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ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO Denise A. M. de Oliveira 1ª Edição, 2022 EAD Reitor e Diretor Campus Engenheiro Coelho: Martin Kuhn Vice-reitor para a Educação Básica e Diretor Campus Hortolândia: Douglas Jefferson Menslin Vice-reitor para a Educação Superior e Diretor Campus São Paulo: Afonso Cardoso Ligório Vice-reitor administrativo: Telson Bombassaro Vargas Pró-reitor de graduação: Afonso Cardoso Ligório Pró-reitor de pesquisa e desenvolvimento institucional: Allan Macedo de Novaes Pró-reitor de educação à distância: Fabiano Leichsenring Silva Pró-reitor de desenvolvimento espiritual e comunitário: Henrique Melo Gonçalves Pró-reitor de Desenvolvimento Estudantil: Carlos Alberto Ferri Pró-reitor de Gestão Integrada: Claudio Knoener Educação Adventista a Distância Conselho editorial e artístico: Dr. Adolfo Suárez; Dr. Afonso Cardoso; Dr. Allan Novaes; Me. Diogo Cavalcanti; Dr. Douglas Menslin; Pr. Eber Liesse; Me. Edilson Valiante; Dr. Fabiano Leichsenring, Dr. Fabio Alfieri; Pr. Gilberto Damasceno; Dra. Gildene Silva; Pr. Henrique Gonçalves; Pr. José Prudêncio Júnior; Pr. Luis Strumiello; Dr. Martin Kuhn; Dr. Reinaldo Siqueira; Dr. Rodrigo Follis; Esp. Telson Vargas Editor-chefe: Rodrigo Follis Gerente administrativo: Bruno Sales Ferreira Editor associado: Werter Gouveia Responsável editorial pelo EaD: Luiza Simões Editora Universitária Adventista Presidente Divisão Sul-Americana: Stanley Arco Diretor do Departamento de Educação para a Divisão Sul-Americana: Antônio Marcos Presidente Mantenedora Unasp (IAE): Maurício Lima 1ª Edição, 2022 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO Editora Universitária Adventista Engenheiro Coelho, SP Denise Andrade Moura de Oliveira Mestra em Educação pelo UNASP - EC Campagnoni, Mariana / dos Santos, Diego Henrique Moreira Formação da identidade profissional do contador [livro eletrônico] / Mariana Campagnoni. -- 1. ed. -- Engenheiro Coelho, SP : Unaspress, 2020. 1 Mb ; PDF ISBN 978-85-8463-172-8 1. Carreira profissional 2. Contabilidade 3. Contabilidade como profissão 4. Contabilidade como profissão - Leis e legislação 5. Formação profissional 6. Negócios I. Título. 20-33026 CDD-370.113 Dados Internacionais da Catalogação na Publicação (CIP) (Ficha catalográfica elaborada por Hermenérico Siqueira de Morais Netto – CRB 7370) Alfabetização e Letramento 1ª edição – 2022 e-book (pdf) OP 00123_006 Coordenação editorial: Késia Santos Conteudista: Denise A. Moura de Oliveira Preparador: Kawanna Cordeiro Projeto gráfico: Ana Paula Pirani Capa e Diagramação: William Nunes Caixa Postal 88 – Reitoria Unasp Engenheiro Coelho, SP – CEP 13448-900 Tel.: (19) 3858-5171 / 3858-5172 www.unaspress.com.br Editora Universitária Adventista Validação editorial científica ad hoc: Vanessa Raquel de Almeida Meira Doutora em Teologia pela Faculdades EST. Editora associada: Todos os direitos reservados à Unaspress - Editora Universitária Adventista. Proibida a reprodução por quaisquer meios, sem prévia autorização escrita da editora, salvo em breves citações, com indicação da fonte. SUMÁRIO ALFABETIZAÇÃO: A HISTÓRIA SOBRE COMO ENSINAR A LER E A ESCREVER ............................... 13 Introdução ........................................................................................14 Alfabetização: conhecendo a história da escrita ao longo dos tempos ...........................................................15 Conceito de alfabetização ................................................................23 Métodos sintéticos ...........................................................................38 Método alfabético ...................................................................39 Método fônico .........................................................................41 Método silábico .......................................................................45 Métodos analíticos de alfabetização ...............................................48 Método da palavração ............................................................51 Método da sentenciação .........................................................53 Método do conto .....................................................................54 A didática das cartilhas utilizadas para o ensino da leitura e da escrita ...........................................................56 Considerações finais.........................................................................65 Referências .......................................................................................69 COMO A CRIANÇA APRENDE A ESCREVER E LER ................................................. 73 Introdução ........................................................................................74 A ressignificação do ensino da leitura e da escrita .......................................................................75 Psicogênese da língua escrita .................................................82 Definindo psicogênese da língua escrita ................................86 Níveis da psicogênese da alfabetização ...............................................................................88 Procedimentos para classificação dos níveis psicogenéticos .......................................................90 Nível silábico ...........................................................................96 Nível alfabético.......................................................................104 Processos de construção da linguagem escrita .............................................................109 Considerações finais........................................................................114 Referências ......................................................................................117 LETRAMENTO: O SENTIDO DE APRENDER E ENSINAR A LER E A ESCREVER .......................... 121 Introdução .......................................................................................122 Letramento: conceito ......................................................................123 Diferenciando letramento ..............................................................137 O letramento na escola ...................................................................148 Letramento: BNCC e PNA ................................................................158 Considerações finais........................................................................170 Referências ......................................................................................173 VO CÊ ES TÁ A QU I ALFABETIZAR LETRANDO: O TEXTO NA SALA DE AULA .................................. 177 Introdução .......................................................................................178 Alfabetizar letrando: centralidade do texto ......................................................................179 Produção escrita a partir do texto ..........................................196 Letramento literário ........................................................................201 Estágios psicológicos da criança ............................................206 Proposta didática com literatura infantil ...............................212 Letramento: um conceito plural .....................................................219 Considerações finais........................................................................225 Referências ......................................................................................229 ALFABETIZAÇÃO: ESTUDO DA ESPECIFICIDADE DA LÍNGUA ................................ 233 Introdução .......................................................................................234 Consciência fonológica ...................................................................235 Conceito de palavra.........................................................................246 Rimas e aliterações .........................................................................253A sílaba ............................................................................................256 Consciência fonêmica .....................................................................263 Considerações finais........................................................................273 Referências ......................................................................................277 PARA OTIMIZAR A IMPRESSÃO DESTE ARQUIVO, CONFIGURE A IMPRESSORA PARA DUAS PÁGINAS POR FOLHA. EMENTA Estudo das concepções da aquisição da linguagem e do processo sócio-histórico e cultural da alfabetização, articulados ao desenvolvimento das práticas pedagógicas que promovam o letramento do cotidiano e literário na formação do leitor/escritor crítico, consciente e comprometido com a sociedade. - Compreender o significado de letramento, de letramento literário, multiletramento e da proposta de alfabetizar letrando, como perspectivas para a prática social da leitura e da escrita; - Selecionar atividades pedagógicas adequadas à leitura e à escrita possibilitando a alfabetização e o letramento; - Conscientizar-se de que a leitura deve ocupar um espaço privilegiado na própria vida utilizando-a em sua prática pedagógica. LETRAMENTO: O SENTIDO DE APRENDER E ENSINAR A LER E A ESCREVER UNIDADE 3 OB JE TI VO S 122 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO INTRODUÇÃO Seja bem-vindo(a) ao estudo sobre alfabetização e