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Aula 4- Mecanismo de Defesa Psicanálise

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MECANISMOS DE DEFESA 
AULA 4 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Profª Juliana Lourenço 
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CONVERSA INICIAL 
Defesa, repressão, recalque, inibição... afinal, o que são esses recursos 
que o ego tem para ajudar no controle e na mediação de forças antagônicas? 
Já sabemos que o aparelho psíquico é composto por três instâncias: Id, 
ego e superego. Cabe ao ego mediar as demandas contraditórias entre Id e 
superego, valendo-se para isso de mecanismos de defesa, os quais 
recuperamos aqui para entendê-los melhor. Quando os mecanismos de defesa 
falham (e eles sempre falham), acontece a formação do sintoma. 
Nosso objetivo nesta etapa é: 
1. Compreender melhor se todos aqueles termos utilizados no início desta 
conversa são sinônimos ou não; 
2. Conhecer alguns mecanismos de defesa em função de sua 
psicodinâmica; e 
3. Compreender a relação entre os mecanismos de defesa do ego e a 
formação de sintomas. 
TEMA 1 – MECANISMOS DE DEFESA 
Desde seus primeiros escritos sobre o aparelho psíquico, Freud já 
caracteriza o esforço do paciente, que gastava uma energia mental importante 
para tentar neutralizar ou pelo menos amenizar os sofrimentos emocionais, tais 
como lembranças e traumas que causavam ansiedade, tristeza, medo e outras 
emoções indesejadas. 
Em 1894, Freud escreve pela primeira vez, em As Neuropsicoses de 
Defesa, sobre esses esforços, entendendo como uma defesa do ego para evitar 
sintomas e sofrimentos mentais. Depois o termo defesa foi sendo substituído por 
recalque. 
Em 1926, ao escrever Inibições, sintomas e ansiedade, voltou a usar o 
termo defesa, pois havia entendido que não era apenas um, mas sim vários os 
mecanismos de defesa do ego e o recalque era apenas um deles. 
Como sabemos que a teoria psicanalítica foi sendo escrita ao longo da 
vida profissional de Freud, podemos entender por que o termo defesa foi usado, 
depois foi substituído por outro, até que voltou ser usado. Isso se deve a um 
entendimento mais claro que Freud foi tendo com o passar do tempo. 
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Sintetizando, o que Freud entendeu foi o seguinte: 
• Em 1894, no texto As neuropsicoses de defesa – primeira vez que usa o 
termo defesa para explicar um esforço mental que tentava evitar 
sofrimento emocional; 
• Entre 1894 e 1926, nos textos escritos por Freud aparece com frequência 
a expressão recalque para explicar a mesma coisa: um esforço mental 
que tentava evitar sofrimento emocional; 
• Em 1926, no texto Inibições, sintomas e snsiedade, Freud entendeu que 
defesa e recalque não eram sinônimos. 
o Defesa: vários mecanismos que o ego utiliza para evitar sofrimento 
emocional 
o Recalque: é apenas 1 (um) dos mecanismos de defesa 
O termo recalque ficou sendo usado para designar a barreira que, 
simbolicamente, há entre o ICs e o Cs (mostrado no diagrama a seguir). 
E a palavra defesa passou a ser explicada como mecanismos de 
defesa, pois eram vários. 
O diagrama a seguir, conhecido como diagrama do pente, ilustra um 
pouco sobre isso que estamos falando aqui: 
Figura 1 – Diagrama do pente 
 
Uma das diferenças entre Cs e ICs é que no consciente temos domínio 
de um tempo cronológico, as pessoas conseguem separar claramente um 
acontecimento que é do passado, do presente e do futuro. Já no inconsciente 
isso não acontece. O tempo, na parte inconsciente do aparelho psíquico, não 
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está organizado dessa forma, de modo que, quando lembramos um 
acontecimento do passado, a emoção nos afeta como se tivesse sido ontem! 
Assim, todas as lembranças que causam emoções ruins são recalcadas, 
ou seja, há uma força do ego que as empurra para a parte ICs do aparelho 
psíquico de modo que não perturbem na consciência. 
Só que, chegando lá no ICs, também há uma tensão para que sejam 
libertadas de novo. Por isso são forças antagônicas, que justificam esse 
entendimento chamado psicodinâmico, ou seja, é dinâmico, está sempre em 
movimento, e isso consome energia mental da pessoa. 
