Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
BIOLOGIA CELULAR Maria Carolina Vieira da Rocha M aria Carolina Vieira da Rocha BIOLOGIA CELULAR Fundação Biblioteca Nacional ISBN 978-85-387-6638-4 9 788538 766384 Código Logístico I000389 Biologia Celular Maria Carolina Vieira da Rocha IESDE BRASIL 2021 Todos os direitos reservados. IESDE BRASIL S/A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br © 2021 – IESDE BRASIL S/A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito da autora e do detentor dos direitos autorais. Projeto de capa: IESDE BRASIL S/A. CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ R574b Rocha, Maria Carolina Vieira da Biologia celular / Maria Carolina Vieira da Rocha. - 1. ed. - Curitiba [PR] : Iesde, 2021. 118 p. : il. Inclui bibliografia ISBN 978-85-387-6638-4 1. Citologia. 2. Biologia molecular. I. Título. CDD: 571.6 21-74827 CDD: 57.6 CDU: 576 Maria Carolina Vieira da Rocha Doutora e mestre em Engenharia de Recursos Hídricos e Ambiental pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Especialista em Perícia Criminal pela Faculdade de Ciências Gerenciais da Bahia. Graduada em Engenharia de Bioprocessos e Biotecnologia pela UFPR e em Ciências Biológicas pela Universidade Positivo (UP). Professora adjunta e coordenadora dos cursos de Engenharia Ambiental e Engenharia de Produção. Professora colaboradora do Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Recursos Hídricos e Ambiental na Universidade Federal do Paraná (PPGERHA/UFPR). Atua nas áreas de microbiologia e parasitologia ambiental, biologia molecular aplicada ao saneamento, genética de microrganismos, genética forense, tecnologias ambientais, sistemas de tratamento de efluentes, lodos e resíduos sólidos, toxicologia ambiental e biossegurança. Agora é possível acessar os vídeos do livro por meio de QR codes (códigos de barras) presentes no início de cada seção de capítulo. Acesse os vídeos automaticamente, direcionando a câmera fotográ�ca de seu smartphone ou tablet para o QR code. Em alguns dispositivos é necessário ter instalado um leitor de QR code, que pode ser adquirido gratuitamente em lojas de aplicativos. Vídeos em QR code! SUMÁRIO 1 Origem e evolução celular 9 1.1 Origem celular 9 1.2 Tipos celulares 16 1.3 Evolução e especializações celulares 23 2 Tecnologias de análise celular 28 2.1 Tecnologias de pesquisa celular 28 2.2 Microscopia 33 2.3 Identificação de marcadores celulares por imunocitoquímica 44 3 Macromoléculas celulares 49 3.1 Macromoléculas celulares – lipídios e carboidratos 49 3.2 Proteínas 60 3.3 Ácidos nucleicos 64 4 Metabolismo e divisão celular 69 4.1 Geração de energia 69 4.2 Mitocôndrias e cloroplastos 82 4.3 Divisão celular 89 5 Movimentação e comunicação celulares 96 5.1 Movimentação celular 97 5.2 Cílios e flagelos 104 5.3 Comunicação celular química 107 Resolução das atividades 114 Agora é possível acessar os vídeos do livro por meio de QR codes (códigos de barras) presentes no início de cada seção de capítulo. Acesse os vídeos automaticamente, direcionando a câmera fotográ�ca de seu smartphone ou tablet para o QR code. Em alguns dispositivos é necessário ter instalado um leitor de QR code, que pode ser adquirido gratuitamente em lojas de aplicativos. Vídeos em QR code! As primeiras formas de vida surgiram há cerca de 3,8 bilhões de anos e, desde então, elas têm evoluído incessantemente. Cada célula, desde um simples microrganismo até o complexo neurônio humano, apresenta uma infinidade de processos metabólicos, coordenados de maneira primorosa pelo maquinário celular. Na célula também se encerra uma vastidão de informações e processos que ainda não temos conhecimento. É aí que entra a Biologia Celular, ciência que estuda detalhadamente cada sistema e compartimento das células, procurando desvendar os segredos e responder às dúvidas que ainda existem nessas pequenas – e maravilhosas – unidades básicas da vida. Por conta disso, esta obra tem como objetivo apresentar os principais aspectos relacionados às células procariontes e eucariontes, abordando sua morfologia, estrutura, metabolismo, divisão, locomoção e comunicação. Iniciamos, no Capítulo 1, discutindo sobre o princípio da vida no planeta, as hipóteses do surgimento das primeiras células e o desenvolvimento dos organismos pluricelulares. Também nos debruçamos sobre as características das células procariontes e eucariontes – classificação celular mais utilizada em termos de estrutura e configuração celular. No Capítulo 2, abordamos as principais técnicas utilizadas para a investigação analítica das células: citometria de fluxo, microscopia óptica e eletrônica e imunocitoquímica. No Capítulo 3, discutimos sobre as principais macromoléculas de importância celular – lipídios, polissacarídeos, proteínas e ácidos nucleicos – abordando sua composição, sua estrutura e suas funções. Por sua vez, no Capítulo 4, trazemos um panorama sobre o metabolismo celular, apresentando quatro vias de geração de energia: a glicólise, a fermentação, o ciclo do ácido cítrico e a fosforilação oxidativa. Ainda nesse capítulo, abordamos a divisão celular, mitótica e meiótica, discutindo suas diferenças e mecanismos que garantem a propagação das células e a sua variabilidade genética. APRESENTAÇÃOVídeo 8 Biologia Celular Por fim, no Capítulo 5, abordamos a composição, organização e funções do citoesqueleto, sistema que assegura a estrutura e formato celular, além de promover o transporte de organelas e moléculas no interior das células. Nesse capítulo, também nos debruçamos sobre as estruturas de locomoção celular – cílios e flagelos – e os mecanismos de sinalização e comunicação entre células. Portanto, esperamos que essa obra possa contribuir com o desenvolvimento do conhecimento na área, despertando o interesse de estudantes e pesquisadores no estudo das células e de seus mecanismos de manutenção e sobrevivência. Apenas com a educação e a pesquisa poderemos garantir um futuro mais promissor e com mais qualidade de vida a essa e às futuras gerações. Origem e evolução celular 9 1 Origem e evolução celular Você sabe o que é um ser vivo? Essa pergunta parece inusitada, con- siderando que estamos cercados de vida, em suas mais diversas formas. Entretanto, por mais óbvio que possa parecer, essa definição é na verda- de bastante subjetiva. Isso porque os organismos vivos, e seus fantásticos processos bioquímicos, encontram-se em constante evolução, e precisa- mos acompanhar essas mudanças para definirmos o que chamamos de vida. Para contornar essa aparente subjetividade, os cientistas não defen- dem a existência de um conceito definitivo para o termo, e sim a presença de certos atributos capazes de caracterizar um ser vivo, como a capacida- de de reprodução, a transmissão de informações genéticas aos descen- dentes, a presença de metabolismo e a habilidade de evoluir diante de estímulos do ambiente. Entretanto, apesar de essenciais aos organismos de hoje, esses atri- butos nem sempre estiveram presentes, e as primeiras células evoluíram gradativamente até chegarem à complexa configuração que conhecemos atualmente. E como teria sido essa primeira forma de vida? Essa é uma questão que levanta diversas teorias e que permanece ainda uma incógnita no meio científico. Neste capítulo, veremos algumas das teorias sobre a origem da vida, debatendo os prováveis caminhos evolutivos seguidos pelos nossos ances- trais mais primitivos. Também nos debruçaremos sobre os tipos celulares – procariotos e eucariotos – e suas características. Por fim, abordaremos as especializações celulares, mecanismos evolutivos que contribuíram para a disseminação da vida em todos os compartimentos do planeta. 1.1 Origem celular Vídeo Estima-se que as primeiras formas de vidatenham surgido há 3,8 bilhões de anos. Considerando que a Terra tem cerca de 4,5 bilhões de anos, foram necessários aproximadamente 700 milhões de anos para que ela oferecesse as condições adequadas para o surgimento da pri- meira célula (COOPER, 2019). 10 Biologia Celular Figura 1 Linha do tempo da evolução da vida na Terra ar te m _m or te m /S hu tte rs to ck Sol inflama Big Bang Terra Procariotos (células sem núcleo) Eucariotos (células com núcleo) Oxigênio atmosférico Bactéria Protozoários Esponjas e fungos Corais Peixes Águas-vivas Miríapodes Crustáceos Aracnídeos Equinodermos Vermes Moluscos Artrópodes Tetrápodes Insetos Anfíbios Répteis Dinossauros Aves Mamíferos Flores e Abelhas Primatas AustrolopithecusAustrolopithecus Homo sapiens sapiens Bilhões de Bilhões de anos atrásanos atrás Milhões de Milhões de anos atrásanos atrás Milhares de Milhares de anos atrásanos atrás As primeiras teorias sobre a origem da vida foram propagadas na dé- cada de 1920 independentemente por dois pesquisadores: Aleksandr Ivanovich Oparin (1894-1980) e John B. S. Haldane (1892-1964). A ideia central nessas teorias era a de que as moléculas orgânicas foram for- madas na Terra primitiva por meio de reações químicas entre molécu- las inorgânicas, em um ambiente de condições extremas e favoráveis a essa síntese. A hipótese de Oparin e Haldane, como ficou conhecida essa teoria, teve grande respaldo científico e sua viabilidade foi testada em 1952, em um experimento realizado por Stanley Miller (1930-2007) e Harold Urey (1893-1981) na Universidade de Chicago. O experimento de Miller e Urey consistia em reproduzir em labora- tório as condições atmosféricas primitivas e verificar a possibilidade de geração de moléculas orgânicas por meio da combinação de alguns fato- res. Assim, os pesquisadores utilizaram uma mistura de gases – metano Compreender a origem celular e suas teorias. Objetivo de aprendizagem Origem e evolução celular 11 (CH4), amônia (NH3) e hidrogênio (H2) – selada em um recipiente de vidro estéril de 5 litros. Esse recipiente se encontrava conectado a outro, de 500 ml, que continha água, a qual era aquecida e, consequentemente, evaporava, e o vapor d’água era conduzido ao interior do frasco maior. O vapor d’água e a mistura de gases eram então bombardeados com faíscas elétricas geradas entre dois eletrodos, de modo a simular a presença de raios, comuns na atmosfera primitiva. Na sequência, o meio era resfriado novamente, e a água condensada era recolhida no fundo em U do aparato. A Figura 2 apresenta o desenho esquemático dos aparatos utilizados no experimento. Figura 2 Representação esquemática do experimento de Miller e Urey Ca rn y/ W ik im ed ia C om m on s Eletrodos Resfriamento Fonte de calor Faísca H2O, CH4, NH3, H2 CH4, NH3 H2O Entrada de gás D ire çã o de c irc ul aç ão No experimento de Miller e Urey, a mistura de gases com vapor d’água simulava a atmosfera primitiva, e a fonte de água representava os oceanos, que, conforme o aquecimento gradual do planeta, come- çaram a contribuir cada vez mais com o vapor d’água na atmosfera. Ao analisarem o conteúdo condensado no fundo do aparato, os pesquisa- dores descobriram pelo menos cinco aminoácidos: glicina, α-alanina, β-alanina, ácido aspártico e ácido α-aminobutírico. A descoberta confir- mou a viabilidade da hipótese de Oparin e Haldane de que as condições da atmosfera primitiva poderiam conduzir à formação de moléculas orgânicas no planeta (MILLER, 1953). 