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Indaial – 2022 Interpretação I Prof.ª Denize Cohen Bochernitsan Prof. Fernando Henrique Fogaça Carneiro Prof.ª Juliane Andresa Alves Nunes 1a Edição tradução e Elaboração: Prof.ª Denize Cohen Bochernitsan Prof. Fernando Henrique Fogaça Carneiro Prof.ª Juliane Andresa Alves Nunes Copyright © UNIASSELVI 2022 Revisão, Diagramação e Produção: Equipe Desenvolvimento de Conteúdos EdTech Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Ficha catalográfica elaborada pela equipe Conteúdos EdTech UNIASSELVI Impresso por: B664t Bochernitsan, Denize Cohen Tradução e interpretação I. / Denize Cohen Bochernitsan; Fernando Henrique Fogaça Carneiro; Juliane Andresa Alves Nunes. – Indaial: UNIASSELVI, 2022. 203 p.; il. ISBN 978-85-515-0521-2 ISBN Digital 978-85-515-0522-9 1. Processo de comunicação. - Brasil. I. Bochernitsan, Denize Cohen. II. Carneiro, Fernando Henrique Fogaça. III. Nunes, Juliane Andresa Alves. IV. Centro Universitário Leonardo Da Vinci. CDD 869 Na Unidade 1, abordaremos os conceitos e o processo de comunicação. Ter em mente o significado e o entendimento de como se realiza a comunicação em um mundo globalizado, bem como entender a diferença entre os aspectos que se fazem necessários durante a comunicação, promoverão o entendimento das estratégias utilizadas para emitir e receber mensagens. Como a profissão surgiu e qual a legislação que a reconhece? Em seguida, na Unidade 2, estudaremos as diferenças entre a tradução e interpretação, afinal de contas, traduzir e interpretar algo diferem em diversas perspectivas: desde tempo, precisão e finalidade, e conheceremos todos os enfoques que envolvem ambas as funções para entendermos por que nos tornaremos TILSP (Tradutores Intérpretes de Libras/Língua Portuguesa) após os nossos estudos. Por fim, na Unidade 3, aprenderemos sobre os aspectos culturais e as estratégias de interpretação em contextos diferenciados, pois a atuação do profissional intérprete não se limita a eventos e palestras, existe uma infinidade de locais e possibilidades para praticar e promover a acessibilidade linguística, desde salas de aula, empresas, órgãos públicos etc. e, justamente por isso, é de suma importância conhecer as questões culturais acerca da língua e as técnicas aplicáveis a cada ambiente. Ficou interessado em aprender sobre tradução e interpretação, sobre promover a acessibilidade linguística e fazer a diferença no âmbito da inclusão? Então vem com a gente e vamos começar a conhecer esse mundo! Bons estudos! Prof. Fernando Henrique Carneiro Fogaça Prof.ª Denize Cohen Bochernitsan Prof.ª Juliane Nunes APRESENTAÇÃO Olá, acadêmico! Para melhorar a qualidade dos materiais ofertados a você – e dinamizar, ainda mais, os seus estudos –, nós disponibilizamos uma diversidade de QR Codes completamente gratuitos e que nunca expiram. O QR Code é um código que permite que você acesse um conteúdo interativo relacionado ao tema que você está estudando. Para utilizar essa ferramenta, acesse as lojas de aplicativos e baixe um leitor de QR Code. Depois, é só aproveitar essa facilidade para aprimorar os seus estudos. GIO QR CODE Olá, eu sou a Gio! No livro didático, você encontrará blocos com informações adicionais – muitas vezes essenciais para o seu entendimento acadêmico como um todo. Eu ajudarei você a entender melhor o que são essas informações adicionais e por que você poderá se beneficiar ao fazer a leitura dessas informações durante o estudo do livro. Ela trará informações adicionais e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto estudado em questão. Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material-base da disciplina. A partir de 2021, além de nossos livros estarem com um novo visual – com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura –, prepare-se para uma jornada também digital, em que você pode acompanhar os recursos adicionais disponibilizados através dos QR Codes ao longo deste livro. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com uma nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página – o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo. Preocupados com o impacto de ações sobre o meio ambiente, apresentamos também este livro no formato digital. Portanto, acadêmico, agora você tem a possibilidade de estudar com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Preparamos também um novo layout. Diante disso, você verá frequentemente o novo visual adquirido. Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar os seus estudos com um material atualizado e de qualidade. ENADE LEMBRETE Olá, acadêmico! Iniciamos agora mais uma disciplina e com ela um novo conhecimento. Com o objetivo de enriquecer seu conheci- mento, construímos, além do livro que está em suas mãos, uma rica trilha de aprendizagem, por meio dela você terá contato com o vídeo da disciplina, o objeto de aprendizagem, materiais complementa- res, entre outros, todos pensados e construídos na intenção de auxiliar seu crescimento. Acesse o QR Code, que levará ao AVA, e veja as novidades que preparamos para seu estudo. Conte conosco, estaremos juntos nesta caminhada! Acadêmico, você sabe o que é o ENADE? O Enade é um dos meios avaliativos dos cursos superiores no sistema federal de educação superior. Todos os estudantes estão habilitados a participar do ENADE (ingressantes e concluintes das áreas e cursos a serem avaliados). Diante disso, preparamos um conteúdo simples e objetivo para complementar a sua compreensão acerca do ENADE. Confi ra, acessando o QR Code a seguir. Boa leitura! SUMÁRIO UNIDADE 1 - TRADUÇÃO E INTERPRETAÇÃO ........................................................1 TÓPICO 1 - O PROCESSO DE COMUNICAÇÃO ....................................................... 3 1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 3 2 TEORIA GERAL DO PROCESSO DE COMUNICAÇÃO ..........................................4 2.1 BALIZANDO CONCEITOS .................................................................................................... 4 2.2 COMUNICAÇÃO, LÍNGUA E LINGUAGEM ........................................................................5 2.2.1 O que é linguagem? ...................................................................................................6 2.2.2 E a língua? .................................................................................................................. 8 2.3 O PROCESSO DE COMUNICAÇÃO ................................................................................... 8 3 A COMUNICAÇÃO E A TRADUÇÃO E A INTERPRETAÇÃO ................................ 13 RESUMO DO TÓPICO 1 .......................................................................................... 19 AUTOATIVIDADE ...................................................................................................20 TÓPICO 2 - HISTÓRIA DA TRADUÇÃO E INTERPRETAÇÃO ................................23 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................23 2 HISTÓRIA DA TRADUÇÃO NO MUNDO .............................................................23 2.1 O SURGIMENTO DA TRADUÇÃO E INTERPRETAÇÃO ............................................... 24 2.2 TILS – TRADUTOR INTÉRPRETE DE LÍNGUA DE SINAIS .........................................27 2.3 HISTÓRIA DO PROFISSIONAL TRADUTOR E INTÉRPRETE DE LÍNGUA DE SINAIS ...................................................................................................................................27 2.3.1 Históriada tradução e interpretação no Sul do Brasil .....................................31 RESUMO DO TÓPICO 2 ..........................................................................................38 AUTOATIVIDADE ...................................................................................................39 TÓPICO 3 - LEGISLAÇÃO E CÓDIGO DE ÉTICA .................................................... 41 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 41 2 LEGISLAÇÃO .....................................................................................................42 2.1 DECRETO Nº 5.626, DE 22 DE DEZEMBRO DE 2005.................................................43 2.2 O INTÉRPRETE A SUA LEGISLAÇÃO .............................................................................45 3 CÓDIGO DE ÉTICA DO PROFISSIONAL INTÉRPRETE/TRADUTOR ................. 47 LEITURA COMPLEMENTAR ..................................................................................50 RESUMO DO TÓPICO 3 ..........................................................................................53 AUTOATIVIDADE ...................................................................................................54 REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 57 UNIDADE 2 — A TRADUÇÃO E A INTERPRETAÇÃO E OS ASPECTOS LINGUÍSTICOS DA LÍNGUA DE SINAIS ................................................................. 61 TÓPICO 1 — DIFERENÇA ENTRE INTERPRETAÇÃO E TRADUÇÃO......................63 1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................63 2 INTERPRETAR OU TRADUZIR ...........................................................................63 3 O INTÉRPRETE ................................................................................................... 67 RESUMO DO TÓPICO 1 ..........................................................................................70 AUTOATIVIDADE ....................................................................................................71 TÓPICO 2 - ASPECTOS LINGUÍSTICOS DA LÍNGUA DE SINAIS .......................... 73 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 73 2 ASPECTOS LINGUÍSTICOS ............................................................................... 73 2.1 LÍNGUA E LINGUAGEM.......................................................................................................74 3 A LINGUÍSTICA DA LÍNGUA DE SINAIS ............................................................. 77 RESUMO DO TÓPICO 2 .......................................................................................... 79 AUTOATIVIDADE ...................................................................................................80 TÓPICO 3 - ASPECTOS LINGUÍSTICOS DA LÍNGUA DE SINAIS: PRAGMÁTICO E SEMÂNTICO, SINTÁTICO, MORFOLÓGICO E FONOLÓGICO ................................83 1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................83 2 AFINAL, O QUE SÃO OS ASPECTOS LINGUÍSTICOS DA LÍNGUA DE SINAIS? 83 2.1 ASPECTO PRAGMÁTICO E SEMÂNTICO ........................................................................83 2.2 ASPECTO SINTÁTICO ........................................................................................................84 2.3 ASPECTO FONOLÓGICO ..................................................................................................85 2.3.1 Configuração de Mãos ............................................................................................86 2.3.2 Locação/ponto de articulação ............................................................................. 87 2.3.3 Movimento ................................................................................................................88 2.3.4 Orientação/direcionalidade ...................................................................................89 2.3.5 Não manuais/expressões faciais e corporais ..................................................90 3 MORFOLÓGICOS ................................................................................................ 91 LEITURA COMPLEMENTAR ..................................................................................99 RESUMO DO TÓPICO 3 ........................................................................................105 AUTOATIVIDADE .................................................................................................106 REFERÊNCIAS .....................................................................................................109 UNIDADE 3 — ASPECTOS CULTURAIS E LINGUÍSTICOS DA TRADUÇÃO E DA INTERPRETAÇÃO EM LIBRAS ............................................................................ 113 TÓPICO 1 — CULTURA, IDENTIDADE E RELAÇÕES DE PODER ..........................115 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................115 2 CULTURA, IDENTIDADE E DIFERENÇA ............................................................115 3 RELAÇÕES DE PODER E LUGAR DE FALA ...................................................... 118 4 ESTUDOS SURDOS E CONCEITOS CENTRAIS ............................................... 125 5 O TRADUTOR E INTÉRPRETE DE LÍNGUA DE SINAIS NESSE CONTEXTO .....131 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ 135 RESUMO DO TÓPICO 1 ........................................................................................ 136 AUTOATIVIDADE ................................................................................................. 137 TÓPICO 2 - CONHECIMENTO E USO DAS LÍNGUAS E OS PROCESSOS DE TRADUÇÃO E INTERPRETAÇÃO ......................................................................... 141 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................... 141 2 CONCEITOS BÁSICOS DA LINGUÍSTICA ......................................................... 141 3 ASPECTOS SOBRE O CONHECIMENTO E USO DE UMA LÍNGUA ...................145 4 COMPETÊNCIAS NA TRADUÇÃO E INTERPRETAÇÃO DE LIBRAS .................151 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................158 RESUMO DO TÓPICO 2 ........................................................................................ 159 AUTOATIVIDADE .................................................................................................160 TÓPICO 3 - ENFRENTAMENTO LINGUÍSTICO: FIGURAS DE LINGUAGEM, EXPRESSÕES IDIOMÁTICAS, GÍRIAS, INUENDOS, CLASSIFICADORES E DATILOLOGIA ...................................................................................................... 163 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................... 163 2 ALGUMAS FIGURAS DE LINGUAGEM.............................................................. 163 3 GÍRIAS, EXPRESSÕES IDIOMÁTICAS E INUENDOS ....................................... 167 4 CLASSIFICADORES E DATILOLOGIA .............................................................. 173 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................182 LEITURA COMPLEMENTAR ................................................................................183 RESUMO DO TÓPICO 3 ........................................................................................188 AUTOATIVIDADE .................................................................................................189 REFERÊNCIAS ......................................................................................................191 1 UNIDADE 1 - TRADUÇÃO E INTERPRETAÇÃO OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partirdo estudo desta unidade, você deverá ser capaz de: • conhecer a história da tradução e interpretação; • compreender a importância da tradução interpretação; • identifi car diferentes conceitos de comunicação; • compreender as implicações linguísticas do processo de comunicação. Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer dela, você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado. TÓPICO 1 – PROCESSO DA COMUNICAÇÃO TÓPICO 2 – A HISTÓRIA DA TRADUÇÃO E INTERPRETAÇÃO TÓPICO 3 – LEGISLAÇÃO E CÓDIGO DE ÉTICA Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações. CHAMADA 2 CONFIRA A TRILHA DA UNIDADE 1! Acesse o QR Code abaixo: 3 O PROCESSO DE COMUNICAÇÃO 1 INTRODUÇÃO A atuação de profissionais tradutores/intérpretes é uma realidade posta nos dias de hoje. É fato que atuam plenamente tanto em línguas orais quanto em língua brasileira de sinais de natureza visual-motora originárias de comunidades de pessoas surdas. Contudo, entende-se que, ao decidir trilhar o caminho para o exercício profissional, é de fundamental necessidade que tenhamos conhecimentos e informações que darão as bases para o exercício consciente, cidadão e responsável. Além disso, deve-se atentar para o fato de ser necessário ter clareza para onde se quer caminhar, que objetivos temos com a formação que buscamos, como projetaremos nosso conhecimento na profissão? No trecho a seguir, retirado de Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carrol, ilustra: — O senhor poderia me dizer, por favor, qual o caminho que devo tomar para sair daqui? — Isso depende muito de para onde você quer ir – respondeu o Gato. — Não me importo muito para onde – retrucou Alice. — Então não importa o caminho que você escolha” – disse o Gato. FONTE: Adaptado de <https://www.pensador.com/autor/alice_no_pais_das_maravilhas_lewis_carroll/>. Acesso em: 13 jan. 2022. Como vimos no trecho anterior, se não tivermos exatidão acerca dos nossos objetivos, não fará diferença o conhecimento que adquirirmos, pois não saberemos como utilizá-lo e onde aplicá-lo de forma coerente, então acreditamos que você, ao fazer esta formação acadêmica, já refletiu sobre algumas questões e fez a escolha: a opção de adquirir conhecimentos e informações sobre tradução e interpretação para atuar de maneira consciente quando estiver no mercado de trabalho, ou seja, já tem consciência do caminho que deverá trilhar. A partir dessa premissa, neste tópico iremos trazer alguns elementos sobre o processo de comunicação, um processo fundamental e essencial para a vida em comunidades, um instrumento de integração, de troca e de interação nos relacionamentos humanos. Aliado a isso, temos o fato de que tanto o tradutor como o intérprete são eminentemente profissionais cuja matéria prima de sua atuação é o ato de comunicar- se. TÓPICO 1 - UNIDADE 1 4 Portanto, neste tópico, abordaremos o processo e elementos presentes na comunicação, que, basicamente, se trata da transmissão de informação entre um emissor e um receptor que codifica (interpreta) uma determinada mensagem. 2 TEORIA GERAL DO PROCESSO DE COMUNICAÇÃO Antes de ingressarmos nos estudos de tradução, é necessário compreender alguns conceitos para nortear o conhecimento do que a função de tradução e interpretação representam, fazendo que tenhamos o pleno desenvolvimento de nossas ações ao desempenhar ambos os papéis no contexto profissional em que estivermos inseridos. 2.1 BALIZANDO CONCEITOS O processo de comunicação é essencial para a convivência em sociedade e por esse motivo propõe-se aqui a realização de percurso que julgamos necessário para que a comunicação flua e atinja o objetivo de transmitir determinada mensagem de forma que o receptor intérprete a compreenda. Afinal, qual é o desafio de uma comunicação para que se atinja plenamente o seu objetivo? No processo de comunicação, busca-se que haja um equilíbrio entre a mensagem que o emissor quer transmitir (intenção) a fim de que o receptor a receba na sua forma original (impacto). O processo de comunicação para cumprir seus objetivos não pode ter ruídos, deve ser claro e fidedigno. Então, isso aponta que o intérprete e o tradutor, no exercício de sua profissão, devem traduzir a mensagem emitida de forma fiel, para que o receptor a receba conforme o emissor comunicou. Cabe aqui salientar que não podemos confundir a tradução literal com tradução palavra – palavra e sim tradução literal é “aquela que mantém a semântica estrita, adequando a morfossintaxe às normas gramaticais da LT [língua da tradução]” (AUBERT, 1987 apud BARBOSA, 2004, p. 65). O fato de emitir uma mensagem não significa que ela será bem compreendida. Senão, se a emissão não for correta, sua recepção pode ser trocada, entendida ou interpretada de modo errado. Na Figura 1, uma representação para melhor compreensão da explicação anterior. 5 FIGURA 1 – EMISSOR EXPLICANDO O QUE É A “INTENÇÃO” NA EXPRESSÃO DA MENSAGEM E RECEPTOR COM EXPLICAÇÃO DO “IMPACTO” DELA FONTE: <https://beehavior.com.br/wp-content/uploads/2018/07/Inten%C3%A7%C3%A3o_Impacto- -768x644.png>. Acesso em: 13 jan. 2022. Isso posto, sentiu-se a necessidade de explorar pequenos conceitos que são princípios básicos, bem como os elementos que compõe a comunicação. 2.2 COMUNICAÇÃO, LÍNGUA E LINGUAGEM De acordo com Moreira (2021, s. p., grifo nosso), comunicação “é uma palavra derivada do termo latino ‘communicare’, que signifi ca ‘partilhar, participar algo, tornar comum’”. Para uma comunicação efi caz, o segredo é saber se expressar, saber ouvir e saber observar! Mas qual a importância de sabermos estes signifi cados/conceitos? Necessitamos entender que é através da comunicação, que os seres humanos partilham diferentes informações entre si, tornando o ato de comunicar uma atividade essencial para a vida em sociedade. Para que haja comunicação, é necessário haver uma linguagem, uma língua e uma fala. 6 Atualmente, existem cerca de 6500 línguas diferentes em todo mundo. Quase metade é falada com pouca frequência. As chamadas línguas minoritárias e os dialetos estão sob forte ameaça de extinção. FONTE: <https://www.dw.com/pt-br/metade-das-l%C3%ADnguas-faladas-no-mundo-sob- -amea%C3%A7a-de-extin%C3%A7%C3%A3o/a-643024>. Acesso em: 13 jan. 2022. INTERESSANTE 2.2.1 O que é linguagem? Encontra-se diferentes escritas para elucidar o termo. Para o nosso foco em tradução e interpretação, optamos por reproduzir o conceito de Barbosa (2019, s. p.): Linguagem é qualquer meio sistemático de comunicar ideias ou sentimentos, através de signos convencionais, sonoros, gráfi cos ou de qualquer tipo. Seguindo uma escala evolutiva, é possível considerar que a primeira forma organizada de comunicação é a falada, em seguida, com o tempo, criou-se a forma escrita e que proporcionou ao ser humano conhecer o tempo e a distância. Contudo, se faz coerente resgatar o conceito de Saussure (2006, p. 16) no que se refere à linguagem, uma vez que o autor destaca o papel social dela: A linguagem tem um lado individual e um lado social, sendo impossível conceber um sem o outro. [...] A cada instante, a linguagem implica ao mesmo tempo um sistema estabelecido e uma evolução: a cada instante, ela é um produto atual e um produto do passado. [...] Seria a questão mais simples se se considerasse o fenômeno linguístico em suas origens; se, por exemplo, começássemos por estudar a linguagem das crianças? Não, pois é uma ideia bastante falsa crer que em matéria de linguagem o problema das origens difi ra do das condições permanentes; não se sairá mais do círculo vicioso, então. Portanto, os dois autores trazem a linguagem como um sistema para comunicar as ideias que expressam o passado e o presente e que se constitui na representação dos signifi cados de diferentes modalidades. A linguagem verbal pode ser oral, escrita ou gestual(língua dos surdos). 7 FIGURA 2 – UMA MESMA MENSAGEM SENDO EXPRESSA EM DIFERENTES TIPOS DE LINGUAGEM PARA EXPLICITAR A DIFERENÇA DELAS FIGURA 3 – DUAS PESSOAS COMUNICANDO-SE EM LÍNGUA DE SINAIS FONTE: <https://sme.goiania.go.gov.br/conexaoescola/wp-content/uploads/2021/04/IMAGEM-3-SERIE- -e1618333622862.png>. Acesso em: 13 jan. 2021. FONTE: <https://cursocompletodepedagogia.com/wp-content/uploads/2021/04/lingua-brasileira-de-sinais. jpg#main>. Acesso em: 13 jan. 2022. Para passar para o próximo conceito, encerramos este subtópico trazendo com um recorte do prefácio do livro Depois de Babel de Steiner (2005, s. p.), para refl etir sobre a linguagem: O ser humano age como se fosse o criador e o senhor da linguagem, mas é ela que permanece a senhora do ser humano. Quando essa relação de dominância se inverte, o ser humano sucumbe a uma estranha mania de produção. A linguagem se torna, então, um meio de expressão. Enquanto expressão, a linguagem pode degenerar em simples meio de pressão. Mesmo lá onde o uso da linguagem não é mais do que isso, é bom que cada um seja cuidadoso com seu próprio dizer. Contudo, isso apenas não basta para nos ajudar a retornar à verdadeira relação entre a linguagem e o ser humano. Pois, de fato, é a linguagem que fala. O ser humano começa a falar e só fala à medida que responde à linguagem, à medida que escuta o apelo da linguagem. De todos os apelos a que nós humanos devemos responder, a linguagem é o mais alto e por toda parte o primeiro. Linguagem é, portanto, o sistema através do qual o ser humano comunica suas ideias e sentimentos, seja através da fala, da escrita ou de outros signos convencionais, que se modifi ca e se adapta conforme a passagem do tempo. 8 2.2.2 E a língua? A língua é um instrumento de comunicação, é composta por regras gramaticais que possibilitam que determinado grupo de falantes consiga produzir enunciados que lhes permitam comunicar-se e compreender-se. A língua possui um caráter social: pertence a todo um conjunto de pessoas, as quais podem agir sobre ela. De acordo com Saussure (1993, p. 3): “As línguas, esse é o objeto concreto que se oferece, na superfície do globo, ao linguista. A língua, esse é o título que se pode dar ao que o linguista souber tirar de suas observações sobre o conjunto das línguas, através do tempo e através do espaço”. Portanto, em resumo, a linguagem é a capacidade que os seres humanos têm para produzir, desenvolver e compreender a língua e outras manifestações, como a pintura, a música e a dança. Já a língua é um conjunto organizado de elementos (sons e gestos) que possibilitam a comunicação. Entender a diferença entre ambas é de suma importância para o tradutor-intérprete, uma vez que seu trabalho está intimamente ligado a esses conceitos. 2.3 O PROCESSO DE COMUNICAÇÃO O processo de comunicação é o elemento que estabelece o intercâmbio entre os indivíduos – grupos – desde que exista um código que é a mensagem organizada. A comunicação pode ser verbal ou não verbal e ocorre por meio de linguagem oral, escrita ou gestual motora, expressões corporais, sinais, imagens, fotografias etc. Contudo, independentemente da comunicação ser verbal ou não, existem elementos que fazem parte do processo, ou seja, é necessário ter um emissor que transmita a mensagem para que o receptor a receba. A mensagem, por sua vez, é o conteúdo da comunicação. Analisemos a Figura 4: 9 FONTE: <https://melinnaguedesportugues.wordpress.com/2014/05/21/elementosdacomunicacao> Aces- so em: 10 abr. 2021. FIGURA 4 – FIGURAS HUMANAS REPRESENTANDO OS ELEMENTOS PRIMORDIAIS DA COMUNICAÇÃO: EMISSOR, MENSAGEM E RECEPTOR Como representado na Figura 4, a comunicação é um processo complexo, que necessita de pelo menos dois atores ativos e um canal de comunicação para que aconteça a emissão de informação. Um aspecto significativo é que não há papéis definidos entre quem é o emissor e quem é o receptor, uma vez que durante o processo de comunicação eles podem se revezar: ora emite e ora recebe a mensagem. • Mensagem – é o conteúdo que é expedido, enviado. • Código – é o modo como a mensagem é transmitida (escrita, fala, gestos etc.). • Canal – é a fonte de transmissão da mensagem (revista, livro, jornal, rádio, TV, ar...). • Contexto – situação que envolve emissor e receptor. FONTE: <https://bit.ly/33aNlVM>. Acesso em: 13 jan. 2022. NOTA Então o processo de comunicação, para cumprir seus objetivos, precisa ter os elementos citados e não pode ter ruídos – deve ser claro. Isso quer dizer que o intérprete e o tradutor, no exercício de sua profissão, devem traduzir a mensagem emitida de forma fiel para que o receptor a receba corretamente. 10 Marques (2013) explica o processo de comunicação como uma lógica que poderá ter na fala a sinalização como meio de comunicação, porém não perderá as características esquematizadas na Figura 5. FONTE: Guedes (2011, s. p.) FIGURA 5 – ELEMENTOS DA COMUNICAÇÃO DE ACORDO COM A TEORIA MATEMÁTICA DA COMUNICAÇÃO, ONDE ENCONTRAMOS: FONTE DE INFORMAÇÃO, TRANSMISSOR, CANAL, RECEPTOR, DESTINATÁRIO Como podemos ver no esquema, o autor traz mais dois elementos da comunicação: a fonte de informação e o destinatário, que pode ou não ser om próprio transmissor, ou, ainda, uma terceira pessoa. Você já pensou nisso? E com o surdo o processo é o mesmo? Se pensarmos surdo-surdo do mesmo país, sim. Mas e o surdo- surdo de países diferentes ou surdo-ouvinte? Na Figura 6 temos um exemplo de situações que, infelizmente, são corriqueiras na vida de um sujeito surdo, em que ele tenta se fazer entender e não consegue, isso geralmente acontece quando a língua de sinais utilizada é de outro país ou quando o sujeito ouvinte não conhece a língua de sinais. 11 FONTE: <https://www12.senado.leg.br/noticias/especiais/especial-cidadania/baixo-alcance-da-lingua-de- -sinais-leva-surdos-ao-isolamento/imagem-cena-filme/@@images/imagem>. Acesso em: 13 jan. 2022. FIGURA 6 – TRÊS PESSOAS AO REDOR DE UMA MESA, ONDE UM DELES APARENTEMENTE ESTÁ INDA- GANDO O SUJEITO DE COSTAS, ENQUANTO A MOÇA DE FRENTE MOSTRA UM AR AFLITO. NA LEGENDA: VOCÊS NÃO ESTÃO ENTENDENDO O QUE ELA ESTÁ FALANDO? Se pensarmos na comunicação do surdo/ouvinte, ou vice-versa, esse processo para ser eficiente deverá contar com mais um participante: o tradutor/intérprete, como agente mediador de uma comunicação plena, promovendo a acessibilidade linguística tanto do emissor, quanto do receptor, sem importar qual dos dois será o surdo e qual será o ouvinte, pois ele poderá fazer a interpretação tanto da Libras para a Língua Portuguesa, quanto o contrário. Na Figura 7, diferente da Figura 6, podemos observar a atuação de uma tradutora/intérprete na sala de aula: FONTE: <https://www.librasol.com.br/wp-content/uploads/2015/04/13_jo_libras_certa.jpg>. Acesso em: 13 jan. 2022. FIGURA 7 – PROFESSOR DANDO AULA PARA UMA TURMA QUE PARECE SER DE ENSINO FUNDAMENTAL E UMA TRADUTORA/INTÉRPRETE REALIZANDO A TRADUÇÃO SIMULTÂNEA PARA ALUNO SURDO 12 Nesse caso, há uma tríade que será de extrema importância para a compreensão da mensagem. O emissor, utilizando a fala, passa sua mensagem para o tradutor que colocará o conteúdo na língua de sinais e utilizará o canal visual (Libras) para emitir a mensagem ao receptor que, nesse caso, é o surdo. Vemos que todos os elementos envolvidos no processo de comunicação cumprem seus papéis de forma plena e a mensagem é compreendida pelo receptor, diferente da Figura 6, na qual há um “truncamento” na comunicação, por não ter um tradutor/intérprete fazendo a mediação. Segundo Reiter (2007, p. 15), “A comunicação só se efetivará na medida em que todos os elementos estiverem presentes. Se o receptor não capta ou não compreende a mensagem, não pode haver comunicação”. Entretanto, como visto anteriormente, a não compreensão da mensagem poderá ter como causa a mensagem emitida erroneamente e, por isso o receptor não poderá compreender o emitido. FONTE: <https://www.eosconsultores.com.br/wp-content/uploads/2017/08/ruido-na-comunica%-C3%A7%C3%A3o-768x388.jpg>. Acesso em: 13 jan. 2022. FIGURA 8 – DESENHO DE DUAS FIGURAS HUMANAS REPRESENTANDO UM PROCESSO DE COMUNICA- ÇÃO, ONDE O RECEPTOR NÃO CONSEGUE ENTENDER A MENSAGEM EMITIDA EM FUNÇÃO DE RUÍDOS NO CANAL O “ruído” representado na Figura 8 pode ser justamente a falta do tradutor/ intérprete, que faz com que o receptor, no caso, o sujeito surdo, não entenda a mensagem transmitida pelo sujeito ouvinte ou vice-versa. Imaginemos uma situação em que o surdo não tem o tradutor, em decorrência de falha da instituição, ou simplesmente porque o profissional precisou se ausentar e não há outro para substituí-lo no local, como ficará para esse sujeito entender o que está sendo dito ou se fazer entender? Percebe-se, pelos depoimentos a seguir, que, na área educacional, a dificuldade de produzir uma comunicação preocupa os docentes, que acabam dependendo dos tradutores/intérpretes até mesmo para estabelecerem laços com seus alunos surdos: 13 Um dos professores disse que se sentia de mãos atadas em relação à comunicação. Ele relatou que certa vez aplicou uma prova de recuperação para um garoto surdo e que, no mesmo dia, o intérprete faltou. Sentindo-se impotente, o docente conta ter conhecido seu aluno verdadeiramente naquele momento. Ele percebeu o quanto era “dependente” do intérprete e que sua relação era basicamente estabelecida apenas com ele, não com o estudante. Uma professora disse que ao iniciar suas aulas e perceber que o intérprete ainda não estava lá, costumava rezar para que ele chegasse, pois sem ele, ela não poderia comunicar-se com seu aluno. Outra docente relatou ter dúvidas sobre o que o profissional traduzia, porque eram “muitos sinais para pouca fala”. Ela se questionava se de fato seu estudante surdo estava compreendendo o conteúdo de sua aula (COSTA, 2017, s. p.) Os exemplos anteriores mostram os ruídos que podem atrapalhar a comunicação, portanto, a figura do tradutor intérprete auxilia para minimizar os ruídos da comunicação, que resumidamente causam incompreensão da mensagem. Percebam que o intérprete/ tradutor não poderá ser o responsável pelo surdo ou pelo receptor. O emissor também deverá conhecer ou interessar-se em obter informações sobre a comunicação desse sujeito. Portanto, podemos dizer que o tradutor/intérprete de Libras é o profissional que interpreta e traduz a mensagem de uma língua para outra de forma precisa, permitindo a comunicação entre duas culturas distintas. Ele possui, assim, a função de intermediar a interação comunicativa entre o surdo e a pessoa que não usa a Libras. 3 A COMUNICAÇÃO E A TRADUÇÃO E A INTERPRETAÇÃO Como vimos anteriormente, uma língua está intimamente ligada à cultura de um povo ou comunidade, por isso, enquanto intérpretes, devemos ter muito cuidado com nossas intervenções tradutórias, como, por exemplo, quando combinamos um determinado sinal para agilizar a tradução de um determinado contexto. As combinações tradutórias são muito comuns em áreas de estudo que não tem ainda desenvolvidos os vocabulários específicos, mas devemos ter em mente que um sinal “combinado” entre as partes envolvidas não passa a ser um sinal oficial. Para ampliação de vocabulário em todas as áreas, se faz necessário um amplo estudo, principalmente de surdos que tenham conhecimento ou formação na área em análise, criando, dessa forma, um glossário, para que esses sinais venham a ser divulgados na comunidade surda. É importante destacar essa questão, pois uma intervenção na língua é uma intervenção na cultura e preservá-la, é preservar todo o povo que a utiliza. Para que possamos fazer uma reflexão a respeito do quanto é importante preservarmos a integridade da língua, proponho começarmos este subtópico lendo uma notícia divulgada na Alemanha, no jornal Deustsche Welle. https://diversa.org.br/tag/avaliacao 14 METADE DAS LÍNGUAS FALADAS NO MUNDO SOB AMEAÇA DE EXTINÇÃO Marion Andrea Strüssmann Preservar o idioma é preservar a cultura de um povo Atualmente existem cerca de 6500 línguas diferentes em todo o mundo. Quase metade é falada com pouca frequência. As chamadas línguas minoritárias e os dialetos estão sob forte ameaça de extinção. A informação é da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) a partir de um estudo que analisa a pressão exercida naturalmente pelas línguas dominantes e a repressão política, apontadas como principais responsáveis pelo possível extermínio de cerca da metade dos 6500 idiomas falados em todo o mundo. Tal redução pode causar sérios danos à riqueza Linguística mundial, conforme dados do relatório. O texto alerta que o desaparecimento de uma língua acarreta a perda defi nitiva de uma parte insubstituível do conhecimento humano. Em outras palavras, quando uma língua morre leva consigo a cultura do povo que praticava o idioma. E isso é irreversível. [...] Na Europa são faladas 230 línguas, enquanto no continente asiático são 2200. Na África, 550 línguas das 1,4 mil existentes poderão sumir em breve. O estudo cita ainda países como Japão, Filipinas e Papua Nova Guiné. Nesta região do Pacífi co concentram-se atualmente um terço de todas as línguas faladas no mundo. Os idiomas francês, espanhol, chinês e russo sufocaram as línguas minoritárias em seus países. A principal causa seria a globalização que, indiretamente, padroniza o idioma de cada nação. Isso faz com que as línguas que não são ofi ciais acabem sendo pouco valorizadas e faladas por um número cada vez menor de pessoas. [...] FONTE: Adaptado de <https://www.dw.com/pt-br/metade-das-l%C3%ADnguas-faladas-no-mundo-sob- -amea%C3%A7a-de-extin%C3%A7%C3%A3o/a-643024>. Acesso em: 13 jan. 2022. O que você acha. As línguas realmente sofrem um dano linguístico e o conhecimento humano se perde com a extinção de uma língua? E você já pensou se o interprete/ tradutor poderá prejudicar a estrutura linguística da Língua de Sinais, no momento que intervém criando sinais? Por quê? ATENÇÃO 15 A notícia nos mostra o perigo da extinção e a preocupação da Unesco, o prejuízo se o fato ocorresse, o quanto se perderia em questão de comunicação. Contudo, como todas essas línguas se comunicam? Em algumas situações utilizam uma língua comum entre os envolvidos, como o inglês, francês etc. Contudo, em situações ofi ciais, é o intérprete/tradutor quem propicia o estabelecimento de alianças entre diferentes países. Também são responsáveis pelas notícias internacionais e ao acesso à cultura e literatura de outros povos. Estima-se que, no Brasil, em torno de 75 a 80% dos textos do saber científi co e tecnológico provêm de traduções entre diferentes línguas. Frente a isso, sabe-se que muitas tentativas foram feitas para criação ou utilização de uma só língua, que não representasse nenhuma cultura ou comunidade e, sim, que pudesse ser utilizada como a língua franca em atividades como o comércio e a diplomacia. O esperanto, língua artifi cial criada pelo médico e estudioso de línguas polonês, Ludwig Lazar Zamenhof (1859-1917), por volta de 1887, para ser língua de comunicação internacional –possui gramática muito simples e regular e utiliza as raízes das línguas europeias mais faladas, além de raízes latinas e gregas. É a mais conhecida das línguas artifi ciais (criadas) para atingir esse objetivo. Algumas expressões em Esperanto: • Jes. – Sim. • Ne. – Não. • Saluton! – Olá! • Kio estas via nomo? – Qual é seu nome? • Mia nomo estas… – Meu nome é… • Kiel vi fartas? – Como você está passando? • Mi fartas bone... – Passo bem... FONTE: <https://veja.abril.com.br/cultura/aprenda-algumas-palavras-e-frases-em-espe- ranto/>. Acesso em: 13 jan. 2022. INTERESSANTE Podemos dizer que a língua artifi cial (o oposto da língua natural) é planejada para um determinado fi m, sem ter uma evolução natural ou interação com uma cultura ou comunidade étnica. O esperanto foi uma língua criada artifi cialmente, sem ter o aspecto cultural ou qualquer outro relevado, porém, com um únicoobjetivo de ser uma língua utilizada por todos, sem se importar com as particularidades da comunidade que a utiliza. A Libras, embora muitos continuem não aceitando que é uma língua e sim gestos, tem sua estrutura e gramática linguística, tendo como diferença que há uma língua internacional, conhecida para facilitar a comunicação entre o povo e a comunidade surda. 16 A comunidade surda/povo surdo também tem sua língua universal. Conhecida como gestuno ou Língua Internacional de Sinais (LSI). O vocábulo gestuno está caindo em desuso e se usa, ou os Sinais Internacionais (SI) ou a Língua Internacional de Sinais (LSI). A LSI é utilizada em eventos onde surdos de diferentes nacionalidades interagem, como: surdolimpíadas, conferências internacionais ou, informalmente, quando viajam. Uma categoria de tradutores e intérpretes que estão começando a aprender essa língua para a tradução internacional. Quando não há um intérprete conhecedor da LSI, acaba-se trazendo um surdo bilingue (LSI e LSB) para auxiliar na interpretação. O Brasil vai sediar a surdolimpiadas. As competições estavam previstas para o período entre 5 e 21 de dezembro de 2021. Contudo, por conta da situação ainda preocupante da pandemia do coronavírus, a nova data prevista é entre os dias 1º e 15 de maio de 2022. INTERESSANTE FONTE: <https://www.rbsdirect.com.br/ima- gesrc/25731112.jpg?w=460>. Acesso em: 13 jan. 2022. FIGURA – SÍMBOLO E MASCOTE Assista à tradução em língua de sinais internacional e brasileira em: https://bit.ly/34iswbx. FONTE: <https://gauchazh.clicrbs.com.br/pioneiro/esportes/ noticia/2021/02/surdolimpiadas-em-caxias-do-sul-e-adiada-para- maio-de-2022-ckkn9r872007j019wpdt69l7v.html>. Acesso em: 13 jan. 2022. Como podemos perceber, o ponto aqui não é sobre qual língua é mais importante que outra, não é a quantidade de falantes que determina se é uma língua ou não, mas a expressão de uma comunidade, de um povo e de sua cultura. Chamamos de língua franca a “língua de contato ou de relação que assume num determinado período histórico, ou numa determinada região, importância especial nas relações de contato e na comunicação entre grupos ou membros de grupos linguisticamente distintos para o comércio internacional e outras formas de interação” (KAHMANN, 2002, p. 70). Podemos afi rmar que são questões como a política, econômicas e militares que fazem com que um idioma tenha importância no plano internacional e se confi gure como língua franca. 