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HISTÓRIA DO BRASIL: COLÔNIA Professora Me. Ana Lúcia Sales de Lima Professora Me. Luciene Maria Pires Pereira GRADUAÇÃO Unicesumar C397 CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ. Núcleo de Educação a Distância: História do Brasil: Colônia. Ana Lúcia Sales de Lima; Luciene Maria Pires Pereira. Maringá - PR, 2017. Reimpresso em 2021. 320 p. “Graduação - EaD”. 1. História. 2. Colonização . 3. Historiografia 4. EaD. I. Título. ISBN 978-85-459-0127-3 CDD - 22 ed. 981.07 CIP - NBR 12899 - AACR/2 Ficha catalográfica elaborada pelo bibliotecário João Vivaldo de Souza - CRB-8 - 6828 Reitor Wilson de Matos Silva Vice-Reitor Wilson de Matos Silva Filho Pró-Reitor de Administração Wilson de Matos Silva Filho Pró-Reitor de EAD Willian Victor Kendrick de Matos Silva Presidente da Mantenedora Cláudio Ferdinandi NEAD - Núcleo de Educação a Distância Direção Operacional de Ensino Kátia Coelho Direção de Planejamento de Ensino Fabrício Lazilha Direção de Operações Chrystiano Mincoff Direção de Mercado Hilton Pereira Direção de Polos Próprios James Prestes Direção de Desenvolvimento Dayane Almeida Direção de Relacionamento Alessandra Baron Head de Produção de Conteúdos Rodolfo Encinas de Encarnação Pinelli Gerência de Produção de Conteúdos Gabriel Araújo Supervisão do Núcleo de Produção de Materiais Nádila de Almeida Toledo Supervisão de Projetos Especiais Daniel F. Hey Coordenador de Conteúdo Priscilla Campiolo Manesco Paixão Design Educacional Rossana Costa Giani Projeto Gráfico Jaime de Marchi Junior José Jhonny Coelho Editoração Humberto Garcia da Silva Revisão Textual Viviane Favaro Notari Nayara Valenciano Ilustração André Luís Onishi Viver e trabalhar em uma sociedade global é um grande desafio para todos os cidadãos. A busca por tecnologia, informação, conhecimento de qualidade, novas habilidades para liderança e so- lução de problemas com eficiência tornou-se uma questão de sobrevivência no mundo do trabalho. Cada um de nós tem uma grande responsabilida- de: as escolhas que fizermos por nós e pelos nos- sos farão grande diferença no futuro. Com essa visão, o Centro Universitário Cesumar assume o compromisso de democratizar o conhe- cimento por meio de alta tecnologia e contribuir para o futuro dos brasileiros. No cumprimento de sua missão – “promover a educação de qualidade nas diferentes áreas do conhecimento, formando profissionais cidadãos que contribuam para o desenvolvimento de uma sociedade justa e solidária” –, o Centro Universi- tário Cesumar busca a integração do ensino-pes- quisa-extensão com as demandas institucionais e sociais; a realização de uma prática acadêmica que contribua para o desenvolvimento da consci- ência social e política e, por fim, a democratização do conhecimento acadêmico com a articulação e a integração com a sociedade. Diante disso, o Centro Universitário Cesumar al- meja ser reconhecido como uma instituição uni- versitária de referência regional e nacional pela qualidade e compromisso do corpo docente; aquisição de competências institucionais para o desenvolvimento de linhas de pesquisa; con- solidação da extensão universitária; qualidade da oferta dos ensinos presencial e a distância; bem-estar e satisfação da comunidade interna; qualidade da gestão acadêmica e administrati- va; compromisso social de inclusão; processos de cooperação e parceria com o mundo do trabalho, como também pelo compromisso e relaciona- mento permanente com os egressos, incentivan- do a educação continuada. Seja bem-vindo(a), caro(a) acadêmico(a)! Você está iniciando um processo de transformação, pois quan- do investimos em nossa formação, seja ela pessoal ou profissional, nos transformamos e, consequente- mente, transformamos também a sociedade na qual estamos inseridos. De que forma o fazemos? Criando oportunidades e/ou estabelecendo mudanças capa- zes de alcançar um nível de desenvolvimento compa- tível com os desafios que surgem no mundo contem- porâneo. O Centro Universitário Cesumar mediante o Núcleo de Educação a Distância, o(a) acompanhará durante todo este processo, pois conforme Freire (1996): “Os homens se educam juntos, na transformação do mundo”. Os materiais produzidos oferecem linguagem dialó- gica e encontram-se integrados à proposta pedagó- gica, contribuindo no processo educacional, comple- mentando sua formação profissional, desenvolvendo competências e habilidades, e aplicando conceitos teóricos em situação de realidade, de maneira a inse- ri-lo no mercado de trabalho. Ou seja, estes materiais têm como principal objetivo “provocar uma aproxi- mação entre você e o conteúdo”, desta forma possi- bilita o desenvolvimento da autonomia em busca dos conhecimentos necessários para a sua formação pes- soal e profissional. Portanto, nossa distância nesse processo de cres- cimento e construção do conhecimento deve ser apenas geográfica. Utilize os diversos recursos peda- gógicos que o Centro Universitário Cesumar lhe possi- bilita. Ou seja, acesse regularmente o AVA – Ambiente Virtual de Aprendizagem, interaja nos fóruns e en- quetes, assista às aulas ao vivo e participe das discus- sões. Além disso, lembre-se que existe uma equipe de professores e tutores que se encontra disponível para sanar suas dúvidas e auxiliá-lo(a) em seu processo de aprendizagem, possibilitando-lhe trilhar com tranqui- lidade e segurança sua trajetória acadêmica. Professora Me. Ana Lúcia Sales de Lima Sou graduada em História pela Universidade Estadual de Maringá (UEM – PR). Especialista em História e Sociedade e Mestre pela mesma Instituição, mediante o Programa de Pós-Graduação em História. Trabalho na Educação Básica de ensino, como professora de História, desde 2011. Atuo nos anos finais do Ensino Fundamental e no Ensino Médio, vinculada pela Secretária de Educação do Estado do Paraná (SEED). Participo do Laboratório de Estudos do Império Português (LEIP-UEM) e, atualmente, integro a Sociedade Internacional de Estudos Jesuíticos (SIEJ). Sou professora de História do Brasil Colônia (modalidade a distância) da Unicesumar. Professora Me. Luciene Maria Pires Pereira Sou formada em História pela Universidade Estadual de Maringá, no Paraná, na qual também realizei uma especialização em História Econômica. Possuo especialização em Educação Especial, realizada no Instituto Paranaense de Estudo e sou Mestre em História, na linha de Políticas: ações e representações, pela Universidade Estadual Paulista Júlio Mesquita Filho – UNESP. Além do Ensino Superior, trabalho na Educação Básica, na rede regular e na educação especial. A U TO R A S SEJA BEM-VINDO(A)! Caro(a) acadêmico(a)! É com imensa satisfação que apresentamos a você o livro que integra a disciplina de História do Brasil: Colônia. Somos as professoras Ana Lúcia e Luciene e preparamos com muita dedicação e carinho este material. Esperamos que seja um convite para novas discussões e novos posicionamentos perante as abordagens realizadas neste estudo in- dispensável à formação docente. O livro está organizado em cinco unidades que abordam discussões referentes à co- lonização na América Portuguesa, tanto no que tange as principais temáticas do pe- ríodo, quanto as discussões historiográficas, que são realizadas na última unidade de nosso livro. Na primeira unidade, você terá acesso aos estudos sobre a formação do homem luso, desde os primórdios da Península Ibérica até a consagração de Portugal como Estado independente. Após vencerem essa etapa, prosseguimos às análises referentes à expan- são ultramarítima portuguesa realizada ao longo do século XV e que foi responsável pe- las novas aquisições territoriais lusitanas, possibilitando que Portugal se transformasse em um verdadeiro Império. Em um segundo momento, colocamos em pauta as discussões referentes à “Rota das Índias” e à chegada da frota Cabralina nos trópicos. Nessa unidade, você conhecerá as primeiras relações que se estabeleceram entre portugueses e indígenas e as primeirasmedidas administrativas tomadas pela Coroa de Portugal mediante a sua nova desco- berta territorial. Tais reflexões se prolongam até a implantação do Governo Geral e suas implicações em solos brasílicos, no âmbito da indústria açucareira. Dando prosseguimento ao estudo, você conhecerá as reflexões acerca do papel da Companhia de Jesus na colônia portuguesa. A labuta religiosa dos jesuítas se defron- tará com a cultura ameríndia e com os interesses econômicos dos colonizadores lusos, repercutindo em uma série de embates que precisam ser remediados pelos monarcas portugueses. Tanto a unidade III quanto a anterior são imprescindíveis para a compre- ensão do projeto colonizador empreendido pela Coroa lusitana nos solos coloniais. Já na quarta unidade, o recorte temporal se inicia nas expedições bandeirantes, siste- matizadas no século XVII, até os antecedentes da Independência do Brasil. Essa uni- dade apresenta um longo processo que precisa ser cuidadosamente analisado, pois destaca muitas temáticas relevantes para a compreensão das mudanças ocorridas nesse período e que também criarão condições para o rompimento nas relações de dependência entre Brasil e Portugal, com o fim efetivamente da conjuntura colônia – metrópole em 1822. APRESENTAÇÃO HISTÓRIA DO BRASIL: COLÔNIA APRESENTAÇÃO Na quinta e última unidade, compreendemos a necessidade de apresentar uma discussão com os principais teóricos do século XX, acerca do desenvolvimento e formação de nossa sociedade. Neste prisma, nomes como Gilberto Freyre, Sér- gio Buarque de Holanda, Caio Prado Júnior e Ciro Flamarion Cardoso apresentam uma leitura acerca da colonização do Brasil, levando