12 Biologia Celular Em 2007, após a morte de Stanley Miller, cientistas investigaram o conteúdo ainda selado de amostras preservadas do experimento ori- ginal e concluíram que mais de 20 aminoácidos podiam ser detectados em diferentes concentrações, o que corroborou a validade do experi- mento e, consequentemente, a hipótese de Oparin e Haldane. Atual- mente, estudos demonstram que as condições da atmosfera primitiva eram muito provavelmente distintas daquelas definidas por Miller e Urey. Entretanto, experimentos prebióticos 1 similares continuam pro- duzindo compostos orgânicos e têm mantido a veracidade da desco- berta dos pesquisadores (BADA, 2013). Apesar de válida, não podemos afirmar que a hipótese de Oparin e Haldane realmente explica o que aconteceu na Terra há mais de 3,5 bilhões de anos. Assim, outras hipóteses sobre o surgimento de molé- culas orgânicas no planeta foram desenvolvidas, com destaque para a teoria da panspermia. Nessa teoria, acredita-se que corpos celestes, como meteoros e meteoritos, possam ter caído na Terra carregando compostos orgânicos oriundos de outros lugares do Universo. A teoria da panspermia tem ganhado força e muitos adeptos, principalmente após descobertas astrofísicas que indicam a presen- ça de compostos essenciais à vida em outros planetas, como a água. Considerando que a Terra é um sistema fisicamente aberto, é bas- tante plausível a perspectiva de termos recebido muitos compostos extraplanetários durante os bilhões de anos de evolução do planeta (LIMA, 2010). Tendo sido formados pelas condições redutoras da atmosfera pri- mitiva ou trazidos de outros locais no Universo, fato é que os com- postos orgânicos foram essenciais para o surgimento da vida e para a formação das primeiras células. Acredita-se que, após a produção de uma “sopa primordial”, rica em compostos orgânicos, no planeta, estes passaram a reagir entre si, dando origem a longas cadeias orgâ- nicas – os polímeros. Para que essas reações ocorressem, duas hipóte- ses principais foram apresentadas: a polimerização por aquecimento de compostos orgânicos desidratados, e o uso de minerais – como os polifosfatos – para catalisar as reações. O surgimento de longas cadeias orgânicas poliméricas – como aque- las formadas por aminoácidos ou nucleotídeos – deve ter sido o início do que se entende como vida, quando essas cadeias passaram a rea- Refere-se à fase prebiótica na Terra primitiva, antes do surgimento das primei- ras células. 1 No filme A Árvore da Vida, as origens da vida na Terra e o seu significado são apresentados com os dilemas de uma família norte-americana na dé- cada de 1950. Com uma fotografia surpreendente, o filme discute as relações e a existência humanas, dentro da imensidão do surgimento do Universo. Direção: Terrence Malick. Estados Unidos: Cottonwood Pictures; Plan B Entertainment; River Road Entertainment, 2011. Filme Origem e evolução celular 13 lizar a autorreplicação, propagando-se no meio. Mas qual teria sido a molécula precursora, responsável por levar a efeito a replicação, man- tendo-se presente e em grande quantidade no ambiente? Muitos es- tudiosos acreditam que seja a molécula de ácido ribonucleico ou RNA. De acordo com a hipótese conhecida como mundo de RNA, essa molécula teria sido a precursora das primeiras formas de vida, devido a algumas de suas características. • Assim como o DNA, o RNA é uma molécula informacional, que carrega dados em potencial em sua sequência de nucleotídeos. • O RNA pode servir de molde para sua própria replicação, devido à sua con- formação em fita simples e ao pareamento de bases em seus nucleotídeos. • O RNA pode atuar como agente catalisa- dor de reações químicas. Hoje em dia, é sabido que as ribozimas – moléculas de RNA com capacidade catalítica similar às enzimas – são funda- mentais no processamento de diversas moléculas, inclusive do próprio RNA. A hipótese do mundo de RNA foi apresentada inicialmente em 1962, por Alexander Rich (1924-2015), sendo que Walter Gilbert (1932-) cunhou o termo em 1986. no be as ts ofi er ce /S hu tte rs to ck Molécula de RNA. Pela sua capacidade de autorreplicação e potencial de catalisar rea- ções químicas, o RNA tem sido bastante aceito como molécula central da organização celular primitiva. O fato de essa molécula ser bastante instá- vel pode ter sido contornado pela metilação 2 de suas cadeias, aumentan- do assimseu tempo de permanência no meio. Acredita-se que o passo seguinte foi sua associação com proteínas, dando origem a cadeias mais complexas, de riboproteínas. Ao longo da evolução do planeta, esse papel teria passado para o DNA, molécula mais complexa e estável. Apesar de a hipótese do RNA – ou mundo de RNA – ser bastante re- conhecida, colocando essa molécula como o primeiro sistema genético do planeta, há pesquisadores que acreditam que a replicação tenha sido levada a efeito não só pelo RNA, mas por um grupo de moléculas conectadas por reações químicas, em uma hipótese conhecida como mundo metabólico. Ligação de um grupamen- to metila na extremidade da molécula de RNA. 2 14 Biologia Celular De acordo com os defensores dessa hipótese, as interações mole- culares beneficiaram a evolução das moléculas, que em um processo sinérgico promoveram a replicação e as reações químicas necessárias à polimerização e à formação de longas cadeias orgânicas. Os pesqui- sadores do mundo metabólico defendem que o RNA deve ter sido uma das moléculas desse consórcio e que deve ter passado a controlá-lo posteriormente na evolução. Uma vez formadas as macromoléculas com capacidade de autor- replicação, o passo seguinte na evolução celular seria a sua comparti- mentalização. Isso porque não seria benéfica a sua permanência livre no meio, onde as suas reações bioquímicas poderiam ser aproveitadas por outras moléculas. Assim, a presença de fosfolipídios na sopa orgâ- nica primitiva foi fundamental para o encapsulamento dessas macro- moléculas, como o RNA, fornecendo vantagem evolutiva frente àquelas que permaneceram livres no ambiente. Fosfolipídios são moléculas anfipáticas, ou seja, apresentam uma por- ção solúvel em água (hidrofílica), denominada de cabeça fosfato, e uma porção insolúvel (hidrofóbica), definida como cauda de hidrocarbonetos. Essas moléculas apresentam a capacidade de se agregar, quando em solução aquosa, formando uma bicamada lipídica. Nesse caso, a cabe- ça fosfato permanece em contato com o meio aquoso, ao passo que as cadeias de hidrocarbonetos se mantêm internas à membrana (Figura 3). Figura 3 Membrana bilipídica formada por fosfolipídios So le il No rd ic /S hu tte rs to ck Em azul se encontra a porção hidrofílica (cabeça fosfato), e em amarelo a porção hidrofóbica (cauda de hidrocarbonetos). Origem e evolução celular 15 O encapsulamento do RNA e outras macromoléculas por uma bica- mada lipídica pode ter sido a primeira estrutura similar a uma célula na história evolutiva do planeta. As vantagens desse sistema fechado em um ambiente hostil e em constante pressão seletiva são inúmeras. A membrana rudimentar foi uma proteção fundamental contra as ad- versidades do meio externo, além de proporcionar o confinamento das atividades bioquímicas, beneficiando essas estruturas em uma prová- vel evolução darwiniana 3 . O passo seguinte na evolução celular foi o desenvolvimento do metabo- lismo energético, que acompanhou as mudanças das condições de vida no planeta (Figura 4). Em uma atmosfera ainda primitiva, a ausência de oxigê- nio promoveu as reações metabólicas que faziam uso de outros aceptores de elétrons, como hidrogênio e enxofre. A glicólise – quebra anaeróbia da glicose com produção de ácido láctico – foi uma das primeiras vias metabó- licas utilizadas pelas células primitivas para produção de energia. Go vin dj ee , D m itr iy Sh ev el a/ W ik im ed ia C om m on s O 2 a tm os fé ric o Bilhões de anos atrás 10 4.5 3.7 3.2 2.4 2.2 1.6 1.2 1.0 0.5 0.4 0.2 0.0 20 30 0 Fo to ss ín te se a no xi gê ni ca in ic ia Fo rm aç ão d a Te rr a Pr im ei ra s fo rm as de v id a (p ro ca rio to s m ai s si m pl es ) Pr im ei ra s ci an ob ac té ria s pr od ut or as d e O 2 Eu ca rio to s ae ró bi co s En do ss im bi os e de pl as tíd eo s Al ga s Ex pl os ão d o Ca m br ia no Pl an ta s te rr es tr es M am ífe ro s pl ac en tá rio s Fo to ss ín te se o xi gê ni ca in ic ia Figura 4 Relação entre a concentração de oxigênio na atmosfera e o tempo de formação do planeta (em bilhões de anos atrás) Teoria preconizada pelo naturalista e biólogo britânico Charles Darwin (1809-1882), segundo a qual apenas as espécies mais adaptadas ao meio sobrevivem, por meio de um mecanismo de seleção natural. 