17 Em algumas situações se faz necessário uma tradução para vários idiomas. Quando, em 2009, Ahmadinejad, presidente do Irã, veio ao Brasil para encontrar-se com o presidente Lula, foi por meio de um complexo sistema de tradução que eles se comunicaram. Como não existem tradutores de farsi (que é a língua oficial do Irã) direto para o português, houve a necessidade de se fazer a tradução do farsi para o inglês e depois a tradução do inglês para o português. Só assim os brasileiros puderam compreender as falas do presidente iraniano. Em Libras também ocorre essa situação. No ano de 2011, no salão de atos da UFRGS, foi realizado o Festival da Cultura Surda: entre os palestrantes surdos de outros países. A tradução e interpretação foi realizada por um surdo conhecedor da língua de sinais utilizada pelo palestrante e colocada em Libras e, após, um intérprete traduzia para o oral. Em qualquer ato convencional de tradução encontramos pelo menos duas línguas, ou melhor: dois sistemas linguísticos. O sistema linguístico aqui entendido como “Conjunto formado pelas unidades da língua – em uso e ainda possíveis de serem usadas –, que se relacionam segundo regras determinadas” (SAUSSURE, 2006, p. 25). Nesse caso, as modalidades eram as mesmas, mas a fonologia era diferente. Existem muitos outros locais onde a cultura surda é disseminada através do uso da língua de sinais, como podemos observar nas imagens a seguir, que mostram eventos já consolidados e amplamente divulgados através da internet: FONTE: <http://www.signatores.com.br/img/alice/trioescada.jpg>. Acesso em: 13 jan. 2022. FIGURA 9 – ESPETÁCULO ALICE NO PAÍS DAS MARAVILHAS – GRUPO SIGNATORES 18 FONTE: <https://mam.org.br/storage/2021/02/festival-corpo-palavra-slam-do-corpo-1-980x246.jpg>. Acesso em: 13 jan. 2022. FONTE: <https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2018/07/a-falta-de-familiaridade-gera-medo-diz- -rapper-surdo.shtml>. Acesso em: 13 jan. 2022. FIGURA 10 – SLAM DO CORPO FIGURA 11 – RAP SURDO Como pudemos observar, os artefatos culturais produzidos pela comunidade surda, aqui apresentados, o teatro, o rap e até mesmo o slam – que é um tipo específico de poesia colocada sob uma outra perspectiva – são manifestações da língua ou, melhor dizendo, são apresentadas através da língua de sinais, dando visibilidade a toda a cultura que integra o povo surdo. Esses artefatos são de extrema importância para a perpetuação da língua e da cultura que ali estão expressos e o tradutor/intérprete tem, frente a isso, a responsabilidade de, ao mediar tais apresentações, fazê-lo da forma mais fidedigna possível, pois interferirá diretamente na conservação delas. 19 Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como: • Comunicação é uma palavra derivada do termo latino "communicare", que significa "partilhar, participar algo, tornar comum". • O processo de comunicação é o elemento que estabelece o intercâmbio entre os indivíduos e grupos, desde que exista um código, que é a mensagem organizada. • Linguagem verbal é aquela que produz ideias, sentimentos ou manifestações através da fala e dos gestos. • Linguagem não verbal, aquela que é produzida por meio de pinturas, desenhos, danças e escritas. • Linguagem mista ou hibrida é a que utiliza a fala/gestos e imagem, dança etc. • A língua é um instrumento de comunicação, é composta por regras gramaticais que possibilitam que determinado grupo de falantes consiga produzir enunciados que lhes permitam comunicar-se e compreender-se. • Conceitos dos elementos presentes e essenciais na comunicação: mensagem, canal, contexto, emissor e receptor. • Houve a tentativa de se criar e utilizar a língua universal esperanto, e, na área da surdez, o gestuno. O esperanto está em desuso, porém o gestuno, conhecido atualmente por língua internacional de sinais, é utilizada onde a comunidade surda de diferentes países se encontram. • O processo de comunicação do surdo/ouvinte terá um elemento a mais, o intérprete. RESUMO DO TÓPICO 1 20 1 A língua é utilizada na comunicação, porém, na história, diferentes usos foram feitos da língua. A respeito disso, associe os itens, utilizando o código a seguir: I- Língua Universal. II- Língua Artificial. III- Língua Natural. IV- Língua Franca. ( ) O português, inglês, russo são exemplos dessa língua. É o sistema de comunicação verbal que se desenvolve espontaneamente no interior de uma comunidade. ( ) São línguas construídas para facilitar a comunicação. Exemplo: esperanto e ido. ( ) É a língua tomada como língua comum de grupos sociais que falam, cada um, uma língua diferente dos outros. ( ) Uma língua mundial ou universal é uma língua falada internacionalmente, que é aprendida por muitos como segunda língua. Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA: a) ( ) III – II – IV – I. b) ( ) IV – II – III – I. c) ( ) II – IV – III – I. d) ( ) I – I – III – IV. 2 Falamos sobre a língua franca, hipoteticamente, pensando se a maioria da população mundial fosse surda, você acredita que a língua de sinais internacional seria a língua franca nas negociações internacionais? Justifique sua resposta. 3 O fato de sermos pessoas racionais, faz com que utilizemos alguns elementos para nos comunicar. A este aspectos chamamos comunicação. A comunicação é um processo que deve ter os seguintes elementos para ocorrer: a) ( ) Emissor, receptor, canal, mensagem. b) ( ) Emissor, receptor, intérprete, mensagem. c) ( ) Intérprete, mensagem, surdo,emissor. d) ( ) Falante, ouvinte, mensagem, canal. 4 A linguagem é vista como meio de interação social entre os indivíduos de uma comunidade. Partindo dessa afirmação, comente acerca da relação que se estabelece entre os indivíduos participantes. AUTOATIVIDADE 21 5 Como percebemos, o processo de comunicação é natural no ser humano, porém, cientificamente, faz-se necessário conceituar a linguagem, a língua e a fala. Sobre o exposto, analise as afirmativas a seguir. I- Linguagem é um sistema para comunicar as ideias que expressam o passado e o presente e que se constitui na representação dos significados de diferentes modalidades. A linguagem verbal pode ser oral, escrita ou gestual (língua dos surdos). II- Língua é um instrumento de comunicação, sendo composta por regras gramaticais que possibilitam que determinado grupo de falantes consiga produzir enunciados que lhes permitam comunicar-se e compreender-se. A língua possui um caráter social: pertence a todo um conjunto de pessoas, as quais podem agir sobre ela. III- A linguagem é o mecanismo que utilizamos para transmitir nossos conceitos, ideias e sentimentos. Trata-se de um processo de interação. Qualquer conjunto de signos ou sinais é considerado uma forma de linguagem. Já a língua é um código verbal característico, ou seja, um conjunto de palavras e combinações específicas compartilhado por um determinado grupo. IV- Fala é a utilização oral da língua pelo indivíduo. É um ato individual, pois cada indivíduo, para a manifestação da fala, pode escolher os elementos da língua que lhe convém, conforme seu gosto e sua necessidade, de acordo com a situação, o contexto, sua personalidade, o ambiente sociocultural em que vive etc. Assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) Apenas I e II estão corretas. b) ( ) Respostas II, III e IV estão corretas. c) ( ) Nenhuma alternativa correta. d) ( ) Todas as respostas estão corretas. 22 23 HISTÓRIA DA TRADUÇÃO E INTERPRETAÇÃO 1 INTRODUÇÃO O surdo, durante muito tempo, teve em sua história uma barreira de comunicação, sua língua não era aceita e somente em 2002 a Libras conseguiu o reconhecimento, e com isso surgiu a luta pela oficialização de uma nova profissão, o tradutor/intérprete. No Brasil, surgiram cursos para profissionalizar as pessoas para trabalhar nessa mediação, tornando cada vez mais necessário que haja estudos e pesquisas para esta área. O profissional tradutor intérprete de Língua Brasileira de Sinais-Libras e, também, de Língua Portuguesa é o profissional responsável por fazer a mediação entre as línguas brasileira de sinais e portuguesa esse é o papel do intérprete promover a Acessibilidade à pessoa surda nos diversos espaços sociais. Os intérpretes de Libras sempre existiram no Brasil, assim como as pessoas surdas, embora ainda não tendo o reconhecimento como profissionais intérpretes e nem aclamados como tal, mesmo porque a Libras não era tida como língua, e nem existiam cursos de formação para tradutor/intérprete. Entretanto, com o surgimento do primeiro curso, em 1997, em uma parceria da UFRGS e da Federação Nacional de Educação de Integração dos Surdos, regional do Rio Grande do Sul (Feneis) a visão para com a Libras e os intérpretes passou a ser mais clara, com um olhar verdadeiro, natural e respeitoso. O surgimento, também, de várias associações de intérpretes solidifica a profissão e auxilia na construção da identidade do tradutor intérprete. No entanto, como essa profissão surgiu? Acadêmico, no Tópico 2, abordaremos a história da tradução/interpretação. Veremos como surgiu na história, bem como o necessário em diferentes países para exercer essa função. Após, focalizaremos na história do Brasil e no Rio Grande do Sul. Vamos lá? 2 HISTÓRIA DA TRADUÇÃO NO MUNDO Traduzir é a maneira mais atenta de ler, é quando se pensa e repensa sobre as palavras, se busca interpretá-las e substituí-las. Por isso é de extrema importância que se tenha um conhecimento amplo das duas línguas, pois a busca por sinônimos e sinais acontece numa fração de segundos. UNIDADE 1 TÓPICO 2 - 24 O tradutor/intérprete tem a responsabilidade de repassar o conteúdo da interpretação, seja aula, palestra, ou qualquer outro tipo de evento, de forma o mais fi dedigna possível, pois é direito dos sujeitos envolvidos nesse processo de comunicação receberem todas as informações. Então, essa profi ssão tem um papel social muito importante. Como surgiu a necessidade desse profi ssional? É o que veremos a seguir: 2.1 O SURGIMENTO DA TRADUÇÃO E INTERPRETAÇÃO Vários personagens da história foram intérpretes ou tradutores. Um exemplo foi Martinho Lutero (1483-1546), que ousou interpretar diferentemente as escrituras sagradas. Outro exemplo foi Francisco de Assis, que viajava pela Europa aprendendo e atuando em resolução de situações problemas entre pessoas com línguas diferentes. No entanto, nossos estudos não focam somente nesses momentos, e também em documentos encontrados em diferentes épocas. De acordo com a pesquisa de Pagura (2013), a mais antiga referência a um intérprete parece ser um hieróglifo egípcio do terceiro milênio antes de Cristo. Há registros de intérpretes na antiga Grécia e no Império Romano. Na Bíblia, o Apóstolo Paulo faz a seguinte admoestação em sua Epístola aos Coríntios: "E se alguém falar em língua desconhecida, faça-se isso por dois, ou quando muito três, e por sua vez, e haja intérprete" (1 Co 14.28). A atuação de intérpretes também está documentada na Idade Média, seja nas Cruzadas ou em encontros diplomáticos. Os processos de tradução e interpretação não constituem atos da contemporaneidade como muitos imaginam. Batalha (2015) coloca que a interpretação simultânea seja relacionada aos movimentos pós-guerra, principalmente em conferências, essa modalidade já era praticada desde o Egito Antigo e no Império Romano quando se utilizavam línguas orais. Em documentos datados de três mil anos antes de Cristo pode-se constatar uma referência a um supervisor de intérpretes onde indica que essa categoria era usada na administração pública. A tradução simultânea foi usada pela primeira vez durante os julgamentos dos na- zistas após a Segunda Guerra Mundial. ATENÇÃO Focando na tradução diplomática, estima-se que sua existência data de mais de quatro milênios. Na Grécia Antiga, embaixadores eram enviados para diferentes missões à diferentes regiões para entregar mensagens, intercambiar oferendas e sustentar os pontos de vistas de seu povo para os governantes. E para isso era necessário pessoas que fi zessem o papel de tradutores e intérpretes. 25 Entretanto, foi em Roma que surgiram as primeiras teorias sobre a tradução. Horácio, Vírgilio e Cícero, que traduziam do grego, utilizaram sua prática para estudar as dificuldades de transpor uma mensagem produzida em uma língua para a compreensão dos leitores em outro idioma. FONTE: <https://bit.ly/3LGTqKT>. Acesso em: 13 jan. 2022. FIGURA 12 – HORÁCIO, VIRGÍLIO E CÍCERO Até o início da Idade Média as atividades do tradutor Intérprete continuaram as mesmas. Na Idade Média, o francês predominava como o idioma usado pelos nobres nos negócios e nas relações internacionais. Somente em 1919, após a Conferência de Paris, deixaria de sê-lo, pois os políticos exigiam a implantação do multilinguismo, dada à abertura comercial com países anglo-saxônicos e demais países do mundo. Os registros da tradução ocorrem em maior número na área religiosa. As práticas de tradução e da interpretação aconteciam em mosteiros, concílios e sinagogas, que agrupavam diferentes pessoas em busca de uma identidade religiosa, de um maior aprofundamento sobre a religião ou simplesmente prática da crença religiosa. Também, diversos religiosos viajavam para locais remotos levando a palavra de Deus e aprendiam a comunicação local, atuando como intérpretes quando necessário. Lutero afirmava que teria que se interpretar a palavra de Deus para que houvesse a compreensãode todos e não simplesmente aceitá-la. Nesse momento, Lutero é condenado e acontece a reforma protestante. Mais ou menos na época da reforma, aconteceram as grandes navegações, descobertas de novas terras exigiram intérpretes para comunicar-se com os índios. Assim, os conquistadores desenvolveram a prática de raptar jovens entre as tribos e forçá-los ao convívio com os europeus até que aprendessem o idioma. 26 Cristóvão Colombo constatou que seu intérprete de árabe e hebreu de pouco lhe serviu para comunicar com os índios. Consequentemente, e após essa primeira viagem, ele decide capturar alguns índios e ensinar-lhes o espanhol para que lhe pudessem ser úteis como intérpretes na expedição seguinte. O mesmo aconteceu com espanhóis que estiveram presos pelos índios e aprenderam a língua e os costumes desse povo, servindo também de intérpretes. Naturalmente, a “confi ança”, que é um elemento fundamental para a realização da comunicação, não se estabeleceu nem de um lado nem de outro. Na conquista do território que hoje é o México, houve um episódio que ilustra bem essa questão. Segundo Paz e Gutierrez (2013) uma asteca chamada Malinche (que era de origem nobre, mas foi dada como escrava) conviveu entre vários grupos que habitavam aquela região e aprendeu vários idiomas indígenas. Quando chegou o conquistador Hernán Cortez, ela serviu de intérprete para as mensagens que os espanhóis traziam de uma nova religião e de domínio. Ela tornou-se amante de Cortez e teve com ele um fi lho. Cortez foi o responsável pelo massacre dos indígenas na península de Yucatán. O nome “Malinche” entre os mexicanos é até hoje sinônimo de “traidora”. Essa importante personagem histórica é representada como uma mulher de duas caras e duas palavras. FONTE: <https://www.cceturin.com/wp-content/uploads/2019/03/LaMalinche.jpg>. Acesso em: 13 jan. 2022. FIGURA 13 – ÓLEO DE ROSARIO MARQUARDT, 1992 Surge a necessidade de esclarecer que a tradução e interpretação era diferente como conhecemos. Utilizava-se muita mímica, gesto quando a língua oral não era fl uente. O personagem da tradução e interpretação, não era uma preocupação acadêmica, bastava que detivesse a técnica e conhecesse a língua, podendo migrar de uma para a outra com pouca difi culdade, sendo ainda essa atividade de caráter voluntário. O aperfeiçoamento das estratégias da tradução e interpretação se desenvolve a partir dos avanços mercantis e o surgimento de organismos internacionais. 27 Importante salientar que no século XIX, aqui no Brasil, a leitura de livros e periódicos se tornou comum. Naquela época não havia os direitos autorais, portanto o tradutor era considerado, perante a lei, como autor do texto em português. Um marco importante foi a institucionalização da profi ssão de intérprete, no século XIX. As profi ssões de tradutor e intérprete contribuíram para o desenvolvimento econômico, cultural, social e político do Brasil. 2.2 TILS – TRADUTOR INTÉRPRETE DE LÍNGUA DE SINAIS Segundo o site da Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (2018), antes de conhecermos como o Tils (doravante, utilizaremos essa sigla para referir ao profi ssional tradutor intérprete da língua de sinais) como profi ssão, essa função era realizada por familiares de sujeitos surdos ou por pessoas que se interessaram em aprender a Libras e desenvolver ações de interpretação voluntariamente. Sua aparição não se diferenciou da história mundial e a presença dos primeiros intérpretes no Brasil foi em atividades religiosas, a partir de 1980. Aos poucos precisou o aperfeiçoamento desse profi ssional e surge, então, a Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (Feneis). A Feneis é uma instituição fi lantrópica, sem fi ns lucrativos, que promove ações de integração entre os surdos, bem como desenvolve atividades políticas, culturais, educacionais, sociais e linguísticas da comunidade surda do Brasil. Ela também contribui para o fortalecimento e reconhecimento da carreira dos intérpretes. É preciso que o TILPS conheça a história do surdo, por isto sugerimos a leitura do artigo “Emiliano critica a política do MEC sobre a educação de Surdos”, disponível em: https://bit.ly/3J6XVfC. DICAS 2.3 HISTÓRIA DO PROFISSIONAL TRADUTOR E INTÉRPRETE DE LÍNGUA DE SINAIS A existência dos tradutores e intérpretes de língua de sinais tem uma história diferenciada em cada país até hoje. O surgimento da história da constituição desse profi ssional se deu a partir de atividades voluntárias que foram sendo valorizadas enquanto atividade laboral na medida em que os surdos foram conquistando o seu exercício de cidadania. 28 À medida que o surdo participava e conquistava seu lugar na sociedade representou e representa a chave para a profissionalização dos tradutores e intérpretes de língua de sinais. Outro elemento fundamental neste processo é o reconhecimento da língua de sinais em cada país. A partir do momento em que o surdo se fez presente, que sua língua se fortaleceu, a garantia ao direito linguístico do surdo teve que ser reconhecida, pois esse direito lhe havia sido negado a partir do congresso de Milão. Conquistado o direito linguístico, foi necessário garantir acessibilidade através as instituições que se viram obrigadas a assegurar acessibilidade através do profissional intérprete de língua de sinais. A seguir, serão apresentados os fatos históricos relevantes sobre a constituição do profissional intérprete de língua de sinais na Suécia, nos Estados Unidos e no Brasil. Na Suécia, também iniciou sua presença na área religiosa. No final do século XlX, ao passar do tempo (1938) com a participação efetiva do surdo no parlamento, foi necessário ter mais Tils. Então, em 1947, mais 20 pessoas começaram na função de tradução e interpretação. Após 21 anos, em 1968, por uma decisão do Parlamento, todos os surdos teriam acesso ao profissional intérprete livre de encargos diante de reivindicações da Associação Nacional de Surdos. Nesse ano, também foi criado o primeiro curso de treinamento de intérprete na Suécia, organizado pela Associação Nacional de Surdos, junto à Comissão Nacional de Educação e à Comissão Nacional para Mercado de Trabalho. Em 1981, foi instituído que cada conselho municipal deveria ter uma unidade com intérpretes. A Suécia foi o primeiro país a reconhecer a Língua de Sinais Sueca. Na lei, está escrito a responsabilidade do estado em relação a sua proteção e promoção: “Lei da Língua Sueca. §9º O estado tem a responsabilidade principal de proteger e promover a língua sueca de sinais” (SUÉCIA, 2009). Cabe ressaltar que a língua sueca de sinais é uma das várias línguas minoritárias reconhecidas nessa lei, e é desenvolvida e utilizada na Suécia. Nos Estados Unidos, em 1815, Thomas Gallaudet era intérprete de Laurent Clerc (surdo francês, discípulo de L’Epée, que estava nos EUA para promover a educação de surdos). Esse foi um grande marco na história dos surdos. Conforme Quadros (2004), entre os países escandinavos, a Suécia foi o primeiro país a promover um curso de formação de ILS, elaborado através da Associação Nacional de Surdos com a parceria da Comissão Nacional de Educação e a Comissão Nacional para Mercado de Trabalho. 29 Já a Dinamarca teve sua Associação Nacional – Foreningen af Tegnsprogstolke – fundada em maio de 1977. Na Finlândia, a Suomen Viittomakielen Tulkit foi fundada em 1982 e, atualmente, possui aproximadamente 400 ILS sócios e atuantes. Atualmente, o país conta com duas escolas politécnicas que oferecem cursos de formação de ILS de quatro anos de duração. O registro dos ILS da Finlândia é compartilhado entre a Associação dos Surdos, a Associação de Surdos Cegos e a Associação dos Intérpretes. Na Inglaterra, a história da organização dos ILS é mais recente. A fundação da Associação Nacional – Association of Sign Language Intérpreters –, aconteceu no ano de 1987, durante a High Leigh Conference Centre, em Hertfordshire, com a participaçãode 40 intérpretes da Inglaterra, Irlanda do Norte e País de Gales. Atualmente, a Inglaterra conta com Centros de Estudos Surdos em algumas universidades, como a Universidade de Bristol, que promovem cursos de formação para intérpretes, tanto em nível de graduação (com duração de três anos) quanto de pós-graduação. Como acontecido em outros lugares, pessoas intermediavam a comunicação para surdos (normalmente vizinhos, amigos, filhos, religiosos) como voluntários utilizando uma comunicação muito restrita. Em 1964, foi fundada uma organização nacional de intérpretes para surdos (atual RID), estabelecendo alguns requisitos para a atuação do intérprete. E, em 1972, o RID começou a selecionar intérpretes oferecendo um registro após avaliação. O RID apresenta, até os dias de hoje, as seguintes funções: selecionar os intérpretes, certificar os intérpretes qualificados; manter um registro; promover o código de ética; e oferecer informações sobre formação e aperfeiçoamento de intérpretes. Russo (2009) coloca que, na América Latina, nos países da América Central e do norte da América do Sul, percebe-se uma forte influência dos Estados Unidos, que assume o investimento dos cursos de formação de intérpretes e tradutores de Língua de sinais, desde que sejam ministrados em ASL (Língua de Sinais Americana). E essa exigência influencia a língua de sinais desses países, uma vez que percebemos muitos sinais originados dessa língua. Em alguns casos, inclusive, a ASL é a língua de sinais utilizada pela comunidade surda e pelos ILS. Já no Brasil, segundo Russo (2009), não há muitos registros dessa profissão. Os intérpretes apareceram em trabalhos religiosos iniciados por volta dos anos 1980. Não temos muitos registros oficiais sobre a formação mais acadêmica ou formal de intérpretes anteriormente à década de 1990. Apesar disso, temos alguns relatos de pessoas ligadas à comunidade surda – amigos de surdos ou filhos ouvintes de pais surdos – em que atuavam como intérpretes durante idas ao médico, intermediando ligações telefônicas, conversas com o gerente de banco, com advogados, com os padres, com familiares que não sabiam a língua de sinais, bem como em reuniões com os professores dos próprios filhos 30 ouvintes nas escolas em que eles estudavam. Também há relatos de alguns professores ouvintes que atuavam em escolas de surdos e tinham um bom conhecimento de língua de sinais, onde assumiam a função de intérpretes em eventos relacionados à escola (RUSSO, 2009, p. 27). Como podemos perceber, a profissão, antes dos anos 1990, tinha um caráter assistencialista, que descaracteriza a função do tradutor/intérprete enquanto profissional e o coloca no papel de “cuidador”, “ajudante” e acaba fazendo com que o sujeito surdo, por sua vez, fosse visto como uma pessoa “deficiente”, no sentido de ineficiência, de algo que falta. Essa visão da surdez está atrelada à um olhar clínico, que a vislumbra como algo a ser curado, minimizado e, consequentemente, apagado. Hoje entendemos que a profissionalização do tradutor/intérprete de Libras também contribuiu para uma mudança de paradigma acerca da surdez e do ser surdo. Há pessoas que acreditam que o primeiro tradutor de LIBRAS foi o surdo Flausino Gama, que traduziu os sinais franceses para sinais brasileiros publicando a Iconografia dos Sinais. IMPORTANTE FIGURA – ICONOGRAPHIA DOS SIGNAES (FLAUSINO JOSÉ DA GAMA, 1875) FONTE: <https://bit.ly/3zVfBYi>; <https://bit.ly/3zSYCG6>. Acesso em: 13 jan. 2022. Em 1988, realizou-se o I Encontro Nacional de Intérpretes de Língua de Sinais organizado pela Feneis, que propiciou, pela primeira vez, o intercâmbio entre alguns intérpretes do Brasil e a avaliação sobre a ética do profissional intérprete. Quatro anos depois, em 1992, realizou-se o II Encontro Nacional de Intérpretes de Língua de Sinais, também organizado pela Feneis, que promoveu o intercâmbio entre as diferentes experiências dos intérpretes no país, discussões e votação do regimento interno do Departamento Nacional de Intérpretes fundado mediante a aprovação dele. 31 E assim começou, via Feneis, a contratação e cursos de formação de tradutores/ intérpretes. Em 2007, o departamento de intérpretes da Feneis transformou-se em Associação Gaúcha dos Intérpretes da Língua de Sinais (AGILS). Em 22 de setembro de 2008 é fundada a FEPRAPILS, uma entidade profissional autônoma, sem fins lucrativos ou econômicos, de duração indeterminada, com personalidade jurídica de direito privado, qualificável como de interesse público e pertencente ao território brasileiro. 2.3.1 História da tradução e interpretação no Sul do Brasil No Brasil, mais especificamente no Rio Grande do Sul e Minas Gerais, o relato de Geralda Eustáquia Ferreira e Ricardo Sander, nos trazem a história viva da profissão de tradutor/intérprete. FIGURA 14 – PRIMEIROS TRADUTORES E INTÉRPRETES “PROFISSIONAIS” GERALDA E. FERREIRA E RICARDO ERNANI SANDER FONTE: <https://www.youtube.com/watch?v=CEkB3a9PaNE&ab_channel=RicSander>. Acesso em: 13 jan. 2021. Os dois salientam que não havia cursos e, então, aprenderam empiricamente e não são Codas, mas se interessaram pela língua de sinais. Geralda Eustáquia Ferreira narra que, no seu tempo, não havia nenhum recurso a não ser a carta e o telefone convencional (poucos): Bom, aprendi muito e comecei a traduzir comecei a pesquisar estudei por conta própria e foi isso, a minha história é essa, não tenho parente surdo mas eu tive e tenho uma vontade muito grande de selo de ligação. Minha formação em psicologia não me ensinou nada sobre surdo. Eu fui procurando, garimpando e sempre na cola do surdo. Se eu quis alguma coisa eu tive que contar muito com Antônio .O Antônio ia de Belo Horizonte ao Rio, eu pedia emprestado xerocava aquelas coisas todas bem antigas ia para Belo Horizonte e aí ou era em francês ou espanhol aí eu ia ali né traduzindo pescando as coisas aqui em Minas nós falamos que é uma peleja foi uma peleja ,não foi sofrimento, mas foi uma feliz e valeu a pena porque isso me fez é encontrar em mim e nas coisas ao meu redor possibilidades de traduzir né [...] (SANDER, 2021, 24:18 min.) 32 Já Ricardo salienta que começou seu contato na área religiosa e, assim, foi aprendendo a língua e a cultura surda. Com esse interesse foram se aperfeiçoando em contato com o surdo e posteriormente tornaram-se referência e professores para e de outros intérpretes. A primeira aparição do intérprete de língua de sinais foi televisionada pela Gaúcha e Bandeirantes e ocorreu em Belo Horizonte no ano de 1999. Era um evento com autoridades surdas. Foi aberto com a tradução do Hino Nacional feita pelo Ricardo Sander, e a abertura foi realizada por Antônio Campos e a intérprete foi Geralda Eustáquia Ferreira. Geralda nos conta como aconteceu a preparação para esse momento. Antonio escreveu o discurso no português dele, me enviou. Após eu escrevi no meu português (fiz a tradução) E começamos a treinar. Foram três meses até o dia do evento. Neste dia, estava eu ao lado direito de Antonio olhando-o ê interpretando para o oral. Essa era mais uma estratégia que eu não sabia: não ficar ao lado do surdo e sim na sua frente para ver e traduzir seus sinais. Esse evento foi um marco nas definições da luta da comunidade surda (SANDER, 2021, 30:10 min.). A partir desses movimentos, a comunidade surda fortalece e começa o movimento dos intérpretes. No Sul do Brasil, a interpretação e tradução começa a ter uma clientela maior e, com isso, o pensamento de um curso para sanar a necessidade imediata do momento. Então, reúne-se na escola Frei Pacífico tradutores e intérpretes atuantes, candidatos e representantes da comunidade gaúcha (Carlos Alberto, André Reichert e Mariane Stumpf). A partir desse momento, grupos de estudos surgem para debater e definir algumas estratégias e regras para a tradução e interpretação. FIGURA 15 – PRIMEIRO GRUPO DE INTÉRPRETES. SURDOS E OUVINTES PRESENTES FONTE: Acervo dos autores.33 A tradução e interpretação era um serviço contratado através da Feneis, tendo, naquele momento (1998), a Dra. Lodenir Karnoop como representante da categoria na Feneis. Em 2007, resolveu-se fundar a Associação Gaúcha de intérpretes de Língua de Sinais (AGILS). A AGILS é uma entidade sem fins lucrativos que visa oportunizar aos intérpretes de Libras do RS momentos de formação continuada em diferentes modalidades. Realiza atividades sociais e culturais, com o objetivo de estabelecer um plano profissional para a categoria, bem como defender seus os direitos atribuídos aos seus deveres. Valorizando a profissão, promovendo ações coletivas entre os intérpretes, participando da discussão nacional e regional de toda as pautas que tratem sobre as nossas demandas. Em Santa Catarina, de acordo com o site da ACATILS, essa é uma entidade civil, não governamental, sem fins lucrativos, de duração indeterminada, pertencente ao Estado de Santa Catarina. É função dessa entidade defender os direitos dos profissionais da área bem como difundir a importância dessa profissão; promover e apoiar o acesso à formação continuada e a integração da classe; realizar um trabalho em parceria com as Associações, Federações, Confederações de Surdos e de Tradutores e Intérpretes dentre outras instituições, bem como apoiar projetos que incluam a pessoa surda em um escopo social. Hoje existem várias Associações de TILS, conheça algumas: Associações do Sudeste: • SP: APILSBESP – Associação dos Profissionais Intérpretes e Guias-Intérpretes da Língua de Sinais Brasileira do Estado de São Paulo. • RJ: APILRJ / AGITE – Associação dos Profissionais Tradutores, Intérpretes e Guias- Intérpretes de Língua de Sinais Brasileira do Estado do Rio de Janeiro. • MG: APILSEMG – Associação dos Profissionais Tradutores, Intérpretes e Guia- Intérpretes do Par Linguístico, Língua Brasileira de Sinais – Língua Portuguesa do Estado de Minas Gerais • ES: APILES – Associação dos Profissionais Tradutores, Intérpretes e Guia-Intérpretes de Língua Brasileira de Sinais do Espírito Santo. Associações do Sul: • SC: ACATILS – Associação Catarinense de Tradutores e Intérpretes e Guia- Intérpretes de Língua de Sinais. • PR: APTILS – Associação dos Profissionais Tradutores e Intérpretes e Guia- Intérpretes de Língua de Sinais do Paraná. • RS: AGILS – Associação Gaúcha de Intérpretes e Guia-Intérpretes de Língua de Sinais. Associações do Centro-Oeste: • DF: APILDF – Associação dos Profissionais Tradutores, Intérpretes e Guia- Intérpretes de Língua Brasileira de Sinais do Distrito Federal e entorno. 34 • MT: APILMT – Associação dos Profissionais Intérpretes e Gui-Intérpretes de Língua de Sinais do estado do Mato Grosso. • MS: APILMS – Associação dos Profissionais Tradutores, Intérpretes e Guia- Intérpretes de Língua Brasileira de Sinais do Mato Grosso do Sul. • GO: APILGO – Associação dos Profissionais Tradutores, Intérpretes e Guia- intérpretes de Língua de Sinais do Estado de Goiás. Associações do Nordeste: • BA: APILSBA – Associação dos Profissionais Tradutores, Intérpretes e Guia- Intérpretes de Língua Brasileira de Sinais do estado da Bahia. • MA: APILMA – Associação dos Profissionais Tradutores, Intérpretes e Guia- intérpretes de Libras do Maranhão. • PI: APILSPI – Associação dos Tradutores, Intérpretes e Guia-Intérpretes de Língua Brasileira de Sinais do Piauí. • CE: APILCE – Associação dos Profissionais Tradutores, Intérpretes e Guia- Intérpretes de Libras do Ceará. • PE: APILPE – Associação dos Profissionais Tradutores, Intérpretes e Guia- Intérpretes de Libras do Pernambuco. • RN: APILRN – Associação dos Profissionais Tradutores, Intérpretes e Guia- Intérpretes da Língua Brasileira de Sinais do Rio Grande do Norte. • SE: AILES – Associação dos Tradutores, Intérpretes e Guia-intérpretes de Língua Brasileira de Sinais do Estado do Sergipe. Associações do Norte: • AP: ASTILAP – Associação dos Tradutores, Intérpretes e Guia-Intérpretes de Libras- português do Amapá. • AC: ASTILEAC – Associação dos Profissionais Tradutores, Intérpretes e Guia- Intérpretes de Língua Brasileira de Sinais – Libras, no estado do Acre. • RR: APPIS – Associação dos Professores, Parentes, Amigos e Intérpretes dos Surdos de Roraima. • AM: APILAM – Associação dos Profissionais Tradutores, Intérpretes e Guia- intérpretes de Língua Brasileira de Sinais do Amazonas. • PA: ASTILP – Associação dos Tradutores, Intérpretes e Guia-intérpretes de Língua Brasileira de Sinais do Estado do Pará. • RO: APTIGILSP/RO – Associação dos Profissionais Tradutores, Intérpretes e Guia- intérprete de Língua de Sinais do Estado de Rondônia. FONTE: Adaptado de <https://apilsemg-br.wixsite.com/tils/conheca-as-outras-apils>. Acesso em: 13 jan. 2022. Neste tópico, estudamos o surgimento dos profissionais e das associações, porém, com o aumento de pessoas trabalhando nesse setor, algumas decisões foram discutidas, como a formação desse profissional e sua conduta. Portanto, no próximo tópico, discutiremos o código de ética dessa categoria. 35 Apesar da categoria de intérpretes e tradutores ser reconhecida por decreto, ela ainda luta por sua valorização. A falta de informação da sociedade faz com que, em alguns momentos, o tradutor intérprete passe por situações inusitadas. É necessário que se conheça quem é o sujeito com que o TILPS irá trabalhar. O texto a seguir nos possibilita a reflexão sobre o que sente o surdo em ser surdo. Como intérpretes, temos que conhecer a realidade de nosso cliente. Leia e perceba a reflexão feita e o caminho trilhado do surdo. Falamos bastante sobre a história da tradução e interpretação, mas quem é o sujeito que esse profissional irá trabalhar? Para responder esse questionamento, sugere-se a leitura a seguir para conhecer a opinião desse sujeito. O ORGULHO DE SER SURDO Leland Emerson McCleary Quero agradecer o convite para estar aqui hoje. É uma honra para mim. Acho este encontro entre surdos e intérpretes muito importante neste momento histórico. Fico muito satisfeito de ver que eventos como este, organizados por instituições surdas e reunindo surdos e ouvintes, estão começando a acontecer com frequência. Também quero agradecer a Priscilla pelo tópico que ela me passou. Ela pediu que eu falasse sobre "a crença que surdos norte-americanos têm na sua língua e na sua cultura". É um tópico muito interessante, e um que pode nos ensinar muita coisa. Eu não perguntei para a Priscilla, mas eu acho que ela tinha também uma outra pergunta em mente: Por que os surdos norte-americanos crêem na sua língua e na sua cultura, e os brasileiros não? Ou talvez: Por que os surdos norte-americanos parecem crer mais na sua língua do que os brasileiros? Em outras palavras, eu entendi que o interesse no tópico não era apenas uma curiosidade sobre o que acontece nos Estados Unidos. Eu entendi que ela estava interessada em ver o que nós, brasileiros, podemos aprender com a experiência norte-americana. Pelo menos, é assim que eu entendi, e é sobre isso que eu vou falar hoje. Vamos supor que os surdos norte-americanos creem mais na sua língua e na sua cultura do que os brasileiros. Será que é porque os surdos norte-americanos são mais sensíveis, ou mais espertos? Certamente que não! Será que é porque sua língua e sua cultura merecem mais admiração ou que são mais bem desenvolvidas ou mais completas do que a língua de sinais e a cultura surda brasileira? Também a resposta teria que ser: não! Hoje eu vou sugerir uma explicação histórica e política para o orgulho que a comunidade surda norte-americana tem da sua língua e da sua cultura. Primeiro, eu queria mudar um pouco o foco do meu tema, se a Priscilla permitir. Daqui para frente, não vou falar mais da “crença” dos surdos norte-americanos na sua língua e na sua cultura. Vou falar do orgulho que eles têm. E não é só o orgulho que eles têm da sua língua e da sua cultura. É o próprio “orgulho de ser surdo”. Eu digo isso, porque em inglês, os surdos falam deDeaf Pride (que em português seria “orgulho de ser surdo”). Então, eu posso falar disso porque eles mesmos falam disso. IMPORTANTE 36 O orgulho que os surdos sentem em relação à sua língua é apenas um aspecto – um reflexo – de uma coisa maior: seu orgulho de ser surdo. A comunidade surda se define em grande parte pelo uso da língua de sinais – quem usa língua de sinais faz parte da comunidade surda; quem não a usa está fora ou está à margem da comunidade. Então, qual seria a diferença entre “ter orgulho da sua língua” e “ter orgulho de ser surdo”? Pode existir um sem o outro? Vocês já conheceram alguém que tem orgulho da língua de sinais, mas que tem vergonha de ser surdo? Os dois andam juntos. Mas entre as duas maneiras de falar, existe uma enorme diferença política. Por exemplo: diga para um ouvinte: “Eu tenho orgulho de usar a língua de sinais brasileira”. Qual pode ser a reação dele? Ele pode pensar, “Sim, claro! Os gestos são muito bonitos e expressivos!” Mas não é por isso que você tem orgulho! Você tem orgulho porque quando você usa a língua de sinais, você pode ser surdo e feliz ao mesmo tempo. Ou o ouvinte pode pensar: “O surdo não pode usar a língua oral, então ele se satisfaz com a língua de sinais, mas isso não faz mal! Deixa ele ter orgulho da sua língua. Ele pode ter orgulho de muito pouco na vida, então deixa ele ter orgulho da língua.” Mas isso está tudo errado. Parece que no fundo o ouvinte acha que o surdo é um coitado, e quando o surdo diz que ele tem orgulho da sua língua, nada muda na cabeça do ouvinte. Ele não precisa entender o surdo; ele continua achando a mesma coisa. Agora, diga para um ouvinte, “Eu tenho orgulho de ser surdo!” O ouvinte vai ficar chocado. Ele vai ficar confuso. Por que razão ter orgulho de ser surdo? O ouvinte sempre acreditou no seu coração que a surdez é uma falta. É uma deficiência. Como é possível ter orgulho de uma deficiência? As pessoas podem ter orgulho de alguma coisa que elas têm, mas não de uma coisa que não tem, uma falta, uma deficiência. Então quando o surdo diz, “Eu tenho orgulho de ser surdo”, ele choca e confunde o ouvinte. O ouvinte não gosta de ouvir isso, porque começa a colocar em questão a certeza que o ouvinte tem sobre o mundo. Ele não pode mais achar que o surdo é um “coitado”, porque um coitado não tem orgulho de si mesmo. O ouvinte fica com medo. O mundo do ouvinte começa a ficar menos seguro, mais complexo. O ouvinte não tem explicação para o orgulho do surdo ser surdo. Como é possível uma pessoa ter orgulho de ser surdo? Para o ouvinte, é um absurdo. É um paradoxo. É por isso que dizer que você tem orgulho de ser surdo é um ato político. É porque você começa a balançar o mundo do ouvinte. Ele começa a ter menos controle sobre você. E quando isso acontece, começa a abrir espaços para a mudança. Também, ter orgulho de ser surdo é um ato de afirmação pessoal. É um ato de autoestima. O mundo ouvinte não poupa o surdo de todo tipo de humilhação, mesmo quando dizem que querem ajudar. Os surdos, como todos os outros portadores de diferença, se sentem humilhados por serem o que são. Não por terem feito nada de errado. Só porque são o que são. Essa humilhação faz com que o surdo não acredite nele mesmo. Como mudar essa situação? A autoestima é o começo. Você não vai ter autoestima porque você fez faculdade. É o contrário. Você vai fazer faculdade porque você tem autoestima. Você acredita em você mesmo. Tudo começa com a autoestima. Mas não basta dizer para você mesmo, “Eu tenho orgulho de ser surdo”. Isso não funciona. Você olha para os lados. Você olha para os companheiros. Você olha para os professores. Você olha para seus pais e seus irmãos. Eles têm orgulho de você, por ser surdo? Ou eles têm pena? Ou têm vergonha? 37 O orgulho que é uma coisa pessoal, individual, é ruim. É chamado de arrogância. Nós olhamos para uma pessoa “muito orgulhosa” com desprezo. O orgulho saudável é um valor social que compartilhamos com outras pessoas, com uma comunidade. Nós procuramos o nosso valor nos olhos dos outros e, com o nosso olhar, atribuímos valor aos outros. Quando olhamos por volta e vemos pena ou vergonha ou desprezo, é isso que sentimos de nós mesmos. Por outro lado, quando olhamos por volta e vemos outros olhando para nós com orgulho, é isso que sentimos. Por essa razão, “ter orgulho de ser surdo” tem que ser um esforço de toda a comunidade surda. Não é uma coisa que acontece isoladamente e por si só. É uma coisa que tem que ser construída. Pode até ser planejada. Acontece quando as pessoas decidem que deve acontecer, e fazem um esforço para que aconteça. Justamente por isso, também, ter orgulho de ser surdo é um ato político. É um ato que um grupo de pessoas faz para mudar suas relações com o mundo por sua volta. É uma maneira de redefinir o que significa ser surdo. Agora eu vou voltar e falar sobre o tópico que a Priscilla me deu: o orgulho que os surdos norte-americanos têm de ser surdos. Se isso aconteceu nos Estados Unidos, e ainda não aconteceu no Brasil, pode ser porque os surdos norte-americanos aproveitaram e aprenderam com outros grupos minoritários e marginalizados que já tinham feito sua luta política pelo reconhecimento e a autoestima anteriormente. Grandes transformações começaram a acontecer na sociedade norte-americana a partir da Segunda Guerra Mundial e continuaram até a década de 1990. Antes dos surdos, vários outros grupos marginalizados fizeram suas lutas pela dignidade humana e pela garantia dos seus diretos como cidadãos. Primeiro foram os negros norte- americanos, depois as mulheres, depois os hispânicos e os gays, e depois os surdos. Todos são grupos que sofreram humilhações e injustiças por causa dos preconceitos institucionalizados da sociedade “padrão” dominante: branca, masculina, classe média, falante de inglês, heterossexual e ouvinte. Quando os surdos norte-americanos chegaram à consciência de afirmar seu “orgulho de ser surdo”, essa mesma trilha já tinha sido desbravada por outros grupos marginalizados. Os surdos puderam aprender com a história. FONTE: MCCLEARY, L. O orgulho de ser surdo. In: ENCONTRO PAULISTA ENTRE INTÉRPRETES E SURDOS, 1., 2003, São Paulo. Anais [...]. São Paulo: Feneis-SP, 2003. 