em consideração uma série de acontecimentos. Este caminho que percorreremos é imprescindível tanto para a sua formação do- cente quanto para a compreensão da sociedade brasileira nos dias de hoje. Assim, convidamos-lhe a mergulhar nas aventuras de nosso Brasil Colonial. Bom Estudo! Professoras Ana Lúcia e Luciene. SUMÁRIO 09 UNIDADE I BREVE HISTÓRIA DE PORTUGAL: DAS RAÍZES LUSAS À EXPANSÃO ULTRAMARÍTIMA 13 Introdução 14 O Nascimento do Império Português 31 Os Senhores dos Mares: A Expansão Marítima Lusitana 57 Considerações Finais UNIDADE II A COLONIZAÇÃO DOS TRÓPICOS PORTUGUESES 65 Introdução 66 A Chegada à América e o Encontro com o Desconhecido 89 As Capitanias Hereditárias 103 O Estabelecimento do Governo Geral 123 Considerações Finais UNIDADE III EM NOME DE DEUS E DO ESTADO: A LABUTA DA COMPANHIA DE JESUS NA AMÉRICA PORTUGUESA 131 Introdução 132 A Colonização das Terras e a Salvação das Almas 158 Colonizadores e Soldados de Cristo: Embates em Torno da Escravidão do Gentio Brasílico 177 Considerações Finais SUMÁRIO UNIDADE IV A CONSOLIDAÇÃO DA COLONIZAÇÃO LUSITANA NOS TRÓPICOS 187 Introdução 188 A Expansão Territorial da Colônia Lusitana 203 A Era de Ouro no Brasil Português 232 O Império Português no Brasil: da Chegada da Corte à Independência 245 Considerações Finais UNIDADE V DEBATES DA HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA ACERCA DA COLONIZAÇÃO DA AMÉRICA PORTUGUESA 257 Introdução 258 As Várias Histórias do Brasil 286 A Política Colonial Portuguesa: dos Aspectos Feudais aos Indícios do Capitalismo 293 Considerações Finais 301 Conclusão 303 Referências 317 Gabarito U N ID A D E I Professora Me. Ana Lúcia Sales de Lima BREVE HISTÓRIA DE PORTUGAL: DAS RAÍZES LUSAS À EXPANSÃO ULTRAMARÍTIMA Objetivos de Aprendizagem ■ Analisar o surgimento dos Estados presentes na Península Ibérica, discutindo suas principais características. ■ Compreender a formação do homem luso e seu caráter aventureiro. ■ Observar o desenvolvimento do Império Português. ■ Verificar o pioneirismo português na expansão ultramarítima. ■ Entender as relações estabelecidas entre Estado e Igreja. ■ Discutir as motivações econômicas que alimentaram a “Era dos Descobrimentos”. Plano de Estudo A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade: ■ O Nascimento do Império Português ■ Os senhores dos Mares: a expansão marítima lusitana INTRODUÇÃO Caríssimo(a) aluno(a), daremos início à disciplina de História do Brasil Colônia abordando, primeiramente, a formação de Portugal enquanto país, junta- mente com a construção do caráter do homem luso. Tais questões são de suma relevância para a compreensão do tipo de colonização que os portugueses empreenderam nos Trópicos durante quatro séculos e que será nossa temá- tica nas próximas unidades. Neste primeiro momento, realizaremos um breve estudo acerca da forma- ção de Portugal desde a Pré-história, passando pela era medieval e se estendendo até as Grandes Navegações que marcaram o século XV no cenário europeu. Observaremos que os trajetos da história desse país foram diferentes, compa- rados aos trajetos tomados por outros grandes Estados modernos da Europa, e compreenderemos que as próprias dificuldades e limitações internas favorece- ram os portugueses neste processo que transformou esse pequeno país em um Império, que fixou raízes na Costa africana, nas ilhas atlânticas, nas “Índias” orientais e, posteriormente, na América. Desse modo, optamos por organizar esta unidade em dois grandes eixos temáticos, que foram divididos em subitens para facilitar a compreensão das questões levantadas em nosso estudo. Em primeiro lugar, traçaremos uma análise desde a formação da Península Ibérica, que fora ocupada por distintos povos ao longo dos séculos, até a construção, de fato, do Estado português independente. Nesse intervalo de tempo, iremos nos deparar com questões importantes para a compreensão do caráter luso e das limitações internas que levaram Portugal às incursões marítimas. Também discutiremos acerca dos principais aspectos econômicos e políticos que estavam presentes nesse processo, tanto de luta pela independência quanto pela busca de alternativas necessárias para suprir as defi- ciências que o Reino possuía. O segundo eixo temático vai refletir acerca das principais questões que marcaram o século XV na Europa, principalmente relacionadas à expansão marí- tima portuguesa. Iniciamos a discussão com a organização do Império luso e seus conflitos contra Castela e Aragão em busca de assegurar sua independên- cia e, em seguida, priorizamos a análise da expansão portuguesa ultramarítima. Introdução Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 13 BREVE HISTÓRIA DE PORTUGAL: DAS RAÍZES LUSAS À EXPANSÃO ULTRAMARÍTIMA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E14 A partir da conquista de Ceuta, em 1415, a Coroa de Portugal foi, paulatina- mente, “descobrindo” a Costa da África e, na sequência, as ilhas atlânticas, que seriam importantes pontos de conexão nas empreitadas marítimas portuguesas. Além dos aspectos de caráter econômico e político, são de suma relevância para a compreensão desse processo de expansão além-mar as relações que foram estabelecidas entre Portugal e a Igreja Católica de Roma. Notaremos que o estrei- tamento das relações entre as duas esferas culminará na criação do “Padroado Régio”, que, em linhas gerais, assegurava deveres e direitos ao Reino de Portugal, o qual, em nome de Deus e do Estado, colonizou pontos na África, Ásia e América. Nesse sentido, compreendemos que as questões que serão tratadas a seguir são indispensáveis para entendermos a política que a Coroa de Portugal desen- volveu em suas possessões além-mar, sobretudo na América lusitana, pois nos revela uma combinação de interesses econômicos e religiosos que nem sempre serão sentidos com a mesma intensidade, mas que formarão as estruturas polí- ticas do Império português. O NASCIMENTO DO IMPÉRIO PORTUGUÊS A OCUPAÇÃO DA PENÍNSULA IBÉRICA A ocupação da Península Ibérica, região na qual se situa, atualmente, Portugal, remontaao estudo da pré-his- tória europeia. Observamos a presença de diferentes povos que ocuparam essa região ao longo do tempo. Desses povos, podemos mencionar a presença dos celtas, que O Nascimento do Império Português Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 15 fizeram a introdução da metalurgia do ferro e, consequentemente, começaram a construir objetos de trabalho que vieram para facilitar seu cotidiano. Podemos, também, destacar a chegada de tropas romanas oriundas do conflito entre Roma e Cartago (cidade fundada pelos fenícios no norte da África em 814 a.C., que exercia poder sob o Mediterrâneo ocidental e a Sicília), conflito esse que marcou a história de expansão romana e, assim, o contato com outros povos que viriam ocupar a Península Ibérica. Durante o século II a.C., a expansão de Roma tomou grande impulso, ocu- pando a Macedônia (171-168 A.C) e, posteriormente, a Península Ibérica e as possessões gregas, ampliando, dessa forma, as fronteiras do Império Romano. Segundo Venturini (2010), essa expansão do Império teve consequências signi- ficativas, pois os novos territórios compreendiam áreas com produções agrícolas e jazidas de matérias-primas, como as minas de prata da Espanha. Com a ane- xação de novas províncias, houve a necessidade de organizar uma cobrança de impostos. Essas ocupações também possibilitaram a aquisição de prisioneiros de guerra, ou mesmo escravos que, consequentemente, viriam a integrar uma massa de trabalhadores para servir o Império de Roma. Durante o século II a.C., a escravidão tornou-se importante no Império Ro- mano. Ao longo do século IV a.C., foi proibida a escravidão por dívidas, asse- gurando que os cidadãos romanos não se tornassem escravos mediante ao não pagamento de alguma dívida. Muitos escravos foram direcionados para os campos do Império, para suprir a deficiência da mão de obra quando os camponeses eram recrutados durante as guerras de ocupação romana. Os prisioneiros de guerra que eram submetidos à escravidão eram denomina- dos “escravo-mercadoria”, justificado pelo fato de serem considerados como “coisas”, ou seja, propriedade de alguém. Os escravos não ficavam submetidos apenas ao labor do campo, eram usados em diferentes tipos de ofícios, nas minas, nas cidades, no interior das residências, mas também em funções que exigiam uma formação diferenciada, como médicos, pedagogos e secretários. Tal condição permitia uma possibilidade maior para conseguir sua liberdade. Fonte: Venturini (2010, p. 18-22). BREVE HISTÓRIA DE PORTUGAL: DAS RAÍZES LUSAS À EXPANSÃO ULTRAMARÍTIMA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E16 Ao longo do século III d.C., o Império Romano já havia atingido sua exten- são máxima e começou a sofrer com as consequências desse processo. A fragilidade administrativa, os problemas econômicos decorrentes de uma crise instaurada no comércio, as sucessivas batalhas e doenças resulta- ram em grandes extensões de terras abandonadas. Estas, por sua vez, representavam o pilar da economia romana, pois a agricultura financiava as obras públicas que ocorriam nos centros urbanos do Império. Entretanto, um dos fatores mais graves que levaram à ruína do Império em sua parte Ocidental foi a presença de invasores externos. Com as fronteiras despro- tegidas, o Império se viu fragilizado perante a invasão dos povos bárbaros que devastaram e saquearam as cidades romanas, sobretudo entre os séculos IV e VI e alteraram a estrutura social daquele período. Observa-se uma onda de migra- ção das cidades para os campos. Em busca de proteção e