Ao ser recalcado, lá na origem, o conteúdo entra no ICs como recalque 
original (algo da ordem do real na teoria lacaniana), e com a dinâmica psíquica 
esse conteúdo vai se disfarçando, vai mudando de forma, vai sendo 
representado de outra forma, até que consegue escapar porque nem parece o 
mesmo! 
• Exemplo: imagine que você chegou a uma festa e descobriu que, para 
entrar, precisava estar vestido com paletó e você estava usando camiseta 
estampada. Então o recepcionista lhe informa que você não está 
adequado para entrar naquele local. Como você quer muito participar da 
festa, esforçou-se para conseguir um paletó. Primeiro conseguiu uma 
camisa, mas ainda não era suficiente, depois lhe emprestaram um jaleco, 
até que você encontrou um paletó parecido com aqueles que as outras 
pessoas na festa usavam. Estando assim vestido, voltou lá e seu acesso 
foi liberado. 
Saiba mais 
Veja que, no exemplo acima, quem estava de camiseta, de camisa, de 
jaleco e a de paletó era sempre a mesma pessoa! O que mudou foi a maneira 
de se vestir. Mas, de acordo com a maneira com a qual se veste a pessoa é 
significada de forma diferente. 
Assim como no exemplo dado, o conteúdo recalcado (recalque original) 
vai sofrendo deslocamentos que são ilustrados nas linhas pontilhadas do 
diagrama, de modo que, quanto mais deslocamentos sofridos, mais tolerado ele 
será na consciência. Todos esses movimentos são considerados 
mecanismos de defesa do ego, que são inconscientes. Sim, há uma parte do 
ego que é inconsciente! 
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Um exemplo de deslocamento é quando sonhamos com algo que nos 
permite ter raiva, por exemplo. A satisfação de ter sentido raiva de um monstro 
no sonho é muito boa. A agressividade pode ser liberada de maneira saudável 
no sonho. Da mesma forma o nojo, a inveja e todos os outros sentimentos que 
poderiam ser julgados como errados, feios ou pecado se fossem manifestados 
em vigília em relação a pessoas ou situações cotidianas. 
• Exemplo: A pessoa foi fazer carteira de motorista e passou pela prova 
prática onde precisou dirigir junto com o avaliador no carro. Foi 
estressante, difícil, o avaliador solicitou que a pessoa estacionasse o 
carro em uma rua movimentada e por duas vezes o motor do carro 
apagou. A pessoa precisava corresponder às expectativas e precisava 
manter um diálogo cordial com o avaliador. A pessoa foi reprovada no 
teste, mas ouviu atentamente as orientações do avaliador sobre como 
poderia se submeter ao processo novamente. Dias depois sonhou que 
estava em um tapete voador que voava para trás. Lá do alto viu uma 
escola, algo que parecia um hospital, depois se viu em uma ventania em 
meio às árvores à noite, viu situações de violência e injustiça, e outros 
cenários que lhe pareciam conhecidos, mas a pessoa não sabia o que 
era. 
Saiba mais 
A experiência emocional ruim no momento do teste precisou ser 
recalcada e no ICs, que não tem um tempo lógico, se misturou com outras 
experiências ruins de avaliação e julgamento. Esse misto de sentimentos é 
representado em um sonho por meio de elementos que representam aquilo que 
não pode ser enfrentado diretamente: sensação de ficar para trás, medo e raiva. 
Ao acordar, contou para várias pessoas da família sobre o sonho estranho 
e também falou sobre o sonho na sua sessão de análise. Mesmo sem entender 
o que significava esse sonho, a pessoa percebeu que já não se sentia tão mal 
quando lembrava a reprovação no teste de direção. E ficou ainda mais surpreso 
porque percebeu que se esqueceu de contar ao analista sobre ter reprovado na 
prova de direção na semana anterior. 
Esta mistura de coisas faz com que a pessoa lide indiretamente, de 
maneira figurada, com algo que em sua origem é mais difícil. 
As crianças adoram brincar de serem super-heróis e podem por meio 
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desta brincadeira se sentirem melhor, sem terem que falar nem entrar em 
contato com suas dores em se sentirem dependentes, pequenos e medrososna 
vida real. 