38 RESUMO DO TÓPICO 2 Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como: • Não há muito registro da história da interpretação e tradução. Seu início consta na área religiosa. • Os primeiros tradutores e intérpretes surgiram nas conquistas de terra, mas sua metodologia era usar mímicas, gestos, pequenas palavras e o corpo. • Na história do mundo, vários personagens, como Colombo e Cortez, utilizaram intérpretes quando exploraram as terras novas. • Passados anos e dados os avanços mercantis e o surgimento de organismos internacionais, há necessidade de aperfeiçoar as estratégias da tradução e interpretação. • A tradução como profissão, aqui no Brasil, surge em meados de 1980 quando a Feneis organiza seminário de intérpretes e tradutores. • A profissionalização de tradutores intérpretes ocorreu através de programas governamentais em convênio com a Feneis. • Antes os intérpretes eram pessoas que conviviam com os surdos: familiares, amigos e pessoas interessadas. • Em 1988, realizou-se o I Encontro Nacional de Intérpretes de Língua de Sinais organizado pela Feneis, que propiciou, pela primeira vez, o intercâmbio entre alguns intérpretes do Brasil e a avaliação sobre a ética do profissional intérprete. • No Rio Grande do Sul, os primeiros intérpretes foram formados informalmente pelo convívio com os surdos. Geralda Eustáquia Ferreira e Ricardo Sander foram os primeiros intérpretes de língua de sinais, formadores de outros intérpretes. • Todas as regiões do Brasil já possuem associações de tradutores intérpretes. • Em 22 de setembro de 2008, é fundada a FEPRAPILS, uma entidade profissional autônoma, sem fins lucrativos ou econômicos, de duração indeterminada, com personalidade jurídica dedireito privado, qualificável como de interesse público e pertencente ao território brasileiro. 39 1 A partir do que estudamos até aqui, percebemos que a profissão de tradutor intérprete teve em sua base a área religiosa, porém, a história encarregou-se de mostrar a necessidade dessa profissão. Assinale a alternativa CORRETA da causa do surgimento desses profissionais: a) ( ) O fato de Cristóvão Colombo e Cortez, grandes conquistadores, partirem em busca de novas terras, fez com que os reis criassem a profissão da tradução e interpretação. b) ( ) As conquistas de novos territórios, os avanços mercantis e o surgimento de organismos internacionais fizeram surgir a necessidade do tradutor e intérprete. c) ( ) A tradução e interpretação, como conhecemos hoje, surgiu no tempo da idade média, quando se fazia necessário esse profissional para intermediar os salvos condutos entre a igreja e as famílias abastadas. d) ( ) Em todas as regiões do Brasil, já existem instituições de representatividade do TILPS, e podemos afirmar que essa foi a causa do surgimento e solidificação da profissão. 2 Aqui no Brasil, cursos técnicos e graduação são necessários para exercer a profissão de tradutor. Escreva resumidamente como surgiram os TILS em alguns países como Suécia e Estados Unidos. 3 A atuação do TILPS deve estar em concordância com a comunidade surda. Algumas instituições brasileiras são necessárias para serem a base e apoio dessa relação. Classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas. ( ) A Febrapils, Feneis e o sindicato dos tradutores intérpretes (Sintra). ( ) As instituições em que o surdo está presente juntamente com a Feneis e a Agils. ( ) As diferentes associações como Agils, Acatils, Febrapils e a Feneis. Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA: a) ( ) V – F – F. b) ( ) V – F – V. c) ( ) F – V – F. d) ( ) F – F – V. 4 A profissionalização de tradutores intérpretes ocorreu através de programas governamentais em convenio com a Feneis. A partir desse momento, eventos foram realizados. Sobre qual evento organizado pela Feneis que propiciou, pela primeira vez, o intercâmbio entre alguns intérpretes do Brasil e a avaliação sobre a ética do profissional intérprete, assinale a resposta CORRETA: AUTOATIVIDADE 40 a) ( ) Encontro paulista entre intérpretes e surdos. b) ( ) Festival da cultura surda. c) ( ) Encontro internacional da Federação Mundial dos Surdos (FWD). d) ( ) Encontro Nacional de Intérpretes de Língua de Sinais. 5 A surdez sempre teve e tem diferentes entendimentos sobre o sujeito surdo e sua relação com a surdez. Disserte sobre a responsabilidade do tradutor e intérprete. 41 TÓPICO 3 - LEGISLAÇÃO E CÓDIGO DE ÉTICA 1 INTRODUÇÃO Neste tópico, apresentaremos alguns dispositivos legais, como leis, decretos e documentos que respaldam a prática profissional do intérprete/tradutor, bem como compreender a atuação desses profissionais. Também buscamos traçar uma linha histórica sobre a formação desses profissionais, focados especificamente na Língua Brasileira de Sinais (Libras). Não pretendemos trazer todo o arcabouço legal, mas apenas ponderar aquelas legislações que são significativas dentro do conteúdo abordado até o momento, contribuindo para a atuação do profissional tradutor/intérprete de Língua Brasileira de Sinais (TILPS). O intérprete/tradutor tem um amplo campo de atuação e sua ação profissional é relevante em diversas áreas da sociedade, porém, é no espaço educacional que existe uma demanda significativa para atuação desse profissional, motivo pelo qual se optou em incluir neste tópico. A educação se configura como parte dos direitos fundamentais assegurado para todos na Constituição Federal em vigor (promulgada em 5 de outubro de 1988, sendo a sétima adotada no país conhecida por "Constituição Cidadã”), sendo parte do conjunto de políticas públicas que objetivam proporcionar condições para o livre exercício da cidadania com liberdade e garantia de direitos. Contudo, a teoria nem sempre é executada na prática, e muitos grupos necessitam travar verdadeiras lutas para fazer valer seus direitos. Exemplo disso são os surdos que somente tiveram assegurado seus direitos na área educacional formal, após muitas lutas de educadores e membros da sua comunidade. Na Constituição Federal, carta magna que rege e norteia os princípios fundamentais do estado democrático de direito no Brasil, aponta para a garantia de direitos aos surdos, bem como para outras deficiências, demandando principalmente necessidades educacionais especiais, entre outros direitos assegurados. A partir daí, ao longo dos anos, outras legislações foram sancionadas ganhando força e garantindo o exercício dos direitos fundamentais para a comunidade surda. Outro elemento que agregou força a essas lutas foram documentos internacionais que influenciaram as leis brasileiras. UNIDADE 1 42 Cabe mencionar que não iremos fazer nenhuma pesquisa do histórico da educação surda no Brasil, mas apontar legislações que impactaram diretamente no fazer dos profi ssionais de tradução e/ou interpretação, ou seja, buscou-se, através de pesquisa em documentos como leis, decretos, entre outros, traçar uma linha histórica sobre a ação do profi ssional intérprete/tradutor de Língua de Sinais. Acadêmico, no Tópico 3, abordaremos as leis que permeiam a profi ssão de intérprete, bem como conhecer o código de ética e sua importância. 2 LEGISLAÇÃO A luta pelo reconhecimento da profi ssão tradutor e intérprete aconteceu ofi cialmente no ano de 2005, que reconheceu esse profi ssional como o responsável por dar concretude ao direito linguístico do surdo. Não podemos deixar de lembrar que a Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002, foi um marco para a profi ssionalização do tradutor e intérprete. Através deste iconográfi co (Figura 16) é possível ter a dimensão da necessidade do tradutor intérprete de Libras: FIGURA 16 – O UNIVERSO DA LÍNGUA DE SINAIS FONTE: <https://blog.handtalk.me/wp-content/uploads/2017/04/infografi co-universo-lingua-de-sinais-1. png>. Acesso em: 13 jan. 2022. 43 2.1 DECRETO Nº 5.626, DE 22 DE DEZEMBRO DE 2005 Esse decreto é muito significativo para o reconhecimento do intérprete/tradutor e trata de regulamentar a Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais – Libras, e o Art. 18 da Lei nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000. No Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005, o Capítulo 4, Art. 14, trata sobre o uso e a difusão da Libras e da Língua Portuguesa para o acesso das pessoas surdas ao processo educacional, e destaca-se o inciso III, alínea “b”, que trata do provimento das escolas, com tradutor e intérprete de Libras – Língua Portuguesa. Art. 14. As instituições federais de ensino devem garantir, obrigatoriamente, às pessoas surdas acesso à comunicação, à informação e à educação nos processos seletivos, nas atividades e nos conteúdos curriculares desenvolvidos em todos os níveis, etapas e modalidades de educação, desde a educação infantil até à superior. § 1º Para garantir o atendimento educacional especializado e o acesso previsto no caput, as instituições federais de ensino devem: I - [...], II - [...], II I- prover as escolas com: a) [...], b) tradutor e intérprete de Libras - Língua Portuguesa [...] (BRASIL, 2005) Nesse artigo, observa-se a importância do intérprete/tradutor como mediador no processo de comunicação entre o sujeito surdo e o ouvinte. Conquista muito significativa. Imagine-se tentando entender, compreender e se expressar em uma língua com estrutura totalmente diferente da sua. Vamos lá! Você agora será transportado para um local onde irá conviver somente com Libras e para aqueles que dominam essa língua, imagine-se em um espaço onde o processo de comunicação acontece através do mandarim. Você há de concordar que pouco conseguiria se apropriar e teria muita dificuldade de traçar um diálogo, ou pediruma informação ou mesmo pedir um cafezinho, ou seja, o processo de comunicação não fluiria. Nesse contexto, emerge a figura do intérprete/tradutor. Provavelmente seria um alívio e, assim, poderia iniciar o inter-relacionamento através do diálogo, ou ter respondido alguma informação que questionou e até tomar aquele cafezinho. Fluiria, entre os membros daquela comunidade e você, o processo de comunicação com a mediação de um intérprete/tradutor. O próximo item do Decreto nº 5.626/2005, que se considera um grande avanço, é o Capítulo V, que trata da formação do intérprete/tradutor de Libras/língua Portuguesa (BRASIL, 2005). Determina, no Art. 17, que esses profissionais devem ter sua formação efetivada por meio de curso superior de Tradução e Interpretação, com habilitação em Libras – Língua Portuguesa. Em seu Art. 18, faculta a formação de tradutor e intérprete de Libras – Língua Portuguesa, em nível médio, devendo obrigatoriamente ser realizada por meio de cursos de educação profissional, de extensão universitária e/ou de formação continuada em instituições de ensino superior. Ainda em seu parágrafo único decreta que: “A formação de tradutor e intérprete de Libras pode ser realizada por organizações 44 da sociedade civil representativas da comunidade surda, desde que o certificado seja convalidado por uma das instituições referidas no inciso III” (BRASIL, 2005). Em outras palavras, o decreto apresenta diversas possibilidades de órgãos que podem se habilitar para formação específica para intérpretes/tradutores viabilizando aos surdos a possibilidade de minimizar as barreiras linguísticas, o acesso à comunicação, à informação, à participação e ao conhecimento. Há de se atentar que as legislações não garantem a sua perfeita execução na prática. É um processo lento, passo a passo, no qual é de suma importância que o intérprete/tradutor tenha amplo e profundo conhecimento das especificidades, dos aspectos linguísticos, culturais, históricos que envolvem a surdez, técnicas e estratégias que permeiam as línguas envolvidas, bem como se faz necessário ter atitude ética, comprometida e consciência de sua responsabilidade. Soma-se a isso o fato de conhecer seus limites de atuação e sua função como intérprete/tradutor nos diversos espaços em que atua. A formação exigida para o exercício legal da profissão está assegura pela Lei nº 10.436/2002; no Decreto nº 5.626/2005 e na Lei nº 12.319/2010, qual seja: • Qualificação conferida por graduação em curso superior de Tradução e Interpretação, com habilitação em Libras – Língua Portuguesa, em instituição reconhecida pelo Ministério da Educação. • Qualificação conferida por curso educação profissional promovido por organização da sociedade civil representativa da comunidade surda reconhecido (convalidado) por instituição credenciada em Secretaria de Educação ou por instituição credenciada em secretarias de educação (curso técnico em tradução e interpretação de LIBRAS). • Capacitação em Libras através de curso de extensão, por cursos de educação continuada certificados por instituições de ensino superior e instituições devidamente e legalmente credenciadas por órgãos oficiais, com carga horária inferior ao exigido por lei para certificação de nível técnico. • Certificação de proficiência (Pro Libras) – Exame Nacional para Certificação de Proficiência no uso e no ensino de Libras e/ou para Certificação de Proficiência na tradução e interpretação de Libras/Português/Libras, realizado anualmente pelo Ministério da Educação; A Câmara dos Deputados analisa agora o Projeto de Lei nº 9.382/2017, da Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência, que passa a exigir diploma de curso superior para o profissional que exercer a atividade de tradutor e intérprete da Língua Brasileira de Sinais (Libras), fixando a jornada diária em seis horas. FONTE: <https://www.camara.leg.br/noticias/715030-plenario-analisa- projeto-que-regulamenta-atividade-de-tradutor-e-intérprete-de-libras/>. Acesso em: 13 jan. 2022. IMPORTANTE 45 2.2 O INTÉRPRETE A SUA LEGISLAÇÃO Como estudamos, a interpretação sempre foi realizada por pessoas não especializadas. Com o reconhecimento da comunidade e com o movimento social, direitos, assim como deveres, foram adquiridos. Um dos marcos do movimento dos intérpretes foi a regulamentação dessa profissão que repercutiu em todos os campos da sociedade. Na educação, além da contratação de intérpretes como trabalhadores contratados da própria instituição, cursos de formação a nível superior foram surgindo. A seguir, a lei que regulamentou a profissão de intérprete e tradutor de Libras. Lei nº 12.319, de 1º de setembro 2010, trata de regulamentar o exercício da profissão de Tradutor e Intérprete da Língua Brasileira de Sinais – Libras, a qual, em seu Art. 6º, define as atribuições do tradutor e intérprete, no exercício de suas competências, a saber: I - efetuar comunicação entre surdos e ouvintes, surdos e surdos, surdos e surdos- cegos, surdos-cegos e ouvintes, por meio da Libras para a língua oral e vice-versa; II - interpretar, em Língua Brasileira de Sinais - Língua Portuguesa, as atividades didático pedagógicas e culturais desenvolvidas nas instituições de ensino nos níveis fundamental, médio e superior, de forma a viabilizar o acesso aos conteúdos curriculares; III - atuar nos processos seletivos para cursos na instituição de ensino e nos concursos públicos; IV - atuar no apoio à acessibilidade aos serviços e às atividades-fim das instituições de ensino e repartições públicas; e V - prestar seus serviços em depoimentos em juízo, em órgãos administrativos ou policiais (BRASIL, 2010). Apesar de estar pontuado as funções desse profissional, observa-se que os contratantes e contratados ainda não prezam pela qualidade do trabalho e encontramos muitos profissionais que ainda não estão com uma prática e teoria condizente com a atuação. Portanto, torna-se a ressaltar que o intérprete e o tradutor têm que ser cientes de suas condições em questão da área a atuar. Dando sequência, esta lei, em seu Art. 7º, determina que o profissional deve ter um rigor técnico e que toda sua atuação deve ser norteada por aspectos éticos, sigilo, bem como valores aliados à profissão como honestidade, imparcialidade, postura e condutas adequadas, além de conhecimento da comunidade surda. Art. 7º O intérprete deve exercer sua profissão com rigor técnico, zelando pelos valores éticos a ela inerentes, pelo respeito à pessoa humana e à cultura do surdo e, em especial: I - pela honestidade e discrição, protegendo o direito de sigilo da informação recebida; II - pela atuação livre de preconceito de origem, raça, credo religioso, idade, sexo ou orientação sexual ou gênero; III - pela imparcialidade e fidelidade aos conteúdos que lhe couber traduzir; IV - pela postura e conduta adequadas aos ambientes que frequentar por causa do exercício profissional; V - pela solidariedade e consciência de que o direito de expressão é um direito social, independentemente da condição social e econômica daqueles que dele necessitem; VI - pelo conhecimento das especificidades da comunidade surda (BRASIL, 2010). 46 Um aspecto interessante é que a Lei nº 12.319/2010, apesar de ser um grande avanço no processo de comunicação inclusiva, foi alvo de grandes discussões por conta de ter sido vetado três artigos (Arts. 3º, 8º e 9º) – vide texto complementar, disponível em: https://bit.ly/3ovXp2X. Assista ao vídeo a seguir, para melhor compreensão da necessidade do profi ssional tradutor e intérprete: https://www.youtube.com/ watch?v=qahwWmyJH-M. INTERESSANTE DICAS Ser tradutor e intérprete é poder ter seus direitos respeitados, porém, não esquecer dos seus deveres. Ter leis que amparem, garante a qualidade do serviço prestado, bem como de sua qualidade, porém, ainda há um longo caminho ser trilhado, pois uma lei deve transformar o âmbito social, político e econômico. Para essa transformaçãoocorrer, todos os setores deverão se adequar às novas regras e leis. Começou na própria LBI (Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015) que não coloca o intérprete e tradutor como exigência, mas para o nosso conhecimento, institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Defi ciência (Estatuto da Pessoa com Defi ciência). No item V do Art. 3º, traz a interação com todos utilizando todas as alternativas de comunicação: V - comunicação: forma de interação dos cidadãos que abrange, entre outras opções, as línguas, inclusive a Língua Brasileira de Sinais (Libras), a visualização de textos, o Braille, o sistema de sinalização ou de comunicação tátil, os caracteres ampliados, os dispositivos multimídia, assim como a linguagem simples, escrita e oral, os sistemas auditivos e os meios de voz digitalizados e os modos, meios e formatos aumentativos e alternativos de comunicação, incluindo as tecnologias da informação e das comunicações (BRASIL, 2015.) Já a ABNT NBR 15290:2005, determina como regra para o intérprete de Libras a seguinte especifi cação: Na janela com intérprete da LIBRAS: a) os contrastes devem ser nítidos, quer em cores, quer em preto e branco; b) deve haver contraste entre o pano de fundo e os elementos do intérprete; c) o foco deve abranger toda a movimentação e gesticulação do intérprete; d) a iluminação adequada deve evitar o aparecimento de sombras nos olhos e/ou seu ofuscamento 47 Para a boa visualização da interpretação, devem ser atendidas as seguintes condições: a) a vestimenta, a pele e o cabelo do intérprete devem ser contrastantes entre si e entre o fundo. Devem ser evitados fundo e vestimenta em tons próximos ao tom da pele do intérprete; b) na transmissão de telejornais e outros programas, com o intérprete da LIBRAS em cena, devem ser tomadas medidas para a boa visualização da LIBRAS; c) no recorte não devem ser incluídas ou sobrepostas quaisquer outras imagens (ABNT, 2005, p. 9). Portanto, durante muito tempo o surdo teve intérpretes e tradutores, primeiramente do núcleo familiar, após pessoas ouvintes que se interessavam na língua de sinais e assim começou uma nova profissão, a de tradutor/intérprete. Com o passar do tempo, leis foram estabelecidas para divulgarem e garantir o direito, aqui no caso do surdo. Percebe-se, ainda, que a sociedade, embora saiba da existência do surdo, não prioriza sua acessibilidade, portanto, ainda há muito o que discutir sobre o assunto estabelecendo como prioridade a comunicação. 3 CÓDIGO DE ÉTICA DO PROFISSIONAL INTÉRPRETE/ TRADUTOR O código de ética é um instrumento que se caracteriza por ser a base para o exercício profissional de qualquer categoria. Nesse caso dos profissionais intérpretes/ tradutores, o qual estabelece as diretrizes que os norteiam quanto às atitudes e posturas aceitas pela sociedade em geral. A ética, sem dúvida, deve estar no “cerne” da atuação profissional, onde cada um deve ter suas ações rigidamente realizadas sobre o agir eticamente, tendo respeito pelos profissionais seus pares, normas, comportamentos e conduta. Vamos iniciar pelo conceito de ética. Segundo o dicionário Aurélio Buarque de Holanda, ÉTICA é: "o estudo dos juízos de apreciação que se referem à conduta humana susceptível de qualificação do ponto de vista do bem e do mal, seja relativamente à determinada sociedade, seja de modo absoluto” (HOLANDA, 1988, p. 849). Em outros termos, o conceito aponta para uma performance com bases em juízo de valores, bem como aborda a conduta e o comportamento, considerando aspectos culturais e sociais que define o que é certo ou errado. Simplificando ainda mais, a Ética é direcionada à ideia de caráter, designando os costumes e o modo de ser de uma pessoa, ou de um grupo de pessoas. A ética também é uma área da filosofia que estuda a conduta humana. 48 A ética pode ser entendida através de três conceitos: 1 - A que a considera como ciência do bem para o qual a conduta dos homens deve ser orientada e dos meios para atingir tal fim, deduzindo tanto o fim quanto os meios da natureza do homem. 2 - A que a considera como a ciência do fundamento da conduta humana e procura determinar tal fundamento com o objetivo de dirigir ou disciplinar essa conduta. 3 - A de que a ética é a busca de argumentos para que os outros façam aquilo que nós acreditamos ser justo fazer (DOMINGOS, 2020, p. 28) Em geral os códigos de ética, apontam para questões relativas a: • confidencialidade do profissional que deve manter sob sigilo as informações apreendidas durante o seu fazer profissional; • competência, habilitação e qualificação profissional; • pessoalmente deve ter como atitudes habituais no seu dia a dia, tais como: ser confiável, honesto, íntegro, correto dentro dos padrões morais e de conduta; • ter decoro – apresentação pessoal adequada e postura profissional –, não devendo nunca se servir de informações privilegiadas obtidas por intermédio da interpretação/ tradução para ganhos pessoais ou de terceiros; • rejeitar qualquer forma concorrência desleal. Venha conhecer um pouco mais sobre a ética, acesse: https://bit.ly/3nnD3Iw. DICAS Os itens elencados anteriormente são bem comuns em todos os códigos de éticas, seja no dos intérpretes/tradutores de línguas orais ou nos de Libras. Aqui será tratado sobre o código de ética do intérprete/tradutor de Libras- português considerando-se que, a partir do momento em que foi reconhecida legalmente a língua (Libras) como meio de comunicação e paralelamente a aprovação da lei que regulamenta a profissão, alavancou o mercado de trabalho nessa área. Portanto, é muito significativo proporcionar conhecimentos que venham contribuir sobremaneira com o exercício da profissão de intérprete/tradutor Libras- português e vice-versa. E essa ampliação nos campos de atuação para tradutor/ intérprete de Libras não é somente na área educacional, mas na área empresarial, judiciaria, até mesmo para acompanhar o surdo em uma consulta médica, dentre tantos outros espaços de atuação. 49 Outro aspecto que contribuiu para essa decisão foi o fato de que a profissão intérprete/tradutores de Libras-português, e vice-versa, ainda é relativamente nova enquanto os intérpretes de línguas orais já estão estabelecidos a mais tempo e possuem uma organização formal mais adiantada. Portanto, tem que continuar o movimento para que a profissão seja aceita, pois, em muitos lugares, ainda há a resistência de aceitar a necessidade desse profissional, o que acaba desvalorizando-o financeiramente e prejudicando o surdo, que nem sempre tem acesso a um tradutor/intérprete. FIGURA 17 – QUE LÍNGUA É ESTA? FONTE: <https://4.bp.blogspot.com/-Nc2gSD19Jss/Wsd_cZsItnI/AAAAAAAA5iw/JdgEgRw3EncCZRu2JH- GwAyiLpTziYEwrwCEwYBhgL/s640/AUTO_myrria.jpg>. Acesso em: 13 jan. 2022. Embora muitas vezes encontremos charges como esta da Figura 17, em algumas situações é esse o sentimento que o profissional, responsável por passar uma mensagem, sente. E por isso se faz necessário que o tradutor e intérprete seja consciente de sua competência e capacidade, não aceitando serviços que não conheça a área. A concorrência nesse campo aumentou após a regularização da profissão, e por isso urge, além da formação, o conhecimento profundo do código de ética, transcrito a seguir. Cabe salientar que esse código foi escrito em um encontro criado especificamente para a construção e alinhamento das atitudes profissionais necessárias ao profissional e à ética. 50 CÓDIGO DE ÉTICA DO INTÉRPRETE Febrapils CAPÍTULO 1 Princípios fundamentais Artigo 1 São deveres fundamentais do intérprete: 1°. O intérprete deve ser uma pessoa de alto caráter moral, honesto, consciente, confidente e de equilíbrio emocional. Ele guardará informações confidenciais e não poderá trair confidências, as quais foram confiadas a ele; Artigo 2 O intérprete deve manter uma atitude imparcial durante o transcurso da interpretação, evitando interferências e opiniões próprias,a menos que seja requerido pelo grupo a fazê-lo; Artigo 3 O intérprete deve interpretar fielmente e com o melhor da sua habilidade, sempre transmitindo o pensamento, a intenção e o espírito do palestrante. Ele deve lembrar dos limites de sua função e não ir além de a responsabilidade; Artigo 4 O intérprete deve reconhecer seu próprio nível de competência e ser prudente em aceitar tarefas, procurando assistência de outros intérpretes e/ou profissionais, quando necessário, especialmente em palestras técnicas; Artigo 5 O intérprete deve adotar uma conduta adequada de se vestir, sem adereços, mantendo a dignidade da profissão e não chamando atenção indevida sobre si mesmo, durante o exercício da função. LEITURA COMPLEMENTAR 51 CAPÍTULO II Relações com o contratante do serviço Artigo 6 O intérprete deve ser remunerado por serviços prestados e se dispor a providenciar serviços de interpretação, em situações em que fundos não são possíveis; Artigo 7 Acordos em níveis profissionais devem ter remuneração de acordo com a tabela de cada estado, aprovada pela Feneis. CAPÍTULO III Responsabilidade Profissional Artigo 8 O intérprete jamais deve encorajar pessoas surdas a buscarem decisões legais ou outras em seu favor; Artigo 9 O intérprete deve considerar os diversos níveis da Língua Brasileira de Sinais bem como da Língua Portuguesa; Artigo 10 Em casos legais, o intérprete deve informar à autoridade qual o nível de comunicação da pessoa envolvida, informando quando a interpretação literal não é possível e o intérprete, então terá que parafrasear de modo claro o que está sendo dito à pessoa surda e o que ela está dizendo à autoridade; Artigo 11 O intérprete deve procurar manter a dignidade, o respeito e a pureza das línguas envolvidas. Ele também deve estar pronto para aprender e aceitar novos sinais, se isso for necessário para o entendimento; 52 Artigo 12 O intérprete deve esforçar-se para reconhecer os vários tipos de assistência ao surdo e fazer o melhor para atender as suas necessidades particulares. CAPÍTULO IV Relações com os colegas Artigo 13 Reconhecendo a necessidade para o seu desenvolvimento profissional, o intérprete deve agrupar-se com colegas profissionais com o propósito de dividir novos conhecimentos de vida e desenvolver suas capacidades expressivas e receptivas em interpretação e tradução. Parágrafo único. O intérprete deve esclarecer o público no que diz respeito ao surdo sempre que possível, reconhecendo que muitos equívocos (má informação) têm surgido devido à falta de conhecimento do público sobre a área da surdez e a comunicação com o surdo. Diante deste código de ética, apresentar-se-á a seguir diferentes situações que podem ser exemplos do dia a dia do profissional intérprete. Tais situações exigem um posicionamento ético do profissional intérprete. Sugere-se que, a partir destes contextos, cada intérprete reflita, converse com outros intérpretes e tome decisões em relação a seu posicionamento com base nos princípios éticos destacados no código de ética. FONTE: FEBRAPILS – FEDERAÇÃO BRASILEIRA DAS ASSOCIAÇÕES DOS PROFISSIONAIS TRADUTORES E INTÉRPRETES E GUIA-INTÉRPRETES DE LÍNGUA DE SINAIS. Código de ética do intérprete. Brasília, DF: Febrapils, 2014. Disponível em: https://bit.ly/3nKgq1p. Acesso em: 13 jan. 2022. 53 RESUMO DO TÓPICO 3 Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como: • A Libras – a língua Brasileira de Sinais é reconhecida não oficializada, como a língua da comunidade surda. • Se faz necessário a profissionalização dos intérpretes e tradutores o que foi regrado pelo decreto nº5626 de dezembro de 2005. • Com o surgimentoLei nº 12.319, de 1 de setembro de 2010, regulamenta a profissão de Tradutor e Intérprete da Língua Brasileira de Sinais – Libras. Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015 Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). • O TILPS poderá trabalhar como professor, porém não há uma obrigatoriedade. • Surge a necessidade de conceituar o que significa guia intérprete, intérprete, profissional de apoio, o que é regulamentado pela Lei nº 12.319. • O código de ética devera nortear a atuação do intérprete, e deverá ser conhecido e praticado. • Para que se possa entender o código de ética, alguns termos são necessários que se saiba o significado e internalizado como norteadores da profissão: confidencialidade competência, habilitação e qualificação profissional, honesto, íntegro, correto dentro dos padrões morais e de conduta, bem como ter decoro, e postura profissional. 54 1 Em uma palestra universitária, uma intérprete X foi contratada para tradução e interpretação de um professor surdo. Na plateia, além de diversos interessados, estavam outros professores bilíngues. A intérprete começou a contar sua carreira no meio da fala dos palestrantes. Podemos dizer que a intérprete não teve: a) ( ) Fluência na tradução. b) ( ) Imparcialidade. c) ( ) Ética. d) ( ) Visibilidade. 2 A profissão de tradutor e intérprete teve seu início com familiares. Ao decorrer do tempo, a profissionalização foi necessária, portanto, foi necessário criar princípios. Princípios estes que regem a conduta profissional dos TILS e GI. De acordo com o Código de Conduta e Ética da FEBRAPILS (2014), os princípios definidores da conduta profissional do TILS elencados a seguir são? FONTE: FEBRAPILS – FEDERAÇÃO BRASILEIRA DAS ASSOCIAÇÕES DOS PROFISSIONAIS TRADUTORES E INTÉPRETES E GUIA-INTÉRPRETES DE LÍNGUA DE SINAIS. Código de ética do intérprete. Brasília, DF: Febrapils, 2014. Disponível em: https://bit.ly/3nKgq1p. Acesso em: 13 jan. 2022. I- Confidencialidade II- Assistencialismo III- Competência Tradutória. IV- Voluntariado V- Supremacia da comunidade surda. VI- Respeito aos envolvidos na profissão. VII- Compromisso pelo desenvolvimento profissional. Assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) II – III – IV – VI. b) ( ) I – VI – VII. c) ( ) I – II – V – VII. d) ( ) III – IV – V. 3 O papel do intérprete é realizar a interpretação da língua falada para a língua sinalizada e vice-versa, devendo, porém, observar os preceitos éticos. Escreva sobre cinco preceitos éticos estudados. 4 O código de ética rege as profissões, e com os tradutores intérpretes não seria diferente. Sobre o código de ética do intérprete de Libras, classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas: AUTOATIVIDADE 55 ( ) Em situações em que fundos financeiros não são possíveis, o intérprete de Libras deve se dispor a interpretar voluntariamente. ( ) O intérprete deve esclarecer o público no que diz respeito ao surdo sempre que possível, reconhecendo que existe má informação e falta de conhecimento do público sobre a área da surdez e a comunicação com o surdo. ( ) Reconhecendo a necessidade para o seu desenvolvimento profissional, o intérprete deve agrupar-se com colegas profissionais com o propósito de dividir novos conhecimentos de vida e desenvolver suas capacidades expressivas e receptivas em interpretação e tradução. Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA: a) ( ) F – V – V. b) ( ) V – F – V. c) ( ) F – V – F. d) ( ) V – V – V. 5 Como vimos os tradutores e intérpretes existem desde os tempos remotos, porém sem uma notoriedade ou apoio estrutural. Com os movimentos sociais, este profissional teve que receber profissionalização, colocada em leis que regulam a profissão. No que concerne a Lei nº 13.146/2015, descreva a formação do profissional da tradução e interpretação no nível superior. 56 57 REFERÊNCIAS ABNT – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 15290. Acessibilidade em comunicação na televisão. Rio de Janeiro: ABNT, 2005. Disponível em: http://www. crea-sc.org.br/portal/arquivosSGC/NBR%2015290.pdf. 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Acesso em: 13 jan. 2022. 60 61 A TRADUÇÃO E A INTERPRETAÇÃO E OS ASPECTOS LINGUÍSTICOS DA LÍNGUA DE SINAIS UNIDADE 2 — OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de: • identifi car os conceitos de tradução e interpretação; • compreender o signifi cado de tradução e interpretação na língua de sinais; • diferenciar e identifi car a linguística da língua oral com a de sinais; • conhecer os aspectos linguísticos da Língua de Sinais. Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer dela, você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado. TÓPICO 1 – DIFERENÇA ENTRE INTERPRETAÇÃO E TRADUÇÃO TÓPICO 2 – ASPECTOS LINGUÍSTICOS DA LÍNGUA DE SINAIS TÓPICO 3 – ASPECTOS LINGUÍSTICOS DA LÍNGUA DE SINAIS: PRAGMÁTICO E SEMÂNTICO, SINTÁTICO, MORFOLÓGICO E FONOLÓGICO Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações. CHAMADA 62 CONFIRA A TRILHA DA UNIDADE 2! Acesse o QR Code abaixo: 63 TÓPICO 1 — DIFERENÇA ENTRE INTERPRETAÇÃO E TRADUÇÃO UNIDADE 2 1 INTRODUÇÃO Iniciamos fazendo algumas considerações sobre o que significa interpretar e traduzir, para isso, evidenciamos vários estudos sobre esse assunto, nos dando, assim, um panorama mais amplo das diferenças, semelhanças, necessidades teóricas e práticas em cada uma dessas ações. O principal a saber sobre tradução e interpretação na língua de sinais é: o objetivo é sempre a comunicação e a forma que ela ocorre entre as línguas orais e a de sinais. O ato de interpretar e traduzir traz uma responsabilidade muito grande, pois é através dessas ações que a comunicação se dará. A partir dele, o receptor da comunicação receberá o objeto do trabalho que é a informação traduzida para sua língua alvo. Alguns autores serão trazidos a fim de conceituar a tradução e a interpretação em línguas de sinais, bem como a ação dos profissionais atuantes na área. Traremos o assunto TILS (Tradutores Intérpretes de Língua De Sinais) relatando sobre seu trabalho, necessidades e aspectos que envolvem a sua atuação profissional. No final do tópico, ainda falaremos da representação do intérprete no mundoatual e a sua importância na questão global do acesso à comunicação. 2 INTERPRETAR OU TRADUZIR Iniciamos o Tópico 1 com uma questão: qual a diferença entre interpretar e traduzir em línguas de sinais? Podemos pensar que são a mesma coisa, pois se assemelham durante o trabalho do tradutor intérprete de Libras, mas perceberemos neste conteúdo que são diferentes. Mounin (1965) fala da diferenciação entre o intérprete e o tradutor. Até meados do século XI, o intérprete era quem fazia tradução oral e escrita, depois, no século XII, o intérprete começa a ser tratado como aquele que faz a tradução oral e o tradutor aquele que faz tradução escrita. O intérprete era vinculado à oralidade ou a gestualidade e o tradutor aquele que faz a escrita. As condições de trabalho desses profissionais também eram diferentes. 64 Mounin (1965) ainda fala que o intérprete tem que trabalhar de forma imediata, gestual e consecutiva de tradução, comparando com um orador ou a um ator, enquanto o tradutor tem mais tempo para se planejar e elaborar seu trabalho. O tradutor que trabalha com o texto escrito, sempre terá mais tempo para consultar os instrumentos documentais e pesquisa, diferentemente do intérprete. As tarefas de tradução e interpretação são diferentes, a primeira envolve uma língua escrita, a segunda envolve línguas na modalidade oral/sinalizada (QUADROS, 2004; LACERDA, 2009). Essa distinção pode ser observada de forma que a tradução parte do texto escrito, enquanto a interpretação tem como foco a produção oral. Por essas diferenças podemos dizer que as condições de trabalho do tradutor e do intérprete são muito distintas. As diferenças entre interpretação e tradução, no que diz respeito a um conceito geral, e não só na língua de sinais, é que a tradução é a elaboração da mensagem escrita no idioma do público-alvo, enquanto a interpretação transmite o conteúdo oralmente, considerando os padrões de pensamento cultural do público, a tradução não tem a flexibilidade de improvisar considerações de ordem social, ou seja, é uma significação pontual sem levar em consideração os aspectos históricos, sociais e culturais. Vista essa definição, pensemos agora como elas interagem na língua de sinais. A partir do que dizem Quadros (2004) e Lacerda (2009), podemos identificar muito o que diz respeito às semelhanças entre a tradução e interpretação em língua de sinais, ambos os processos envolvem a comunicação. Tanto o tradutor como o intérprete precisam conhecer ambas as línguas que estão atuando, isto é fundamental para o bom andamento do trabalho desses profissionais, por exemplo, uma pessoa que entenda bem a língua portuguesa encontrará muito mais rápido os sinônimos na hora da interpretação simultânea. No caso da língua de sinais, quando conhecemos como ela se organiza e quais são as características específicas dessa língua, podemos compreender certos detalhes que fazem a diferença no momento da tradução, como uma expressão de intensidade, um movimento mais devagar, um classificador entre outros aspectos. O tradutor e o intérprete tomam decisões, e, em muitos casos, o intérprete não tem tempo hábil para pensar dedicadamente na diversidade de significados e por isso precisa conhecer as culturas das línguas envolvidas e ter um repertório linguístico que permita a eles transitar de uma língua para outra. O português e a língua de sinais são línguas distintas, então podemos falar em tradução e interpretação entre elas. Iniciando pela tradução para língua de sinais, podemos dizer que ela requer o envolvimento de um texto (em escrita de sinais ou outro idioma) e a interpretação acontece no momento do discurso, seja ele oral ou sinalizado. Algumas possibilidades de tradução envolvendo a língua de sinais podem ocorrer entre ela e a escrita de sinais (sign writing), a língua de sinais e um idioma escrito, um idioma escrito para a escrita de sinais. 65 Já a interpretação acontece entre as línguas expressivas, como a língua de sinais e outro idioma falado. Os intérpretes são intermediários da interlocução da comunicação, não apenas transmitindo o que o palestrante fala, mas percebendo as expressões e entonações para dar sentido a sua tradução de maneira a representar da melhor forma possível o que o outro está querendo dizer, para que sua mensagem seja clara e entendível para o receptor dessa tradução. É importante lembrar que o Brasil tem a Libras, mas outros países têm suas próprias línguas de sinais, então é possível que haja a tradução ou interpretação da língua brasileira de sinais (Libras) para a americana (ASL), por exemplo. Sobre a diferença entre tradução e interpretação, o vídeo de Madson Barreto é bem interessante e explica a diferença entre os termos de modo simplifi cado. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Cr33ZQHlWVE. DICAS VÍDEO "QUAL A DIFERENÇA ENTRE TRADUTOR E INTÉRPRETE DE LIBRAS? FONTE: <https://www.youtube.com/watch?v=Cr33ZQHlWVE>. Acesso em: 10 fev. 2022. Pereira (2008) traz a discussão desta distinção para o domínio das línguas de sinais, ele diz que se nos referirmos à história, a interpretação tem mais importância que a tradução. Klamt (2014) relata que grande parte das traduções envolvendo a Libras sempre recorreu à interpretação simultânea. Essa autora diz que o termo “tradução” serve, especifi camente, para operações que partam da língua sinalizada para uma língua escrita, ela ainda diz que o termo “interpretação” se destina a operações que partem da língua escrita para a língua sinalizada. A tradução é a transformação de um texto a partir de uma língua fonte, por meio de modalidade oral, escrita ou sinalizada em outra língua, que é a língua fi nal do processo de comunicação. Enfi m, se a língua fi nal estiver na modalidade escrita, trata-se de uma tradução e se estiver na modalidade oral ou sinalizada o termo utilizado é interpretação. 