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A Tragédia de Hamlet e o Mal Filosófico

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ABC
A Tragédia de Hamlet e o Mal Filosófico
Filosofia, Música e Literatura - Professor Flamarion Caldeira Ramos
Mariana de Lucca Trindade Martins RA: 11202020218
São Bernardo do Campo
2023
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I. Introdução
Hamlet é uma obra trágica de William Shakespeare (1564 - 1616). A peça é a mais longa
composta por Shakespeare e foi escrita entre 1599 e 1601, período elisabetano, considerado a
era de ouro da história inglesa, é o auge do renascimento na Inglaterra, com os maiores
destaques para a literatura e a poesia. Shakespeare teve as suas obras consolidadas
mundialmente e Hamlet é considerada como uma das maiores obras da dramaturgia mundial,
com sua complexidade dos personagens, desenvolvimento do enredo, a profundidade temática
e seu impacto duradouro na literatura e no teatro. Tem destaque a complexidade do próprio
personagem principal, uma das características mais marcantes da peça. Esta conta a história
do príncipe da Dinamarca, Hamlet, que tenta vingar a morte do pai, o rei Hamlet, morto por
seu irmão e atual rei, Cláudio, que o envenenou e casou-se com a rainha. Abordando
questionamentos humanos e explorando profundamente a condição humana, tratando de
temas relevantes como vingança, loucura, traição, corrupção, incesto e moralidade, o
protagonista é confrontado com a angústia existencial e a inevitabilidade do mal. Ao decorrer
da peça, o público é confrontado com uma exploração do mal e do sofrimento, utilizando
raciocínios aplicáveis até hoje, o que faz com que a obra atravesse séculos.
O mal filosófico é um conceito que tem sido abordado por vários filósofos ao longo da
história e à medida que é aprofundada a análise de Hamlet, conectado à natureza humana,
pode-se estabelecer conexões com as visões filosóficas de pensadores como Arthur
Schopenhauer, Friedrich Nietzsche e Albert Camus, por exemplo. Esses filósofos abordaram o
tema do mal e do sofrimento, oferecendo diferentes perspectivas e visões sobre a condição
humana. Em sua obra Nietzsche vai relacionar a arte trágica, a cultura grega e a dualidade
apolínea e dionisíaca e como a tragédia influencia na compreensão da natureza humana.
Schopenhauer é conhecido por sua filosofia pessimista e indica a luta da vontade de viver e o
sofrimento por essa busca. Em Camus está presente o tema da revolta e indiferença do mundo,
ele é conhecido por seu conceito de “absurdo” e explorou essa ideia em seu ensaio “O Mito de
Sísifo” e em obras literárias como “O Estrangeiro”.
Ao longo desse trabalho, será discorrido a representação do mal e do sofrimento, o
absurdo da existência, a revolta e reflexão sobre a morte e a transitoriedade da vida em torno
da tragédia Hamlet, explorando as ideias das obras O Nascimento da Tragédia (Friedrich
Nietzsche), O Mundo como Vontade e Representação (Arthur Schopenhauer) e O Homem
Revoltado (Albert Camus).
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II. A representação do mal e do sofrimento
A arte trágica na Estética é uma forma de expressão que explora o sofrimento, a
complexidade moral, a ressonância universal e a reflexão filosófica, que desafia a beleza
convencional e faz o público enfrentar emoções difíceis e questões existenciais. Esse tipo de
arte combina o estilo apolíneo e o estilo dionisíaco, possibilitando a combinação de essência e
aparência.
Friedrich Nietzsche, em O Nascimento da Tragédia, publicado em 1872, discorre
sobre a duplicidade na arte grega ligado ao apolíneo e ao dionisíaco como forças antagônicas,
representada pelos dois deuses gregos relacionados às artes, Apolo e Dionísio. O apolíneo
representa a razão, ordem, expressão, a imagem divina do principium individuationis
schopenhaueriano, enquanto o dionisíaco representa a natureza caótica, paixão e coletividade.
Em Hamlet, o protagonista é confrontado com um mundo de traição, assassinato e o
mal, o que o leva a uma luta interior, questionamento constante e reflexão sobre a natureza do
mal e o sofrimento.