TEMA 2 – MECANISMOS DE DEFESA DESCRITOS POR FREUD, ANNA FREUD 
E MELANIE KLEIN 
Ao considerar tudo que há escrito atualmente sobre mecanismos de 
defesa, iremos nos deparar com muitos! Isso se deve ao fato de que há um 
consenso entre os psicanalistas de que essa teoria freudiana sobre o ego ter 
defesas para mediar conflitos psíquicos é válida. Sua filha Anna Freud continuou 
teorizando sobre isso, assim como Melanie Klein, Jacques Lacan e muitos outros 
psicanalistas pós freudianos. 
Por isso, será bom esclarecer aqui os autores de cada um deles: 
2.1 Mecanismos de defesa descritos por Sigmund Freud 
• Regressão; 
• Recalcamento; 
• Formação reativa; 
• Isolamento afetivo; 
• Introjeção; 
• Projeção; 
• Anulação. 
Freud se destaca pela ênfase dada ao Inconsciente. No entanto, os 
mecanismos de defesa são do Ego. Vocês perceberão mais para a frente que 
houve uma fase em que a psicanálise se distanciou dos processos inconscientes 
justamente por causa da ênfase dada aos mecanismos de defesa do ego. Nos 
Estados Unidos, essa ênfase é bem forte ainda hoje. Quando estudamos sobre 
o fato de Lacan ter feito um retorno à Freud é também sobre isso que estamos 
falando. Isso porque, apesar de descrever os mecanismos de defesa do ego, e 
que parte do ego é consciente, o que Freud queria mesmo era teorizar sobre o 
inconsciente na teoria psicanalítica, e não tanto sobre o ego. 
 
 
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2.2 Mecanismos de defesa descritos por Anna Freud 
Sua filha, a também psicanalista Anna Freud, deu muito mais ênfase ao 
ego do que ao inconsciente em sua contribuição teórica à psicanálise. Em 1936 
descreveu os seguintes mecanismos de defesa do ego: 
• Sublimação; 
• Deslocamento; 
• Negação; 
• Identificação com o agressor. 
Anna Freud (2006) considera que são saudáveis e desejáveis o uso de 
mecanismos de defesa nos processos de adaptação desde que sejam usados 
de forma flexível e moderada: 
Quando repudia as reivindicações da pulsão, sua primeira tarefa deve 
ser sempre a de chegar a termos com esses afetos. Amor, nostalgia, 
ciúme, mortificação, dor e pesar acompanham os desejos sexuais, o 
ódio, a cólera e o furor nos impulsos de agressão. Se quisermos que 
as exigências pulsionais a que estão associados sejam evitadas, esses 
afetos devem submeter-se a todas as várias medidas a que o ego 
recorre, em seus esforços para dominá-los. (Freud, 2006, p. 29) 
Anna Freud também considera que, de acordo com a maturidade 
alcançada ao longo do desenvolvimento, também os mecanismos de defesa 
sejam amadurecidos. Ou seja, há uma diferença entre os mecanismos de defesa 
que são considerados mais arcaicos e primitivos ou mais maduros e evoluídos. 
2.3 Mecanismos de defesa descritos por Melanie Klein 
Melanie Klein (1973) descreve mecanismos de defesa considerados 
muito primários, que fazem parte dos primeiros meses de vida do bebê, quando 
o aparelho psíquico ainda nem existe como um todo, tendo apenas a dominância 
do Id. Os mecanismos de defesa descritos por Klein são os seguintes: 
• Clivagem do objeto: bom e mau; 
• Identificação projetiva; 
• Recusa da realidade psíquica; 
• Controle onipotente do objeto.
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O objeto para o bebê seria sua relação de simbiose com a mãe/cuidador, 
que inicialmente é sentido como sendo parte dele e depois ele a percebe como 
separado. As reações emocionais provocam ansiedade e, por meio dos 
mecanismos de defesa descritos por Melanie Klein, o seu mundo interno tenta 
alcançar algum conforto. 
Mecanismos de defesa arcaicos nesse nível de regressão, quando 
aparecem intensamente nos adultos, caracterizam uma personalidade psicótica. 
Freud chegou a caracterizar a possibilidade de clivagem do ego, mas foi Melanie 
Klein que delimitou conceitualmente esse mecanismo. 
