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Michelle Karen Batista dos Santos Lucas e Silva Batista Pilau (Organizadores) ENSAIOS CRIMINOLÓGICOS: Produções Coletivas de Resistência Porto Alegre OAB/RS 2018 Michelle Karen Batista dos Santos Lucas e Silva Batista Pilau (Organizadores) ENSAIOS CRIMINOLÓGICOS: Produções Coletivas de Resistência Augusto Jobim Betina Warmling Barros Caroline Bussoloto de Brum Cibele de Souza Domenique Assis Goulart Fernanda Corrêa Osório Fernanda Martins Franchesca Inácio Zandavalli Laura Gigante Albuquerque Leandro da Cruz Soares Lucas Dall'Agnol Pedrassani Lucas e Silva Batista Pilau Michelle Karen Batista dos Santos Osmar Antônio Belusso Júnior Patrícia Martins Saraiva Porto Alegre OAB/RS 2018 Copyright © 2018 by autores Todos os direitos reservados Diretora de Cursos Permanentes da Escola Superior da Advocacia da OABRS Fernanda Corrêa Osório Revisores Betina Warmling Barros Domenique Assis Goulart Thiago Ribeiro Rafagnin Capa Carlos Pivetta E52 Ensaios Criminológicos: produções coletivas de resistência/ Michelle Karen Santos, Lucas e Silva Batista Pilau (Organizadores); Augusto Jobim [et al.]. Porto Alegre/OABRS. 2018. 241p. ISBN online: 978-85-62896-13-2 1. Ensaios Criminológicos. 2. Resistência. I. Santos, Michelle Karen Batista dos. II. Pilau, Lucas e Silva Batista. III. Título CDU 343.9 Rua Manoelito de Ornellas,55 – Praia de Belas CEP: 90110-230 Porto Alegre/RS Telefone: (51) 3287-1838 O conteúdo é de exclusiva responsabilidade dos seus autores. ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL CONSELHO FEDERAL ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL - CONSELHO FEDERAL DIRETORIA/GESTÃO 2016/2018 Presidente: Claudio Pacheco Prates Lamachia Vice-Presidente: Luís Cláudio da Silva Chaves Secretário-Geral: Felipe Sarmento Cordeiro Secretário-Geral Adjunto: Marcelo Lavocar Galvão Diretor Tesoureiro: Antonio Oneildo Ferreira ESCOLA NACIONAL DE ADVOCACIA – ENA Diretor-Geral: José Alberto Simonetti Cabral ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL CONSELHO SECCIONAL DO RIO GRANDE DO SUL DIRETORIA/ GESTÃO 2016/2018 Presidente: Ricardo Ferreira Breier Vice-Presidente: Luiz Eduardo Amaro Pellizzer Secretário-Geral: Rafael Braude Canterji Secretária-Geral Adjunta: Maria Cristina Carrion Vidal de Oliveira Tesoureiro: André Luis Sonntag ESCOLA SUPERIOR DE ADVOCACIA Diretora-Geral: Rosângela Herzer dos Santos Vice-Diretor: Marcos Eduardo Faes Eberhardt Diretor Administrativo-Financeiro: Otto Júnior Barreto Diretor de Cursos Permanentes: Fernanda Corrêa Osório, Daniel Ustárroz Diretor de Cursos Especiais: Darci Guimarães Ribeiro Diretor de Cursos Não Presenciais: Eduardo Lemos Barbosa Diretora de Atividades Culturais: Karin Regina Rick Rosa Diretora da Revista Eletrônica da ESA: Denise Pires Fincato CONSELHO PEDAGÓGICO Alexandre Lima Wunderlich Ana Paula Oliveira Ávila Darci Guimarães Ribeiro Delton Winter de Carvalho Rolf Hanssen Madaleno CAIXA DE ASSISTÊNCIA DOS ADVOGADOS DIRETORIA/GESTÃO 2016/2018 Presidente: Rosane Marques Ramos Vice-Presidente: Pedro Zanette Alfonsin Secretária-Geral: Cláudia Brosina Secretária-Geral Adjunta: Melissa Telles Barufi Tesoureiro: Gustavo Juchem TRIBUNAL DE ÉTICA E DISCIPLINA Presidente: Cesar Souza Vice-Presidente: André Araujo CORREGEDORIA Corregedora: Maria Helena Camargo Dornelles Corregedores Adjuntos: Maria Ercília Hostyn Gralha, Josana Rosolen Rivoli, Darci Norte Rebelo Jr OABPrev Presidente: Jorge Luiz Dias Fara Diretor Administrativo: Paulo Cesar Azevedo Silva Diretora Financeira: Claudia Regina de Souza Bueno Diretor de Benefícios: Luiz Augusto Gonçalves de Gonçalves COOABCred-RS Presidente: Jorge Fernando Estevão Maciel Vice-Presidente: Márcia Heinen PALAVRA DO PRESIDENTE A Escola Superior de Advocacia (ESA) da OAB/RS tem se notabilizado pela crescente e plural produção de conteúdo oferecida ao Direito brasileiro. São diferentes trabalhos elaborados a partir da enriquecedora contribuição de advogadas e advogados. A publicação da obra coletiva “Ensaios Criminológicos: Produções Coletivas de Resistência” é mais um desses projetos de fôlego. Questões