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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ABC A Tragédia de Hamlet e o Mal Filosófico Filosofia, Música e Literatura - Professor Flamarion Caldeira Ramos Mariana de Lucca Trindade Martins RA: 11202020218 São Bernardo do Campo 2023 1 I. Introdução Hamlet é uma obra trágica de William Shakespeare (1564 - 1616). A peça é a mais longa composta por Shakespeare e foi escrita entre 1599 e 1601, período elisabetano, considerado a era de ouro da história inglesa, é o auge do renascimento na Inglaterra, com os maiores destaques para a literatura e a poesia. Shakespeare teve as suas obras consolidadas mundialmente e Hamlet é considerada como uma das maiores obras da dramaturgia mundial, com sua complexidade dos personagens, desenvolvimento do enredo, a profundidade temática e seu impacto duradouro na literatura e no teatro. Tem destaque a complexidade do próprio personagem principal, uma das características mais marcantes da peça. Esta conta a história do príncipe da Dinamarca, Hamlet, que tenta vingar a morte do pai, o rei Hamlet, morto por seu irmão e atual rei, Cláudio, que o envenenou e casou-se com a rainha. Abordando questionamentos humanos e explorando profundamente a condição humana, tratando de temas relevantes como vingança, loucura, traição, corrupção, incesto e moralidade, o protagonista é confrontado com a angústia existencial e a inevitabilidade do mal. Ao decorrer da peça, o público é confrontado com uma exploração do mal e do sofrimento, utilizando raciocínios aplicáveis até hoje, o que faz com que a obra atravesse séculos. O mal filosófico é um conceito que tem sido abordado por vários filósofos ao longo da história e à medida que é aprofundada a análise de Hamlet, conectado à natureza humana, pode-se estabelecer conexões com as visões filosóficas de pensadores como Arthur Schopenhauer, Friedrich Nietzsche e Albert Camus, por exemplo. Esses filósofos abordaram o tema do mal e do sofrimento, oferecendo diferentes perspectivas e visões sobre a condição humana. Em sua obra Nietzsche vai relacionar a arte trágica, a cultura grega e a dualidade apolínea e dionisíaca e como a tragédia influencia na compreensão da natureza humana. Schopenhauer é conhecido por sua filosofia pessimista e indica a luta da vontade de viver e o sofrimento por essa busca. Em Camus está presente o tema da revolta e indiferença do mundo, ele é conhecido por seu conceito de “absurdo” e explorou essa ideia em seu ensaio “O Mito de Sísifo” e em obras literárias como “O Estrangeiro”. Ao longo desse trabalho, será discorrido a representação do mal e do sofrimento, o absurdo da existência, a revolta e reflexão sobre a morte e a transitoriedade da vida em torno da tragédia Hamlet, explorando as ideias das obras O Nascimento da Tragédia (Friedrich Nietzsche), O Mundo como Vontade e Representação (Arthur Schopenhauer) e O Homem Revoltado (Albert Camus). 2 II. A representação do mal e do sofrimento A arte trágica na Estética é uma forma de expressão que explora o sofrimento, a complexidade moral, a ressonância universal e a reflexão filosófica, que desafia a beleza convencional e faz o público enfrentar emoções difíceis e questões existenciais. Esse tipo de arte combina o estilo apolíneo e o estilo dionisíaco, possibilitando a combinação de essência e aparência. Friedrich Nietzsche, em O Nascimento da Tragédia, publicado em 1872, discorre sobre a duplicidade na arte grega ligado ao apolíneo e ao dionisíaco como forças antagônicas, representada pelos dois deuses gregos relacionados às artes, Apolo e Dionísio. O apolíneo representa a razão, ordem, expressão, a imagem divina do principium individuationis schopenhaueriano, enquanto o dionisíaco representa a natureza caótica, paixão e coletividade. Em Hamlet, o protagonista é confrontado com um mundo de traição, assassinato e o mal, o que o leva a uma luta interior, questionamento constante e reflexão sobre a natureza do mal e o sofrimento. Após o encontro com o