No vocabulário da psicanálise, Laplanche e Pontalis (2001) definem 
clivagem do ego como: 
Clivagem do ego – Expressão usada por Freud para designar o 
fenômeno muito particular – que ele vê operar sobretudo no fetichismo 
e nas psicoses – da coexistência, no seio do ego, de duas atitudes 
psíquicas para com a realidade exterior quando esta contraria uma 
exigência pulsional. Uma leva em conta a realidade, a outra nega a 
realidade em causa e coloca em seu lugar uma produção do desejo. 
Estas duas atitudes persistem lado a lado sem se influenciarem 
reciprocamente. 
É muito importante considerar que os mecanismos de defesa descritos 
por Melanie Klein são saudáveis e esperados no bebê muito pequeno, ou seja, 
fazem parte do desenvolvimento nesta etapa de vida. No entanto, quando esses 
mesmos mecanismos de defesa aparecem no adulto, são considerados 
patológicos, pois é esperado que os adultos já tenham recursos mentais muito 
maiores do que nos bebês. 
TEMA 3 – CLASSIFICAÇÃO DOS MECANISMOS DE DEFESA 
Campos (2019) apresenta diferentes perspectivas sobre o que são e qual 
a função dos mecanismos de defesa, com base em vários autores, dentre deles 
Anna Freud e considera que podem ser igualmente adaptativos, dependendo da 
sua flexibilidade e do grau em que preservam o teste da realidade. 
Quando falamos em adaptativos é porque a função do ego é mediar as 
necessidades individuais e sociais, ou seja, a pessoa precisa se sentir bem no 
contexto onde vive, então, são processos adaptativos. Os mecanismos de 
defesa ajudarão no processo de enfrentamento de desafios, de frustrações, e 
nesse caso são recursos que as pessoas irão acumulando ao longo da vida 
para que tenham um repertório suficientemente bom para lidar com situações 
difíceis. Em tendo muitos recursos, a tendência é que o ego escolha os melhores 
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mecanismos de defesa, aqueles mais evoluídos. Mas estando em uma condição 
frágil, sem muitos recursos emocionais, a tendência é que estejam disponíveis 
apenas mecanismos de defesa mais imaturos ou primitivos. 
A seguir, são categorizados os mecanismos de defesa conforme seu grau 
de regressão, lembrando que não é o uso de um deles que determina uma 
personalidade psicótica e sim o grau de rigidez, intensidade e frequência com 
que ocorrem: 
Mecanismos psicóticos: 
• Negação; 
• Distorção; 
• Projeção delirante. 
Mecanismos imaturos: 
• Fantasia; 
• Projeção; 
• Hipocondria; 
• Comportamento passivo-agressivo; 
• Acting-out. 
Mecanismos neuróticos: 
• Intelectualização; 
• Recalcamento; 
• Formação reativa; 
• Deslocamento; 
• Dissociação. 
Mecanismos maduros/evoluídos: 
• Sublimação; 
• Altruísmo; 
• Supressão; 
• Antecipação; 
• Humor.
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TEMA 4 – ADEQUAÇÃO DOS MECANISMOS DE DEFESA 
A função dos mecanismos de defesa é proteger o ego da ansiedade, mas 
será de acordo com o grau de maturidade da personalidade que os mecanismos 
para defender o ego serão utilizados. Como já vimos, é comum ao bebê e às 
crianças pequenas algumas reações emocionais que são consideradas 
disfuncionais nos adultos. Ao longo do estudo sobre o desenvolvimento 
psicossexual foram apresentados diversos mecanismos de defesa considerados 
funcionais naquelas etapas de vida e, na classificação acima, aparecem listados 
como psicóticos ou imaturos. Isso se deve ao que Anna Freud escreveu sobre a 
expectativa que as defesas evoluam junto com o indivíduo. 
Vamos a um exemplo: 
Uma criança de 5 anos acaba de receber em casa uma irmãzinha recém-
nascida. A família inteira está feliz e manifesta carinho pelo bebê com abraços, 
segurando no colo e fazendo carinhos. Apesar de interessada pela novidade, a 
criança tem medo de perder a atenção que era só dela antes. Já há sinais 
evidentes disso, pois a mãe e o pai estão muito mais ocupados do que eram antes, 
e a rotina da casa mudou. A sensação que ela tem em relação à irmã não é 
puramente de amor, pois também há o desejo de que a família volte a ser como 
antes, sem a irmã. Consideramos a ambivalência de sentimentos: amor e ódio. 
