gênero musical se desenvolveu a partir da influência dos ex-escravos vindos da África e, posteriormente foi e, ainda é, praticado nas periferias das cidades, revelando, na maioria das vezes, os hábitos e costumes dos setores dominados da sociedade. O samba pode ser uma fonte importante para os historiadores, pois dá voz aos dominados. Outros problemas encontrados pelos historiadores para utilização da Música como fonte histórica são: a dispersão das fontes, a desorganização dos arquivos, a falta de especialistas e estudos específicos, escassez de apoio institucional etc. (MORAES, 2000, p.205). 8 Unidade: A História e as Manifestações Artísticas: novas fontes A historiografia da música é bastante conservadora, privilegiando “a bibliografia do grande artista, compreendido como uma figura extraordinária e o único capaz de realizar a obra”. Em segundo lugar, está a postura centrada na obra de arte, a qual “está interessada preponderantemente na obra individual, que contém uma verdade e um sentido em si mesma”. E, por último, “existe a linha que foca suas explicações nos estilos, gêneros ou escolas artísticas, que contém uma temporalidade própria e estruturas modelares ‘perfeitamente’ estabelecidas” (MORAES, 2000, p.206). Glossário: Historiografia: Investigação e escrita da História. Essa forma de trabalho com a Música despreza a possibilidade de compreensão da “história da arte integrada aos movimentos sociais e históricos”. Até o final dos anos 1970, as dificuldades apontadas impediram que emergisse uma historiografia voltada para os estudos da música erudita e popular, abrindo caminho para que os estudos e pesquisas ficassem “restritos ao universo da crítica, realizados tradicionalmente por jornalistas, diletantes e amadores, portanto, distantes das universidades e das investigações acadêmicas” (MORAES, 2000, p.206-7). Apesar da precariedade dos estudos levados a cabo por jornalistas, diletantes e amadores, é fundamental que reconheçamos a importância dessas pesquisas, pois constituíram um acervo importante para estudos da música popular urbana no Brasil. No final dos anos 1970 e início dos anos 1980, no Brasil, aconteceu uma virada nas pesquisas que tem a música como fonte de pesquisa, principalmente nas áreas de Antropologia, Sociologia, Semiótica e literatura e, em menor grau, na História, principalmente a partir da produção de teses e dissertações. Apesar dessa virada, Moraes (2000, p.209) aponta que no campo da História “o uso da canção popular urbana como fonte continua bastante restrito e precário e, aparentemente, ainda mantém um status de segunda categoria no universo da documentação”. O autor aponta a dificuldade dos historiadores lidarem com a música como documento histórico, mas afirma que é possível ultrapassar esse problema a partir do trabalho interdisciplinar com a musicologia, a semiótica etc. Ele afirma também, que: Ultrapassados os principais obstáculos e aparentes dificuldades (linguagem, código, subjetividade e o conceito de popular), creio que os procedimentos e indicações gerais metodológicas para utilizar a música/canção popular como documento histórico pode ser inicialmente encontrado na clássica metodologia desenvolvida pela própria história. (MORAES, 2000, p.214). Para a análise interna do documento musical “seria interessante estabelecer duas instâncias diferentes, mas nunca dissociadas, a da linguagem poética e a da linguagem musical” (MORAES, 2000, p.214-5). 