letramento. Você já pensou na possibilidade de viver em um mundo sem material escrito? Difícil, não é? Vivemos em uma sociedade rodeada pela escritura. Em tudo ao nosso redor, seja em momentos simples e em complexos, presenciamos situações de leitura e escrita: na rua, no supermercado, no trabalho ou em momentos de lazer, a escrita é um elemento presente. Por isso, o objetivo deste estudo é analisar o impacto da leitura e da escrita em nossa sociedade e, para nomear esse fenômeno, usa-se o termo letramento. Durante algum tempo, o termo “alfabetismo” foi utilizado para designar o estado daquele que havia se apropriado da escrita como oposição ao analfabetismo. No entanto, o letramento conquistou o meio acadêmico e é utilizado para descrever a importância da leitura e da escrita como prática social. Então, vamos aprender o conceito de letramento e sua complexidade no processo de aquisição da língua. Analisaremos a origem e o surgimento desse termo no meio educacional e linguístico. O leitor também compreenderá a diferença entre alfabetizar e letrar e como esses dois aspectos do processo de aquisição da leitura e da escrita se relacionam, pois 123 LETRAMENTO: O SENTIDO DE APRENDER E ENSINAR A LER E A ESCREvER o letramento faz parte das práticas sociais que usam a escrita, enquanto alfabetização é o domínio do sistema simbólico e, mesmo assim, são conceitos que caminham lado a lado. Por fim, ao concluir este estudo, esperamos que você tenha aprendido: • Os conceitos de alfabetização e de letramento; • A relação existente entre esses dois termos; • A leitura e a escrita como práticas sociais. Bom estudo! LETRAMENTO: CONCEITO Na Bíblia, em Isaías 30:8, Deus fala para o profeta escrever suas palavras e apresenta a função dessa tarefa: para que fique registrado para sempre. Assim, outras pessoas poderiam ler. Nesse contexto e em muitas outras situações da Bíblia, podemos perceber o valor atribuído à leitura e à escrita. Temos como exemplo a passagem de Êxodo 24:12 quando Deus escreve suas leis para o povo; Deuteronômio 17:19 quando a leitura da lei de Deus é apresentada como parte da obrigação do rei; em Atos 17:11, quando os bereanos liam as escrituras para estudar etc. 124 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO Os textos acima mostram algumas situações em que a leitura e a escrita foram importantes para o povo de Deus. Isso revela que ele deseja que seu povo seja instruído por meio da leitura de sua palavra e, por isso, deixou um livro escrito. A leitura e a escrita apresentam funções específicas para o cristão; e daí vem a importância de o povo ser instruído para entender e interpretar. Por isso, muitos adultos cristãos não alfabetizados sentem a necessidade de aprender a ler e a escrever e essa é uma dimensão mais abrangente da leitura e da escrita. Agora, vamos analisar um outro lado do processo de aquisição da leitura e da escrita, pois não basta apenas o domínio de um código para que o sujeito seja considerado plenamente alfabetizado. Segundo Soares (2018), para inserção no mundo da escrita é preciso considerar três principais facetas: linguística, interativa e sociocultural. A faceta linguística está relacionada a conhecimentos próprios da alfabetização, como a apropriação do sistema alfabético-ortográfico. A criança precisa dominar convenções da língua que demandam conhecimentos cognitivos e linguísticos específicos. As outras duas facetas, a interativa e a sociocultural, estão associadas ao letramento. Na faceta interativa, a língua é um veículo de interação do sujeito com outras pessoas, orienta o indivíduo na compreensão e interpretação das mensagens. 125 LETRAMENTO: O SENTIDO DE APRENDER E ENSINAR A LER E A ESCREvER A faceta sociocultural mostra os usos e funções da língua no seu contexto, uma convenção que surge da necessidade de um grupo social (SOARES, 2018). Já vimos, na história do Brasil, a grande influência do modelo tradicional para o ensino da leitura e da escrita, que apesar de ser criticado desde 1960, ainda podemos observar resquícios dessa abordagem nas salas de aula. A cartilha tradicional apresentava uma proposta de ensino pronta, pois considerava que o aluno nada sabia e tudo seria ensinado. Esse ensino considerava que ler e escrever resumia-se a atividades de codificação e decodificação, “sendo o processo de alfabetização reduzido ao ensino do código escrito, centrado na mecânica da leitura e da escrita” (LEITE, 2001, p. 23). Por isso, a preocupação com o método de ensino, pois, sob a perspectiva tradicional, ensinar é apenas o domínio de uma técnica. Ensinar não é apenas o mero domínimo de uma técnica. 126 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO Na década de 1980, circulava entre os educadores uma concepção de ensino proposta pelos estudos da psicogênese da língua escrita que deslocava a ênfase do ensino de “como ensinar” para “como se aprende” (BRASIL, 2001). Dessa forma, observou-se que a criança já vinha para a escola com ideias sobre a leitura e sobre a escrita — isso deveria ser considerado. A compreensão da criança sobre a língua, ainda que rudimentar, é adquirida pelo contato e pela vivência com material escrito possível de ser observado em seu entorno. Ou seja, a todo momento a criança presencia situações em que a escrita está presente, seja na rua ou em casa. Você vai conhecer agora um trecho da história do João do livro O menino que aprendeu a ver (1998), de Ruth Rocha. É uma história que ilustra a realidade de muitas crianças que observam material escrito ao seu redor. Segundo a autora, João era um menino muito curioso e por onde andava ficava intrigado com algumas figuras estranhas que via nos cartazes, nas placas e em vários lugares. Algumas coisas ele entendia, mas outras não. Era como se visse desenhos iguais aos da figura 25: 127 LETRAMENTO: O SENTIDO DE APRENDER E ENSINAR A LER E A ESCREvER Figura 25 - ilustração Fonte: elaborada pela autora. Por isso, sempre fazia perguntas tentando entender aquelas “figuras”. Em todo lugar por onde passava, observava e perguntava: “- O que é aquela placa, mãe? Todas as esquinas têm. -É o nome da rua, filho” (ROCHA, 1998, p. 8). Em outro dia, João e sua mãe estavam esperando o ônibus no ponto e o menino pergunta mais uma vez: “- Mas que ônibus, mamãe, nós vamos ter que tomar? - O que vai para sua escola. - E como é que você sabe o que vai para minha escola? - Eu olho o que está escrito na placa: RIO BONITO” (ROCHA, 1998, p. 10). 128 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO João ficavaolhando sem parar e continuava vendo aqueles desenhos esquisitos e não conseguia entender nada. Observe que João perguntava sobre essas figuras que ele não entendia e a mãe sempre explicando a função de cada uma no contexto de uso. SAIBA MAIS O menino que aprendeu a ver, de Ruth Rocha, é um li- vro de literatura infantil que apresenta o pensamento da criança não alfabetizada em relação à leitura e à escrita. A autora mostra a curiosidade de João em relação a algo novo que ele ainda não entende. Leia o livro O menino que aprendeu a ver. Disponível em: http://itapecerica.mg.gov.br/imagens/ editor/files/LIVRO%202%C2%BA%20Ano%20-%20 O%20MENINO%20QUE%20APRENDEU%20A%20VER. pdf. Acesso em: 17 fev. 2022. A experiência de João é a mesma das crianças que convivem com a leitura e a escrita em seu cotidiano e, como seres cognoscentes, pensam sobre a escrita e procuram entender e criar hipóteses sobre o que veem. Como João, observam a presença da escrita e começam a perceber que faz parte da vida de todos nós. http://itapecerica.mg.gov.br/imagens/editor/files/LIVRO%202%C2%BA%20Ano%20-%20O%20MENINO%20QUE%20APRENDEU%20A%20VER.pdf 129 LETRAMENTO: O SENTIDO DE APRENDER E ENSINAR A LER E A ESCREvER Na sociedade centrada na escrita em que vivemos, tudo está rodeado pela escrita, nas mais simples ações desde ler o nome da rua na placa à escrita de um texto. Essa vivência e questionamentos sobre a escrita faz toda diferença quando a criança vai para a escola. O professor, então, deve assumir uma postura diferente da tradicional, pois precisa considerar a vivência da criança, afinal mesmo antes de entrar na escola, vai progressivamente se apropriando desse objeto cultural como um todo: suas funções e características, as marcas convencionais (letras, acentos e sinais de a pontuação), e os meios em que a escrita costuma aparecer (por exemplo, jornais, livros e revistas, mas também produções personalizadas, como bilhetes, listas de compras etc.) (COLELLO, 2010, p. 88). O termo letramento surgiu da necessidade de estudar o impacto da leitura e da escrita na sociedade. 130 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO Para entender o impacto da leitura e da escrita em nossa sociedade, os linguistas e pesquisadores da educação buscaram um termo para nomear e explicar esse novo fato (SOARES, 2004). Para esse novo conceito surgiu o termo letramento, e é sobre esse tema que discutiremos agora de acordo com a posição de alguns autores. Segundo Soares (2004) e Mortatti (2004), a primeira vez que o termo letramento surgiu no meio educacional foi em 1986 no livro No mundo da escrita: uma perspectiva psicolinguística, de Mary Kato, e depois em 1988 foi usado por Leda Verdiani Tfouni em seu livro Adultos não alfabetizados: avesso do avesso. Portanto, esse termo é bem recente no meio acadêmico, mas atualmente é um dos mais utilizados para explicar o contexto da leitura e da escrita. No entanto, antes do termo letramento era utilizada a expressão “alfabetismo” em oposição ao analfabetismo, termo bem mais utilizado. Alfabetismo, segundo Soares (2004 – B, p. 30), “é um conceito complexo, pois engloba um amplo leque de conhecimentos, habilidades, técnicas, valores, usos sociais, funções e varia histórica e espacialmente”. Entretanto, esse termo foi substituído por letramento e ganhou destaque no meio acadêmico, por isso, vamos entender um pouco mais sobre a necessidade e o significado da palavra “letramento”. 