Mas, aos 5 anos de idade, ela já está subordinada às regras sociais, seu aparelho 
psíquico já temum esboço do que será o superego. 
Com essa condição de desenvolvimento sadio da personalidade, segundo 
a teoria psicossexual freudiana, a criança não negará a realidade, mas poderá 
usar outro mecanismo de defesa, chamado formação reativa. Em seu 
comportamento, ela abraça a irmã para demonstrar o mesmo carinho que os 
adultos demonstram, mas o fará com tanta força que a mãe terá medo que ela 
esmague o bebê. 
Formação reativa é a atitude de sentido oposto a um desejo: abraçar 
quando se quer agredir, superproteger quando não há desejo nem amor pelo 
outro, falar mal de algo desejado, dentre outras situações em que fazemos ou 
falamos sobre algo oposto ao nosso desejo. 
Uma criança de 5 anos já é capaz de reagir assim e reprimir o seu mal-
estar em relação aos irmãos menores. De forma que, podemos considerar que 
no adulto, também é esperado que não aconteça a atuação acting-out de um 
desejo inconsciente de maneira tão primitiva. 
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Acting-out: Termo usado em psicanálise para designar as ações que 
apresentam, quase sempre, um caráter impulsivo, relativamente em 
ruptura com os sistemas de motivação habituais do sujeito, 
relativamente isolável no decurso das suas atividades, e que toma 
muitas vezes uma forma auto ou heteroagressiva. Para o psicanalista, 
o aparecimento do acting out é a marca da emergência do recalcado. 
(Laplanche; Pontalis, 2001 p. 6) 
Com base nos mecanismos de defesa maciçamente utilizados de forma 
rígida e estável, pode-se relacionar com a estrutura de personalidade psicótica, 
perversa ou neurótica. 
No livro Personalidade normal e patológica, Jean Bergeret adverte para o 
risco de não relacionarmos o tipo de defesa do ego com a estrutura de 
personalidade concluindo por ser neurótica ou psicótica. Segundo o autor: 
Podemos encontrar angústias de despersonalização ou, mais 
simplesmente, de desrealização em uma desestruturação mínima 
(aguda e passageira), de origem traumática (ou mesmo, 
eventualmente, terapêutica), sem que tais fenômenos constituam o 
apanágio de qualquer estruturação específica. As bem conhecidas 
síndromes ansiosas do pós parto ou do pós aborto, por exemplo, 
podem manifestar-se em qualquer estrutura, e mesmo que, por vezes, 
se possa distinguir aí um sinal de precário subjacente, esses acidentes 
de percurso ocorrem mais comumente fora de qualquer 
comprometimento psicopatológico. (Bergeret, 1988, p. 47) 
Há uma diferença entre ser e estar que, se não bem percebidas, podem 
levar a situações bastante cruéis nos diagnósticos psicopatológicos. Uma 
situação de despersonalização que acontece quando uma pessoa saudável 
entra em um surto pode levar ao diagnóstico de psicose, e, mesmo que aquela 
situação nunca mais se repita, o peso do diagnóstico (rótulo) poderá ser 
determinante de muito sofrimento mental. 
Um exemplo dessa situação é apresentado no filme Bicho de Sete 
Cabeças, protagonizado por Rodrigo Santoro. Ao ser avaliada a estrutura 
emocional do protagonista no filme, em situações pontuais, o diagnóstico poderia 
ser de uma personalidade psicótica, mas ao considerar a pessoa ao longo de 
sua história de vida e contexto de vida, a interpretação é outra. 
TEMA 5 – FORMAÇÃO DO SINTOMA 
O sintoma expressa a existência de um conflito. Ele decorre depois que 
uma parte do que estava reprimido voltou à consciência em forma de mal-estar, 
dor, emoção, pensamento, comportamento. 