66 O nosso próprio Hino Nacional, quando se pensa em sua escrita, poderá ter como tradução: Ouviram do Ipiranga as margens plácidas De um povo heroico o brado retumbante/ E o sol da liberdade, em raios fúlgidos/ Brilhou no céu da pátria nesse instante. Tradução: O grito de Independência do povo brasileiro foi dado nas margens do calmo riacho do Ipiranga. Naquele momento a liberdade brilhou no céu do Brasil, como um sol. e segue ofi cial: Se o penhor dessa igualdade Conseguimos conquistar com braço forte, Em teu seio, ó liberdade, Desafi a o nosso peito a própria morte! Tradução: Nós lutamos para conseguir direitos iguais. Agora estamos dispostos a morrer pela liberdade conquistada com a Independência. FONTE: <https://bit.ly/34wxZeL>. Acesso em: 10 fev. 2022. Portanto percebemos que a tradução envolve o conhecimento de uma estrutura linguística não envolvida em uma interpretação, por não haver esse “tempo” de analisar a inversão ou não de frases, bem como a estrutura invertida da escrita do tempo de 1822-1823. A música do Hino Nacional foi composta por Francisco Manoel da Silva, entre 1822 e 1823. Já a letra foi escrita por Joaquim Osório Duque Estrada e ofi cializada em 1922, durante o centenário da Proclamação da Independência. Saiba mais em: https://bit.ly/34wxZeL. INTERESSANTE 67 O trabalho de Stokoe (1960) e de pesquisas seguintes mostram uma complexa estrutura linguística das línguas de sinais e a existência de uma gramática nesses sistemas linguísticos, com seus níveis (morfológico, fonológico, sintático, semântico e pragmático) muito bem estruturados. A tradução e a interpretação entre uma língua de sinais e a oral apresenta características diferentes, pois os profissionais trabalham com línguas de modalidades diferentes. A diferença de modalidade exige um trabalho exaustivo do profissional, pois a constituição gramatical das línguas é diferente e o tradutor intérprete deve lidar com ambas as línguas e suas especificidades. Então, como devemos, enfim, definir os papéis do tradutor e do intérprete? Para ambos é imprescindíveltransitar bem entre as duas línguas, é fundamental possuir competência comunicativa nas línguas de comunicação. Esses saberes são especializados, formados por um conjunto de conhecimentos e habilidades que tornam o tradutor diferente dos demais falantes bilíngues que não exercem a função de tradutores. Uma das capacidades dos intérpretes é o poder de interagir em eventos e utilizar do improviso nas suas traduções. No mundo de hoje o papel do tradutor ganha novas faces, com a multiplicidade de eventos sociais, midiáticos principalmente, a função ganha algumas especificidades. Os autores Guerini e Costa (2006, p. 30) falam que a partir da globalização, ocorre um crescimento da interpretação, por causa do aumento dos eventos internacionais. 3 O INTÉRPRETE Quadros (2004) diz que o processo de interpretação envolve um ato COGNITIVO- LINGUÍSTICO, ou seja, é um processo em que o intérprete está envolvido em uma situação com pessoas que apresentam intenções comunicativas específicas e que utilizam línguas diferentes para conseguir atingir tal comunicação. O intérprete está profundamente envolvido na interação comunicativa (social e cultural) com influência no objeto e no produto da interpretação. O intérprete recebe a informação, a processa e a dá na língua fonte, fazendo todo o processo de escolhas lexicais, estruturais, semânticas e pragmáticas na língua alvo. Essas escolhas devem se aproximar, da maneira mais próxima possível, da informação dada na língua inicial. O intérprete também precisa ter conhecimento técnico, pois suas escolhas devem ser apropriadas tecnicamente ao processo comunicativo entre línguas. “A função de interpretar requer processos altamente complexos” (QUADROS, 2004, p. 27). O intérprete está inserido em duas culturas diferentes, que falam línguas distintas, sendo uma delas não a sua natural, isto é, não é aquela que ele está exposto desde a 68 aquisição linguística, precisando, assim, ter passado por exercícios repetitivos para a preensão de uma segunda língua, bem como adquirir a percepção de sua funcionalidade comunicativa dentro do grupo cultural que ela está inserida. Utilizamos o termo TILS para descrever Tradutor Intérprete de Libras. “O trabalho do TILS é fazer a tradução e a interpretação e esses dois se completam e remetem a uma só tarefa, que é de transpor os conteúdos de uma dada língua para outra, buscando trazer nesse processo sentidos pretendidos, sem que eles se percam ou que sejam distorcidos no percurso” (LACERDA, 2009, p.14). A interpretação envolve modalidades orais-auditivas e espaço-visuais, a partir disso pode haver “a interpretação da língua de sinais para a língua falada e vice-versa, da língua falada para a língua de sinais” (QUADROS, 2004, p. 9). Lacerda (2019) faz um comparativo em relação ao tradutor e intérprete de língua de sinais. O autor diz que o tradutor deve dominar as línguas envolvidas em seu trabalho. É importante, também, que o material seja disponibilizado com antecedência para poder ser estudado e traduzido previamente. O profissional tradutor trabalha mais isolado, com o auxílio do computador e de várias consultas e pesquisas, ainda tendo a possibilidade de trocar conhecimentos com outros profissionais semelhantes. Já o intérprete deve, também, dominar as línguas envolvidas, assim como o assunto em questão e expressões orais e corporais presentes nos idiomas. Esse profissional não tem acesso ao material previamente, e o assunto pode mudar no decorrer da tradução. O intérprete atua em equipe e pode se revezar em eventos, atuando frente aos alvos de seu processo comunicativo, podendo adequar sua atuação da melhor maneira a atingir seu público. O profissional TILS possui características diferentes em relação à tarefa que vai exercer, se tradução ou interpretação, a partir disso ele pode escolher seus recursos, língua e representações de acordo com seu público-alvo, momento de interpretação, para que o objetivo final de seu trabalho seja alcançado. O intérprete deve estar completamente envolvido na interação comunicativa, social e cultural, com poder completo para influenciar os seres integrantes da interpretação, pois recebe, processa e devolve a informação na língua fonte e faz escolhas lexicais, estruturais, semânticas e pragmáticas na língua alvo que devem se aproximar o mais apropriadamente possível da informação dada na língua comunicante. Quadros (2004) diz que nas relações culturais e linguísticas os intérpretes de Língua de Sinais fazem um processo de desconstrução no que diz respeito ao visual, a forma de pensar e de sentir a diferença das línguas, para que possa haver, assim, o entendimento das comunidades surdas. Esse processo é a representação de uma língua para outra, mas também da cultura dessa língua e não é estático, ele age a partir da organização de diferentes processos do campo simbólico e imaginário, que trazem marcas inconscientes. A tensão está nos diversos sentidos que um texto pode trazer, isso traz incertezas para a tradução, fazendo com que o intérprete tenha dificuldades entre ambas as realidades linguísticas. 69 Quadros (2004) diz que o intérprete é o único a combinar três competências: a linguística, a técnica e a metodológica. A competência linguística é a habilidade de lidar com as línguas envolvidas no processo de interpretação. Reafi rmado pela autora, novamente falamos na necessidade de os intérpretes serem bilíngues e possuidores de um excelente conhecimento dos dois idiomas envolvidos na comunicação. A competência técnica é referente à habilidade de saber como se comportar eticamente na interpretação, usar o microfone, os fones quando necessário, assim como modular a voz ou a intensidade dos gestos dando coerência a sua tradução conforme a ouve. A competência metodológica é a utilização de diferentes modos de interpretação, escolher o mais apropriado diante do momento e encontrar o item lexical e a terminologia adequada ao discurso. Neste tópico você estudou os conceitos de tradução (envolve um processo escrito) e interpretação (envolve um processo mais imediato), no próximo tópico veremos os aspectos linguísticos das línguas de sinais. ESTUDOS FUTUROS O fi lme A chegada aborda de modo bem interessante o processo de tradução e interpretação que uma linguista precisa fazer para compreender a mensagem que uma nave alienígena traz para a Terra. É muito interessante notar todo o processo que ela precisa desenvolver para ser capaz de compreender aquilo que as criaturas querem passar através da escrita absurdamente diferente da nossa, o longa mostra todo o desenrolar do raciocínio linguístico envolvido para que ela consiga compreender o que é apresentado pelos visitantes do espaço. Vale a pena assistir! DICAS FIGURA – CARTAZ DO FILME "A CHEGADA" FONTE: <https://www.palomaviricio.com.br/2018/02/a-chegada-the-arrival-mo- vie.html>. Acesso em: 10 fev. 2022. 70 RESUMO DO TÓPICO 1 Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como: • As tarefas de tradução e interpretação são diferentes, a primeira envolve uma língua escrita, a segunda envolve línguas na modalidade oral/sinalizada. • Para os intérpretes é imprescindível transitar bem entre as duas línguas, é fundamental possuir competência comunicativa nas línguas de comunicação. • Os tradutores e intérpretes devem ter um conjunto de conhecimentos e habilidades que os tornam diferentes dos demais falantes bilíngues que não exercem a função de tradutores. Uma das capacidades dos intérpretes é o poder de interagir em eventos e utilizar do improviso nas suas traduções. • O processo em que o intérprete está envolvido em uma situação com pessoas que apresentam intenções comunicativas específicas e que utilizam línguas diferentes para conseguir atingir tal comunicação chama-se cognitivo linguístico. • Tanto o tradutor como o intérprete precisam conhecer ambas as línguas que estão atuando, isso é fundamental para o bom andamento do trabalho desses profissionais.• As diferenças entre interpretação e tradução, no que diz respeito a um conceito geral, e não só na língua de sinais, é que a tradução é a elaboração da mensagem escrita no idioma do público-alvo. • Tanto para a tradução como para a interpretação, é imprescindível transitar bem entre as duas línguas envolvidas, é fundamental possuir competência comunicativa nas línguas de comunicação. • O intérprete, com suas escolhas, devolverá a informação na língua fonte e fará escolhas lexicais, estruturais, semânticas e pragmáticas na língua alvo que devem se aproximar o mais apropriadamente possível da informação dada na língua comunicante. • Quadros (2004) diz que o intérprete é o único ao combinar três competências: a linguística, a técnica e a metodológica. 71 RESUMO DO TÓPICO 1 1 Segundo Mounin (1965), nos seu estudo sobre problemas teóricos da tradução, há uma diferença entre o intérprete e o tradutor, no âmbito do exercício de seu trabalho. Pensando nessas diferenças analise as afirmações abaixo e assinale quais delas estão corretas. FONTE: MOUNIN, G. Os problemas teóricos da tradução. Tradução de Heloysa de Lima Dantas. São Paulo: Cultrix, 1965. I- O intérprete é quem faz tradução oral e escrita, isso acontece até os dias atuais. II- O intérprete é aquele que faz a tradução oral e o tradutor é aquele que faz tradução escrita, essa visão ocorre depois do século XII. III- O intérprete era vinculado à oralidade ou a gestualidade e o tradutor à escrita e as condições de trabalho também eram diferentes. IV- O intérprete tem que trabalhar de forma imediata, gestual e consecutiva de tradução, comparado com um orador ou a um ator, enquanto o tradutor tem mais tempo para planejar e elaborar seu trabalho. V- O tradutor trabalha com o texto escrito, mas não terá tempo para consultar os instrumentos documentais e pesquisa em cima deles, diferentemente do intérprete. Assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) Somente as sentenças I, II, III estão corretas. b) ( ) Somente as sentenças II, III, IV estão corretas. c) ( ) Somente as sentenças I, V, II estão corretas. d) ( ) Somente as sentenças II, V, IV estão corretas. e) ( ) Todas estão corretas. 2 As tarefas de tradução e interpretação se mostram de formas diferentes, segundo Quadros (2004) e Lacerda (2009) em seu estudo sobre o tradutor e o intérprete de língua de sinais. Observe as alternativas listadas e marque somente a que está de acordo com o pensamento das autoras: FONTES: QUADROS, R. M. O tradutor e intérprete de língua brasileira de sinais e língua portu- guesa. Brasília, DF: MEC/SEESP, 2004. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/tradu- torlibras.pdf. Acesso em: 10 fev. 2022.; LACERDA, C. B. F. Intérprete de Libras: em atuação na educação infantil e no ensino fundamental. Porto Alegre: Mediação, 2009. a) ( ) A primeira envolve uma língua escrita, a segunda envolve línguas na modalidade oral/sinalizada. b) ( ) Tradução é a expressão de uma língua, enquanto a interpretação é algo mais teatral. c) ( ) A tradução tem foco a produção oral, já a interpretação parte do texto escrito. AUTOATIVIDADE 72 d) ( ) Interpretar e traduzir são a mesma coisa. e) ( ) As condições de trabalho do tradutor e do intérprete são iguais, assim como o processo que exercem. 3 Segundo Quadros (2004), o intérprete é único ao combinar três competências: a linguística, a técnica e a metodológica. Observe as características e associe os itens, utilizando o código a seguir. FONTE: QUADROS, R. M. O tradutor e intérprete de língua brasileira de sinais e língua portu- guesa. Brasília, DF: MEC/SEESP, 2004. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/tradutor- libras.pdf. Acesso em: 10 fev. 2022. I- Competência linguística. II- Competência técnica. III- Competência metodológica. ( ) É a habilidade de lidar com as línguas envolvidas no processo de interpretação. ( ) É a utilização de diferentes modos de interpretação, escolher o mais apropriado diante do momento e encontrar o item lexical e a terminologia adequada ao discurso. ( ) É referente à habilidade de saber como se comportar eticamente na interpretação, usar o microfone, os fones quando necessário, assim como modular a voz ou a intensidade dos gestos dando coerência a sua tradução conforme a ouve. Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA: a) ( ) A ordem correta é I, II, III. b) ( ) A ordem correta é II, III, I. c) ( ) A ordem correta é I, III, II. d) ( ) Todas estão erradas. e) ( ) Todas estão corretas. 4 No estudo de Lacerda (2009) sobre o intérprete de Libras, a autora faz um comparativo em relação a função que exerce o tradutor e o intérprete de língua de sinais. Com base no que diz a autora disserte sobre a função dos dois profissionais. FONTE: LACERDA, C. B. F. Intérprete de Libras: em atuação na educação infantil e no ensino fundamental. Porto Alegre: Mediação, 2009. 5 O intérprete combina três competências: a linguística, a técnica e a metodológica, quem afirma isso é Quadros (2004) quando fala sobre o tradutor intérprete da língua de sinais e língua portuguesa. Disserte sobre essas três competências, tendo como base a autora referida. FONTE: QUADROS, R. M. O tradutor e intérprete de língua brasileira de sinais e língua portu- guesa. Brasília, DF: MEC/SEESP, 2004. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/tradutor- libras.pdf. Acesso em: 10 fev. 2022. 73 ASPECTOS LINGUÍSTICOS DA LÍNGUA DE SINAIS 1 INTRODUÇÃO Neste tópico, falaremos sobre o conceito de língua e linguagem, suas diferenças e empregos na comunicação das pessoas. Observaremos os aspectos linguísticos da língua de sinais e a sua relação com a língua oral, observando o que falam alguns autores sobre as línguas em questão. Para a explicação das línguas, traremos os autores Chomsky (2007) e Saussure (2006) e seus conceitos de língua e linguagem, como produtos naturais e sociais da vida humana, incluindo nela a língua de sinais. Mais voltados para as línguas de sinais, traremos, principalmente, Karnopp (2004), Quadros (2004) e Stokoe (1986). Para a introdução deste tópico é importante lembrar o que Stokoe (1986) coloca que na linguagem estão presentes a marcas do convívio social e das interações sociais entre indivíduos com a mesma língua, e assim a língua se forma e se transforma a partir do meio que está inserida, o que com a língua de sinais não seria diferente. Sua modalidade não é oral, porém, é possível identificar a construção de sinais a partir da interação e convívio social. 2 ASPECTOS LINGUÍSTICOS Se tratando de linguagem, entendemos que ela é um sistema de códigos ou signos convencionais abstratos adotados por determinado grupo social, por exemplo, o grupo de ouvintes e o de surdos, os dois possuem linguagem diferentes. Essa linguagem pode ser verbal ou não verbal e elas são usadas para expressar suas ideias, mensagens, informações ou alertas. A gramática é o único sistema convencionado em que há regras que estabelecem o uso de uma língua nos seus diversos aspectos. Definimos a linguagem verbal aquela que produz ideias, sentimentos ou manifestações através da fala e dos gestos e ela se diferencia da linguagem não verbal, que é produzida por meio de pinturas, desenhos, danças e escritas. UNIDADE 2 TÓPICO 2 - 74 2.1 LÍNGUA E LINGUAGEM Quando falamos em língua de sinais existe uma máxima que diz que nunca devemos chamar a Libras ‘de linguagem de sinais’, mas para entender essa forma de se referir, devemos entender o que significa língua e linguagem. Língua são as palavras organizadas dentro de uma gramática específica. Essas regras gramaticais permitem que mensagens sejam transmitidas ao receptor da mensagem, de forma a compreendê-las. A língua é variável, dependendo da sua região, cultura, grupo social e demais fatores naturais. Para dizer que sabe uma língua, não basta só conhecer os vocábulos dela, mas sim compreender e empregar a gramáticaque rege essa língua. A linguagem é o ato de comunicar-se com outro interlocutor, transmitindo uma mensagem composta por ideias, pensamentos, sentimentos, crítica, opiniões, sonhos, informações. A linguagem ocorre de forma verbal, não verbal e mista. A verbal são as palavras, podendo ser faladas ou escritas. A não verbal se utiliza de formas que enviem uma comunicação, como sons, gestos, cores, imagens, fotos, expressões faciais e corporais, símbolos, marcas e demais materiais visuais. A mista é a junção dos dois tipos de linguagem antes mencionadas, como, por exemplo, uma placa composta por uma palavra e uma imagem, as histórias em quadrinhos composta por falas e desenhos, cinema, teatro, revistas, além desses ainda utilizamos, hoje em dia, as redes sociais, nas quais também podemos encontrar a linguagem mista, pois possibilitam a postagem de material visual de forma a utilizar texto e imagem simultaneamente. Agora que sabemos a diferença entre língua e linguagem vamos pensar em qual delas a Libras se enquadra. Desde 2002, com a Lei nº 10.436, de 24 de abril, sabemos que a Libras é uma língua reconhecida oficialmente. Ela se enquadra no conceito de língua por ter uma estrutura gramatical própria (veremos no próximo tópico mais sobre a estrutura gramatical). Antes da referida lei, a Libras era considerada apenas uma linguagem, utilizada para se comunicar, mas sem estrutura própria, pensando no que a Libras representa, não podemos mais pensar nela como linguagem que utilizam sinais ou gestos soltos para sua comunicação. A língua está dentro da linguagem, mas a diferença é a estrutura gramatical. O ato de se comunicar através da Libras é fazer uso da linguagem, não verbal em sua grande maioria, pois ela está ligada à língua, demonstrada por sinais, expressões, mas a grande questão é que esses sinais estão amparados gramaticalmente dentro de um sistema plenamente constituído, por isso a Libras é uma LÍNGUA. Para exercemos ou para sermos competentes em uma língua precisamos conhecê-la, estudá-la e convivermos com um público com o qual possamos adquirir uma fluência. 75 Noam Chomsky (1994) ok fala sobre o conceito de competência. Podemos dizer que ela é medida na produção da língua e da linguagem de um sujeito, podendo ser classifi cados em: Competência cultural, que é o conhecimento adquirido acerca do entendimento no contexto sociocultural de um grupo; Competência sociolinguística que é o conhecimento de se contextualizar um tema qualquer para a realidade de um grupo; Competência discursiva que é a capacidade de construir ou interpretar textos no seu conjunto diante do contexto do grupo; Competência estratégica que é a capacidade de pensar, estudar, escolher e usar estratégias apropriadas para compensar defi ciências no domínio do código linguístico no ato de traduzir e de interpretar para o determinado grupo. Defi nidas as competências, Chomsky (1986) evidencia a necessidade de se ter a certeza de que a linguagem é representativa, ou seja, o que se fala, se ela mostra a signifi cação e se a raça humana tem como utilizá-la para comunicar-se. FIGURA 1 – NOAM CHOMSKY FONTE: Os autores Como dito anteriormente, a língua pode ter diferentes representações e signifi cados, mas as investigações feitas podem servir de modelo para conhecer e aprofundar na comunicação. 76 Por muito tempo a língua de sinais era vista como mera linguagem, que pode ser entendida como um meio sistemático de comunicar ideias ou sentimentos através de signos convencionais, sonoros, gráficos, gestuais etc. Com o passar do tempo foi comprovado seu status de língua, que é entendida como um instrumento de comunicação, é composta por regras gramaticais que possibilitam que as pessoas possam produzir enunciados que permitam a comunicação e a compreensão entre os seres. Por essas razões, a língua de sinais passou a ser considerada uma língua propriamente dita, uma língua natural do sujeito surdo. Observemos o que Saussure (2006, p. 17) coloca sobre a linguagem [...] linguagem é uma faculdade humana, uma capacidade que os homens têm para produzir, desenvolver, compreender a língua e outras manifestações simbólicas semelhantes à língua. A linguagem é heterogênea e multifacetada: ela tem aspectos físicos, fisiológicos e psíquicos, e pertence tanto ao domínio individual quanto ao domínio social. Para Saussure, é impossível descobrir a unidade da linguagem. Por isso, ela não pode ser estudada como uma categoria única de fatos humanos. A língua é diferente. Ela é uma parte bem definida e essencial da faculdade da linguagem. Ela é um produto social da faculdade da linguagem e um conjunto de convenções necessárias, estabelecidas e adotadas por um grupo social para o exercício da faculdade da linguagem. A língua é uma unidade por si só. Para Saussure, ela é a norma para todas as demais manifestações da linguagem. Ela é um princípio de classificação, com base no qual é possível estabelecer uma certa ordem na faculdade da linguagem. Percebe-se que Saussure (2006) nos mostra um conceito de língua e linguagem sem colocar a interação social de comunidades diferentes para que possamos ter uma competência linguística. A língua teria uma estrutura definida. O desenvolvimento de uma língua está unida com as faculdades da linguagem, com uma gramática já definida dentro de nosso cérebro. 77 FIGURA 2 – FERDINAND DE SAUSSURE FONTE: Os autores A linguagem pode ser defi nida como um produto social e a capacidade do ser humano em produzir conceitos. As línguas naturais são um sistema linguístico usado por uma comunidade específi ca e estão dentro desse conceito as línguas de sinais, pois nela há uma estrutura que permite que diferentes conceitos sejam demonstrados através dela, dependendo da intenção e necessidade comunicativa do indivíduo. A língua natural é, segundo Quadros e Karnopp (2004), uma realização da linguagem que se dicotomiza em um sistema abstrato de regras fi nitas que possibilitam a produção de frases limitadas. A utilização desse sistema, socialmente, possibilita a comunicação entre os usuários dessa mesma língua. 3 A LINGUÍSTICA DA LÍNGUA DE SINAIS Stokoe, segundo Quadros e Karnopp (2004), foi um dos primeiros estudiosos a realizar pesquisas referentes às línguas de sinais, assim como constatar seu status linguístico. Ele comprovou a complexidade da língua de sinais igualmente com as línguas orais, pois elas possuem regras gramaticais, léxico e permitem a expressão conceitos abstratos e a produção de uma quantidade infi nita de sentenças. Todas as línguas de sinais se diferem, ela não é universal. As línguas de sinais são naturais, por essa razão elas apresentam variações regionais e suas estruturas gramaticais não dependem das línguas orais. Por ser uma língua de modalidade gestual-visual, seu canal de comunicação é através das mãos, das expressões faciais e do corpo. Acredita-se 78 que a língua de sinais deve ser a língua materna dos surdos por estar ligada a um canal que não é o oral-auditivo, pois essa modalidade não oferece ao surdo uma aquisição espontânea da língua, ao contrário da gestual-visual, que garante uma percepção e articulação mais fácil, coerente e confortável, além de contribuir para o desenvolvimento linguístico, cognitivo e social do sujeito surdo. A língua materna também, conhecida como idioma materno, língua nativa ou primeira língua. Trata da língua adquirida de forma natural, através da interação com o meio envolvente, sem intervenção pedagógica e sem uma reflexão linguística consciente. FONTE: <https://conceito.de/lingua-materna>. Acesso em: 10 fev. 2022. NOTA Stokoe (1986) fala que aos sistemas presentes na linguagem de sinais teriam sido decorrentes do convívio social e das interações comunicativas individuais que os surdos estabelecem entre si, através da em decorrência do uso e de sua inserção social, tornaram-se mais simbólicos e menos icônicos. Hoje as línguas de sinais interagem com umaestrutura linguistica completa em que há um sistema de junção de elementos menores em palavras e um sistema de construção de sentenças a partir daquelas palavras. Quadros e Karnopp (2004) relatam que, assim como as línguas orais, a de sinais também se estrutura a partir de determinados mecanismos. Diante desse cenário de mecanismos, vamos discorrer sobre a estrutura apresentada no que diz respeito às línguas e principalmente à língua de sinais. https://conceito.de/lingua-materna 79 RESUMO DO TÓPICO 2 Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como: • Língua é definida como palavras organizadas dentro de uma gramática específica. E linguagem é o ato de comunicar-se com outro interlocutor, transmitindo uma mensagem composta por ideias, pensamentos, sentimentos, crítica, opiniões, sonhos, informações. • A Libras e sua gramática como sistema convencionado em que há regras que estabelecem o uso de uma língua nos seus diversos aspectos. • O conceito de competência cultural, sociolinguística, discursiva e estratégica proposta por Chomsky (1986). • Competência cultural é o conhecimento adquirido acerca do entendimento no contexto sociocultural de um grupo. • Competência sociolinguística é o conhecimento de se contextualizar um tema qualquer para a realidade de um grupo. • Competência discursiva é a capacidade de construir ou interpretar textos no seu conjunto diante do contexto do grupo. • Competência estratégica é a capacidade de pensar, estudar, escolher e usar estratégias apropriadas para compensar deficiências no domínio do código linguístico no ato de traduzir e de interpretar para o determinado grupo. • Comprovação do status de língua para a língua de sinais, entendida como um instrumento de comunicação, é composta por regras gramaticais que possibilitam que as pessoas possam produzir enunciados que permitem a comunicação e a compreensão entre os seres. 80 1 Noam Chomsky, Saussure, Stokoe e Quadros e Karnopp falam sobre os aspectos linguísticos das línguas, sejam elas de sinais ou orais. A seguir, utilize os códigos para relacionar as afirmações que competem a cada um dos autores. I- Noam Chomsky. II- Saussure. III- Stokoe. IV- Quadros e Karnopp. ( ) A linguagem é uma faculdade humana, uma capacidade que os homens têm para produzir, desenvolver, compreender a língua e outras manifestações simbólicas semelhantes à língua. ( ) O conceito de competência, podemos dizer, é medido na produção da língua e da linguagem de um sujeito. ( ) A língua de sinais, assim como as línguas orais, também se estrutura a partir de determinados mecanismos. ( ) Comprovou a complexidade da língua de sinais igualmente com as línguas orais, pois elas possuem regras gramaticais, léxico e permitem a expressão conceitos abstratos e a produção de uma quantidade infinita de sentenças. Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA: a) ( ) II – I – III – IV. b) ( ) II – I – IV – III. c) ( ) I – II – III – IV. d) ( ) IV – II – III – I. 2 Quando falamos em linguagem, entendemos que ela é um sistema de códigos ou signos convencionais abstratos adotados por determinado grupo social, por exemplo, o grupo de ouvintes e o de surdos, os dois possuem linguagem diferentes. Essa linguagem pode ser verbal ou não verbal e elas são usadas para expressar suas ideias, mensagens, informações ou alertas. Associe os itens, utilizando o código a seguir: (1) Linguagem verbal. (2) Linguagem não verbal. ( ) É aquela produzida por meio de pinturas, desenhos, danças e escritas. ( ) É aquela que produz ideias, sentimentos. ( ) É expressa através da fala e dos gestos. AUTOATIVIDADE 81 Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA: a) ( ) 1 – 1 – 2. b) ( ) 1 – 2 – 2. c) ( ) 2 – 1 – 2. d) ( ) 2 – 2 – 2. e) ( ) 2 – 1 – 1. 3 Stokoe, segundo Quadros e Karnopp (2004), foi um dos primeiros estudiosos a realizar pesquisas referentes às línguas de sinais, assim como constatar seu status linguístico. Marque a alternativa CORRETA em relação ao que o autor trouxe para as pesquisas na língua de sinais. FONTE: QUADROS, R. M; KARNOPP, L. B. Língua de sinais brasileira: estudos linguísticos. Porto Alegre: Artmed, 2004. a) ( ) Comprovou a complexidade da língua de sinais igualmente com as línguas orais, pois elas possuem regras gramaticais, léxico e permitem a expressão conceitos abstratos e a produção de uma quantidade infinita de sentenças. b) ( ) Comprovou que, assim como as línguas orais, a de sinais também se estrutura a partir de determinados mecanismos. c) ( ) Comprovou que a língua de sinais é uma realização da linguagem que se dicotomiza em um sistema abstrato de regras finitas que possibilitam a produção de frases limitadas. d) ( ) Comprovou que a linguagem pode ser definida como um produto social e a capacidade do ser humano em produzir conceitos. 4 Como visto no texto, piudemos perceber qua há uma diferença entre língua e linguagem, se tratando do aspecto gramatical, de comunicação e transmissão de mensagens entre outros. Com base no texto lido, disserte sobre as diferenças entre língua e linguagem. 5 Neste tópico vimos as diferenças entre língua e linguagem e ao se tratar da Libras podemos dizer que ela se enquadra na classificação de língua e não linguagem. Disserte sobre essa afirmação. 82 83 TÓPICO 3 - ASPECTOS LINGUÍSTICOS DA LÍNGUA DE SINAIS: PRAGMÁTICO E SEMÂNTICO, SINTÁTICO, MORFOLÓGICO E FONOLÓGICO 1 INTRODUÇÃO Neste tópico, apresentaremos os aspectos linguísticos da língua de sinais, ou seja, PRAGMÁTICO E SEMÂNTICO, SINTÁTICO, MORFOLÓGICO E FONOLÓGICO. Os aspectos pragmáticos e semânticos serão observados em relação à língua de sinais e a sua estrutura pragmática que contempla componentes usuais em qualquer língua, como sentenças implícitas, metáforas, ironia e demais significados não literais. Já a sintática trará as relações entre as palavras dentro de uma frase, bem como as regras que as articulam para a construção de tal sentença. Quanto à fonologia, a qual vem sendo usada no âmbito das línguas de sinais nos estudos dos elementos que envolvem a formação dos sinais em suas unidades mínimas, como os parâmetros da língua. E o morfológico, como uma parte da linguística que estuda a estrutura interna, a formação e classificação das palavras ou sinais. 2 AFINAL, O QUE SÃO OS ASPECTOS LINGUÍSTICOS DA LÍNGUA DE SINAIS? Os aspectos linguísticos da língua de sinais se subdvidem em pragmático e semântico, sintático, morfológico e fonológico. Veremos, a seguir, as visões de vários autores sobre esses aspectos e sua utilização na língua de sinais brasileira (Libras), a fim de compreender a língua de sinais como uma língua estruturada como as demais línguas orais que conhecemos. 2.1 ASPECTO PRAGMÁTICO E SEMÂNTICO Na língua de sinais, a sua estrutura pragmática contempla componentes usuais como em qualquer outra língua, como sentenças implícitas, metáforas, ironia e demais significados não literais. UNIDADE 2 84 Segundo McCleary e Viotti (2009), novas teorias sobre a língua de sinais relatam que o estudo do significado linguístico é semântico e pragmático ao mesmo tempo, pois os conceitos que entendemos das palavras, das frases e dos textos vêm da experiência de cada pessoa, ela busca elementos já existentes na sua cabeça para que possa transmitir a mensagem. Utilizando a semântica e a pragmática podemos usar diferentes estruturas nas várias situações comunicacionais na língua de sinais, fazendo, assim, a correspondência linguística, dessa forma, mais uma vez, evidenciamos o status de língua natural à língua de sinais. 2.2 ASPECTO SINTÁTICO A sintaxe é a parte da gramática que estuda as relações entre as palavras dentro de uma frase, bem como as regras que as articulam para a construção de tal sentença. Diferentemente da língua oral, na língua de sinais se estuda partindo da organização dos sinais no espaço, sendo o uso de expressões faciais de forma intuitivanas estruturas de frase. Os aspectos não manuais também são relevantes na sintaxe da Libras, pois os enunciados que contêm verbos com concordância na sua formação obrigatoriamente devem ter a marca (QUADROS; KARNOPP, 2004, p. 163). A Libras apresenta organização na estrutura da frase, igualmente como na língua portuguesa. Preferencialmente, a ordem SVO (sujeito + verbo + objeto) é a que se destaca na produção das frases, mas, mesmo com essa preferência, não se descarta outras ordens. De acordo com Brito (1997), na Libras, uma outra forma de produção que acontece é a topicalização ou tópico-comentário. A topicalização, que é frequente, é definida como a distribuição no espaço dos elementos da frase, assim não seguindo a ordem SVO. Desde que não altere o sentido da frase, ela pode ser usada. Em relação aos verbos em Libras, destacam-se os com concordância e os sem concordância. De acordo com a concepção de Quadros (2004), os sem concordância são os que não flexionam em pessoa e número, sendo que alguns podem flexionar em aspecto. Existe ainda uma subdivisão dessa categoria de verbos, podendo ser, ainda, classificados em verbos de locomoção/movimento. De acordo com o contexto, o sinal pode ser classificado como substantivo ou verbo, mas os verbos com concordância, flexionam em número, pessoa e aspecto. Segundo Felipe (2001), esses verbos podem também ser subdivididos em dois: os que possuem concordância em número e pessoa, classificadores que trazem o parâmetro da orientação e os que concordam com a localização, esses que têm concordância com a localização e, em destaque, têm o parâmetro do ponto de articulação ou locação. Nos classificadores, evidencia-se o parâmetro configuração de mão, o que não invalida o uso dos outros parâmetros. 85 2.3 ASPECTO FONOLÓGICO A fonologia vem sendo usada no âmbito das línguas de sinais nos estudos dos elementos que envolvem a formação dos sinais. Stokoe et al. (1976 apud QUADROS, 2004), ao confirmarem que a língua de sinais é uma língua natural, começaram a utilizar os termos fonema e fonologia nos estudos linguísticos das línguas de sinais. Quadros (2004, p. 47) define a fonologia das línguas de sinais da seguinte forma: Fonologia das línguas de sinais é o ramo da linguística que objetiva identificar a estrutura e a organização dos constituintes fonológicos, propondo modelos descritivos e explanatórios. Em primeiro lugar, a fonologia da língua de sinais deve determinar quais são as unidades mínimas que formam os sinais, depois deve estabelecer quais são os padrões possíveis de combinação entre essas unidades e as variações possíveis no ambiente fonológico. Os autores Cunha e Cintra (2008, p. 41) falam que, nas línguas orais, a fonologia é “a disciplina que estuda minuciosamente os sons da fala, as múltiplas realizações dos FONEMAS[...]. A parte da gramática que estuda o comportamento dos FONEMAS numa língua denomina-se FONOLOGIA OU FONÉMICA”. Como podemos pensar na fonologia na língua de sinais, já que ela estuda os sons e na Libras isso não se aplica? A Fonética e a Fonologia focalizam o estudo nas unidades mínimas que formam os sinais e que isoladamente não apresentam nenhum significado (QUADROS; KARNOPP, 2004). Segundo Quadros e Karnopp (2004, p. 81-82), “essas duas áreas se relacionam, já que possuem o mesmo objeto de estudo, porém há pontos de vista diferentes”. As autoras relatam que o objetivo da fonética na Libras é descrever as unidades mínimas dos sinais, são elas: propriedades físicas, articulatórias e perceptivas de configuração e orientação de mão, movimento, locação, expressão corporal e facial. Ainda, a fonologia estuda as diferenças observadas e produzidas relacionadas com as diferenças de significado. Os parâmetros fonológicos da Libras são um conjunto de unidades mínimas que carregam informações complementares. Stokoe (1960) foi o primeiro pesquisador a afirmar que a língua de sinais americana atendia a todos os critérios linguísticos de uma língua genuína. Ele investigou a formação do sinal e definiu três parâmetros que eram utilizados simultaneamente na formação de um sinal particular: configuração de mãos, localização e movimento. Battison (1974) acrescentou o quarto parâmetro: orientação das palmas das mãos. Baker e Padden (1978) incluíram o quinto parâmetro: traços não manuais, como: expressão facial, movimentos da boca e direção do olhar. Vamos ver como ocorre cada um desses parâmetros no uso da Libras: 86 2.3.1 Confi guração de Mãos As confi gurações de mãos são as várias formas que a mão fi ca ao realizar os sinais. Na Figura 3, mostramos as confi gurações de acordo com Felipe e Monteiro (2007), na Libras há 64 confi gurações distintas: FIGURA 3 – AS 64 CONFIGURAÇÕES DE MÃOS EM LIBRAS FONTE: Felipe e Monteiro (2007, p. 28) 87 FIGURA 4 – EXEMPLOS DE SINAIS QUE UTILIZAM A MESMA CONFIGURAÇÃO DE MÃO: SINAL DE "APREN- DER", "SÁBADO"/ "LARANJA" E "DESODORANTE-SPRAY" FONTE: Felipe e Monteiro (2007, p. 21) Apesar de mostrarmos as configurações anteriores, alguns estudos nacionais e internacionais sobre as configurações de mãos já mostram até 104 configurações diferentes, porém, alguns não estão presentes nos sinais do Brasil. Embora haja a diferenciação do local da sinalização, o movimento é idêntico, mas seu significado é diferente como o observado nos sinais expostos. 2.3.2 Locação/ponto de articulação A locação ou ponto de articulação, diz respeito à área do corpo ou do espaço em que o sinal é realizado ou assim dizendo, o espaço utilizado para a sinalização. A mão pode ou não tocar no corpo durante a realização do sinal, assim como podemos utilizar o mesmo ponto de articulação para realizar diferentes sinais com a mesma configuração de mão. Podemos identificar, nesse parâmetro, o espaço neutro, que fica em frente ao corpo e o que direciona a uma parte do corpo. Veja na Figura 5: 88 FIGURA 5 – LOCAÇÃO/ PONTO DE ARTICULAÇÃO FONTE: Arquivo pessoal (Ilustração de Henrique Rodolfo) 2.3.3 Movimento O movimento envolve várias formas e direções, eles podem ser internos da mão, do pulso ou direcionais no espaço utilizando as mãos, os pulsos e os antebraços. Os movimentos podem ser parados ou não, sendo eles unidirecionais, bidirecionais ou multidirecionais. Podemos também falar sobre a categoria e a frequência, a primeira descreve a qualidade, a tensão e a velocidade do movimento, já a segunda descreve o número de movimentos repetitivos. A seguir, exploraremos alguns sinais que apresentam características com o movimento e sem movimento. O primeiro conjunto de sinais: FAMÍLIA, LIBRAS e SURDO, percebe-se que as mãos realizam o movimento circular frontal, o movimento circular horizontal e o movimento direcional respectivamente. 89 FIGURA 6 – SINAIS COM MOVIMENTO E SEM MOVIMENTO FIGURA 7 – SINAIS SEM MOVIMENTO FONTE: Arquivo pessoal (Ilustração de Micaely Dutra Nunes) FONTE: Arquivo pessoal (Ilustração de Micaely Dutra Nunes) E comparando com o próximo conjunto: DESCULPA, TRISTE, EU e LEI, percebemos que as mãos estão estáticas. Expressam o sinal, porém sem necessidade de movimentar para qualquer lado ou direção. 2.3.4 Orientação/direcionalidade Brito (1995) enumera seis tipos de orientação, na palma da mão, na Língua de Sinais Brasileira (LSB), sendo para cima, para baixo, para o corpo, para frente, para a direita ou para a esquerda. Alguns sinais têm a mesma confi guração, o mesmo ponto de articulação e o mesmo movimento, mas se diferem na orientação da mão. É extremamente relevante observar que a modifi cação de um único parâmetro pode alterar todo o signifi cado do sinal. Segundo os autores Felipe e Monteiro (2007, pg. 23), os verbos IR e VIR se diferenciam em relação à direcionalidade, como os verbos SUBIR e DESCER, ACENDER e APAGAR, ABRIR-PORTA e FECHAR-PORTA, como veremos na Figura 8. 90 FONTE: Felipe e Monteiro (2007, p. 23) FIGURA 8 – EXEMPLOS DE SINAIS ORIENTAÇÃO/DIRECIONALIDADE Se observarmos os pares de sinais,o que clarifi ca seu signifi cado é a direção em que o sinal é realizado. Como os sinais “ACENDER” e “APAGAR” se não houvesse a direcionalidade, não saberíamos seu signifi cado, a não ser se houvesse uma contextualização anterior. Igualmente acontece com os outros sinais exemplifi cados. 2.3.5 Não manuais/expressões faciais e corporais As expressões não manuais, ou expressões faciais e corporais, são movimentos realizados pela face, pelos olhos, pela cabeça ou pelo tronco durante o processo de realização dos sinais. FONTE: Arquivo pessoal (Ilustração de Henrique Rodolfo) FIGURA 9 – EXEMPLOS DE EXPRESSÕES FACIAIS 91 Quadros e Karnopp (2004) dizem que as expressões não manuais formam os componentes lexicais, que marcam referência específica, referência pronominal, partícula negativa, advérbio, grau ou aspecto. Precisamos enfatizar, aqui, que os surdos utilizam as expressões não manuais de forma natural, sem premeditar para enfatizar algo no momento da comunicação, porém nem todas as pessoas que utilizam a língua de sinais executam esse parâmetro de maneira satisfatória. 3 MORFOLÓGICOS Morfologia é uma parte da linguística que estuda a estrutura interna, a formação e classificação das palavras ou sinais, como define Quadros (2004, p. 86), “a morfologia é o estudo da estrutura interna das palavras ou dos sinais, assim como das regras que determinam a formação das palavras. Os morfemas são as unidades mínimas de significado”. A partir do conceito de Quadros (2004), pode-se dizer que as formações dos sinais se dão a partir da combinação dos parâmetros configuração de mão, ponto de articulação, movimento, expressão facial e corporal, então considerados morfemas, ou seja, unidades mínimas com significado, como explica Felipe (2006), os cinco parâmetros podem expressar morfemas através de algumas configurações de mão, de alguns movimentos direcionados, de algumas alterações na frequência do movimento, de alguns pontos de articulação na estrutura morfológica e de alguma expressão facial ou movimento de cabeça concomitante ao sinal, que, através de alterações em suas combinações, formam os itens lexicais das línguas de sinais. Quando falamos em categorias lexicais na língua de sinais relacionamos aos nomes, adjetivos, advérbios, verbo, numeral, conjunção. Um exemplo quanto ao léxico é a diferenciação do gênero feminino e masculino de algum ser, usando, para isso, um sinal para cada um deles juntamente com o sinal do que se refere, por exemplo para sinalizar ‘TIA’ fazemos o sinal de TIO + MULHER no caso de ‘TIO’ faz-se o sinal de TIO + HOMEM. 