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22 O CASO OS CINCO DO CENTRAL PARK

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SINOPSE DO CASE: O CASO “OS CINCO DO CENTRAL PARK” [footnoteRef:1] [1: ] 
1. DESCRIÇÃO DO CASO
Em 1989, ocorreu o caso que ficaria mundialmente conhecido como “Os cinco do Central Park”. Nesse famoso ponto turístico de Nova York, uma mulher sofreu um estupro tão violento que a deixou desacordada. Os “suspeitos” do crime foram detidos quase que imediatamente: cinco jovens entre 14 e 16 anos. Kevin Richardson, Yusef Salaam, Raymond Santana, Antron McCray e Korey Wise.
Na delegacia, começaram os interrogatórios que durariam mais de 30 horas, sem a presença de advogados, e familiares dos adolescentes. Nenhum dos “suspeitos” sabia qualquer detalhe do crime do qual estavam sendo acusados. No entanto, esgotados, exaustos e assustados após tantas perguntas, e até mesmo depois de atos violentos por parte dos investigadores, fizeram uma confissão, e assumiram a autoria e participação no crime. 
No julgamento, diante da ausência de provas físicas e testemunhais, e mesmo após a comprovação de que o DNA era incompatível com o dos cinco jovens, todos foram condenados. Posteriormente, depois de anos cumprindo pena, Matia Reyes confessou ter estuprado quatro mulheres e matado uma delas. Após amostras de DNA, foi constatado que Reyes era o verdadeiro autor do crime. Desta feita, em 2002, “os cinco do Central Park” foram inocentados e libertados.
Sendo um caso famoso no mundo todo, foi recentemente adaptado para uma série da Netflix, intitulada “Olhos que Condenam”. Em entrevista, os referidos jovens manifestaram insatisfação com a reparação pecuniária recebida, não tendo sido meio suficiente para reparar o dano causado. Nesse sentido, há de se questionar: Quais outras formas de reparação seriam necessárias para restabelecer o desequilíbrio causado pela lesão sofrida?
2. IDENTIFICAÇÃO E ANÁLISE DO CASO
 2.1. Descrição da decisão possível
2.1.1 É cabível a reparação civil no caso de erro judiciário. 
2.2. Argumentos capazes de fundamentar a decisão
2.2.1. É CABÍVEL A REPARAÇÃO CIVIL NO CASO DE ERRO JUDICIÁRIO. 
O conceito de responsabilização deriva da necessidade de reparar um dano causado a outrem, nesse sentido, observa-se que as formas de responsabilização atingem diversas searas, como a penal, administrativa e civil. Considerando as peculiaridades de cada esfera e as formas de se obter a restauração do status quo ante, é flagrante a necessidade de instrumento diversos para resolver cada caso, logo, as formas de responsabilidade são independentes, podendo inclusive ser cumuladas sem que haja a incidência de bis in idem. (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2017)
Para o caso em análise, cabe falar da responsabilidade civil e da responsabilidade penal, vez que os danos causados as vítimas se atêm a esses âmbitos. Deste modo, responsabilidade civil segundo o doutrinador Caio Mário da Silva Pereira (2018, p. 28) consiste “na efetivação da reparabilidade abstrata do dano em relação a um sujeito passivo da relação jurídica que se forma”, ou seja, se origina da incidência de um ato danoso entre indivíduos, o qual é resolvido por critério resolutório de litígios ou em questões indenizatórias. (FARIAS; ROSENVALD; BRAGA NETTO, 2017)
 De outra forma, ainda segundo Caio Mário (2018, p.28) a responsabilidade penal aplica-se “quando o ato do indivíduo confronta-se com as normas de toda a sociedade, modernamente surgindo a obrigação de receber a punição prevista legalmente em virtude de atos delituoso”. Isto posto, com base nos conceitos apresentados, pode-se formar o convencimento de que apesar de compartilharem do mesmo ato jurídico danoso, a responsabilidade civil e a penal são munidas de independência. 
Nesse diapasão, considerando a autonomia dos institutos mencionados, é certo depreender que a confissão apresentada pelos condenados, enquanto único objeto que fundamenta suas condenações perante o juízo penal, influi também diretamente no âmbito civil. Consoante a esse entendimento disciplina Venosa (2017, p. 402):
As jurisdições penal e civil em nosso país são independentes, mas há reflexos no juízo cível, não só sob o mencionado aspecto da sentença penal condenatória, como também porque não podemos discutir no cível a existência do fato e da autoria do ato ilícito, se essas questões foram decididas no juízo criminal e encontram-se sob o manto da coisa julgada (art. 64 do CPP, art. 935 do Código Civil). De outro modo, a sentença penal absolutória, por falta de provas quanto ao fato, quanto à autoria, ou a que reconhece uma dirimente ou justificativa, sem estabelecer a culpa, por exemplo, não tem influência na ação indenizatória que pode revolver autonomamente toda a matéria em seu bojo. (VENOSA, 2017, p. 402)
Tendo sido observada a relação entre a reparação penal e a civil, há de se destacar, no entanto, que a confissão dos jovens não é causa excludente de responsabilidade, pois além de não ter ligação direta com a responsabilidade do âmbito civil, não se encontra entre suas hipóteses. Conforme afirma Venosa (2017, p. 424) “São excludentes de responsabilidade, que impedem que se concretize o nexo causal, a culpa exclusiva da vítima, o fato de terceiro, o caso fortuito e a força maior”. Não restando configurado qualquer desses casos, não há de se falar em exclusão de responsabilidade civil. 
