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20 DIREITO A LIBERDADE DE REUNIÃO

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SINOPSE DO CASE: LIBERDADE DE REUNIÃO[footnoteRef:1] [1: ] 
1. DESCRIÇÃO DO CASO
A liberdade de reunião, assim como todos os outros direitos fundamentais, pode vir a ser restringida em algum grau, para que outros direitos sejam garantidos. A existência dessas restrições, a depender do limite em que se apresentam, não são contrarias a Constituição, sendo utilizadas com o fito de ponderar a aplicação de um direito ou de outro, de forma que prevaleça o mais adequado ao caso concreto.
Em 2018, o bloco “Porão do Dops” pretendia homenagear torturadores como o coronel Carlos Brilhante Ustra e o delegado Sérgio Fleury. Com base na finalidade pretendida da reunião, o MPSP ingressou com uma Ação Civil Pública com pedido liminar visando impedir a reunião do grupo e o seu desfile nas festas carnavalescas.
Em primeira instância, o pedido foi negado, o que ensejou e interposição de recurso ao TJSP. Suponha que você é um dos desembargadores do TJSP a quem competirá emitir um voto no âmbito da referida ACP posicionando-se sobre a extensão e os limites da liberdade de reunião neste caso, e responda: O exercício da liberdade de reunião pode servir ao encontro de pessoas visando a difusão de ideias antidemocráticas?
2. IDENTIFICAÇÃO E ANÁLISE DO CASO
 2.1. Descrição das decisões possíveis
2.1.1. O exercício da liberdade de reunião pode servir ao encontro de pessoas difundindo pensamentos divergentes dos que compõe as manifestações paradigmas em relação ao tema abordado.
2.1.2. O exercício da liberdade de reunião não pode servir ao encontro de pessoas visando a difusão de ideias antidemocráticas.
2.2. Argumentos capazes de fundamentar cada decisão
2.2.1. O exercício da liberdade de reunião pode servir ao encontro de pessoas difundindo pensamentos divergentes dos que compõe as manifestações paradigmas em relação ao tema abordado.
A priori, antes de adentrar a problemática em si, se faz necessário salientar que o direito de reunião e de associação estão intrinsicamente ligados ao direito de liberdade de expressão, sendo dele considerados desdobramentos. No que diz respeito as bases em que se fundamentam os referidos direitos, vale observar que se sustentam a partir de uma perspectiva de Estado Democrático de Direito, ao oportunizarem a livre expressão e manifestação de pensamento. Conforme disciplina doutrina de Mendes e Branco (2017, p. 295) a manifestação livre de opinião pública se perfaz de forma fundamental para o controle do exercício do poder e se mostra como pilar da garantia da liberdade de expressão e também do direito de reunião, por meio do qual se assegura às pessoas a possibilidade de ingressarem na vida pública e de interferirem de forma ativa nas deliberações políticas. 
Ainda no que vale mencionar a respeito do direito acima exposto, segundo Conrad Hesse, (1995, apud, Sarlet, Marioni e Mitidiero, 2017) se faz mister destacar a relevância da liberdade de reunião, sobretudo para a ordem democrática, uma vez que a formação da opinião e até mesmo a formação da vontade política, acabam por pressupor uma comunicação que em grande parte se processa mediante reuniões. 
