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MECANISMOS DE DEFESA AULA 4 Profª Juliana Lourenço 2 CONVERSA INICIAL Defesa, repressão, recalque, inibição... afinal, o que são esses recursos que o ego tem para ajudar no controle e na mediação de forças antagônicas? Já sabemos que o aparelho psíquico é composto por três instâncias: Id, ego e superego. Cabe ao ego mediar as demandas contraditórias entre Id e superego, valendo-se para isso de mecanismos de defesa, os quais recuperamos aqui para entendê-los melhor. Quando os mecanismos de defesa falham (e eles sempre falham), acontece a formação do sintoma. Nosso objetivo nesta etapa é: 1. Compreender melhor se todos aqueles termos utilizados no início desta conversa são sinônimos ou não; 2. Conhecer alguns mecanismos de defesa em função de sua psicodinâmica; e 3. Compreender a relação entre os mecanismos de defesa do ego e a formação de sintomas. TEMA 1 – MECANISMOS DE DEFESA Desde seus primeiros escritos sobre o aparelho psíquico, Freud já caracteriza o esforço do paciente, que gastava uma energia mental importante para tentar neutralizar ou pelo menos amenizar os sofrimentos emocionais, tais como lembranças e traumas que causavam ansiedade, tristeza, medo e outras emoções indesejadas. Em 1894, Freud escreve pela primeira vez, em As Neuropsicoses de Defesa, sobre esses esforços, entendendo como uma defesa do ego para evitar sintomas e sofrimentos mentais. Depois o termo defesa foi sendo substituído por recalque. Em 1926, ao escrever Inibições, sintomas e ansiedade, voltou a usar o termo defesa, pois havia entendido que não era apenas um, mas sim vários os mecanismos de defesa do ego e o recalque era apenas um deles. Como sabemos que a teoria psicanalítica foi sendo escrita ao longo da vida profissional de Freud, podemos entender por que o termo defesa foi usado, depois foi substituído por outro, até que voltou ser usado. Isso se deve a um entendimento mais claro que Freud foi tendo com o passar do tempo. 3 Sintetizando, o que Freud entendeu foi o seguinte: • Em 1894, no texto As neuropsicoses de defesa – primeira vez que usa o termo defesa para explicar um esforço mental que tentava evitar sofrimento emocional; • Entre 1894 e 1926, nos textos escritos por Freud aparece com frequência a expressão recalque para explicar a mesma coisa: um esforço mental que tentava evitar sofrimento emocional; • Em 1926, no texto Inibições, sintomas e snsiedade, Freud entendeu que defesa e recalque não eram sinônimos. o Defesa: vários mecanismos que o ego utiliza para evitar sofrimento emocional o Recalque: é apenas 1 (um) dos mecanismos de defesa O termo recalque ficou sendo usado para designar a barreira que, simbolicamente, há entre o ICs e o Cs (mostrado no diagrama a seguir). E a palavra defesa passou a ser explicada como mecanismos de defesa, pois eram vários. O diagrama a seguir, conhecido como diagrama do pente, ilustra um pouco sobre isso que estamos falando aqui: Figura 1 – Diagrama do pente Uma das diferenças entre Cs e ICs é que no consciente temos domínio de um tempo cronológico, as pessoas conseguem separar claramente um acontecimento que é do passado, do presente e do futuro. Já no inconsciente isso não acontece. O tempo, na parte inconsciente do aparelho psíquico, não 4 está organizado dessa forma, de modo que, quando lembramos um acontecimento do passado, a emoção nos afeta como se tivesse sido ontem! Assim, todas as lembranças que causam emoções ruins são recalcadas, ou seja, há uma força do ego que as empurra para a parte ICs do aparelho psíquico de modo que não perturbem na consciência. Só que, chegando lá no ICs, também há uma tensão para que sejam libertadas de novo. Por isso são forças antagônicas, que justificam esse entendimento chamado psicodinâmico, ou seja, é dinâmico, está sempre em movimento, e isso consome energia mental da pessoa. Ao