fantasma do rei, Hamlet se encontra em dúvida de suas próximas ações, se perguntando qual a veracidade das acusações do fantasma e até que ponto seria necessário ir em relação ao seu tio Cláudio, uma vez que o fantasma deseja vingança através de Hamlet, que se vê na posição de concluir a tarefa assassinando o próprio tio, decidindo fingir insanidade para a corte para encontrar suas respostas. Esses momentos da obra podem ser vistos como um exemplo do embate entre essas duas forças da tragédia grega. A hesitação de Hamlet em agir pode ser interpretada como uma luta entre sua natureza apolínea, que busca a racionalidade, e seu impulso dionisíaco, que está situado na confusão e na emoção do assassinato de seu pai. “Nesse sentido, o homem dionisíaco se assemelha a Hamlet: ambos lançaram alguma vez um olhar verdadeiro à essência das coisas, ambos passaram a conhecer e a ambos enoja atuar; pois sua atuação não pode modificar em nada a eterna essência das coisas, e eles sentem como algo ridículo e humilhante que se lhes exija endireitar de novo o mundo que está desconjuntado. O conhecimento mata a atuação, para atuar é preciso estar velado pela ilusão — tal é o ensinamento de Hamlet e não aquela sabedoria barata de João, o Sonhador, que devido ao excesso de reflexão, como se fosse por causa de uma demasia de possibilidades, nunca chega à ação; não é o repetir, não, mas é o verdadeiro conhecimento, o relance interior na horrenda verdade, que sobrepuja todo e qualquer motivo que possa impelir à atuação, quer em Hamlet quer no homem dionisíaco. Agora não há mais consolo que adiante, o anelo vai além de um mundo após a morte, além dos próprios deuses; a existência, com seu reflexo resplendente nos deuses ou em um além-mundo imortal, é denegada.” - (NIETZSCHE, 1992, p. 46) 3 Nietzsche argumenta que o conhecimento profundo da natureza trágica da existência pode levar à renúncia à ação, pois a verdade muitas vezes desencadeia uma sensação de impotência diante do mundo. Hamlet consegue representar esse conceito uma vez que ele conhece a verdade sobre o assassinato de seu pai e a traição de seu tio, mas sua hesitação em agir indica a sensação de que a verdade pode ser insuportável, mas não pode-se simplesmente ignorá-la, como também não pode-se agir de imediato. Também é possível notar como o conflito de Hamlet afeta os outros personagens da obra. Por exemplo, a hesitação em agir desencadeia uma série de eventos trágicos, entre eles está o destino de personagens como Ofélia e Gertrude, a hesitação em confortar Cláudio faz com que o rei se coloque um passo à frente, na tentativa de se proteger planeja o assassinato do príncipe. Em suma, as descrições de Hamlet sobre o mal e o sofrimento ecoam as reflexões filosóficas de Friedrich Nietzsche sobre a arte da tragédia. A dualidade entre o poder de Apolo e o poder de Dionísio, apontada pelo filósofo, encontra um espelho na luta interior de Hamlet. Ambos têm profundo conhecimento da verdade, mas esse conhecimento os entorpece, eles veem a realidade de forma tão lívida que a ação se torna difícil de justificar. Pode-se notar como essas conexões entregam uma camada de compreensão na tragédia Hamlet. III. O absurdo da existência e a revolta Albert Camus aborda amplamente o tema da revolta humana em sua obra O Homem Revoltado, publicado em 1951, e discute a relação entre a revolta e o absurdo. Para Camus, o absurdo é a condição humana de confrontar o mundo e acredita que é uma condição universal da existência humana, sendo impossível escapar dele. No entanto, ele argumenta que a revolta é uma resposta natural ao absurdo. A revolta é a afirmação da liberdade e da dignidade humana em face de um mundo que tenta negá-las. Assim, chega-se à segunda parte da antropologia filosófica de Camus, que viver é a atitude de revolta. Tendo a consciência da impossibilidade da comunhão do sujeito com o mundo, de que este atenda a seus anseios e possa ser compreendido completamente, cabe ao ser humano não perder as esperanças e