9 A análise da música como documento histórico deve estabelecer a diferença entre poética e musicalidade, mas sem dissociá-las, pois, “Deste modo, parece que a compreensão do binômio melodia-texto seja a forma mais indicada para se ter como referência, sobretudo porque se trata, na realidade, da estrutura que dá sentido à canção popular” (MORAES, 2000, p.216). Como lembra o autor, é preciso inserir a estrutura da canção popular [...] aos movimentos históricos e culturais. Na verdade, deve-se perceber como se instituem as relações culturais e sociais em que se acomodamelementos de gestação de uma dada música/canção urbana e da vida do autor, pois, como já vimos anteriormente, elas produziram e escolheram uma série de sons e sonoridades que constituem uma trilha sonora peculiar de uma dada realidade histórica. (MORAES, 2000, p.216). Em relação à análise externa do documento, é preciso fazer o trabalho que os historiadores estão acostumados. Começando pela análise do contexto histórico, verificando “os vínculos e relações do documento e seu(s) produtor(es) com seu tempo e espaço”. É preciso, ainda, realizar a “especificidade da documentação. Isto é, do processo social de criação, produção, circulação e recepção da música popular”. Para o autor “Mais do que regras gerais, tanto criação como recepção somente poderão ser compreendidos nas suas nuanças e especificidades históricas (MORAES, 2000, p.216)”. Outra questão importante a ser observada pelo pesquisador da área de História é que a produção, difusão e circulação estão diretamente ligadas aos meios de comunicação e ao mercado. Essa observação é importante, pois, “As relações com os meios de comunicação foram, e ainda são, contraditórias, variando da mais profunda pobreza estética, passando pelos mais nítidos e fortes interesses comerciais ou ideológicos, chegando a uma incrível e rica divulgação da produção cultural” (MORAES, 2000, p.216-7). Os filósofos da Escola de Frankfurt, principalmente Adorno, afirmavam que os meios de comunicação de massa determinavam e criavam gostos, “impondo gêneros e certa estandardização na música popular”. Sem discordar totalmente do filósofo alemão, é possível perceber que, além da afirmação acima, os meios de comunicação de massa acabaram propiciando a divulgação da música popular, mesmo que este não fosse seu objetivo. Como demonstra Moraes, “[...] os meios de comunicação também abriram espaços para que gêneros e estilos regionais urbanos originários nas camadas mais pobres emergissem para um quadro cultural mais amplo e pluralizado” (MORAES, 2000, p.217), como é o caso, no Brasil, da divulgação de ritmos populares como o samba, choro, baião etc. Sobre a Escola de Frankfurt e a indústria cultural em: http://www.brasilescola.com/cultura/industria-cultural.htm https://www.youtube.com/watch?v=GIn1ZcoM9Rs https://www.youtube.com/watch?v=xBVUBJXWXWY http://www.brasilescola.com/cultura/industria-cultural.htm https://www.youtube.com/watch?v=GIn1ZcoM9Rs https://www.youtube.com/watch?v=xBVUBJXWXWY 10 Unidade: A História e as Manifestações Artísticas: novas fontes É preciso se afastar dos pré-conceitos e admitir que mesmo a imposição de gêneros pelos meios de comunicação de massa pode ser fonte de pesquisa para os historiadores, pois apresenta um quadro de disputa entre dominados e dominantes. Para isso, basta lembrar de que muitos dos gêneros impostos pelos meios de comunicação de massa derivam de produções populares e, portanto, de certa forma, retratam o cotidiano dos dominados. José Geraldo Vinci de Moraes levanta três aspectos importantes para a reflexão dos historiadores quando estes utilizam a música popular como documento histórico: “a linguagem da canção, a visão de mundo que ela incorpora e traduz e, finalmente, a perspectiva social e histórica que ela revela e constrói”. Para o autor, as questões levantadas podem orientar a “discussão das relações entre História e Música”. Para ele, cabe ao pesquisador “compreender melhor as múltiplas relações entre a canção popular e o conhecimento histórico”. O autor lembra que a música popular pode trazer à tona, na contemporaneidade, coisas “que às vezes se supõem mortas ou perdidas na memória coletiva” (MORAES, 2000, p.218). Apesar do empenho de alguns historiadores para romper os pré-conceitos e estabelecer a música em geral e a música popular em particular como fonte documental, podemos afirmar que, nesse início de século XXI, “o estudo científico da música brasileira ainda está por” ser feito, “sobretudo, a história cultural da música popular brasileira, que ainda formula e ajusta seus primeiros acordes. E é nesse tom que deve seguir a discussão” (MORAES, 2000, p.218). Daí a importância do apoio das universidades e agências de fomento às pesquisas que tenham como fonte documental a música, em geral, e a música popular, em particular. 