ser recalcado, lá na origem, o conteúdo entra no ICs como recalque original (algo da ordem do real na teoria lacaniana), e com a dinâmica psíquica esse conteúdo vai se disfarçando, vai mudando de forma, vai sendo representado de outra forma, até que consegue escapar porque nem parece o mesmo! • Exemplo: imagine que você chegou a uma festa e descobriu que, para entrar, precisava estar vestido com paletó e você estava usando camiseta estampada. Então o recepcionista lhe informa que você não está adequado para entrar naquele local. Como você quer muito participar da festa, esforçou-se para conseguir um paletó. Primeiro conseguiu uma camisa, mas ainda não era suficiente, depois lhe emprestaram um jaleco, até que você encontrou um paletó parecido com aqueles que as outras pessoas na festa usavam. Estando assim vestido, voltou lá e seu acesso foi liberado. Saiba mais Veja que, no exemplo acima, quem estava de camiseta, de camisa, de jaleco e a de paletó era sempre a mesma pessoa! O que mudou foi a maneira de se vestir. Mas, de acordo com a maneira com a qual se veste a pessoa é significada de forma diferente. Assim como no exemplo dado, o conteúdo recalcado (recalque original) vai sofrendo deslocamentos que são ilustrados nas linhas pontilhadas do diagrama, de modo que, quanto mais deslocamentos sofridos, mais tolerado ele será na consciência. Todos esses movimentos são considerados mecanismos de defesa do ego, que são inconscientes. Sim, há uma parte do ego que é inconsciente! 5 Um exemplo de deslocamento é quando sonhamos com algo que nos permite ter raiva, por exemplo. A satisfação de ter sentido raiva de um monstro no sonho é muito boa. A agressividade pode ser liberada de maneira saudável no sonho. Da mesma forma o nojo, a inveja e todos os outros sentimentos que poderiam ser julgados como errados, feios ou pecado se fossem manifestados em vigília em relação a pessoas ou situações cotidianas. • Exemplo: A pessoa foi fazer carteira de motorista e passou pela prova prática onde precisou dirigir junto com o avaliador no carro. Foi estressante, difícil, o avaliador solicitou que a pessoa estacionasse o carro em uma rua movimentada e por duas vezes o motor do carro apagou. A pessoa precisava corresponder às expectativas e precisava manter um diálogo cordial com o avaliador. A pessoa foi reprovada no teste, mas ouviu atentamente as orientações do avaliador sobre como poderia se submeter ao processo novamente. Dias depois sonhou que estava em um tapete voador que voava para trás. Lá do alto viu uma escola, algo que parecia um hospital, depois se viu em uma ventania em meio às árvores à noite, viu situações de violência e injustiça, e outros cenários que lhe pareciam conhecidos, mas a pessoa não sabia o que era. Saiba mais A experiência emocional ruim no momento do teste precisou ser recalcada e no ICs, que não tem um tempo lógico, se misturou com outras experiências ruins de avaliação e julgamento. Esse misto de sentimentos é representado em um sonho por meio de elementos que representam aquilo que não pode ser enfrentado diretamente: sensação de ficar para trás, medo e raiva. Ao acordar, contou para várias pessoas da família sobre o sonho estranho e também falou sobre o sonho na sua sessão de análise. Mesmo sem entender o que significava esse sonho, a pessoa percebeu que já não se sentia tão mal quando lembrava a reprovação no teste de direção. E ficou ainda mais surpreso porque percebeu que se esqueceu de contar ao analista sobre ter reprovado na prova de direção na semana anterior. Esta mistura de coisas faz com que a pessoa lide indiretamente, de maneira figurada, com algo que em sua origem é mais difícil. As crianças adoram brincar de serem super-heróis e podem por meio 6 desta brincadeira se sentirem melhor, sem terem que falar nem entrar em contato com suas dores em se sentirem dependentes, pequenos e