continuar seusesforços, mesmo diante do absurdo. Camus explora a noção do absurdo da vida e a revolta contra ele. Hamlet, ao questionar o sentido da vida e sua própria existência em um mundo cheio de tormentos, pode ser visto como um homem revoltado e sua hesitação em agir contra o mal pode ser interpretada como uma forma de revolta existencial. Sua revolta é expressa tanto em suas 4 ações quanto em sua angústia existencial, à medida que ele confronta a falta de sentido objetivo na vida. No entanto, essa revolta de Hamlet é notável ao que ele se vê confrontado com a tarefa de vingar o assassinato de seu pai pelo próprio tio. Nesse contexto, o assassinato se torna o catalisador para o conflito interno de Hamlet. Ele enfrenta dilemas morais em relação à justiça, vingança e o assassinato, se perguntando o que é certo ou errado, é nítido a luta interna travada pelo protagonista e o conflito de suas emoções. Em sua obra, Camus discorre sobre a questão da inocência e do assassinato e argumenta que a revolta pode levar à ação, e a ação, por sua vez, pode levar ao assassinato. Segundo Camus (2017, p. 17), “O absurdo, visto como regra de vida, é, portanto, contraditório. Que há de espantoso em que não nos forneça os valores que decidiriam por nós quanto à legitimidade do assassinato? [...]”. Nesse contexto pode-se relacionar a luta interna do protagonista com a missão de vingança em matar o seu tio pela morte de seu pai e é de situações como essa que a revolta nasce, da condição de injustiça e incompreensão. “A revolta clama, ela exige, ela quer que o escândalo termine e que se fixe finalmente aquilo que até então se escrevia sem trégua sobre o mar. Sua preocupação é transformar. Mas transformar é agir, e agir, amanhã, será matar, enquanto ela ainda não sabe se matar é legítimo. Ela engendra justamente as ações cuja legitimação lhe pedimos. É preciso, portanto, que a revolta tire suas razões de si mesma, já que não consegue tirá-las de mais nada. É preciso que ela consinta em examinar-se para aprender a conduzir-se.” (CAMUS, 2017, p. 18). Ambas as obras exploram a complexidade moral e ética do assassinato e como a revolta pode levar a consequências imprevisíveis. Além disso, tanto Hamlet quanto O Homem Revoltado questionam a natureza humana e a busca por significado em um mundo aparentemente absurdo. Em Hamlet há sempre o questionamento; Hamlet se questiona sobre a moralidade e justiça nas ações de seu tio, se depara com dilemas morais em relação à vingança e ao assassinato, e seu questionamento sobre o que é certo e errado; também questiona a natureza humana ao observar a hipocrisia, a traição e a corrupção na corte dinamarquesa; há o questionamento de Hamlet sobre a verdade por trás da morte de seu pai e da ascensão de Claudius ao trono; os limites entre a sanidade e a insanidade, levando os personagens a questionar a estabilidade mental de Hamlet; profundo questionamento sobre o propósito e o significado da vida humana. Assim sendo, é apresentado o revoltado metafísico. A revolta metafísica é um movimento pelo qual um homem se insurge contra a sua condição e contra a criação. “O revoltado desafia mais do que nega” (Camus, 2017, p.35). “A rebelião humana acaba em revolução metafísica. Evolui do parecer para o fazer, do dândi ao revolucionário. Derrubado o trono de Deus, o rebelde reconhecerá 5 essa justiça, essa ordem, essa unidade que em vão buscava no âmbito de sua condição, cabendo-lhe agora criá-las com as próprias mãos e, com isso, justificar a perda da autoridade divina. Começa então o esforço desesperado para fundar, ainda que ao preço do crime, se for o caso, o império dos homens. Isso não se fará sem consequências terríveis, das quais só conhecemos ainda algumas. Mas essas consequências não se devem absolutamente à revolta em si ou, pelo menos, elas só vêm à tona à medida que o revoltado esquece suas origens, cansa-se da dura tensão entre o sim e o não, entregando-se por fim à negação de todas as coisas ou à submissão total. A insurreição