sobrevivência, famílias inteiras abandonavam sua vida nas cidades e fugiam para os campos, onde as tribos bárbaras não ofereciam ameaça. A região que compreendia o Império Romano do Ocidente sofreu com as levas de invasores de diferentes tribos germânicas que assolaram as cidades romanas. Dentre os povos bárbaros que estiveram presentes naquele território, podemos destacar os hunos, alanos, godos, visigodos, entre outros. Em algumas circunstâncias, observamos que os romanos fizeram alianças com tribos bárba- ras para conterem outros invasores que ameaçavam o fragilizado Império. Foi dessa forma que os visigodos permaneceram aliados aos romanos no início do século V, contendo a ameaça de alanos e vândalos e, posteriormente, dos suevos no final do século VI. Nesse contexto, segundo Saraiva (1995, p. 30), “os visigo- dos não trouxeram consigo novas formas de organização ou novas técnicas de Figura 1: Império Romano em 117 Fonte: Wikimedia Commons. Figura 2: Migrações na Europa entre os século II e VI, incluindo a região da Península Ibérica Fonte: Wikimedia Commons. O Nascimento do Império Português Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 17 trabalho”, por outro lado, estabeleceram na “península os traços fundamentais do que viria a ser a sociedade medieval portuguesa: uma sociedade tripartida, formada pelo clero, nobreza e povo” (SARAIVA, 1995, p. 30). Além das tribos germânicas, a região que compreende a Península Ibérica tam- bém abrigou povos pertencentes a outras religiões, como judeus e muçulmanos. Os judeus estiveram presentes nessa região em diferentes momentos da História, muitas vezes, devido à diáspora (dispersão de um povo por motivos políticos e religiosos). Segundo Azevedo (2008), em Roma, cresceu o ódio contra os judeus e, por volta do ano 14 de nossa era, o judaísmo foi proibido em toda Península Itálica. Os judeus também ocuparam a Península Ibérica, desde a ocupação romana, e procuraram refúgio em estados cristãos quando foram perseguidos pelos árabes. No final do século XV, os reis católicos de Castela e Aragão decretaram a expulsão de todos os judeus de seu território. Procurados, ameaçados e perse- guidos, caso os judeus não cumprissem a determinação da Coroa espanhola em um prazo de no máximo quatro meses, poderiam ser condenados à morte (AZEVEDO, 2008, p. 113). Com a determinação do reino espanhol, os judeus se viram obrigados a migrar para Portugal, onde poderiam viver tranquilamente sem nenhum tipo de perseguição. BREVE HISTÓRIA DE PORTUGAL: DAS RAÍZES LUSAS À EXPANSÃO ULTRAMARÍTIMA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E18 Em resposta a essa migração, o monarca lusitano decretou a cobrança de uma quantia, dependendo da situação financeira de cada indivíduo que resolvesse fixar moradia em Portugal. Além disso, estabeleceu um prazo de, no máximo, oito meses de permanência no reino, sob a condição de reduzi- -los à escravidão. Se os Reis Católicos tomam a iniciativa da expulsão e encabeçam a brutal limpeza do Reino da conspurcação hebraica, D. João II soube aproveitar a entrada de alguns milhares de pessoas – não contabilizável que lhe poderiam dar alguns proveitos imediatos e dotar o Reino de gente com capitais e com ofícios úteis. Contra um imposto per capita, autorizou a sua presença transitória no Reino. Um provisório que quis tornar definitivo. Apesar da cruel retirada das crianças às famílias e do seu envio para São Tomé, os judeus não foram perseguidos nem expul- sos (MATTOSO, 1997, p. 404). Observamos que, durante o século XVI, a Coroa lusitana criou medidas de conversão aos judeus que ocupavam as possessões portuguesas, impondo, desse modo, o abandono dos costumes e cresças judaicas em favor dos dog- mas da Igreja Católica. Essa medida viria ao encontro dos interesses do Reino lusitano, pois a saída dos judeus do Império significava perdas econômicas importantes, visto que eram os principais responsáveis pelo comércio nos centros urbanos de Portugal, como também financiadores nas empreitadas ultramarinas lusitanas. Os judeus convertidos ao cristianismoficaram conhe- cidos como “cristãos-novos” e sofriam com a vigilância constante da Igreja de Roma (AZEVEDO, 2008, p. 114). Segundo Mattoso (1997), a obrigatoriedade da conversão dos judeus ao cristianismo causou um problema sério para a sociedade portuguesa. A con- versão violenta não pretendia mudar imediatamente os costumes judaicos. Muitos indivíduos se esforçaram na conversão ao catolicismo, pois alme- javam integrar a sociedade em ofícios relacionados às ordens militares, à nobreza, aos governos municipais e mesmo em Universidades. Outros man- tinham a prática de suas judiarias na obscuridade e viviam com medo de serem descobertos e delatados por algum vizinho curioso (prática comum durante a Inquisição no século XVI, em que os indivíduos condenados pos- suíam seus bens confiscados pelo Estado português, algo que rendeu somas Você sabia que o judaísmo é a religião monoteísta que possui o menor nú- mero de adeptos no mundo? Apenas 12 a 15 milhões. Fonte: Judaísmo (online). Figura 3: Massacre de Lisboa Fonte: Wikimedia Commons. O Nascimento do Império Português Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 19 significativas aos cofres da Coroa). Ao longo do século XVI, os cristãos novos que fossem pegos praticando judaísmo eram condenados à fogueira. Um desses inci- dentes ficou conhecido como “Massacre de Lisboa”, que ocorreu em 19 de abril de 1506, em que milhares de judeus (estima-se que cerca de 4 mil) foram mortos acusados de serem os “culpados” pela grande seca, fome e peste que assolavam Portugal no período (MATEUS; PINTO, 2007). Diferente dos judeus, os árabes iniciaram sua ocupação na Península Ibérica em meados do século VIII, mais especificamente no ano de 711, fruto do pro- cesso de expansão da fé islâmica sonhada pelo profeta Maomé desde 612. De acordo com a análise realizada por Pestana (2006, p. 16), “a rápida penetra- ção dos árabes deveu-se, sobretudo, ao antagonismo entre judeus e cristãos, Atualmente, a fé judaica é praticada em várias regiões do mundo, porém é no estado de Israel que se concentra um grande número de praticantes. Fonte: Judaísmo (online). BREVE HISTÓRIA DE PORTUGAL: DAS RAÍZES LUSAS À EXPANSÃO ULTRAMARÍTIMA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E20 que abriu espaço para que em muitos locais a população judaica oprimida recebesse os mouros como libertadores”. Os muçulmanos permaneceram cerca de oito séculos na Península, mas o domínio, de fato, teve uma dura- ção variável em cada região, pois o poder ficava alternando entre islâmicos e cristãos. Nesse contexto, observamos que, em 868, Porto e Braga foram conquistadas, em 1064, Coimbra e, já durante o século XII, Lisboa. Em con- trapartida, os espanhóis conviveram com a presença dos muçulmanos, entre avanços e retrocessos, até 1492, quando resolveram negociar sua rendição aos cristãos em Granada. A convivência entre os invasores muçulmanos e os cristãos que habita- vam a Península Ibérica dependia da aceitação ou não da religião islâmica. Se os cristãos resolvessem abraçar a fé de Alá, eram tranquilamente aceitos na comunidade muçulmana, com igualdade de direitos e deveres. Caso fos- sem resistentes à conversão e mantivessem seus dogmas baseados na Igreja Católica, teriam assegurada sua liberdade de culto, porém eram obrigados a pagar impostos diferenciados, se possuíssem alguma propriedade. Em contra- partida, se os cristãos lutassem contra os islâmicos, ficariam a mercê de serem escravizados (MENEZES, 2010). Os árabes são um povo semita proveniente da Península Arábica que passou a habitar regiões próximas, principalmente no norte da África e no Oriente Médio. Foi nessa região que surgiu o islamismo e grande parte dos árabes tornou-se muçulmano. Dessa forma, nem todos os árabes são muçulmanos. Mouro ou muçulmano é um nome latino derivado de Mauritânia, província islâmica do noroeste da África. Fonte: Pestana (2008). O Nascimento do Império Português Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 21 O contato firmado entre judeus, muçulmanos e cristãos possibilitou um imenso intercâmbio cultural e comercial, sobretudo entre esses dois últimos. Além dos conflitos armados motivados pela conquista territorial, esse contato pre- cisa ser observado também como um intercâmbio cultural entre os envolvidos. Observamos que muitas palavras do vocabulário português são de origem árabe, por exemplo: o açúcar. Esse contato possibilitou o contato com outras realida- des e até mesmo tecnologias que os portugueses até então desconheciam. Um bom exemplo da herança cultural deixada pelos muçulmanos na Península Ibérica, e uma das mais importantes para o crescimento do Estado luso, foi as inovações ligadas à arte náutica que possibilitou a empreitada marítima lusitana (PESTANA, 2006). Segundo Pestana (2006), as inovações náuticas, muitas vezes, não eram obti- das por meios pacíficos. A maioria dos dados registrados nos livros sobre arte náutica estava escrita em árabe e foi roubada e guardada, muitas vezes, em mos- teiros cristãos. Entre os moçárabes como também entre os judeus foram utilizados intérpretes para traduzir as informações que estavam presentes nessas obras e que, posteriormente, iriam contribuir para as aventuras portuguesas além-mar. Figura 4: O Califado Omíada em seu auge no século VIII, incluindo a Península Ibérica. Fonte: Wikimedia Commons. BREVE HISTÓRIA DE PORTUGAL: DAS RAÍZES LUSAS À EXPANSÃO ULTRAMARÍTIMA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E22 A partir do ano de 718, o combate aos infiéis (muçulmanos) tornou uma