92 FONTE: Arquivo pessoal (Ilustração de Henrique Rodolfo) FIGURA 10 – EXEMPLOS DE SINAL DE DIFERENCIAÇÃO DE GÊNERO Percebe-se que a diferença entre os sinais é executada através do sinal do gênero, pois o sinal de ti@ é o mesmo. Há o caso de sinais próprios (em alguns lugares do Brasil) como MÃE e PAI, esses não necessitam de um outro sinal para defi nir o sexo. FONTE: Arquivo pessoal (Ilustração de Henrique Rodolfo) FIGURA 11 – EXEMPLOS DE SINAIS SEM MARCA DE GÊNERO 93 FONTE: Arquivo pessoal (Ilustração de Henrique Rodolfo) FONTE: Arquivo pessoal (Ilustração de Henrique Rodolfo) FIGURA 13 – EXEMPLOS DE SINAL DIRECIONAL NO USO DE PRONOME EU FIGURA 12 – EXEMPLOS DE SINAL COM ADVÉRBIO DE INTENSIDADE A expressão facial e a intensidade do sinal demonstram o adjetivo na língua de sinais, por exemplo, quando queremos dizer que estamos com MUITO FRIO, não precisamos fazer o sinal de MUITO + FRIO, fazemos apenas o de frio utilizando expressões faciais e corporais para dar o adjetivo de intensidade ao sinal. • Pronomes: Os pronomes na língua de sinais se dão através de direcionalidade e pontos no espaço e depende da pessoa que reproduz o sinal. O EU dito por mim, não será o mesmo EU dito pelo outro comunicante, ele terá uma direcionalidade diferente. 94 • Conjunção: As conjunções mais utilizadas em língua de sinais são MAS, PORQUE, SE, POR ISSO, TAMBÉM. Podemos destacar alguns exemplos de frases ditas por usuários da Libras. FONTE: Arquivo pessoal (Ilustração de Henrique Rodolfo) FIGURA 14 – EXEMPLOS DE FRASES SINALIZADAS COM CONJUGAÇÃO MAS Percebe-se que no caso da Figura 14, o elemento “mas” tem como função ligar uma sentença à outra colocando o que realizou na escola. FONTE: Arquivo pessoal (Ilustração de Henrique Rodolfo) FIGURA 11 – EXEMPLOS DE SINAIS SEM MARCA DE GÊNERO 95 FONTE: Arquivo pessoal (Ilustração de Henrique Rodolfo) FIGURA 16 – EXEMPLOS DE FRASES SINALIZADAS COM CONJUGAÇÃO POR ISSO Na Figura 15, a conjunção tem como fi nalidade explicar ou justifi car a ação. A intensidade da fome será demonstrada pela quantidade de repetição do movimento do sinal. • Numeral: Os numerais são usados com confi guração de mãos específi cas e diferenciados em cardinais e ordinais, dependendo do contexto da interlocução. Os dias da semana são usados, na sua maioria, os números como representação, salvo sexta, sábado e domingo que têm sinais específi cos. 96 FONTE: Adaptada de Paraná (2014, p. 13) FONTE: Arquivo pessoal (Ilustração de Micaely Dutra Nunes) FIGURA 18 – SINAIS DOS DIAS DA SEMANA FIGURA 17 – EXEMPLOS DE NÚMEROS CARDINAIS E ORDINAIS DIAS DA SEMANA 97 Frase em língua portuguesa: Estudei na escola de surdos FONTE: Arquivo pessoal (Ilustração de Henrique Rodolfo) FIGURA 19 – EXEMPLOS DE FRASE SINALIZADA COM MARCA TEMPORAL PASSADO • Verbos Para os verbos utilizamos marcas temporais e o verbo no infi nitivo, de forma a dar um contexto correto ao discurso. A marcação do tempo verbal é realizada através de itens lexicais ou sinais adverbiais como afi rma Brito (1997, p. 46): “Dessa forma, quando o verbo se refere a um tempo passado, futuro ou presente, o que vai marcar o tempo da ação ou do evento serão itens lexicais ou sinais adverbiais como ONTEM, AMANHÃ, HOJE, SEMANA-PASSADA, SEMANA-QUE-VEM”. Um exemplo pode ser visto na frase em Libras: PASSADO ESTUDAR ESCOLA SURDOS. A frase em língua portuguesa seria: ESTUDEI NA ESCOLA DE SURDOS. Na frase em língua portuguesa, o verbo está contido na desinência de tempo e de pessoa, mas na Libras essa marca não existe, sendo apenas utilizado sinais extras para demarcar a pessoa e o tempo da ação. A seguir, senão houver a marcação do tempo através do sinal PASSADO, não tem como saber quando ocorre a ação (Figura 19). Entretanto, não é só o tempo passado que há marcação, o presente também possui a necessidade de ser marcado. Não existe um só sinal para demonstra o presente, pode-se utilizar hoje, agora, já... 98 FONTE: Arquivo pessoal (Ilustração de Henrique Rodolfo) FONTE: Arquivo pessoal (Ilustração de Henrique Rodolfo) FIGURA 20 – EXEMPLOS DE FRASES SINALIZADAS COM MARCA TEMPORAL PRESENTE FIGURA 21 – EXEMPLOS DE FRASES SINALIZADAS COM MARCA TEMPORAL FUTURO Então, como pudemos notar, as noções temporais na língua de sinais são percebidas pelo contexto no caso de uma conversa, porém, também pelos sinais que marcam os tempos verbais. Fique agora, acadêmico, com um trecho da obra “Aspectos linguísticos da Língua Brasileira de Sinais”, de Karin Lilian Strobel e Sueli Fernandes como Leitura Complementar. No livro você pode visualizar imagens exemplifi cando os itens citados no texto. 99 ASPECTOS LINGUÍSTICOS DA LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS Karin Lilian Strobel Sueli Fernandes 1 VARIAÇÕES LINGUÍSTICAS Na maioria do mundo, há, pelo menos, uma língua de sinais usada amplamente na comunidade surda de cada país, diferente daquela da língua falada utilizada na mesma área geográfica. Isso se dá porque essas línguas são independentes das línguas orais, pois foram produzidas dentro das comunidades surdas. A Língua de Sinais Americana (ASL) é diferente da Língua de Sinais Britânica (BSL), que difere, por sua vez, da Língua de Sinais Francesa (LSF). Além disso, dentro de um mesmo país há as variações regionais. A LIBRAS apresenta dialetos regionais, salientando assim, uma vez mais, o seu caráter de línguanatural. • VARIAÇÃO REGIONAL: representa as variações de sinais de uma região para outra, no mesmo país. • VARIAÇÃO SOCIAL: refere-se às variações na configuração das mãos e/ou no movimento, não modificando o sentido do sinal. • MUDANÇAS HISTÓRICAS: com o passar do tempo, um sinal pode sofrer alterações decorrentes dos costumes da geração que o utiliza. 2 ICONICIDADE E ARBITRARIEDADE A modalidade gestual-visual-espacial pela qual a LIBRAS é produzida e percebida pelos surdos leva, muitas vezes, as pessoas a pensarem que todos os sinais são o ́ desenho´ no ar do referente que representam. É claro que, por decorrência de sua natureza linguística, a realização de um sinal pode ser motivada pelas características do dado da realidade a que se refere, mas isso não é uma regra. A grande maioria dos sinais da LIBRAS são arbitrários, não mantendo relação de semelhança alguma com seu referente. Vejamos alguns exemplos entre os sinais icônicos e arbitrários. LEITURA COMPLEMENTAR 100 2.1 SINAIS ICÔNICOS Uma foto é icônica porque reproduz a imagem do referente, isto é, a pessoa ou coisa fotografada. Assim também são alguns sinais da LIBRAS, gestos que fazem alusão à imagem do seu significado. 2.2 SINAIS ARBITRÁRIOS São aqueles que não mantêm nenhuma semelhança com o dado da realidade que representam. Uma das propriedades básicas de uma língua é a arbitrariedade existente entre significante e referente. Durante muito tempo afirmou-se que as línguas de sinais não eram línguas por serem icônicas, não representando, portanto, conceitos abstratos. Isto não é verdade, pois em língua de sinais tais conceitos também podem ser representados, em toda sua complexidade. 3 ESTRUTURA GRAMATICAL 3.1 ASPECTOS ESTRUTURAIS A LIBRAS têm sua estrutura gramatical organizada a partir de alguns parâmetros que estruturam sua formação nos diferentes níveis linguísticos. Três são seus parâmetros principais ou maiores: a Configuração da(s) mão(s)- (CM), o Movimento - (M) e o Ponto de Articulação - (PA); e outros três constituem seus parâmetros menores: Região de Contato, Orientação da(s) mão(s) e Disposição da(s) mão(s) (FERREIRA BRITO, 1990). 3.1.1 Parâmetros principais Os parâmetros principais são: a) configuração da mão (CM). b) ponto de articulação (PA). c) movimento (M). [...] Direcionalidade do movimento a) Unidirecional: movimento em uma direção no espaço, durante a realização de um sinal. Ex.: PROIBID@, SENTAR, MANDAR. b) Bidirecional: movimento realizado por uma ou ambas as mãos, em duas direções diferentes. 101 Ex.: PRONT@, JULGAMENTO, GRANDE, COMPRID@, DISCUTIR, EMPREGAD@, PRIM@, TRABALHAR, BRINCAR. c) Multidirecional: movimentos que exploram várias direções no espaço, durante a realização de um sinal. Ex.: INCOMODAR, PESQUISAR. 3.1.2 Parâmetros secundários a) Disposição das mãos: a realização dos sinais na LIBRAS pode ser feito com a mão dominante ou por ambas as mãos. Ex.: BURR@, CALMA, DIFERENTE, SENTAR, SEMPRE, OBRIGAD@ b) Orientação das mãos: direção da palma da mão durante a execução do sinal da LIBRAS, para cima, para baixo, para o lado, para a frente etc. Também pode ocorrer a mudança de orientação durante a execução de um sinal. Ex.: MONTANHA, BAIX@, FRITAR. c) Região de contato: a mão entra em contato com o corpo, através do: º toque: MEDO, ÔNIBUS, CONHECER. º duplo toque: FAMÍLIA, SURD@, SAÚDE. º risco: OPERAR, JOSÉ (nome bíblico), PESSOA. º deslizamento: CURSO, EDUCAD@, LIMP@, GALINHA 3.1.3 Componentes não manuais Além desses parâmetros, a LIBRAS conta com uma série de componentes não manuais, como a expressão facial ou o movimento do corpo, que muitas vezes podem definir ou diferenciar significados entre sinais. A expressão facial e corporal podem traduzir alegria, tristeza, raiva, amor, encantamento etc., dando mais sentido à LIBRAS e, em alguns casos, determinando o significado de um sinal. Ex.: o dedo indicador em [G] sobre a boca, com a expressão facial calma e serena, significa silêncio; o mesmo sinal usado com um movimento mais rápido e com a expressão de zanga, significa uma severa ordem: Cale a boca! A mão aberta, com o movimento lento e com expressão serena, significa calma; o mesmo sinal com movimento brusco e com expressão séria, significa para. Em outros casos, utilizamos a expressão facial e corporal para negar, afirmar, duvidar, questionar etc. 102 Sinais faciais: em algumas ocasiões, o sinal convencional é modificado, sendo realizado na face, disfarçadamente. Exemplos: ROUBO, ATO-SEXUAL. 3.2 ESTRUTURA SINTÁTICA A LIBRAS não pode ser estudada tendo como base a Língua Portuguesa, porque ela tem gramática diferenciada, independente da língua oral. A ordem dos sinais na construção de um enunciado obedece a regras próprias que refletem a forma de o surdo processar suas ideias, com base em sua percepção visual-espacial da realidade. Observação: na estruturação da LIBRAS, observa-se que ela possui regras próprias; não são usados artigos, preposições, conjunções, porque esses conectivos estão incorporados ao sinal. [...] 3.2.1 Sistema pronominal a) Pronomes pessoais: a LIBRAS possui um sistema pronominal para representar as seguintes pessoas do discurso: o no singular, o sinal para todas as pessoas é o mesmo CM[G], o que diferencia uma das outras é a orientação das mãos; o dual: a mão ficará com o formato de dois, CM [K] ou [V]; o trial: a mão assume o formato de três, CM [W]; Þ quatrial: o formato será de quatro, CM [54]; o plural: há dois sinais: – sinal composto (pessoa do discurso no singular + grupo). – configuração da mão [Gd] fazendo um círculo (nós). [...] b) Pronomes demonstrativos: na LIBRAS os pronomes demonstrativos e os advérbios de lugar têm o mesmo sinal, sendo diferenciados no contexto. [...] c) Pronomes possessivos: também não possuem marca para gênero e estão relacionados às pessoas do discurso e não à coisa possuída, como acontece em português. [...] d) Pronomes interrogativos: os pronomes interrogativos QUE, QUEM e ONDE caracterizam-se, essencialmente, pela expressão facial interrogativa feita simultaneamente ao pronome. [...] e) Pronomes indefinidos. [...] 103 3.2.2 Tipos de verbos • Verbos direcionais: verbos que possuem marca de concordância. A direção do movimento, marca no ponto inicial o sujeito e no final o objeto. • Verbos não direcionais: verbos que não possuem marca de concordância. Quando se faz uma frase é como se eles ficassem no infinitivo. Os verbos não direcionais aparecem em duas subclasses: º Ancorados no corpo: são verbos realizados com contato muito próximo do corpo. Podem ser verbos de estado cognitivo, emotivo ou experienciais, como: pensar, entender, gostar, duvidar, odiar, saber; e verbos de ação, como: conversar, pagar, falar. º Verbos que incorporam o objeto: quando o verbo incorpora o objeto, alguns parâmetros modificam-se para especificar as informações. [...] 3.2.3 Tipos de frases Para produzirmos uma frase em LIBRAS nas formas afirmativa, exclamativa, interrogativa, negativa ou imperativa é necessário estarmos atentos às expressões faciais e corporais a serem realizadas, simultaneamente, a elas. • Afirmativa: a expressão facial é neutra. • Interrogativa: sobrancelhas franzidas e um ligeiro movimento da cabeça, inclinando-se para cima. • Exclamativa: sobrancelhas levantadas e um ligeiro movimento da cabeça inclinando-se para cima e para baixo. • Forma negativa: a negação pode ser feita através de três processos: º incorporando-se um sinal de negação diferente do afirmativo; º realizando-se um movimento negativo com a cabeça, simultaneamente à ação que está sendo negada; º acrescida do sinal NÃO (com o dedo indicador) à frase afirmativa; [...] Observação: em algumas ocasiões podem ser utilizados dois tipos de negação ao mesmo tempo 3.2.4 Noções temporais Quando se deseja especificar as noções temporais, acrescentamos sinais que informam o tempo presente, passadoou futuro, dentro da sintaxe da LIBRAS. [...] 104 3.2.5 Classificadores (Cl) Um classificador (Cl) é uma forma que estabelece um tipo de concordância em uma língua. Na LIBRAS, os classificadores são formas representadas por configurações de mão que, substituindo o nome que as precedem, podem vir junto de verbos de movimento e de localização para classificar o sujeito ou o objeto que está ligado à ação do verbo. Portanto, os classificadores na LIBRAS são marcadores de concordância de gênero para pessoas, animais ou coisas. São muito importantes, pois ajudam construir sua estrutura sintática, através de recursos corporais que possibilitam relações gramaticais altamente abstratas. Muitos classificadores são icônicos em seu significado pela semelhança entre a sua forma ou tamanho do objeto a ser referido. As vezes o Cl refere-se ao objeto ou ser como um todo, outras refere-se apenas a uma parte ou característica do ser (FERREIRA BRITO, 1995). [...] FONTE: Adaptada de STROBEL, K. L.; FERNANDES, S. Aspectos linguísticos da língua brasileira de sinais. Curitiba: SEED/SUED/DEE, 1998. 105 RESUMO DO TÓPICO 3 Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como: • Se tratando de linguagem, entendemos que ela é um sistema de códigos ou signos convencionais abstratos adotados por determinado grupo social, por exemplo, o grupo de ouvintes e o de surdos, os dois possuem linguagem diferentes. Essa linguagem pode ser verbal ou não verbal e elas são usadas para expressar suas ideias, mensagens, informações ou alertas. • A gramática é o único sistema convencional em que há regras que estabelecem o uso de uma língua nos seus diversos aspectos. Definimos a linguagem verbal como aquela que produz ideias, sentimentos ou manifestações através da fala e dos gestos e ela se diferencia da linguagem não verbal, esta que é produzida por meio de pinturas, desenhos, danças e escritas. • O conceito de competência é medido na produção da língua e da linguagem de um sujeito, podendo ser classificados em: competência cultural; competência sociolinguística; competência discursiva; competência estratégica. • A linguagem pode ser definida como um produto social e a capacidade do ser humano em produzir conceitos. As línguas naturais são um sistema linguístico usado por uma comunidade específica e estão dentro desse conceito as línguas de sinais, pois nelas há uma estrutura que permite que diferentes conceitos sejam demonstrados através delas, dependendo da intenção e necessidade comunicativa do indivíduo. • Existem aspectos linguísticos em língua de sinais, por ela se tratar de uma língua estruturada e natural de uma porção da sociedade e, dentre esses aspectos, estão: º fonológicos: identificação da estrutura e da organização dos constituintes fonológicos, propondo descrições e explicações; º morfológicos: estudo da estrutura interna das palavras/sinais; º sintáticos: estudo das estruturas das frases; º semânticos: estudo do sentido/significado das palavras/sinais de uma língua; º pragmáticos: consideração do contexto linguístico. 106 1 Vimos que os parâmetros da Libras envolvem cinco categorias, sendo uma delas o movimento. Cada parâmetro é fundamental para a sinalização e o movimento que se faz durante o sinal é essencial para a compreensão do que está sendo dito. Assinale a alternativa correta sobre o parâmetro do movimento: a) ( ) O movimento envolve poucas formas e direções, eles podem ser internos da mão, do pulso ou direcionais no espaço utilizando as mãos, os pulsos e os antebraços. b) ( ) Os movimentos não podem ser parados.. Eles unidirecionais, bidirecionais ou multidirecionais. c) ( ) Podemos também falar sobre a categoria e a frequência, a primeira descreve a qualidade, a tensão e a velocidade do movimento, já a segunda descreve o número de movimentos repetitivos. A C está correta d) ( ) Os movimentos são vários parâmetros juntos, como a direção que o sinal faz, as expressões faciais e corporais, a configuração de mãos e não se diferencia por sua direcionalidade ou repetições. 2 Os aspectos linguísticos da língua de sinais envolvem o pragmático e semântico, sintático, morfológico e fonológico. Assinale a alternativa que contempla o aspecto fonológico da língua de sinais: a) ( ) Contempla componentes usuais em qualquer língua, como sentenças implícitas, metáforas, ironia e demais significados não literais. b) ( ) Estuda as relações entre as palavras dentro de uma frase. c) ( ) Usada no âmbito das línguas de sinais nos estudos dos elementos que envolvem a formação dos sinais. d) ( ) Estuda a estrutura interna, a formação e classificação das palavras ou sinais. 3 Na Fonologia da Libras temos os parâmetros, que são um conjunto de unidades mínimas que carregam informações complementares. Esses parâmetros foram investigados por Stokoe (1960), Battison (1974) e Baker e Padden (1978). Com relação aos padrões que todos esses autores determinaram, assinale a alternativa CORRETA: FONTES: STOKOE, W. Sign language structure: an outline of the visual communication systems of the ame- rican deaf. Studies in Linguistics, Buffalo, n. 8, 1960.; BATTISON, R. “Phonological deletion in american sign language”. Sign Language Studies, [s. l.], n. 5, p. 1-19, 1974.; BAKER, C.; PADDEN, C. American sign language: a look at its history, structure, and community. Silver Spring: Linstok Press, 1978. a) ( ) Não manuais/expressões faciais e corporais, orientação/direcionalidade, movimento, pragmático e semântico, configuração de mãos. b) ( ) Configuração de mãos, expressões manuais, movimento, mímicas, direcionalidade. AUTOATIVIDADE 107 c) ( ) Locação/ponto de articulação, orientação/direcionalidade, competência estratégica, configuração de mãos, não manuais/expressões faciais e corporais. d) ( ) Linguagem verbal e não verbal, orientação/direcionalidade, movimento, locação/ponto de articulação, configuração de mãos. e) ( ) Configuração de mãos, locação/ponto de articulação; movimento; orientação/ direcionalidade; não manuais/expressões faciais e corporais. 4 As pesquisas mostram uma complexa estrutura linguística das línguas de sinais e da existência de uma gramática nesses sistemas linguísticos. Disserte sobre seus aspectos linguísticos, explicando cada um deles: 5 Sabemos que os parâmetros fonológicos da Libras são um conjunto de unidades mínimas que carregam informações complementares. Stokoe (1960) foi o primeiro pesquisador a afirmar que a língua de sinais americana atendia a todos os critérios linguísticos de uma língua genuína. Battison (1974) acrescentou o quarto parâmetro. Baker e Padden (1978) incluíram o quinto parâmetro. Liste esses parâmetros e disserte sobre eles: FONTES: STOKOE, W. Sign language structure: an outline of the visual communication systems of the amer- ican deaf. Studies in Linguistics, Buffalo, n. 8, 1960.; BATTISON, R. “Phonological deletion in american sign language”. Sign Language Studies, [s. l.], n. 5, p. 1-19, 1974.; BAKER, C.; PADDEN, C. American sign language: a look at its history, structure, and community. Silver Spring: Linstok Press, 1978. 108 109 REFERÊNCIAS AMORIM, L. M., RODRIGUES, C. C.; STUPIELLO, É. N. A. (org). Tradução &: perspectivas teóricas e práticas. São Paulo: Editora UNESP; Cultura Acadêmica, 2015, 329 p. Disponível em https://static.scielo.org/scielobooks/6vkk8/pdf/ amorim-9788568334614.pdf#page=180. Acesso em: 10 fev. 2022. BAKER, C.; PADDEN, C. American sign language: a look at its history, structure, and community. Silver Spring: Linstok Press, 1978. BATTISON, R. “Phonological deletion in american sign language”. Sign Language Studies, [s. l.], n. 5, p. 1-19, 1974. BRASIL. Lei nº 10.436, d 24 de abril de 2002. Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais - Libras e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, 2002. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10436.htm. Acesso em: 10 fev. 2022. BRITO,L. F. Por uma gramática de línguas de sinais. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1995. BRITO, L. F. Língua brasileira de sinais – LIBRAS. In: RINALDI, G. Educação especial: língua brasileira de sinais – fascículo 7. Brasília, DF: SEESP, 1997. p. 23-62. v. 3. (Série Atualidades Pedagógicas, n. 4). Disponível em https://www.livrosgratis.com.br/ler- livro-online-27078/educacao-especial-lingua-brasileira-de-sinais--serie-atualidades- pedagogicas-4---volume-iii. Acesso em: 10 fev. 2022. CHOMSKY, N. O conhecimento da língua: sua natureza, origem e uso. Lisboa: Caminho, 1994. CHOMSKY, N. On language: Chomsky’s classic works. Language and responsibility and reflections on language. New York: The New Press, 1998. CHOMSKY, N. Linguagem e responsabilidade. São Paulo: JSN Editora, 2007. CUNHA, C.; CINTRA, F. L. Nova gramática do português contemporâneo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008. FELIPE, T. Libras em contexto: curso básico, livro do estudante cursista. Brasília, DF: Programa Nacional de Apoio à Educação dos Surdos, MEC; SEESP, 2001. FELIPE, T. A. Os processos de formação de palavra na Libras. ETD - Educação Temática Digital, Campinas, v. 7, n. 2, p. 200-217, jun. 2006. 110 FELIPE, T. A. O discurso verbo-visual na língua brasileira de sinais – Libras. Rev. Estud. Discurso, São Paulo, v. 8, n. 2, p. 67-89, dez. 2013. Disponível em: https://www.scielo. br/j/bak/a/MJ378DGggYhnmTfCFzh6VRy/?format=pdf&lang=pt. Acesso em: 10 fev. 2022. FELIPE, T. A.; MONTEIRO, M. Libras em contexto: curso básico – livro do professor. ed. 6. 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Curitiba: SEED/SUED/DEE, 1998. 112 113 ASPECTOS CULTURAIS E LINGUÍSTICOS DA TRADUÇÃO E DA INTERPRETAÇÃO EM LIBRAS UNIDADE 3 — OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de: • refl etir sobre a existência de elementos culturais e identitários que envolvem o processo de tradução e interpretação de Libras, bem como a presença e existência do tradutor e intérprete de Libras na comunidade surda e nos contextos profi ssionais que atua; • explorar com maior profundidade alguns dos aspectos linguísticos da Libras e da língua portuguesa, relacionando esses conhecimentos com a prática profi ssional do tradutor e intérprete de Libras; • analisar elementos linguísticos complexos, como fi guras de linguagem, classifi cadores e inuendos, pensando na inserção desses aspectos nos processos tradutórios e interpretativos da Libras; • considerar a utilização de recursos específi cos da Libras, como os classifi cadores e a datilologia, durante o processo de tradução e interpretação. Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer dela, você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado. TÓPICO 1 – CULTURA, IDENTIDADE E RELAÇÕES DE PODER TÓPICO 2 – CONHECIMENTO E USO DAS LÍNGUAS E OS PROCESSOS DE TRADUÇÃO E INTERPRETAÇÃO TÓPICO 3 – ENFRENTAMENTO LINGUÍSTICO: FIGURAS DE LINGUAGEM, EXPRESSÕES IDIOMÁTICAS, GÍRIAS, INUENDOS, CLASSIFICADORES E DATILOLOGIA Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações. CHAMADA 114 CONFIRA A TRILHA DA UNIDADE 3! Acesse o QR Code abaixo: 115 TÓPICO 1 — CULTURA, IDENTIDADE E RELAÇÕES DE PODER UNIDADE 3 1 INTRODUÇÃO Atualmente, parece ser um consenso o fato de que o papel do TILS abarca complexas trocas, que não se limitam apenas à transposição de uma língua para a outra numa abordagem literal. Muitos pesquisadores têm se dedicado ao estudo desses diferentes aspectos, aprofundando as noções que envolvem conceitos como cultura, relações de poder, estética, conhecimento linguístico, formação generalista/ especializada, entre outros. Nesta primeira parte da unidade, veremos um resumo de conceitos como cultura, identidade e relações de poder, conceitos bastante utilizados há muitos anos nos textos atuais que versam sobre a educação de surdos. Para isso, faremos uma retomada histórica do passado para, então, entendermos o presente e como ele foi se constituindo dessa forma. 2 CULTURA, IDENTIDADE E DIFERENÇA As discussões acerca do conceito de cultura vêm crescendo desde, pelo menos, a década de 1960, período que sucedeu o final da Segunda Guerra Mundial. Como nos mostra Veiga-Neto (2003), muitos movimentos sociais começaram a se desenvolver nessa época, promovendo uma série de mudanças nas percepções acerca de elementos da modernidade, fortemente marcada pelo movimento do Iluminismo. Iniciam-se debates acerca dos saberes “pós-”, abarcando conceitos que envolvem a subjetividade, as identidades, as diferenças, as culturas, as rupturas, as mudanças. Seria possível mencionar uma grande quantidade de autores que pesquisaram os fenômenos sociais e políticos a partir dessa época, contudo iremos nos limitara apresentar alguns dos conceitos que se encontram nas correntes denominadas Estudos Culturais e Estudos Surdos, para então chegarmos aos Estudos da Tradução e Estudos da Interpretação. VEIGA-NETO, A. Cultura, culturas e educação. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n. 23, p. 5-15, maio/ago. 2003. Disponível em: https:// www.scielo.br/j/rbedu/a/G9PtKyRzPcB6Fhx9jqLLvZc/?format=pdf&lang=pt. Acesso em: 13 jun. 2021. DICAS 116 Os Estudos Culturais (EC) têm sido bastante citados na contemporaneidade, servindo como terreno fértil para se desenvolver tantas outras linhas de pensamento, como a dos Estudos Decoloniais, Estudos Foucaultianos, Estudos Surdos, entre outros. Importante mencionar que, não necessariamente, o campo dos EC se constituiu como base ou precursor dos demais ramos, contudo parece ser uma área com maior número de publicações e pesquisas. Com efeito, Paraíso (2014) ressalta que muitas das formas de se pensar sobre pesquisa, nesse tipo de registro teórico, não costumam abarcar somente um grupo específico de saberes, mas todo e qualquer tipo de saber que possa servir como insumo das análises a serem realizadas. Dessa forma, esse grande agrupamento de campos vinculados aos saberes “pós-” costuma ter um caráter infiel em relação a si mesmo, buscando materiais e teorias de diferentes fontes para se construir. Um dos célebres pesquisadores envolvidos com os EC é o jamaicano Stuart Hall. Dentre suas obras, talvez a mais pertinente no debate referente a esse tópico seja A identidade cultural na pós-modernidade (HALL, 2005). O autor explora os movimentos sociais referentes às culturas e às identidades no período por ele chamado de pós- moderno. Temos aqui pelo menos três conceitos importantes de abordarmos com maior detalhamento: o de cultura, o de identidade e o de diferença. Stuart Hall nasceu em 1932 na cidade de Kingston, capital da Jamaica. Em 1952, foi para a Universidade de Oxford, Inglaterra, graças a uma bolsa de estudos recebida pelo programa Rhodes Scholarship. Atuou como professor no campo da Sociologia e estudou diversos fenômenos envolvendo cultura, raça, colonização, identidade, diferença, entre outros conceitos. É considerado o pai do multiculturalismo e um dos principais nomes do campo dos Estudos Culturais. Faleceu em 2014, aos 82 anos, na cidade de Londres, decorrente de problemas nos rins. NOTA FIGURA – STUART HALL FONTE: <https://bit.ly/3n2ydAH>. Acesso em: 10 nov. 2021. https://bit.ly/3n2ydAH 117 Para muitos de nós, talvez não seja estranho pensarmos em um conceito de cultura baseada em elementos como literatura, artes plásticas, música, cinema, teatro e tantos outros elementos que se remetem à erudição. Veiga-Neto (2003) empreende um longo debate a respeito desse conceito e mostra com maior aprofundamento de que forma o conceito de cultura foi sendo compreendido ao longo do tempo. Assumindo os pressupostos vinculados à concepção pós-estruturalista da linguagem, o autor mostra o deslocamento dessa ideia de Cultura (singular e com letra maiúscula), juntamente com as noções de “alta cultura” e “baixa cultura”, até chegar à noção de culturas (no plural e com letra minúscula) comumente assumida pela linha dos EC. Dito de forma sucinta e com base nas ideias de Hall (1997, 2005), podemos pensar que a cultura que temos determina nossas formas de ver, interpelar, ser, explicar e compreender o mundo em que vivemos. Nesse sentido, não se enxerga “a cultura” como algo singular e existente a priori, mas como aspecto instável, mutável, múltiplo em suas possibilidades e único para cada sujeito. Alinhado com os movimentos de virada linguística e cultural impulsionados pelos estudos pós-estruturalistas, Hall (2005) parte do pressuposto de que o entendimento a respeito do que era identidade sofreu signifi cativas transformações na contemporaneidade. Para o autor, as identidades fi xas e estáveis, antes responsáveis pela organização da sociedade, passam a assumir um caráter cada vez mais fragmentado e múltiplo, em constante mudança de acordo com os contextos cultural e social nos quais os sujeitos se encontram. Entende-se que as identidades não mais podem ser entendidas como um construto único e dito no singular, pois um mesmo sujeito pode ter identidades muito diferentes – por vezes contraditórias ou mal resolvidas –, as quais variam de acordo com a posição que esse sujeito ocupa em determinada estrutura social. Nesse sentido, abre-se espaço para uma multiplicidade de aspectos, que envolvem a maneira como um sujeito se constitui, denominados diferenças. Mais do que algo que mostra quem de fato somos, podemos entender a identidade como posições de sujeito que assumimos dependendo da situação. Características importantes como maternidade, paternidade, profi ssão, local em que se encontra, momento do dia, alterações de humor, entre outros, constroem identidades únicas para cada um, a cada momento. ATENÇÃO FIGURA – POSIÇÕES DE SUJEITO FONTE: <https://www.shutterstock.com/image-illustration/illustration-busines- sman-without-face-choosing-right-1845578704>. Acesso em: 10 ago. 2021. 118 Silva (2014), no célebre texto intitulado “A produção social da identidade e da diferença”, faz um paralelo com a lógica estruturalista de Ferdinand de Saussure, juntamente com a filosofia pós-estruturalista de Jacques Derrida. Mencionando os estudos desses autores – ainda que sejam de vertentes notoriamente distintas –, Silva (2014) sustenta que o significado de determinado signo só existe por meio de tudo aquilo que ele não é. Nesse sentido, o conceito de “cadeira” não existiria per se em um plano das ideias, mas só existe na medida em que está vinculado a todas as outras coisas que não são cadeiras. Transpondo essa lógica para a ideia de identidade e de diferença, entende-se que aquilo que somos (identidade) só existe por conta de uma multiplicidade de coisas que não somos (diferenças), e uma coisa não pode existir sem a outra. Essa linha de pensamento parece ser especialmente útil quando pensamos na nossa própria constituição e nas escolhas que fazemos – ou vamos sendo conduzidos a fazer – durante a nossa vida. Diante uma imensidão de possibilidades, vamos nos subjetivando (nos tornando sujeitos) e sendo objetivados (sendo tornados objetos), ao mesmo tempo em que objetivamos outros sujeitos. Essa lógica faz parte das ideias de Michel Foucault, filósofo francês que dedicou boa parte de sua carreira na investigação da constituição dos sujeitos e das relações de poder envolvidas nesse processo, assunto que veremos a seguir. 3 RELAÇÕES DE PODER E LUGAR DE FALA De acordo com o Michel Foucault, o conceito de poder resulta de uma vontade de potência, ou seja, “[...] a vontade que cada um tem de atuar sobre a ação alheia [...]” (VEIGA-NETO, 2014, p. 119), com o objetivo de governá-los. Ao contrário do que usualmente se entende a respeito do conceito de “poder”, as relações de poder devem ser vistas como forças positivas, pois possuem um grande potencial produtivo na constituição de sujeitos e práticas. 119 Michel Foucault nasceu em 1926 na cidade de Poitiers, França. Conhecido filósofo, filólogo e sociólogo, atuou como professor no renomado Collège de France, sendo o catedrático responsável pela disciplina História dos Sistemas do Pensamento. É muito citado por estudiosos pós-estruturalistas e tem sido crescentemente mencionado em pesquisas de campos como Educação, Filosofia, Antropologia, Sociologia, Psicologia, Publicidade e Saúde. Faleceu em 1984 aos 57 anos, na cidade de Paris, por problemas decorrentes do HIV/AIDS. NOTA FIGURA – MICHEL FOUCAULT FONTE: <https://bit.ly/3FjKEP9>. Acesso em: 10 nov. 2021. Para entendermos minimamente a lógica do autor, passamos a apresentar uma breve retomada do caminho que ele constrói, passando pela lógica das relações de poder, indo para a construção das identidades e para o que ele compreende como ideia de sujeito. No texto intitulado O sujeito e o poder,Michel Foucault (1995) propõe que a analítica do poder parta da observação dos movimentos de resistência, das oposições. Sugere que, ao estudarmos a sanidade, por exemplo, se analise a insanidade; para se investigar a legalidade, que se observe a ilegalidade. Segundo o filósofo, essas oposições, as quais ele chama de lutas antiautoritárias, apresentam uma série de pontos em comum. Para Foucault (1995, p. 235), as lutas “[...] são uma recusa a essas abstrações, do estado de violência econômico e ideológico, que ignora quem somos individualmente, e uma recusa de uma investigação científica ou administrativa que determina quem somos”. Conclui, então, que o principal objetivo das lutas antiautoritárias não é ir contra alguma instituição ou um conjunto social específico, mas contra as técnicas ou formas de poder que se exercem na relação com esses grupos. https://bit.ly/3FjKEP9 120 FONTE: O autor FIGURA 1 – PODER E LUTA PARA FOUCAULT Ao mencionar essas formas de poder, o filósofo pondera que elas se aplicam ao cotidiano de cada um e produzem marcas a respeito de sua individualidade. Para Foucault (1995, p. 235, grifo nosso), trata-se de uma técnica de poder que trata do indivíduo que “[...] liga-o à sua própria identidade, impõe-lhe uma lei de verdade, que devemos reconhecer e que os outros têm que reconhecer nele. É uma forma de poder que faz dos indivíduos sujeitos”. Com essa argumentação, o autor passa a debater seu conceito de sujeito e o faz levando em consideração dois significados possíveis que podem ser atribuídos ao termo: “[...] sujeito a alguém pelo controle e dependência, e preso à sua própria identidade por uma consciência ou autoconhecimento. Ambos sugerem uma forma de poder que subjuga e torna sujeito a” (FOUCAULT, 1995, p. 235). Em seguida, Foucault (2017) reforça que tais processos não são independentes e que, em conjunto, originam o que ele chama de jogos de verdade, ou seja, “[...] não a descoberta das coisas verdadeiras, mas as regras segundo as quais, a respeito de certas coisas, aquilo que um sujeito pode dizer decorre da questão do verdadeiro e do falso” (FOUCAULT, 2017, p. 229). Pode-se perceber que esse entendimento converge para os debates que o filósofo realizou acerca dos discursos, enunciados e enunciações – tema que será abordado com maior profundidade no tópico seguinte –, emblematicamente ilustrado nas primeiras páginas do seu curso intitulado “A ordem do discurso”. Na palestra, afirma a partir do pressuposto de que em qualquer sociedade cada maneira de se produzir um discurso “[...] é ao mesmo tempo controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo número de procedimentos que têm por função conjurar seus poderes e perigos, dominar seu acontecimento aleatório, esquivar de sua pesada e temível materialidade” (FOUCAULT, 2014, p. 8). Em seguida, passa a descrever diferentes processos internos e externos pelos quais os discursos são modulados, citando três dimensões de cada um. 121 Embora não seja de interesse, neste momento, mencionar cada um desses procedimentos, ressaltamos a ideia básica discutida por Foucault (2014) de que existe uma série de mecanismos capazes de modificar a configuração dos discursos, reforçar ou atenuar seus enunciados, produzir balizamentos a respeito do que cada sujeito diz ou deixa de dizer em determinados contextos. De maneira especial, assume-se que “[...] não se tem o direito de dizer tudo, que não se pode falar de tudo em qualquer circunstância, que qualquer um, enfim, não pode falar de qualquer coisa” (FOUCAULT, 2014, p. 9). Nesse sentido, retomando os dizeres de Hall (2005), vê-se que existem diferentes posições de sujeito, as quais podem ser ocupadas em diferentes contextos, cargos, instituições, cada qual autorizando ou desautorizando um sujeito a falar sobre alguma coisa. Normalmente, associamos a ideia de “poder” a algo que se detém, um objeto ou uma posse que pode ser utilizado sobre outra pessoa mais fraca. Sobre isso, Michel Foucault, em inúmeras entrevistas e textos, reafirmou que seu conceito não se trata desse tipo de acepção da palavra, e dedicou boa parte de seus estudos à construção da ideia de relações de poder, ou seja, um conjunto de forças presentes somente em relação com os sujeitos, exercidas tanto pelo soberano quanto pelo súdito, ainda que de forma assimétrica. Com efeito, boa parte da trajetória acadêmica de Michel Foucault esteve envolvida com a questão do poder, e pode ser encontrada hoje nas diversas obras publicadas e palestras proferidas pelo filósofo. IMPORTANTE Essa ideia parece se aproximar do conceito de lugar de fala, muito utilizado em textos contemporâneos da antropologia e assunto principal da obra de Djamila Ribeiro intitulada O que é lugar de fala. De fato, a autora cita a noção de discurso em Michel Foucault como sendo central no seu entendimento a respeito do conceito. Apoiando-se em autoras como Linda Alcoff, Gayatri Spivak, Patricia Hill Collins e Grada Kilomba, Ribeiro (2017) faz uma breve retomada histórica sobre grupos ditos minoritários e seus movimentos reacionários – notoriamente os movimentos feminista e negro –, pontuando uma série de situações emblemáticas envolvendo as opressões sofridas por esses grupos no decorrer da história. Para Ribeiro (2017), o conceito de lugar de fala passa a fazer sentido a partir do sentimento de invisibilidade social que envolve determinados conjuntos de pessoas em detrimento da alta visibilidade de outros. Citando exemplos das relações de poder presentes nos discursos que envolvem mulheres e homens, negros e brancos, transgêneros e cisgêneros, entre outros, a antropóloga põe sob suspeita a ideia de 122 universalidade da ciência e a existência de determinados padrões sociais. Aponta- os como produzidos a partir de uma ótica homogênea dominante, que desqualifica e interdita saberes provenientes de outros territórios. Segundo a autora, [...] não poder acessar certos espaços, acarreta não se ter produções e epistemologias desses grupos [ditos minoritários] nesses espaços; não poder estar de forma justa nas universidades, meios de comunicação, política institucional, por exemplo, impossibilita que as vozes dos indivíduos desses grupos sejam catalogadas, ouvidas, inclusive, até ele quem tem mais acesso à internet. O falar não se restringe ao ato de emitir palavras, mas de poder existir. Pensamos lugar de fala como refutar a historiografia tradicional e a hierarquização de saberes consequente da hierarquia social (RIBEIRO, 2017, p. 64, grifo nosso). Nesse sentido, Ribeiro (2017) sustenta que o cerne do lugar de fala está na busca pelo reconhecimento de saberes advindos de outros campos epistemológicos, não somente os ditos acadêmicos e universais. Para a autora, não se trata de utilizar a ideia de lugar de fala como uma forma de inversão da opressão, ou seja, fazer uma interdição dos discursos provenientes dos conjuntos hierarquicamente superiores na sociedade atual; pelo contrário, sustenta que se trata de mostrar que cada sujeito tem o seu lugar de fala, e que todos esses lugares, juntamente com os saberes que deles emergem, devem ser reconhecidos. Ribeiro (2017, p. 84) aponta para a urgência de que cada pessoa reflita sobre sua posição social, seja ela qual for, e convoca: “[...] é preciso cada vez mais que homens brancos estudem branquitude, cisgeneridade, masculinos”, ao mesmo tempo em que esses grupos atentem para as falas de outros tantos que não compartilham das mesmas posições sociais. Nesse sentido, acreditamos que este trabalho vai na direção de observar o lugar de fala dos ouvintes e convidar esses sujeitos a realizar o mesmo movimento, da mesma forma para os surdos, em seu lugar de fala. 123 Djamila Ribeiro nasceu em 1980 na cidade de Santos (SP). É filósofa e professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Colunista da Folha e São Paulo e autora de célebres obras como O que é lugar de fala (citada nesta unidade),Quem tem medo do feminismo negro? e Pequeno manual antirracista. Tem ganhado espaço na mídia por seus debates envolvendo feminismo e negritude, os quais são facilmente encontrados nos principais portais de notícias e plataformas de vídeo. NOTA FIGURA – DJAMILA RIBEIRO FONTE: <https://bit.ly/31Pf5y5>. Acesso em: 11 nov. 2021. Para compreender melhor o processo de constituição do ser surdo e seu lugar de fala, recorremos à Paddy Ladd (2003), na obra originalmente intitulada Understanding deaf culture: in search of deafhood. As versões traduzidas para o português do livro mostram o termo “surdidade” como tradução de “deafhood”, conceito principal abordado pelo autor no livro. A versão portuguesa da primeira parte da obra traz um glossário com curtas definições a respeito de alguns conceitos abordados pelo autor, dentre eles “surdidade”, entendido da seguinte maneira: Esse termo foi desenvolvido em 1990 pelo presente autor [Paddy Ladd], a fim de iniciar o processo de definição do estado existencial dos Surdos como ‘ser-no-mundo’. Até agora, o termo médico ‘surdez’ foi usado para englobar essa experiência dentro da categoria mais ampla de ‘deficiente auditivo’, a grande maioria dos quais eram pessoas idosas ‘com problemas de audição’, de modo a tornar invisível a verdadeira natureza da existência coletiva Surda. A Surdidade não é vista como um estado finito, mas como um processo através do qual os indivíduos surdos chegam a efetivar sua Identidade Surda, postulando que aqueles indivíduos constroem aquela identidade em torno de vários conjuntos de prioridades e princípios ordenados de maneiras diferentes, que são afetados por diversos fatores, como nação, era e classe (LADD, 2013, p. 15). Essa citação parece conter muito do que foi discutido neste tópico, como as ideias de identidade, lutas antiautoritárias e lugar de fala. Segundo o autor, trata-se https://bit.ly/31Pf5y5 124 principalmente das maneiras de se constituir surdo, formas de ser surdo na sociedade, em um processo contínuo e infindável, mas que tem por referência a efetivação de uma identidade surda. Retomando as discussões que envolvem identidade e diferença, podemos imaginar que a constituição de sujeitos com determinadas identidades faz parte de uma grande trama de poderes e saberes que circulam na sociedade e são moduladas de acordo com os discursos que capturam esses sujeitos. De fato, Silva (2014, p. 81) menciona que “A afirmação da identidade e a enunciação da diferença traduzem o desejo dos diferentes grupos sociais, assimetricamente situados, de garantir acesso privilegiado aos bens sociais. A identidade e a diferença estão, pois, em estreita conexão com relações de poder”. Nesse sentido, constituir um grupo social que possui identidades similares – como a identidade surda – possui um valor político significativo na reivindicação de direitos e produção de um bem-estar social a esse grupo. Por outro lado, considerando que diferentes grupos sociais assimetricamente situados possuem diferentes desejos, parte-se do pressuposto de que os debates que envolvem esses bens sociais sejam intrinsecamente conflituosos, havendo embates constantes na busca pela imposição de desejos vindos de cada sujeito e cada grupo social. Começam a entrar em campo uma série de pesquisas que envolvem os conceitos de lugar de fala, privilégio, colonização, performatividade, entre outros. Ainda que não tenhamos a pretensão de explorar com detalhes tais conceitos, mencionamos a relevância discursiva de se pensar nas ideias que envolvem estudos detalhados das relações de poder e das identidades/diferenças, em especial as formas como essas relações se transformam com o passar o tempo e assumem diferentes facetas, ainda que busquem por um objetivo comum. Nesse rol, pensando no nosso contexto, cita-se o campo dos Estudos Surdos, iniciado por uma revolução no que se entende por linguagem humana e por cultura (notoriamente os estudos pós-estruturalistas, já mencionados), descrita por Bauman (2008, p. 1) como uma mudança pautada pela “[...] validação da natureza completamente linguística das línguas de sinais e a subsequente reescrita da identidade surda de surdo para Surdo, ou seja, de um estado patológico de perda de audição para a identidade cultural de uma minoria linguística”. Dessa forma, entendemos que toda essa mobilização iniciada na década de 1960, a emergência dos estudos “pós-” e as viradas linguística e cultural, serviram como base para as ideias que estão em circulação há bastante tempo a respeito das noções de cultura surda, identidade surda, língua de sinais e tantas outras pautas dos Estudos Surdos. É sobre esses assuntos que trataremos a seguir. 