metafísica nos oferece, em seu primeiro movimento, o mesmo conteúdo positivo da rebelião do escravo. Nossa tarefa será examinar o que acontece com o conteúdo da revolta nas ações que acarreta e apontar o rumo a que leva a infidelidade ou a fidelidade do revoltado às suas origens.” (CAMUS, 2017, p. 35) Como o revoltado metafísico, Hamlet se insurge contra a condição humana e contra a própria criação, desafiando as limitações de sua existência. Assim, Hamlet não é apenas um personagem trágico, mas um símbolo da luta eterna do ser humano contra o absurdo da vida. IV. Reflexão sobre a morte e a transitoriedade da vida Em O Mundo como Vontade e Representação, publicado pela primeira vez em 1819, é apresentado os conceitos de Vontade e Representação. Schopenhauer identifica a Vontade como essência do mundo, a vontade de viver é a essência de todos os fenômenos naturais, já a Representação é a maneira pela qual se percebe e compreende o mundo. Esses dois conceitos são o que compõem o mundo para Schopenhauer, a dualidade entre a Vontade e a Representação, a busca pelo significado e a luta contra o sofrimento. A Vontade é cega, irracional e sem finalidade, mas impulsiona todas as coisas. A vida seria nada mais que a incessante busca pela satisfação da Vontade, mas que resulta apenas em sofrimento uma vez que consiste em um esforço que jamais atingirá um alvo verdadeiro, todo desejo é sofrimento enquanto não é satisfeito, pois nasce de uma falta e assim, como não existe fim para o esforço, não há fim para o sofrimento. A peça Hamlet é conhecida por monólogos que se tornaram conhecidos ao longo dos anos. Se tornando símbolo da obra, muitas vezes colocados erroneamente como a mesma cena, são eles: o famoso questionamento “ser ou não ser, eis a questão” e a cena em que o príncipe Hamlet está segurando um crânio humano. Na cena I do ato III, Hamlet diz: “Ser ou não ser — eis a questão. Será mais nobre sofrer na alma Pedradas e flechadas do destino feroz Ou pegar em armas contra o mar de angústias — E, combatendo-o, dar-lhe fim? Morrer; dormir; 6 Só isso. E com o sono — dizem — extinguir Dores do coração e as mil mazelas naturais A que a carne é sujeita; eis uma consumação Ardentemente desejável. Morrer — dormir — Dormir! Talvez sonhar. Aí está o obstáculo! Os sonhos que hão de vir no sono da morte Quando tivermos escapado ao tumulto vital Nos obrigam a hesitar: e é essa reflexão Que dá à desventura uma vida tão longa. Pois quem suportaria o açoite e os insultos do mundo, A afronta do opressor, o desdém do orgulhoso, As pontadas do amor humilhado, as delongas da lei, A prepotência do mando, e o achincalhe Que o mérito paciente recebe dos inúteis, Podendo, ele próprio, encontrar seu repouso Com um simples punhal? Quem agüentaria fardos, Gemendo e suando numa vida servil, Senão porque o terror de alguma coisa após a morte — O país não descoberto, de cujos confins Jamais voltou nenhum viajante — nos confunde a vontade, Nos faz preferir e suportar os males que já temos, A fugirmos pra outros que desconhecemos? E assim a reflexão faz todos nós covardes. E assim o matiz natural da decisão Se transforma no doentio pálido do pensamento. E empreitadas de vigor e coragem, Refletidas demais, saem de seu caminho, Perdem o nome de ação.” “Existir ou não existir?”, “viver ou morrer?”, o monólogo de Hamlet se volta para o sofrimento e tormentos da vida, se questionando o que seria melhor: continuar vivendo sabendo que viver é dor ou acabar com a vida, uma vez que se a vida é sofrimento, a morte é sua saída, porém há o receio do que significa a morte, do que virá após a morte. Nesse 7 monólogo Hamlet explora questões sobre a natureza da vida, reflexão sobre a morte e a luta contra o sofrimento. A cena da caveira é outro momento que Hamlet se questiona sobre o significado da vida.O crânio apresentado é do bobo da corte Yorick e, divagando, Hamlet acaba novamente no questionamento da vida e da morte,citando também Alexandre, o Grande e César Augusto, o príncipe pensa