medrososna vida real. TEMA 2 – MECANISMOS DE DEFESA DESCRITOS POR FREUD, ANNA FREUD E MELANIE KLEIN Ao considerar tudo que há escrito atualmente sobre mecanismos de defesa, iremos nos deparar com muitos! Isso se deve ao fato de que há um consenso entre os psicanalistas de que essa teoria freudiana sobre o ego ter defesas para mediar conflitos psíquicos é válida. Sua filha Anna Freud continuou teorizando sobre isso, assim como Melanie Klein, Jacques Lacan e muitos outros psicanalistas pós freudianos. Por isso, será bom esclarecer aqui os autores de cada um deles: 2.1 Mecanismos de defesa descritos por Sigmund Freud • Regressão; • Recalcamento; • Formação reativa; • Isolamento afetivo; • Introjeção; • Projeção; • Anulação. Freud se destaca pela ênfase dada ao Inconsciente. No entanto, os mecanismos de defesa são do Ego. Vocês perceberão mais para a frente que houve uma fase em que a psicanálise se distanciou dos processos inconscientes justamente por causa da ênfase dada aos mecanismos de defesa do ego. Nos Estados Unidos, essa ênfase é bem forte ainda hoje. Quando estudamos sobre o fato de Lacan ter feito um retorno à Freud é também sobre isso que estamos falando. Isso porque, apesar de descrever os mecanismos de defesa do ego, e que parte do ego é consciente, o que Freud queria mesmo era teorizar sobre o inconsciente na teoria psicanalítica, e não tanto sobre o ego. 7 2.2 Mecanismos de defesa descritos por Anna Freud Sua filha, a também psicanalista Anna Freud, deu muito mais ênfase ao ego do que ao inconsciente em sua contribuição teórica à psicanálise. Em 1936 descreveu os seguintes mecanismos de defesa do ego: • Sublimação; • Deslocamento; • Negação; • Identificação com o agressor. Anna Freud (2006) considera que são saudáveis e desejáveis o uso de mecanismos de defesa nos processos de adaptação desde que sejam usados de forma flexível e moderada: Quando repudia as reivindicações da pulsão, sua primeira tarefa deve ser sempre a de chegar a termos com esses afetos. Amor, nostalgia, ciúme, mortificação, dor e pesar acompanham os desejos sexuais, o ódio, a cólera e o furor nos impulsos de agressão. Se quisermos que as exigências pulsionais a que estão associados sejam evitadas, esses afetos devem submeter-se a todas as várias medidas a que o ego recorre, em seus esforços para dominá-los. (Freud, 2006, p. 29) Anna Freud também considera que, de acordo com a maturidade alcançada ao longo do desenvolvimento, também os mecanismos de defesa sejam amadurecidos. Ou seja, há uma diferença entre os mecanismos de defesa que são considerados mais arcaicos e primitivos ou mais maduros e evoluídos. 2.3 Mecanismos de defesa descritos por Melanie Klein Melanie Klein (1973) descreve mecanismos de defesa considerados muito primários, que fazem parte dos primeiros meses de vida do bebê, quando o aparelho psíquico ainda nem existe como um todo, tendo apenas a dominância do Id. Os mecanismos de defesa descritos por Klein são os seguintes: • Clivagem do objeto: bom e mau; • Identificação projetiva; • Recusa da realidade psíquica; • Controle onipotente do objeto. 8 O objeto para o bebê seria sua relação de simbiose com a mãe/cuidador, que inicialmente é sentido como sendo parte dele e depois ele a percebe como separado. As reações emocionais provocam ansiedade e, por meio dos mecanismos de defesa descritos por Melanie Klein, o seu mundo interno tenta alcançar algum conforto. Mecanismos de defesa arcaicos nesse nível de regressão, quando aparecem intensamente nos adultos, caracterizam uma personalidade psicótica. Freud chegou a caracterizar a possibilidade de clivagem do ego, mas foi Melanie Klein que delimitou conceitualmente esse mecanismo. No vocabulário da psicanálise, Laplanche e Pontalis (2001) definem clivagem do ego como: Clivagem do ego – Expressão usada por Freud para designar o fenômeno muito particular – que