realidade e, ao longo do século X, um terço da Península Ibérica já havia sido reconquistada pelos cristãos. Segundo Pestana (2006, p.18), “a guerra avançou rápido graças a levas de peregrinos, vindos em particular do sul da França, jus- tamente onde o avanço muçulmano havia sido barrado pelos francos em 736”. ORIGENS DO ESTADO LUSO Com as levas de invasões muçulmanas e, sobretudo, bárbaras, que assolaram tanto a Península Ibérica como a Itálica, observamos que a estrutura do mundo Medieval sofreu grandes transformações. A vida que antes era concentrada nos centros urbanos passou a ser centralizada nos cam- pos. Os indivíduos abastados migravam para as suas pro- priedades rurais, enquanto a grande maioria, sem ter aonde ir, procurava sobrevivência e proteção nes- sas terras. Teríamos, a partir desse momento, um processo em curso que foi se organizando paulatinamente e ficou conhecido após um longo período como Feudalismo. Segundo Saraiva (1995, p. 40), “nasciam poderes novos que se iam moldando ao sabor das circunstâncias, poderes representados por chefes locais entre os quais se estabelecia uma hierarquia nem sempre bem definida, interca- lada de episódios de submissão e de rebeldia”. É nesse contexto que observamos as origens de Portugal enquanto Estado em curso, com sua organização política e administrativa. De acordo com as refle- xões realizadas por Mattoso (2000, p. 08): O Nascimento do Império Português Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 23 O primeiro fato que se pode relacionar com a futura nacionalidade portuguesa é, por isso mesmo, aquele em que se verifica a associação de dois antigos condados pertencentes cada um deles a uma província ro- mana diferente: o condado de Portucale, situado na antiga província da Galécia, e o de Coimbra, na antiga província de Lusitânia. Formaram o que então se chamou o “Condado Portucalense” (o que pressupunha a hegemonia do condado do Norte sobre o do Sul), entregue pelo rei Afonso VI de Leão e Castelaao conde Henrique de Borgonha, como dote de casamento de sua filha ilegítima D. Teresa no ano de 1096. Segundo Pestana (2006), não existiam relatos que comprovassem a atuação efe- tiva de D. Henrique nas Cruzadas e nem de D. Raimundo. Porém o fato de terem sido premiados com as mãos das filhas de D. Afonso VI de Leão e Castela (Dona Teresa e Dona Urraca) leva-nos a crer que ocorreu um feito significativo naquele dado momento, pois um senhor proprietário de um vasto território não iria sim- plesmente abrir mão de suas terras em benefício de outros indivíduos como D. Afonso VI fez (ritual praticado durante o período feudal). A partir dessa doação, D. Raimundo ficou responsável pelos territórios de Galiza e de Portugal, aos quais, posteriormente, seriam acrescentados Santarém, Sintra e Lisboa. Mas Lisboa seria tomada pelos árabes ainda em fins do século XI, algo que levou D. Afonso a destituir D. Raimundo por sua possível incom- petência e atribuir a D. Henrique a posse de Galiza e do condado portucalense. Nascia ali a rivalidade entre primos e que deu origem ao ódio entre espanhóis e portugueses que marcaria os próximos séculos. Entretanto, a necessidade de união para combater um inimigo em comum impediu que houvesse uma bata- lha entre os primos naquele momento. Assim, esclarece Pestana (2006, p. 20-21): Filho de D. Raimundo e Dona Urarca, nasce, em 1105, o infante Afonso Raimundes, a quem o pai, morto em 1107, não veria crescer. Viúva, Dona Urraca foi reconhecida por D. Afonso VI, em 1108, como le- gítima herdeira do trono de Leão e Castela, garantindo o direito de sucessão ao filho, o infante D. Afonso Raimundes. Tal medida feriu significativamente os termos do pacto sucessório, uma vez que, agora, cessava a obrigação de entregar a D. Henrique as terras de Galiza, o que acirrou ainda mais a rivalidade luso-espanhola. Em 1108, nascia o Infante Afonso Henriques, filho de D. Henrique e Dona Teresa, que foi agraciado cavaleiro em 1125, garantindo a centralização do poder Figura 5: D. Afonso Henrique, o 1º monarca de Portugal Fonte: Wikimedia Commons. BREVE HISTÓRIA DE PORTUGAL: DAS RAÍZES LUSAS À EXPANSÃO ULTRAMARÍTIMA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E24 e contando com o apoio irrestrito da nobreza do Condado Portucalense. Após uma série de lutas, D. Afonso Henrique se autoproclamou Rei, em 1139, e esco- lheu a cidade de Guimarães para ser a capital do Reino. Todavia, temos que compreender que, no contexto do mundo Medieval, o título de Rei era apenas uma dignidade pessoal, ou seja, tal título não assegurava a independência do reino e, além disso, deveria também ser reconhecido pelo Papa, algo que ocor- reu apenas em 1179, próximo ao fim de seu reinado (MENEZES, 2010). Segundo Saraiva (1995, p. 49), “os diplomatas de Roma evitaram habilmente chamar-lhe rei. A concessão foi arrancada por um presente de mil moedas de ouro [...]”. Dentre os feitos realizados por D. Afonso Henrique no processo de organização do novo Reino, podemos destacar a luta travada contra cinco exércitos mouros na Batalha de Ourique. Mesmo contando com um número reduzido de cristãos em seu exército, D. Afonso Henrique conseguiu destruir a ameaça moura e assegurar os limites de seu território. Nessa bata- lha, D. Afonso garantiu ter se defrontado com a presença de “Cristo Crucificado” que lhe mostrou a vitória e, ainda, entregou-lhe as “Quinas” (número de cha- gas em seu corpo durante o Calvário) (AZEVEDO, 2008, p. 25). Prezado(a) aluno(a), essa visão de D. Afonso nos mostra como o sentimento religioso será um dos ele- mentos fundamentais de formação do caráter do homem luso. O Nascimento do Império Português Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 25 Sob o comando de D. Afonso Henrique, pau- latinamente, o Reino foi expandindo seus limites territoriais e “desenhando” o que viria a ser Portugal efetivamente. Após uma estratégia bem elaborada, contando com uma aliança entre tropas portuguesas e cruzados que foram recru- tados ao longo do caminho, o Rei conseguiu conquistar Lisboa e, sucessivamente, Almada, Sintra e Palmela (AZEVEDO, 2008). Porém os lusitanos teriam que resolver suas desavenças com os Reinos que, posteriormente, formariam a Espanha: Castela, Leão, Navarra e Aragão, que se organizariam como um Estado independente apenas no século XV (PESTANA, 2008). A luta contra os reinos que, mais tarde, formariam a Espanha, ficou conhe- cida como Reconquista. Em linhas gerais, seria um conflito em benefício da independência de Portugal e que exigiu dos lusos um empenho e aperfeiçoa- mento das técnicas marítimas para fazer frente aos espanhóis. Esse conflito durou vários anos, tendo Portugal saído como vitorioso, o que, mais uma vez, revela os motivos da rivalidade entre portugueses e espanhóis ao longo do século XV, durante as Grandes Navegações e, em seguida, no século XVI, com a união das duas Coroas: espanhola e portuguesa. Após a vitória sobre os Reinos, que iriam compor a Espanha, os lusos tiveram sua Independência reconhecida pelo Papa Alexandre III e, dessa forma, se autode- nominaram portugueses no início do século XII, porém isso não significou que a paz entre os dois Reinos estava oficialmente selada. Mesmo o acordo firmado em 1297, que determinava as fronteiras entre Portugal e Castela, não representou o fim de conflitos entre lusos e espanhóis. Os cronistas portugueses da época declaravam que D. Afonso Henrique havia realizado grandes feitos que possibilitariam a expan- são das fronteiras do reino de forma significativa, algo que observamos também no BREVE HISTÓRIA DE PORTUGAL: DAS RAÍZES LUSAS À EXPANSÃO ULTRAMARÍTIMA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E26 reinado de D. Sancho I, em 1185, de D. Afonso II (1211-1223), D. Sancho II (1223- 1248), que deram continuidade à guerra de Reconquista frente Castela e Aragão. Tanto as lutas que marcaram a Reconquista como as batalhas contra os invasores mouros da Península despertaram nos monarcas lusitanos uma possibilidade real de dar continuidade à guerra contra os árabes (PESTANA, 2006). Nesse contexto, compreendemos a formação da nacionalidade dos portu- gueses por meio de uma herança cultural herdada por fenícios, gregos, celtas, romanos durante a Antiguidade. Sendo um território que permite a ligação entre a África e a Europa, recebeu uma gama de invasores, como os germâni- cos, bárbaros e os mouros. Pestana (2008, p. 34) destaca que “na Idade Média, os lusitanos adotaram a guerra como estilo de vida. Sua economia baseava-se, em grande medida, na pilhagem. Podemos dizer que, por essa época, já era um povo unificado pela língua e cultura, e organizado em torno do ódio aos inimigos”. Já segundo as reflexões de Azevedo (2008), três culturas influenciaram de forma contraditória a formação do reino lusitano: a cristã, a judaica e a islâ- mica. A cristã foi oficializada ainda nos tempos áureos do Império Romano do Ocidente, abraçando as camadas superiores e rurais da população. A islâmica, por meio dos “mudéjares” (mouros que foram submetidos ao domínio cristão) e “moçárabes” (cristãos que agiam como os árabes). E a judaica, mediante a pre- sença do povo judeu na Península Ibérica desde o período romano e reforçada pela postura de D. Afonso Henrique, que atribuiu aos judeus cargos administra- tivos de suma relevância do Reino (AZEVEDO, 2008. p. 27). Foi dessa forma que Portugal se organizou e despontou como o primeiro Estado europeu “independente”, composto por povos de diversas culturas dis- tintas. Para Azevedo (2008), mencionando Mattoso em suas reflexões, “o Estado português, recém-fundado, caminha lentamente para a nação, isto