De acordo com o abordado por Sarlet, Marioni e Mitidiero (2017, p 605) por foco nas razões já mencionadas, não é de se surpreender que a liberdade de reunião tenha sido precocemente contemplada em algumas das principais declarações de direitos e das constituições da primeira fase do constitucionalismo. Tendo-se o direito a reunião como um direito de primeira dimensão, o qual se consolidou no texto constitucional e na ordem internacional, enquanto direito humano, é importante salientar um aspecto crucial do direito referido é que, não obstante se trate de um direito individual, ocorre que sua concretização compreende o exercício coletivo. (FERNANDES, 2017, p. 453)
 Visto que o direito em questão se mostra fundamental a ordem democrática, é cabível frisar as exigências para que o mesmo seja materializado no plano concreto. A proteção constitucional do direito em pauta, prevista no art. 5°, inciso XVI da Constituição Federal de 1988, cuida por regular o exercício do direito de reunião, ao disciplinar que: "todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente”. (BRASIL, 1988) 
Com base no dispositivo constitucional, pode-se extrair do direito de reunião diversos elementos que o caracterizam e que são fulcrais para sua diferenciação de outros aglomerados de indivíduos, sendo eles nos ensinamentos de Fernandes (2017) e de Mendes e Branco (2017) compreendidos enquanto elementos: subjetivo, formal, objetivo, espacial, teleológico e temporal.
No que diz respeito ao elemento subjetivo do direito de reunião, conquanto a reunião seja formada por um conjunto agrupado de seres humanos, haja vista não existirem reuniões individuais (FERNANDES, 2017, p. 453). Discorre Mendes e Branco (2017, p. 296) que não é qualquer agrupamento ou aglomerado de pessoas que constituirá o direito de reunião constitucionalmente protegido, tendo em vista que “o ajuntamento espontâneo em torno de um acontecimento inesperado na rua, não espelha a figura protegida constitucionalmente”
Conforme discorre o referido autor, no que tange ao elemento formal do direito já exposto, a reunião deve gozar de um mínimo de coordenação, tendo como pressuposto a aglomeração decorrente de uma organização e convocação prévia, antecedente ao evento, na qual as pessoas que o compõe tem plena ciência de estarem integrando a reunião. Ainda nesse sentido, o elemento teleológico visa dizer que os integrantes da reunião devem estar unidos com base em uma comunhão de objetivos comuns a todos, onde podem expor “as suas convicções ou apenas ouvir exposições alheias ou ainda, com a sua presença, marcam uma posição sobre o assunto que animou a formação do grupo.” (MENDES E BRANCO, 2017, p 296). 
Conexo a essa característica está o elemento temporal, segundo o qual dispõe que a reunião de pessoas terá caráter transitório, uma vez que o caráter permanente da reunião se converte no direito de associação. Não obstante a noção de reunião acomode situações mais dinâmicas, em que há o deslocamento dos manifestantes por vias públicas. Haverá sempre, porém, um local delimitado, uma área especificada para a reunião, onde se perfaz o elemento espacial do direito de reunião. (MENDES E BRANCO, 2017, p 296-298). Por fim, cabe ao elemento objetivo, assegurar que o direito de reunião se manifeste de forma pacifica e sem armas, em consonância com o art. 5°, XVI da CF/88. Compreendendo Mendes e Branco (2017, p. 296) ainda que “não é violenta a reunião que atraia reação violenta de outrem. O direito de reunião não se descaracteriza se a violência que vem a ocorrer lhe é externa, sendo deflagrada por pessoas estranhas ao agrupamento.”