ele vê operar sobretudo no fetichismo e nas psicoses – da coexistência, no seio do ego, de duas atitudes psíquicas para com a realidade exterior quando esta contraria uma exigência pulsional. Uma leva em conta a realidade, a outra nega a realidade em causa e coloca em seu lugar uma produção do desejo. Estas duas atitudes persistem lado a lado sem se influenciarem reciprocamente. É muito importante considerar que os mecanismos de defesa descritos por Melanie Klein são saudáveis e esperados no bebê muito pequeno, ou seja, fazem parte do desenvolvimento nesta etapa de vida. No entanto, quando esses mesmos mecanismos de defesa aparecem no adulto, são considerados patológicos, pois é esperado que os adultos já tenham recursos mentais muito maiores do que nos bebês. TEMA 3 – CLASSIFICAÇÃO DOS MECANISMOS DE DEFESA Campos (2019) apresenta diferentes perspectivas sobre o que são e qual a função dos mecanismos de defesa, com base em vários autores, dentre deles Anna Freud e considera que podem ser igualmente adaptativos, dependendo da sua flexibilidade e do grau em que preservam o teste da realidade. Quando falamos em adaptativos é porque a função do ego é mediar as necessidades individuais e sociais, ou seja, a pessoa precisa se sentir bem no contexto onde vive, então, são processos adaptativos. Os mecanismos de defesa ajudarão no processo de enfrentamento de desafios, de frustrações, e nesse caso são recursos que as pessoas irão acumulando ao longo da vida para que tenham um repertório suficientemente bom para lidar com situações difíceis. Em tendo muitos recursos, a tendência é que o ego escolha os melhores 9 mecanismos de defesa, aqueles mais evoluídos. Mas estando em uma condição frágil, sem muitos recursos emocionais, a tendência é que estejam disponíveis apenas mecanismos de defesa mais imaturos ou primitivos. A seguir, são categorizados os mecanismos de defesa conforme seu grau de regressão, lembrando que não é o uso de um deles que determina uma personalidade psicótica e sim o grau de rigidez, intensidade e frequência com que ocorrem: Mecanismos psicóticos: • Negação; • Distorção; • Projeção delirante. Mecanismos imaturos: • Fantasia; • Projeção; • Hipocondria; • Comportamento passivo-agressivo; • Acting-out. Mecanismos neuróticos: • Intelectualização; • Recalcamento; • Formação reativa; • Deslocamento; • Dissociação. Mecanismos maduros/evoluídos: • Sublimação; • Altruísmo; • Supressão; • Antecipação; • Humor. 10 TEMA 4 – ADEQUAÇÃO DOS MECANISMOS DE DEFESA A função dos mecanismos de defesa é proteger o ego da ansiedade, mas será de acordo com o grau de maturidade da personalidade que os mecanismos para defender o ego serão utilizados. Como já vimos, é comum ao bebê e às crianças pequenas algumas reações emocionais que são consideradas disfuncionais nos adultos. Ao longo do estudo sobre o desenvolvimento psicossexual foram apresentados diversos mecanismos de defesa considerados funcionais naquelas etapas de vida e, na classificação acima, aparecem listados como psicóticos ou imaturos. Isso se deve ao que Anna Freud escreveu sobre a expectativa que as defesas evoluam junto com o indivíduo. Vamos a um exemplo: Uma criança de 5 anos acaba de receber em casa uma irmãzinha recém- nascida. A família inteira está feliz e manifesta carinho pelo bebê com abraços, segurando no colo e fazendo carinhos. Apesar de interessada pela novidade, a criança tem medo de perder a atenção que era só dela antes. Já há sinais evidentes disso, pois a mãe e o pai estão muito mais ocupados do que eram antes, e a rotina da casa mudou. A sensação que ela tem em relação à irmã não é puramente de amor, pois também há o desejo de que a família volte a ser como antes, sem a irmã. Consideramos a ambivalência de sentimentos: amor e ódio. Mas, aos 5 anos de idade, ela já está subordinada às regras sociais, seu aparelho psíquico já temum