125 4 ESTUDOS SURDOS E CONCEITOS CENTRAIS Para pensarmos sobre os Estudos Surdos, convidamos você a uma viagem pelo tempo para que possamos entender o contexto no qual esse campo emergiu. À luz do Congresso de Milão, ocorrido em 1880, a metodologia de ensino para surdos sugerida era o oralismo. A área médica, conta H-Dirksen Bauman (2008), tinha um grande envolvimento nos espaços de ensino, aprisionando seus corpos e sua forma de comunicação natural. O autor complementa seus argumentos ao afirmar que as línguas de sinais eram desvalorizadas e mal-entendidas, sendo consideradas complicadoras na aquisição da linguagem humana. Em 1880, na cidade de Milão, ocorreu o Congresso Internacional de Educadores de Surdos. O objetivo do evento era elaborar diretrizes para o ensino de surdos. A principal proposição do congresso foi a de que a educação desses indivíduos deveria ocorrer por meio do oralismo. Autores como Giordani (2005; 2015), Thoma (2006; 2011; 2013) e Lopes (2011), referem- se ao Congresso de Milão como o grande responsável pela disseminação e utilização do oralismo no mundo, e afirmam que a maioria dos delegados escolhidos para participar do evento era a favor desse método. Independentemente de suas questões, um dos efeitos do Congresso de Milão foi a legitimação do oralismo como paradigma educacional (SKLIAR, 2013a). IMPORTANTE FIGURA – O CONGRESSO DE MILÃO FONTE: <https://bit.ly/31QhqsA>. Acesso em: 10 nov. 2021. https://bit.ly/31QhqsA 126 Ainda que as pesquisas de William Stokoe, em 1960, reforçassem o status de língua às línguas de sinais, H-Dirksen Bauman (2008) afirma que havia questões culturais e identitárias pendentes. Segundo o autor, os movimentos sociais pelos direitos civis, ocorridos em meados da década de 1960, constituíram um terreno favorável para o aparecimento de ativistas surdos, os quais buscavam uma revolução nas formas de representação do surdo. Transformações ocorreram por volta da década de 1970, quando “[...] o clima cultural e intelectual começ[ou] a mudar” (BAUMAN, 2008, p. 2). Viu-se, então, a necessidade de um espaço, aliado às questões culturais, que problematizasse essas representações e proporcionasse mudanças na maneira de ensinar e lidar com tais sujeitos. O termo Deaf Studies, no Brasil traduzido para Estudos Surdos, foi mencionado pela primeira vez (que se tem registro) em 1971, pelo então diretor executivo da National Association for the Deaf, dos Estados Unidos, chamado Fredrick Schreiber. A partir de então, estudiosos adotaram a expressão nas suas produções, realizando pesquisas acadêmicas em diversos espaços de ensino superior. H-Dirksen Bauman (2008) destaca dois deles: Boston University e California State University, os quais iniciaram programas de ensino formal em Deaf Studies, nos anos de 1981 e 1983, respectivamente. Na Gallaudet University, um programa de ensino em Deaf Studies foi criado somente em 1994. No Brasil, dentro desse contexto, muitos autores, como Skliar (2013a; 2013b), Giordani (2005) e Thoma (2006; 2011; 2013), observaram que as práticas oralistas reforçaram a validade de uma perspectiva por eles chamada de clínico-terapêutica, fazendo alusão à participação da área médica na educação. Percebeu-se uma nova modalidade na qualo processo educativo é transformado em um processo terapêutico, de tratamento das deficiências do indivíduo. Skliar (2013b) atenta para uma limitação imposta por esse modelo, no qual o sujeito se constitui por meio de suas faltas, de suas deficiências. Para o autor, as pesquisas do campo da Educação Especial circulam em torno dessa visão. Em função disto, em contraposição ao modelo clínico-terapêutico, surge o modelo socioantropológico, o qual, segundo Skliar (2013b, p. 8), proporciona – ou deveria proporcionar – um contraste à “[...] visão incompleta de sujeito que oferece o modelo clínico-terapêutico”. 127 A ideia que embasa a perspectiva clínico-terapêutica não parece envolver somente a questão da surdez ou das pessoas com deficiência – embora tenha um apelo maior quando associada a esse grupo. Cada vez mais, temos vivenciado a ideia de que os saberes médicos possuem uma proeminência maior nas nossas vidas em detrimento de qualquer outro saber. Mais do que promover uma revolução contra esses sujeitos Médicos – ou Advogados, Políticos, entre outras profissões –, a proposta dos estudos que se aproximam dos campos “pós-” vem como uma luta antiautoritária contra as formas de poder que se exercem na relação entre sujeitos e grupos da sociedade, sob a forma de uma crítica à posição discursiva que esses sujeitos em questão assumem na nossa sociedade. IMPORTANTE FIGURA – A PERSPECTIVA CLÍNICO-TERAPÊUTICA FONTE: <https://shutr.bz/3n3Pg5s>. Acesso em: 10 ago. 2021. Todas essas problematizações mencionadas, no Brasil e no exterior, estavam de alguma maneira vinculadas às discussões empreendidas no campo dos Deaf Studies no final do século XX. As principais pautas dos estudos dessa época, diz H-Dirksen Bauman (2008, p. 7), circulavam em torno “[...] da defesa da cultura surda, definição de atributos das Identidades Surdas e a construção de um modelo bilíngue/bicultural para o ensino de surdos”. Entretanto, nos últimos anos, não parece haver uma concordância plena acerca do entendimento de cultura em diferentes perspectivas. Um exemplo disso está no texto de Bueno e Ferrari (2013), no qual os autores afirmam que: Considerar a existência de uma cultura própria para surdos e outra para ouvintes é cindi-los pela diferenciação entre ouvir e não ouvir e homogeneizar, culturalmente, de um lado, pessoas surdas e, de outro, pessoas ouvintes, com nacionalidades, condições econômicas e sociais, posição no espaço geográfico, assim como pertencimento étnico-racial, idade e sexo muito diferentes (BUENO; FERRARI, 2013, p. 48). Ao contrário do que está exposto nessa citação em relação à homogeneização da cultura, porém concordando com a premissa de que cada sujeito tem múltiplas diferenças, Perlin (2004) afirma que não há uma cultura, ainda que existam marcas 128 comuns a determinado grupo cultural, ou seja, ainda que apresentem traços das mais diferentes culturas, os sujeitos surdos estão imersos na cultura surda, por ser o espaço no qual as diferenças e alteridades são evidenciadas (PERLIN, 2004). Entretanto, não se pode ver a cultura surda – assim como qualquer outra cultura – como algo inocente e ingênuo, mas como um entrelugar imerso em relações de poder- saber, de resistência, de articulação política e de luta, no qual os saberes nele produzidos circulam e se legitimam. Anie Gomes (2011) trata da emergência da cultura surda e, mediante análises das falas de líderes surdos, atenta para as diferentes significações que esse conceito vem assumindo. Nesse sentido, parece pelo menos plausível a crítica a essas movimentações proposta por Bueno e Ferrari (2013) anteriormente, considerando que a cultura surda “[...] vem se tornando um dispositivo que coloca em funcionamento uma série de fatores que hoje se constituem em uma norma, não mais tendo o ouvinte como centro, mas calcando-se em um padrão surdo essencialmente cultural” (GOMES, 2011, p. 133). FIGURA 2 – LIMITES QUE UNIFICAM PARA O FORTALECIMENTO DE DISPUTAS FONTE: <https://www.shutterstock.com/image-photo/divided-social-groups-culture-war-betwe- en-1914410110>. Acesso em: 10 ago. 2021. Assim, alinhado com Perlin (2004), Gomes (2011) e Giordani (2005), a cultura surda pode ser entendida como uma “fortaleza cultural”, isto é, um entrelugar que produz e propicia a sobrevivência das diferenças presentes no grupo que a constitui – neste caso, o dos surdos. A necessidade desse baluarte provém de algumas ameaças à cultura surda, descritas por Giordani (2005, p. 145). A autora atenta para práticas de “esmagamento cultural” exercidas por diferentes grupos, presentes em diferentes discursos, entre eles o Médico, o Pedagógico, o Jurídico e o Governamental. A autora cita ainda algumas dessas práticas, quais sejam: 129 • os olhares piedosos das pessoas ao se depararem com surdos; • o foco nas “dificuldades” e “problemas” que os surdos supostamente têm em relação à língua portuguesa ou em avaliações de larga escala; • a visão do surdo como pessoa doente; • as práticas pedagógicas com inspirações oralistas; • as políticas linguísticas e a primazia da língua portuguesa; • as políticas de formação de uma cultura nacional. Dessa forma, a cultura surda, sobre a qual discutimos aqui, é a que surge da necessidade, por parte de determinado agrupamento de surdos, de resistir a essas práticas, por eles julgadas inadequadas. Indo de encontro a essas ideias, Bueno e Ferrari (2013) comentam as muitas discussões acerca do discurso médico e sua invalidação, bem como uma espécie de esquecimento da questão biológica que marca a surdez: a ausência da audição. Além disso, nos seus escritos, pode-se perceber uma visão única da cultura surda, conforme colocações que seguem. Considerar a existência de uma “comunidade surda”, que abrange somente aqueles surdos que admitem e assumem a “cultura surda”, decorrente de uma “apropriação visomanual” do mundo é desconsiderar, de um lado, a existência de um enorme número de surdos que, em razão de condições e trajetórias sociais diferenciadas, utilizam a língua oral como forma básica de comunicação e que pouco ou nada convivem com outros surdos. [...] Em suma, a divisão do mundo entre surdos “oprimidos” e ouvintes “opressores” contribui para a manutenção da desigualdade social produzida pelas diferenças de classe, raça e sexo (BUENO; FERRARI, 2013, p. 55). Embora as constatações de Bueno e Ferrari (2013) contraponham outros autores já mencionados aqui, convergem com uma das possibilidades de sentido da cultura surda descritas por Gomes (2011, p. 129): “[...] muralhas do mundo surdo [...]”, responsáveis por dividir o mundo surdo do mundo ouvinte, colocando os habitantes sob constante vigilância. Dessa forma, tendo em mente todas essas colocações e seguindo na esteira de Lopes (2011), entendemos a cultura surda não como estática nem angelical, mas como uma invenção do povo surdo, um porto seguro que possa garantir, ainda que minimamente, a sobrevivência das identidades e diferenças surdas e a produção de determinados tipos de sujeitos, regulados pelos saberes que ali circulam, em nome da segurança da comunidade surda. Enquanto a cultura surda se constitui como um entrelugar, o qual interpela determinado grupo cultural, a comunidade surda se configura como “[...] um lugar de referência, um lugar onde [os surdos] possam proclamar uma identidade forjada dentro de um espaço forte, seguro e sustentado por elos de amizade e cumplicidade” (LOPES, 2011, p. 71). Entretanto, tal espaço não se configura como natural, desde sempre aí, mas “[...] uma invenção surda para que a diferença surda possa ser narrada de um outro lugar” (LOPES, 2011, p. 72). Assim como a cultura surda, a comunidade surda também tem seu papel na constituição de discursos e produção de sujeitos, visto que: 130 [...] o sentido construído para o que chamamos de “comunidade” traz arraigadas as necessidades que temos – como sujeitos modernos e incansáveis na busca da homogeneização dos gruposhumanos – de tornar sujeitos, através de agrupamentos por semelhança, nos mesmos (LOPES, 2011, p. 72, grifo do original). Esses agrupamentos por semelhança, os quais a autora refere, parecem fazer menção às identidades e diferenças presentes num mesmo grupo cultural. Lembramos aqui o texto já citado de Silva (2014, p. 81), o qual pondera que identidades e diferenças “[...] não são simplesmente definidas; elas são impostas. Elas não convivem harmoniosamente, lado a lado, em um campo sem hierarquias; elas são disputadas”. Dessa forma, tais conceitos também possuem um caráter estratégico, objetivando ter “[...] acesso privilegiado aos bens sociais [...]” (SILVA, 2014, p. 81) nos quais os grupos estão inseridos. No caso da surdez, como aponta Lopes (2011), tratá-la como apenas uma diferença – sem afiliá-la a uma marca identitária – pressupõe eliminar a dicotomia surdo-ouvinte e a delimitação de grupos étnicos (como negros, gays, surdos), o que não é interessante do ponto de vista político, pois a presença de determinados traços identitários une e articula os sujeitos que as detêm. Evitando tais ambiguidades, Lopes e Veiga-Neto (2010) chamam as semelhanças percebidas nas falas de surdos de marcadores culturais, e não de “diferenças surdas”. Para os autores, ao contrário de marcas negativas – que hierarquizam e estereotipizam – e de marcas positivas – que servem de modelo em favor da normalização e docilização –, os marcadores culturais são traços fortemente vinculados à visão do outro sobre si, nesse caso sobre o ser surdo. Essa percepção acaba por evidenciar diferenças e constituir o sujeito como marcado pelo outro, diferente do outro. Alguns marcadores citados por Lopes e Veiga-Neto (2010), e ilustrados na Figura 3, são o uso da língua de sinais, a constante luta pelo reconhecimento de suas diferenças, a exaltação à comunidade surda e a exaltação ao sujeito surdo. De maneira geral, convergindo com o que já foi exposto até aqui, pode-se perceber que tais marcadores, aliados às chamadas identidades e diferenças surdas, propõem mudar as formas pelas quais o surdo é representado/visto, bem como legitimar suas demandas sociais. Dentro desse campo de batalha, encontram-se as pessoas ouvintes que participam da comunidade surda, grupo do qual fazem parte os tradutores e intérpretes de Libras. É sobre esse ponto que iremos discutir a seguir. 131 FIGURA 3 – MARCADORES CULTURAIS SURDOS FONTE: Adaptada de Lopes e Veiga-Neto (2010) 5 O TRADUTOR E INTÉRPRETE DE LÍNGUA DE SINAIS NESSE CONTEXTO Conseguimos perceber, neste breve apanhado de informações a respeito dos conceitos de cultura, identidade e relações de poder, que estamos lidando com um verdadeiro campo de batalha. Neste contexto e ao contrário do que muitos teóricos esperam, o grande troféu dessa batalha não é necessariamente “o poder” que se obtém como recompensa, mas a conformação de um regime de verdade capaz de constituir determinados sujeitos, com determinadas características que sejam favoráveis a determinados propósitos. Por meio das resistências, cada vez mais essas definições têm se transformado, de forma que hoje em dia podemos vislumbrar um contexto bastante diferenciado para os surdos do que víamos há 30 anos, por exemplo. Enquanto profissionais que atuam com e na comunidade surda, mesmo que não compartilhemos dos traços identitários que fazem parte das pessoas surdas, é certo que teremos contato com sua cultura e sua diferença por compartilharmos do principal artefato e principal marcador cultural dos surdos: o uso da língua de sinais. Certamente teremos uma capacidade maior de compreender as piadas que surgem na comunidade surda e os jogos de palavras que estão presentes na linguagem cotidiana, pois estaremos imersos na lógica organizacional do pensamento das pessoas que têm a língua de sinais como sua primeira língua. Mais do que isso, ainda que não tenhamos uma experiência profunda do que é ser surdo – pois não temos como vivenciar esse sentimento –, muito provavelmente teremos contato com uma série de problemas que são enfrentados pelos surdos na sociedade, além da oportunidade de fornecer acesso a ambientes, informações e serviços que, caso contrário, não seriam ofertados a essa população. 132 Parece ser um consenso entre a imensa maioria da comunidade científica, que a língua de um povo está intimamente ligada com a sua cultura, de forma que não seria possível falarmos de uma língua sem que esteja impregnada de elementos culturais próprios das pessoas que a utilizam. Isso pode ser percebido de maneira muito clara nos estudos das Neurociências e da Linguagem, os quais demonstram que a nossa primeira língua define as maneiras pelas quais organizamos nosso pensamento e os caminhos que são construídos internamente no nosso cérebro. O mesmo ocorre com as línguas de sinais, o que reforça o seu status de língua perante as demais línguas orais. IMPORTANTE FIGURA – LIGAÇÃO ENTRE LÍNGUA E CULTURA FONTE: <https://shutr.bz/3wy4yTb>. Acesso em: 10 ago. 2021. Para isso, acreditamos ser muito importante refletirmos sobre o papel que estamos assumindo nesse contexto, pensarmos sobre o nosso lugar de fala e de que modo nós estamos inseridos no campo de batalha de que estamos tratando desde o início deste tópico. Primeiramente, devemos reconhecer nossa posição enquanto pessoas ouvintes, de forma que tenhamos em mente que o nosso processo de construção identitária, nossa visão de mundo e nosso contato com a sociedade foram constituídos de uma forma bastante diferente, somente em função da presença da audição. Partindo da posição em que estamos neste momento, podemos olhar um sujeito surdo e pensar que ele tem dificuldade de aprendizado, que ele tem dificuldade de fala, que ele escreve errado, que ele precisa de ajuda, que ele não tem tanto conhecimento quanto às pessoas ouvintes, e assim por diante. Esse tipo de lógica parece estar presente na nossa sociedade, circulando sorrateiramente por meio de frases e ações piedosas, as quais muitas vezes não surgem com a intenção de diminuir ou invalidar os esforços das pessoas, mas acabam produzindo esses sentidos. Essa é a problemática principal do que chamamos de capacitismo, ou seja, um conjunto de práticas que tem como base “[...] o imaginário de que existem pessoas com capacidades plenas, de que as pessoas com deficiência são incapazes por natureza. Esse imaginário engessa um discurso generalizador e impede a possibilidade de exercer um olhar individual sobre o sujeito com deficiência [...]” (MARCHEZAN; CARPENEDO, 2021, p. 54). 133 A armadilha do capacitismo, muitas vezes apresentada por meio de piadas ou pensamentos do senso comum, costuma estar presente no cotidiano da sociedade, em especial dos profi ssionais que atuam com pessoas surdas. Esse sentimento é alimentado também pelas pessoas que usufruem dos serviços de tradução e interpretação, como palestrantes e professores, quando se referem ao intérprete ao invés de se voltarem para o surdo, na expectativa de que o profi ssional fale por ele. Essas são situações que envolvem o compromisso ético e moral do tradutor e intérprete de Libras, portanto, estão detalhadas na disciplina referente a esse assunto; contudo, pensamos ser importante evidenciar que o papel do tradutor intérprete, em qualquer caso, extrapola os limites da transposição entre uma língua e outra nesse contexto, pois sua atuação produz efeitos na forma como os sujeitos que usufruem dos seus serviços constroem uma representação do que é o sujeito surdo. A atuação do profi ssional tradutor e intérprete de Libras produz efeitos na forma como os sujeitos que usufruem dos seus serviços constroem representações do que é o sujeito surdo. ATENÇÃO Diante disso, podemos imaginar que a posição de sujeito que ocupamos, enquanto porta-vozes de pessoas que não compartilham uma língua comum, apresenta um conjunto de riscos, acompanhados de uma assimetria que nos possibilita dominar o outro,pois temos a possibilidade de falar por alguém. Atualmente, com a popularização dos debates que envolvem os Estudos Decoloniais, temos visto uma série de discussões que envolvem ideias como a de privilégio ouvinte e estudos que ponderam as relações de poder existentes entre os tradutores e intérpretes de Libras e os surdos que são atendidos por esse profi ssional. Este é o assunto abordado por Russell e Shaw (2019), no interessante artigo intitulado “Poder e privilégio: uma exploração da tomada de decisões de intérpretes”, apresentado como Leitura Complementar desta unidade. Nele, as autoras lançam luz sobre algumas práticas recorrentes no processo de tradução e interpretação no âmbito jurídico, realizado nos Estados Unidos e no Canadá, pontuando as dinâmicas de poder presentes nessas interações. Dessa forma, amplia-se o entendimento a respeito da posição de sujeito assumida pelo tradutor e intérprete e pelo sujeito ouvinte, quando em relação ao sujeito surdo. 134 Talvez, neste momento, pareça absurdo pensarmos que nossas atitudes, por mais benevolentes que sejam, possam assumir uma postura de dominação ou privilégio, ou talvez estranhemos o uso desses termos, pois os associarmos a práticas exageradamente autoritárias. Apesar disso, convidamos você a refletir sobre a seguinte situação: Marina é surda e está no sexto período de um curso de graduação. Ela é atendida por uma equipe de profissionais tradutores e intérpretes, que atuam em todas as aulas presenciais e a distância que frequenta. Nessa equipe, um dos intérpretes, Joaquim, entende que Marina tem dificuldades em compreender os assuntos que os professores abordam. Justifica para si mesmo que isso é produto de uma série de problemas enfrentados por Marina durante toda a sua vida, como a grave ausência da língua de sinais nos seus primeiros anos de vida, a escolarização em um espaço que não fornecia educação bilíngue e metodologias adequadas, falta de acesso ao sistema de saúde e aos serviços públicos, entre outros. Por conta disso, Joaquim tem por costume assumir que Marina precisa de mais ajuda do que dispõe, portanto se prontifica em ajudar nos estudos e escreve para ela os seus trabalhos. Durante as aulas, sinaliza explicações mais detalhadas do que o professor forneceu. Essa é uma situação bastante usual, que nos oferece vários pontos de debate. Primeiramente, é importante pensarmos que as preocupações de Joaquim costumam ser reais e relevantes, visto que, infelizmente, ainda temos uma quantidade significativa de pessoas surdas que não possuem acesso a sua língua e aos direitos básicos de todo cidadão. Quando esse acesso não é assegurado nos primeiros anos de vida, os estudos das Neurociências e da Linguagem apontam para a ocorrência de prejuízos linguísticos e cognitivos para esses indivíduos, impactando o seu desenvolvimento. Sabendo disso, e como pessoas que têm contato com essa situação cotidianamente, somos chamados a conscientizar e promover mudanças nas políticas públicas do país, alertando a população em geral a respeito dessas situações. Disso não há dúvidas. Por outro lado, a postura adotada por Joaquim – por mais que tenha como base uma vontade de justiça pelo que foi retirado de Marina, ou então um desejo de providenciar elementos capazes de tornar essa aluna apta a se desenvolver como os demais membros do grupo – poderia ser repensada sob o viés do capacitismo. Ao realizar estudos e escrever trabalhos por Marina, Joaquim se coloca como um tutor ou curador de Marina, não fornecendo a ela as ferramentas necessárias para seu desenvolvimento. Ao invés de informar Marina de tudo o que ela tem direito e lutar com (e não por) ela para que as suas necessidades sejam atendidas, busca uma solução de curto prazo que faz sentido dentro de sua lógica piedosa. Ademais, não podemos perder de vista que, nesse processo todo, não somente Marina e não somente Joaquim são os responsáveis pelo sucesso. Marina é a protagonista, visto que essa é a sua história e o seu desenvolvimento; Joaquim faz 135 parte dessa composição, por atuar como profissional que promove a acessibilidade de Marina. Além dos dois, temos um papel bastante importante do professor, que precisa estar atento às necessidades de Marina e também é um dos usuários que usufruem do serviço de tradução e interpretação. Ao invés de acrescentar detalhes à explicação, Joaquim poderia estar atento aos olhares de Marina e informá-la da possibilidade de solicitar mais esclarecimentos ao professor. Ao mesmo tempo, Joaquim também poderia recordar o professor de que Marina é sua aluna, e não do intérprete. Para finalizarmos a reflexão acerca dessa história, podemos ainda levar em consideração todo o contexto em que ela ocorre. É possível pensar que somente o fato de Marina conseguir estar em um curso de graduação com tradutores intérpretes já é algo tristemente raro, dada a falta de condições e acesso que a comunidade surda historicamente teve. Como coadjuvantes dessa caminhada, estão as instituições, as políticas públicas, a opinião pública, as mobilizações sociais, as associações, os órgãos representativos, enfim, todo o conjunto de elementos que compõem o histórico de lutas que os surdos precisaram e ainda precisam estar atentos para a conquista de direitos básicos que há muito tempo já são ofertados para ouvintes. Apresentamos essa história para ilustrar o complexo cenário de que fazemos parte, seja enquanto tradutores e intérpretes de Libras, seja enquanto cidadãos. Por mais que tenhamos um conhecimento técnico e teórico acerca dos processos que envolvem o fazer cotidiano de um tradutor e intérprete, estamos intimamente ligados à história, à cultura, às identidades, às lutas, convidados a pensar sobre nossos lugares de fala e nas relações de poder que são mobilizadas por meio de nossa atuação. 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS Expostos todos esses elementos, pensamos que foi possível refletirmos um pouco sobre as dinâmicas presentes na sociedade e nas relações conosco e com os outros. Além disso, também pudemos iniciar reflexões acerca de nossa posição dentro da sociedade e da comunidade que fazemos parte, tendo ciência da existência de privilégios e das relações de poder que exercemos/sofremos ao interagirmos com os outros. Com isso, concluímos a primeira parte da nossa terceira unidade, a qual servirá como base para pensarmos sobre o papel do conhecimento da cultura e da competência linguística nos processos de tradução e interpretação da Libras. 136 RESUMO DO TÓPICO 1 Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como: • Os conceitos de cultura, identidade e diferenças se constituem como relevantes para a atuação de um profissional tradutor e intérprete. • Nas relações com outras pessoas, estamos constantemente trocando informações e envolvidos em uma trama de relações de poder, as quais constituem nós mesmos e os outros. • Cada um de nós possui seu lugar de fala, seja o surdo, seja o ouvinte, e devemos respeitar a subjetividade de cada um, sem a pretensão de “falar por” o outro. • O reconhecimento e a valorização dos saberes advindos das pessoas surdas fazem parte das conquistas da comunidade surda ao longo dos anos e devem ser respeitados e levados em consideração. • Os profissionais tradutores e intérpretes fazem parte do meio em que as pessoas surdas vivem, portanto devem conhecer e respeitar as particularidades dessa comunidade a qual compõem. • As atitudes do profissional tradutor e intérprete produz efeitos nos usuários dos seus serviços, portanto devem ser realizadas de forma consciente, ética e responsável. 137 RESUMO DO TÓPICO 1 1 Vimos que os conceitos de cultura, identidade e diferença são muito conhecidos em uma área conhecida como Estudos Culturais (EC). Esse campo faz parte de um conjunto maior de pesquisas que englobam o que chamamos de estudos “pós-”, emergido a partir do final da Segunda Guerra Mundial. Um momento bastante importante desse movimento foia “virada linguística”, a qual culminou na emergência do que hoje identificamos como “pós-estruturalismo”. A respeito da base do pensamento pós-estruturalista, assinale alternativa CORRETA: a) ( ) O pós-estruturalismo veio como uma oposição ao estruturalismo concebido por Ferdinand de Saussure. Se difere dos preceitos saussureanos por estabelecer regras claras a respeito da língua, apontando para suas estruturas mais complexas antes não abordadas no estruturalismo. b) ( ) Assim como todos os saberes “pós-”, o pós-estruturalismo veio como uma nova proposta de se pensar a linguagem. Dessa forma, notamos impactos nos estudos da Linguística, os quais prontamente passaram a encarar a língua de uma forma mais fluída, abandonando os aspectos datados do estruturalismo. c) ( ) O pensamento pós-estruturalista parte do pressuposto de que na linguagem não há significados já definidos a priori em algum plano transcendental, mas são construídos e (re)significados ao longo da vida, de forma particular, por cada sujeito e cada comunidade. Os efeitos desse pensamento estão presentes em pesquisas de vários campos de conhecimento, como Linguística, Sociologia, Antropologia e Educação. d) ( ) O pós-estruturalismo surgiu em meados da década de 1960, impulsionado pelo filósofo Jacques Derrida. Apesar disso, o principal autor pós-estruturalista é Michel Foucault, o qual dedicou boa parte do seu trabalho à difusão e fortalecimento dessa corrente de pensamento no meio sociológico e filosófico. 2 O conceito de “relações de poder” costuma trazer muitas dúvidas sobre o que se quer dizer. Essa noção, elaborada por Michel Foucault e desenvolvida ao longo de parte de sua obra, mostra um caráter até então inexplorado do que se chamava de poder: a sua positividade. A respeito do que o filósofo compreendia sobre a problemática do poder na sociedade, classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas: ( ) Para Foucault, o poder se manifestava por meio de relações entre sujeitos, portanto referido como “relações de poder” ao invés de um poder singular e objetificado, que pode ser detido por um soberano e retirado de um súdito. AUTOATIVIDADE 138 ( ) As teorizações de Foucault sustentam a ideia de que as relações de poder nos constituem enquanto sujeitos, produzindo as nossas formas de ser e estar no mundo, nossas condutas, nossos pensamentos. ( ) Foucault faz uma crítica à ideia de poder marxista, problematizando a noção de ausência total do poder pelos súditos. Para o filósofo, mesmo os sujeitos que estão em posições hierarquicamente inferiores a outros também mostram resistência – se há poder, há resistência. ( ) A obra de Foucault foi muito importante para denunciar os detalhes que estão envolvidos na complexa rede de poderes e estratégias de coerção dos governantes, promovendo uma grande revolução na forma como se entende o poder e de que maneiras podemos subverter esse poder para o redirecionar às minorias que não o detêm. Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA: a) ( ) V – V – F – F. b) ( ) F – F – V – F. c) ( ) F – V – F – V. d) ( ) V – V – V – F. 3 Falamos muito sobre cultura surda e identidade surda, analisando que tais conceitos abarcam uma ampla gama de possibilidade de se constituir, ao mesmo tempo em que protegem e mantêm a unidade de uma comunidade. A respeito da cultura e da identidade surdas, analise as seguintes alternativas: I- Alguns autores consideram que a cultura surda se configura como “as muralhas do povo surdo”, pois se caracteriza como uma invenção necessária para a unidade e defesa desse grupo. Assim, entendemos que as pessoas surdas precisam exaltar essa cultura e a identidade que os une para que não percam sua força política, necessitando da ajuda das pessoas ouvintes para isso – em especial os profissionais tradutores e intérpretes. II- Ainda que tenhamos os conceitos de cultura surda e identidade surda, já é sabido que não há somente uma forma de ser surdo. Ainda que seja uma presença muito marcante na vida das pessoas surdas, existem outros recortes que podem estar presentes na sua constituição, como as questões de gênero, de raça/etnia, de idade, de sexualidade, de saúde, de estética, entre outros. III- É possível determinarmos algumas diferenças importantes nas pessoas que se constituem como surdas, chamadas de “marcadores culturais”. Parte-se do pressuposto de que toda a diferença é única e particular, porém se nota a predominância desses marcadores culturais na vida e na constituição dos sujeitos que assumem uma identidade surda. IV- Os Estudos Surdos surgem como forma de lançar luz a esses e outros conceitos que envolvem a subjetividade surda. Uma das principais noções que tem sido muito discutida nos últimos anos é a de “surdidade” ou “deafhood”, inventada pelo professor surdo Paddy Ladd. 139 Assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) Somente II, III e IV estão corretas. b) ( ) Somente I, II e III estão corretas. c) ( ) Somente I e IV estão corretas. d) ( ) Somente II e III estão corretas. 4 Um dos conceitos que discutimos nesta unidade é o de “lugar de fala”, alinhado com as discussões feitas pela autora Djamila Ribeiro (2017). A autora critica a utilização do termo como uma forma de silenciar os dizeres do outro sobre si, ao mesmo tempo em que mostra quem muitas vezes determinados sujeitos têm suas vozes silenciadas e subalternizadas pelo outro que não conhece e não respeita a sua subjetividade. Completa sustentando que, idealmente, todos os indivíduos deveriam pensar e refletir sobre o seu próprio lugar de fala, os seus privilégios, o seu lugar na sociedade, ao passo em que escutam e respeitam os lugares de fala dos outros. Tendo como base as discussões de vimos no material e fazendo uma relação desse debate com o cotidiano profissional do tradutor e intérprete, disserte a respeito da maneira pela qual o conhecimento desses debates pode produzir efeitos na conduta desse sujeito, seja no fazer profissional cotidiano, seja na maneira de condução das suas atitudes pessoais. FONTE: RIBEIRO, D. O que é lugar de fala? 1. ed. Belo Horizonte: Letramento, 2017. 5 Um dos exemplos que foram mostrados ao longo deste tópico foi o de um profissional tradutor e intérprete que estudava com uma pessoa surda, escrevia seus trabalhos e acrescentava informações ao que o professor explicava, sob o pretexto de apoiar um sujeito que não havia tido acesso pleno aos seus direitos básicos. Deixando de lado as atitudes citadas no exemplo, mas pensando nessa mesma situação – sala de aula do ensino superior, com uma turma de ouvintes que não sabem Libras e somente um aluno surdo –, disserte sobre as corretas funções do profissional tradutor e intérprete nesse contexto, mencionando as suas atribuições oficiais e suas limitações éticas. 140 141 CONHECIMENTO E USO DAS LÍNGUAS E OS PROCESSOS DE TRADUÇÃO E INTERPRETAÇÃO 1 INTRODUÇÃO No tópico anterior, vimos a respeito dos aspectos culturais e identitários que envolvem a surdez e os sujeitos que se constituem por meio dessa condição. Certamente isso envolve questões complexas e que muito dificilmente conseguem ser debatidas de maneira sintética. Contudo, essa é apenas uma das partes que conformam o trabalho do profissional tradutor e intérprete de Libras. Outra parte bastante importante tem a ver com as competências de um indivíduo durante o uso de uma língua observada nos processos de tradução e interpretação, temática que iremos abordar neste segundo tópico da unidade. Antes de iniciarmos a respeito desses conceitos específicos, importante definirmos que iremos partir dos conceitos tais como descritos pelo linguista José Carlos de Azeredo (2002) e avançando com algumas das noções descritas por Luiz Carlos Travaglia (2014a, 2014b, 2014c). Tal advertência se faz importante, pois assim como em qualquer ciência, podemos falar dos mesmos fenômenos usando termos e perspectivas diferentes. Portanto,julgamos ser importante estabelecermos um balizamento sobre o solo teórico no qual estamos situados, ainda que muito provavelmente esses pontos já tenham sido estudados por vocês no decorrer do curso. 2 CONCEITOS BÁSICOS DA LINGUÍSTICA É muito comum, em especial nos estudos que envolvem a língua de sinais, encontrarmos a seguinte explicação para o significado de determinado sinal: “Depende do contexto”. Essa frase faz menção à aplicação de algo que se chama contexto como um recurso desambiguador entre os sinais de “Laranja” e de “Sábado”, por exemplo, apresentados na Figura 4. Mas o que seria esse contexto que tanto falamos? UNIDADE 3 TÓPICO 2 - 142 FIGURA 4 – SINAIS DE LARANJA E DE SÁBADO EM LIBRAS FONTE: Faders (2010, p. 56; 86) Iniciaremos falando do conceito de gramática, o qual possui, pelo menos, quatro definições segundo Azeredo (2002). A primeira delas, e a mais conhecida por nós, indica a gramática como as “[...] regras que uma pessoa deve conhecer para falar e escrever corretamente uma língua” (AZEREDO, 2002, p. 31). A segunda, semelhante à primeira, aborda ainda a existência de livros que têm no seu título a palavra “gramática”, os quais “[...] ensina[m], entre outras coisas, a classificar os sons que pronunciamos, as palavras e suas partes, as orações e seus termos, e a enunciar os processos usuais na combinação dessas unidades” (AZEREDO, 2002, p. 32). Essas suas definições, conforme o autor, fazem menção ao que se chama de gramática normativa, ou seja, aquela que mostra a norma culta da língua, com regras que são comumente aprendidas na escola ao invés de serem adquiridas naturalmente. A outra categorização citada por Azeredo (2002) é a gramática descritiva, aquela que reflete o conhecimento que um indivíduo tem da sua língua e que é adquirido na prática de forma internalizada ou descritiva. Nesse agrupamento, temos mais dois conceitos de gramática além dos já apresentados: o terceiro trata do “[...] sistema de unidades ou conteúdos entre os quais se estabelecem distinções obrigatórias e de número limitado” (AZEREDO, 2002, p. 33), ou seja, tudo o que se pode e o que não se pode fazer no uso da língua; por fim, a quarta acepção define que “O sistema gramatical compreende as unidades portadores de significado e os recursos formais que regem a combinação dessas unidades nos diferentes níveis da língua” (AZEREDO, 2002, p. 33). Esses conceitos estão sumarizados no Quadro 1: 143 QUADRO 1 – OS CONCEITOS DE GRAMÁTICA FONTE: Adaptado de Azeredo (2002, p. 31-33) Categoria Conceito G ra m á ti c a N o rm a ti va A gramática refere-se às regras que uma pessoa deve conhecer para falar e escrever corretamente uma língua. Gramática é um conjunto de informações geralmente aprendidas na escola, contidas em um livro específico também chamado “gramática”, que nos ensina, entre outras coisas, a classificar os sons que pronunciamos, as palavras e suas partes, as orações e seus termos, e a enunciar os processos usuais na combinação dessas unidades. G ra m á ti c a D e sc ri ti va A gramática é o que, numa língua, constitui o sistema de unidades ou conteúdos entre os quais se estabelecem distinções obrigatórias e em número limitado. Ela difere do léxico, que é o conjunto das palavras da língua, listadas em ordem alfabética nos dicionários. O sistema gramatical compreende as unidades portadoras de significado e os recursos formais que regem a combinação dessas unidades nos diferentes níveis da língua. Neste sentido, a gramática difere da fonologia – cujas unidades são desprovidas de significado – e do léxico, que é o conjunto das palavras listadas no dicionário. Com isso, partimos para a discussão do conceito de discurso. Para Azeredo (2002, p. 34), o discurso é “A prática da comunicação ling[u]ística oral ou escrita [...]”, e necessariamente envolve um enunciador, juntamente com um ou mais destinatários. Essa configuração ocorre em uma determinada situação (contexto), e por meio das interações discursivas são produzidos o que chamamos de textos. Na lógica de Azeredo (2002), texto e contexto são duas faces complementares presentes em qualquer atividade discursiva, sendo o texto o produto dessa atividade, e o contexto o conjunto de elementos que regulam os significados, a relevância e a pertinência do texto. Essa organização está esquematizada na Figura 5. 