é, os habitantes de seu território só a pouco e pouco vão adquirindo a consciência de pertence-rem a uma mesma e única comunidade humana, dotada de costumes, língua, tradição [...]” (AZEVEDO, 2008, p.28). Outro ponto relevante na formação do Estado lusitano está ligado à pos- tura da nobreza. De acordo com os estudos realizados por Menezes (2010, p. 17) “um aspecto importante do processo de independência de Portugal relacio- na-se ao poder efetivo da nobreza nos territórios reconquistados e ao grau de O Nascimento do Império Português Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 27 autonomia da população das vilas”. Todavia, depois da Reconquista, a nobreza não exercia um domínio efetivo em todas as localidades do Reino, sendo que nas terras onde a população estava mais dispersa e desprovida de senhor feudal nem se sentia o poder da nobreza (SARAIVA, 1995). DOS ASPECTOS ECONÔMICOS Após o longo período de guerras travadas pelo Reino, buscou-se organi- zar o território e analisar as possibilidades econômicas. Em primeiro lugar, nota-se que, terminadas as batalhas, a população lusitana explo- diu demograficamente e o recém-fundado reino não tinha condições de suprir esse contingente populacional. O principal problema estava relacionado à ali- mentação, pois, mesmo antes de se tornar um Estado, já se vivia em um ambiente de escassez de gêneros alimentícios. Segundo Pestana (2006), mesmo possuindo uma vocação agrária, as terras portuguesas estavam divididas em duas regiões: no norte, fértil, porém superpovoado, enquanto no sul as terras não eram pro- pícias à agricultura e o clima se assemelhava com o oceânico. Enquanto no norte o solo possibilitava o cultivo de cereais – cuja produ- ção estava baseada no minifúndio, caricaturado pelo dito anedótico de que, quando um homem punha a vaca a pastar no seu prado, o excremen- to do animal caía no campo do vizinho -; no sul o solo era, como ainda é hoje, extremamente granítico, viabilizando quase unicamente a produção de azeite de oliva e de cortiça. Além disso, de norte a sul, era prioritário o cultivo de vinhedos, fundamentais para a produção de vinho, o maior artigo de exportação portuguesa desde a ocupação romana, preferência que desabastecia o mercado interno, obrigando o condado a importar grandes quantidades de alimentos diversos (PESTANA, 2006, p. 22). BREVE HISTÓRIA DE PORTUGAL: DAS RAÍZES LUSAS À EXPANSÃO ULTRAMARÍTIMA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E28 No campo, a situação era alarmante e os moradores viviam em condição de absoluta miséria. Os camponeses eram “reféns” de seus senhores por meio da servidão e estavam submetidos a longas jornadas de trabalho, a maus- -tratos e castigos físicos, caso não atendessem às ordens dos proprietários de terras. Era muito comum cada vilarejo do reino possuir um pelourinho (símbolo que será utilizado na colônia portuguesa para castigar os escravos negros), no qual os camponeses transgressores eram amarrados e chicotea- dos pelos senhores. A carência de alimentos, as ameaças psicológicas e os castigos físicos impul- sionaram a migração de trabalhadores dos campos para as cidades. Em busca de melhores condições de vida, o reino assistiu a um significativo êxodo rural que intensificaria o problema de abastecimento alimentício. Por outro lado, deixa- ria a nobreza do campo em uma situação delicada pela ausência de braços para labutar nas pequenas áreas propícias para o cultivo. Em resposta a essa migra- ção de camponeses, a nobreza tentou negociar com o monarca lusitano algumas medidas que visavam reprimir a fuga de camponeses. Segundo Pestana (2008, p.36), o Rei português logo tratou de promulgar leis que impedissem a fuga dos camponeses. Em contrapartida, fingia não ver a presença de homens oriundos do campo que vagavam pelas ruas dos vilarejos e viviam em situação de miséria, muito semelhante àquela encontrada no meio rural, porém não estavam submetidos às humilhações e aos duros castigos físi- cos impostos pelos seus senhores. Desse modo, caso não encontrassem trabalho, podiam se submeter à mendicância ou cometer pequenos delitos. A falta de alimentos no Reino não era um problema recente, tendo aconte- cido ao longo da Guerra de Reconquista. Naquele momento, a solução encontrada foi saquear centros urbanos sob o domínio mouro. Entretanto, com as sucessivas vitórias cristãs e, consequentemente, com a expansão dos domínios fronteiriços, o recurso utilizado anteriormente não seria mais suficiente para abastecer as popu- lações recém-conquistadas, as tropas lusitanas e os cruzados que se juntavam paulatinamente às tropas portuguesas. Desse modo, tendo um nítido problema de abastecimento, onde não havia solos suficientes propícios à agricultura e tendo que suprir as necessidades alimentícias de uma população que estava em um está- gio de crescimento significativo, a forma encontrada pelos monarcas lusos nesse O Nascimento do Império Português Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 29 momento foi as atividades relacionadas à pesca (PESTANA, 2006, p. 23). Saraiva (1995, p.72 apud MENEZES) cita: Há indícios de que já no século XII existia comércio de exportação por via marítima, mas essas indicações são tênues demais para permiti- rem a tese de uma imensa actividade nas regiões litorais, actividade que teria sido, segundo a mesma tese, um dos factores decisivos da in- dependência portuguesa. Ao longo da costa era constante a presença de barcos de piratas mouros, e isso revela a existência de um tráfico marítimo; por causa dos piratas, que saqueavam as povoações ao seu alcance, os principais núcleos de população (exceptuando o caso de Lisboa) não ficavam perto do mar, mas para o interior, ao longo dos rios navegáveis. Uma notícia de 1194 fala do naufrágio de um navio português que se dirigia a Flandres e estava carregado de melaço, azeite e madeira. Também há menção de mercadores portugueses, pelos me- ados do século XII, numa feira de Tessalonica, na Grécia, que era um importante centro do comércio com o Oriente. [...] Em 1211, o rei D. Afonso II fez uma lei em que isenta de pagamento de tributo o resga- te, pelos proprietários, dos salvados dos naufrágios. O facto de ser ter legislado sobre o assunto indica que a navegação comercial ao logo da costa assumia alguma importância. Os homens que engrossavam a massa de trabalhadores sem ofício determinado comu- mente eram direcionados para as atividades marítimas de Portugal. Essas atividades eram desenvolvidas na própria costa lusitana e, muitas vezes, esses homens ocupa- vam as embarcações que transportavam especiarias italianas. Enquanto as mulheres tinham a opção de se render à prostituição nos portos do Reino, os filhos podiam ocupar os navios mercantes, ajudando nas pequenas tarefas e livrando seus pais de despesas relacionadas a sua alimentação. Era comum presenciar crianças com idade inferior aos 10 anos trabalhando nas embarcações portuguesas, pois a noção de infân- cia como nós temos atualmente não se enquadrava aos padrões da época analisada. O trabalho infantil não era malvisto na sociedade portuguesa. Pelo contrário, as famílias contavam com ele para incrementar a economia doméstica. Utilizavam a mão de obra até dos rebentos mais novos, na expectativa de um melhor padrão de vida familiar. [...] Textos produzi- dos, então, retratavam os menores como pequenos animais domésticos, ganhando um status diferenciado, de “gente”, apenas a partir dos 7 anos. Assim, para os portugueses, não havia problema algum na exploração da força de trabalho infantil. Pelo contrário, esta deveria ser aproveita- da, em benefício da família. Mesmo porque metade dos nascidos vivos morriam antes de completar 7 anos (PESTANA, 2008, p. 39). Figura 6: Feira no período medieval Fonte: UFRGS (online).BREVE HISTÓRIA DE PORTUGAL: DAS RAÍZES LUSAS À EXPANSÃO ULTRAMARÍTIMA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E30 Além dos setores econômicos já mencionados, Menezes (2010) destaca a relevân- cia de outros setores que estiveram presentes na formação do Estado português ao longo do século XII e XIII. Dentre as possibilidades de cultivo, o autor destaca a produção de trigo e cevada. Nas atividades domiciliares, observa-se a tecelagem do linho e da lã, resultando uma produção grosseira que ficou restrita apenas ao abastecimento interno. Ganhava destaque também a mineração, a metalurgia do ferro e a cerâmica que possuíam o mesmo destino que a tecelagem. Havia a pre- sença de feiras, porém de forma esporádica, mas isso não significou uma frágil atividade comercial, mostrando-se mais ativa que o próprio artesanato e sendo exercida, sobretudo, por judeus. Quanto às atividades comerciais relacionadas às feiras, segundo aponta Pestana (2006), os mercadores lusos agiam como intermediários entre as grandes feiras orientais e as feiras localizadas na Europa, como a feira de Champanhe (uma das feiras mais conhecidas e importantes do cenário medieval europeu). A atuação dos mercadores, paulatinamente, fortaleceu a feira de Champanhe durante o século XIII, mas reforçou as dificuldades de locomoção por terra entre o Oriente e o Ocidente. Diante dessa difi- culdade, houve a necessidade de abertura de novas rotas marítimas. Nesse sentido, os portugueses “passaram da posição de intermediários para distribuidores, o que não significa que não tenham continuado a existir, embora de forma secundária, atraves- sadores portugueses lidando diretamente com produ- tos importados do Oriente” (PESTANA, 2006, p. 24). O problema com o abastecimento dos gêneros de primeira necessidade foi um dos aspectos mais difíceis de ser