esboço do que será o superego. Com essa condição de desenvolvimento sadio da personalidade, segundo a teoria psicossexual freudiana, a criança não negará a realidade, mas poderá usar outro mecanismo de defesa, chamado formação reativa. Em seu comportamento, ela abraça a irmã para demonstrar o mesmo carinho que os adultos demonstram, mas o fará com tanta força que a mãe terá medo que ela esmague o bebê. Formação reativa é a atitude de sentido oposto a um desejo: abraçar quando se quer agredir, superproteger quando não há desejo nem amor pelo outro, falar mal de algo desejado, dentre outras situações em que fazemos ou falamos sobre algo oposto ao nosso desejo. Uma criança de 5 anos já é capaz de reagir assim e reprimir o seu mal- estar em relação aos irmãos menores. De forma que, podemos considerar que no adulto, também é esperado que não aconteça a atuação acting-out de um desejo inconsciente de maneira tão primitiva. 11 Acting-out: Termo usado em psicanálise para designar as ações que apresentam, quase sempre, um caráter impulsivo, relativamente em ruptura com os sistemas de motivação habituais do sujeito, relativamente isolável no decurso das suas atividades, e que toma muitas vezes uma forma auto ou heteroagressiva. Para o psicanalista, o aparecimento do acting out é a marca da emergência do recalcado. (Laplanche; Pontalis, 2001 p. 6) Com base nos mecanismos de defesa maciçamente utilizados de forma rígida e estável, pode-se relacionar com a estrutura de personalidade psicótica, perversa ou neurótica. No livro Personalidade normal e patológica, Jean Bergeret adverte para o risco de não relacionarmos o tipo de defesa do ego com a estrutura de personalidade concluindo por ser neurótica ou psicótica. Segundo o autor: Podemos encontrar angústias de despersonalização ou, mais simplesmente, de desrealização em uma desestruturação mínima (aguda e passageira), de origem traumática (ou mesmo, eventualmente, terapêutica), sem que tais fenômenos constituam o apanágio de qualquer estruturação específica. As bem conhecidas síndromes ansiosas do pós parto ou do pós aborto, por exemplo, podem manifestar-se em qualquer estrutura, e mesmo que, por vezes, se possa distinguir aí um sinal de precário subjacente, esses acidentes de percurso ocorrem mais comumente fora de qualquer comprometimento psicopatológico. (Bergeret, 1988, p. 47) Há uma diferença entre ser e estar que, se não bem percebidas, podem levar a situações bastante cruéis nos diagnósticos psicopatológicos. Uma situação de despersonalização que acontece quando uma pessoa saudável entra em um surto pode levar ao diagnóstico de psicose, e, mesmo que aquela situação nunca mais se repita, o peso do diagnóstico (rótulo) poderá ser determinante de muito sofrimento mental. Um exemplo dessa situação é apresentado no filme Bicho de Sete Cabeças, protagonizado por Rodrigo Santoro. Ao ser avaliada a estrutura emocional do protagonista no filme, em situações pontuais, o diagnóstico poderia ser de uma personalidade psicótica, mas ao considerar a pessoa ao longo de sua história de vida e contexto de vida, a interpretação é outra. TEMA 5 – FORMAÇÃO DO SINTOMA O sintoma expressa a existência de um conflito. Ele decorre depois que uma parte do que estava reprimido voltou à consciência em forma de mal-estar, dor, emoção, pensamento, comportamento. O que define o sintoma em psicanálise é precisamente o fato de reproduzir, de maneira mais ou menos disfarçada, certos elementos de um conflito passado. De um modo geral, o recalcado procura “retornar” 12 ao presente, sob a forma de sonhos, de sintomas, de atuação...”o que permaneceu incompreendido retorna; como uma alma penada, não tem repouso até que seja encontrada solução e alívio. (Laplanche; Pontalis, 2001 p. 83) Para os mesmos autores, a formação de sintoma engloba o retorno do conteúdo recalcado/reprimido sob a forma de