131 LETRAMENTO: O SENTIDO DE APRENDER E ENSINAR A LER E A ESCREvER Até o ano de 2001, não era um termo dicionarizado no sentido que iremos estudar agora, apenas referia-se ao letrado, aquele que é versado em letras, um intelectual (SOARES, 2004). Contudo, para a educação e linguística, letramento vai além da descrição de um sujeito erudito ou que tenha conhecimentos literários. Letramento, no contexto educacional, é muito mais amplo e assume o viés social, como veremos a seguir. A palavra letramento é um verbete que foi construído a partir do empréstimo da palavra literacy da língua inglesa. Essa tem origem no latim littera, que significa letra, mais o “sufixo cy que denota qualidade, condição, estado, fato de ser” (SOARES, 2004– A, p. 17). literacy é o estado ou condição que assume aquele que aprende a ler e escrever. Implícita nesse conceito está a ideia de que a escrita traz consequências sociais, culturais, políticas, econômicas, cognitivas, linguísticas, quer para o grupo social em que seja introduzida, quer para o indivíduo que aprenda a usá-la (SOARES, 2004– A, p. 18). Por isso, a autora diferencia alfabetização de letramento, pois esse último amplia o sentido de ser alfabetizado. Alfabetização, como já estudamos, está relacionada ao aprendizado de uma tecnologia de ler e escrever, “está 132 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO ligada à instrução formal e às práticas escolares” (TFOUNI, 2005). Para Soares (2020), é o “domínio do sistema de representação que é a escrita alfabética e das normas ortográficas”, além de domínio de habilidades motoras e das convenções da escrita. Portanto, letramento é um conceito muito mais amplo pois está relacionado às práticas sociais da leitura e escrita. É um termo que procura explicar o impacto da escrita na sociedade já que a alfabetização se tornou muito limitada para esclarecer esse fato social. “É o resultado da ação de ensinar ou de aprender as práticas sociais de leitura e escrita; o estado ou a condição que adquire um grupo social ou um indivíduo como consequência de ter-se apropriado da escrita e de suas práticas sociais” (SOARES, 2004– A, p. 39). Para Tfouni (2005), enquanto a alfabetização se ocupa da aquisição da escrita por um indivíduo ou grupo Letramento é apropriar-se da leitura e da escrita como prática Fonte: Shutterstock 133 LETRAMENTO: O SENTIDO DE APRENDER E ENSINAR A LER E A ESCREvER de indivíduos, o letramento focaliza os aspectos sócio- históricos da aquisição de um sistema escrito por uma sociedade. Então, letramento foi construído a partir das necessidades da sociedade moderna. Soares (2004– A, p. 39) destaca a diferença de aprender a ler e a escrever e apropriar-se da leitura e da escrita: “aprender a ler e escrever significa adquirir uma tecnologia, a de codificar em língua escrita e de decodificar a língua escrita; apropriar-se da escrita é tornar a escrita própria, ou seja, assumi-la como sua propriedade”. Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) reforçam o conceito de letramento como sendo o “produto da participação em práticas sociais que usam a escrita como sistema simbólico e tecnologia. São práticas discursivas que precisam da escrita para torná-las significativas, ainda que às vezes não envolvam as atividades específicas de ler ou escrever” (BRASIL, 2001). Segundo Kleiman (1995, p. 19), “podemos definir hoje letramento como um conjunto de práticas sociais que usam a escrita, enquanto sistema simbólico e enquanto tecnologia, em contextos específicos, para objetivos específicos”. Em outro momento, a autora também escreveu que o termo letramento se refere “a um conjunto de práticas de uso da escrita que vinham 134 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO modificando profundamente a sociedade, mais amplo que as práticas escolares de uso da escrita, incluindo-as, porém” (KLEIMAN, 2005, p. 21). Para Soares (2020), letramento são capacidades de uso da escrita para inserir-se nas práticas sociais e pessoais que envolvem a língua escrita, o que implica várias habilidades. Essas habilidades orientam a vida do sujeito de forma consciente ou não, para que alcance seus objetivos. Em tudo que fazemos, usamos a leitura e a escrita, veja os exemplos: • para informação: lemos notícias em portais de notícias online; • para interação com outros: lemos ou escrevemos cartas, e-mails ou mensagens em diferentes redes sociais; • para imersão no imaginário e no estético: lemos narrativas, novelas, poemas, músicas e outros; •para ampliação do conhecimento: lemos livros, artigos etc.; 135 LETRAMENTO: O SENTIDO DE APRENDER E ENSINAR A LER E A ESCREvER • para diversão: jogamos jogos como caça- palavras e palavras cruzadas; • para orientação: lemos mapas, receitas, manuais ou outros textos instrucionais. SAIBA MAIS Estude mais sobre o conceito de letramento lendo a explicação que Magda Soares escreveu no artigo “Alfa- betização e letramento: caminhos e descaminhos”. Por meio desta leitura você terá contato com um panorama histórico sobre a educação no nosso país; sobretudo ao que diz respeito à alfabetização em território nacional. Disponível em: https://acervodigital.unesp.br/bitstream/1 23456789/40142/1/01d16t07.pdf. Acesso em 18 fev. 2022. Observe que em todas as definições de letramento que estudamos até agora, dois conceitos estão implícitos: práticas e usos da leitura e escrita. Isso quer dizer que todo estudo sobre letramento está relacionado com a função que a leitura e escrita exercem no cotidiano e no meio social. Por isso, não basta somente dominar um código, é preciso usar a escrita porque ser letrado é um estado ou condição de alguém que não apenas https://acervodigital.unesp.br/bitstream/123456789/40142/1/01d16t07.pdf 136 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO sabe ler e escrever, mas cultiva e exerce as práticas sociais que usam a escrita (SOARES, 2004). Para compreendermos como a escrita e a leitura impactam nosso cotidiano, leia o poema de Kate M. Chong citado por Soares (2004). Esse poema foi publicado em inglês traduzido com adaptações para o português para facilitar o entendimento do leitor. Confira a figura 26: Figura 26- Poema sobre letramento O que é letramento? Letramento não é um gancho em que se pendura cada som enunciado, não é treinamento repetitivo de uma habilidade, nem um martelo quebrando blocos de gramática. Letramento é diversão é leitura à luz de vela ou lá fora, à luz do sol. São notícias sobre o presidente, o tempo, os artistas da Tv e mesmo Mônica e Cebolinha nos jornais de domingo. É uma receita de biscoito, uma lista de compras, recados colados na geladeira, um bilhete de amor, telegramas de parabéns e cartas de velhos amigos. É viajar para países desconhecidos, sem deixar sua cama, é rir e chorar com personagens, heróis e grandes amigos. É um atlas do mundo, sinais de trânsito, caças ao tesouro, manuais, instruções, guias, e orientações em bulas de remédios para que você não fique perdido. Letramento é, sobretudo, um mapa do coração do homem, um mapa de quem você é, e de tudo que você pode ser (SOARES, 2004). Fonte: adaptado de Soares (2004). 137 LETRAMENTO: O SENTIDO DE APRENDER E ENSINAR A LER E A ESCREvER Nesse poema, a autora destaca a ideia de que letramento não é um processo exaustivo de treino mecânico da leitura ou um peso para aprender a língua. Pelo contrário, letramento é algo que atrai, diverte e fascina, pois é útil na vida do indivíduo e atende às suas necessidades. Portanto, a escola, ao ensinar a língua, deve considerar a alfabetização sob a perspectiva do letramento tornando um aprendizado real e significativo para o sujeito fora e dentro da sala de aula. DIFERENCIANDO LETRAMENTO Vamos entender um pouco mais sobre letramento, compreendendo esse termo por meio de contraste e diferenciando-o de outros conceitos que já conhecemos. De início, consideremos que letramento não é um método, como muitos falam: “o método do letramento”. Segundo Kleiman (2005) não existe o método “letramento”, mas letrar é permitir que a criança seja inserida no mundo da escrita. A escola deve envolver o aluno em atividades que promovam os usos e funções da leitura e escrita, tais como: • Adotar práticas diárias de leitura de livros, jornais e revistas em sala de aula; 138 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO • Organizar paredes, chão e mobília da sala de tal modo que textos, ilustrações, alfabeto, calendários, livros, jornais e revistas estejam ao alcance de todos os sentidos do aluno-leitor em formação; • Fazer um passeio-leitura com os alunos pela escola e pelo bairro (KLEIMAN, 2005, p. 9). Letramento, como já foi dito, é o resultado da ação de ensinar e aprender as práticas sociais da leitura e escrita, sendo assim, “qualquer que seja o método de ensino da língua escrita, é eficiente na medida em que se constitui na ferramenta adequada que permite ao aprendiz adquirir o conhecimento necessário para agir em uma situação específica” (KLEIMAN, 2005, p. 10). Ou seja, a despeito do caminho que o professor deseja seguir no processo de alfabetização, é necessário oferecer oportunidade para A ação de ensinar e aprender as práticas sociais da leitura e da escrita é igual a letramento. 