Se faz mister ainda, conquanto foram relacionados os direitos de reunião, associação e manifestação do pensamento, assegurar a devida diferenciação desses direitos. Conforme aludido por Sarlet, Marioni e Mididiero (2017, p. 606) apesar de ambos firmarem estreita relação com liberdades comunicativas e democráticas, o direito de reunião não pode confundir-se com esses, uma vez que assume relevante dimensão autônoma. Haja vista que o direito de reunião, se reproduz no âmbito público e privado, e não exige a expressão de uma mensagem dirigida a terceiros. Diferente por exemplo, do direito de manifestação, que além de poder ser exercido de forma individual, se perfaz necessariamente de caráter público “de tal sorte que uma manifestação é quase sempre uma reunião, mas uma reunião nem sempre é uma típica manifestação.” (SARLET, MARIONI E MIDIDIERO, 2017)
Sabendo que os direitos fundamentais se compreendem numa multifuncionalidade, é pertinente a temática abordar a teoria dos status, trazida pelo autor alemão Georg Jellinek, na obra de Ingo Sarlet (2017). Segundo Jellinek, a respeito da relaçãodo indivíduo com o Estado: 
Na qual formulou concepção original, de acordo com a qual o indivíduo, como vinculado a determinado Estado, encontra sua posição relativamente a este cunhada por quatro espécies de situações jurídicas (status), seja como sujeito de deveres, seja como titular de direitos. De acordo com a lição de Jellinek, o status seria uma situação na qual se encontra o individuo e que se qualificaria sua relação com o Estado (...). No âmbito de que Jellinek denominou de status passivo, o individuo estaria subordinado aos poderes estatais; o status negativus, consiste numa esfera individual de liberdade imune ao jus imperii do Estado; o status positivus, no qual ao individuo seria assegurada juridicamente a possibilidade de utiliza-se das instituições estatais e de exigir do Estado determinadas ações positivas. É nesse status que poderiam se enquadrar os direitos prestacionais e o status activus, no qual este passa a ser titular de competências que lhe garantem a participar ativamente da formação da vontade estatal. (SARLET, 2017. p 157)
Neste diapasão, é verossímil afirmar que no tange a dimensão prestacional dos direitos fundamentais, compreende-se dentre os pontos apresentados por Jellinek direitos positivos e negativos, aqueles onde o Estado se apresenta agindo de forma comissiva ou omissiva, seja para assegurar a prestação de um direito, seja para se omitir de interferir a fim de preservar a liberdade do indivíduo. No contexto do direito de reunião, é possível analisar a presença simultânea de direitos positivos e negativos, haja vista que para que se concretize o direito de reunião, o Estado deve se omitir de interferir na manifestação, no entanto, também é exigido no referido direito, que o Estado apresente uma ação comissiva, no sentido de assegurar que o exercício do direito de reunião ocorra sem entraves e de forma a garantir a segurança dos indivíduos que integram a reunião.
A vista que o direito de reunião se presta a assegurar a ordem democrática, cabe discorrer sobre a relação existente entre os direitos de liberdades comunicacionais, (com ênfase no direito de reunião), e os grupos pertencentes as minorias socias. Nas palavras de Mendes (2017):
Verifica-se no curso da história, a existência de diversos grupos de pessoas que são subjugados em relação a outros, em razão de suas diferenças étnicas, culturais, linguísticas dentre outras, o que culminou na criação de grupos minoritários que se encontram em situação desfavorável em relação a uma maioria (...) É possível perceber que os sujeitos políticos desse movimento possuem uma diversidade de questões e que as violações de direitos humanos que atingem os grupos minoritários por conta de diferenças, reais ou percebidas, pertencem a um padrão global, estrutural e consolidado. (MENDES – Liberdade de expressão e o direito das minorias, 2017)
Por conseguinte, é possível formar o entendimento de que o direito de reunião se faz fulcral para a proteção de grupos minoritários, podendo ser compreendido no direito de reunião, associação e manifestação de pensamento, a forma mais democrática desses referidos grupos defenderem seus ideias e reproduzir as dificuldades enquanto minorias, com o fito de movimentar o Estado no sentido de amenizar as desigualdades existentes e garantir o principio da isonomia. 
Superadas as considerações imprescindíveis ao entendimento do direito de reunião, se faz mister passar a analise jurisprudencial, a fim de compreender que o exercício da liberdade de reunião pode servir, ao encontro de pessoas difundindo pensamentos divergentes dos que compõe as manifestações paradigmas em relação ao tema abordado. O primeiro ponto a ser abordado pela problemática, diz respeito a alegação de que o bloco “Porão do DOPS 2018” faz clara apologia ao crime de tortura, argumento esse utilizado para fundamentar a Petição Inicial de Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público de São Paulo, com o intuito de cessar “atividade delituosa” do referido bloco. 