em como no final todos voltam a cinzas, sejam eles reis ou bobos da corte. Na cena I do ato V, Hamlet diz: “Não, por minha fé, nada disso! É apenas seguir o pensamento com naturalidade. Vê só: Alexandre morreu; Alexandre foi enterrado; Alexandre voltou ao pó; o pó é terra; da terra nós fazemos massa. Por que essa massa em que ele se converteu não pode calafetar uma barrica? César Augusto é morto, virou terra; Pôr o vento pra fora é sua guerra — O mundo tremeu tanto ante esse pó Que serve agora pra tapar buraco — só.” Schopenhauer e Hamlet estão envolvidos em uma busca pelo significado e pela verdade. Schopenhauer argumenta que o conhecimento e a arte podem oferecer uma compreensão mais profunda da realidade por trás da Vontade. O prazer estético é importante pois através dele que há um momento de alívio na dor e sofrimento humano, seria uma libertação dos desejos e momentânea indiferença com relação à Vontade. “No caso de Schopenhauer, além de uma grande dor, merecida ou imerecida — pois Schopenhauer considera descabida a noção de justiça poética, que recompensaria o inocente e puniria o culpado —, a tragédia deve também apresentar a purificação que esse sofrimento produz, exibindo a negação da vontade”(MACHADO, 2006, p. 183) A tragédia para Schopenhauer representa a natureza e a existência humana, apresentando seu lado terrível, a insignificância da vida e o nada das aspirações. “Portanto, tem lugar na tragédia a possibilidade que está contida em toda arte: o conhecimento, que está enraizado na própria vontade e deveria servi-la, volta-se contra ela. A apresentação da autodestruição da vontade fornece ao espectador o conhecimento de que a vida, como objetivo e objetividade dessa vontade, “não é digna de sua afeição”, levando-o à resignação. Com isso, na resignação a própria vontade, cuja manifestação é o homem, é suprimida em uma dialética dupla. Pois não só a vontade se volta contra si mesma no conhecimento que ela própria “acendeu como uma luz”, mas também traz à tona esse conhecimento por meio da ação trágica, cujo único herói é a vontade, que aniquila a si mesma.”(SZONDI, 2004, p. 54) 8 Schopenhauer tem Hamlet como um de seus exemplos ao tratar de arte trágica e a purificação do personagem ao morrer. O impulso dionisíaco em muito se relaciona com a vontade de Schopenhauer. Para Nietzsche, a tragédia seria a síntese do impulso apolíneo, que seria a representação, e o impulso dionísaco, que seria a vontade, criando uma arte que reflete a complexidade da vida humana e tornando estético os conceitos de Schopenhauer. Essa comparação também traz à tona a divergência dos pensamentos desses dois grandes filósofos. Enquanto se encontra uma visão negativa em Schopenhauer, Nietzsche mostra uma visão mais positiva. “Em Schopenhauer a vontade suprime a si mesma, por meio do processo trágico em que suas manifestações dilaceram, tendo como efeito no espectador o abandono de si, a resignação graças ao conhecimento. Para Nietzsche, por sua vez, o dionisíaco irrompe de seu despedaçamento na individualização justamente como um poder indestrutível, que constitui então a “consolidação metafísica” oferecida pela tragédia.” (SZONDI, 2004, p. 69). Então assim a “consolação metafísica” entra para Nietzsche. “[...] A tragédia não apenas dá o conhecimento da vontade, como também proporciona a afirmação da vontade [...]” (Machado, 2006, p. 238). “Enquanto a vontade nega a si mesma em sua objetivação ao se mostrar, o dionisíaco se afirma justamente na medida em que, a despeito de seu prazer na aparência apolínea que constitui a sua objetivação, nega esse prazer e essa aparência, criando um prazer mais elevado a partir do aniquilamento do mundo visível da aparência. Assim, a arte não é mais o espelho claro em que o mundo da individualização expressa o juízo sobre a vontade, mas um signo de que a individualização representa tanto “o fundamento primordial do mal” quanto “a esperança alegre de que o feitiço da individualização possa ser quebrado” — “o pressentimento