O que define o sintoma em psicanálise é precisamente o fato de 
reproduzir, de maneira mais ou menos disfarçada, certos elementos de 
um conflito passado. De um modo geral, o recalcado procura “retornar” 
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ao presente, sob a forma de sonhos, de sintomas, de atuação...”o que 
permaneceu incompreendido retorna; como uma alma penada, não 
tem repouso até que seja encontrada solução e alívio. (Laplanche; 
Pontalis, 2001 p. 83) 
Para os mesmos autores, a formação de sintoma engloba o retorno do 
conteúdo recalcado/reprimido sob a forma de formações reativas (bastante 
observadas no comportamento), formações de compromisso e formações 
substitutivas. Um exemplo de sintoma observado no comportamento é 
conhecido como compulsão à repetição, com motivação de origem inconsciente, 
o sujeito se coloca intencionalmente em situações penosas, repetindo 
experiências antigas sem se dar conta que é uma repetição. 
Destaco aqui, na íntegra, a definição de Laplanche e Pontalis (2001) 
considerando a grande importância, sob o ponto de vista clínico, que essas 
formações têm para que se identifique o sintoma, a origem do conflito e da 
defesa: 
5.1 Formação reativa 
Atitude ou hábito psicológico de sentido oposto a um desejo recalcado e 
constituído em reação contra ele (o pudor opondo-se a tendências exibicionistas, 
por exemplo). Em termos econômicos, a formação reativa é um 
contrainvestimento de um elemento consciente, de força igual e de direção 
oposta ao investimento inconsciente. As formações reativas podem ser muito 
localizadas e se manifestar por um comportamento peculiar, ou generalizadas 
até o ponto de constituírem traços de caráter mais ou menos integrados no 
conjunto da personalidade. Do ponto de vista clínico, as formações reativas 
assumem um valor sintomático no que oferecem de rígido, de forçado, de 
compulsivo, pelos seus fracassos acidentais, pelo fato de levarem, às vezes 
diretamente, a um resultado oposto ao que é conscientemente visado. 
5.2 Formação de compromisso 
Forma que o recalcado assume para ser admitido no consciente, 
retornando no sintoma, no sonho e, mais geralmente, em qualquer produção do 
inconsciente. As representações recalcadas são então deformadas pela defesa 
ao ponto de serem irreconhecíveis. Na mesma formação podem assim ser 
satisfeitos – num mesmo compromisso – simultaneamente o desejo inconsciente 
e as exigências defensivas. 
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5.3 Formação substitutiva 
Designa os sintomas ou formações equivalentes, como os atos falhos, os 
chistes etc., enquanto substituem os conteúdos inconscientes. Essa substituição 
deve ser tomada numa dupla acepção: econômica, uma vez que o sintoma 
acarreta uma satisfação de substituição do desejo inconsciente; e simbólica, 
uma vez que o conteúdo inconsciente é substituído por outro segundo 
determinadas linhas associativas. 
A psicanálise tem como objetivo desfazer as repressões e libertar o 
paciente da sua tirania, ajudando o paciente no processo de autoconhecimento 
por meio da interpretação de seus sintomas, conflitos, defesas até que se 
chegue às fixações de energia libidinal que foram feitas ao longo da vida, sejam 
elas em eventos traumáticos reais ou imaginados. Inicialmente essas fixações 
foram compreendidas por Freud como eventos reais, traumáticos. 
Posteriormente, a experiência clínica mostrou que os traumas relatados no 
discurso manifesto não necessariamente eram reais, mas sim produto de 
fantasias, conteúdo da realidade psíquica do sujeito e, portanto, significado por 
ele como real. 
Aquele que não conhece a história é compelido a repeti-la. Esse ciclo de 
repetição só será interrompido pela recordação em análise e pela elaboração, 
assim como escreveu Freud em 1914: recordar, repetir e elaborar. O processo 
psicanalítico irá se desenvolver para ser cenário e continente destas 
recordações, de modo que seja possível a elaboração e ressignificação das 
experiências traumáticas (real ou fantasiada) até que o conteúdo do desejo 
possa ser suportado no consciente após um trabalho de ressignificação das 
emoções fixadas ao longo de sua história de vida. 
Dias (2006, p. 402), concordando com Freud, entende que 
a pulsão de morte é, em última instância, a responsável pela repetição, 
fazendo com que se retorne sempre a um mesmo lugar; lugar de 
sofrimento e desprazer, o qual proporciona uma satisfação paradoxal, 
para além do princípio do prazer, que faz o sujeito gozar de seu 
mal-estar, traçando as vias por onde circula. A necessidade de 
repetir a mesma coisa é ondese situa o recurso de tudo aquilo que se 
manifesta do inconsciente sob a forma de reprodução sintomática. 