De forma a constituir argumento lógico para fundamentar a licitude do referido bloco, se faz necessário invocar jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, em decisão da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n° 187, a respeito da “marcha da maconha” com base em enquadramento no art. 287 do CP, caracterizando-se supostamente em apologia ao uso de drogas. Na referida decisão, no entanto, restou entendido por decisão majoritária, que a crítica democrática ao sistema penal, decorrente da proposta de descriminalização da maconha, não se compactua com incitação ou apologia ao uso de drogas, sendo tido exposto que:
Uma idéia fundamental, subjacente à liberdade de expressão, é a de que o Estado não pode decidir pelos indivíduos o que cada um pode ou não pode ouvir. (...).
A liberdade de expressão não protege apenas as idéias aceitas pela maioria, mas também - e sobretudo - aquelas tidas como absurdas e até perigosas. Trata-se, em suma, de um instituto contramajoritário, que garante o direito daqueles que defendem posições minoritárias, que desagradam ao governo ou contrariam os valores hegemônicos da sociedade, de expressarem suas visões alternativas. (BRASIL. STF – ADPF 187. Relator: Ministro Celso de Mello; Distrito Federal, Tribunal Pleno, Data de julgamento: 15 de junho de 2011.)
Com fundamento na decisão acima mencionada, é passível afirmar que apesar do bloco “Porão do DOPS 2018” apresentar slogan, homenageados e marchinhas contrarias aos valores tidos como hegemônicos para a sociedade, ainda assim lhes é assegurado o direito de manifestar livremente seu posicionamento, por meio de reunião, uma vez que a supressão desse direito com base em valores tidos como parâmetro para uma maioria da sociedade, seria manifestamente antidemocrático. De forma a consolidar esse posicionamento cabe mencionar os artigos 5°, IX e 220° da CF/88, no qual o texto normativo dispõe que:
Art. 5°, IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;
Art. 220° - A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição. § 2º É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.
Com o intuito de elucidar, a decisão da ADI n° 1969, deve-se mencionar o decreto n° 20.098/1999, cujo o qual foi editado pelo Governador do Distrito Federal. Observa-se que o mesmo determinou em seu art. 1º que ficaria vedada a realização de manifestações públicas, com a utilização de carros, aparelhos e objetos sonoros na Praça dos Três Poderes. Tomando como base os fundamentos expostos no referido decreto, a decisão da ADI n° 1969, prolatou o Pretório Excelso que o ato normativo mencionado era inconstitucional, relatando que a restrição delimitada ao direito de reunião não se compatibilizava com o princípio da proporcionalidade. (FERNANDES, 2017, p. 455)
Ademais, com o fito de fazer analise quanto a outros aspectos atinentes ao direito de reunião, cabe fazer referência ao Recurso Extraordinário n° 806.339 e a Repercussão Geral no Recurso Extraordinário com Agravo 905.149, os quais versam no âmbito do direito de reunião, respectivamente sobre: O aviso prévio à autoridade competente e o uso de mascaras em reuniões. 
Em se tratando de aviso prévio para a realização de reunião (norma de eficácia plena), o texto constitucional refere-se a expressa necessidade de aviso prévio à autoridade competente por parte daqueles que promovem a reunião. Tal aviso não visa apenas assegurar a eficácia dos direitos daqueles que integram a reunião e de terceiros alheios a ela, mas também tem o intuito de constituir preferência quanto ao local da reunião. (SARLET, MARIONI E MIDIDIERO, 2017. p. 611-613).