solucionado pelos Reis de Portugal, que busca- ram sanar essa deficiência nas expedições ultramarítimas. Como já destacamos, Os Senhores dos Mares: A Expansão Marítima Lusitana Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 31 o reino apresentava uma série de condições que impediam o abastecimento de alimentos para a população. Dentre esses problemas, podemos destacar: a ausência de solos férteis, a escassez de mão de obra nos campos e um imenso crescimento populacional. Assim, passaram a importar os gêneros básicos e a exportar produtos industrializados, como o vinho e o azeite que eram direcio- nados ao comércio europeu. É nesse processo econômico que compreendemos o nascimento de uma marinhagem e das primeiras técnicas de navegação que serão responsáveis, posteriormente, pelas aventuras marítimas portuguesas na Costa africana e nas ilhas atlânticas ao longo do século XV. OS SENHORES DOS MARES: A EXPANSÃO MARÍTIMA LUSITANA A ORGANIZAÇÃO DO IMPÉRIO PORTUGUÊS Prezado(a) aluno(a), neste item, discorreremos acerca das primeiras expedições rea- lizadas por Portugal além de sua orla marítima, ou seja, abordaremos as aventuras lusitanas além-mar nas ilhas do Atlântico, na costa afri- cana e na carreira das Índias ao longo do século XV. Vale ressaltar que nosso objetivo será pontuar essas expedi- ções, demonstrando suas motivações, como também destacar as condições que foram favoráveis e que contribuíram para o pioneirismo português nas incur- sões ultramarítimas. BREVE HISTÓRIA DE PORTUGAL: DAS RAÍZES LUSAS À EXPANSÃO ULTRAMARÍTIMA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E32 No final do século XIV, os lusitanos vivenciaram um período que ficou mar- cado por crises de origem financeira e política. Na esfera política, o problema recaía, sobretudo, na sucessão do trono português, pois, com o falecimento de D. Fernando (filho de D. Pedro I) em 1383, pela ordem natural de passagem da coroa real, caberia ao filho mais velho assumir o trono. Porém, não tendo a opção do primogênito assumir, ficaria na linha de sucessão sua filha Dona Beatriz. Mas sua herdeira havia se unido em matrimônio com o rei de Castela, D. João I, fruto de um acordo firmado entre as Coroas de Castela e de Portugal que colocaria fim aos conflitos luso-castelhanos que ocorreram entre 1369 a 1382. Segundo Pestana (2006), o acordo matrimonial dos monarcas estabele- cia regras de sucessão tanto do trono de Castela como o de Portugal. Perante o documento, ficava legal que Dona Beatriz assumisse o trono lusitano, porém em hipótese alguma a Coroa de Castela. Ainda, estabelecia que o filho mais velho dos monarcas sucederia seu pai, D. João I, rei de Castela, e não o trono dos por- tugueses. Todo esse impasse repercutiu negativamente em todas as esferas da sociedade lusa, em que parte da nobreza e o restante da população não aceitavam a aclamação de Dona Beatriz por representar uma séria ameaça à independência de Portugal, tendo visto o sen- timento de rivalidade que nutria os dois Reinos desde a guerra da Reconquista (PESTANA, 2006, p. 25). Com esse dilema de ordem política, a única solução encontrada foi atribuir o trono à viúva de D. Fernando, D. Leonor Teles, que seria a regente do trono em nome de sua filha, D. Beatriz. Essa deci- são da Coroa de Portugal Figura7: Dona Beatriz de Portugal Fonte: Wikimedia Commons. Figura 8: D. Leonor Teles Fonte: Wikimedia Commons. Os Senhores dos Mares: A Expansão Marítima Lusitana Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 33 desagradou todos os estamentos da socie- dade lusitana. A burguesia nascente, ainda envolvida em pequenos trâmites comerciais, sobretudo com os italianos no comércio das especiarias orientais (temática que tra- taremos em breve), via na figura da futura Rainha uma sombra das amarras medie- vais, principalmente no que concernia à taxação de impostos. Uma parte significa- tiva da nobreza compreendia que a Coroa estaria ameaçada se D. Leonor Teles per- manecesse no trono, pelas estreitas relações com Castela. Já os camponeses preferiam que D. João, (mestre da Ordem Militar de Avis) e filho bastardo de D. Pedro, assumisse o trono de Portugal (PESTANA, 2006). Segundo Menezes (2010), para proteger os interesses de D. Beatriz, as tropas de Castela foram convocadas para uma ofensiva contra Portugal, apoiados por um setor da nobreza lusa que via com bons olhos a união entre as duas Coroas. Nesse contexto, D. João, tendo o apoio do povo miúdo, deu um golpe e foi acla- mado Rei dos portugueses, permanecendo no trono até 1433. Com o avanço das tropas castelhanas em Lisboa, o monarca se viu obrigado a fugir do Reino e pro- curar auxílio na Inglaterra, onde firmou tratados de amizade que marcariam a trajetória das duas Coroas até o século XIX. Esse conflito ficou conhecido como Revolução de Avis (1383 – 1385) e finalizou a onda de batalhas que marcou a História dos dois Reinos. Por mais que os castelhanos possuíssem um forte apoio da cavalaria francesa, as tropas de Portugal sempre foram superiores ao longo desses conflitos, assegurando a independência lusitana. Essa Revolução é de suma relevân- cia, pois, em linhas gerais, representa um rompimento significativo com a mentalidade medieval que permeava o mundo dos ibéricos. Assim, afirma Pestana (2006, p. 25-26): Figura 9: D. João I, fundador da Dinastia de Avis Fonte: Wikimedia Commons. BREVE HISTÓRIA DE PORTUGAL: DAS RAÍZES LUSAS À EXPANSÃO ULTRAMARÍTIMA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E34 Os conflitos de interesses desencadearam a Revolução de Avis que, mais do que um simples levante político, serviu também para viabili- zar a ruptura das relações comerciais com os resquícios medievais que atravancaram o comércio e a expansão ultramarina.Essas mudanças possibilitaram a Portugal ser um dos primeiros países europeus a en- trar na Idade Moderna, pioneirismo que garantiu a primazia sobre a exploração marítima, conduzindo à abertura da Carreira da Índia, e pouco tempo depois da rota do Brasil. Terminado os conflitos entre castelhanos e portugueses, havia a necessidade de reorgani- zação e centralização política de Portugal. D. João teria que buscar apoio na nobreza e, ao mesmo tempo, reprimir os setores que simpa- tizaram com o avanço de Castela em Lisboa. Além da nobreza, outros setores da socie- dade também receberam maior atenção, como os camponeses, que, mesmo antes de D. João assumir o trono, já manifestavam um apoio significante ao monarca. Para os cam- poneses, o Rei, inicialmente, criou medidas de incentivo, mas agiu de forma que limitasse suas ações. A burguesia foi o estamento que mais obteve privilégios nesse processo, pois o incentivo às atividades comerciais seria a palavra de ordem do Estado português no século XV (PESTANA, 2006). Resolvida definitivamente a questão da independência portuguesa frente a Castela, renovada a nobreza, diante da tradição marítima acu- mulada, da geografia favorável e da necessidade de buscar o mar o que o solo não podia suprir, sob o governo de D. João I a cruzada contra os infiéis foi retomada como forma de direcionar a belicosidade da velha nobreza, afastando-a da tentação de remover do poder a dinastia de Avis. Ao mesmo tempo, foi aberto caminho aos mercadores que com- punham a nova nobreza em formação. Os lusos voltaram seus olhos para o norte da África, dando início à expansão ultramarina. O próprio filho do rei, o infante D. Henrique, foi encarregado de organizar a em- preitada em nome do Estado. E foi assim que abriu-se passagem para as especiarias chegarem diretamente à Europa (PESTANA, 2006, p.27). Os Senhores dos Mares: A Expansão Marítima Lusitana Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 35 Após a análise da situação política do Estado português no final do século XIV, passaremos ao estudo de alguns fatores que permearam as relações econômicas lusitanas e que nos auxiliarão na compreensão das expedições lusas além-mar empreendidas ao longo do século XV. Primeiro, é importante lembrar que, no final do século XIV e boa parte do século XV, a Coroa de Portugal passava por um momento delicado. O Reino padecia de problemas financeiros graves, sobretudo resultante dos conflitos que marcaram a Revolução de Avis e que asseguraram a indepen- dência dos portugueses. Além dos gastos gerados com guerras, como já destacamos, a Coroa enfrentava um problema em seu abastecimento ali- mentício (solos férteis insuficientes, alinhado à escassez de trabalhadores no campo que migraram para as cidades em busca de melhores condições de vida). Entretanto, os centros urbanos não estavam preparados para receber essa gama de trabalhadores oriundos do campo e começaram a enfren- tar problemas de ordem social: desemprego, marginalidade e mendicância, passaram a ser problemas presentes nas cidades do Reino. Alguns homens foram remanejados para as empreitadas além-mar, porém essa alternativa não era suficiente para resolver a incidência de trabalhadores nessas condi- ções (PESTANA, 2006). A D. João tornava-se difícil resolver esse problema financeiro, já que um possível aumento de impostos seria inviável nesse momento, pois a Coroa des- cobriu que não havia muito o que ser taxado pela ausência de camponeses e pela escassez de outros setores econômicos citadinos. Nesse âmbito, destaca Pestana (2006, p.29): [...] os camponeses, que viam nas aventuras marítimas a possibilida- de de livrarem-se do precário trabalho rural e da miséria, lançando-se em grandes epopeias marítimas. Justamente por este motivo, prevendo uma falta ainda mais grave de mão de obra e, consequentemente, de ali- mentos, devido à fuga dos servos para os navios, os barões opunham-se à expansão ultramarina e, particularmente, à conquista e fixação em ci- dades no norte da África. Por outro lado, a Coroa via nessa empreitada a única maneira de sanar as altas dívidas do reino [...]