Após o encontro com o fantasma do rei, Hamlet se encontra em dúvida de suas
próximas ações, se perguntando qual a veracidade das acusações do fantasma e até que ponto
seria necessário ir em relação ao seu tio Cláudio, uma vez que o fantasma deseja vingança
através de Hamlet, que se vê na posição de concluir a tarefa assassinando o próprio tio,
decidindo fingir insanidade para a corte para encontrar suas respostas. Esses momentos da
obra podem ser vistos como um exemplo do embate entre essas duas forças da tragédia grega.
A hesitação de Hamlet em agir pode ser interpretada como uma luta entre sua natureza
apolínea, que busca a racionalidade, e seu impulso dionisíaco, que está situado na confusão e
na emoção do assassinato de seu pai.
“Nesse sentido, o homem dionisíaco se assemelha a Hamlet: ambos lançaram
alguma vez um olhar verdadeiro à essência das coisas, ambos passaram a conhecer e
a ambos enoja atuar; pois sua atuação não pode modificar em nada a eterna essência
das coisas, e eles sentem como algo ridículo e humilhante que se lhes exija endireitar
de novo o mundo que está desconjuntado. O conhecimento mata a atuação, para
atuar é preciso estar velado pela ilusão — tal é o ensinamento de Hamlet e não
aquela sabedoria barata de João, o Sonhador, que devido ao excesso de reflexão,
como se fosse por causa de uma demasia de possibilidades, nunca chega à ação; não
é o repetir, não, mas é o verdadeiro conhecimento, o relance interior na horrenda
verdade, que sobrepuja todo e qualquer motivo que possa impelir à atuação, quer em
Hamlet quer no homem dionisíaco. Agora não há mais consolo que adiante, o anelo
vai além de um mundo após a morte, além dos próprios deuses; a existência, com
seu reflexo resplendente nos deuses ou em um além-mundo imortal, é denegada.” -
(NIETZSCHE, 1992, p. 46)
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Nietzsche argumenta que o conhecimento profundo da natureza trágica da existência
pode levar à renúncia à ação, pois a verdade muitas vezes desencadeia uma sensação de
impotência diante do mundo. Hamlet consegue representar esse conceito uma vez que ele
conhece a verdade sobre o assassinato de seu pai e a traição de seu tio, mas sua hesitação em
agir indica a sensação de que a verdade pode ser insuportável, mas não pode-se simplesmente
ignorá-la, como também não pode-se agir de imediato. Também é possível notar como o
conflito de Hamlet afeta os outros personagens da obra. Por exemplo, a hesitação em agir
desencadeia uma série de eventos trágicos, entre eles está o destino de personagens como
Ofélia e Gertrude, a hesitação em confortar Cláudio faz com que o rei se coloque um passo à
frente, na tentativa de se proteger planeja o assassinato do príncipe.
Em suma, as descrições de Hamlet sobre o mal e o sofrimento ecoam as reflexões
filosóficas de Friedrich Nietzsche sobre a arte da tragédia. A dualidade entre o poder de
Apolo e o poder de Dionísio, apontada pelo filósofo, encontra um espelho na luta interior de
Hamlet. Ambos têm profundo conhecimento da verdade, mas esse conhecimento os
entorpece, eles veem a realidade de forma tão lívida que a ação se torna difícil de justificar.
Pode-se notar como essas conexões entregam uma camada de compreensão na tragédia
Hamlet.
III. O absurdo da existência e a revolta
Albert Camus aborda amplamente o tema da revolta humana em sua obra O Homem
Revoltado, publicado em 1951, e discute a relação entre a revolta e o absurdo. Para Camus, o
absurdo é a condição humana de confrontar o mundo e acredita que é uma condição universal
da existência humana, sendo impossível escapar dele. No entanto, ele argumenta que a
revolta é uma resposta natural ao absurdo. A revolta é a afirmação da liberdade e da dignidade
humana em face de um mundo que tenta negá-las. Assim, chega-se à segunda parte da
antropologia filosófica de Camus, que viver é a atitude de revolta. Tendo a consciência da
impossibilidade da comunhão do sujeito com o mundo, de que este atenda a seus anseios e
possa ser compreendido completamente, cabe ao ser humano não perder as esperanças e
continuar seusesforços, mesmo diante do absurdo.