 De acordo com o entendimento firmado pela doutrina dominante segundo Sarlet, Marioni e Mididiero, (2017):
A ausência do aviso prévio por si só não justifica a dissolução da reunião, sem prejuízode eventual responsabilização cível ou mesmo criminal dos responsáveis, especialmente quando a reunião é pacífica, em homenagem aos critérios da proporcionalidade e mesmo de razoabilidade. A exigência do aviso prévio, que não equivale em hipótese alguma a uma prévia autorização, assume função de dar publicidade ao ato e de assegurar medidas de proteção ou mesmo permitir, em casos justificados, uma interdição da reunião, mas não constitui requisito autônomo impeditivo da reunião. (SARLET, MARIONI E MIDIDIERO, 2017. p. 611-613)
Não obstante, de forma a colidir com o exposto pela doutrina, está Recurso Extraordinário de Repercussão Geral acima mencionado, tendo sido reconhecido e julgado pelo STF em abril de 2018. No que diz respeito ao voto-vista do Min. Alexandre de Morais nas palavras de Ingo Sarlet:
Portanto, é possível questionar o entendimento — tal como sustentado no voto do ministro Alexandre de Moraes — de que “a mera divulgação pública de intenção de realizar manifestação não atende o requisito constitucional de prévio aviso à autoridade competente”, e que “não basta que os organizadores da reunião a divulguem previamente por meio de redes sociais, panfletos ou outros veículos de comunicação”, de tal sorte que a “notícia da reunião planejada deve ser prévia, oficial e formalmente dirigida às autoridades públicas competentes” (SARLET, Ingo, 2019)
Em relação ao que se discorre no Recurso Extraordinário com
Agravo 905.149/RJ sobre o uso de máscaras por parte de integrantes da reunião, cabe mencionar que o Tribunal, de forma unanime reconheceu a repercussão geral da questão suscitada. Em peça anexa aos documentos referentes ao recurso em questão o Desembargador Relator Sérgio Verani se manifesta, ao relatar que:
As manifestações populares não podem ser controladas e regulamentadas com a rigidez que cerceia a criatividade, característica fundamental de qualquer manifestação pública. Nas manifestações públicas, se houver necessidade de identificação, a polícia tem os meios próprios e legais para isso. Aliás, o uso de máscara até facilita essa eventual necessidade de identificação.
Ainda nesse sentido, expõe-se trecho do voto do relator Ministro Roberto Barroso, onde o mesmo argumenta que “houve a decisão de que não
podem ser permitidas novas limitações ao direito. A decisão de proibir o uso de máscaras significaria cercear a liberdade de expressão.”. 
No presente momento, cabe falar das limitações ao direito de reunião, tendo em vista que não se perfaz em direito absoluto e pode sofrer restrições que visem garantir outros direitos igualmente importantes. Nos ensinamentos de Mendes e Branco (2017. P. 298) o texto constitucional condiciona a liberdade de reunião a dois condicionamentos expressos, previstos no art. 5°, XVI. Sendo os condicionamentos: Não frustrar encontro anteriormente convocado para mesmo local e impõe que seja dado aviso prévio a autoridade competente, sendo esses condicionamentos entendidos de forma conjugada.
Por fim, conforme assevera Mendes e Branco (2017, p. 298) no que diz respeito ao espaço onde se realiza a reunião:
O fato, afinal, de a Constituição aludir a encontros em lugares abertos não deve ser visto como restrição aos encontros em ambientes privados. Estes últimos são livres dos condicionantes previstos na norma constitucional sobre direito de reunião e estão protegidos por outras cláusulas, como a da liberdade geral (art. 5°. II, da CF), a da inviolabilidade do domicílio, a da privacidade e a da liberdade de associação. (MENDES E BRANCO, 2017. p. 298)
Logo, de acordo com todos os argumentos elencados e baseado no fato do bloco “Porão do DOPS 2018” ser realizado no âmbito de um estabelecimento privado, o qual só será relevado para os participantes. Entende-se que o direito ao exercício de liberdade de reunião, entre pessoas que visam a dissolução de ideias contrarias as tidas como corretas, como é o caso do referido bloco, deve sim ser garantido, visando manter a integridade da ordem democrática e a liberdade dos indivíduos. 