Ressalta-se ainda, que para a análise das questões secundarias, não se considerou o fato de a confissão dos jovens ter ocorrido mediante coação física e psicológica, pois seria necessário adentrar nos erros do caso e nas diversas garantias processuais que rodeiam o instituto da confissão, como a indispensabilidade de outras provas, o exercício regular do princípio do contraditório e a necessidade de ocorrer a confissão de forma espontânea para que seja munida de valor probatório. (SILVA, 2012)
Desta feita, vislumbrados os tipos de responsabilidade, cabe asseverar que a conduta que levou ao prejuízo do caso em questão, deriva de erro judiciário. Por conseguinte, Almeida (2012, p. 261) disserta que “o erro judiciário opera-se sempre que o magistrado declara o direito a um caso concreto, sob uma falsa percepção dos fatos. Nesse sentido, a decisão ou sentença divergente da realidade conflita com os pressupostos da própria justiça”. Logo, havendo presença de danos causados por erro judiciário, preceitos constitucionais, penais e civis resguardam a possibilidade de reparação aos ofendidos. 
No que tange ao erro judiciário, este se manifesta tanto no domínio penal como no civil, por quanto, a depender da origem do erro, a forma de responsabilização é diversa. Em se tratando de erro judiciário origem civil, a responsabilidade se traduz em perdas e danos. Já no tocante a esfera penal, há o reconhecido pela Constituição Federal de 1988, em seu art. 5°, LXXV que “o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença”. Sendo vislumbrando ainda no art. 630 do Código de Processo Penal que: 
Art. 630. O tribunal, se o interessado o requerer, poderá reconhecer o direito a uma justa indenização pelos prejuízos sofridos. § 1º. Por essa indenização, que será liquidada no juízo cível, responderá a União, se a condenação tiver sido proferida pela justiça do Distrito Federal ou de Território, ou o Estado, se tiver sido pela respectiva justiça. (BRASIL, Código de Processo Penal. 1941)
Com fulcro na legislação apresentada, entende-se que havendo propositura de ação reparatória pelos jovens lesados, a União/Estado deve ocupar o polo passivo da lide, sendo considerada para tal afirmativa a teoria do risco administrativo, que se fundamenta na responsabilidade objetiva do Estado. Fundamenta Carvalho Filho (2018) que:
O Estado tem maior poder e mais sensíveis prerrogativas do que o administrado. (...) Sendo assim, não seria justo que, diante de prejuízos oriundos da atividade estatal, tivesse o indivíduo que se empenhar demasiadamente para conquistar o direito à reparação dos danos. No que tange ao risco administrativo, essa forma de responsabilidade dispensa a verificação do fator culpa em relaçãoao fato danoso. Por isso, ela incide em decorrência de fatos lícitos ou ilícitos, bastando que o interessado comprove a relação causal entre o fato e o dano. Verifica-se, portanto, que os postulados que geraram a responsabilidade objetiva do Estado buscaram seus fundamentos na justiça social, atenuando as dificuldades e impedimentos que o indivíduo teria que suportar quando prejudicado por condutas de agentes estatais. (CARVALHO FILHO, 2018, p. 669-670)
Convém ainda tratar em última observação, sobre as formas de reparação dos prejuízos ocasionados aos cinco do Central Park no âmbito indenizatório. Nas palavras de Venosa (2017, p. 413) o “dano consiste no prejuízo sofrido pelo agente. Pode ser individual ou coletivo, moral ou material, ou melhor, econômico e não econômico. Estando compreendido na noção de dano sempre a noção de prejuízo.” 