. O monarca de Portugal enfrentava várias dificuldades. Precisava sanar esses empe- cilhos para remediar os problemas de ordem econômica. Havia a necessidade BREVE HISTÓRIA DE PORTUGAL: DAS RAÍZES LUSAS À EXPANSÃO ULTRAMARÍTIMA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E36 de dialogar e convencer esses setores da nobreza da viabilidade das incursões marítimas do Reino, pois, sem esse apoio, as expedições além-mar não conse- guiriam ser concretizadas. Apresentar os motivos de cunho econômico não era suficiente para convencer a nobreza a se aventurar na expansão ultramarina lusitana. Era preciso encontrar uma motivação que mexesse com o imaginário da nobreza que, paulatinamente, havia perdido seu caráter guerreiro e que via nessa característica o motivo de sua existência. Percebendo essa motivação, o Rei de Portugal tratou de justificar a expansão no âmbito da luta contra os infi- éis da cristandade: os muçulmanos. A Coroa encontrou nessa disposição a solução para remediar mais de um empecilho ao mesmo tempo. Nesse sentido, o Reino conseguia resgatar o ide- ário guerreiro dos nobres, dando sentido à sua existência enquanto estamento social. Tal característica havia sido perdida com a desestruturação do mundo medieval e com o fim dos conflitos entre os Reinos de Castela e Portugal. Dar sentido à sua existência e justificar seu ideário bélico foi a solução encontrada pelo monarca português, para conseguir apoio da nobreza nas descobertas marítimas, ou seja, “o Estado transformou o que era oposição intransigente em apoio incondicional, ao encobrir o caráter puramente comercial da emprei- tada e vendê-la como uma epopeia dignificante em favor da propagação da fé cristã” (PESTANA, 2006, p. 29). Prezado(a) aluno(a), além das questões de cunho econômico, e não menos importante, precisamos considerar que no imaginário lusitano foi propagado e perpetuado uma ideia de combate ao inimigo da fé cristã. Os portugueses real- mente acreditavam que eles foram o povo escolhido por Deus para extinguir a ameaça dos infiéis e propagar a verdadeira fé, a dos cristãos da Igreja Católica. Esse ideário que permeará o cotidiano dos lusitanos vai justificar uma série de ações da Coroa portuguesa, como as descobertas além-mar, as políticas de colo- nização, a escravização dos negros e a catequização dos indígenas na América portuguesa, assim como nas possessões lusas na África e na Ásia. Temáticas que serão tratadas ao longo deste livro. Os Senhores dos Mares: A Expansão Marítima Lusitana Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 37 O IMAGINÁRIO LUSITANO Vimos no item anterior que a Coroa portuguesa criou, paulatinamente, con- dições para se lançar nas aventuras além-mar ao longo do século XV. Portugal era um país unificado, com fronteiras definidas, sem conflitos externos nem internos. Dispunha do apoio de vários setores da sociedade e construiu um ideário, sobretudo junto à nobreza, que justificava suas ações nas empreitadas marítimas. Esse apoio era fundamental para o sucesso da indústria náutica em construção. Além disso, convivia com uma precariedade no abastecimento de alimentos para sua população. Tais restrições forçaram os lusitanos a explora- rem sua orla marítima em busca de alimentos que suprissem as limitações que Portugal vivia. Posteriormente, o Reino criou condições favoráveis para a explo- ração das ilhas do Atlântico, da costa africana, do caminho das Índias e, por último, da chegada à América. Antes de vencer os obstáculos que os mares escondiam além de suas majes- tosas ondas, os portugueses precisavam enfrentaros medos que permeavam seu imaginário durante o século XV. Naquela época, era comum a recusa, por parte dos marinheiros, de ultrapassar além do Bojador (algo que só foi rea- lizado em 1434 por Gil Eanes), não por acreditarem que a terra era plana e que poderiam cair num abismo, como muitos povos de outras localidades da Europa acreditavam, mas sim pelos registros de muitas embarcações que não retornaram dessa aventura. De acordo com os estudos realizados por Pestana (2008), mesmo os homens mais experientes não aceitavam se aventurar além do Bojador. Esse medo também está ligado aos dizeres dos eclesiásticos que afirmavam que a aventura poderia resultar, além da perda de vidas por meio de naufrágios, no comprometimento da salvação das almas. Segundo alguns relatos do período, depois do cabo Bojador não havia nenhuma manifestação de vida humana, nenhum tipo de vegetação, como também nenhum rastro animal. A visão seria de um verdadeiro deserto e, mais do que isso, após vencer o cabo, a possibilidade de voltar para casa era nula. D.Henrique à frente do “Monumento aos Descobrimentos” , como um navegador, segurando uma caravela. BREVE HISTÓRIA DE PORTUGAL: DAS RAÍZES LUSAS À EXPANSÃO ULTRAMARÍTIMA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E38 A violência das vagas e correntes na face norte do cabo, os baixos exis- tentes ao seu redor, a frequência do nevoeiro e da neblina ao largo, a dificuldade de voltar para o norte por causa dos ventos predominan- tes, tudo parecia confirmar as histórias sobre o “verde mar Tenebroso”, como os geógrafos árabes o chamavam, do qual, de acordo com a crença popular, não havia possibilidade de retorno. Doze ou quinze tentativas infrutíferas foram feitas (segundo se diz) no decorrer de outros tantos anos, antes que um dos navios do príncipe Henrique por fim contor- nasse o cabo em 1434, quebrando, assim, não só a barreira física, mas ainda mais proibitiva barreira psicológica [...] (BOXER, 2002, p. 42). Segundo Antonio Sergio, dobrar o cabo se tornou uma preocupação frequente para o Rei de Portugal. Mais do que vencer um ponto importante para a explo- ração além da costa da África Ocidental rumo ao sul, também significava vencer os medos que assolavam a mentalidade do navegador lusitano e os impediam de realizar grandes feitos. Nesse âmbito, somas significativas foram investidas pela Coroa, sem previsão de um retorno imediato, para vencer esse obstáculo e prosseguir nas descobertas além-mar (SÉRGIO, 1983). Dentre as tentativas que foram empre- endidas, em 1433, D. Henrique solicitou que preparassem uma caravela e destinou seu comando a Gil Eanes, seu escudeiro. O destino seria ultrapassar o tão tenebroso cabo, mas a derrota ocorreu como de cos- tume. No ano seguinte, mais uma vez, D. Henrique organizou uma expedição rumo ao cabo Bojador, porém, dessa vez, Gil Eanes resolveu ser mais audacioso. “decidiu-se enfim a abandonar a costa, a rumar a oeste, a se- guir a margem do lençol de es- puma. Para lá, recomeçavam as ondas do oceano Glauco; pela popa, bem longe, a terra perde- ra-se no horizonte em bruma; e o piloto, vitorioso, rumou ao sul” (SERGIO, 1983, p. 45). Os Senhores dos Mares: A Expansão Marítima Lusitana Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 39 A viagem de Gil Eanes em 1434 ficou marcada pelo seu grande feito na história das navegações portugue- sas. Mais importante que vencer o obstáculo geográ- fico imposto pelo cabo, era superar os medos que per- meavam o imaginário do homem luso. Mesmo após o contorno do Cabo, o medo e a insegurança ainda estavam presentes nas aventuras marítimas. Segundo aponta Pestana (2008, p. 22), “nada eliminou o medo do desconhecido, expresso pelos relatos de avistamento de monstros e demônios marinhos”. O imaginário do navegador lusitano não ficou restrito apenas ao medo dos monstros e demônios marítimos, como ressaltado. A mentalidade do portu- guês alimentou-se do estranhamento perante os primeiros contatos com outras civilizações não europeias, possíveis por meio das expedições marítimas. Esses contatos geraram embates culturais, interesses comerciais, estranhamento e desentendimentos que, muitas vezes, só foram solucionados por meio de con- flitos sangrentos. Observamos essa postura dos lusos em possessões da Costa da África, na Ásia e na América no âmbito do projeto colonizador. O contato com outras civilizações não gerou estranhamento apenas por parte dos portugueses. Por meio de relatos, podemos destacar que muitos povos que “receberam” as expedições oriundas de Portugal tiveram um choque cultural, muitas vezes, até maior que os próprios lusitanos. Quando os lusos aportaram em Luanda, os nativos foram tomados por um misto de sensações que oscilavam entre o medo, estranheza e admiração. Nesse âmbito, afirma Pestana (2008, p. 22-23): [...] aterrorizados, tomaram os estranhos por cadáveres vivos, zumbis, pois, segundo sua cosmologia, os defuntos situavam-se nas águas e os espíritos dos antepassados encarnavam no outro mundo, em corpos brancos e vermelhos. Provindos do mar, os portugueses foram inse- ridos no universo do sagrado, aos olhos dos africanos, passando a ser reverenciados como deuses na terra [...]