Camus explora a noção do absurdo da vida e a revolta contra ele. Hamlet, ao
questionar o sentido da vida e sua própria existência em um mundo cheio de tormentos, pode
ser visto como um homem revoltado e sua hesitação em agir contra o mal pode ser
interpretada como uma forma de revolta existencial. Sua revolta é expressa tanto em suas
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ações quanto em sua angústia existencial, à medida que ele confronta a falta de sentido
objetivo na vida.
No entanto, essa revolta de Hamlet é notável ao que ele se vê confrontado com a tarefa
de vingar o assassinato de seu pai pelo próprio tio. Nesse contexto, o assassinato se torna o
catalisador para o conflito interno de Hamlet. Ele enfrenta dilemas morais em relação à
justiça, vingança e o assassinato, se perguntando o que é certo ou errado, é nítido a luta
interna travada pelo protagonista e o conflito de suas emoções. Em sua obra, Camus discorre
sobre a questão da inocência e do assassinato e argumenta que a revolta pode levar à ação, e a
ação, por sua vez, pode levar ao assassinato.
Segundo Camus (2017, p. 17), “O absurdo, visto como regra de vida, é, portanto,
contraditório. Que há de espantoso em que não nos forneça os valores que decidiriam por nós
quanto à legitimidade do assassinato? [...]”. Nesse contexto pode-se relacionar a luta interna
do protagonista com a missão de vingança em matar o seu tio pela morte de seu pai e é de
situações como essa que a revolta nasce, da condição de injustiça e incompreensão.
“A revolta clama, ela exige, ela quer que o escândalo termine e que se fixe
finalmente aquilo que até então se escrevia sem trégua sobre o mar. Sua preocupação
é transformar. Mas transformar é agir, e agir, amanhã, será matar, enquanto ela ainda
não sabe se matar é legítimo. Ela engendra justamente as ações cuja legitimação lhe
pedimos. É preciso, portanto, que a revolta tire suas razões de si mesma, já que não
consegue tirá-las de mais nada. É preciso que ela consinta em examinar-se para
aprender a conduzir-se.” (CAMUS, 2017, p. 18).
Ambas as obras exploram a complexidade moral e ética do assassinato e como a
revolta pode levar a consequências imprevisíveis. Além disso, tanto Hamlet quanto O Homem
Revoltado questionam a natureza humana e a busca por significado em um mundo
aparentemente absurdo.
Em Hamlet há sempre o questionamento; Hamlet se questiona sobre a moralidade e
justiça nas ações de seu tio, se depara com dilemas morais em relação à vingança e ao
assassinato, e seu questionamento sobre o que é certo e errado; também questiona a natureza
humana ao observar a hipocrisia, a traição e a corrupção na corte dinamarquesa; há o
questionamento de Hamlet sobre a verdade por trás da morte de seu pai e da ascensão de
Claudius ao trono; os limites entre a sanidade e a insanidade, levando os personagens a
questionar a estabilidade mental de Hamlet; profundo questionamento sobre o propósito e o
significado da vida humana. Assim sendo, é apresentado o revoltado metafísico. A revolta
metafísica é um movimento pelo qual um homem se insurge contra a sua condição e contra a
criação. “O revoltado desafia mais do que nega” (Camus, 2017, p.35).
“A rebelião humana acaba em revolução metafísica. Evolui do parecer para o fazer,
do dândi ao revolucionário. Derrubado o trono de Deus, o rebelde reconhecerá
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essa justiça, essa ordem, essa unidade que em vão buscava no âmbito de sua
condição, cabendo-lhe agora criá-las com as próprias mãos e, com isso,
justificar a perda da autoridade divina. Começa então o esforço desesperado para
fundar, ainda que ao preço do crime, se for o caso, o império dos homens.
Isso não se fará sem consequências terríveis, das quais só conhecemos ainda
algumas. Mas essas consequências não se devem absolutamente à revolta em si
ou, pelo menos, elas só vêm à tona à medida que o revoltado esquece suas origens,
cansa-se da dura tensão entre o sim e o não, entregando-se por fim à negação de
todas as coisas ou à submissão total. A insurreição metafísica nos oferece, em seu
primeiro movimento, o mesmo conteúdo positivo da rebelião do escravo. Nossa
tarefa será examinar o que acontece com o conteúdo da revolta nas ações que
acarreta e apontar o rumo a que leva a infidelidade ou a fidelidade do revoltado às
suas origens.” (CAMUS, 2017, p. 35)
Como o revoltado metafísico, Hamlet se insurge contra a condição humana e contra a
própria criação, desafiando as limitações de sua existência. Assim, Hamlet não é apenas um
personagem trágico, mas um símbolo da luta eterna do ser humano contra o absurdo da vida.