Nesse caso, as teorias da causalidade adequada e do dano direto e imediato funcionam de pano de fundo para justificar a relação entre a conduta, o nexo causal e o dano no caso concreto. Enquanto aquela somente considera como causadora do dano a condição que por si só é apta a produzi-lo, esta, requer que haja entre a conduta e o dano, relação de causa e efeito direta e imediata. (GONÇALVES, 2017) 
Diante disso, é cristalina a pertinência de danos morais aos jovens. Ocorre como sendo dano moral (dano psicológico) o prejuízo que atua nos direitos de personalidade, imagem, privacidade e honra, afetando aspectos psíquicos e intelectuais. Por se tratar de lesão que afeta a mente do indivíduo, logo, incomensurável, não há como fazer juízo de ponderação sobre a extensão do dano a fim de repará-lo de forma justa. Ademais, se vislumbra a possibilidade de dano reflexo ou dano em ricochete. Uma vez que as famílias das vítimas do erro judiciário também foram afetadas pela repercussão do caso, ainda que de forma indireta, por todos os anos em que os garotos permaneceram presos. (VENOSA, 2017)
Conclui-se que, tendo sido ineficiente a prestação de dano moral obtida através de compensação pecuniária, meios alternativos de reparação são necessários para compensar a lesão e restabelecer o equilíbrio do status quo dos indivíduos. Mormente o dano tenha atingido principalmente a moral, a honra e aspectos psíquicos, é de máxima importância uma reparação psicológica, vez que o trauma causado pelas horas angustiantes de interrogatório, a agonia de passar por uma condenação e os anos de privação de liberdade, afetaram diretamente suas personalidades, suas formas de agir e pensar e até mesmo a maneira como os jovens se relacionam com suas famílias e com o mundo. Além de terem sido expostos dentro da prisão, a um ambiente propenso a todos os tipos de influência negativa. 
Neste sentido, é responsabilidade do Estado fornecer acompanhamento psicológico para os cinco rapazes, afim de que possam superar seus traumas e angustias causados pela condenação injusta. Com fulcro nessa injustiça, é enquadrado no caso a incidência do direito de esquecimento, como sendo meio capaz de propiciar a desvinculação de suas imagens ao fato ocorrido, para que possam seguir suas vidas sem relembrar constantemente a dor causada. Desta feita, a reprodução de suas imagens ou nomes ao caso devem ser desassociadas nos sites de buscas, com o fito de não relembrar de forma perpetua o caso que virou suas vidas de cabeça para baixo.
3. DESCRIÇÃO DE CRITÉRIOS E VALORES.
· Teoria do Risco Administrativo: Faz surgir a obrigação de indenizar o dano do só ato lesivo e injusto causado à vítima pela Administração. Não se exige qualquer falta do serviço público, nem culpa de seus agentes. 
· Excludentes de responsabilidade: São causas que isentam ou exoneram o autor da responsabilidade, exceções ao dever ou obrigação de indenizar. Essas exceções recebem o nome de excludentes ou excludentes do nexo causal, que são a culpa da vítima (exclusiva ou concorrente) e o caso fortuito e a força maior
· Teoria da causalidade adequada: É uma das teorias para estabelecimento do nexo causal, considerando causa do resultado apenas a conduta antecedente, reputada razoável para gerar o evento
· Teoria dos danos direitos e imediatos: O dever de indenizar surge quando o evento danoso é efeito necessário de determinada causa.
REFERENCIAS
ALMEIDA, Vitor Luís de. A responsabilidade civil do Estado por erro judiciário sob a ótica do sistema lusófono. Análise nos ordenamentos jurídicos português e brasileiro. 2012. Disponível em: <https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/496627/000967069.pdf?sequence= >. Acesso em: 20 set. 2019.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: <http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 20 set. 2019.
BRASIL. Código de Processo Penal. decreto lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Decreto-Lei/Del3689.htm. Acesso em: 20 set. 2019
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo / José dos Santos Carvalho Filho. – 32. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Atlas, 2018.
FARIAS, Cristiano Chaves de. ROSENVALD, Nelson. BRAGA NETTO, Felipe Peixoto. Curso de Direito civil: responsabilidade civil/ Cristiano Chaves de Farias, Nelson Rosenvald, Peixoto Braga Netto - 4. ed. rev. e atual.- Salvador: Ed. JusPodivm, 2017.
GAGLIANO, Pablo Stolze. Manual de direito civil; volume único / Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho. – São Paulo : Saraiva, 2017. 1. Direito civil 2. Direito civil - Brasil I. Título II. Pamplona Filho, Rodolfo.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito das obrigações : parte especial : responsabilidade civil. 14. ed. –São Paulo : Saraiva, 2017
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil / Caio Mário da Silva Pereira; Gustavo Tepedino. – 12. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2018.
SILVA, Juliana Nunes Castro. A confissão no Direito Processual Penal brasileiro. 2012. Disponível em: <https://www.conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/30981/aconfissao-no-direito-processual-penal-brasileiro>. Acesso em: 20 set. 2019.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: obrigações e responsabilidade civil / Sílvio de Salvo Venosa. – 17. ed. – São Paulo: Atlas, 2017. (Coleção Direito Civil; 2)

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