144 FIGURA 5 – DISCURSO, TEXTO E CONTEXTO FONTE: Adaptada de de Azeredo (2002) Detalhando ainda mais o que estamos compreendendo por contexto discursivo, Azeredo (2002) pondera que, nesse grupo, temos três aspectos a considerar. O primeiro deles é a condição discursiva, ou seja, aquilo que regula quem tem o direito à palavra. Dentro disso, temos duas possiblidades: o discurso planejado, ou seja, quando o enunciador tem a palavra já concedida e pode utilizar da forma que achar melhor, como é o caso de um palestrante, de um professor, do autor de um artigo, entre outros; e o discurso espontâneo, quando existe no mínimo dois enunciadores que vão intercalando o controle desse discurso, como em uma conversa. Muitos estudos podem ser feitos a respeito desse direito à fala, o que de fato tem ocorrido em estudos que se alinham à Análise do Discurso e à Análise da Conversa. O segundo aspecto do contexto é a situação discursiva, ou seja, o “[...] conjunto de fatores socioculturais representados nos papéis sociocomunicativos assumidos pelos participantes de um evento comunicativo qualquer” (AZEREDO, 2002, p. 36). Nesse ponto, enquadram-se as diferentes maneiras de se expressar – com formalidade ou com coloquialidade –, modulando os termos que serão utilizados, a postura corporal, a entonação, ajustados de acordo com os interlocutores e destinatários da atividade discursiva. Por fi m, temos o campo discursivo, o qual se refere aos diferentes domínios nos quais as atividades discursivas podem ocorrer. Por meio do campo discursivo, entendemos que determinados textos estão alinhados com um conjunto de saberes específi co, a gêneros discursivos específi cos. 145 Poderíamos, ainda, explorar outros conceitos importantes desse campo teórico, porém já temos o suficiente para empreender os debates propostos para esse tópico. A seguir, passaremos a analisar mais algumas noções importantes que se referem às competências associadas à utilização de uma língua. 3 ASPECTOS SOBRE O CONHECIMENTO E USO DE UMA LÍNGUA Azeredo (2002) pontua que existe um conjunto de aspectos que são aprendidos pelos falantes de uma língua e constituem um arcabouço capaz de subsidiar as práticas de seu uso. O autor lista seis saberes específicos que compõem esse conjunto, quais sejam, saber cognitivo, saber antropológico, saber histórico, saber léxico-gramatical, saber sociolinguístico e saber textual. A fim de apresentá-los de forma sintética e esquematizada, mostramos a seguir um quadro explicativo contendo esses conceitos. Tipo de saber Descrição Cognitivo Relativo à aptidão humana para a linguagem. Antropológico Atinente às peculiaridades da língua que falamos como expressão de um certo modo de simbolizar a realidade. Histórico Referente à nossa condição de “depositários” de textos integrantes de uma memória coletiva. Léxico-gramatical Referente ao domínio das palavras, dos recursos sonoros, mórficos e sintáticos que formam as frases. Sociolinguístico Relativo às funções da língua como forma de convívio e interação sociais. Textual Relativo ao domínio dos procedimentos de construção dos textos. QUADRO 2 – SABERES REFERENTES AO CONHECIMENTO E USO DA LÍNGUA FONTE: Adaptado de Azeredo (2002, p. 40-41) 146 Segundo o autor, esses saberes são desenvolvidos a partir de algumas aptidões do indivíduo – como as afetivas, intelectuais – e também adquiridas por meio do convívio social, levando em consideração os aspectos sociais e históricos das comunidades das quais o sujeito faz parte (AZEREDO, 2002). A partir disso, diz Azeredo (2002), são desenvolvidascompetências comunicativas que refletem as situações as quais determinado indivíduo vivenciou nas diferentes facetas de sua vida em sociedade. Utilizando argumentos que se assemelham àqueles dos debates que realizamos no Tópico 1 sobre identidade e diferença, o autor deixa bastante claro em sua narrativa a multiplicidade de forma de se conhecer e se utilizar uma língua, de forma que cada indivíduo, mesmo que conviva em uma mesma sociedade e utilize uma mesma língua, possui uma relação única com essa língua, apresentando pronúncia diferente, ritmo diferente, construindo frases de maneira diferente, com sotaque diferente e contextos cultural e social diferentes. Dessa forma, Azeredo (2002, p. 41) pontua que “Quando se diz que uma comunidade ‘fala uma língua’, deixa-se normalmente a impressão de que todos os seus membros conhecem ‘a mesma coisa’. Isso não é verdade. Ninguém de fato conhece uma língua na totalidade de seus usos, que são múltiplos”. Diante desses argumentos, conclui-se que não há, de fato, a forma correta de se utilizar determinada língua num processo comunicativo, mas uma das múltiplas variedades que essa língua pode apresentar. Dito isso, um possível corolário derivado dessa afirmação seria a ideia de que tudo vale, ou seja, seria possível falar e entender qualquer coisa, independente do sistema linguístico, visto que as infinitas variações linguísticas tirariam o espaço de uma gramática normativa, de uma norma culta e ideal. A respeito disso, Azeredo (2002) pondera que a língua não existe per se, ou seja, não esteve “sempre lá” à disposição dos seus falantes, mas se construiu (e segue sendo construída) com o passar dos anos e as mudanças da sociedade. Diferente de um construto puro e normativo, ou então de um construto caótico e desorganizado, se trata de um conjunto de convenções estipuladas pelas comunidades para a sua comunicação, portanto carece de referências comuns que possam aproximar os significados entre os falantes a fim de que uma efetiva comunicação aconteça. Assim, não se cria ou se usa uma língua somente para si, mas para estabelecer vínculos com os outros. Consideradas essas questões, Azeredo (2002) menciona que cada indivíduo possui um conjunto de habilidades que os capacita para utilizar de forma eficaz uma língua, e para isso propõe o agrupamento desses saberes em duas grandes categorias chamadas competência léxico-gramatical e competência pragmático-textual. 147 Por competência léxico-gramatical, Azeredo (2002, p. 42) entende ser aquela que se refere “[...] ao conhecimento das unidades dos dois planos da língua – expressão e conteúdo – e respectivas regras combinatórias”, entrando nessa categoria os conhecimentos referentes à fonologia, à morfologia, ao léxico e à linguagem. O autor passa a citar exemplos das operações linguísticas que podemos realizar quando temos domínio dos aspectos léxico-gramaticais de uma língua, como a aplicação do plural, a correta aplicação de preposições, conhecimento das palavras e dos significados da língua, enfim, a aplicação adequada da gramática da língua em questão. Já a competência pragmático-textual é definida como sendo aquela “´[...] que habilita os usuários da língua a comunicar-se em situações concretas por meio de textos” (AZEREDO, 2002, p. 43). Nesse aspecto, o autor pontua e descreve seis pontos que envolvem essa categoria: o registro; os tipos de texto; os modos de organização do discurso; significados implícitos e valores não literais dos enunciados; articulação coerente e conexão das frases; e expressividade. O registro trata da “[...] propriedade que a língua tem de variar formalmente de acordo com as características do contexto discursivo [...]” (AZEREDO, 2002, p. 43), ou seja, o contexto que envolve as condições discursivas (quem pode e quem não pode falar), a situação discursiva (quais os papéis sociais dos participantes) e o campo discursivo (o domínio em que o discurso se processa). Sobre isso, podemos pensar nas diferentes configurações que um texto ou discurso pode estar alocado. A Figura 6 mostra um mapa conceitual abrangendo todos os aspectos mencionados até o momento sobre as teorizações de Azeredo (2002) que envolvem o conhecimento e o uso da língua. 148 FI GU RA 6 – CO N H EC IM EN TO S E U SO S DA L ÍN GU A FO N TE : A da pt ad a de A ze re do (2 00 2) 149 Outros autores, como Travaglia (2014a, 2014b, 2014c), apresentam outros tipos de competências envolvidas no conhecimento e uso de uma língua, tais como as competências comunicativa, discursiva e linguística. Por competência linguística, Travaglia (2014c, s. p.) entende ser “[...] um termo que denomina a capacidade do usuário da língua de produzir e entender um número infinito de sequências linguísticas significativas, que são denominadas sentenças, frases ou enunciados, a partir de um número finito de regras e estruturas”, ou seja, uma competência que envolve o conhecimento das normas da língua, o que muito se aproxima da noção de competência léxico-gramatical descrita anteriormente. Segundo o autor, a competência linguística faz parte de um conjunto ainda maior, denominado competência discursiva e que abarca “[...] a capacidade do usuário da língua, que produz e compreende textos orais ou escritos, de contextualizar sua interação pela linguagem verbal (ou outras linguagens), adequando o seu produto textual ao contexto de enunciação” (TRAVAGLIA, 2014b, s. p.). Esse tipo de competência também se aproxima da noção de competência pragmático-textual já mencionada, com especial atenção aos tipos de texto e à organização do discurso, demonstrando a habilidade do falante em lidar com essas diferenças. Por fim, temos a competência comunicativa, a qual Travaglia (2014a, s. p.) sustenta ser a “[...] capacidade do usuário da língua de produzir e compreender textos adequados à produção de efeitos de sentido desejados em situações específicas e concretas de interação comunicativa”. Segundo o autor, muitos linguistas consideram que as competências discursiva e comunicativa sejam sinônimas, porém, opta por fazer esta separação para mostrar o objetivo do ensino de determinada língua a um aprendiz, por exemplo, que é a efetiva comunicação entre esse e os demais falantes da língua ensinada. Um breve esquema dessa organização está disposto na Figura 7. FONTE: Adaptada de Travaglia (2014a, 2014b, 2014c) FIGURA 7 – RELAÇÃO ENTRE AS COMPETÊNCIAS DE USO DA LÍNGUA 150 Dessa forma, podemos entender que num processo de aquisição de uma língua, e pensando nos conhecimentos que precisamos mobilizar para que utilizemos efetivamente determinada língua, temos uma série de fatores a levar em consideração. Isso se torna especialmente importante ao tratarmos do processo de tradução e interpretação. Ao contrário do que muitas pessoas podem pensar, somente a competência linguística – ou competência léxico-gramatical – não parece ser suficiente para uma transposição efetiva de uma língua para outra. É isso que defende a quase totalidade de pesquisadores dos Estudos da Tradução e dos Estudos da Interpretação, como Metzger (2000), Almeida e Lodi (2014), Lacerda (2015) e Napier (2016). Almeida e Lodi (2014, p. 110) deixam clara a ideia de que “Reduzir a prática de tradução e interpretação ao conhecimento das línguas implica em compreender essa atividade como mecânica, [...] concepção que tem sido criticada por diversos estudos”. Indo ao encontro dessa afirmação, Lacerda (2015) pondera que o domínio das regras da língua, embora seja fundamental, [...] não é suficiente para a atuação profissional [do tradutor e intérprete], e será necessário desenvolver conhecimentos para além do conteúdo mais óbvio da mensagem, compreender as sutilezas dos significados, valores culturais, emocionais e outros envolvidos no texto de origem e os modos mais adequados de fazer esses mesmos sentidos serem passados para a língua alvo. Trata-se de compreender bem asideias, pois são elas o foco do trabalho, para além das palavras que as compõem [...] (LACERDA, 2015, p. 20). Nesse sentido, ambas autoras sustentam que, apesar dos diferentes recursos que as línguas podem oferecer, cada uma a seu modo, o sentido da enunciação deve ser preservado, à despeito de sua forma. Para isso, defende-se uma abordagem que leve em consideração a ideia de que a tradução e a interpretação são eventos interacionais e de ordem discursiva (METZGER, 2000; ALMEIDA; LODI, 2014). Ao mencionar esses modelos, Almeida e Lodi (2014) se embasam nos conceitos de Mikhail Bakhtin, ao considerarem que a tradução e a interpretação não envolvem apenas palavras com significados soltos, mas enunciados que fazem parte de um discurso. Nesse contexto, não seria possível realizar uma transposição literal de sentidos ou palavras termo a termo, pois essa passagem não seria capaz de abarcar toda a complexidade da qual a língua faz parte. Nesse contexto, pensando especificamente no caso dos profissionais tradutores e intérpretes de Libras, algumas particularidades de tornam evidentes, as quais serão abordadas a seguir. 151 4 COMPETÊNCIAS NA TRADUÇÃO E INTERPRETAÇÃO DE LIBRAS Pensando especificamente nos tradutores e intérpretes de Libras, temos um ponto bastante significativo que vai ao encontro do que já discutimos no primeiro tópico desta unidade, que é o envolvimento desse profissional com os aspectos sociais, culturais e contextuais nos quais está inserido. Considerando as diferenças e assimetrias sociais presentes nas relações da sociedade majoritariamente ouvinte com as comunidades surdas, é de se considerar que muitas vezes esse profissional se encontra em uma posição que extrapola a transposição de termos de uma língua para outra, tal como verificamos no texto de Russell e Shaw (2019), mencionado no tópico anterior e sugerido como Leitura Complementar desta unidade. Assumir a posição de porta-voz de uma pessoa em diferentes situações do cotidiano que envolvem o acesso a direitos básicos da sociedade contemporânea – como a saúde, a educação, a liberdade de expressão, a ampla defesa, entre outros –, em especial ao lidar com um público que historicamente não teve (e por vezes continua não tendo) acesso a muitos desses direitos, acaba produzindo uma tensão ainda maior no fazer cotidiano do tradutor e intérprete de Libras. Além de todos esses aspectos que já foram evidenciados no tópico anterior, temos ainda pelo menos duas situações importantes de mencionarmos nesta unidade, que vai ao encontro dos debates realizados até o momento: os gêneros discursivos. Um dos autores que mais explorou esses elementos foi Mikhail Bakhtin, em especial no capítulo de livro intitulado Os gêneros do discurso. Na percepção de Bakhtin (2003), nos comunicamos por meio de enunciados relativamente estáveis, os quais configuram gêneros do discurso. Esse conceito parece se aproximar muito dos contextos discursivos, vistos anteriormente neste tópico. Segundo o autor, escolhemos as palavras que utilizamos levando em consideração os gêneros do discurso, constituindo enunciados (BAKHTIN, 2003). 152 Mikhail Bakhtin nasceu em 1895 na cidade de Oriol, Rússia. Tornou-se conhecido pelos seus estudos sobre a linguagem humana, passando por estudos que envolvem Filosofia, Linguística, Sociologia, Psicologia e Antropologia. Atualmente tem sido muito citado em vários trabalhos acadêmicos, havendo um grupo de pesquisadores que se denominam “bakhtinianos”, os quais utilizam seus conceitos como base teórica na formulação de suas pesquisas. Faleceu em 1975 aos 79 anos, na cidade de Moscou. NOTA FIGURA – MIKHAIL BAKHTIN FONTE: <https://bit.ly/3wwXc28>. Acesso em: 10 nov. 2021. O autor entende que a palavra, assim como a oração, não é endereçada para um destinatário específico, portanto, não requer um ato comunicativo, um diálogo, uma resposta do outro. Ela pode ser retirada do contexto, lida com outro viés, compreendida de múltiplas formas. Mesmo que não tenha um compromisso com o ato comunicativo, Bakhtin (2003) pondera que a escolha das palavras respeita os gêneros do discurso, ainda que sem o endereçamento. Já o enunciado faz parte de um ato comunicativo, portanto, compõe o discurso realmente. Nesses casos, entende-se que o destinatário não é passivo, e pode/deve fazer parte do diálogo por meio de uma atitude responsiva, algo que o autor salienta como de suma importância no discurso. A obra do autor, ainda que mostre algumas diferenças em relação às outras formas de análise do discurso conhecidas, é vasta e tem servido como base para a elaboração de trabalhos incrivelmente relevantes, tanto para a linguística quanto para a educação. Considerando o escopo deste material, entendemos que não é possível adentrarmos por toda a riqueza teórica empreendida pelo autor, mas colocamos como sugestão de leitura um texto da pesquisadora Ana Cláudia Balieiro Lodi que trata da educação de surdos e das teorizações bakhtinianas. https://bit.ly/3wwXc28 153 LODI, A. C. B. Plurilingüismo e surdez: uma leitura bakhtiniana da história da educação dos surdos. Educação e pesquisa, São Paulo, v. 31, n. 3, p. 409-424, set./dez. 2005. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ep/a/ sDspdPVX9s4TSnNhSZRJSzj/?format=pdf&lang=pt. Acesso em: 13 ago. 2021. DICAS Com isso, podemos entender que nosso discurso vai sendo modulado de acordo com os gêneros que estamos lidando, alterando nossa escolha de palavras, nossas atitudes, nossos atos comunicativos. Para tal, torna-se interessante analisarmos cada situação para vermos qual ou quais gêneros estão presentes, a fim de que adequemos nosso discurso de acordo com a situação em que estamos presentes. Na escola, ainda que de uma forma bem simplificada e distinta das teorizações bakhtinianas, costumamos ter contato com diferentes gêneros, a fim de aprendermos a trabalhar com eles. Mesmo que seja impossível mapear todos os gêneros existentes – inclusive porque eles mudam ao longo do tempo –, alguns estão dispostos na Figura 8: FIGURA 8 – ALGUNS GÊNEROS FONTE: Os autores Dessa forma, podemos pensar que, ao atender o telefone, se faz bastante adequado iniciarmos com “Alô”, ao passo em que num ofício essa mesma escolha de palavras se tornaria muito incongruente. Enquanto profissionais tradutores e intérpretes de Libras, esse tema assume uma relevância ainda maior, considerando o status e o corpus dessa língua, bem como o seu léxico. 154 Mandelblatt e Favorito (2018) pontuam que, se comparamos o tempo de existência, circulação, reconhecimento e organização das línguas de sinais, veremos que as línguas orais possuem um repertório muito maior em termos lexicais. Ainda que esse repertório esteja aumentando exponencialmente nos últimos anos, a principal questão encontrada pelos profissionais que atuam com as línguas de sinais é a falta de sinais específicos para alguns termos das áreas especializadas, ou mesmo a adequação dos termos utilizados no português de acordo com o que é sinalizado. Sobre esse ponto, é constante as vezes em que nos encontramos, enquanto tradutores e intérpretes, em situações nas quais precisamos sinalizar ou oralizar sinais que possuem, na comparação com a língua portuguesa, um significado bastante simples. Para exemplificar essas situações, pensemos no sinal de “MULHER”, disposto na Figura 9. Na Libras, é muito comum que façamos referência às pessoas apontando o seu gênero/sexo como um indicativo de que se trata de um ser humano do gênero feminino. Esse recurso é bastante utilizado em muitas situações, inclusive logo antes de se mostrar por meio da datilologia o nome de alguém, a fim de deixar claro que a soletração que está por vir é o nome de uma mulher. Outro caso, é para apontar o gênero de determinada pessoa, como “PRIM@”, “TI@”, “IRMÃ@”, considerando que em geral o gênero não está incorporado aos sinais da Libras. FIGURA 9 – SINAL DE “MULHER” EM LIBRAS FONTE: Faders (2010, p. 65) Tendoem mente essas possibilidades, vamos fazer um rápido exercício pensando em uma situação na qual estejamos atuando como intérpretes. Analisemos a seguinte frase, transcrita da língua de sinais por meio de glosa, seguida das possíveis transposições que podem ser realizadas a partir dela: 155 JÁ CONVERSAR MULHER SECRETARIA. ELA FALAR NÃO-PODER. Já conversei com a mulher da secretaria. Ela falou que não pode. (4.1) Já conversei com a mulher, a secretária. Ela falou que não pode. (4.2) Conversei com a secretária. Ela falou que não é possível. (4.3) Entrei em contato com a secretária. Ela informou que não é possível. (4.4) Entrei em contato com a Senhora Secretária. Ela informou que não é possível. (4.5) Vamos pensar, agora, em cada uma dessas cinco possibilidades. Na Frase (4.1), identificamos uma possibilidade de tradução típica de quando estamos iniciando na interpretação. Costumamos seguir à risca, termo a termo, o significado em português dos sinais isoladamente, muitas vezes como forma de garantir que não estamos suprimindo e nem alterando a mensagem que está sendo emitida pelo enunciador. Por outro lado, ao seguirmos nessa forma literal, corremos o risco de causar estranhamentos por conta da inadequação do gênero discursivo. Como sabemos, muitas vezes o emprego do termo “mulher” na língua portuguesa pode demonstrar desdém, raiva ou um caráter pejorativo, algo que não necessariamente procede na Libras, como já mencionamos. Assim, dependendo da situação em que essa frase foi dita, há o risco de causar constrangimentos para o enunciador e/ou para o próprio profissional produzir representações negativas a respeito da língua de sinais e/ou da pessoa surda e, no limite, causar prejuízos irreparáveis aos envolvidos por falta de decoro ou ruídos na comunicação. Por outro lado, seria possível que o enunciador quisesse, de fato, se referir à secretária com um tom negativo, como seria o caso de o enunciador estar contando para um amigo alguma situação em que se sentiu frustrado no contato com a secretária. Cabe aqui a atenção ao gênero discursivo presente. Seguindo adiante, temos a Frase (4.2), cuja diferença envolve a elucidação, por parte do/a profissional intérprete, de que o termo “mulher” poderia estar se referindo ao gênero da pessoa que estava trabalhando na secretaria. Neste caso, há um ajuste tardio do que poderia ter sido um ruído na comunicação. Essa é uma saída possível ao nos depararmos com um potencial equívoco de nossa parte e tende a atenuar os prováveis constrangimentos que poderiam ser causados decorrente da nossa ação. Por outro lado, mostra a necessidade que temos de desenvolver o que chamamos de memória de curto prazo, a fim de que guardemos as informações que estão sendo proferidas e tenhamos um pequeno delay entre o que foi sinalizado e a interpretação, com o objetivo de realizar previamente as adequações necessárias ao contexto. 156 Existem diferentes tipos de memória. Izquierdo (2018) as classifi ca de acordo com sua função, o seu tempo de duração e o seu conteúdo. No caso da memória de trabalho – que faz parte da memória de curto prazo –, aponta que ela “[...] serve para ‘gerenciar a realidade’ e determinar o contexto em que os diversos fatos, acontecimentos ou outros tipos de informação ocorrem, se vale a pena ou não fazer uma nova memória disso ou se esse tipo de informação já consta dos arquivos” (IZQUIERDO, 2018, p. 13). No caso específi co da interpretação, usamos esse tipo de memória para organizar as informações, transpor adequadamente a mensagem de acordo com o contexto e, em seguida, as esquecemos para dar espaço às novas transposições. IMPORTANTE FIGURA – MEMÓRIA FONTE: <https://shutr.bz/3Hd16lK>. Acesso em: 14 ago. 2021. Uma terceira possibilidade está expressa na Frase (4.3). Aqui identifi camos a supressão do termo “JÁ”. Esse sinal, assim como outros indicadores de tempo (ONTEM, ANTEONTEM, ANTES, PASSADO, QUANDO-PASSADO, entre outros), serve para indicar o passado em uma frase, visto que na Libras o tempo não é fl exionado no verbo. Portanto, houve um entendimento do profi ssional intérprete de que o “JÁ” funcionava não necessariamente como a palavra “JÁ”, mas como uma fl exão do verbo “CONVERSAR”. Além disso, vemos uma outra alteração para o sinal de “NÃO-PODE”, desta vez colocado como “não é possível”. Novamente, relembramos que o repertório da Libras é quantitativamente menor do que o da língua portuguesa (MANDELBLATT; FAVORITO, 2018), consequentemente, a seleção dos termos mais adequados no português faz parte do processo tradutório, de acordo com o gênero discursivo vigente no diálogo. Com o tempo e a experiência, vamos adquirindo um repertório maior de possibilidades tradutórias entre os sinais da Libras e a língua portuguesa. Vejamos alguns exemplos que representam uma pequena fração das possibilidades, apenas para ilustrar o que estamos dizendo aqui: 157 QUADRO 3 – SINAIS EM LIBRAS E POSSÍVEIS TERMOS EM LÍNGUA PORTUGUESA FONTE: Os autores SINAL (Libras) TERMOS (LP) NÃO-PODE Não poder, não ser permitido, não ser possível, ser inviável, ser proibido, ser inexequível, estar indisponível. DIFÍCIL Difícil, complexo, complicado, custoso, dispendioso, elaborado, improvável ERRADO Erro, falha, equívoco, acidente, contratempo, situação, acontecimento, fato, problema inesperado. SABER Saber, compreender, ter ciência, ter conhecimento, estar a par de. AJUDAR Ajudar, auxiliar, prestar auxílio, prestar socorro, acudir, apoiar, solidarizar-se. Na mesma linha, temos a Frase (4.4), que se difere da anterior por ajustar o termo “CONVERSAR” por “entrar em contato”, e “FALAR” por “informar”. Na Libras, ainda que exista os sinais de “CONTATO” e de “INFORMAÇÃO”, cabe mencionar que eles costumam ser utilizados em outros contextos. Assim como na língua portuguesa, quando estamos narrando uma situação temos o hábito de utilizar palavras como “ela me falou que”, ou “ele disse que”, na Libras também há essa preponderância e, mais do que isso, há a aplicação desses termos mesmo em situações mais formais. Portanto, torna-se algo que precisamos estar atentos, para evitar a falta de decoro ou inadequação à situação em que o enunciador se encontra. Neste ponto, é importante mencionarmos a complexidade que envolve a atuação do intérprete, visto a tênue linha que está presente entre a adequação linguística e o respeito ético ao que foi dito. Por meio de nossas escolhas, podemos realizar uma transposição correta quando comparada ao gênero discursivo presente no contexto, ou podemos interferir do que foi dito. Uma situação comum vista na tradução e interpretação é o acréscimo ou a supressão de informações, de forma que as coisas ditas pelo enunciador sejam alteradas da sua mensagem inicial. Assim como outras funções da nossa profissão, este não é um evento para o qual podemos nos preparar por meio de estudos, mas por meio da vivência e da prática. A sugestão é que, no decorrer da nossa carreira, estejamos atentos a essa armadilha e tentemos nos ajustar para que nossas transposições sejam as mais fiéis possíveis à mensagem que foi emitida e ao contexto no qual ela será enunciada. 158 Por fi m, temos a Frase (4.5) que possui uma única alteração: o acréscimo do termo “Senhora Secretária”. Na Libras, é pouquíssimo usual a sinalização manual de pronomes de tratamento – muito embora nos últimos anos, com a chegada de surdos a cargos de proeminência no meio político e corporativo, esse cenário tenha começado a mudar. No caso dessa frase, imagina-se que a Senhora Secretária seja alguém que ocupe um cargo de secretaria em um Ministério ou órgão governamental, portanto, carecendo de um pronome de tratamento. Dessa forma, torna-se especialmente importante verifi car se o gênero discursivo presente no contexto exige um decoro maior, como seria o caso de um Ofício, um Pronunciamento, entre outros. Você sabia que temos documentos orientadores que instituem a forma de tratamento adequadados agentes públicos da administração federal? Um deles é o “Manual de Redação da Presidência da República”, de 2018, que apresenta um quadro com a autoridade, a forma de endereçamento, o vocativo, o tratamento no corpo do texto e a abreviatura. Por outro lado, temos o Decreto nº 9.758, de 11 de abril de 2019. Em suma, a legislação determina que o pronome “senhor”, podendo ser fl exionado para o feminino e para o plural, é o único indicado para se referir aos agentes públicos. Então você já sabe: na dúvida, utilize “senhor”, “senhora”, “senhores” ou “senhoras”. IMPORTANTE FIGURA – BRASÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL FONTE: <https://shutr.bz/3C3kGxg>. Acesso em: 14 ago. 2021. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante desses elementos, pensamos que foi possível refl etirmos um pouco sobre as competências que envolvem o conhecimento e o uso de uma língua, bem com alguns dos efeitos dessas competências na atuação de um profi ssional tradutor e intérprete de Libras. Com isso, concluímos a segunda parte da terceira unidade, e passamos para a última parte, na qual levaremos em consideração diferentes problemáticas que podem surgir durante o processo de tradução e interpretação, em especial aquelas que envolvem determinadas fi guras de linguagem ou recursos linguísticos específi cos da Libras e da língua portuguesa. 159 RESUMO DO TÓPICO 2 Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como: • Existem diferentes formas de se conceber a ideia de gramática e os conceitos que a compõem. • O conhecimento de uma língua não é suficiente para a atuação na tradução e interpretação, havendo diversas habilidades que envolvem saberes da sociolinguística, do contexto, do discurso, da cultura, do léxico, do texto, entre outros. • Existem diferentes gêneros do discurso, os quais devem ser levados em consideração durante o processo de tradução e interpretação, principalmente ao lidarmos com uma língua tão recente como a Libras. • Deve-se ajustar a terminologia utilizada de acordo com cada gênero discursivo e cada situação, sob pena de causar prejuízos irreparáveis aos emissores da mensagem. • Deve-se ter conhecimento de sinônimos e termos específicos de cada área a fim de que haja uma tradução/interpretação adequada. 160 1 No início deste tópico, vimos dois tipos de gramática: a gramática normativa e a gramática descritiva. A respeito desses conceitos que compõem a gramática, assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) A gramática normativa costuma estar vinculada à ideia de norma culta, mostrando as regras padronizadas de uma determinada língua e a forma correta de escrita. b) ( ) A gramática normativa costuma ser ensinada na escola e está compilada em livros chamados “Gramáticas”. c) ( ) A gramática descritiva se ocupa da análise das estruturas básicas da língua, como fonemas, grafemas, morfemas, sílabas, palavras e frases. d) ( ) A gramática descritiva entende que o sistema gramatical compreende unidades portadoras de significado que podem ser combinadas e recombinadas dentro dos limites da língua. 2 Dentre os conhecimentos e usos da língua, temos a competência pragmático- textual e a competência léxico-gramatical. Muitas pessoas acreditam que apenas o conhecimento da língua e sua estrutura (competência léxico- gramatical) é suficiente, porém esquecem de um conhecimento ainda mais complexo e necessário que envolve outros elementos da língua (competência pragmático-textual). Considere as seguintes afirmações acerca da competência pragmático-textual: I- Habilita os usuários da língua a se comunicarem em situações concretas por meio de textos. II- Compreende seis fatores principais: registro, tipos de texto, significados implícitos e valores não literais dos enunciados, modos de organização do discurso, expressividade e articulação coerente e conexão das frases. III- Compreende o conhecimento das unidades dos dois planos da língua – expressão e conteúdo – e respectivas regras combinatórias. IV- Abrange os conhecimentos acerca da sintaxe, do léxico, da fonologia e da morfologia. Assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) Apenas I e II estão corretas. b) ( ) Apenas I e IV estão corretas. c) ( ) Apenas II e III estão corretas.. d) ( ) Apenas III e IV estão corretas.. AUTOATIVIDADE 161 3 Vimos que existem diferentes gêneros do discurso, os quais modulam a forma como o enunciado é produzido e a adequação da terminologia adotada. Na Libras, o conhecimento acerca dos gêneros do discurso se torna ainda mais relevante, considerando o menor repertório lexical que esta língua apresenta em relação à língua portuguesa. A respeito dos gêneros do discurso e a Libras, assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) Um dos principais autores que se dedicou ao estudo dos gêneros do discurso foi o russo Mikhail Bakhtin, o qual elaborou um tipo de análise discursiva muito utilizado em pesquisas contemporâneas que envolvem a Libras. b) ( ) Os diferentes gêneros discursivos são muito importantes para definir qual ou quais termos são utilizados durante uma tradução ou interpretação. c) ( ) Considerando a escassez de sinais na Libras, deve-se atentar ao contexto e ao gênero discursivo para acrescentar as informações necessárias à compreensão do texto. d) ( ) Ainda que o repertório lexical da Libras seja menor, todas as informações podem ser transpostas para a língua portuguesa, porém é necessária maior atenção ao gênero discursivo vigente para uma adequação condizente com a situação presente. 4 Durante as discussões sobre gramática, mencionamos a ideia de que não há uma forma única e correta de se utilizar uma língua, mas que cada pessoa utiliza uma das variações possíveis dessa língua. Essa discussão vai ao encontro dos debates pós-estruturalistas que vimos no primeiro tópico desta unidade, fortalecendo a ideia de que não há uma única maneira de significar uma palavra, e cada palavra não tem um único significado. Nesse sentido, os significados derivam das experiências pessoais de cada um e a forma como as palavras foram apresentadas a cada sujeito. Tendo como base os conhecimentos mobilizados por essa corrente teórica, disserte sobre os efeitos dessa linha de pensamento na concepção de língua e na postura do profissional tradutor e intérprete de Libras. 5 Vimos o exemplo de uma frase em Libras que poderia ser sido traduzida/ interpretada de diferentes formas, e em cada uma delas haveria uma adequação de acordo com o possível contexto. Tendo isso em mente, analise a seguinte frase em glosa e elabore opções de tradução para a língua portuguesa, citando para cada uma o gênero discursivo ou contexto adequado: “HOMEM CHEFE JÁ SABER EU OCUPADO”. 162 163 TÓPICO 3 - ENFRENTAMENTO LINGUÍSTICO: FIGURAS DE LINGUAGEM, EXPRESSÕES IDIOMÁTICAS, GÍRIAS, INUENDOS, CLASSIFICADORES E DATILOLOGIA 1 INTRODUÇÃO Durante o processo de tradução e interpretação, em especial nesse último, por ser mais imediato, é comum nos depararmos com uma série de recursos linguísticos que costumam dificultar a transposição do discurso de uma língua para outra. Esse é o tópico principal da obra de Napier (2016) intitulada Linguistic coping strategies in sign language interpreting, podendo ser traduzida como Estratégias de enfrentamento linguístico na interpretação de língua de sinais. Por enfrentamento linguístico, a autora faz menção à ideia de se lidar com diferentes situações durante a interpretação, como o uso do alfabeto datilológico, transposição literal, metáforas, gírias, entre outros. Neste tópico, iremos conhecer alguns desses pontos críticos, seus significados, juntamente com algumas sugestões de como lidar com tais termos. 2 ALGUMAS FIGURAS DE LINGUAGEM Antes de analisarmos alguns elementos mais complexos que envolvem o enfrentamento linguístico na Libras, vamos observar três figuras de linguagem importantes que são bastante comuns: a comparação, a metáfora e a metonímia. Certamente, muitos de nós já as estudamos na escola, visto que elasestão presentes na língua portuguesa. Uma das mais utilizadas é a comparação, a qual consiste em aproximar dois seres, objetos ou ideias por haver uma característica em comum (ALBRES, 2006). Em geral, a comparação carece de um complemento – normalmente conectivos ou advérbios de intensidade – para que se estabeleça a relação de proximidade. Vejamos alguns exemplos de comparações da língua portuguesa: UNIDADE 3 164 Frase Bonito como uma flor. Burro que nem uma porta. Lento igual uma tartaruga. Parece um touro de tão forte. Rápido como um trovão. Tremendo que nem vara verde. QUADRO 4 – COMPARAÇÃO NA LÍNGUA PORTUGUESA FONTE: Os autores Na Libras, utilizamos a comparação muitas vezes; não só como um recurso linguístico complexo e estético, mas como uma forma de se expressar. Analisemos a seguinte frase em português e as propostas de sinalização: Marcos não está indo bem na escola, pois não se esforça. M-A-R-C-O-S BEM-NÃO ESCOLA, MOTIVO ESFORÇAR-NÃO. (2.1) M-A-R-C-O-S REPROVAR ESCOLA. ELE IGUAL ESFORÇAR-NÃO. (2.2) Na Frase (2.1), notamos o uso de “BEM-NÃO”, provavelmente por conta de uma tentativa de aproximação com a frase original em língua portuguesa. Nessa mesma linha de pensamento, temos a utilização do sinal “MOTIVO” para expressar a causa de Marcos não estar indo bem na escola. Essa frase, mesmo que esteja muito fiel à estrutura que serviu de input para a transposição, parece estar aberta a ambiguidades. Se pensarmos na estrutura da Libras, o que poderia significar “M-A-R-C-O-S BEM-NÃO ESCOLA”? Quer dizer que ele não está indo bem nas avaliações? Ou que ele não se sente bem estando na escola? Ou então que ele não é comportado na escola? A expressão em português “não está indo bem na escola”, ainda que não seja explícita, carrega consigo o significado de “estar indo mal nas avaliações da escola”. Se deixarmos de lado esse significado comum e implícito, corremos o risco de passar informações equivocadas ou ambíguas durante a interpretação. Por outro lado, a Frase (2.2) utiliza o sinal de “REPROVAR”. Embora no português o termo “reprovar” – que inclusive tem caído em desuso com o passar dos anos e as tendências mais atuais da educação – seja muito forte e pejorativo, na Libras ele costuma ser utilizado para demonstrar qualquer situação em que não foi possível ter o desempenho esperado. 165 Se eu aprovar Marcos, estarei sendo irresponsável S-I EU APROVAR M-A-R-C-O-S, EU NADA RESPONSABILIDADE (2.3) S-I EU APROVAR M-A-R-C-O-S, SIGNIFICA EU NÃO-TEM RESPONSABILIDADE (2.4) S-I EU APROVAR M-A-R-C-O-S, EU IGUAL NÃO-TEM RESPONSABILIDADE (2.5) Em seguida, ao invés de se utilizar o sinal de “MOTIVO” – normalmente pouco utilizado nesse contexto –, aplicou-se a comparação como forma de mostrar que Marcos não se esforça. Ainda que não esteja exatamente igual à estrutura do input, essa forma de apresentação mostra corretamente a ideia central da frase, enquanto utiliza estratégias da Libras mais usuais e claras. Vejamos outra situação semelhante. Observando a Frase (2.3), identificamos que ela busca uma aproximação com o input na língua portuguesa. Mesmo que as expressões não manuais possam retirar a ambiguidade da sinalização, a utilização de “EU NADA RESPONSABILIDADE” como consequência da aprovação de Marcos poderia ser compreendida como uma isenção do locutor a respeito do que vai acontecer. Seria algo do tipo “Se Marcos for aprovado, eu não me responsabilizo”. Além disso, a ideia de futuro do pretérito – flexionado no verbo “seria” – correria o risco de não estar presente no discurso em Libras. Já nas Frases (2.4) e (2.5), vemos três situações. A primeira é a utilização do termo “NÃO-TER”, o que expressa a ideia de estar ou não sendo responsável, um adjetivo do locutor. A segunda é a aplicação do termo “SIGNIFICA” para mostrar o que representa tal atitude na vida do locutor. Por fim, a outra opção é a utilização da comparação, como forma de o locutor se comparar a uma pessoa irresponsável. A comparação na Libras é bastante usual nos casos de futuro do pretérito, pois consegue mostrar como algo seria em determinada situação, sem a preocupação explícita em mostrar qual a flexão verbal. Reforçamos que isso é algo que costuma ser adquirido com a experiência e a prática, mas que vale a pena de se atentar durante a utilização da língua. Um outro recurso bastante interessante e que também existe na língua portuguesa é a metonímia. Albres (2006, p. 2) aponta que as metonímias “[...] substituem um elemento pela citação de outro que lhe está relacionado, que lhe é próximo”. Existem diferentes tipos de metonímia, porém, a característica principal é a possibilidade de substituição do termo figurado pelo seu significado real. Vejamos alguns exemplos da língua portuguesa: 166 Frases É preciso muita bagagem para falar sobre isso (experiência). O homem não respeita a natureza (a humanidade). O valor da entrada é R$ 20,00 por cabeça (pessoa). Tive que suar muito para comprar essa televisão (trabalhar). Todos os dias, bebo Nescau com leite gelado (achocolatado em pó). Você pode me alcançar um copo d’água? (copo com água). QUADRO 5 – METONÍMIAS NA LÍNGUA PORTUGUESA FONTE: Os autores Na Libras, também encontramos exemplos de metonímias, as quais ocorrem de forma muito semelhante, por meio da substituição de um significado literal por um figurado. Em geral, quando lidamos com casos de metonímia durante os processos de interpretação a opção é a substituição pelo termo literal. Quando não há essa substituição, deve-se ter certeza de que a compreensão da mensagem não terá prejuízos. Além disso, também é importante verificar se não é possível substituir os termos figurados em uma língua por um termo figurado da outra língua. Como exemplo, podemos citar o “copo d’água” do português; na Libras, o recipiente costuma ser suprimido, sendo solicitado somente “ÁGUA”. Por fim, temos o recurso da metáfora, tão comum em nosso cotidiano. Também se trata de um tipo de comparação, com a diferença de não utilizar conectivos ou advérbios de intensidade (ALBRES, 2006). As metáforas apresentam como fato algo que claramente não faz sentido em sua forma literal, estabelecendo assim uma relação entre termos com significados muito distintos. Vejamos alguns exemplos na língua portuguesa: Frases Ele tem um coração de pedra. Estou morto de cansado. O amor é uma dor. Por que você é tão frio? Seus olhos são espelhos d’água. Você é a luz da minha vida. QUADRO 6 – METÁFORAS NA LÍNGUA PORTUGUESA FONTE: Os autores 167 Na Libras as metáforas são muito comuns, principalmente na Literatura Surda. Assim como na língua portuguesa, estabelecem relações entre significados muito diferentes e as apresentam dentro de uma lógica espacial-visual – muitas vezes por meio de sinais polimorfêmicos, como os classificadores. Considerando a dificuldade de se grafar e transcrever esses tipos de sinais, veremos um exemplo bastante comum na língua portuguesa e uma possível transposição para a Libras. Ana é o Sol que ilumina e aquece os meus dias. A-N-A É IGUAL SOL, DAR-ME LUZ QUENTE TODO-DIA (2.6) Vemos a aplicação do sinal de “IGUAL”, mostrando a presença de uma comparação. Como a metáfora também é um tipo de comparação, em geral a utilização de sinais que mostram a comparação também se aplica à interpretação de metáforas. Uma outra forma de realizar essa transposição seria a incorporação das letras do nome “A-N-A” ao sinal de “SOL”, formando um classificador e assumindo, de fato, a característica da metáfora na Libras. Contudo, tais processos costumam ser bastante complexos e carecem de um profundo conhecimento das línguas em questão. Ainda assim, mesmo com grande experiência e considerando o caráter instantâneo da interpretação, as metáforas costumam ser substituídas por comparações nesses casos. 