3 16 Biologia Celular Com as mudanças no meio, formas primitivas de vida também pas- saram a utilizar a energia do sol para direcionar a síntese de glicose por meio de gás carbônico (CO2) e água (H2O). Essa primeira forma de fotossíntese, ainda anoxigênica 4 , promoveu o aumento das concentra- ções de oxigênio na atmosfera, permitindo o desenvolvimento de orga- nismos um pouco mais complexos e capazes de utilizar o metabolismo oxidativo para a produção de energia. As mudanças promovidas no planeta pelos organismos fotossinte- tizantes, principalmente as cianobactérias, estimularam o desenvolvi- mento de células cada vez mais desenvolvidas, dando origem – bilhões de anos após o início dessa jornada evolutiva – às células procariontes e eucariontes que conhecemos atualmente. 1.2 Tipos celulares Vídeo Das primeiras células primitivas às complexas configurações de organismos que encontramos hoje, passaram-se bilhões de anos. E, dentro desse imenso processo evolutivo, duas formas principais de organização celular se destacaram, sendo responsáveis pela configura- ção estrutural de todos os organismos no planeta: as células procarion- tes e as células eucariontes. 1.2.1 Células procariontes As células procariontes apresentam a configuração celular mais simples. Seu nome vem da junção dos termos pro, que significa antes, e cario, que significa núcleo. Desse modo, essas células se caracterizam pela ausência de núcleo verdadeiro em seu interior. De fato, células procariontes não apresentam nenhum sistema interno de membranas, diferentemente das células eucariontes, como veremos na Seção 1.2.2. Seus representantes são os microrganismos – unicelulares – perten- centes aos domínios (grupos biológicos) Bacteria e Archaea. Os principais componentes de uma célula procarionte são quatro – também presentes em células eucariontes: a membrana plasmá- tica, que age como uma barreira seletiva para a entrada e saída de íons e moléculas; o citoplasma, formado por uma solução gelatinosa que preenche todo o interior celular e onde as demais organelas se encontram suspensas; o DNA, material genético da célula; e os Na ausência de oxigênio livre (O2). 4 Diferenciar células proca- riontes de eucariontes. Objetivo de aprendizagem Origem e evolução celular 17 ribossomos, que permanecem livres no citoplasma e são responsá- veis pela síntese proteica. Além desses componentes, algumas células procariontes apresen- tam outras estruturas, como a parede celular e a cápsula. A parede celular é composta de carboidratos e proteínas, tendo como função a proteção mecânica e a prevenção da desidratação celular. A parede celular também pode atuar como estrutura de adesão pela presença abundante de polímeros, como os peptidoglicanos, que auxiliam na formação e coesão de biofilmes bacterianos. A cápsula também funciona como estrutura de proteção e ocorre exclusivamente em bactérias. São estruturas altamente hidratadas que previnem a dessecação das bactérias e também as auxiliam na adesão e formação de biofilmes. Presentes em bactérias patogêni- cas, a cápsula desempenha um papel importante na virulência do or- ganismo, pois o auxilia a se evadir do sistema imune do hospedeiro (CUMMINGS; ESKO, 2009). Outros componentes que podem estar presentes nas células pro- cariontes são estruturas especializadas que as auxiliam na locomoção, adesão e comunicação celular. Entre estas, destacam-se os flagelos, apêndices longos na forma de um chicote que permitem a movimen- tação voluntária da célula; as fímbrias, estruturas mais curtas e nume- rosasque os flagelos e cuja função principal é promover a aderência celular; e os pili, estruturas bastante similares às fímbrias, cujas fun- ções são de adesão e de comunicação entre microrganismos, particu- larmente no processo de troca de material genético, conhecido como conjugação. A Figura 5 representa esquematicamente uma célula pro- carionte e seus principais componentes. Ol ga B ol bo t/ Sh ut te rs to ck Cápsula Pili Parede celular Membrana plasmática Plasmídeo (DNA) Nucleóide (DNA)Ribossomos Citoplasma Flagelo Figura 5 Representação es- quemática em corte da estrutura de uma célula procarionte 18 Biologia Celular Por não haver núcleo, o material genético (DNA) das células pro- cariontes fica concentrado em uma região do citoplasma conhecida como nucleóide. Seu DNA constitui, em geral, um cromossomo único; entretanto, pequenas estruturas de DNA circulares conhecidas como plasmídeos se encontram comumente espalhadas pelo citoplasma, conferindo algumas características de resistência bastante úteis à so- brevivência dessas células. Os microrganismos procariontes se reproduzem de maneira asse- xuada por fissão binária. Nesse processo, o material genético é dupli- cado, e a parede celular sofre uma invaginação 5 , dividindo a célula em outras duas idênticas. Outro modo de reprodução que ocorre entre esses microrganismos é via conjugação, uma forma de recombinação gênica em que um organismo transfere material genético para outro, utilizando apêndices sexuais, os pili. A recombinação gênica pode ocorrer em microrganismos procariontes por três mecanismos distintos: • Conjugação: é a transferência de material genético – plasmídeos – entre dois microrganismos, sendo um deles o doador, e o outro o receptor. • Transformação: ocorre quando um microrganismo incorpora em sua cé- lula o DNA presente livre no meio. • Transdução: transferência de material genético para o interior da célula microbiana com o auxílio de um vírus (bacteriófago). Em relação à conformação celular, organismos procariontes apre- sentam as mais diversas maneiras: esféricos, bacilares, espirais, entre outros. Seu tamanho varia de 0,1 µm 6 a 5 µm, com raras exceções que ultrapassam essas dimensões. Para as células procariontes é extrema- mente vantajoso se manterem pequenas; células grandes apresentam uma pequena relação entre área superficial e volume, o que torna a troca de nutrientes pela membrana plasmática insuficiente para man- ter todo o volume celular funcional. 1.2.2 Células eucariontes Células eucariontes são estruturas mais complexas do que as pro- cariontes. Isso se deve em grande parte à presença de organelas mem- branosas em seu interior (Figura 6). Essas organelas funcionam como Dobramento da membrana plasmática com a formação de sulcos na superfície celular. 5 Micrômetro. 6 Origem e evolução celular 19 pequenos compartimentos com funções bem definidas e reações bio- químicas específicas. Como exemplo, células eucariontes possuem pe- quenas vesículas denominadas de lisossomos, cujo interior é formado por uma solução com pH ácido, que auxilia na digestão dos alimentos absorvidos pela célula. Caso o conteúdo dessa organela estivesse livre na célula, poderia causar danos às demais estruturas celulares. Célula eucarionte Célula procarionte Núcleo Ribossomos Ribossomos Complexo de Golgi Retículo endoplasmático Membrana plasmática Membrana plasmática Mitocôndria Citoplasma Citoplasma Lisossomo Parede celular DNA Cápsula Figura 6 Representação esquemática das diferenças estruturais entre as células eucarionte e procarionte Al do na G ris ke vic ie ne /S hu tte rs to ck O interior da célula eucarionte é constituído por uma solução gela- tinosa, rica em íons e pequenas moléculas, o citosol, onde as organelas encontram-se imersas. Entre as organelas existentes, três se destacam por contribuir com o aumento da sua complexidade e capacidade evo- lutiva: o núcleo (envelope nuclear), as mitocôndrias e o cloroplasto, este último em células vegetais. O núcleo é separado do restante do conteúdo celular por um envelo- pe nuclear. Essa membrana apresenta diversos poros e canais de comu- nicação, por onde vão ocorrer as trocas com o citoplasma. Sua principal função é abrigar o material genético da célula, o DNA, organizado na forma de cromossomos. Diferentemente das células procariontes, que apresentam um único cromossomo, em geral circular, as células euca- riontes possuem diversos cromossomos lineares. A compartimentali- zação do seu material genético garante uma regulação mais complexa O curta metragem de animação A vida interior da célula ilustra o funcio- namento celular e seus mecanismos moleculares, acompanhando a jornada de um leucócito no interior do corpo humano. A animação em 3D, cujos 8,5 minutos levaram 14 meses de produção, foi realizada pelo departa- mento de Biologia Celular e Molecular da Univer- sidade de Harvard, nos Estados Unidos. Direção: David Bolinsky. Estados Unidos: XVIVO, 2006. Filme 20 Biologia Celular dos processos de transcrição e tradução proteica, considerando-se que o RNA, sintetizado a partir do DNA no interior do núcleo, deve ser trans- ferido para o citoplasma para que a síntese das proteínas ocorra. As mitocôndrias e cloroplastos são organelas que apresentam du- pla membrana fosfolipídica e realizam atividades essenciais à manu- tenção celular. Essas estruturas assemelham-se a células procariontes, apresentando inclusive um pequeno genoma próprio. Essas caracte- rísticas levaram à criação de uma teoria de como essas organelas podem ter surgido na evolução celular dos eucariontes: a hipótese endossimbiótica. A hipótese endossimbiótica afirma que mitocôndrias e cloroplastos eram or- ganismos procariontes independentes que foram fagocitados por uma célula eucarionte em algum momento da evolução celular. Uma vez dentro do seu novo hospedeiro, essas células continuaram funcionais, desenvolvendo assim uma relação simbiótica. As vantagens evolutivas que a presença dessas células pro- porcionou