11 História e Literatura A ficcionalidade da história e a historicidade da literatura mostram-se presentes desde as primeiras manifestações de um e de outro discurso, de modo que se torna uma tarefa complexa diferenciar o que seja história e o que seja literatura, uma vez que a fronteira que separa uma e outra se mostra tênue e, por vezes, quase imperceptível (GOMES E OLIVEIRA, 2012, p.2). A Nova História Cultural colocou o problema de estudar as representações, como demonstra Sandra Jathy Pesavento: A categoria de representação tornou-se central para as análises da nova história cultural, que busca resgatar o modo como, através do tempo, em momentos e lugares diferentes, os homens foram capazes de perceber a si próprios e ao mundo, construindo um sistema de ideias e imagens de representação coletiva e se atribuindo identidade. (PESAVENTO 1995, p.116). Construir identidades, sejam elas de cidadania ou nacional, envolve relações de poder, pois são historicamente construídas. É nesse contexto que enxergamos a relação de história e literatura, “que apresentam caminhos diversos, mas convergentes, na construção de uma identidade, vez que se apresentam como representação do mundo social ou como práticas discursivas significativas que atuam com métodos e fins diferentes” (PESAVENTO, 1995, p.116). Nessa perspectiva, a literatura pode ser considerada fonte histórica, pois a ficção não é o avesso do real, mas sim a busca por uma verossimilhança, “onde os limites de criação e fantasia são mais amplos do que aqueles permitidos ao historiador” (PESAVENTO, 1995, p.117). Podemos afirmar, então, que mesmo a obra ficcional está inserida em um determinado espaço e tempo, marcado por condições socioculturais específicas e, que, portanto, pode oferecer elementos importantes para a pesquisa histórica. Neste sentido, torna-se importante destacar o fato de que a produção da obra literária está associada ao seu tempo, refletindo em suas narrativas angústias e sonhos de agentes sociais contemporâneos à sua criação e mesclando elementos de ficção e das possíveis realidades existentes no momento da criação literária. (SENA JUNIOR, 2010, p.5). 12 Unidade: A História e as Manifestações Artísticas: novas fontes O historiador, ao utilizar a literatura como fonte histórica, deve buscar “a representação que ela comporta. Ou seja, a leitura da Literatura pela História não se faz de maneira literal, e o que nela se resgata é a re-presentação do mundo que comporta a forma narrativa” (PESAVENTO, 1995, p.117). História e Literatura são narrativas diferentes, dado que a primeira busca a análise do real, mas é importante lembrar de que ao narrar ou descrever fatos históricos, o pesquisador apresenta uma possível leitura dos fatos, e não uma verdade incontestável (GOMES & OLIVEIRA, 2012). Segundo Gomes e Oliveira (2012, p.4), a literatura deve ser pensada “como parte integrante da história, ou, ainda, em alguns casos, como o contra-discurso da história oficial”. Para Pesavento (1995, p.118) “a literatura tem se revelado o veículo por excelência para captar sensações e fornecer imagens da sociedade por vezes não admitidas por esta ou que não são perceptíveis nas tradicionais fontes documentais utilizadas pelo historiador”. Como exemplo do exposto acima, podemos citar a obra: Memórias de um sargento de milícias, de Manuel Antônio de Almeida, que faz uma bela descrição da vida urbana no Rio de Janeiro do século XIX. Este exemplo exprime muito bem a análise