formações reativas (bastante observadas no comportamento), formações de compromisso e formações substitutivas. Um exemplo de sintoma observado no comportamento é conhecido como compulsão à repetição, com motivação de origem inconsciente, o sujeito se coloca intencionalmente em situações penosas, repetindo experiências antigas sem se dar conta que é uma repetição. Destaco aqui, na íntegra, a definição de Laplanche e Pontalis (2001) considerando a grande importância, sob o ponto de vista clínico, que essas formações têm para que se identifique o sintoma, a origem do conflito e da defesa: 5.1 Formação reativa Atitude ou hábito psicológico de sentido oposto a um desejo recalcado e constituído em reação contra ele (o pudor opondo-se a tendências exibicionistas, por exemplo). Em termos econômicos, a formação reativa é um contrainvestimento de um elemento consciente, de força igual e de direção oposta ao investimento inconsciente. As formações reativas podem ser muito localizadas e se manifestar por um comportamento peculiar, ou generalizadas até o ponto de constituírem traços de caráter mais ou menos integrados no conjunto da personalidade. Do ponto de vista clínico, as formações reativas assumem um valor sintomático no que oferecem de rígido, de forçado, de compulsivo, pelos seus fracassos acidentais, pelo fato de levarem, às vezes diretamente, a um resultado oposto ao que é conscientemente visado. 5.2 Formação de compromisso Forma que o recalcado assume para ser admitido no consciente, retornando no sintoma, no sonho e, mais geralmente, em qualquer produção do inconsciente. As representações recalcadas são então deformadas pela defesa ao ponto de serem irreconhecíveis. Na mesma formação podem assim ser satisfeitos – num mesmo compromisso – simultaneamente o desejo inconsciente e as exigências defensivas. 13 5.3 Formação substitutiva Designa os sintomas ou formações equivalentes, como os atos falhos, os chistes etc., enquanto substituem os conteúdos inconscientes. Essa substituição deve ser tomada numa dupla acepção: econômica, uma vez que o sintoma acarreta uma satisfação de substituição do desejo inconsciente; e simbólica, uma vez que o conteúdo inconsciente é substituído por outro segundo determinadas linhas associativas. A psicanálise tem como objetivo desfazer as repressões e libertar o paciente da sua tirania, ajudando o paciente no processo de autoconhecimento por meio da interpretação de seus sintomas, conflitos, defesas até que se chegue às fixações de energia libidinal que foram feitas ao longo da vida, sejam elas em eventos traumáticos reais ou imaginados. Inicialmente essas fixações foram compreendidas por Freud como eventos reais, traumáticos. Posteriormente, a experiência clínica mostrou que os traumas relatados no discurso manifesto não necessariamente eram reais, mas sim produto de fantasias, conteúdo da realidade psíquica do sujeito e, portanto, significado por ele como real. Aquele que não conhece a história é compelido a repeti-la. Esse ciclo de repetição só será interrompido pela recordação em análise e pela elaboração, assim como escreveu Freud em 1914: recordar, repetir e elaborar. O processo psicanalítico irá se desenvolver para ser cenário e continente destas recordações, de modo que seja possível a elaboração e ressignificação das experiências traumáticas (real ou fantasiada) até que o conteúdo do desejo possa ser suportado no consciente após um trabalho de ressignificação das emoções fixadas ao longo de sua história de vida. Dias (2006, p. 402), concordando com Freud, entende que a pulsão de morte é, em última instância, a responsável pela repetição, fazendo com que se retorne sempre a um mesmo lugar; lugar de sofrimento e desprazer, o qual proporciona uma satisfação paradoxal, para além do princípio do prazer, que faz o sujeito gozar de seu mal-estar, traçando as vias por onde circula. A