alavancaram o desenvolvimento dos organismos eucariontes, que, por sua vez, passaram a proporcionar um ambiente seguro para esses pequenos pro- cariontes. Dadas as suas funções na célula, acredita-se que mitocôndrias tenham evoluído a partir de procariontes aeróbios, ao passo que cloroplastos originaram- -se de microrganismos fotossintetizantes, similares às atuais cianobactérias. J . M ar in i/S hu tte rs to ck Microrganismo procarionte fotossintetizante Mitocôndrias Retículo endoplasmático rugoso (com ribossomos) Núcleo Nucléolo Cloroplastos A origem dos cloroplastos Mitocôndrias apresentam como principal função a produção de energia na célula, convertendo moléculas energéticas, como a glicose, em adenosina trifosfato (ATP). O ATP garante o suprimento energéti- co necessário ao metabolismo celular; quanto maior a quantidade de ATP produzida, mais eficiente a célula poderá ser em suas atividades. A presença da mitocôndria permitiu um rendimento energético bastante superior às células eucariontes, principalmente pelo uso das membra- nas mitocondriais para os processos do metabolismo oxidativo. Células Origem e evolução celular 21 eucariontes podem ser maiores do que as procariontes justamente em razão do seu metabolismo energético mais eficiente. Cloroplastos são organelas presentes em células vegetais e associa- das à fotossíntese – produção de açúcares energéticos, como a glicose, a partir da luz solar, do gás carbônico e da água. Também produzem oxigênio, o que os torna essenciais para a manutenção da vida como conhecemos. A hipótese endossimbiótica explica como mitocôndrias e cloroplastos podem ter surgido em células eucariontes; entretanto, a própria origem das células eucariontes parece estar associada à junção de duas células procariontes. Nessa hipótese, um microrganismo procarionte incorpo- rou uma outra célula, também procarionte. Mantida no interior,essa célula deve ter se dividido e adicionado o DNA do hospedeiro ao seu próprio, mantendo-os isolados no interior de sua membrana plasmática. Com o tempo, essa relação deve ter se tornado permanente, e esse orga- nismo procarionte incorporado pode ter evoluído para o núcleo existen- te em eucariontes. Ainda, outra teoria, chamada de autógena, apresenta a possibilidade de uma célula procarionte – provavelmente com caracte- rísticas similares às arqueas 7 atuais – ter sofrido invaginações de mem- brana que levaram à produção das organelas em seu interior (Figura 7). NN NM M M /S hu tte rs to ck Ondulação de membrana Núcleo primitivo Eucarionte primitivo Formação do citoesqueleto Célula vegetal Vesícula intracelular Mitocôndria Mitocôndria Simbionte Citoesqueleto Cloroplastro Microtúbulos Fibras de actina Célula animal DNA DNA Arquea Lisossoma Proteobactéria Figura 7 Representação esquemática da teoria autógena de geração das células eucariontes Microrganismos pro- cariontes com caracte- rísticas intermediárias entre bactérias e células eucariontes e alocadas em domínio próprio: Archaea. 7 22 Biologia Celular Ambas as teorias, entretanto, adotam a explicação endossim- biótica para a presença de mitocôndrias e cloroplastos nas células eucariontes. Células eucariontes apresentam algumas características comuns e essenciais à sua classificação, como a presença de organelas membranosas e núcleo compartimentalizado, mas podem apresentar diferenças im- portantes entre si. Basicamente existem três configurações de células eucariontes: • Células Vegetais: apresentam parede celular composta de celulose, responsável por manter a estrutura do vegetal e evitar a dessecação. Também possuem cloroplastos, organelas contendo clorofila e responsáveis pela fotossíntese e um grande vacúolo central, que auxilia na manutenção da turgescência 8 celular. • Células Animais: não apresentam parede celular, o que possibilita sua apresentação em uma varieda- de de tamanhos e conformações. A maior mobilidade da membrana plasmática auxilia as células nos processos de fagocitose (ingestão de partículas sólidas) e pinocitose (ingestão de soluções). Possuem centríolos e microtúbulos, estruturas associadas à divisão celular e ao citoesqueleto. LD ar in /S hu tte rs to ck Célula vegetal Célula animal Ribossomos Lisossomos Núcleo Nucléolo Mitocôndrias Retículo endoplasmático rugoso Retículo endoplasmático liso Vacúolo Peroxissomos Complexo de Golg Membrana celular Citoplasma CloroplastosCloroplastos AmiloplastosAmiloplastos Parede celularParede celular MicrotúbulosMicrotúbulos CentríolosCentríolos • Células de Fungos: apresentam parede celular constituída de quitina. Alguns fungos apresentam uma estrutura – o septo – que permite a comunicação entre células adjacentes e a transferência de moléculas e organelas. De si gn ua /S hu tte rs to ck Célula de Fungos VacúoloVacúolo MembranaMembrana SeptoSepto VesículasVesículasGrânulos de Grânulos de lipídioslipídios Grânulos e Grânulos e armazenamentoarmazenamento Parede Parede celularcelular Cicatriz Cicatriz de divisãode divisão Complexo Complexo de Golgide Golgi CitoplasmaCitoplasma NúcleoNúcleoMitocôndriaMitocôndria Retículo Retículo endoplasmáticoendoplasmático Processo de absorção de água e aumento da pres- são interna celular. 8 Origem e evolução celular 23 1.3 Evolução e especializações celulares Vídeo Considerando que o último ancestral comum entre todos os seres vivos (LUCA, do inglês last universal common ancestor, ou último ances- tral comum universal) era formado por uma única célula, em algum momento da evolução do planeta ele deve ter se tornado um organis- mo multicelular com células diferenciadas. A primeira hipótese de multicelularidade foi apresentada pelo bió- logo alemão Ernst Haeckel (1834-1919) em 1874. Observando a simi- laridade entre alguns protistas coanoflagelados e células de esponjas – chamadas de coanócitos (Figura 8) –, o cientista atribuiu a formação do primeiro animal multicelular a uma colônia de coanoflagelados que passaram a trabalhar em conjunto, diferenciando-se posteriormente em células com formatos e atividades distintas. Discutir sobre a evo- lução celular e suas especializações. Objetivo de aprendizagem Figura 8 Representação esquemática de um coanoflagelado (protista) e de uma célula de esponja (animal) – o coanócito Cl ar k M A, C ho i J e D ou gl as M /W ik im ed ia C om m on sCoanoflagelado (protista) Célula de esponja (animal) Esponja A hipótese de Haeckel se manteve predominante por mais de 130 anos. Em 2008, entretanto, alguns pesquisadores questionaram a teoria, por ela pressupor que a diferenciação celular evoluiu apenas após a multicelularidade. Iñaki Ruiz-Trillo, pesquisador do Instituto de Biologia Evolutiva de Barcelona, Espanha, juntamente com seus cola- boradores, questionou o fato de que outros animais podem ser ainda mais ancestrais do que as esponjas, como as águas-vivas-de-pente (filo Ctenophora) (Figura 9), conforme dados encontrados por outros gru- pos de pesquisa (DUNN et al., 2008). 24 Biologia Celular Figura 9 Água-viva-de-pente, da espécie Phylum ctenophore Su nfl ow er M om m a/ Sh ut te rs to ck A equipe de Ruiz-Trillo observou que coanoflagelados e outros dois grupos unicelulares evolutivamente próximos aos protistas apresen- tam ciclo de vida complexo, com diferenciação celular ocorrendo em diferentes etapas da vida. Durante essas etapas, esses organismos pas- sam parte do tempo em uma composição multicelular primitiva com outros de sua espécie, formando agregados como colônias. Desse modo, o primeiro animal poderia ter evoluído a partir de uma colônia de organismos em diferentes fases celulares, colocando a di- ferenciação celular evolutivamente antes da multicelularidade. Essa hipótese já havia sido apresentada em 1949 pelo biólogo russo Alexey Zakhvatkin (1905-1950), entretanto, pela ausência de observações que a corroborassem, ficou esquecida por quase 60 anos. Em 2019, novas descobertas trouxeram ainda mais luz à ancestra- lidade dos primeiros organismos multicelulares. Ao estudar a expres- são gênica 9 em células de esponjas, e compará-la com os produtos de expressão de coanoflagelados, os pesquisadores e biólogos marinhos Sandie Degnan e Bernard Degnan, junto com seus colaboradores, ob- servaram que a célula de esponja que mais se assemelhava aos coa- noflagelados não era o coanócito, como esperado, e sim o arqueócito, uma espécie de célula tronco das esponjas, isto é, com elevada plastici- dade e capacidade de diferenciação (SOGABE et al., 2019). Essas descobertas adicionam novas evidências à busca da primei- ra organização multicelular. Células pluripotentes podem ter sido as precursoras dos organismos superiores, devido à capacidade de se A história da vida, sua origem e suas inúmeras incógnitas são abordadas em A Origem da Vida, de Hernani Maia e Ilda Dias. Nessa obra, os autores discutem perguntas que ainda parecem desafiar as fronteiras do conheci- mento científico atual: há quanto tempo existe vida na Terra? Existem outras formas de vida fora do planeta? E se existem, seríamos capazes de reconhecê-las? MAIA, H.L.S., DIAS, I.V.R. Livraria da Física: São Paulo, 2012 Livro Síntese de proteínas a partir do DNA celular 9 Origem e evolução celular 25 adaptarem e se modificarem de acordo com as necessidades da co- munidade em que se encontravam inseridas. Essas pesquisas não in- validam necessariamente a origem teorizada por Heckel, mas trazem novos conhecimentos que podem auxiliar a elucidar as origens e cami- nhos evolutivos das primeiras células no planeta. Atualmente, as células dos organismos multicelulares são extre- mamente especializadas, com atividades e conformações específicas, de acordo com as atividades que devem realizar. Nos seres humanos, por exemplo, células musculares estriadas esqueléticas são adaptadasao movimento voluntário e apresentam diversos filamentos sobre- postos, além de múltiplos núcleos; já as hemácias, responsáveis pelo transporte sanguíneo do oxigênio, são células achatadas e anucleadas. A Figura 10 apresenta algumas especializações celulares encontradas no corpo humano, derivadas das células-tronco dos três tecidos em- brionários – endoderme, ectoderme e mesoderme 10 . Figura 10 Representação esquemática de especializações das células-tronco embrionárias humanas De si gn ua /S hu tte rs to ck Ec to de rm e Endoderm e Mesoderme Melanócito Alvéolos Hepatócitos Células do pâncreas Hemácias Neurônio Cardiomiócitos Osteócito Células epiteliais Camadas de tecidos formadas durante o desenvolvimento embrio- nário, sendo a ectoderme aquela mais externa; a mesoderme a interme- diária; e a endoderme a camada de tecido mais interna. Cada camada será responsável pela formação de um conjunto de órgãos e tecidos espe- cíficos no embrião. 