139 LETRAMENTO: O SENTIDO DE APRENDER E ENSINAR A LER E A ESCREvER o letramento do aluno (acesso a materiais reais de leitura). Para entender o que não é letramento, vamos estudar as ponderações de Kleiman (2005), considere a figura 27, a seguir: Figura 27- O que letramento não é Fonte: adaptado de Kleiman (2005). Letramento também não é alfabetização, mas esses conceitos estão intimamente relacionados, porque a alfabetização deve acontecer no contexto das práticas de letramento e faz parte do conjunto de práticas sociais de uso da escrita da instituição escolar (KLEIMAN, 2005, p. 12). Segundo Soares (2018), apesar de assumirem facetas distintas, não podemos dissociar alfabetização de letramento, por isso deve-se alfabetizar letrando. Para a autora, a aprendizagem inicial da língua escrita precisa ser 140 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO desenvolvida em sua totalidade, pois essa é a real natureza “dos atos de ler e de escrever, em que a complexa interação entre as práticas sociais da língua escrita e aquele que lê ou escreve pressupõe o exercício simultâneo de muitas e diferenciadas competências. É o que se tem denominado alfabetizar letrando” (SOARES, 2018– A, p. 35). Para Colello (2010) alfabetizar e letrar são procedimentos de natureza diferente, mas que promovem a compreensão integral da língua inserindo o aluno no mundo da escrita. Na escola, ensinar a ler e escrever é intensificar a inserção do aluno no contexto da cultura escrita, promovendo de maneia sistemática atividades que possam favorecer o seu processo de construção cognitiva, de tal modo que, desde o início, ele tenha de, simultaneamente, lidar com os aspectos notacionais (como se escreve) e discursivos (para quem ou para quê se escreve) da língua (COLELLO, 2010, p. 90). Portanto, alfabetização e letramento são processos com características específicas, mas interdependentes, integrantes e indissociáveis. Os alunos “precisam ser alfabetizados para poder participar, de forma autônoma, das muitas práticas de letramento de diferentes instituições” (KLEIMAN, 2005, p. 16). 141 LETRAMENTO: O SENTIDO DE APRENDER E ENSINAR A LER E A ESCREvER Letramento é um processo mais amplo do que a alfabetização, porém intimamente relacionado com a existência e influência de um código escrito (TFOUNI, 2005, p. 38). O aluno alfabetizado poderá ampliar o letramento à medida que exerce práticas sociais de leitura e escrita. Por isso, não podemos separar alfabetização de letramento; a compreensão dessas duas facetas do aprendizado da leitura e escrita tem um fim didático com o objetivo de ajudar o professor a enxergar a dimensão do processo de alfabetização. Ainda segundo Kleiman (2005) letramento não é uma habilidade, mas envolve um conjunto de habilidades e competências. Envolve múltiplas capacidades e conhecimentos pois em uma situação de uso da língua escrita muitos saberes são mobilizados. Essas habilidades e competências vão além do que é ensinado na escola. Essa questão é descrita no livro Na vida dez, na escola zero, de Teresinha Nunes Carraher, David William Carraher e Analúcia Dias Schliemann, que mostra a realidade de crianças de rua que dominam conhecimentos e habilidades práticas de matemática, mas naescola não conseguem resolvê-los. Aprendem pelo uso, porque é prático e necessário, mas muitas vezes o que é ensinado na escola, por ser artificial, não é assimilado pelos alunos. 142 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO Portanto o letramento é complexo, envolve muito mais do que uma habilidade (ou conjunto de habilidades) ou uma competência do sujeito que lê, mas múltiplas capacidades e conhecimentos (KLEIMAN, 2005, p. 18). Leitura competente não é uma habilidade unitária. É um completo e complexo sistema de habilidades e conhecimentos (ADAMS, 1990, apud SOARES, 2018, p. 37). Entendemos, então, que a alfabetização com todas as suas especificidades e as habilidades e competências da leitura e escrita forma a complexidade do letramento. Confira a figura 28: Figura 28- Formação do letramento LETRAMENTO Competências Habilidades Alfabetização Fonte: elaborada pela autora. 143 LETRAMENTO: O SENTIDO DE APRENDER E ENSINAR A LER E A ESCREvER Além de compreender a amplitude do significado de letramento, segundo Soares (2004) é necessário diferenciar quando um sujeito é letrado ou não. A proposta de alfabetizar e letrar considera-se que o indivíduo será, ao mesmo tempo, alfabetizado e letrado. No entanto, nem sempre acontece nessa sincronia. Vejamos como a autora define um analfabeto capaz de compreender usos e funções da escrita: Um adulto poder ser analfabeto e letrado: não sabe ler nem escrever, mas usa a escrita: pede a alguém que escreva por ele, dita uma carta, por exemplo. (...) Não sabe ler e escrever, mas conhece as funções da escrita, e usa-as, lançando mão de um instrumento que é alfabetizado (que funciona como um máquina de escrever); pede a alguém que leia para ele a carta que recebeu, ou uma notícia de jornal, ou uma placa na rua, ou a indicação do roteiro de um ônibus (...). É analfabeto, mas é, de certa forma, letrado, ou tem um certo nível de letramento (SOARES, 2004– A, p. 47). Um exemplo desta situação foi retratado no filme “Central do Brasil” escrito por João Emanuel Carneiro e Marcos Bernstein e conta a história de vida de uma professora aposentada que escreve cartas para pessoas analfabetas na estação Central do Brasil. As pessoas sabiam a função e os usos desse gênero textual, apesar de não saberem ler e escrever. Segundo Colello (2010, p. 87): 144 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO o analfabeto letrado, embora incapaz de ler e escrever, tem razoável compreensão da língua (por exemplo, reconhecendo sua forma mais típica em oposição à oralidade ou ainda lidando com as funções e suportes, como é o caso de um analfabeto que dita uma cara ou sabe em qual caderno do jornal vai encontrar as informações sobre esporte). Atualmente, podemos observar sujeitos com rudimentos de alfabetização, mas utilizam redes sociais por meio de gravação de mensagens por áudio ou utilizam emojis para interagir com outras pessoas. No entanto, o analfabeto letrado sofre muito mais exclusão, pois, como não domina a escrita, não pode participar nas práticas sociais (TFOUNI, 2005, p. 87). Esse sujeito precisa de conhecimentos específicos da língua, conhecer o sistema de escrita alfabético para que possa ampliar o seu grau de letramento. Outra diferença entre alfabetizado e letrado são as crianças que ainda não tiveram acesso à escola, não sabem ler e escrever, mas já compreenderam a função da escrita no seu cotidiano; é o que relata Soares (2004, p. 47): uma criança que vive num contexto de letramento, que convive com livros, que ouve histórias lidas por adultos, que vê adultos lendo e escrevendo cultiva e exerce práticas de leitura e de escrita: toma um livro finge que está lendo 145 LETRAMENTO: O SENTIDO DE APRENDER E ENSINAR A LER E A ESCREvER (...) toma papel e lápis e “escreve” uma carta, uma história. Ainda não aprendeu a ler e escrever, mas é, de certa forma, letrada, tem já um certo nível de letramento. Essa é a experiência descrita na história do João (O menino que aprendeu a ver, de Ruth Rocha). Ele observava e presenciava diferentes situações de leitura e escrita em seu cotidiano, por isso já tinha um nível de letramento. Essa vivência faz toda diferença na alfabetização, pois segundo Di Nucci (2001, p. 60) o indivíduo “não aprende a escrever a partir do domínio do código, mas a partir da função que a escrita exerce em seu cotidiano, o que o caracteriza como indivíduo letrado”. Quando a criança vive em um ambiente onde a escrita está presente, ela passa a ter um certo nível de letramento mesmo antes de ir para a escola. Observe a imagem da figura 29: Figura 29- Desenho representativo Fonte: elaborada pela autora. 146 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO A imagem da figura 29 é uma lista de compras elaborada por uma criança de 4 anos quando a mãe falou que iriam ao supermercado. Em sua lista de compras, cada item foi representado por uma letra. A criança, então, fez uma relação de um para um: um item – uma letra. A criança ainda não era alfabetizada e não frequentava a escola regular, mas por sempre presenciar a mãe elaborando lista de compras para ir ao supermercado, já compreendeu uma das funções sociais da escrita: apoio à memória. Isso faz dessa criança um sujeito letrado, ou com certo grau de letramento, sem saber ler e escrever. A vivência da criança em um ambiente rico em experiências de letramento, favorece a sua compreensão do código escrito. Ainda, segundo Soares (2004), o sujeito pode ser alfabetizado, mas não ser letrado, ou seja, “Sabe ler e escrever, mas não cultiva nem exerce práticas de leitura e de escrita, não lê livros, jornais, revistas, ou não A vivência da criança em um abiente que fornece experiências de letramento reforça a sua compreensão da escrita. 