IV. Reflexão sobre a morte e a transitoriedade da vida
Em O Mundo como Vontade e Representação, publicado pela primeira vez em 1819, é
apresentado os conceitos de Vontade e Representação. Schopenhauer identifica a Vontade
como essência do mundo, a vontade de viver é a essência de todos os fenômenos naturais, já a
Representação é a maneira pela qual se percebe e compreende o mundo. Esses dois conceitos
são o que compõem o mundo para Schopenhauer, a dualidade entre a Vontade e a
Representação, a busca pelo significado e a luta contra o sofrimento.
A Vontade é cega, irracional e sem finalidade, mas impulsiona todas as coisas. A vida
seria nada mais que a incessante busca pela satisfação da Vontade, mas que resulta apenas em
sofrimento uma vez que consiste em um esforço que jamais atingirá um alvo verdadeiro, todo
desejo é sofrimento enquanto não é satisfeito, pois nasce de uma falta e assim, como não
existe fim para o esforço, não há fim para o sofrimento.
A peça Hamlet é conhecida por monólogos que se tornaram conhecidos ao longo dos
anos. Se tornando símbolo da obra, muitas vezes colocados erroneamente como a mesma
cena, são eles: o famoso questionamento “ser ou não ser, eis a questão” e a cena em que o
príncipe Hamlet está segurando um crânio humano. Na cena I do ato III, Hamlet diz:
“Ser ou não ser — eis a questão.
Será mais nobre sofrer na alma Pedradas e flechadas do destino feroz
Ou pegar em armas contra o mar de angústias —
E, combatendo-o, dar-lhe fim? Morrer; dormir;
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Só isso. E com o sono — dizem — extinguir
Dores do coração e as mil mazelas naturais
A que a carne é sujeita; eis uma consumação
Ardentemente desejável. Morrer — dormir —
Dormir! Talvez sonhar. Aí está o obstáculo!
Os sonhos que hão de vir no sono da morte
Quando tivermos escapado ao tumulto vital
Nos obrigam a hesitar: e é essa reflexão
Que dá à desventura uma vida tão longa.
Pois quem suportaria o açoite e os insultos do mundo,
A afronta do opressor, o desdém do orgulhoso,
As pontadas do amor humilhado, as delongas da lei,
A prepotência do mando, e o achincalhe
Que o mérito paciente recebe dos inúteis,
Podendo, ele próprio, encontrar seu repouso
Com um simples punhal? Quem agüentaria fardos,
Gemendo e suando numa vida servil,
Senão porque o terror de alguma coisa após a morte —
O país não descoberto, de cujos confins
Jamais voltou nenhum viajante — nos confunde a vontade,
Nos faz preferir e suportar os males que já temos,
A fugirmos pra outros que desconhecemos?
E assim a reflexão faz todos nós covardes.
E assim o matiz natural da decisão
Se transforma no doentio pálido do pensamento.
E empreitadas de vigor e coragem,
Refletidas demais, saem de seu caminho,
Perdem o nome de ação.”
“Existir ou não existir?”, “viver ou morrer?”, o monólogo de Hamlet se volta para o
sofrimento e tormentos da vida, se questionando o que seria melhor: continuar vivendo
sabendo que viver é dor ou acabar com a vida, uma vez que se a vida é sofrimento, a morte é
sua saída, porém há o receio do que significa a morte, do que virá após a morte. Nesse
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monólogo Hamlet explora questões sobre a natureza da vida, reflexão sobre a morte e a luta
contra o sofrimento.
A cena da caveira é outro momento que Hamlet se questiona sobre o significado da
vida.O crânio apresentado é do bobo da corte Yorick e, divagando, Hamlet acaba novamente
no questionamento da vida e da morte,citando também Alexandre, o Grande e César
Augusto, o príncipe pensa em como no final todos voltam a cinzas, sejam eles reis ou bobos
da corte. Na cena I do ato V, Hamlet diz:
“Não, por minha fé, nada disso! É apenas seguir o pensamento com naturalidade. Vê
só: Alexandre morreu; Alexandre foi enterrado; Alexandre voltou ao pó; o pó é terra; da terra
nós fazemos massa. Por que essa massa em que ele se converteu não pode calafetar uma
barrica?