3 GÍRIAS, EXPRESSÕES IDIOMÁTICAS E INUENDOS Agora que já vimos algumas figuras de linguagem, passamos a analisar com um pouco mais de detalhamentodiferentes formas de utilização desses recursos. Porém, antes disso, veremos um conjunto particular de expressões, extremamente variáveis e presentes em determinadas épocas, para determinados grupos sociais e em determinados espaços: as gírias. Vejamos algumas das existentes na língua portuguesa: 168 Termo Significado Abalar Ter sucesso Bolado Surpreso Bonde Turma de amigos Bucha Pessoa inconveniente Caô Mentira, boato Chapa quente Lugar que o ambiente é animado ou agitado Colar com Andar junto com, aproximar-se Mercenário Interesseiro Tá osso Difícil, desfavorável Presepeiro Pessoa que não cumpre o que promete X9 Dedo duro, informante Zoar Agitar, se divertir QUADRO 7 – ALGUMAS GÍRIAS NA LÍNGUA PORTUGUESA FONTE: Vitral (2017, p. 48) QUADRO 8 – ALGUMAS GÍRIAS NA LIBRAS Da mesma forma que na língua portuguesa, as gírias estão presentes na Libras, de maneira especial nos espaços de convivência informal entre surdos, como as escolas, os eventos e as associações. Muitos estudos têm sido realizados para que sejam mapeadas as gírias utilizadas na Libras em cada região, porém, se trata de um trabalho em constante mudança, visto que a cada momento novas gírias surgem e entram em circulação. Vejamos alguns exemplos: 169 FONTE: Adaptada de <https://mundoestranho.abril.com.br/cotidiano/existem-girias-na-lingua-de-sinais- -dos-surdos/>. Acesso em: 16 ago. 2021. Nesse aspecto, ressalta-se a importância de se ter conhecimento das gírias de ambas as línguas, para que o significado possa ser transposto adequadamente. Ademais, deve-se ter em mente que as gírias surgem e desaparecem com frequência, sendo seu aprendizado um exercício constante de comunicação, ainda que aconteça naturalmente durante a utilização da língua. Além das gírias, temos as expressões idiomáticas, entendidas como expressões cujo significado do todo não corresponde ao significado de suas partes. Fazem parte dessas expressões alguns ditos populares, frases que derivam de acontecimentos, expressões que vieram de outras línguas e outras culturas, entre outros. Vejamos alguns exemplos: 170 Expressão Significado Bater perna. Caminhar. Estar mais pra lá do que pra cá. Estar fora de si. Fazer das tripas coração. Fazer um grande esforço. Gostar de viver perigosamente. Ser ousado. Pisar no matinho. Humilhar alguém que já está fragilizado. Roer a corda. Desistir. Se virar nos trinta. Improvisar. Ter o olho vivo. Estar atento. Tomar um chá de cadeira. Ficar aguardando por muito tempo. Vestir o paletó de madeira. Morrer. Vir com as mãos abanando. Ir a um evento sem um presente ao anfitrião. Virar a casaca. Trair um grupo. FONTE: Os autores QUADRO 9 – EXPRESSÕES IDIOMÁTICAS DA LÍNGUA PORTUGUESA Da mesma forma que as gírias, as expressões idiomáticas também são bastante variáveis ao longo do tempo. Costumam ser próprias de cada língua, embora muitas possuam uma origem comum. É usual que algumas expressões idiomáticas sejam traduzidas de uma língua para outra, algo que acontece bastante entre a língua portuguesa e a Libras. Na língua portuguesa, a expressão idiomática “Sentir muito” significa “Lamentar”. No dicionário da Faders (2010), temos registrado o sinal de “LAMENTAR”, expresso pela junção dos sinais de “SENTIR” e de “MUITO”, ilustrado na Figura 10. Vemos, então, que essa mesma expressão possui significados iguais em ambas as línguas, além de demonstrar um fenômeno curioso: a utilização literal de termos diretamente ligados à língua portuguesa. Dito isso, é importante ressaltar que esse tipo de construção literal não tem sido utilizado e para muitos é considerado equivocado, por não respeitar a estrutura nativa da língua de sinais. 171 FONTE: Faders (2010, p. 56) FIGURA 10 – SINAL DE “LAMENTAR” Além das gírias e das expressões idiomáticas, temos ainda um outro recurso que é bastante utilizado e pouco pesquisado na área da língua de sinais: o inuendo. Alguns linguistas traduzem esse termo como “sugestão” ou “insinuação”. Esse processo foi estudado de forma aprofundada pelo pesquisador estadunidense Shaun Tray (2005), o qual menciona que “Conversacionalmente, [o inuendo] pode ser representado por um comentário ácido, sarcasmo, espirituosidade, duplo sentido, ou jogos de palavra similares, como paródia, ironia e subentendimento” (TRAY, 2005, p. 96, tradução nossa). Dito de outra forma, podemos entender o inuendo como sendo um conjunto de “[...] enunciados que carregam um significado depreciativo implícito voltado para um alvo específico, muitas vezes disfarçado com intenção humorística ou falsa ingenuidade” (TRAY, 2005, p. 96, tradução nossa). Vejamos alguns exemplos clássicos de inuendo na língua portuguesa: Frases Insinuação Ariel e Beatriz estão saindo muito ultimamente... Ariel e Beatriz estão namorando. Dei um jeito de conseguir uma “ajuda extra” na prova. O emissor realizou algum ato escuso para alterar o resultado da prova. É claro que pode ser feito; afinal, tudo é justo no amor e na guerra. Justificativa para que uma atitude questionável possa ser tomada diante de uma situação extrema. Eu gosto muito de dormir fora de casa, se é que você me entende. O emissor está com desejo de dormir com o destinatário. Oficialmente eu não posso pedir que você faça isso. Solicitação extraoficial que não pode cair no conhecimento público. QUADRO 10 – INUENDOS NA LÍNGUA PORTUGUESA 172 Se você quiser, e só se quiser, você pode fazer isso. Maneira sutil de insistir para que uma pessoa faça algo. Seria uma pena se a sua mãe soubesse o que você anda fazendo... O emissor está ameaçando contar um segredo para a mãe do destinatário. Isso já era esperado. Sabemos que Bruno não é especialmente brilhante. Forma sutil de insultar Bruno, chamando-o de burro. FONTE: Os autores No Quadro 10, foram colocadas as frases juntamente com alguns termos- chave em negrito. Esses termos, aliados ao contexto, à expressão facial e à entonação do emissor, podem expressar os diferentes signifi cados apresentados na coluna da direita, bem como vários outros. Note que a imensa maioria dos inuendos possui alguma expressão que os identifi ca claramente como tais, ao exemplo de “se é que você me entende”. Por outro lado, quando o objetivo é ocultar informações ou realizar atos escusos, costumam ser utilizados termos mais discretos, os quais possibilitem ao emissor se isentar de qualquer responsabilidade, colocando a culpa sobre a língua por meio de uma suposta falha na comunicação com o destinatário. Nas línguas de sinais, os inuendos costumam ser acompanhados de expressões não manuais menos convencionais que indicam insinuações. Além disso, de maneira especial, vemos muitos inuendos nas piadas e no humor, os quais estão muito presentes na Literatura Surda. Tray (2005) investiga esses processos na língua de sinais americana (ASL) e mostra um esquema detalhado de como ocorre uma narrativa e quais os papéis do inuendo para produzir a “graça” de uma piada. FONTE: Traduzida e adaptada de Tray (2005, p. 104) FIGURA 11 – MODELO DE RESOLUÇÃO DA INCONGRUÊNCIA DE SULS Vemos então que o inuendo pode estar a serviço de diferentes funções, como o humor. É por isso que se torna um desafi o tão grande realizar a interpretação (e até mesmo a tradução) de uma piada em língua de sinais. É necessário um conhecimento muito profundo do tipo de humor do emissor para que haja uma identifi cação rápida do sentido que está querendo ser produzido por meio das insinuações. 173 FONTE: Traduzido e adaptado de Tray (2005, p. 108) QUADRO 11 – POSSÍVEIS RESULTADOS DE AÇÕES COM INUENDOS Enquanto estamos no terreno do humor, os riscos podem ser um pouco mais atenuados; por outro lado, quando estamos em discussões acaloradas ou em diálogos oficiais, a presença de inuendos pode ser um problema, pois a existência de significados em aberto deixam margem para quaisquer interpretações. Intenção do emissor Interpretação do destinatário Expectativa do emissor Expectativado destinatário Quer ofender Se sente ofendido Insulto Insulto Quer ofender Não se sente ofendido Insulto Entretenimento Não quer ofender Se sente ofendido Entretenimento Insulto Não quer ofender Não se sente ofendido Entretenimento Entretenimento Assim, podemos entender que existe uma série de riscos envolvidos entre o que o emissor pretende e o que o destinatário entende. Enquanto profissionais que atuam na mediação da comunicação entre esses dois papéis, estamos em uma posição bastante delicada ao lidarmos com significados e compreensões dúbias. Dessa forma, os inuendos se tornam pontos críticos que devem ser levados em consideração durante o processo de tradução e interpretação, enfrentados por meio da nossa consciência diante das informações sendo produzidas e trocadas. Isso é algo que não necessariamente pode ser ensinado – o que seria bastante improvável em um curto período de tempo –, mas adquirido aos poucos durante o uso da língua e a prática da interpretação. 4 CLASSIFICADORES E DATILOLOGIA Os últimos pontos deste tópico envolvem os classificadores e a datilologia. Não veremos especificamente as características de cada um desses conceitos, visto que vocês ou já tiveram ou ainda terão contato com eles nas disciplinas que envolvem a Linguística das Línguas de Sinais. Neste subtópico, veremos como esses recursos podem se fazer presentes nas práticas de tradução e interpretação, em quais momentos eles podem ser utilizados e quais as possíveis estratégias utilizadas para sua transposição. 174 “Classificadores são sinais considerados altamente complexos produzidos nas diferentes línguas de sinais, pois são polimorfêmicos, ou seja, envolvem diferentes informações produzidas em um único sinal sem uma forma lexical estável. Os classificadores são também chamados de descrições imagéticas ou descrições visuais, pois apresentam em sua forma uma representação do mundo real, logo, icônica. Integram um componente instável do léxico porque são combinados a cada vez, de acordo com a referência ao mundo real, que pode incluir o evento, a forma do referente, a forma do evento em si, o modo e o tempo, produzidos simultaneamente em um único sinal” (QUADROS, 2019, p. 30). IMPORTANTE FIGURA – CLASSIFICADORES FONTE: <https://shutr.bz/3HdCmK7>. Acesso em: 11 nov. 2021. Classificadores costumam ser tidos como grandes desafios para muitas pessoas que utilizam a língua de sinais. Em geral, assustam por não possuírem uma forma estável e poderem assumir diferentes significados que inicialmente não fazem parte do léxico já conhecido. Por outro lado, é um recurso que, na maior parte das vezes, proporciona uma maior liberdade aos interlocutores, seja pela economia de tempo, seja pelo respeito à lógica espacial-visual na qual a língua de sinais opera. Para muitos linguistas, os classificadores são considerados elementos nativos das línguas de sinais, e justamente por isso se configuram como desafios para as pessoas que adquirem essas línguas posteriormente na vida. Uma coisa importante que sempre faz parte de um classificador é a existência de diferentes morfemas, cada um tendo um significado por si só. Em geral, existem certos tipos de configurações de mão que representam algumas situações, como é o caso da configuração de mão em “V” com os dedos para baixo, que representa uma pessoa em pé. Da mesma forma, a configuração de mão em “1” com o dedo para cima também pode representar uma pessoa. https://shutr.bz/3HdCmK7 175 FIGURA 12 – CONFIGURAÇÕES DE MÃO (CM) EM LIBRAS FONTE: Pizzio et al. (2009, p. 15) A confi guração de mão em “5” com as pontas dos dedos para baixo costuma representar animais quadrúpedes ou veículos de quatro rodas. Dessa forma, entender os signifi cados dos morfemas mais usuais dos classifi cadores costuma ser sufi ciente para que se compreender o signifi cado do todo. Vejamos os exemplos mais comuns: 176 Categoria CM Exemplos de CL Fino 5 45 BARRA-FERRO-CONSTRUÇÃO FIO-DENTAL-FINO Plano 56 ou 53 MESA-PLANA TELHADO-RETO PORTA-ARMÁRIO-RETA Plano com ângulo 30 PRATELEIRA ESTANTE Espessura fina 17 45 LÂMINA-FERRO LIVRO-FINO ALIANÇA-FINA Espessura média 18 LIVRO-MÉDIO ALIANÇA-MÉDIA Espessura grossa 19 LIVRO-GROSSO ALIANÇA-GROSSA Espessura grossa e densa 28 ESPESSURA-MESA ESPESSURA-SAPATO Arredondado 22 CABO-VASSOURA CANO Arredondado médio e grosso 29 LUMINÁRIA-ARREDONDADA CANECA-COPO Retângulo 18 RÉGUA FAIXA-TESTA FAIXA-CABELO Quadrado 38 PORTA-RETRATO CAIXA-CD QUADRO Largura 14 53 MEDIDA DE ALGO PEQUENO MEDIDA DE ALGO GRANDE Altura 56 HOMEM-ALTO HOMEM-BAIXINHO OBJETO-NO-ALTO OBJETO-EM-BAIXO FONTE: Pizzio et al. (2009, p. 16) QUADRO 12 – CLASSIFICADORES (CL) DE TAMANHO E FORMA 177 QUADRO 13 – CLASSIFICADORES (CL) DE ENTIDADES Categoria CM Exemplos de CL Humano – 1 pessoa 14 49 48 HUMANOIDE-PASSANDO-UM-PELO-OUTRO HUMANOIDE-PASSANDO HUMANOIDE-ANDANDO HUMANOIDE-CAINDO HUMANOIDE-DEITADO HUMANOIDE-PARADO Humano – 2 pessoas 49 2-HUMANOIDES-PASSANDO Humano – 3 pessoas 51 3-HUMANOIDES-PASSANDO Humano – 4 pessoas 54 4-HUMANOIDES-PASSANDO Humano – 5+ pessoas 61 PLATEIA-EM-AUDITÓRIO MUTAS-PESSOAS-CAMINHANDO MUITAS-PESSOAS-VINDO Animal andando 7 48 ou 56 36 ELEFANTE-ANDANDO CACHORRO-ANDANDO GATO-ANDANDO AVES-ANDANDO Animal nadando 57 PEIXE-NADANDO GOLFINHO-NADANDO Animal rastejando 57 14 JACARÉ-RASTEJANDO COBRA-RASTEJANDO LESMA-RASTEJANDO Animal voando 61 BORBOLETA-VOANDO PÁSSARO-VOANDO Animal pulando 58 COELHO-PULANDO SAPO-PULANDO Veículos em geral em locomoção 57 AVIÃO-LOCOMOVENDO-SE ÔNIBUS-LOCOMOVENDO-SE TREM-LOCOMOVENDO-SE METRÔ-LOCOMOVENDO-SE CAMINHÃO-LOCOMOVENDO-SE Veículos de duas rodas em locomoção 57 MOTO-LOCOMOVENDO-SE BICICLETA-LOCOMOVENDO-SE FONTE: Pizzio et al. (2009, p. 17-18) 178 CM Exemplos de CL 17 e 44 PINCELAR PEGAR-LÁPIS PEGAR-FOLHA 28 PEGAR-LIVRO PUXAR-PRATELEIRA 1 e 7 PASSAR-ROUPA PINTAR-COM-PINCEL-GROSSO PINTAR-COM-ROLO COZINHAR VARRER 29 PEGAR-CELULAR PASSAR-ESCOVA-SAPATO FONTE: Pizzio et al. (2009, p. 19) QUADRO 14 – CLASSIFICADORES (CL) DE VERBOS MANUAIS Ainda que tenhamos algumas dúvidas a respeito dos classificadores durante o processo de tradução ou interpretação, dispomos agora de alguns elementos básicos para orientar a nossa compreensão, além de algumas sugestões para lidar com classificadores na transposição Libras-Português: • A primeira é estar atento ao contexto e aos sinais que são apresentados antes e depois do classificador. Em geral, os classificadores vêm acompanhados de outros sinais do léxico estável que os identificam, ou pelo menos dão algumas pistas sobre a intenção do emissor. • A segunda é observar com atenção os morfemas que constituem o sinal, visto que cada uma trará um significado adicional à composição. • A terceira é levar em consideração as categorias de cada sinal. • A quarta é tomarmos um tempo a mais para entender o significado do todo. • A quinta é não ter medo de utilizar muitas palavras em português para descrever um classificador, pois é extremamente comum que um mesmo sinal classificador englobe vários significados que precisam ser expressos linearmente no português. • Por fim, lembremos sempre que o classificador não é um enigma ou um desafio a ser vencido, mas um recurso de língua que tem um significado instável, porém coerente. De nada adianta utilizar um classificador se o resultado da mensagem produzir dúvidas nos destinatários. 179 Ao mencionarmos “categorias de cada sinal”, nos referimos aos agrupamentos de sinais com signifi cados semelhantes e que possuem aproximações quanto aos seus parâmetros. Por exemplo, sinais que expressam sentimentos costumam ser articulados no peito; sinais relacionados às faculdades mentais ou intelectuais costumam ser articulados na cabeça; sinais relacionados à educação costumam ser articulados no braço. Essas categorias fornecem ainda mais signifi cados na composição do classifi cador. ATENÇÃO FIGURA – CATEGORIA DE CADA SINAL FONTE: <https://shutr.bz/3D5VnMi>.Acesso em: 10 nov. 2021. As mesmas sugestões se aplicam quando decidirmos utilizar classifi cadores durante as transposições Português-Libras. Para muitas pessoas isso se torna um desafi o, por ser um tipo de construção nativa de uma segunda língua. Contudo, conforme a prática e a experiência vão sendo desenvolvidas, criam- se estratégias que possibilitam a utilização de classifi cadores, mesmo num contexto de interpretação. Em geral, quando um profi ssional tradutor e intérprete consegue se servir de todos os recursos que a língua oferece, a impressão que se passa para os usuários do serviço é de fl uidez e segurança, pontos importantes na constituição de uma carreira na área. 180 Muitas pessoas costumam forçar a inserção de um classificador para mostrar sua competência linguística e fluência em determinada língua. Sugerimos que deixem esse preciosismo de lado e considerem que o classificador não é um objeto de desejo dos usuários das línguas de sinais ou uma meta a ser alcança para a obtenção de um atestado de fluência. Ademais, reforçamos que não deve se tratar de um enigma ou desafio – e isso serve não só para os classificadores, mas também para sinais pouco usuais da língua. Regra de ouro: de nada adianta haver uma erudição linguística se a mensagem não for compreendida claramente pelo destinatário. IMPORTANTE Para terminarmos este subtópico, falaremos da datilologia e seu papel nos processos de tradução e interpretação. Sabemos que o alfabeto manual e o uso da datilologia não são recursos nativos das línguas de sinais. Sua função principal é a aproximação com as línguas orais, em especial a língua oficial do país em que determinada língua de sinais é utilizada. Esse recurso se torna útil, principalmente, em três situações: (a) para expressar conceitos que não possuem um sinal já definido; (b) para expressar substantivos/nomes próprios na língua oral que não possuem um sinal já definido; e (c) para produzir sinais provisórios em caráter emergencial para qualquer termo que não possua um sinal definido. Um dos significados do termo datilologia, dactilologia ou quirologia é a comunicação por meio de sinais feitos com os dedos. Na língua de sinais, falamos de datilologia quando nos referimos à escrita, letra por letra, de uma palavra advinda da escrita de uma língua oral. Para isso, utilizamos o alfabeto manual da língua de sinais, o qual contém os símbolos que representam os caracteres presentes na escrita da língua oral do seu país. NOTA FIGURA – DATILOLOGIA/DACTOLOGIA/QUIROLOGIA FONTE: <https://shutr.bz/3n5yxPn>. Acesso em: 10 nov. 2021. https://shutr.bz/3n5yxPn 181 As duas primeiras situações já são bastante conhecidas por todas as pessoas que estudam a língua de sinais, por isso não iremos nos aprofundar nesse ponto. Neste momento, importa-nos mencionar a terceira situação, muito comum durante os processos de interpretação. Muitas vezes surgem palavras ou nomes próprios que não possuem sinais, e algumas vezes esses termos são repetidos com frequência em uma mesma narrativa/ evento. Para os usuários do serviço de tradução de interpretação, a datilologia funciona como uma forma de se expressar um conceito que não possui sinal, evitando um desconforto causado por essa ausência; para o profissional que atua na tradução e interpretação de língua de sinais, a datilologia costuma ser uma grande rede de proteção, pois fornece uma aproximação clara da língua de sinais (em geral uma língua adicional desses profissionais) e da sua própria língua materna. Ainda que a datilologia seja um recurso útil e muitas vezes necessário, há de se considerar que a sua utilização, por não ser nativa da língua de sinais, causa alguns truncamentos na fluidez da sinalização, principalmente se houverem muitos termos desconhecidos. O excesso de datilologia provoca um cansaço visual e mental, além de uma dificuldade na compreensão e na construção de significado. Para que isso seja evitado, disponibilizamos a seguir algumas orientações: • O estudo prévio dos materiais a serem utilizados no evento costuma ser de muita valia para evitar o uso da datilologia. Essa atitude permite a identificação de sinais desconhecidos e a criação de um sinal provisório anterior à atuação, o qual pode ser pensado em conjunto com os usuários do serviço de tradução e interpretação. • Mantenha sempre contato visual com o usuário do serviço de tradução e interpretação, a fim de ter certeza de que a palavra soletrada foi compreendida com clareza. • É possível realizar combinações durante o ato da interpretação, criando sinais provisórios para termos que se repetem muitas vezes no discurso. Em geral, utiliza- se a primeira letra da palavra como configuração de mão, junto a outro sinal que mostre uma ideia semelhante. • Muitas vezes o datilológico pode ser evitado por meio da composição de dois ou mais sinais já conhecidos. Por exemplo, o termo “anticoncepcional” poderia ser soletrado – o que levaria muito tempo e poderia gerar confusões com termos semelhantes, como “antiespasmódico” ou “antirretroviral” –, mas também poderia ser substituído por “REMÉDIO EVITAR GRAVIDEZ”. Embora o ideal seja a existência de um sinal específico para esse substantivo, durante a interpretação temos que nos munir de todas as ferramentas possíveis para lidar com qualquer situação. • Priorize sempre a compreensão do conceito. Às vezes é necessário acrescentar algumas informações a mais para mostrar o significado da palavra. Retomando “anticoncepcional”, temos várias informações na mesma palavra, como “anti-” (prefixo que significa “evitar”), “-concepcion-” (radical que deriva de conceber ou engravidar) 182 e “-al” (sufi xo que signifi ca “relacionado a”). Da mesma forma que os classifi cadores possuem vários morfemas em um mesmo sinal e carecem de uma explicação maior no português, o contrário também se aplica aos termos polimorfêmicos como “anticoncepcional”. • Muitas vezes é preciso soletrar rapidamente uma palavra para não perder o ritmo da fala do emissor. Em geral, por conta da capacidade que nosso cérebro tem de completar lacunas, muitos profi ssionais dão ênfase à primeira e à última letra da palavra. Com isso, o cérebro consegue, ainda que de maneira imprecisa, inferir a que termo estamos nos referindo. Por mais que a datilologia seja confortável para muitos de nós, lembremos sempre que ela é apenas um dos recursos que a língua oferece. Sempre que possível, ao nos depararmos com termos pouco comuns, devemos pesquisar a existência de um sinal específi co e informá-los aos usuários do serviço de tradução e interpretação previamente. Lembre-se: a datilologia é o último caso. SANTOS, S. A. Estudos da tradução e interpretação de línguas de sinais nos programas de pós-graduação em Estudos da Tradução. Revista da Anpoll, Florianópolis, v. 1, p. 375-394, jan./abr. 2018. Disponível em: https://doi.org/10.18309/anp.v1i44.1148. Acesso em: 27 jun. 2021. ATENÇÃO DICAS 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Com isso, concluímos o último tópico da Unidade 3. Seria impossível citar todos os aspectos do enfrentamento linguístico que envolvem a Libras, porém, muitas pesquisas têm sido realizadas sobre esses assuntos, conforme já havíamos citado anteriormente. O artigo de Santos (2018) analisa de forma qualitativa e quantitativa os trabalhos publicados na área dos Estudos da Tradução, abarcando uma série de produções da pós-graduação que envolveram a Libras. Essa revisão de literatura mostra dissertações e teses com assuntos bastante pertinentes ao que temos debatido neste tópico e nesta unidade e pode oferecer mais materiais para estudo aos interessados. Finalizamos esta unidade com a Leitura Complementar que já havia sido anunciada anteriormente. Trata-se de um texto que engloba um pouco de cada coisa que vimos nesta unidade, em especial, a postura do tradutor e intérprete e seu papel social, cultural e linguístico, juntamente com as armadilhas que existem nos processos emque se envolve. 183 PODER E PRIVILÉGIO: UMA EXPLORAÇÃO DA TOMADA DE DECISÕES DE INTÉRPRETES Debra Russel Risa Shaw Introdução Pessoas Surdas e ouvintes que não compartilham um mesmo idioma dependem diariamente do trabalho de intérpretes de línguas de sinais em todos os tipos de ambientes e situações, da mesma maneira que indivíduos que não compartilham uma mesma língua oral trabalham com intérpretes de línguas orais. Como a interpretação é um processo cognitivo majoritariamente invisível para o próprio intérprete, discussões e reflexões sobre as decisões de interpretação e a tarefa são uma maneira de examinar como um intérprete conduz seu trabalho. Se, por um lado, todas as interações interpretadas têm consequências associadas com as decisões linguísticas, interacionais e éticas do intérprete, eventos que envolvem discursos jurídicos podem ter consequências particularmente sérias se intérpretes tomarem decisões que não resultam em uma interpretação eficaz e ética. A interpretação de discursos jurídicos e o trabalho em interações jurídicas é uma área repleta de desequilíbrios de poder, por exemplo: entre os diferentes atores do sistema jurídico, que podem possuir ou não um poder institucional de acordo com seus papéis no processo; entre participantes Surdos e ouvintes; entre intérpretes que buscam informações prévias para se prepararem e advogados que retêm essa informação etc. O construto de poder relacionado à interpretação, especialmente no que diz respeito à tomada de decisões, encontra-se, apesar de todos esses fatores, relativamente sem relatos na literatura sobre intérpretes de línguas de sinais e faladas. Este estudo se concentrou no discurso jurídico e em ambientes jurídicos em sentido amplo, incluindo contextos que vão além de interações com a polícia e em tribunais. Enquanto a ênfase é relativa a interações jurídicas e aos problemas que surgem nesses ambientes, os cenários e as descobertas se relacionam a intérpretes trabalhando em qualquer ambiente, independentemente dos pares linguísticos. Adicionalmente, as perspectivas dos intérpretes Surdos neste estudo necessitam ser consideradas seriamente por parte de todos os intérpretes, iniciantes ou experientes, Surdos ou ouvintes. Acreditamos que as descobertas se aplicam tanto LEITURA COMPLEMENTAR 184 a intérpretes de línguas faladas quanto a intérpretes de línguas de sinais e a todos os ambientes em que atuam intérpretes. Interpretar é interpretar, e os resultados revelados neste conjunto de dados são importantes e devem ser considerados pela profissão. Neste artigo, relatamos as principais descobertas de como os intérpretes discutiram os construtos de poder e as dinâmicas de poder conforme aparecem em suas atuações como intérpretes. Nosso foco inclui a relação entre a consciência dos intérpretes sobre suas tomadas de decisão e o modo como eles preparam e executam seu trabalho. Uma estrutura interseccional enriquece as compreensões de fenômenos sociais e sistemas de poder (COLLINS, 1998, 2012). Collins (1998, 2004) define poder como um fenômeno que intersecciona a relação entre aqueles que têm privilégio concedido por virtude de sistemas institucionais sociais e aqueles sem esses mesmos privilégios. Mason e Ren (2012) afirmam que o poder institucional reside em organizações, governos e outras autoridades. Além disso, Lorde (1984, p. 339) afirma que “[...] existem muitos tipos de poder, usados e não- usados, reconhecidos ou não..”. Todos esses construtos têm particular relevância para intérpretes, especialmente intérpretes que trabalham em ambientes jurídicos. De que maneiras intérpretes perpassam pelos sistemas institucionais na execução de seu trabalho? Estão conscientes de, e será que reconhecem, o poder que têm em virtude de serem intérpretes que têm acesso a conhecimentos e recursos linguísticos e culturais indisponíveis aos outros participantes de uma dada interação? De que maneiras fazem uso desse poder? Essas perguntas são exploradas a seguir. Metodologia O objetivo deste estudo era explorar a experiência de intérpretes veteranos trabalhando em ambientes jurídicos, fazendo perguntas a indivíduos que estão em condições para discutir e refletir sobre seu trabalho, suas decisões e os processos de tomada de decisão. As seguintes perguntas de pesquisa estruturaram o estudo: 1. De que maneira intérpretes jurídicos experientes demonstram consciência das relações de poder em seu trabalho com o discurso jurídico e/ou em ambientes jurídicos? 2. Que decisões os intérpretes tomam que contribuem de maneira positiva ou negativa para as relações de poder dentro de uma interação interpretada? 3. Que aspectos relacionados ao contexto são vistos pelos intérpretes como fatores que influenciam suas decisões profissionais? 4. Quais são as experiências de intérpretes Surdos e ouvintes que atuam em equipes em ambientes jurídicos? Nós conduzimos um estudo de métodos mistos que incluiu intérpretes de ASL-Inglês, Surdos e ouvintes, do Canadá e dos Estados Unidos. Usamos uma amostra 185 intencional para selecionar intérpretes experientes que trabalham em ambientes jurídicos para compreender as perspectivas e os processos de tomada de decisão que podem contribuir para as dinâmicas de poder nessa área especializada. Isso inclui interações que têm um componente ou consequência jurídica, incluindo o seguinte: eventos em tribunais ou relacionados a tribunais; interações com órgãos de aplicação da lei, trabalho social, escola, emprego, entrevistas e reuniões médicas; interações advogado-cliente etc. Usamos análise fenomenológica interpretativa (AFI) para compreender fenômenos particulares em contextos particulares (SMITH; FLOWERS; LARKIN, 2009). Implicações para a prática e o treinamento constante Este estudo identifica várias implicações para intérpretes e formadores de intérpretes que trabalham na área especializada do discurso jurídico e dentro de contextos jurídicos. As respostas dos participantes resultaram em temas que sugerem que os intérpretes reconhecem as construções de poder e seus efeitos. Os dados também sugerem que as decisões dos intérpretes são dirigidas por sua consciência (ou pela falta dela) de poder e dinâmicas de poder, seu senso (ou falta dele) de controle, a maneira pela qual entendem, conceituam e realizam sua tarefa de interpretação, e o tipo e a quantidade de formação e a experiência que tiveram. Em todos esses temas, é evidente que a construção de relações respeitosas e profissionais entre todos os participantes contribui para uma interpretação eficaz e para a natureza cíclica e recursiva de tomadas de decisões eficazes nas interações imediatas e subsequentes. Além disso, com a formação adequada, os intérpretes podem entender seu tremendo poder para afetar a vida das pessoas por meio de suas decisões. Ficou claro que existem diferentes caminhos de formação para esse ambiente especializado e que os profissionais que trabalham nessa área podem se beneficiar de um treinamento contínuo, construído sobre uma estrutura que inclui explicitamente o exame da dinâmica do poder e das tomadas de decisões, de como a tarefa de interpretar é conceitualizada e de como o comportamento agentivo pode levar a escolhas éticas e eficazes. Uma formação que aborde como os intérpretes conceituam a tarefa de interpretar parece ser um fator-chave no sucesso da interação interpretada, em que o poder é mediado pela interpretação. Com base nas respostas dos participantes, as seguintes recomendações emergiram: 1. Revisar as oportunidades de treinamento e/ou mentoria disponíveis para intérpretes que trabalham com o discurso jurídico e em ambientes jurídicos para garantir que conceitos de poder e privilégio e a consciência desses conceitos sejam parte explícita do treinamento. 2. Revisar as oportunidades de treinamento e/ou mentoria disponíveis para intérpretes, de modo a garantir que tenham acesso a treinamento contínuo que se concentre nos conceitosde senso de controle e em como um indivíduo conceitualiza a tarefa 186 de interpretar, garantindo que esses elementos estejam inseridos em simulações, análises de estudos de caso e encontros de mentoria. 3. Revisar as oportunidades de treinamento e/ou mentoria disponíveis às equipes de intérpretes Surdos e ouvintes para garantir que conceitos de relações de poder, audismo, sensibilidade intercultural e estratégias – para construir equipes eficazes que não retirem poder de intérpretes Surdos –, estejam inseridos em simulações, análises de estudos de caso e encontros de mentoria. 4. Garantir que mentores e supervisores trabalhando com intérpretes em carreira de especialização jurídica tenham compreensão clara de dinâmicas de poder, conceitualização da tarefa e práticas agentivas, para que possam engajar outros em conversas e possam modelar práticas que reconheçam e demonstrem esses conceitos em uma estrutura de tomadas de decisões éticas. 5. Abordar a formação necessária para que intérpretes construam relações eficazes com equipes de intérpretes (equipes de Surdos, equipes de Surdos e ouvintes, equipes de ouvintes), e com consumidores de serviços de interpretação, para que possam criar condições de trabalho mais eficazes e impactar o trabalho de maneira positiva. Conclusão Os participantes deste estudo demonstraram uma consciência da dinâmica do poder e de como os construtos de poder os afetam como intérpretes em nível individual, e como eles enquanto intérpretes afetam a dinâmica do poder em uma interação interpretada por meio de suas decisões conscientes e inconscientes. Nos vários temas, vemos que a maneira como o intérprete reconhece conscientemente o poder também influencia a maneira como conceitua a tarefa de interpretar, especialmente na aplicação do seu próprio poder profissional, a fim de tomar decisões mais agentivas e eficazes. O estudo também revelou exemplos perturbadores da dinâmica de poder entre intérpretes ouvintes e Surdos e como decisões inadequadas podem alterar as relações profissionais entre todos os participantes. Uma abordagem construída sobre os temas principais poderia servir como uma base possível para a formação, a supervisão e a mentoria de intérpretes em geral e para a formação para trabalhar na especialização jurídica. A partir dos dados, a fundação de decisões eficazes parece começar com uma forte compreensão do poder e dos privilégios em dois níveis: social e pessoal. Da percepção pessoal de poder e privilégio é possível desenvolver um senso de controle e compreensão de poder e privilégio nas interações. Isso pode ser aplicado à maneira como um intérprete entende o que significa fornecer uma interpretação eficaz e precisa em todos os contextos. 187 Em última análise, esse processo de tomada de decisões é influenciado pela formação generalista dos intérpretes e, posteriormente, pelo treinamento especializado para interpretar em contextos jurídicos. Outras pesquisas que examinem o impacto da formação de intérpretes para essa especialidade, utilizando-se desses construtos, beneficiariam a área. FONTE: Adaptada de RUSSELL, D.; SHAW, R. Poder e privilégio: uma exploração da tomada de decisões de intérpretes. Revista Espaço, Rio de Janeiro, n. 51, p. 127-159, jan./jun., 2019. Disponível em: https://www. ines.gov.br/seer/index.php/revista-espaco/article/view/605. Acesso em: 10 ago. 2021. 188 RESUMO DO TÓPICO 3 Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como: • Existem muitos recursos linguísticos que envolvem figuras de linguagem e expressões pouco convencionais que fazem parte da Libras. • Existem várias formas de se expressar ideias semelhantes por meio de diferentes estratégias, em especial nos casos mais complicados que envolvem comparações, metonímias, metáforas, gírias, expressões idiomáticas, inuendos, classificadores e datilologia. • Elementos complexos como inuendos fazem parte do nosso cotidiano e influenciam nossa comunicação cotidiana e, em especial, os processos de tradução e interpretação de Libras. • Todos os elementos recém mencionados estão presentes tanto na língua portuguesa quanto na Libras e é necessário ter atenção para lidar com o surgimento destes nos discursos. • Podemos identificar os fenômenos linguísticos apresentados tanto da língua portuguesa quanto na Libras, bem como produzir relações entre essas duas línguas. • Ainda que existam sugestões e orientações básicas para lidar com elementos mais complexos, a prática e a experiência no uso da língua se constituem como pontos fundamentais da construção de estratégias de enfrentamento linguístico. 189 1 Neste tópico, analisamos três figuras de linguagem importantes: a comparação, a metonímia e a metáfora. A respeito dessas três figuras de linguagem, classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas. ( ) A comparação costuma vir acompanhada de algum conectivo ou advérbio. Na Libras, pode ser mostrada com alguns sinais específicos, como o de “IGUAL”. ( ) A metonímia possui vários tipos, mas é caracterizada principalmente pela substituição de um termo comum por outro figurado e que lhe é próximo. ( ) A metáfora é composta de afirmações que não fazem nenhum sentido real e carecem de uma explicação quando aplicadas. ( ) A metáfora pode ser considerada um tipo de comparação, porém não utiliza conectivos ou advérbios. Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA: a) ( ) V – V – F – V. b) ( ) F – F – V – F. c) ( ) F – V – F – V. d) ( ) V – F – V – F. 2 As gírias e expressões idiomáticas fazem parte da língua e se modificam ao longo do tempo, da história, dos povos, dos acontecimentos. Em relação à postura do tradutor e intérprete de Libras ao se deparar com gírias e expressões idiomáticas, assinale a alternativas CORRETA. a) ( ) O profissional deve oralizar/sinalizar somente o significado global dos termos em detrimento da forma. b) ( ) O profissional deve analisar se tais termos possuem uma relação entre as línguas para avaliar a adequação de uma transposição literal ou de uma tradução livre. c) ( ) O profissional deve oralizar/sinalizar literalmente o que cada termo significa, sob pena de estar deixando de mostrar a erudição linguística empregada pelo emissor. d) ( ) O profissional não deve oralizar/sinalizar esses termos, pois costumam causar muita confusão na comunicação. 3 No final deste tópico, abordamos o assunto da datilologia. Na prática de tradução e interpretação – em especial nesta última –, muitas vezes se faz necessário o uso desse recurso. Considere as seguintes afirmações acerca da datilologia na interpretação de Libras. AUTOATIVIDADE 190 I- O seu uso pode ocorrer sempre e em qualquer situação, visto que é um recurso confortável para o tradutor e intérprete de Libras. II- Nem sempre é indicado, pois o alfabeto manual não faz parte do léxico nativo da Libras. III- Em geral, é utilizada para expressar conceitos que não possuem um sinal amplamente convencionado na Libras. IV- Seu uso não costuma atrapalhar a fluidez do discurso, desde que o profissional intérprete seja rápido o suficiente para soletrar toda a palavra corretamente. Assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) Apenas I e III estão corretas. b) ( ) Apenas I e IV estão corretas. c) ( ) Apenas II e III estão corretas. d) ( ) Apenas II e IV estão corretas. 4 Os classificadores são sinais polimorfêmicos e instáveis, muitas vezes único em cada discurso e para cada emissor. Apesar disso, seu significado costuma ser claro e, mesmo que provoque uma estranheza por ser diferente do léxico estável, seu emprego facilita a compreensão de muitas expressões complexas. Disserte sobre o uso de classificadores no processo de tradução e interpretação de e para Libras, juntamente com os cuidados que devem ser tomados pelo profissional. 5 Analisamos o significado e os efeitos dos inuendos no discurso. Em geral, são mecanismos que expressam sugestões ou insinuações de cunho humorístico,irônico, sexual, escuso, ameaçador e argumentativo. Pensemos num contexto em que esteja ocorrendo um debate político e você seja o intérprete responsável naquele momento. Os debatedores estão insinuando uma série de questões e fazendo acusações de forma sutil e sugestiva, deixando suas palavras abertas para a interpretação do público. Cite algumas formas pelas quais você poderia expressar esses inuendos por meio da Libras. 191 REFERÊNCIAS ALBRES, N. A. 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