2.2.2. O exercício da liberdade de reunião não pode servir ao encontro de pessoas visando a difusão de ideias antidemocráticas.
Considerando todas as deliberações acerca do direito de reunião, desde a sua incidência nos textos normativos até a sua limitação, não há motivos para se prolongar nos mesmos argumentos já trazidos. Ficando essa segunda parte do estudo, destina a apontar posicionamentos que corroborem com o entendimento, de que o direito de reunião não pode ser utilizado para fins antidemocráticos.
Múltiplos são os fundamentos que sustentam a restrição do direito a liberdade de reunião e de manifestação do Bloco “Porão do DOPS 2018”, como pode se observar na divulgação midiática do referido bloco, tanto o nome do bloco em si, quanto os homenageados, estão diretamente ligados a pratica de tortura realizada no período ditatorial, tendo em vista que Carlos Brilhante Ustra e Sérgio Fleury são nomes que ganharam notoriedade, por ocuparem a posição de reconhecidos torturadores.
O primeiro ponto a ser elencado no referido caso, diz respeito a “Justiça de Transição”. Conforme conceituação apresentada na própria Ação Civil proposta pelo Ministério Público de São Paulo contra o bloco em questão. Justiça de Transição diz respeito a “um conjunto de medidas jurídicas, politicas, culturais e administrativas tendentes a consolidação de regime jurídico democrático, a partir de experiencias históricas vividas no regime de exceção política.” Ou seja, a Justiça de Transição busca estabilizar bases democráticas no regime atual, no entanto, sem que sejam esquecidos os acontecimentos do passado autoritário. 
Conforme exposto, percebe-se que a celebração e homenagem, a figuras que foram flagrantemente reconhecidas como torturadores no período ditatorial, se perfaz em uma ação ilógica e antidemocrática, considerando o contexto onde visamos superar por meio da Justiça de transição, os traumas ocorridos na ditadura, por meio da consolidação da democracia.
No que diz respeito ao nome do bloco, seu slogan e homenageados, é evidente a constatação de apologia a tortura, de acordo com o exposto no art. 287 do CP, é considerado crime: “Art. 287 - Fazer, publicamente, apologia de fato criminoso ou de autor de crime: Pena - detenção, de três a seis meses, ou multa.” (BRASIL, 1940). Considerando o enaltecimento de torturadores e o fato de o nome “Porão do DOPS” faz clara menção a um local obscuro, onde as torturas eram comumente realizadas, é verossímil afirmar que a pratica ilícita de apologia ao crime resta configurada. Consonante a essa afirmação, se apresenta fundamento exposto na Ação Civil Pública contra o bloco, considerando que de acordo com a coadunação a pratica criminosa:
Não se concebe, em consequência, que um bloco de carnaval, de qualquer viés politico ou ideológico, divulgue sua existência e seus eventos a partir de apologia de crimes de tal natureza e do enaltecimento do sofrimento imposto pelo Estado ditatorial as vitimas de tortura em difícil momento da história nacional
Ao discorrer sobre o direito de liberdade de expressão, que compreende a liberdade de reunião, cabe frisar que não existe no âmbito constitucional, nenhum direito que seja revestido de caráter absoluto, tendo em vista que na colisão entre direitos, um ou outro sempre será restringido no plano concreto, conquanto não haja hierarquia entre eles. Segundo disciplina Sarlet, Marioni e Mididiero (2017. p. 610) no âmbito das limitações:
Também o direito de reunião está submetido a limites e pode ser objeto de intervenções restritivas. Além dos limites já estabelecidos pela própria Constituição Federal, é possível cogitar de restrições impostas pela lei e mesmo por decisão judicial, no caso de colisão com outros direitos fundamentais. (SARLET, MARIONI E MIDIDIERO, 2017. p. 610)
Tendo em vista que os direitos fundamentais não tem caráter absoluto, cabe ainda afirmar segundo concepção de Dworkin (2010), que existe uma classificação, onde princípios e regras são distinguidos, sendoos direitos fundamentais considerados normas principiológicas. No que tange as regras, reconhecidas como mandados de determinação, as regras devem ser aplicadas ou não aplicadas, não sendo possível a relativização a depender do caso. Já em respeito aos princípios, reconhecidos como mandados de otimização, é possível que sua aplicação se de em maior ou menor grau, podendo ser limitados a depender do caso, mas restando preservados seu núcleo essencial. Com base nisso, se percebe que o fato de os direitos fundamentais se constituírem normas principiológicas, implica dizer não possuem caráter absoluto e que podem ser restringidos em detrimento de outro direito. 