César Augusto é morto, virou terra;
Pôr o vento pra fora é sua guerra —
O mundo tremeu tanto ante esse pó
Que serve agora pra tapar buraco — só.”
Schopenhauer e Hamlet estão envolvidos em uma busca pelo significado e pela
verdade. Schopenhauer argumenta que o conhecimento e a arte podem oferecer uma
compreensão mais profunda da realidade por trás da Vontade. O prazer estético é importante
pois através dele que há um momento de alívio na dor e sofrimento humano, seria uma
libertação dos desejos e momentânea indiferença com relação à Vontade.
“No caso de Schopenhauer, além de uma grande dor, merecida ou imerecida — pois
Schopenhauer considera descabida a noção de justiça poética, que recompensaria o
inocente e puniria o culpado —, a tragédia deve também apresentar a purificação
que esse sofrimento produz, exibindo a negação da vontade”(MACHADO, 2006, p.
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A tragédia para Schopenhauer representa a natureza e a existência humana,
apresentando seu lado terrível, a insignificância da vida e o nada das aspirações.
“Portanto, tem lugar na tragédia a possibilidade que está contida em toda arte: o
conhecimento, que está enraizado na própria vontade e deveria servi-la, volta-se
contra ela. A apresentação da autodestruição da vontade fornece ao espectador o
conhecimento de que a vida, como objetivo e objetividade dessa vontade, “não é
digna de sua afeição”, levando-o à resignação. Com isso, na resignação a própria
vontade, cuja manifestação é o homem, é suprimida em uma dialética dupla. Pois
não só a vontade se volta contra si mesma no conhecimento que ela própria
“acendeu como uma luz”, mas também traz à tona esse conhecimento por meio da
ação trágica, cujo único herói é a vontade, que aniquila a si mesma.”(SZONDI,
2004, p. 54)
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Schopenhauer tem Hamlet como um de seus exemplos ao tratar de arte trágica e a
purificação do personagem ao morrer.
O impulso dionisíaco em muito se relaciona com a vontade de Schopenhauer. Para
Nietzsche, a tragédia seria a síntese do impulso apolíneo, que seria a representação, e o
impulso dionísaco, que seria a vontade, criando uma arte que reflete a complexidade da vida
humana e tornando estético os conceitos de Schopenhauer. Essa comparação também traz à
tona a divergência dos pensamentos desses dois grandes filósofos. Enquanto se encontra uma
visão negativa em Schopenhauer, Nietzsche mostra uma visão mais positiva.
“Em Schopenhauer a vontade suprime a si mesma, por meio do processo trágico em
que suas manifestações dilaceram, tendo como efeito no espectador o abandono de
si, a resignação graças ao conhecimento. Para Nietzsche, por sua vez, o dionisíaco
irrompe de seu despedaçamento na individualização justamente como um poder
indestrutível, que constitui então a “consolidação metafísica” oferecida pela
tragédia.” (SZONDI, 2004, p. 69).
Então assim a “consolação metafísica” entra para Nietzsche. “[...] A tragédia não
apenas dá o conhecimento da vontade, como também proporciona a afirmação da vontade
[...]” (Machado, 2006, p. 238).
“Enquanto a vontade nega a si mesma em sua objetivação ao se mostrar, o dionisíaco
se afirma justamente na medida em que, a despeito de seu prazer na aparência
apolínea que constitui a sua objetivação, nega esse prazer e essa aparência, criando
um prazer mais elevado a partir do aniquilamento do mundo visível da aparência.
Assim, a arte não é mais o espelho claro em que o mundo da individualização
expressa o juízo sobre a vontade, mas um signo de que a individualização representa
tanto “o fundamento primordial do mal” quanto “a esperança alegre de que o feitiço
da individualização possa ser quebrado” — “o pressentimento de uma unidade
restabelecida”.” (SZONDI, 2004, p. 69).