147 LETRAMENTO: O SENTIDO DE APRENDER E ENSINAR A LER E A ESCREvER é capaz de interpretar um texto lido: tem dificuldades para escrever uma carta, até um telegrama – é alfabetizada, mas não é letrada” (SOARES, 2004, p.47). SAIBA MAIS A família pode ser responsável por desenvolver o letra- mento na criança mostrando os usos e funções da escri- ta. Veja neste vídeo diferentes situações pelas quais as crianças foram inseridas num contexto de letramento antes de ir à escola. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=- f9yimX5eDDc. Acesso 18 fev. 2022. Um sujeito com baixa escolaridade também se encontra nesta situação, pois não pratica ou usa os conhecimentos adquiridos na escola. Crianças de pais analfabetos têm maior dificuldade de serem alfabetizadas, pois não presenciam eventos de letramento em seu cotidiano. Os pais não leem ou escrevem e como não compreendem a função da leitura e da escrita, não valorizam essa cultura. White (1962) valoriza a importância de os pais lerem para os filhos, pois além da relação afetiva, colabora no processo de letramento. Segundo a autora, os pais e mães “devem tomar tempo para ler a vossos filhos e formar um círculo familiar de https://www.youtube.com/watch?v=f9yimX5eDDc 148 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO leitura” (WHITE, 1962, p. 38). Ou seja, a criança precisa ser alfabetizada e inserida no munda da cultura escrita, isso faz dela um sujeito letrado (SOARES, 2018, p. 33). Colello ainda destaca uma outra condição: o alfabetizado pouco letrado. Seria aquele sujeito que, “mesmo conhecendo o código da escrita, mostra-se inábil no manejo de suas práticas” (COLELLO, 2010, p. 87-88). Isso ocorre quando o aluno utiliza a leitura e escrita apenas no ambiente escolar “vislumbrando poucas possibilidades funcionais de uso em práticas sociais de lazer ou de trabalho” (COLELLO, 2010, p. 88). Por isso é importante o professor trazer o mundo da criança para a sala de aula, mostrando que o aprendizado da escola é útil fora da escola. O LETRAMENTO NA ESCOLA Vamos recordar a história do João (ROCHA, 1998). João era curioso e Quando o sujeito é alfabetizado e letrado há maior possibilidade de cultivar e exercer as práticas sociais de umacultura letrada. 149 LETRAMENTO: O SENTIDO DE APRENDER E ENSINAR A LER E A ESCREvER observador daqueles símbolos estranhos que visualizava na rua ou em casa. Um dia, a mãe dele disse que precisava ir para a escola para aprender a ler as letras e os números. O papel da escola no processo, tanto de alfabetização como letramento, é muito importante. A escola é considerada a principal agência de letramento, pois oportuniza o contato do aluno com diferentes dimensões de letramento: a dimensão individual ou modelo autônomo e a dimensão social ou modelo ideológico. Na dimensão individual, a leitura é vista como um conjunto de habilidades linguísticas e psicológicas que se estendem desde a habilidade de decodificar palavras escritas até a capacidade de compreender textos escritos (SOARES, 2004- B, p. 31). Além da interpretação de textos, o letramento envolve habilidade de traduzir em sons sílabas até habilidade cognitiva e metacognitiva. Ou seja, outros conhecimentos da língua que envolvem desde aquisição de habilidades técnicas até a compreensão de diferentes textos. Na concepção de Mortatti, o modelo autônomo do letramento é “considerar as atividades de leitura e escrita como neutras e universais, independentes dos determinantes culturais e das estruturas de poder que as configuram, no 150 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO contexto social” (MORTATTI, 2004, p. 102). Para essa autora, o modelo autônomo ou a dimensão individual caracteriza uma pessoa “alfabetizada, ou seja, que domina a ‘tecnologia’ do ler e escrever” (MORTATTI, 2004, p. 103). Segundo Colello, essa dimensão da escrita, na escola, é vista como um sistema independente e completo, e a interpretação é compreendida pela lógica intrínseca do texto. Há uma valorização da escrita aprendida na escola, e aqueles que não alcançam esse aprendizado, são vistos como incapazes (COLELLO, 2010, p. 82-83). Vamos entender o modelo autônomo ou dimensão individual na história do João. Ele agora vai para a escola e adquire outras informações sobre a leitura e escrita. Antes, aprendia por meio de situações informais e práticas sociais, mas na escola o aprendizado é formal e intencional. Segundo Kleiman (1995, p. 25) esse modelo é uma consequência do processo de escolarização, ou seja, ele é ensinado. A professora apresenta conceitos que João ainda não dominava, mas que poderiam contribuir com seus conhecimentos e vivências sobre a escrita. “A professora era uma moça alta, de óculos redondos. Ela mostrava às crianças uns cartazes coloridos, assim” (ROCHA, 1998, p. 14) como o ilustrado pela figura 30: 151 LETRAMENTO: O SENTIDO DE APRENDER E ENSINAR A LER E A ESCREvER Figura 30 - Ilustração didática ������������������� �������������� ������� ���������������� �������������� ���� � ���� ������������� ������ ����� ����������� ����� �� � ������������ ����������� �������������� ���� �������� ������������������� ����� � ������� � ��� � ���� �� ����� � �� ���������� ���� ���� � � ���� � �������� � ��� � �������� �������� Fonte: adaptado de Rocha (1998, p. 14 – 17). A experiência de João na escola oportunizou o contato com símbolos da escrita permitindo que pudesse “enxergar” as letras por onde andava. Ou seja, a escola, no papel da professora como agente de letramento, ofereceu informações 152 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO para o desenvolvimento de habilidades de leitura e escrita. O professor passa a ser um intermediário para o desenvolvimento da autonomia da leitura. No modelo ideológico ou na dimensão social, o letramento passa a ser visto mais como uma prática social do que como unicamente pessoal. Segundo Kleiman (1995, p. 38) esse modelo de letramento apresenta aspectos tanto culturais como das estruturas de poder numa sociedade. Para Soares (2004- A, p. 72), o “letramento não é pura e simplesmente um conjunto de habilidades individuais; é um conjunto de práticas sociais ligadas à leitura e à escrita em que os indivíduos se envolvem em seu contexto social”. Mortatti (2004, p. 105) reforça que “leitura e escrita são consideradas atividades eminentemente sociais, que variam no tempo e no espaço e dependem do tipo de sociedade, bem como dos projetos políticos, sociais e culturais em disputa. Para Colello (2010, p. 83) o modelo ideológico admite que a escrita não pode ser dissociada de seu contexto sócio-histórico de produção e interpretação, assumindo significados variados em diferentes contextos. É nas práticas sociais que a linguagem ganha sentido, assume valores e é reconhecida, o que põe em evidência as estruturas de poder da sociedade. 153 LETRAMENTO: O SENTIDO DE APRENDER E ENSINAR A LER E A ESCREvER Portanto, a dimensão ideológica/social do letramento permite que o sujeito identifique os usos e funções da leitura e escrita nos distintos ambientes e eventos que vivencia. Nesta dimensão, a leitura e escrita não podem ser dissociadas dos seus usos e finalidades para que a prática do estudo da língua seja significativo. Na história do João, o domínio da dimensão individual ou autônoma permitiu que pudesse exercer práticas de leitura em seu cotidiano. Ele já possuía um grau de letramento pois entendemos que, como pertencia a uma sociedade letrada, tinha contato com o texto escrito em diferentes eventos. Então, esse conhecimento proporcionou uma compreensão social da leitura e escrita favorecendo seu processo de alfabetização. A medida que João ia aprendendo os sistema de escrita alfabético na escola, ele aplicava no seu cotidiano identificando os novos conhecimentos em situações que já vivenciava. A cada novo aprendizado, agregava aos conhecimentos já adquiridos: E o milagre continuava acontecendo. Cada letra que João ia aprendendo ia logo aparecendo em tudo que era lugar. João saía da escola e se punha a procurar. E assim João viu surgir nas placas e nos pacotes, nos ônibus e nos postes, tudo que ele aprendia. Até que chegou um dia em que João olhou a placa na rua onde ele morava. E lá estava: Rua do Sol. 154 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO Reunindo aquelas letras, formou-se o nome que João já conhecia: Rua do Sol. E de repente, João compreendeu: - Gente, eu já sei ler!” (ROCHA, 1998, p. 30 – 33). A professora de João estava preocupada com a dimensão individual/autônoma pois ensinava o domínio de uma tecnologia, aspectos específicos da língua escrita, mas como o menino já estava inserido em eventos de letramento no cotidiano, os novos aprendizados ampliaram a dimensão social/ideológica. Entendemos que o papel da escola, como a principal agência de letramento, é fundamental no ensino de conceitos formais, mas há outras agências que proporcionam práticas de letramento como a família, a igreja ou ambientes de trabalho (KLEIMAN, 1995, p. 20). No caso do João, o ambiente familiar proporcionou eventos de letramento favorecendo o processo de alfabetização. Uma vez que em casa a criança observa os pais ou responsáveis em situações que envolvem leitura e a escrita, o aprendizado da língua torna-se muito mais significativo. As crianças que não conseguem sucesso na leitura e escrita são as que não encontram sentido, pois não querem ler e 155 LETRAMENTO: O SENTIDO DE APRENDER E ENSINAR A LER E A ESCREvER nem veem utilidade nesta atividade (SMITH, 1999, p. 14). Segundo Smith (1999, p. 118), “as crianças não aprendem a ler para encontrar sentido