10 26 Biologia Celular O exato mecanismo que desencadeia a diferenciação nas células ainda não está completamente elucidado; sabe-se, no entanto, que está associado à regulação gênica, com a ativação e desativação da transcri- ção do DNA nas células. Ainda, alguns animais são capazes de realizar a desdiferenciação, com células especializadas revertendo o processo e retornando a células básicas pluripotentes. Esse fenômeno ocorre com invertebrados inferiores – como os anfíbios urodelos 11 – como resposta à algum trauma e subsequente regeneração dos tecidos danificados. CONSIDERAÇÕES FINAIS A vida, em suas mais diversas formas, ainda guarda muitos mistérios. A origem das células e seu processo evolutivo são objetos de diversas hipóteses que, aos poucos, vamos corroborando ou refutando, conforme o conhecimento científico progride. Neste capítulo, estudamos sobre a possível origem da vida e as diversas teorias que tentam explicar a atual constituição das células. Também caracterizamos os dois principais tipos celulares, células eucariontes e procariontes, e abordamos os possíveis mecanismos que levam à diferenciação celular. Os temas estudados são essenciais para conhecer um pouco mais sobre o princípio da vida, re- velando informações essenciais para a progressão do pensamento cien- tífico. As respostas obtidas, entretanto, levantam outras dúvidas. Assim, seguimos em nossa jornada de conhecimento, procurando compreender nossas origens e nossa contínua evolução. ATIVIDADES Atividade 1 O que é a hipótese do mundo de RNA? Atividade 2 Por que células eucariontes podem ser maiores do que células procariontes? Atividade 3 Qual é a hipótese da multicelularidade de Ernst Heckel? Anfíbios caudados. 11 Origem e evolução celular 27 REFERÊNCIAS BADA, J. L. New insights into prebiotic chemistry from Stanley Miller’s spark discharge experiments. Chemical Society Reviews, v. 42, n. 5, p. 2186-2196, 2013. COOPER, G. M. The Cell XE: a molecular approach. Sunderland: Sinauer Associates, 2019. CUMMINGS, V. A.; ESKO, J. D. Essentials of glycobiology. 2. ed. Cold Spring harbor: Cold Spring Harbor Laboratory Press, 2009. DUNN, C. W. et al. Broad phylogenomic sampling improves resolution of the animal tree of life. Nature, v. 452, p. 745-749, 2008. LIMA, I. G. P. Novas perspectivas sobre a hipótese da panspermia. Enciclopedia Biosfera, v. 6, n. 11, p. 1-18, 2010. MILLER, S. L. A production of amino acids under possible primitive Earth conditions. Science, v. 117, p. 528-529, 1953. SOGABE, S. et al. Pluripotency and the origin of animal multicellularity. Nature, v. 570, p. 519-522, 2019. 28 Biologia Celular 2 Tecnologias de análise celular Desde as primeiras pesquisas celulares, sempre foi grande o interes- se científico em descobrir as características de cada célula, assim como detalhes das suas morfologia e atividade. Com a evolução tecnológica, a análise celular tornou-se cada vez mais capacitada para responder às per- guntas pormenorizadas da ciência, e uma imensa gama de equipamentos e procedimentos foram e ainda estão sendo desenvolvidos para ampliar cada vez mais os conhecimentos sobre essa unidade fundamental da vida. Neste capítulo, será acompanhado um pouco do desenvolvimento tecnológico da análise celular, conhecendo os fundamentos das princi- pais técnicas analíticas utilizadas na atualidade, além de suas aplicações e perspectivas futuras. 2.1 Tecnologias de pesquisa celular Vídeo A complexidade das células – de uma célula procarionte bacteriana a um enigmático neurônio humano – sempre foi tema de investigações, desde as primeiras análises celulares. Conhecer as características físi- cas e químicas e os mecanismos de funcionamento de cada estrutura e molécula componente da célula tornou-se o principal objetivo da Bio- logia Celular. Seu foco, contudo, não é de mera curiosidade acadêmica; as informações levantadas pelas análises celulares são essenciais para diagnósticos e aplicações terapêuticas em inúmeras doenças crônicas e infecciosas, assim como para prover uma melhor qualidade de vida aos indivíduos. Nas últimas duas décadas, a evolução da tecnologia celular tem sido impressionante. Atualmente, tem-se disponíveis desde sistemas de imagem de células vivas em tempo real até mecanismos de auto- mação de ensaios específicos, permitindo – com elevada acurácia – a contagem celular e a determinação de sua viabilidade, por exemplo. O uso dessa grande variedade de equipamentos e aplicações deve ser considerado com cautela, e as melhores técnicas serão aquelas ca- pazes de suprir a necessidade de cada pesquisa. O uso de acessórios, Conhecer os funda- mentos das principais tecnologias utilizadas em análise celular. Objetivo de aprendizagem Tecnologias de análise celular 29 como injetores e câmaras de simulação ambiental, também aumenta a aplicabilidade das técnicas, permitindo a investigação de células vivas sob diferentes condições de estresse. Além disso, técnicas multiplex 1 também contribuem para a rapidez e eficiência das análises, possi- bilitando a medida simultânea de múltiplos compostos em amostras bem pequenas. Em ensaios laboratoriais é bastante comum o uso dos termos reprodutibilidade, repetibilidade, acurácia e precisão. Mas afinal, o que significa cada um desses aspectos em uma análise? • Reprodutibilidade: refere-se ao quanto de variação em uma análise pode ser causada por diferentes operadores. É um parâmetro relacionado à re- petição da análise em outros laboratórios, por outros operadores. • Repetibilidade: parâmetro que representa o quanto de variação na me- dida está relacionada ao dispositivo de medição. Nesse caso, a varia- ção ocorre dentro da análise de um mesmo operador em um mesmo equipamento/laboratório. • Acurácia: esse parâmetro indica o quanto um valor está próximo de um valor de referência. Quanto maior a acurácia, mais próximo estará o resul- tado do padrão esperado. • Precisão: indica a proximidade entre os valores obtidos pela repetição do processo de medição. Nesse caso, ao repetir as análises, se os valores obtidos tiverem pouca variação entre eles, a precisão do ensaio é alta. Uma das análises pioneiras na determinação das características ce- lulares foi a citometria de fluxo. A primeira patente desse dispositivo ocorreu em 1953, solicitada pelo pesquisador e engenheiro eletricista Wallace Coulter. As primeiras aplicações, entretanto, foram levadas a efeito pelo pesquisador Mack Fulwyler (1936-2001), que desenvolveu o primeiro seletor de células e é reconhecido como um dos precursores do desenvolvimento da análise celular. 2.1.1 Citometria de fluxo As valiosas contribuições de pesquisadores como Coulter, Fulwyler e demais cientistas envolvidos com a pesquisa celular levaram ao de- senvolvimento do citômetro de fluxo conhecido hoje. Técnicas capazes de ana- lisar, simultaneamente, diversas características ou propriedades da amostra. 1 30 Biologia Celular O termo citometria significamedição de métricas celulares. Isto é, a determinação do tamanho, do formato, da quantidade de células em uma suspensão, entre outras variáveis. O princípio da técnica de cito- metria de fluxo, portanto, é realizar as medidas de células individuais – ou partículas – presentes em uma solução, utilizando, para isso, três sistemas acoplados: fluídico, óptico e eletrônico (Figura 1). Figura 1 Sistema de citometria de fluxo contendo os sistemas fluídico, óptico e eletrônico. Amostra de células Bocal Laser Célula Fluido de invólucro Barra de obscuração Sistema computacional de análise Espelho dicróico Filtro SSC FL-2 FL-1 FL-3 FSC PMT PMT PMT PMT ADC PMT Ki er an o/ W ik im ed ia C om m on s PMT – fotomultiplicador; ADC – conversor de sinal analógico-digital; SSC – dispersão lateral de luz visível; FSC – dispersão frontal de luz visível; FL-1, FL-2, FL-3 – canais de fluorescência. O sistema fluídico é responsável pelo transporte das células/par- tículas do tubo de amostra até a câmara de fluxo (também chamada de ponto de interrogação), onde será realizada a medida. Para que as células possam ser transportadas no interior do sistema, é importante que elas estejam livres em uma suspensão. Assim, para amostras de culturas celulares, sangue periférico ou demais fluidos, basta realizar a centrifugação, a contagem celular (para determinação da concentra- ção) e a suspensão em solução-tampão adequada. Para amostras de tecidos sólidos ou células tumorais, entretanto, é necessário utilizar previamente um método de separação, que pode ser mecânico, como solução-tampão: solu- ção formada por uma mis- tura de ácido e base com seu sal correspondente e capaz de atenuar varia- ções de pH, mantendo-o constante no meio. Glossário Tecnologias de análise celular 31 a moagem – na qual as células são separadas por meio de impacto ou abrasão –, ou enzimático, que utiliza moléculas que catalisam a quebra das conexões celulares. Essa etapa de separação é fundamental para o bom