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AULA 02 – A POÉTICA ARISTOTÉLICA 1. Introdução: 1.1 – A imitação da vida: a arte busca imitar a vida. Entretanto, essa imitação não é uma mera representação da realidade, envolvendo, principalmente, a capacidade criativa do criador; 1.2 – Análise de textos: 1.2.1 – Autopsicografia (Fernando Pessoa): O poeta é um fingidor Finge tão completamente Que chega a fingir que é dor A dor que deveras sente. E os que leem o que escreve, Na dor lida sentem bem, Não as duas que ele teve, Mas só a que eles não têm. E assim nas calhas de roda Gira, a entreter a razão, Esse comboio de corda Que se chama coração. As duas primeiras estrofes ratificam a tese aristotélica de que o poeta é um imitador da realidade. Nessa perspectiva, o poeta é caracterizado como um fingidor, valendo-se da arte de imitar com a finalidade de transmitir suas expressões e visão de mundo. Além disso, a obra escrita não corresponde à própria vida do autor, mas um fingimento, ou seja, é uma vida modificada, inclusive no que diz respeito à exposição de dores – sendo estas, na verdade, representações. A recepção por parte dos leitores é de suma importância para o alcance do objetivo da obra, tendo em vista que esses sentimentos, após a interpretação realizada por esses leitores, podem despertar outros sentimentos nesses leitores ou até a manifestação de determinadas atitudes (é a capacidade da arte de tocar o outro). Por último, é retratada a arte como um jogo, buscando, através de uma teorização, responder o seguinte questionamento: o que é arte? – abrindo espaço para a exploração de outros campos além da razão. 1.2.2 – Arte poética (Jorge Luís Borges): Fitar o rio feito de tempo e água e recordar que o tempo é outro rio, saber que nos perdemos como o rio E que os rostos passam como a água. Sentir que a vigília é outro sonho que sonha não sonhar e que a morte que teme nossa carne é essa morte de cada noite, que se chama sonho. No dia ou no ano perceber um símbolo dos dias de um homem e ainda de seus anos, transformar o ultraje desses anos em música, em rumor e em símbolo, Na morte ver o sonho, ver no ocaso um triste ouro, tal é a poesia, que é imortal e pobre. A poesia retorna como a aurora e o ocaso. Às vezes pelas tardes certo rosto contempla-nos do fundo de um espelho; a arte deve ser como esse espelho que nos revela nosso próprio rosto. Contam que Ulisses, farto de prodígios, chorou de amor ao divisar sua Ítaca verde e humilde. A arte é essa Ítaca de verde eternidade, sem prodígios. Também é como o rio interminável que passa e fica e é cristal de um mesmo Heráclito inconstante, que é o mesmo e é outro, como o rio interminável. Trad.: Josely Vianna Baptista Borges utiliza o pensamento do pré-socrático Heráclito, inicialmente, o qual defendia a tese de que os fenômenos naturais se encontram em constantes mudanças (é impossível banhar-se duas vezes em um mesmo rio pois este jamais será o mesmo) – dando ênfase à uma discussão ontológica baseada no devir (mobilismo). Nas duas primeiras estrofes, há uma discussão acerca da percepção da realidade (relembrando Aristóteles), centralizada na modificação e na perda das matérias com o decorrer do tempo. Na segunda estrofe, mais especificamente, é ampliada a discussão entre o real e o imaginário e na terceira estrofe, abordada a percepção do todo no particular – um processo de “simbolização”. Encaminhando-se para o final do poema, Borges sustenta a importância inerente à simplicidade da arte (humildade em detrimento do prodígio) como um mecanismo crucial para a resistência artística perante às transformações da realidade. Na quinta estrofe, há uma ênfase na questão da imitação – não como mera representação da realidade, mas dotada da capacidade de sensibilizar e causar impactos (catarse). A ideia central transmitida, principalmente no final da obra, consiste na concepção de que a arte se encontra inerente a essas modificações descritas por uma perspectiva heracliana, entretanto, a sua pobreza e simplicidade garantem a sua preservação e imortalidade – podendo-se falar em uma “cristalização”. 