realizada por Pesavento (2012, p.118), quando ela afirma que é no século XIX que, com o desenvolvimento econômico capitalista, com o surgimento das primeiras indústriase a consequente urbanização, “as cidades passam a ter uma presença mais marcante na vida brasileira, tanto enquanto concretude, quando como objeto de representação”. Segundo Pesavento (2012, p.118), os estudos, em geral, ficaram presos aos aspectos econômicos, sociais e políticos da sociedade. Não é o caso de ignorar esses estudos; entretanto, é possível, a partir da incorporação da literatura como fonte histórica, “retomar a cidade sob outro aspecto: como ela é pensada, vivida, imaginada, representada, em suma, reconhecida e identificada pelos seus habitantes. Dotada de uma personalidade própria, específica e particular, no jogo da identidade/alteridade, a torna única frente às demais”. É nesse sentido que obras, como Memórias de um sargento de milícia auxiliam as pesquisas históricas, no sentido de revelar o que, na maioria das vezes, a história oficial oculta, ou seja, pode dar voz às classes sociais dominadas. Como demonstra Pesavento ao analisar a obra de Manuel Antônio de Almeida: Não se trata, porém, de uma identidade arquetípica do Rio atribuída “desde cima” pelos dirigentes da urbe, nem designada pelo Império brasileiro que nascia. Para estes interessava, sobremodo, que o Rio de Janeiro crescesse e se desenvolvesse em vista de sua condição de sede da Corte e importante centro comercial. Trata-se de uma identidade insinuada pelo olho do escritor, espectador do social, que intui e capta as regras implícitas que regiam a vida de “cidade-gente” (PESAVENTO, 1995, p.118-9). Como dito anteriormente, a análise dessa obra, entre outras, permite a percepção, por exemplo, de certo caráter brasileiro, questão esta que não está posta “nos documentos oficiais, nem enunciada pelo poder público, mas que a narrativa ficcional expõe como um sintoma da época” (PESAVENTO, 1995, p.120). 13 História e Teatro Em um processo investigativo envolvendo as interlocuções entre História e Literatura, História e Cinema, História e Artes Plásticas, História e Teatro, esta última ainda em proporções reduzidas, se comparada às pesquisas desenvolvidas nas áreas de Letras e de Artes Cênicas, o pesquisador deverá sempre estar atento a alguns pressupostos, pois, além das dificuldades que envolvem essa área de atuação, de acordo com Robert Paris, este profissional, ao contrário de seus colegas que, via de regra, recuperam originais inéditos nos arquivos, dificilmente será o primeiro leitor do documento selecionado (PATRIOTA, 2005, p.79). A utilização do teatro como fonte histórica ainda é incipiente na historiografia, mas vários pesquisadores vêm buscando inserir esses estudos nas universidades brasileiras. Segundo Rosangela Patriota, o objetivo do historiador, ao utilizar como fonte de pesquisa as artes em geral e o teatro em particular, não deve, “em hipótese alguma, construir ‘Histórias de...’; ao contrário”, ele deve [...] recuperar a historicidade inerente a eles. Devolvê-los ao seu momento e, concomitante a este, buscar constituir um diálogo possível, a partir de séries documentais que permitam uma maior inteligibilidade destes em relação ao processo vivenciado, assim como este fornecerá elementos que auxiliem na compreensão das especificidades do objeto estudado (PATRIOTA, 2005, p.80). Como afirmado anteriormente, mas nunca é demais lembrar, pois este é um ponto muito importante para o pesquisador da área de história, “o referencial teórico mobilizado pelo estudioso, na maioria das vezes, inspira possibilidades e pistas, mas é somente no trato com a documentação que o diálogo entre historiador e o momento histórico selecionado se viabiliza (PATRIOTA, 2005, p.80). A autora lembra que os embates teóricos e as pesquisas que giram em torno das artes em geral e, do teatro em particular, tem contribuído para a