funcionamento da técnica, pois evita a formação de aglomerados que prejudicariam a análise das células individualmente. Ainda na etapa de preparação da amostra, caso deseje analisar ca- racterísticas específicas celulares, como a presença de uma molécula ou um marcador de superfície, é necessário adicionar reagentes fluo- rescentes. Esses reagentes podem ser, por exemplo, anticorpos con- jugados com fluoróforos 2 , que vão reconhecer uma estrutura celular específica; corantes fluorescentes ligantes de DNA; corantes de viabili- dade celular; ou proteínas de expressão fluorescentes. Após seu preparo, a amostra é adicionada no sistema, em que é transportada com o auxílio de uma solução-tampão fisiológica, deno- minada fluido de invólucro. Nessa etapa de transporte também é rea- lizada a focalização da amostra, que visa induzir o alinhamento das células para que elas passem individualmente na frente do laser com- ponente do sistema óptico. A focalização pode ser feita de duas formas: hidrodinâmica ou acús- tica. Na focalização hidrodinâmica, as partículas são organizadas me- diante a alteração de pressão diferencial entre os dois fluidos: aquele da amostra e o fluido de invólucro. Essa diferença de pressão altera a vazão por onde as partículas passam, sendo possível aumentar ou di- minuir o fluxo de células em determinado ponto. Já a focalização acústi- ca utiliza ondas de ultrassom para realizar o alinhamento das partículas e garantir sua passagem individual na frente da câmara de fluxo onde se encontra o laser. O sistema óptico de um citômetro de fluxo é formado por uma fonte de luz (laser), lentes, filtros e um sistema de detecção, que gerará uma fotocorrente elétrica. A luz visível, ao incidir sobre as partículas, sofre- rá um espalhamento – conhecido como dispersão – que será indicativo das características celulares, como tamanho e formato. A dispersão para frente dessa luz visível (FSC, do termo em inglês forward scattering, ou espalhamento para frente) fornece informações sobre o tamanho da cé- lula, enquanto a dispersão lateral ou em 90º (SSC, do termo em inglês side scattering, ou espalhamento lateral) indica a complexidade interna celular, como a presença de grânulos 3 (MCKINNON, 2018). Também, a Fluoróforos ou fluoro- cromos são moléculas que absorvem a luz em um comprimento de onda baixo (com elevada energia) e emitem luz em um comprimento de onda maior (com menor energia). Esse fenôme- no é denominado de fluorescência. 2 Partículas intracelulares, em geral vesículas secre- toras ou de armazena- mento celular. 3 32 Biologia Celular incidência de luz nos comprimentos de onda de absorção dos fluorófo- ros utilizados garante a emissão de fluorescência, fornecendo informa- ções sobre a presença de estruturas ou moléculas específicas na célula. A dispersão da luz causada pela passagem de cada célula é captura- da por detectores, que podem ser fotodiodos ou fotomultiplicadores 4 . Esses dispositivos são capazes de converter a luz recebida em corrente elétrica (fotocorrente) e transmitem esse sinal para o sistema eletrôni- co do citômetro de fluxo. O sistema eletrônico funciona como o cérebro do sistema de ci- tometria de fluxo; a corrente gerada é digitalizada e processada para análise por um conversor de análise analógico-digital. Os sinais digitais recebidos são, então, processados e analisados por softwares especí- ficos, capazes de detalhar as características de cada célula avaliada. A Figura 2 apresenta a análise de uma população de picoplâncton 5 em uma amostra marinha em um citômetro de fluxo. Enquanto os fotodiodos realizam a conversão da luz em eletricidade, os foto- multiplicadores, formados por tubos de fotodiodos à vácuo, podem multiplicar a corrente elétrica produzida em cerca de 100 milhões de vezes. 4 Pequenos organismos planctônicos com dimen- sões entre 0,2 e 2 µm. 5 Figura 2 Gráficos bidimensionais e histogramas de análise em citometria de fluxo Da ni el V au lo t, CN RS , S BR /W ik im ed ia C om m on s Cl or ofi la Cl or ofi la FicoeritrinaSide Scatter Picoeucaryotes PicoeucaryotesPicoeucaryotes Synechococcus SynechococcusSynechococcus ProchlorococcusProchlorococcus ProchlorococcusProchlorococcus Prochlorococcus Synechococcus Picoeucaryotes Clorofila Clorofila Clorofila 10 º 20 48 12 8 64 0 0 0 1 1 110 10 10100 100 1001000 1000 100010000 10000 10000 10 º 10º 10º 10 1 10 1 101 101 10 2 10 2 102 102 10 3 10 3 103 103 10 4 10 4 104 104 Tecnologias de análise celular 33 Na Figura 2, observa-se a emissão de fluorescência devido à presen- ça de clorofila e ficoeritrina, dois pigmentos encontrados em células fotossintetizantes e que emitem fluorescência quando excitados em determinado comprimento de onda. Também foi avaliada, nesse es- tudo, a SSC. O cruzamento de informações referentes à emissão de fluorescência (dos pigmentos fotossintetizantes) e à dispersão da luz permitiu identificar três grupos de picoplâncton distintos na amostra: dois gêneros de cianobactérias – prochlorococcus e synechococcus – e um grupo de picoplâncton eucarioto – Picoeucaryotes . As aplicações da citometria de fluxo são as mais diversas, tendo grande utilidade no estudo de moléculas/marcadores de superfície ce- lular ou intracelular, além do estudo da proliferação e do ciclo celular, tornando-se uma ferramenta essencial em estudos de patologias como o câncer e as imunodeficiências. Ademais, a possibilidade de acoplar sis- temas de separação e coleta de células aos citômetros de fluxo permite a purificação e o estudo detalhado de determinadas espécies celulares. O livro Citometria de fluxo: aplicações no laboratório clínico e de pesquisas apresenta a aplicabilidade desse sistema de análise celular em estudos com células humanas, animais e vegetais. Os autores tra- zem experiências atuais de cientistas renomados de diversas universidades brasileiras, como Unicamp e Unifesp,e perspectivas de uso dessa técnica na oncologia, hematologia, imunologia, entre outras áreas clínicas. SALES, M. M.; VASCONCELOS, D. M. São Paulo: Atheneu, 2013. Livro 2.2 Microscopia Vídeo Um dos principais instrumentos para análise celular, o microscópio, teve um longo histórico de desenvolvimento até chegar à concepção conhecida atualmente. Estima-se que o primeiro instrumento rudi- mentar de amplificação tenha sido utilizado há mais de 4 mil anos na China, consistindo em um tubo de água cujo nível variava de acordo com a magnificação desejada. De acordo com textos antigos, esse dis- positivo seria capaz de amplificar em até 150 vezes o objeto observado, o que é extremamente notável, considerando que as primeiras lentes só seriam inventadas milhares de anos depois. As primeiras descrições de uso de lentes curvas vêm da Grécia Antiga, cerca de 400 a.C., e indicam uma ampla aplicação em cirurgias e cauterização de ferimentos. O filósofo Aristóteles (384 a.C.-322 a.C.) descreveu em seus tratados o funcionamento de um dispositivo que serviria para amplificar objetos pequenos com o uso de lentes. De fato, o nome microscópio vem do grego uikpos, que significa pequeno, e okottew, que significa visão. As tentativas de se desenvolver um dispositivo de ampliação mais ela- borado, entretanto, só começaram a ganhar força no final do século XIII, Compreender o funcio- namento e as aplicações da microscopia óptica e eletrônica. Objetivo de aprendizagem magnificação: ampliação; aumento do tamanho. Glossário 34 Biologia Celular na Itália, com a criação dos óculos pelos inventores Salvano D’Aramento degli Amati e Alessandro della Spina, que desenvolveram suas pesqui- sas de maneira independente, sem que tivessem conhecimento daquilo que o outro estava produzindo (MIKOS, 2014). Já no século XVI, estudos sobre o telescópio foram desenvolvidos na Inglaterra pelo matemático e astrônomo Thomas Digges (1546-1595) e, na Holanda, pelo fabricante de lentes Hans Lippershey (1572-1602). Uma vantagem considerável, nessa época, foi a invenção da pren- sa de impressão, o que possibilitava uma ampla divulgação das desco- bertas dos pesquisadores. Foi dessa forma que o astrônomo e físico italiano, Galileu Galilei (1564-1642), entrou em contato com esses es- tudos e desenvolveu o primeiro telescópio com dispositivo focalizador. Outro cientista que, motivado pelas descobertas no campo da óptica, decidiu desenvolver suas próprias pesquisas na área foi Isaac Newton (1643-1727), ele criou o telescópio reflexivo, substituindo as lentes por espelhos para a captação de luz (Figura 3). Figura 3 Telescópio newtoniano An dr ew D un n/ W ik im ed ia C om m on s Réplica do telescópio reflexivo criado por Isaac Newton. Tecnologias de análise celular 35 Com a evolução do pensamento científico e as novas descobertas na física e na óptica experimental, tornou-se questão de tempo para que os dispositivos destinados à ampliação de objetos passassem a ser mais elaborados. De fato, Zaccharias Janssen (1580-1638), fabricante de lentes holandês, inventou o primeiro microscópio composto ao aco- plar várias lentes em um tubo, aumentando a capacidade de magnifi- cação (Figura 4). Figura 4 Microscópio composto Al an H aw k, M us eu N ac io na l d e Sa úd e e M ed ic in a, In st itu to d e Pa to lo gi a da s Fo rç as Ar m ad as , D ep ar ta m en to d e De fe sa , G ov er no d os E UA /W ik im ed ia C om m on s Réplica do microscópio composto desenvolvido por Zaccharias Janssen. Em meados do século XVII, o inventor e pesquisador inglês, Robert Hooke (1635-1703), famoso por suas pesquisas em diversos campos como astronomia, química, física e biologia, passou a desenvolver pes- quisas em microscopia. Em 1665, seus estudos resultaram na obra Micrographia (Figura 5), contendo 57 observações realizadas com um microscópio desenvolvido pelo próprio pesquisador. A obra impressio- na pelos desenhos detalhados, abordando desde animais e plantas até materiais inertes, como a cortiça. Foi justamente observando esse ma- terial que Hooke cunhou o termo célula ao se referir aos espaços vazios existentes na cortiça, que lembravam as celas de monges. 