Tendo como fundamento o exposto, percebe-se que há uma colisão de direitos no presente caso, sendo reconhecido o conflito entre o direito a liberdade de reunião do bloco “Porão do DOPS” e o direito a dignidade das pessoas que sofreram durante a ditadura, sendo necessário para a resolução de tal colisão, mecanismos de resolução de conflitos. 
Considerando como mecanismo capaz de sanar a colisão cabe aplicar a Proporcionalidade. Inicialmente se faz necessário identificar o fato gerador de conflito, no presente caso é o exercício do direito de reunião pelo bloco acima mencionado. Para efeitos didáticos o Principio 1: diz respeito ao direito de dignidade, e é sempre o direito supostamente violado e o Principio 2: compreende o direito concretizado com o fato, sendo então o exercício de reunião. Ainda cabe falar de M 1: que é o meio para satisfazer o Principio 1.
A proporcionalidade se constitui de um modelo triadico, organizado em três níveis: Adequação, Necessidade e Ponderação. No entanto, duas regras de conduta norteiam essas etapas. A primeira regra diz que: As etapas devem ser aplicadas necessariamente nessa ordem e a segunda regra diz que: As etapas devem ser aplicadas de forma subsidiaria, ou seja, só se aplica a etapa posterior caso a anterior não resolva o conflito. Lembrando que nem sempre uma colisão precisará passar pelas três etapas.
A etapa da Adequação diz respeito ao juízo de causa e consequência, onde é analisado se M 1 é meio adequado para assegurar o principio 1. Toda vez que a resposta a pergunta for negativa o teste se encerra, caso seja positiva o teste continua. No caso em tela a obstrução do bloco é meio adequado para assegurar a dignidade humana. 
A etapa da Necessidade analisa se o meio utilizado é o melhor para resolver o conflito dentro dos meios possíveis. Em relação ao bloco observa-se que sim, uma vez que o a Promotoria de Justiça recomendou aos responsáveis pelo bloco que cessassem atividade de divulgação que implicasse em propaganda ou apologia a tortura, especialmente suprimindo imagens dos torturadores homenageados. Em resposta, os organizadores do bloco informaram que não atenderiam a recomendação. 
Isto posto, resta a última etapa da proporcionalidade, correspondente a Ponderação. Nessa etapa, deve-se decidir qual direito é mais importante, qual pesa mais. De acordo com apontamento feito pelo Ministério Público na PI da Ação Civil, “nas hipóteses de manifestações de pensamento lesivas ao direito fundamental de outrem. A colisão de interesses entre a liberdade de expressão e o respeito aos direitos humanos das vitimas de tortura, é visivelmente resolvida pela preferência deste último.” 
Restando assim, resolvido o conflito, cabe asseverar, que nem sempre o exercício da liberdade de reunião será tolhido em conflito o exercício de outro direito fundamental, devendo-se analisar caso a caso, a fim de garantir os direitos fundamentais correspondentes as partes envolvidas.
REFERENCIAS
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.
BRASIL. Código Penal. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Vade mecum. São Paulo: JusPodvm, 2019.
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DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Trad. Nelson Boeira. 3ªed. São Paulo:
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FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de direito constitucional. 9. ed. rev. ampl. e
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SARLET, Ingo; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de direito
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