recuperação da História Cultural do Brasil. Isso é muito relevante, pois a partir das artes é possível reconstituir a história dos dominados, que na maioria das vezes não aparece na história “oficial”. O pesquisador da área de história deve ter em mente que: “O conhecimento histórico é uma construção refinada que dialoga com diferentes fontes documentais e discursos pretéritos” (DELGADO, 2013, p.371). Depois do Annales, esse diálogo se dá com um gama bastante variada de materiais e, sem dúvida, o teatro é uma importante fonte de pesquisa, como afirma Lucilia de Almeida Neves Delgado: 14 Unidade: A História e as Manifestações Artísticas: novas fontes O teatro, em sua diversidade, é simultaneamente objeto de pesquisa, narrativa histórica e fonte documental. Nesse sentido, as relações do teatro com a História são necessariamente complexas e exigem do pesquisador competência para construção de trânsito interdisciplinar e sensibilidade para compreensão da narrativa teatral em si mesma. Exige também formação capaz de fazer da arte teatral um recurso epistemológico possível, na construção de abordagens históricas, que possibilitem compreender o tempo, as espacialidades e as relações sociais constitutivas da própria História (DELGADO, 2013, p.371). Analisando a obra: Teatro, História e Política, organizada por Kátia Paranhos, Delgado (2013, p.372) afirma que o texto teatral não deve ser visto apenas “como documento ou fonte, mas também como elemento constitutivo da própria trama da História, uma vez que como fato é também ato”. Fonte: Wolfgang Glock/Wikimedia Commons O pesquisador da área de história, ao analisar o teatro, como fonte documental, deve “avançar para além do discurso teatral hegemônico e voltar o olhar para discursos teatrais não iluminados pela crítica”. Para que essa abordagem seja efetiva é necessário considerar “o fenômeno teatral em toda sua amplitude, incorporando análises sobre dramaturgia e dramaturgos, experiências cênicas, escrita teatral, gêneros do teatro, relações entre escolas de pensamento e práticas teatrais e, finalmente, relação entre teatro e sociedade” (DELGADO, 2013, p.372). No Brasil, vários autores têm afirmado a importância do teatro como fonte documental, principalmente em análises referentes ao período da ditadura militar, período este em que o teatro foi fonte de resistência, traduzindo as mais variadas formas de luta contra o regime ditatorial. 15 História e Cinema Desde o início da Escola dos Annales, na França, os objetos de estudo da História vêm se modificando, exigindo novas fontes documentais que deem conta desses novos temas e fazendo com que o conceito de documento seja ampliado. (…) nesse processo de ampliação das fontes que as imagens, em suas variadas formas de apresentação, no caso deste ensaio – os filmes, têm alcançado espaço na historiografia recente (PINTO, 2004, p.1). A relação do homem com a imagem é antiga, datando das épocas primitivas, passando pela Idade Média e chegando aos tempos atuais. Apesar da existência do Cinema há mais de um século, os estudos históricos que partem da produção fílmica são bastante recentes. “O pioneirismo destes estudos é atribuído a Marc Ferro, com a École de Ferro que, na década de 60, começa a difundir e legitimar o uso do cinema nas academias historiográficas” (PINTO, 2004, p.3). A partir dos estudos de Marc Ferro, ficou evidente que o historiador não pode ficar alheio à produção cinematográfica como fonte de pesquisa. Luciana Pinto dá exemplos de trabalhos de décadas recentes: [...] que relacionam imagem-história: a história da imagem; a imagem como agente da história; a imagem como testemunho (documento) do presente; a imagem como modalidade de discursos sobre o passado; a produção de discursos audiovisuais como meio de expressão do historiador; a utilização das imagens no ensino da história (PINTO, 2004, p.3). A escolha de um filme-documento deve levar em consideração a