36 Biologia Celular Figura 5 Obra Micrographia de Robert Hooke (1665) Bi bl io te ca N ac io na l d o Pa ís d e Ga le s/ W ik im ed ia C om m on s À esquerda, capa da obra de Robert Hooke. À direita, desenho de uma pulga observada pelo autor em seu microscópio e documentada na obra. Contemporâneo a Hooke, Antonie Van Leeuwenhoek (1632-1723), comerciante de tecidos holandês e cientista, fez um trabalho experi- mental com lentes, utilizando-as para visualizar os tecidos com que tra- balhava. Seus experimentos resultaram em um microscópio simples, com uma lente convexa presa a um suporte de metal e com capaci- dade de magnificação de 500 vezes. A amostra era vista por meio de uma abertura do outro lado do microscópio, e o foco era obtido com o auxílio de um parafuso. Com esse dispositivo, Leeuwenhoek conse- guiu observar vários materiais de origens diversas, sendo um dos mais notórios uma amostra de água de lago, em que o pesquisador obser- vou organismos muito pequenos se locomovendo. Esses organismos, nomeados na época como animálculos, eram, na verdade, bactérias, e, por essas descobertas, Antonie Van Leeuwenhoek é considerado o fundador da microbiologia experimental. Dispositivos e técnicas microscópicas continuaram a evoluir nos anos seguintes e aproximadamente em 1730 Chester Hall (1703-1771) inventou as primeiras lentes acromáticas, isto é, capazes de limitar as aberrações cromáticas 6 . Para isso, o cientista utilizou uma segunda lente de diferente formato e com propriedades refratárias, realinhando as cores com mínimo impacto na magnificação da primeira lente. Fenômeno de distorção das cores que resulta em uma imagem borrada devido à focalização dis- tinta da luz em diferentes comprimentos de onda. 6 Tecnologias de análise celular 37 Já em 1830, Joseph Jackson Lister (1786-1869) resolveu o proble- ma da aberração esférica 7 , posicionando lentes a distâncias preci- sas umas das outras. Seus estudos trouxeram mais rigor científico ao desenvolvimento do microscópio, e o pesquisador foi o primeiro a descrever a forma das hemácias no sangue de mamíferos. Também fazendo uso do método científico, o inventor alemão, Carl Zeiss (1816-1888), juntamente com o físico também alemão Ernst Karl Abbe (1840-1905), desenvolveu e comercializou lentes e objetivas cujo design era totalmente fundamentado na física ópti- ca, e não mais em tentativas e erros da óptica experimental. Além disso, Abbe criou um condensador responsável por controlar o foco e a incidência de luz sobre a amostra, enquanto August Köller (1866-1948), também pesquisador membro da equipe de Zeiss, de- senvolveu um método de iluminação para otimizar a fotomicrogra- fia. A partir daí houve um notável e crescente desenvolvimento das técnicas microscópicas, agora fundamentadas em leis e cálculos físicos e matemáticos. Como resultado, foi possível a comercializa- ção dos primeiros microscópios, além do desenvolvimento de téc- nicas inovadoras, por exemplo, o microscópio de contraste de fase e a microscopia eletrônica. 2.2.1 Microscopia óptica Os primeiros microscópios tiveram como princípio o uso da luz visível como fonte de iluminação das amostras. Essa técnica foi aperfeiçoada ao longo dos anos e ainda hoje é essencial nas pes- quisas celulares. A microscopia óptica, como é conhecida a técnica, utiliza a fonte de iluminação e um sistema de lentes – as quais podem variar em número e configuração – para produzir uma imagem amplificada da amostra de interesse. De modo geral, existem duas configura- ções básicas de microscópio óptico: simples e composto. O microscópio óptico simples faz uso de uma única lente ou um conjunto de lentes para magnificação. Seu funcionamento é similaraos dispositivos simples de ampliação, como as lupas e as oculares de telescópios. A Figura 6 apresenta uma representação esquemá- tica do funcionamento de um microscópio de configuração simples. Diferença de refração entre os raios inciden- tes na borda da lente e aqueles que incidem no eixo óptico, gerando uma imagem circular. 7 Figura 6 Princípio de funcionamento do microscópio simples Br yn M aw r/ W ik im ed ia C om m on s Lentes Objeto Imagem 38 Biologia Celular O microscópio composto, por sua vez, utiliza mais de um sistema de lentes e tem a capacidade de gerar uma maior ampliação da amos- tra. Uma lente, ou um conjunto de lentes, denominada objetiva, encon- tra-se próxima do objeto e é responsável por coletar a luz transmitida produzindo uma imagem real 8 dentro do microscópio. Um segundo grupo de lentes – oculares – fornece ao observador uma imagem vir- tual aumentada do objeto. A combinação de lentes objetivas e oculares propicia uma magnificação superior àquela produzida em um micros- cópio de configuração simples. A Figura 7 apresenta um esquema do princípio de funcionamento do microscópio composto. Para formar a imagem que o observador enxerga em um mi- croscópio composto, a luz da lâmpada passa pelo condensador e através do objeto (espécime), que deve ser um meio absorvedor de luz. Parte da luz passa ao redor e através do espécime sem desviar seu caminho; parte dela, entretanto, é desviada quando incide sobre alguns elementos desse objeto, esse fenômeno é conhecido como difração. Assim, um feixe de ondas luminosas que incide e penetra no material é dividido em diversos outros feixes com inten- sidades e ângulos de propagação distintos. Esses feixes di- fratados são responsáveis por gerar a imagem formada pelo sistema de lentes objetivas. Quando presente, as lentes ocu- lares magnificam a imagem, que é, então, projetada na retina em um filme fotográfico ou na superfície de um chip de com- putador (DAVIDSON; ABRAMOWITZ, 2002). A Figura 8 repre- senta um esquema dos principais elementos e uma imagem de um microscópio óptico composto. Imagens reais são aquelas formadas pelo cruza- mento dos raios de luz e encontram-se invertidas em relação ao objeto. Imagens virtuais são for- madas pelo espalhamen- to da luz e apresentam a mesma orientação do objeto observado. 8 Figura 7 Princípio de funcionamento do microscópio composto Br yn M aw r/ W ik im ed ia C om m on s Imagem 1 Imagem 2 Objeto Lentes oculares Lentes Lentes objetivasobjetivas kwanchai.c/Shutterstock À esquerda, imagem de um microscópio óptico composto. À direita, representação esquemática dos seus elementos constituintes. Figura 8 Microscópio óptico composto Roman Bykhalov/ Shutterstock Ocular Tubo da ocular Ajuste macrométrico Porta-objetivas/ revólver Objetiva de alta ampliação Braço Ajuste micrométrico Objetiva de baixa ampliação Presilha Platina Base Condensador Diafragma Iluminação Tecnologias de análise celular 39 Com a evolução tecnológica e objetivando contemplar as ne- cessidades de pesquisas celulares específicas, foram desenvolvidos diferentes tipos de microscópios ópticos. Esses sistemas podem apresentar modificações na configuração, como o estereomicros- cópio – que visa a menores magnificações e faz uso da luz refletida diretamente sobre o objeto, e não através dele; e o microscópio invertido, que apresenta a fonte de iluminação e o condensador no topo do sistema e é útil para visualizar culturas celulares. Podem, ainda, apresentar um sistema de iluminação diferen- ciado, como é o caso do microscópio de contraste de fase – que manipula a luz de modo diferencial, produzindo variações de bri- lho melhorando a observação de alguns espécimes; o microscópio de fluorescência – que utiliza fluoróforos e emite fluorescência no lugar da difração de luz visível; e o microscópio confocal – que usa a fluorescência associada à varredura do espécime por laser, produzindo imagens em corte que serão, depois, agrupadas em alta resolução. 2.2.2 Microscopia eletrônica Comumente, um microscópio óptico composto apresenta uma magnificação máxima de aproximadamente 1000 vezes, que é a ampliação fornecida pela lente objetiva (máximo de 100 vezes) multiplicada pela ampliação da lente ocular (em geral, 10 vezes). Essa limitação se deve às propriedades da luz visível, utilizada como fonte de iluminação nesses sistemas. Com esse aumento máximo, fica bastante difícil visualizar detalhes celulares, ou estruturas bem pequenas, como vírus e macromoléculas. Para sanar essas dificul- dades e permitir o estudo de materiais na faixa dos nanômetros, foram desenvolvidos os microscópios eletrônicos. Microscópios eletrônicos são sistemas que permitem a obten- ção de imagens biológicas detalhadas e de estruturas que necessi- tam de uma maior ampliação. Sua alta resolução se deve ao uso de feixe de elétrons como fonte de iluminação no lugar da luz visível utilizada pelos microscópios ópticos. De modo geral, dividem-se em dois tipos: microscopia eletrônica de transmissão (MET) e mi- croscopia eletrônica de varredura (MEV). 