Essa psicodinâmica do sintoma (recalcamento, pulsão, libido, trauma, 
fixação, regressão, fantasia, desejo, objeto, falo, gozo) é retomada por 
psicanalistas pós-freudianos, e novos pontos de vista se apresentam em teorias 
que não excluem de maneira alguma as teorias freudianas, mas se somam a 
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elas, como outras perspectivas para a compreensão dos mesmos fenômenos. 
A partir da década de 1950, Jacques Lacan enfatiza na psicanálise a 
dimensão do simbólico e acrescenta uma concepção linguística aos processos 
inconscientes. 
NA PRÁTICA 
A dimensão do amor é do imaginário. A completude é o engano do amor. 
Quando se tem um excesso de imaginário, perde-se a organização psíquica, 
acontece o delírio, a psicose. 
Em uma relação amorosa, imaginamos que o outro tem o que eu desejo. 
Nenhuma relação amorosa real vai confirmar a relação imaginária e essa 
é uma frustração bastante frequente nas queixas dos pacientes. 
Mas também é verdade que, mesmo não confirmando o imaginário, essa 
busca tende a ser repetida – e que bom que é assim, pois nessa busca fica 
evidente a pulsão de vida. 
FINALIZANDO 
Sabemos que esta foi uma etapa difícil, pois os termos técnicos são 
muitos, mas com o tempo eles serão mais familiares para você! 
Com o objetivo de síntese, recuperamos aqui os objetivos que tínhamos 
para esta etapa: 
1. Compreender melhor se todos aqueles termos utilizados no início desta 
conversa são sinônimos ou não; 
2. Conhecer alguns mecanismos de defesa a partir de sua psicodinâmica; e 
3. Compreender a relação entre os mecanismos de defesa do ego e a 
formação de sintomas. 
Em uma tentativa de responder, correndo o risco de simplificar demais ao 
tentar resumir, os mecanismos de defesa estão à serviço do ego e graças a eles 
o ego consegue ter êxito na sua função de reprimir as pulsões irracionais do 
inconsciente e livrar-se da tirania do superego. 
Os mecanismos de defesa podem ser considerados saudáveis ou 
patológicos, dependendo de quais são e em que época da vida eles são 
utilizados. 
Para uma criança na fase oral, entre o primeiro e o segundo ano de vida 
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é normal a negação, a projeção e a distorção da realidade. Assim como é normal 
o delírio durante um sonho. Mas se estes mesmos mecanismos de defesa são 
usados pelos adultos em vigília, ou seja, se eles invadem o comportamento 
consciente, podemos considerar que se trata de uma psicose. 
As estruturas de personalidade se organizam em neurótica, perversa e 
psicótica com base em uma determinação genética/hereditária + experiências 
psicossociais ao longo da infância e do desenvolvimento psicossexual + 
ambiente e contexto de vida em que o indivíduo está inserido que podem 
desencadear algo que estava latente. 
Os mecanismos de defesa mais arcaicos, aqueles comuns nos bebês, 
são típicos de uma personalidade psicótica. É esperado que, quanto mais 
organizada a personalidade, mais maduros sejam os mecanismos de defesa. 
 
 
 
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REFERÊNCIAS 
BERGERET, J. Personalidade normal e patológica. Porto Alegre: Artes 
Médicas, 1988. 
CAMPOS, R. O conceito de mecanismos de defesa e a sua avaliação: alguns 
contributos. Revista Iberoamericana de Diagnóstico y Evaluación – e 
Avaliação Psicológica – RIDEP, v. 1, n. 50, p. 149-161, 2019 
DIAS, M. G. L. V. O sintoma: de Freud a Lacan. Psicologia Estudos, Maringá, 
v. 11, n. 2, p. 399-405, ago. 2006. 
FREUD, A. O ego e os mecanismos de defesa. Tradução de Francisco 
Settíneri. Porto Alegre: Artmed, 2006. 
FREUD, S. Obras completas. Rio de Janeiro: Imago, 1996. 
LAPLANCHE e PONTALIS. Vocabulário de psicanálise. Tradução de Pedro 
Tamen. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001. 
SEGAL, H. Introdução à obra de Melanie Klein. Rio de Janeiro: Imago, 1973.

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