As perspectivas opostas de Schopenhauer e Nietzsche se entrelaçam na peça
shakespeariana e os monólogos citados encaixam na reflexão profunda sobre a vida e a morte
que Hamlet debate consigo mesmo, onde o conhecimento que comunica e esse conhecimento
é o objetivo da arte. Assim, é possível perceber como Hamlet explora a efemeridade da vida e
o sofrimento humano de maneira que prossegue até os dias atuais, refletindo-os no público.
V. Conclusão
Levando-se em conta o que foi analisado ao decorrer deste trabalho, o dramaturgo
William Shakespeare oferece ao público uma profunda exploração da condição humana,
abordando o mal, o sofrimento, a revolta, a reflexão sobre a morte e a transitoriedade da vida,
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abrindo o questionamento do protagonista ao espectador. Ao longo desta análise, foi
demonstrado como Hamlet dialoga com as filosofias de Arthur Schopenhauer, Friedrich
Nietzsche e Albert Camus em suas obras, proporcionando uma visão das questões existenciais
que afligem o príncipe Hamlet ao longo do enredo.
Friedrich Nietzsche introduziu às forças apolíneas e dionisíacas, presentes na tragédia
grega e refletidas na hesitação e conflito interno de Hamlet, representando o mal e o
sofrimento que o protagonista se depara ao longo da obra em questionamento ao bem e o mal,
a moralidade de seu tio, a vida e a morte. Schopenhauer apresentou a ideia da Vontade e da
Representação, que se reflete no sofrimento humano e na busca por significado. Albert Camus
levou a considerar a revolta como uma resposta à absurda condição humana, onde viver é o
ato da revolta e não deve se perder as esperanças e continuar seus esforços, pode-se notar
como Hamlet se revolta contra um mundo cheio de traição e injustiça, ao mesmo tempo que
hesita em suas ações, questionando o assassinato, o bem e o mal.
Em última análise, Hamlet transcende seu tempo porque expressa profundamente a
experiência humana. Os monólogos de Hamlet sobre a vida e a morte espelham reflexões
sobre o significado da existência. Sua luta contra o mal, seu questionamento constante e sua
busca por justiça ressoam com as preocupações eternas da humanidade. Shakespeare faz
lembrar que, apesar da inevitabilidade do sofrimento e da incerteza que permeia a vida, a
capacidade de refletir, de se revoltar e de buscar significado continua sendo uma fonte de
força e resiliência.
Dessa forma, Hamlet se situa uma obra prima atemporal que desafia a explorar as
profundezas da própria existência com profundos questionamentos. As conexões que se traça
com as filosofias de Arthur Schopenhauer, Friedrich Nietzsche e Albert Camus ampliam a
compreensão dessa tragédia shakespeariana, destacando a sua relevância contínua na
exploração das complexidades da natureza humana e na busca por sentido em um mundo
muitas vezes caótico e incompreensível.
VI. Referências
CAMUS, A. O homem revoltado. [s.l.] Editora Best Seller, 2017.
EDUCAÇÃO. Teatro no Renascimento (2): Inglaterra de Shakespeare se destaca. Disponível
em:
<https://educacao.uol.com.br/disciplinas/artes/teatro-no-renascimento-2-inglaterra-de-shakesp
eare-se-destaca.htm#:~:text=O%20per%C3%ADodo%20elisabetano%20na%20Inglaterra,a%
20literatura%20e%20a%20poesia.>. Acesso em: 22 ago. 2023.
10
FRIEDRICH WILHELM NIETZSCHE; JACÓ GUINSBURG. O nascimento da tragédia ou
helenismo e pessimismo. São Paulo: Companhia De Bolso, 2007.
MACHADO, R. O Nascimento do Trágico. [s.l.] Editora Schwarcz - Companhia das Letras,
2006.
REDAÇÃO BEDUKA. RESUMO de HAMLET: Completo, informações ténicas e
Curiosidades! Disponível em:
<https://beduka.com/blog/materias/literatura/resumo-de-hamlet/>. Acesso em: 22 ago. 2023.
SCHOPENHAUER, A.; BARBOZA, J. O mundo como vontade e como representação. São
Paulo: Ed. Unesp, 2005.
SZONDI, P. Ensaio sobre o trágico. [s.l.] Zahar, 2004.
SHAKESPEARE, W. Hamlet. Tradução: Erika PatríciaMoreira; Tradução: João
Pedro Nodari. 1o. ed. [s.l.] Pé da Letra, 2021.

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