40 Biologia Celular A microscopia eletrônica de transmissão (MET) é indicada para visualizar espécimes em corte, como seções ultrafinas (100 nm 9 ) de tecidos, órgãos ou células. Com essa espessura, torna-se possível a passagem dos elétrons através da amostra, gerando uma imagem pro- jetada da estrutura de interesse. A geração de imagens na MET é similar àquela da microscopia óptica, substituindo a luz visível pelo feixe de elétrons incidente. Devido ao menor comprimento de onda dos elétrons – chamado de comprimento de onda de Broglie, de acordo com a teoria de Louis de Broglie (1892-1987) –, a MET é capaz de fornecer uma resolução bastante superior àquela atingida pelos microscópios ópticos. A Figura 9 demonstra os principais componentes em um sistema de MET e a imagem do primeiro microscópio eletrônico de transmissão, que atualmente é mantido em exposição no Deutsches Museum, em Munique, na Alemanha. Nanômetro 9 Figura 9 Microscópio eletrônico de transmissão À esquerda, primeiro microscópio eletrônico de transmissão, em exposição no Deutsches Museum, na Alemanha. À direita, representação dos principais componentes na MET. J B re w/ W ik im ed ia C om m on s Gr in ge r/ W ik im ed ia C om m on s Canhão de elétrons Abertura do condensador Porta de amostras Abertura das objetivas Lentes objetivas Lentes de difraçãoAbertura das lentes intermediárias Visor Lentes intermediárias Lentes do projetor Tela fluorescente Sistema de gravação de imagens Tecnologias de análise celular 41 Em um microscópio eletrônico de transmissão, a fonte de elétrons está localizada no topo do sistema e é formada comumente por um filamento de tungstênio ou por um cristal de hexaboreto de lantânio, compostos estáveis e com elevada emissividade de elétrons. Essa fon- te, ou canhão, de elétrons está ligada a uma fonte elétrica de alta vol- tagem que produz uma corrente elétrica suficiente para emissão dos elétrons no vácuo. Essa emissão pode decorrer do aumento da tempe- ratura (emissão termoiônica) ou pela indução de um campo eletrostáti- co (emissão de elétrons por campo). Após sua emissão pelo canhão, os elétrons são acelerados por uma série de placas eletrostáticas até atingirem o condensador, que focará e ajustará o tamanho e a localização do feixe de elétrons sobre a amos- tra. Diferentemente do sistema óptico, as lentes, na MET, são magnéti- cas, formadas por um solenoide 10 e seu respectivo campo magnético. Isso permite um ajuste de foco muito mais rápido quando comparado aos microscópios ópticos, além de flexibilidade para ajustar o feixe de elétrons de acordo com a necessidade de análise. A Figura 10 apresen- ta uma imagem de MET de uma célula nervosa, evidenciando algumas das estruturas que constituem um neurônio (célula de Schwann, axô- nio e bainha de mielina). A célulaobservada encontra-se fixada e em corte ultrafino para permitir a passagem do feixe de elétrons e poste- rior revelação da imagem. Figura 10 Neurônio visualizado sob MET Jo se L ui s Ca lvo /S hu tte rs to ck Célula de Schwann em corte (centro) circundada por fibras nervosas (axônio) e fibras da bainha de mielina. Conjunto de fios conduto- res enrolados em espirais circulares e atua como um eletroímã na presença de corrente elétrica, produzin- do um campo magnético constante. 10 42 Biologia Celular Comumente, existem três sistemas de lentes na MET: as lentes do condensador, as lentes objetivas e as lentes do projetor. O condensa- dor forma o feixe primário de elétrons, enquanto as lentes objetivas focam o feixe que passa através da amostra. As lentes do projetor servem para expandir o feixe e o dispositivo de imagem. Como não é possível que enxerguemos as emissões eletrônicas, a imagem final deve ser projetada em um anteparo tratado com material fluorescente que é revelado com a incidência dos elétrons, ou sobre uma placa foto- gráfica, que registra a imagem permanentemente. O sistema de MET inclui, ainda, algumas aberturas que auxiliam o foco e reduzem as aberrações ópticas; defletores que auxiliam o ajuste do ângulo do feixe de elétrons; e estigmatizadores que compensam imperfeições ópticas que causam astigmatismo, isto é, quando a lente apresenta foco em diferentes direções, causando distorção da imagem. A microscopia eletrônica de varredura (MEV) se baseia na emissão de elétrons secundários por meio da superfície da amostra. Esse siste- ma tem como objetivo formar uma imagem tridimensional do objeto observado, similar ao estereomicroscópio, mas com uma resolução e magnificação bastante elevadas. Um sistema de MEV apresenta profundidade de foco e capacidade de visualização de superfícies e organismos inteiros, o que não é pos- sível na MET. A Figura 11 apresenta uma imagem de grãos de pólen obtida por meio de um sistema de MEV. Figura 11 Grãos de pólen observados sob MEV In st al aç ão d e m ic ro sc óp io e le trô ni co d o Da rtm ou th C ol le ge /W ik im ed ia C om m on s Certificado pelo Guiness como o menor filme do mundo, Um menino e seu átomo foi desenvolvido pelo laboratório de pes- quisas da IBM, com base na incrível manipulação atômica. Utilizando uma agulha ultrafina e um mi- croscópio de corrente de tunelamento, que permite a obtenção de imagens a nível atômico, os pesqui- sadores fizeram o uso de centenas de átomos para dar origem à animação de apenas um minuto, rompendo as barreiras da capacidade microscópica de magnificação e mani- pulação da matéria. Direção: Nico Casavecchia. Estados Unidos: IBM, 2013. Vídeo Tecnologias de análise celular 43 A imagem é formada pelo escaneamento – daí o termo varredu- ra – da superfície da amostra por um feixe de elétrons. A interação desse feixe de elétrons primário com a amostra causa a emissão de partículas – elétrons secundários, elétrons retroespalhados, fótons ou raios X – que são coletadas por detectores e convertidas em pontos luminosos em um tubo de raio catódico 11 , formando uma imagem magnificada da amostra. A Figura 12 apresenta os elementos e a imagem do primeiro sistema de MEV, desenvolvido por Manfred von Ardenne (1907-1997) em 1937. Figura 12 Microscópio eletrônico de varredura À direita, primeiro microscópio eletrônico de varredura, desenvolvido em 1937. À esquerda, representação esquemática do sistema e principais elementos de um MEV. Al ex an de r v on A rd en ne /W ik im ed ia C om m on s M in tz /W ik im ed ia C om m on s Canhão de elétrons Primeiras lentes do condensador Segundas lentes do condensador Abertura spray Bobinas de deflexão Abertura final de lentes Detector de elétrons retroespalhados Amostra Bomba de vácuo Detector de elétrons secundários Lentes objetivas Detector de raios X Feixe de elétrons Em relação à microscopia óptica, as principais vantagens da MEV são sua alta resolução, permitindo a visualização de estruturas com até 2 nm de diâmetro; sua elevada profundidade de campo, o que possibilita a magnificação em alta resolução de superfícies; e a fle- xibilidade de ângulos de visualização, que podem ser alterados fa- cilmente, permitindo uma observação tridimensional completa da amostra. As desvantagens incluem a necessidade de alto vácuo, a destruição da amostra pelos feixes de elétrons, a interferência cau- sada pela presença de íons na amostra e o elevado custo de aquisi- ção e manutenção do equipamento. Dispositivo capaz de gerar imagens por meio da incidência de um feixe de elétrons. 11 44 Biologia Celular 2.3 Identificação de marcadores celulares por imunocitoquímica Vídeo Além das técnicas microscópicas, várias técnicas inovadoras de in- vestigação celular foram desenvolvidas nas últimas décadas, auxilian- do importantes descobertas científicas e contribuindo para a evolução de sistemas de diagnóstico e tratamento de patologias. Entre estas, destaca-se a imunocitoquímica, que tem atuado como uma excelente ferramenta de diagnóstico e análise celular. Imunocitoquímica é a técnica que faz o uso de anticorpos para ve- rificar a presença de certos marcadores, ou antígenos 12 , na superfície das células. Dessa forma, é possível detectar determinados tipos celu- lares ou características que diferenciam uma linhagem celular das de- mais, o que é bastante útil em estudos de células cancerígenas ou com algum tipo de mutação, por exemplo. O anticorpo utilizado nos ensaios de imunocitoquímica deve estar ligado – direta ou indiretamente – a uma molécula repórter, como um fluoróforo ou uma enzima. Dessa forma, se o anticorpo se ligar à mo- lécula alvo na célula, a molécula repórter emitirá um sinal, seja pela emissão de fluorescência quando o fluoróforo for excitado em deter- minado comprimento de onda, seja pela reação da enzima com algum substrato adicionado no ensaio. A Figura 13 apresenta uma fotomicro- grafia de neurônios observados sob microscopia de fluorescência após a utilização da técnica de imunocitoquímica. Figura 13 Neurônios observados sob microscopia de fluorescência Sw ha rd en /W ik im ed ia C om m on s Com o uso da técnica da imunocitoquímica, é possível observar os axônios em verde pela marcação da proteína tirosina hidroxilase presente nessas estruturas. Molécula que ativa a reação imunológica e a subsequente produção de anticorpos em um organis- mo. Em imunocitoquímica, refere-se à molécula que é reconhecida pelo anticorpo primário no imunoensaio. 12 Conhecer as técnicas imunocitoquímicas de identificação e caracteri- zação celular. Objetivo de aprendizagem Tecnologias de análise celular 45 A imunocitoquímica destina-se ao estudo de células em cultura ou células individuais isoladas com base em tecidos ou órgãos. De manei- ra geral, os ensaios seguem três etapas. A primeira etapa refere-se à fixação das células em um suporte, comumente uma lâmina ou placa de petri 13 de vidro. Em alguns casos torna-se necessária a incubação das células sob temperatura controlada por algum período, podendo chegar até 24 horas, para aumento da aderência no suporte. A segunda etapa é de imunocoloração, isto é, de adição e ligação do anticorpo à molécula alvo se ela estiver presente nas células aderidas no suporte. Essa etapa envolve a fixação das células para preservação da proteína ou estrutura que se deseja visualizar; a permeabilização da membrana plasmática com o uso de detergentes ou solventes para permitir a entrada dos anticorpos no interior celular; e a incubação para promoção da ligação entre anticorpos e moléculas alvo (antígeno). Após a incubação, as amostras são lavadas para remoção de anticor- pos não ligantes. A terceira e última etapa da imunocitoquímica envolve a revelação do repórter e a visualização das células por microscopia (no caso de a molécula repórter ser um fluoróforo),
Compartilhar