na escrita. Elas se empenham para encontrar sentido na escrita e, como consequência, aprendem a ler”. Acompanhe a figura 31: Figura 31- Letramento envolve Fonte: elaborada pela autora. Letramento e alfabetização devem caminhar juntos no processo de aprendizagem da língua escrita. É preciso entender os aspectos tecnológicos da língua como: habilidades motoras (pegar no lápis, direção de escrita, movimento do lápis para escrever as letras etc.) e aspectos cognitivos e linguísticos próprios da língua. Mas é necessário também saber ler diferentes tipos de textos, saber em que situaçãoos usar, como entender e interpretar, e produzir textos adequados aos diferentes contextos de uso— isso é letramento. Segundo Soares (2020, p. 27): 156 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO Alfabetização e letramento são processos cognitivos e linguísticos distintos, portanto, a aprendizagem e o ensino de um e de outro é de natureza essencialmente diferente: entretanto, as ciências em que se baseiam esses processos e a pedagogia por elas sugeridas evidenciam que são processos simultâneos e interdependentes. A alfabetização – a aquisição da tecnologia da escrita – não precede nem é pré-requisito para o letramento, ao contrário, a criança aprende a ler e escrever envolvendo-se em atividades de letramento, isto é, de leitura e produção de textos reais, de práticas sociais de leitura e escrita. SAIBA MAIS É fundamental que o professor esteja ciente do que é alfabetizar e letrar e que esses conceitos sejam reais e sua prática e trabalho em sala de aula devem favorecer a alfabetização sob a perspectiva do letramento. Entenda um pouco mais sobre essa prática assistindo às orienta- ções da professora Magda Soares. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v =k5N- FXwghLQ8. Acesso em: 18 de fev. 2022. A escola, por meio do professor, tem a responsabilidade de inserir a criança em um processo de aprendizagem favorecendo eventos de letramento e aprendizado da especificidade da língua. O professor alfabetizador deve ter consciência de que alfabetização e letramento são fenômenos https://www.youtube.com/watch?v=k5NFXwghLQ8 157 LETRAMENTO: O SENTIDO DE APRENDER E ENSINAR A LER E A ESCREvER complexos e indissociáveis. Ou seja, “as práticas em sala de aula devem estar orientadas de modo que se promova a alfabetização na perspectiva do letramento” (CASTANHEIRA; MACIEL; LÚCIO, 2008, p. 15). O professor precisa compreender que o ensino da língua não é apenas uma decodificação, mas práticas de sala de aula que promovam os usos da leitura e escrita em diferentes contextos. “O modo como o professor conduz seu trabalho é crucial para que a criança construa o conhecimento sobre o objeto escrito e adquira certas habilidades que lhe permitirão o uso efetivo do ler e do escrever em diferentes situações sociais” (CASTANHEIRA; MACIEL; LÚCIO, 2008, p. 31). Por isso, o professor precisa estar consciente do processo de alfabetização como uma prática letrada. A formação do alfabetizador deve ser orientada para que ele se aproprie do conceito de alfabetizar e letrar. No entanto, não basta apenas entender esses conceitos teoricamente, é preciso praticar em sala de aula. De acordo com Castanheira, Maciel e Lúcio (2008, p. 16-17) o que se observa é o distanciamento entre teoria e prática, ou seja, o professor entende o conceito de letramento, a necessidade de interação com materiais reais de leitura e escrita, mas na prática 158 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO acabam recorrendo aos pseudotextos como recursos de treino de leitura. Isso não irá fazer do aluno um sujeito letrado, pois esses textos não fazem parte do cotidiano do aluno. Outros acreditam que primeiro a criança precisa ser alfabetizada para depois ser letrada. Entretanto, observamos que o letramento é um processo que pode acontecer antes mesmo da criança frequentar a escola, como vimos exemplificado na história do Joãozinho. LETRAMENTO: BNCC E PNA O conceito de letramento pode ser observado em diferentes documentos nacionais que orientam a prática em sala de aula. Destacaremos as contribuições dos Parâmetros curriculares nacionais (PCNs), Base nacional comum curricular (BNCC), pacto nacional pela alfabetização na idade certa (PNAIC) e a Política nacional de alfabetização (PNA). Esses são PSEUDOTEXTO Segundo o alb.org, pseudotex- tos são “frases soltas, isoladas, as quais não chegam a cons- tituírem textos carregados de sentido” Fonte: https://alb.org. br/arquivo-morto/anais-jornal/ jornal1/comunicacoes/O%20 PROFESSORLENDO%20E%20 FORMANDO%20LEITORES.htm. Acesso em: 18 fev. 2022. https://alb.org.br/arquivo-morto/anais-jornal/jornal1/comunicacoes/O%20PROFESSORLENDO%20E%20FORMANDO%20LEITORES.htm 159 LETRAMENTO: O SENTIDO DE APRENDER E ENSINAR A LER E A ESCREvER documentos que orientam e apoiam o alfabetizador na reflexão da prática educativa. O PCN para a língua portuguesa (LP) destaca a importância de que o ensino da língua possibilite a plena participação social. A aprendizagem da língua é um “projeto educativo comprometido com a democratização social e cultural atribuída à escola a função e a responsabilidade de garantir a todos os seus alunos acesso aos saberes linguísticos necessários ao exercício da cidadania, direito inalienável a todos” (BRASIL, 2001, p. 23). A escola deve promover o letramento permitindo que o aluno seja capaz de entender e interpretar o que lê nos diferentes contextos. Nos PCNs, letramento é visto como resultado da participação em práticas sociais de leitura e escrita ampliado pelo domínio do sistema alfabético. De acordo com o documento “são práticas discursivas que precisam da escrita para torná-las significativas” (BRASIL, 2001, p. 23). Ainda segundo esse documento, o aluno deve ser usuários competente da escrita para poder participar efetivamente em práticas sociais que envolvam a leitura e a escrita. O PCN da LP está organizado em “dois eixos de práticas de linguagem: as práticas de uso da linguagem a as práticas de reflexão sobre 160 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO a língua e a linguagem” (ROJO, 2000, p. 29). Portanto, a concepção de letramento permeia toda a proposta de ensino da língua neste documento. Para que isso aconteça, a interação com práticas discursivas faz parte do ensino da língua. Tanto nos PCNs (BRASIL, 2001, p. 25–35) como na BNCC (BRASIL, 2018, p. 67) apresenta-se a centralidade do texto no ensino da língua. O letramento acontece quando o aluno presencia o uso de diferentes gêneros textuais em sala de aula relacionando o texto ao seu contexto de produção. A proposta do ensino da língua sob a perspectiva do letramento é trazer o cotidiano do aluno para a sala de aula. Pois este aluno está cercado de materiais escritos: rótulos de produtos, outdoors, embalagens, folhetos, preços, cartazes, listas, livros, cartões, revistas e até na própria roupa. Por isso o professor deve trazer para sala de alfabetização textos PRÁTICAS DISCURSIVAS São ações realizadas em sala de aula que promovam a interação de usos da língua em atividades orais e escritas entre os alunos. 161 LETRAMENTO: O SENTIDO DE APRENDER E ENSINAR A LER E A ESCREvER familiares às crianças, que façam parte do seu cotidiano (BRASIL, 2001, p. 83). Desta forma, a criança percebe a relação entre o mundo dela e a escola, ou seja, o que se aprende na escola é útil fora dela. Os PCNs sugerem algumas sugestões de textos atrativos e significativos para serem explorados em sala de aula, como parlendas, contos, quadrinhas, cartas, bilhetes, entre outros (BRASIL, 2001, p. 128). O PCN da LP orienta que o professor faça uso de textos reais na alfabetização, “pois os materiais para ensinar a ler não são bons para aprender a ler” (BRASIL, 2001, p. 56). A interação com diferentes materiais de leitura que pertencem ao cotidiano do aluno enriquece o letramento e cria um vínculo entre escola e o cotidiano. “A leitura, como prática social, é sempre um meio, nunca um fim. Ler é resposta a um objetivo, a uma necessidade pessoal. Fora da escola, não se lê só para aprender a ler, não se lê de uma única forma” (BRASIL, 2001, p. 57). A prática de leitura não são atividades de leitura, embora possa ocorrer perguntas de entendimento do texto, mas devem ser propostas para que de fato sejam práticas de leitura. Essas práticas têm o objetivo de formar leitores e escritores competentes que compreendam as funções e usos da diversidade de textos que circulam socialmente. 162 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO Desenvolver bons leitores exige esforço paraque vejam a leitura como “algo interessante e desafiador, algo que, conquistado plenamente, dará autonomia e independência” […] “Uma prática de leitura que não desperte e cultive o desejo de ler não é uma prática pedagógica eficiente” (BRASIL 2001, p. 58). A BNCC dá continuidade à proposta dos PCNs em relação a alfabetização. Neste documento há uma preocupação em garantir aos alunos o desenvolvimento de competências específicas de língua portuguesa em consonância com as competências específicas de linguagem (BNCC, 2018, p. 86). As competências para LP, em sua essência, estão voltadas para a formação de um aluno letrado, como pode ser observado na descrição das competências na figura 32. Essas competências ampliam a participação dos estudantes em práticas de diferentes campos de atividades e de pleno exercício da cidadania. Figura 32- Competências específicas de LP para o ensino fundamental 1 Compreender a língua como fenômeno cultural, histórico, social, variável, heterogêneo e sensível aos contextos de uso, reconhecendo-a como meio de construção de identidades de seus usuários e da comunidade a que pertencem. 