2. Poesia x História: 2.1 – História como representação do real: a história se dedica a relatar acontecimentos inerentes ao mundo dos fatos; 2.2 – Poesia como representação do possível: a poesia, aproximando-se mais da filosofia, apresenta a capacidade de transcender o mundo dos fatos bem como a sua cronologia – expressando desejos, vontades, sonhos, sofrimentos, entre outros aspectos; 2.3 – Verossimilhança: conceituada por Aristóteles como a sucessão de eventos de acordo com o necessário (determinações naturais) ou com o possível – sendo esta o principal foco da poesia. Vale ressaltar que a análise de verossimilhança envolve os pressupostos e desdobramentos contidos na própria obra; 3. Gêneros da representação: 3.1 – Tragédia: retrata fatos relevantes para a sociedade, representando personagens melhores do que as pessoas são na realidade – seja no caráter ou na capacidade de ação; 3.2 – Comédia: retrata personagens inferiores do que as pessoas são na realidade – seja no caráter ou na capacidade de ação; 4. Conceitos fundamentais da poética aristotélica: 4.1 – Mythos (organização dos fatos) – narrativa que geralmente busca explicar o natural baseado no sobrenatural. Para Aristóteles, o mito proporciona uma análise acerca do encadeamento lógico dos fatos (início, meio e fim); 4.2 – Mímesis (representação da ação) – o teatro é a fonte de todas as dramaturgias, envolvendo representações enquanto mímesis (embora não seja uma cópia da realidade); 4.3 – Katharsis (purificação espiritual) – corresponde ao efeito no público proveniente da conversa com o público, variando a depender do tipo de arte. No caso da tragédia, pode-se falar em terror e compaixão; no caso da comédia, simpatia e riso. Vale salientar que a catarse possui um vínculo mais forte com o mito (organização dos fatos) do que com a representação da ação; 4.4 – Dianoia (sentido da obra) – corresponde à mensagem transmitida, ou seja, à finalidade da obra transmitida por meio da catarse; 5. Recursos narrativos para a produção da catarse: 5.1 – Peripécia (reviravolta) – mudança da sorte para o azar, ou vice-versa; 5.2 – Descoberta (reconhecimento) – revelação de uma qualidade oculta de uma personagem para os outros personagens e/ou para o público; 5.3 – Patética (vem de padecer – sofrimento) – exposição direta da angústia da personagem; OBS: A paixão de Cristo é uma obra que contém os três elementos anteriormente citados de forma bastante evidente. A cena do beijo de Judas delimita a reviravolta unida ao reconhecido e, em seguida, há uma sucessão de fatos que demonstram o sofrimento de Cristo, culminando na cena final que se trata da crucificação. 6. Relações entre os conceitos e exemplificação com Édipo Rei: 6.1 – Resumo do enredo: Na obra de Sófocles, Édipo Rei, o protagonista Édipo é condenado à morte quando ainda era um bebê. Após o seu pai – Lion - ouvir um oráculo de Delfos que profetizou que a criança iria matá-lo e ainda iria desposar sua esposa – a rainha Jocasta - o rei concordou que a melhor ação seria matar o bebê antes da profecia. Entretanto, isso acabou não acontecendo, pois um funcionário do palácio não obteve coragem para executar a ordem de homicídio e o recém-nascido cresceu distante de casa – numa família de camponeses. Quando Édipo completou dezoito anos consulta oráculo acerca do seu destino e entra em estado de choque ao se deparar com a revelação feita de que iria matar o seu pai e iria se casar com a sua mãe. Assim, resolve fugir do local em que vivia. Durante uma caminhada se desentendeu com um homem por conta da obstrução da passagem e o matou – e este era o seu pai biológico: Lion. Posteriormente veio a se apaixonar poruma mulher e a casar com a mesma em Tebas – sendo esta a sua mãe biológica: Jocasta. Entretanto, existia um clima ruim na cidade de Tebas devido à morte do rei Lion, iniciando-se investigações que culminam na descoberta de que Édipo havia assassinado Lion – revelada pelo depoimento de uma testemunha presente no dia do ato. Jocasta, percebendo que a profecia havia se cumprido por constatar ser uma pessoa mais velha que o atual marido e ter feito um raciocínio crítico, se envenena. Édipo fura seus próprios olhos (autoflagelação) – representando a ideia de que ele não havia percebido o que, de fato, estava acontecendo; 6.2 – Hubris (desmedida, soberba, arrogância): Motivo que conduziu à briga entre Édipo e Lion no trajeto – nenhum dos dois queria dar passagem ao outro. A arrogância corresponde a uma característica bastante propícia àqueles que são superiores (seja no caráter ou na capacidade de agir); 6.3 – Peripécia: Ocorre em conjunto com a descoberta do cumprimento da profecia, gerando uma desordem no ambiente familiar: envenenamento de Jocasta e autoflagelação de Édipo; 6.4 – Descoberta: Quando Édipo e Jocasta percebem o cumprimento da profecia; 6.5 – Patético: Autoflagelação de Édipo ao constatar que havia realizado a profecia; 6.6 – Dianoia: A natureza é um macrocosmo em relação aos homens, ou seja, os homens não podem fugir do destino (perspectiva mais voltada para à civilização antiga grega) e, por outro lado, a necessidade de se libertar de sentimentos degradantes como a arrogância (lição mais aceita no dia- dia, tendo em vista que a primeira se encontra vinculada a uma posição de conformismo). Em síntese, devemos buscar sermos mais humildes, pois apesar de podermos tanto, não podemos tudo e a arrogância é uma construtora de tragédias; REFERÊNCIA : A POÉTICA CLÁSSICA - ARISTÓTELES, HORÁCIO, LONGINO
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