classificação destes, já realizada por historiadores como documentários ou ficção. Segundo Michèle Lagny: Os cines-jornal e os filmes documentários são tradicionalmente compostos por montagem de imagens tomadas do mundo real eassemelhadas a outras fontes familiares aos historiadores (textos, da imprensa notadamente, fotos, desenhos). As obras de ficção contam histórias imaginárias (“o grande filme”): elas supõem a redação de um argumento, a encenação de atores com paletó e gravata e um ambiente especialmente fabricado, filmagens em estúdio ou em locais escolhidos por sua adequação à história contada. (LAGNY, 2009, p.111). 16 Unidade: A História e as Manifestações Artísticas: novas fontes Num primeiro momento, os historiadores dão preferência ao documentário, pois parecem representar melhor o real; porém, as coisas não são tão simples assim, e os pesquisadores já perceberam o valor histórico dos filmes de ficção, pois estes “impõem questões contemporâneas, ou mesmo tentam testemunhar diretamente, sobretudo nos períodos de crise, para informar, registrar uma memória visual e sonora dos eventos cada vez mais regularmente” (LAGNY, 2009, p.112). Segundo Luciana Pinto, Marc Ferro apresenta duas possibilidades de análise do cinema: “como testemunho presente (o filme lido por meio da História) ou como discurso sobre o passado (a História lida por meio do cinema). Neste aspecto, o filme é considerado documento secundário; naquele, documento primário” (PINTO, 2004, p.5). Fonte: Cena do filme: “Amistad”, Steven Spielberg; DreamWorks SKG, 1998 De qualquer forma, é preciso lembrar que o filme deve ser tratado como qualquer outro documento histórico e, portanto, deve responder às questões postas pelo historiador, bem como deve ser situado num determinado contexto. Contudo, certas dificuldades de uso provêm da metodologia histórica propriamente dita, a qual todo historiador está habituado: a pesquisa das fontes, a crítica documentária, com o estudo da origem e da autenticidade das bandas fílmicas, a colocação cronológica e a construção das relações com o contexto, que necessitam da pesquisa de fontes escritas complementares . (LAGNY, 2009, p.116). Luciana Pinto levanta duas questões fundamentais para análise fílmica: 1. Seleção dos títulos a serem trabalhados, levando em consideração o objeto e objetivos da pesquisa. 2. Análise individual de cada filme que é feita baseando-se na sua crítica externa que se refere a todos os elementos relacionados à cronologia, censura, custos, público, produção, produtores. (PINTO, 2004, p.6) Somente após cumprir essas duas etapas, o historiador deve “passar para a análise do conteúdo do filme, que faz parte da crítica interna”. A observação do que está explícito é outra fase da análise, mas deve-se procurar, também, “o que está presente implicitamente, 17 aquilo que os produtores tencionavam passar, mas não o fizeram diretamente; por último, os elementos inconscientes existentes no filme” (PINTO, 2004, p.6). Para que o filme se torne um documento historiográfico, é importante, após cumprir as etapas acima, que o historiador compare “o conteúdo apreendido do filme com os conhecimentos histórico-sociológico acerca da sociedade que produziu o filme”. É importante, também, que o filme que está sendo analisado seja comparado “com outros tipos de filme, para então sintetizar os pontos em que o filme reproduz esses conhecimentos e, por outro lado, os elementos novos que ele apresenta para a compreensão histórica da mesma” (PINTO, 2004, p.6). A partir do exposto, podemos afirmar que o Cinema é uma fonte documental para a pesquisa histórica e deve ser utilizada pelos pesquisadores da área. Entretanto, é preciso reconhecer que, “o cinema possui suas limitações e tem sua própria forma de verificação que cabe ao historiador se interar (sic), procurando conhecer suas regras para poder melhor utilizá-lo” (PINTO, 2004, p.7). 