2 Apropriar-se da linguagem escrita, reconhecendo-a como forma de interação nos diferentes campos de atuação da vida social e utilizando-a para ampliar suas possibilidades de participar da cultura letrada, de construir conhecimentos (inclusive escolares) e de se envolver com maior autonomia e protagonismo na vida social. 163 LETRAMENTO: O SENTIDO DE APRENDER E ENSINAR A LER E A ESCREvER 3 Ler, escutar e produzir textos orais, escritos e multissemióticos que circulam em diferentes campos de atuação e mídias, com compreensão, autonomia, fluência e criticidade, de modo a se expressar e partilhar informações, experiências, ideias e sentimentos, e continuar aprendendo. 4 Compreender o fenômeno da variação linguística, demonstrando atitude respeitosa diante de variedades linguísticas e rejeitando preconceitos linguísticos. 5 Empregar, nas interações sociais, a variedade e o estilo de linguagem adequados à situ-ação comunicativa, ao(s) interlocutor(es) e ao gênero do discurso/gênero textual. 6 Analisar informações, argumentos e opiniões manifestados em interações sociais e nos meios de comunicação, posicionando-se ética e criticamente em relação a conteúdos discriminatórios que ferem direitos humanos e ambientais. 7 Reconhecer o texto como lugar de manifestação e negociação de sentidos, valores e ideologias. 8 Selecionar textos e livros para leitura integral, de acordo com objetivos, interesses e projetos pessoais (estudo, formação pessoal, entretenimento, pesquisa, trabalho etc.). 9 Envolver-se em práticas de leitura literária que possibilitem o desenvolvimento do senso estético para fruição, valorizando a literatura e outras manifestações artístico-culturais como formas de acesso às dimensões lúdicas, de imaginário e encantamento, reconhecendo o potencial transformador e humanizador da experiência com a literatura. 10 Mobilizar práticas da cultura digital, diferentes linguagens, mídias e ferramentas digitais para expandir as formas de produzir sentidos (nos processos de compreensão e produção), aprender e refletir sobre o mundo e realizar diferentes projetos autorais. Fonte: BNCC (2018, p. 65). 164 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO Nota-se que, além de apresentar a importância do letramento, o aprendizado da especificidade da língua deve ser trabalhado tornando o aluno alfabetizado e letrado. Essa ação pedagógica deve ter como base a centralidade do texto, ou seja, o processo de aquisição da língua escrita se dá a partir do texto. Evidentemente, os processos de alfabetização e ortografização terão impacto nos textos em gêneros abordados nos anos iniciais. Em que pese a leitura e a produção compartilhadas com o docente e os colegas ainda assim, os gêneros propostas para leitura/escuta e produção oral, escrita e multissemiótica, nos primeiros anos iniciais, serão simples, tais como listas (de chamada, de ingredientes, de compras), bilhetes, convites, fotolegenda, manchetes e lides, listas de regras da turma etc., pois favorecem um foco maior na grafia, complexificando-se conforme se avança nos anos iniciais (BRASIL, 2018, p. 93). A proposta para o ensino da língua na BNCC é organizada por eixos apresentando diferentes experiências e perspectivas para a alfabetização. As diferentes práticas letradas que o aluno já vivenciou, tanto em casa como na educação infantil, serão ampliadas e intensificadas no processo de escolarização. O propósito desses eventos de letramento é preservar a inserção na vida, como práticas de eventos motivados (BRASIL, 2018, p. 89). A BNCC orienta as práticas de letramento na escola 165 LETRAMENTO: O SENTIDO DE APRENDER E ENSINAR A LER E A ESCREvER por meio dos eixos destacando o conhecimento a ser abordado para a que o ensino da língua seja trabalhado nos diferentes aspectos. Confira a figura 33: Figura 33 - Eixos EIXOS Oralidade Análise linguística e semiótica Leitura/Escuta Produção de textos Conhecimento e uso da língua oral em interações discursivas. Sistematização da alfabetização. Ampliação do letramento por meio de estratégias de leitura. Ampliação do letra-mento por meio de estratégias de produção de diferentes gêneros textuais. Fonte: BNCC (2018, p. 89). Observa-se na figura 33 os conhecimentos a serem trabalhados em cada eixo com a intenção de ampliar o letramento, pois o ensino da língua escrita, também na alfabetização, deve ser integral contemplando todos esses eixos. Além disso, o documento apresenta a ideia de múltiplos letramentos possibilitando a inserção dos alunos em práticas diversificadas de linguagens. A Política nacional de alfabetização (PNA), no entanto, apresenta uma proposta de letramento bem similar aos demais documentos, mas utiliza uma outra nomenclatura: literacia. Segundo este documento, “literacia é o conjunto de conhecimentos, 166 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO habilidades e atitudes relacionados à leitura e escrita, bem como sua prática produtiva. […] se reveste de especial importância como fator para o exercício pleno da cidadania” (BRASIL, 2019, p. 21). O PNA entende que habilidades de leitura e escrita acontecem antes da alfabetização e apresenta níveis de literacia. Utilizam os modelos dos autores Timothy e Cynthia Shanahan; confira a figura 34: Figura 34- Níveis de literacia Na base da pirâmide (da pré-escola ao fim do 1º ano do ensino fundamental). Literacia básica: que inclui a aquisição das habilidades fundamentais para a alfabetização (literacia emergente), como o conheci-mento de vocabulário e a consciência fonológica, bem como as habilidades adquiridas durante a alfabetização, isto é, a aquisição das habilidades de leitura (decodificação) e de escrita (codificação). No processo de aprendizagem, essas habilidades básicas devem ser consolidadas para que a criança possa acessar conhecimentos mais complexos. No segundo nível (do 2º ao 5º ano do ensino fundamental). Literacia intermediária: que abrange habilidades mais avançadas, como a fluência em leitura oral, que é necessária para a com-preensão de textos. No topo da pirâmide (do 6º ano ao ensino médio). Literacia disciplinar: onde se encontram as habilidades de leitura aplicáveis a conteúdos específicos de disciplinas, como geografia, biologia e história Fonte: Brasil (2019, p. 21). 167 LETRAMENTO: O SENTIDO DE APRENDER E ENSINAR A LER E A ESCREvER Esse documento apresenta o letramento emergente quando a criança já tem acesso à leitura e escrita antes de ir para a escola. A criança em casa ou na pré-escola entra em contato com diferentes práticas de linguagem tanto oral como escrita, como: ouvir histórias cantar músicas, recitar poema, entre outras; o que facilita o processo de alfabetização. Portanto, esses eventos podem acontecer em práticas formais ou informais por meio de atividades lúdicas antes mesmo da criançasaber ler e escrever (BRASIL, 2019, p. 22). O PNA também destaca o papel da família como fonte de literacia impactando o rendimento escolar da criança. E sugere que a família proporcione atividades como: a conversa com a criança, a narração de histórias, o manuseio de lápis e giz para as primeiras tentativas de escrita, o contato com livros ilustrados, a modelagem da linguagem oral desenvolvimento do vocabulário receptivo e expressivo em situações cotidianas e nas brincadeiras, os jogos com letras e palavras, além de muitas outras que se podem fazer em casa ou fora dela, na comunidade e em bibliotecas (BRASIL, 2019, p. 23). 168 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO SAIBA MAIS A Política nacional de alfabetização (PNA) foi um docu- mento instituído pelo Decreto n. 9.765 de 11 de abril de 2019. Apresenta os conhecimentos básicos de base cien- tífica que devem ser dominados pela criança no processo de alfabetização, tanto na área de leitura e escrita como na matemática. Leia o documento e conheça mais sobre o pensamento desta política para o ensino da língua. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/images/ban- ners/caderno_pna_final.pdf. Acesso em: 18 fev. 2022. Outro programa que destaca a importância do letramento no processo de alfabetização é o Pacto nacional pela alfabetização na idade certa (PNAIC). Este foi um programa de orientação e apoio aos professores alfabetizadores em sua formação continuada. A intenção deste programa é que todas as crianças fossem alfabetizadas até os 8 anos de idade. Para o PNAIC, a alfabetização também acontece sob a perspectiva do letramento numa abordagem interdisciplinar, pois e “busca favorecer situações propícias de aprendizagem do funcionamento do sistema de escrita alfabética, de modo articulado e simultâneo http://portal.mec.gov.br/images/banners/caderno_pna_final.pdf 169 LETRAMENTO: O SENTIDO DE APRENDER E ENSINAR A LER E A ESCREvER às aprendizagens relativas aos usos sociais da escrita e da oralidade “(BRASIL, 2015, p. 7). Dessa forma, a PNAIC afirma que “alfabetização é o processo em que as crianças aprendem não somente a ler e a escrever, mas também a falar e a escutar em diferentes contextos sociais, e que a leitura, a escrita, a fala e a escuta representam meios de apropriação de conhecimentos relevantes para a vida” (BRASIL, 2015, p.7). Vemos que nesse documento também há uma preocupação não apenas com o ensino do sistema de escrita alfabético, mas com a inserção da criança em um ambiente de letramento. O PNAIC procura promover discussões e reflexão sobre o processo de alfabetização e letramento para que os alfabetizadores compreendam que esses são processos indissociáveis, isto é, não acontecem separadamente. Segundo Chraim e Maria (2016, p. 162): alfabetização e letramento não manteriam entre si relações de complementaridade – alfabetização com letramento – ou de finalidade – alfabetização para o letramento ou outras congêneres; as relações seriam de integração, alfabetização e letramento constituindo um mesmo todo, 170 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO mas em relações específicas, porque não nos parece mais possível colocar alfabetização e letramento lado a lado. Portanto, os PCNs, a BNCC, a PNA e o PNAIC caminham sob a mesma orientação para a alfabetização: alfabetizar letrando. Na prática escolar deve haver uma integração entre ensino do sistema de escrita alfabético e o letramento para que o aluno tenha o domínio da especificidade da língua e seus usos e funções. CONSIDERAÇÕES FINAIS Durante este estudo, analisamos um outro lado do processo de aquisição da leitura e escrita diferente do tradicional conceito de alfabetizar, pois não basta apenas o domínio da especificidade da língua para o sujeito ser considerado plenamente alfabetizado, é preciso letrar. Por isso, para a inserção da criança no mundo da escrita, é necessário dominar aspectos linguísticos da língua escrita, mas também compreender que é um veículo de interação e apresenta usos, funções e valores socioculturais. Portanto, o indivíduo deve ser alfabetizado sob a perspectiva do letramento. Alfabetizar e letrar é permitir que a criança tenha capacidade de usar a escrita para inserir-se nas práticas sociais e pessoais 171 LETRAMENTO: O SENTIDO DE APRENDER E ENSINAR A LER E A ESCREvER que envolvem a língua escrita. Isto quer dizer que o letramento apresenta uma dimensão individual e social, pois o leitor competente terá autonomia em participar de práticas sociais de leitura e escrita em diferentes situações do seu cotidiano. Entendemos que letramento é o resultado da ação de ensinar e aprender as práticas sociais da leitura e escrita. O alfabetizador precisa considerar que, a despeito do caminho que escolher para o ensino da língua escrita, deve oportunizar ao aluno acesso a textos reais e significativos, que façam parte do seu dia a dia. Quando a criança participa de um ambiente letrado, o aprendizado da leitura e escrita faz mais sentido. Vimos que o papel do professor como agente de letramento é fundamental para alfabetizar e letrar. No entanto, a compreensão desses conceitos não pode ser construída apenas com base na teoria, deve ser aplicada em sala de aula permitindo que o aluno seja capaz de entender e interpretar o que lê nos diferentes contextos. Por fim, compreendemos que a formação do professor/ alfabetizador fundamenta-se em um trabalho consciente, estabelecendo uma relação entre teoria e prática para promover um aprendizado efetivo da língua: a alfabetização sob a perspectiva do letramento. 172 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO RESUMO Nesta unidade, aprendemos que: • a leitura e a escrita fazem parte do nosso cotidiano porque vivemos em uma sociedade rodeada por material escrito. Portanto, para a inserção da criança no mundo da escrita, três principais facetas devem ser consideradas: linguística, interativa e sociocultural; • a linguística indica conhecimentos específicos da alfabetização. As outras duas facetas, interativa e sociocultural, são consideradas como letramento pois destacam, respectivamente, a língua como veículo de interação dos sujeitos e os usos e funções no contexto social; • compreender e diferenciar alfabetização e letramento no processo de aquisição da língua escrita é essencial para a ação pedagógica. Por isso, a alfabetização deve acontecer sob a perspectiva do letramento. • letramento é o conjunto de práticas sociais que usam a escrita e alfabetização como o domínio do sistema de escrita alfabético e as especificidades da língua; 173 LETRAMENTO: O SENTIDO DE APRENDER E ENSINAR A LER E A ESCREvER • o letramento e a alfabetização, apesar de assumirem papéis distintos no processo de aquisição da língua escrita, eles são indissociáveis. Isto quer dizer que o alfabetizador, como agente de letramento, deve alfabetizar e letrar. Para isso deve compreender as dimensões ou os modelos de letramento: individual ou autônomo e ideológico ou social. Desta forma o letramento será ampliado, pois quando a criança tem autonomia na leitura e na escrita, ela é capaz de participar das práticas de letramento de forma mais efetiva; • o conceito de letramento é destacado nos diferentes documentos nacionais que orientam a prática da alfabetização (PCNs, a BNCC, o PNAIC e a PNA); • os PCNs, a BNCC, o PNAIC e a PNA são documentos que direcionam e apoiam o trabalho do alfabetizador propondo uma reflexão da prática em sala de aula. Observamos que estes documentos caminham sob a mesma orientação: alfabetizar letrando. REFERÊNCIAS BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, 2018. 174 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO BRASIL. Ministério da Educação. Política Nacional de Alfabetização. Brasília, MEC, SEALF, 2019. BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: língua portuguesa. Brasília: A Secretaria, 2001. Brasil. Secretaria de Educação Básica. Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa.A oralidade, a leitura e a escrita no ciclo de alfabetização. Caderno 05. Brasília: MEC, SEB, 2015. CASTANHEIRA, M. L.; MACIEL, F. I. P.; MARTINS, R. M. F. (Org.) Alfabetização e letramento na sala de aula. Belo Horizonte: Autêtica Editora: Ceale,2008. CHRAIM, A. M.; MARIA, M. S. E. O ensino e a aprendizagem da língua escrita num viés histórico: os métodos de alfabetização, os estágios implicacionais e perspectiva histórico cultural. In: SILVEIRA, E.; BAZZO, J. L. S.; CHAGAS, L. M. M.; AGUIAR, M. A. L.; PEDRALLI, R. (Orgs.). Alfabetização na perspectiva do letramento: letras e números nas práticas sociais. Florianópolis: UFSC/CED/NUP, 2016. DI NUCCI, E. P. Alfabetizar letrando... um desafio para o professor! In: LEITE, S. A. S. Alfabetização e letramento: 175 LETRAMENTO: O SENTIDO DE APRENDER E ENSINAR A LER E A ESCREvER contribuições para as práticas pedagógicas. Campinas, SP: Komedi: Arte Escrita, 2001. COLELLO, S. G. Alfabetização e letramento: o que será que será? In: LEITE, S. A. S.; COLELLO, S. G.; ARANTES, V. A. Alfabetização e letramento: pontos e contrapontos. São Paulo: Summus, 2010. KLEIMAN, A. Os significados do letramento: uma nova perspectiva sobre a prática social da escrita. Campinas: Mercado das Letras, 1995. KLEIMAN, A. Preciso ensinar o letramento? Não basta ensinar a ler e escrever? Campinas: UNICAMP, 2005. LEITE, S. A. S. Alfabetização e letramento: contribuições para as práticas pedagógicas. Campinas, SP: Komedi: Arte Escrita, 2001. MORTATTI, M. R. L. Educação e letramento. São Paulo: UNESP, 2004. ROCHA, R. O menino que aprendeu a ver. São Paulo: Quinteto Editorial, 1998. 176 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO SOARES, M. Alfabetização: a questão dos métodos. São Paulo: Editora Contexto, 2018. SOARES, M. Alfabetização e letramento. São Paulo: Contexto, 2004. (B) SOARES, M. Alfaletrar: toda criança pode aprender a ler e escrever. São Paulo: Editora Contexto, 2020. SOARES, M. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 2004. (A) SMITH, F. Leitura significativa. Porto Alegre: Editora Artes Médicas Sul, 1999. TFOUNI, L. V. Letramento e alfabetização. São Paulo: Cortez, 2005. WHITE, E. Orientação a criança. São Paulo: CPB, 1962. Alfabetização: a história sobre como ensinar a ler e a escrever Introdução Alfabetização: conhecendo a história da escrita ao longo dos tempos Conceito de alfabetização Métodos sintéticos Método alfabético Método fônico Método silábico Métodos analíticos de alfabetização Método da palavração Método da sentenciação Método do conto A didática das cartilhas utilizadas para o ensino da leitura e da escrita Considerações finais Referências Como a criança aprende a escrever e ler Introdução A ressignificação do ensino da leitura e da escrita Psicogênese da língua escrita Definindo psicogênese da língua escrita Níveis da psicogênese da alfabetização Procedimentos para classificação dos níveis psicogenéticos Nível silábico Nível alfabético Processos de construção da linguagem escrita Considerações finais Referências Letramento: o sentido de aprender e ensinar a ler e a escrever Introdução Letramento: conceito Diferenciando letramento O letramento na escola Letramento: BNCC e PNA Considerações finais Referências Alfabetizar letrando: o texto na sala de aula Introdução Alfabetizar letrando: centralidade do texto Produção escrita a partir do texto Letramento literário Estágios psicológicos da criança Proposta didática com literatura infantil Letramento: um conceito plural Considerações finais Referências Alfabetização: estudo da especificidade da língua Introdução Consciência fonológica Conceito de palavra Rimas e aliterações A sílaba Consciência fonêmica Considerações finais Referências Botão 9: Botão 14: Botão 10: Botão 11: Botão 12: Botão 13:
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