de uma unidade restabelecida”.” (SZONDI, 2004, p. 69). As perspectivas opostas de Schopenhauer e Nietzsche se entrelaçam na peça shakespeariana e os monólogos citados encaixam na reflexão profunda sobre a vida e a morte que Hamlet debate consigo mesmo, onde o conhecimento que comunica e esse conhecimento é o objetivo da arte. Assim, é possível perceber como Hamlet explora a efemeridade da vida e o sofrimento humano de maneira que prossegue até os dias atuais, refletindo-os no público. V. Conclusão Levando-se em conta o que foi analisado ao decorrer deste trabalho, o dramaturgo William Shakespeare oferece ao público uma profunda exploração da condição humana, abordando o mal, o sofrimento, a revolta, a reflexão sobre a morte e a transitoriedade da vida, 9 abrindo o questionamento do protagonista ao espectador. Ao longo desta análise, foi demonstrado como Hamlet dialoga com as filosofias de Arthur Schopenhauer, Friedrich Nietzsche e Albert Camus em suas obras, proporcionando uma visão das questões existenciais que afligem o príncipe Hamlet ao longo do enredo. Friedrich Nietzsche introduziu às forças apolíneas e dionisíacas, presentes na tragédia grega e refletidas na hesitação e conflito interno de Hamlet, representando o mal e o sofrimento que o protagonista se depara ao longo da obra em questionamento ao bem e o mal, a moralidade de seu tio, a vida e a morte. Schopenhauer apresentou a ideia da Vontade e da Representação, que se reflete no sofrimento humano e na busca por significado. Albert Camus levou a considerar a revolta como uma resposta à absurda condição humana, onde viver é o ato da revolta e não deve se perder as esperanças e continuar seus esforços, pode-se notar como Hamlet se revolta contra um mundo cheio de traição e injustiça, ao mesmo tempo que hesita em suas ações, questionando o assassinato, o bem e o mal. Em última análise, Hamlet transcende seu tempo porque expressa profundamente a experiência humana. Os monólogos de Hamlet sobre a vida e a morte espelham reflexões sobre o significado da existência. Sua luta contra o mal, seu questionamento constante e sua busca por justiça ressoam com as preocupações eternas da humanidade. Shakespeare faz lembrar que, apesar da inevitabilidade do sofrimento e da incerteza que permeia a vida, a capacidade de refletir, de se revoltar e de buscar significado continua sendo uma fonte de força e resiliência. Dessa forma, Hamlet se situa uma obra prima atemporal que desafia a explorar as profundezas da própria existência com profundos questionamentos. As conexões que se traça com as filosofias de Arthur Schopenhauer, Friedrich Nietzsche e Albert Camus ampliam a compreensão dessa tragédia shakespeariana, destacando a sua relevância contínua na exploração das complexidades da natureza humana e na busca por sentido em um mundo muitas vezes caótico e incompreensível. VI. Referências CAMUS, A. O homem revoltado. [s.l.] Editora Best Seller, 2017. EDUCAÇÃO. Teatro no Renascimento (2): Inglaterra de Shakespeare se destaca. Disponível em: <https://educacao.uol.com.br/disciplinas/artes/teatro-no-renascimento-2-inglaterra-de-shakesp eare-se-destaca.htm#:~:text=O%20per%C3%ADodo%20elisabetano%20na%20Inglaterra,a% 20literatura%20e%20a%20poesia.>. Acesso em: 22 ago. 2023. 10 FRIEDRICH WILHELM NIETZSCHE; JACÓ GUINSBURG. O nascimento da tragédia ou helenismo e pessimismo. São Paulo: Companhia De Bolso, 2007. MACHADO, R. O Nascimento do Trágico. [s.l.] Editora Schwarcz - Companhia das Letras, 2006. REDAÇÃO BEDUKA. RESUMO de HAMLET: Completo, informações ténicas e Curiosidades! Disponível em: <https://beduka.com/blog/materias/literatura/resumo-de-hamlet/>. Acesso em: 22 ago. 2023. SCHOPENHAUER, A.; BARBOZA, J. O mundo como vontade e como representação. São Paulo: Ed. Unesp, 2005. SZONDI, P. Ensaio sobre o trágico. [s.l.] Zahar, 2004. SHAKESPEARE, W. Hamlet. Tradução: Erika PatríciaMoreira; Tradução: João Pedro Nodari. 1o. ed. [s.l.] Pé da Letra, 2021.
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