18 Unidade: A História e as Manifestações Artísticas: novas fontes Material Complementar Vídeos: E assista aos seguintes vídeos: https://www.youtube.com/watch?v=V-Cdqp3vrpI; https://www.youtube.com/watch?v=6nd9VtOUXbU; https://www.youtube.com/watch?v=cpPeDnDg_mo; https://www.youtube.com/watch?v=lQxfgAsSliU. Sites: Para complementar os conhecimentos adquiridos nesta Unidade, leia os textos disponibilizados nos links abaixo: http://goo.gl/XK6U5C http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view/1940; http://www.historia.uff.br/estadoepoder/6snepc/GT13/GT13-GILBERTO.pdf; http://www.revistas.usp.br/revhistoria/article/view/18572. https://www.youtube.com/watch?v=V-Cdqp3vrpI https://www.youtube.com/watch?v=6nd9VtOUXbU https://www.youtube.com/watch?v=cpPeDnDg_mo https://www.youtube.com/watch?v=lQxfgAsSliU http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view/1940 http://www.historia.uff.br/estadoepoder/6snepc/GT13/GT13-GILBERTO.pdf http://www.revistas.usp.br/revhistoria/article/view/18572 19 Referências DELGADO, Lucilia de Almeida Neves. Teatro, história e política. Varia Historia, Belo Horizonte, vol. 29, nº 49, p.371-373, jan/abr, 2013. GOMES, Maria Letícia; OLIVEIRA, Maria Rita Berto de. História e Literatura. VII Connepi, Palmas, out, 2012. Disponível em: http://propi.ifto.edu.br/ocs/index.php/connepi/vii/ paper/view/3757/1266. Acesso em: 13 abr. 2015. LAGNY, Michèle. O cinema como fonte de história. In: NÓVOA, Jorge, FRESSATO, Soleni Biscouto; FEIGELSON, Kristian (orgs.). Cinematógrafo: um olhar sobre a história. Salvador: EDUFBA/São Paulo: UNESP, 2009, p.99-131. Disponível em: https://repositorio. ufba.br/ri/bitstream/ufba/164/1/Cinematografo.pdf, Acesso em: 6 abr. 2015. MORAES, José Geraldo Vinci de. História e música: canção popular e conhecimento histórico. Rev. Bras. Hist. vol. 20, nº 39, São Paulo, 2000. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo. php?pid=S0102-01882000000100009&script=sci_arttext. Acesso em: 6 abr. 2015. PATRIOTA, Rosangela. A escrita da história do teatro no Brasil: questões temáticas e aspectos metodológicos. História, São Paulo, v.24, nº.2, p.79-110, 2005. PESAVENTO, Sandra Jatahy. Relação entre história e literatura e representação das identidades urbanas no Brasil (séculos XIX e XX). Anos 90, Porto Alegre, nº 4, dez. 1995, p. 115-27. Disponível em: http://seer.ufrgs.br/index.php/anos90/article/ view/6158/3652. Acesso em: 13 abr. 2015. PINTO, Luciana. O historiador e sua relação com o cinema. Revista Eletrônica O Olho da História. UFBA, 2004, p. 1-8. Disponível em: http://www.oolhodahistoria.ufba.br/artigos/ historiadoreocinema.pdf. Acesso em: 6 abr. 2015. SENA JUNIOR, Gilberto Ferreira. Realidade versus ficção: a literatura como fonte para a escrita da história. VI Simpósio Nacional Estado e poder: cultura, 2010, São Cristóvão. Disponível em: http://www.historia.uff.br/estadoepoder/6snepc/GT13/GT13- GILBERTO.pdf. Acesso em: 25 maio 2015. http://propi.ifto.edu.br/ocs/index.php/connepi/vii/paper/view/3757/1266 http://propi.ifto.edu.br/ocs/index.php/connepi/vii/paper/view/3757/1266 https://repositorio.ufba.br/ri/bitstream/ufba/164/1/Cinematografo.pdf https://repositorio.ufba.br/ri/bitstream/ufba/164/1/Cinematografo.pdf http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-01882000000100009&script=sci_arttext http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-01882000000100009&script=sci_arttext http://seer.ufrgs.br/index.php/anos90/article/view/6158/3652 http://seer.ufrgs.br/index.php/anos90/article/view/6158/3652 http://www.oolhodahistoria.ufba.br/artigos/historiadoreocinema.pdf http://www.oolhodahistoria.ufba.br/artigos/historiadoreocinema.pdf http://www.historia.uff.br/estadoepoder/6snepc/GT13/GT13-GILBERTO.pdf http://www.historia.uff.br/estadoepoder/6snepc/GT13/GT13-GILBERTO.pdf 20 Unidade: A História e as Manifestações Artísticas: novas fontes Anotações
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