necessidade de repetir a mesma coisa é ondese situa o recurso de tudo aquilo que se manifesta do inconsciente sob a forma de reprodução sintomática. Essa psicodinâmica do sintoma (recalcamento, pulsão, libido, trauma, fixação, regressão, fantasia, desejo, objeto, falo, gozo) é retomada por psicanalistas pós-freudianos, e novos pontos de vista se apresentam em teorias que não excluem de maneira alguma as teorias freudianas, mas se somam a 14 elas, como outras perspectivas para a compreensão dos mesmos fenômenos. A partir da década de 1950, Jacques Lacan enfatiza na psicanálise a dimensão do simbólico e acrescenta uma concepção linguística aos processos inconscientes. NA PRÁTICA A dimensão do amor é do imaginário. A completude é o engano do amor. Quando se tem um excesso de imaginário, perde-se a organização psíquica, acontece o delírio, a psicose. Em uma relação amorosa, imaginamos que o outro tem o que eu desejo. Nenhuma relação amorosa real vai confirmar a relação imaginária e essa é uma frustração bastante frequente nas queixas dos pacientes. Mas também é verdade que, mesmo não confirmando o imaginário, essa busca tende a ser repetida – e que bom que é assim, pois nessa busca fica evidente a pulsão de vida. FINALIZANDO Sabemos que esta foi uma etapa difícil, pois os termos técnicos são muitos, mas com o tempo eles serão mais familiares para você! Com o objetivo de síntese, recuperamos aqui os objetivos que tínhamos para esta etapa: 1. Compreender melhor se todos aqueles termos utilizados no início desta conversa são sinônimos ou não; 2. Conhecer alguns mecanismos de defesa a partir de sua psicodinâmica; e 3. Compreender a relação entre os mecanismos de defesa do ego e a formação de sintomas. Em uma tentativa de responder, correndo o risco de simplificar demais ao tentar resumir, os mecanismos de defesa estão à serviço do ego e graças a eles o ego consegue ter êxito na sua função de reprimir as pulsões irracionais do inconsciente e livrar-se da tirania do superego. Os mecanismos de defesa podem ser considerados saudáveis ou patológicos, dependendo de quais são e em que época da vida eles são utilizados. Para uma criança na fase oral, entre o primeiro e o segundo ano de vida 15 é normal a negação, a projeção e a distorção da realidade. Assim como é normal o delírio durante um sonho. Mas se estes mesmos mecanismos de defesa são usados pelos adultos em vigília, ou seja, se eles invadem o comportamento consciente, podemos considerar que se trata de uma psicose. As estruturas de personalidade se organizam em neurótica, perversa e psicótica com base em uma determinação genética/hereditária + experiências psicossociais ao longo da infância e do desenvolvimento psicossexual + ambiente e contexto de vida em que o indivíduo está inserido que podem desencadear algo que estava latente. Os mecanismos de defesa mais arcaicos, aqueles comuns nos bebês, são típicos de uma personalidade psicótica. É esperado que, quanto mais organizada a personalidade, mais maduros sejam os mecanismos de defesa. 16 REFERÊNCIAS BERGERET, J. Personalidade normal e patológica. Porto Alegre: Artes Médicas, 1988. CAMPOS, R. O conceito de mecanismos de defesa e a sua avaliação: alguns contributos. Revista Iberoamericana de Diagnóstico y Evaluación – e Avaliação Psicológica – RIDEP, v. 1, n. 50, p. 149-161, 2019 DIAS, M. G. L. V. O sintoma: de Freud a Lacan. Psicologia Estudos, Maringá, v. 11, n. 2, p. 399-405, ago. 2006. FREUD, A. O ego e os mecanismos de defesa. Tradução de Francisco Settíneri. Porto Alegre: Artmed, 2006. FREUD, S. Obras completas. Rio de Janeiro: Imago, 1996. LAPLANCHE e PONTALIS. Vocabulário de psicanálise. Tradução de Pedro Tamen. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001. SEGAL, H. Introdução à obra de Melanie Klein. Rio de Janeiro: Imago, 1973.
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