. BREVE HISTÓRIA DE PORTUGAL: DAS RAÍZES LUSAS À EXPANSÃO ULTRAMARÍTIMA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E40 O estranhamento que a chegada dos portugueses despertou em outras civiliza- ções, sobretudo na Costa da África, possibilita compreendermos a passividade inicial que muitos povos tiveram com a presença dos portugueses. Esse misto de medo e admiração mexeu com o psicológico dessas civilizações e possibili- tou que os lusitanos tomassem proveito disso, tanto em aspectos econômicos como nos aspectos políticos. O contato com o desconhecido despertou também o desprezo com a cul- tura do outro, principalmente na relação estabelecida com os povos africanos. O termo “etíope”, por exemplo, tão comum nos dias atuais, estava relacionado à cor da pele dos africanos - “face queimada”. Essa característica “passou a ser asso- ciada à negritude do demônio”. Nesse sentido, os lusitanos estabeleceram uma postura de dominação e inferiorização sobre os povos africanos que justificaria, posteriormente, escravizá-los, pois, “reduziram sua ‘raça’ à expressão do mal” e esse mal precisava ser combatido de alguma forma (PESTANA, 2008, p.23). Nesse aspecto, Holanda (2004) acrescenta, ainda, que o período explorató- rio lusitano além-mar principalmente na Costa africana foi similar a uma grande empresa exorcista: “dos demônios e fantasmas que, através de milênios, tinham povoado aqueles mundos remotos, sua passagem irá deixar, se tanto, alguma vaga ou fugaz lembrança [...]” (2004, p. 11). Por essas considerações podemos refletir acerca da mentalidade do homem lusitano. O contato com o outro externalizou um sentimento de superioridade frente aos outros povos, tanto no âmbito cultural como no âmbito religioso. A dominação seria uma questão de tempo e de estra- tégia, que seria muito bem traçada pelos portugueses na era dos descobrimentos. NAVEGAR EM NOME DE DEUS E DO ESTADO Caríssimo(a) acadêmico(a), o presente momento histórico ficou marcado por uma série de mudanças que atingiram o mundo europeu, principalmente no que tange aos aspectos econômicos, políticos e culturais. Nesse âmbito, faremos uma breve análise da política empreendida pela Coroa lusitana na era dos des- cobrimentos e nas suas relações firmadas com a Igreja Católica por volta de 1450 que culminaram, posteriormente, na criação do “Padroado Régio”. A referida Os Senhores dos Mares: A Expansão Marítima Lusitana Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re irod e 19 98 . 41 instituição se baseava em acordos firmados entre a Coroa lusa e o papado, em que a esfera religiosa legitimava as ações do Reino em troca da expansão dos dogmas católicos nas terras até então “desconhecidas” ou mesmo nas localida- des ocupadas pelos infiéis (muçulmanos). Antes de pontuarmos os principais feitos lusitanos na empresa além-mar, acreditamos ser importante trabalharmos brevemente o conceito de “descobri- mento”. De acordo com o dicionário Houaiss, esse termo está relacionado a “o que faz descobertas; explorador de terras longínquas, pouco acessíveis; fazer conhe- cer; processo de chegada”. Todavia, no âmbito do século XV, o ato de “descobrir” ou mesmo “descobrimento” estava ligado ao fato de um conhecimento prévio de algo e sua possível confirmação. Nesse sentido, podemos entender que os portu- gueses já possuíam, no mínimo, uma mera noção da existência das localidades que descobriram antes mesmo de sua chegada nelas. O século XV ficou marcado pelas conquistas ultramarinas portuguesas que se iniciaram no reinado de D. João I (1385-1433), em 1415, com a conquista de Ceuta, que seria um ponto geográfico estratégico no controle da navegação na Costa da África, e se prolongaram no decorrer do século com menor ou maior intensidade. Nesse contexto, três anos depois, houve o povoamento no arquipé- lago da Madeira e Deserta. Por volta de 1432, a descoberta dos Açores e, logo em seguida, em 1434, o contorno no cabo Bojador, “marcando nova etapa ao reco- nhecimento da Costa da África” (HOLANDA, 1981, p.28). Ceuta era uma cidade comercial marroquina situada no lado africano do estreito de Gilbratar, o ponto em que a África mais se aproxima da Europa e que serve como espécie de linha divisória entre o mar Medi- terrâneo e o oceano Atlântico. [...] À nobreza interessava a conquista de Ceuta porque era uma boa oportunidade para exercitar seus dotes mili- tares, obter despojos (o saque às cidades conquistadas era uma tradição militar na época) e alcançar ou reforçar posições na Corte. No âmbito político e religioso, a tomada de Ceuta tinha um valor simbólico. Afinal, era dali que Tarik havia partido com seus exércitos mouros no século VIII para conquistar a Península Ibérica. Conquistar Ceuta seria, pois, uma justa e legítima vingança contra o agressor mouro. Do ponto de vista econômico, Ceuta era, no início do século XV, um centro comer- cial para onde afluíram mercadorias europeias, africanas e asiáticas. O Marrocos era também uma importante região produtora de cereais, cujo abastecimento sempre foi precário em Portugal (PEREIRA, 2010, p. 24). Figura 10: A conquista portuguesa de Ceuta representada em azulejos na estação de São Bento, Porto Fonte: Wikimedia Commons. BREVE HISTÓRIA DE PORTUGAL: DAS RAÍZES LUSAS À EXPANSÃO ULTRAMARÍTIMA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E42 A conquista de Ceuta foi um importante avanço no que concerne à empresa marítima portuguesa, pois assegurava à Coroa todos os itens que ela precisava para avançar rumo às explorações além-mar, ou seja, representava benefícios geográficos, econômicos, políticos e, além destes aspectos, justificava o ideário cruzadiço da Coroa de Portugal. Nesse sentido, as navegações empreendidas na Costa da África foram o primeiro passo dos lusitanos na corrida dos “descobrimentos”. Segundo Boxer (2002), existiu uma harmonia de fatores de cunho econômico, religioso e polí- tico, os quais nem sempre podem ser percebidos com a mesma intensidade. Desse modo, em linhas gerais, as viagens portuguesas foram movidas por qua- tro razões principais: as cruzadas contra o inimigo muçulmano, a corrida pelo ouro da Guiné, a busca pelo lendário Preste João e, por último, a aquisição de especiarias orientais (BOXER, 2002, p. 34). O primeiro ponto destacado pelo autor diz respeito à motivação de cunho reli- gioso e econômico. Combater os infiéis representava legitimar as ações bélicas da nobreza, propagar a fé católica e assegurar sua soberania, como também A lenda do Preste João das Índias é muito antiga, pois Marco Polo já se refe- ria a ela no seu diário de viagens. São vários e muito antigos os testemunhos de que existiria no Oriente um rei cristão nestoriano chamado João, cujo império estaria situado na Ásia, segundo uns, ou na África, segundo outros. Os reis cristãos que combatiam o Islamismo fizeram várias tentativas para contactar este importante aliado no Oriente, mas sem resultados. Fonte: Infopedia (online). Figura 11: Gravura ilustrando o Preste João Fonte: Wikimedia Commons. Os Senhores dos Mares: A Expansão Marítima Lusitana Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 43 abria uma possibilidade econômica muito importante, por Ceuta ser um ponto estratégico no comércio com o Oriente. O segundo item assinalado pelo autor se justifica pela Coroa lusitana não possuir uma moeda de ouro nacional desde 1383 e se colocava como um dos poucos reinos da Europa nessa condição que desfavorecia suas tramitações comerciais. Além desses fatores, não menos impor- tante era a procura incansável pelo lendário Preste João. Segundo as lendas que se propagavam pela Europa, Preste João era um príncipe cristão de um pode- roso reino “nas Índias”, mais precisamente na região da atual Etiópia. Os portugueses acreditavam que, após estabelecer um con- tato com Preste João, ele seria um inestimável aliado na cruzada contra os infiéis muçulma- nos, sejam eles de origem árabe, egípcia ou moura. O último fator que alimentava a moti- vação lusa na empresa além-mar era a busca pelas especiarias orientais que só foi concreti- zada no final do século XV, com a descoberta da rota para as “Índias”, onde os portugueses puderam comercializar diretamente com o Oriente, possibilitando-lhes altos rendimen- tos (BOXER, 2002, p. 35-36). Com a descoberta de Ceuta e, posteriormente, das ilhas atlânticas situadas a oeste da África, como as ilhas de Porto Santo, Deserta, Madeira e do arquipé- lago dos Açores, a Coroa portuguesa precisava desenvolver mecanismos para colonizar esses novos territórios. As ilhas de Porto Santo e Açores, por serem desabitadas, ofereciam a possibilidade de serem povoadas pelos descobridores lusos. O clima era propício para a labuta na terra e o trigo foi uma das opções de plantio, visto que, no final do século, estas possessões já se colocavam como grandes exportadoras de trigo para Portugal. Na ilha da Madeira, colonizada por volta de 1433, optou-se também pelo trigo, mas foi com o plantio de cana-de-açú- car que a Coroa lusitana obteve grandes lucros e, ao mesmo tempo, possibilitou uma experiência viável que também seria utilizada no nordeste brasileiro, visto a semelhança climática (PEREIRA, 2010, p. 28). BREVE HISTÓRIA DE PORTUGAL: DAS RAÍZES LUSAS À EXPANSÃO ULTRAMARÍTIMA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E44 Assim, além das preocupações econômicas, políticas e administrativas ine- rentes à colonização dos novos territórios portugueses, o monarca português manifestava preocupações no âmbito religioso. Nesse sentido, determinou a cons- trução de igrejas em todas as terras recém-descobertas. Após serem construídas, ordenou que enviassem padres lusitanos que ficaram responsáveis por ouvir con- fissões, dar a absolvição e transmitir os sacramentos da Igreja Católica, tanto para os habitantes das ilhas como para os marinheiros que ficavam hospedados por períodos esporádicos. No que concerne à conversão dos nativos que ocupavam essas possessões ultramarinas, o encaminhamento realizado pelos padres se resumia simplesmente ao batismo. Não havia uma ação catequética organizada pelos religiosos, pois o que interessava naquele momento era a “cura pastoral dos cristãos viajantes ou dos cristãos colonizadores. Bastavam
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