relativas ao contexto do histórico de crimes no Brasil, discursos criminológicos vigentes e suas implicações, desdobramentos para a sociedade de novas realidades sociais, entre outros olhares, são pautas atuais que impulsionam avaliações e revisões de temas significativos para os brasileiros. A OAB/RS se coloca como uma grande fomentadora e plataforma impulsionadora para relevantes debates. Nesse sentido, o trabalho da ESA deve ser reiteradamente reconhecido, em um trabalho de muita qualidade e dedicação da diretora-geral Rosângela Herzer dos Santos. Neste particular, o trabalho da diretora de Cursos Permanentes da ESA, Fernanda Osório, acompanha os aplausos e elogios. Por fim, registro com satisfação, tantos profissionais cada vez mais interessados em contribuir com estudos e análises. É através dessa riqueza de ideias, pontos de vista e pesquisas que qualificamos o debate sobre pautas que fazem do Direito algo tão apaixonante e envolvente. A todos que colaboraram com a obra “Ensaios Criminológicos: Produções Coletivas de Resistência”, recebam minhas felicitações e reconhecimento. Ricardo Breier Presidente da OAB/RS PREFÁCIO Na segunda metade do ano de 2016, os organizadores dessa obra deram início a uma trajetória que até então desconheciam seu final e os possíveis resultados: passaram a compor, juntos, a coordenação do Grupo de Estudos em Criminologia na Escola Superior de Advocacia da OAB/RS. Optaram, em um primeiro momento, por um semestre voltado às leituras básicas do campo criminológico, retomando as etapas de constituição da criminologia como saber e as principais temáticas e pesquisas relativas às agências que compõe o sistema penal. Os próximos semestres, até o final de 2017, momento em que encerrou a coordenação em conjunto entre os organizadores (o que não ocasionou, por óbvio, o fim do grupo), buscou-se um olhar desde outros marcadores mais específicos (e por muito tempo colocados de lado pela epistemologia criminológica), como o de gênero e o racial. Diversos pesquisadores e pesquisadoras de Porto Alegre – com competência acadêmica reconhecida – foram convidados a contribuir com os debates, mas o que fez, verdadeiramente, que o grupo se constituísse e se mantivesse vivo foi a relutância, de diversos estudantes, advogadas/advogados e interessadas/interessados, em se manterem assíduos nas reuniões, contribuindo com suas experiências, acadêmicas e de vida, com os debates, e na construção do rumo que o grupo iria tomar a cada semestre. Esse livro é fruto daquelas pesquisadoras/pesquisadores que estavam presentes no primeiro semestre, quando o Grupo de Estudos em Criminologia da OAB/RS se constituiu, lá em 2016. A ideia, originada ao fim do semestre de trabalho, foi dar visibilidade às pesquisas e inquietações que os e as participantes trouxeram durante as reuniões, tomando como referência as temáticas e escritos que sustentaram as discussões. E por isso são chamados de ensaios, vez que construídos para dar vazão, através de artigos científicos, a propostas de pesquisas que podem ou não ter avançado no decorrer do tempo, com o amadurecimento acadêmico das autoras e autores. E nesse ponto, é preciso destacar que apesar de serem tomados como ensaios, dos escritos vertem muita qualidade, como os leitores e as leitoras poderão perceber. Ainda, é preciso esclarecer que o título, ao referir tratarem-se de produções coletivas de resistência, assim o é por dois motivos. Primeiro, porque a gestação e organização dos artigos foi realizada coletivamente, tendo pelo menos um(a) autor(a) revisado o artigo deoutro(a) autor(a), levantando dúvidas e críticas quanto ao seu conteúdo, com o objetivo final de tão somente qualificar os trabalhos que comporiam o livro. Segundo, como é mais evidente, pode-se notar que o fio condutor dos textos é a resistência aos discursos violentos e desinformados que há muito tempo dão base às políticas criminais e a atuação dos agentes e das agências de controle do sistema penal. Além disso, resistência, em um olhar mais atento, porque vive-se em um país onde recorrentemente – e nos últimos anos ainda mais – pesquisadores, até aqueles com larga trajetória acadêmica, são ameaçados com cortes de orçamento para suas pesquisas, assim como bolsas de iniciação científica, mestrado e doutorado passam a se tornar elemento raro e disputado nas faculdades e nos programas de pós-graduação (acomodando a lógica da concorrência entre pesquisadores e os efeitos em nível de saúde que esse estado impõe). Assim, tendo em vista que a maioria dos autores que compõe essa obra haviam recém iniciado sua caminhada no campo acadêmico, demonstraram esses estarem cientes de que, apesar das limitações que a profissão impõe, vale a pena lutar pela pesquisa e pela ciência do país. Essa publicação resiste, então, contra a redução e o encolhimento da pesquisa e mais ainda contra o obscurantismo que toma conta da questão criminal. Por fim, é preciso um agradecimento especial a professora e advogada Fernanda Osório, a qual contribuiu, de maneira decisiva, para que essa publicação fosse levada a cabo, e também aceitou o convite dos organizadores para realizar a apresentação da obra, assim como a Editora da Escola Superior de Advocacia da OAB/RS, por oportunizar que o material fosse publicado em seu catálogo. Porto Alegre, agosto de 2018. Lucas e Silva Batista Pilau Mestre em Ciências Criminais (PUCRS) Membro do Grupo de Pesquisa em Políticas de Segurança e Administração da Justiça Penal (GPESC) Advogado do Centro de Defesa de Direitos Humanos (CDDH) de São Leopoldo Michelle Karen Batista dos Santos Mestranda em Ciências Criminais (PUCRS) Coordenadora do Grupo de Estudos Direito e Criminologia (ESA- OAB/RS) Membro do Grupo de Pesquisa em Políticas de Segurança e Administração da Justiça Penal (GPESC) Advogada APRESENTAÇÃO Honra-me os autores e as autoras com o convite de apresentar a coletânea de textos, fruto dos encontros e das discussões realizadas no Grupo de Estudos em Criminologia(s) da Escola Superior da Advocacia da OABRS em parceria com a Comissão Especial do Jovem Advogado (CEJA/OABRS), coordenado por Michelle Karen Batista dos Santos e por Lucas e Silva Batista Pilau, incansáveis na concretização do projeto de aliar academia e advocacia, e que proporcionaram aos Advogados e Advogadas do Rio Grande do Sul a comunicação entre o saber criminológico e o saber jurídico-penal. Ainda que preliminarmente, registro a felicidade de participar desse projeto conjunto que revela as inquietações de um grupo de profissionais que, com um potencial revolucionário, resgatam no Direito e no exercício da advocacia a possibilidade de transformação da realidade. Não resta dúvida que há certas épocas em que os desafios são maiores para uma abordagem crítica dos problemas relacionados à violência, ao crime e ao controle social. Porém, para o Grupo de Estudos em Criminologia(s), o desafio só fez aumentar a qualidade e a profundidade dos debates, com o permanente incentivo para que todos/as os/as integrantes tivessem espaço de fala e (des)construções. A partir de uma perspectiva interdisciplinar, o Grupo de Estudos em Criminologia(s), fez da Escola Superior da Advocacia um espaço coletivo de discussão e reflexão sobre temas criminológicos candentes: Criminologias Clássica, Positivista e Crítica, Crítica Criminológica ao Processo Penal, Política Criminal e Práticas Punitivas, Segurança Pública no Brasil, Criminologia Feminista, Políticas de Drogas e Encarceramento em Massa e, por fim, Criminalização da Juventude. As contribuições das Pesquisadoras Fernanda Martins, Betina Warmling Barros e do Pesquisador Augusto Jobim do Amaral nos encontros do Grupo enriqueceram os diálogos e permitiram questionar a ideia de que a adesão a uma lógica punitivista traria soluções efetivas para a diminuição da violência. A disposição para o diálogo e preocupação em diminuir os espaços entre a “teoria e prática” faz dessa coletânea de artigos um convite ao leitor para que se comprometa com os direitos e garantias fundamentais, tal como proclamados na Constituição da República e nas Declarações Internacionais. Por todos esses motivos, é um grande prazer e orgulho apresentar essa obra. Porto Alegre, julho de 2018. Fernanda Osório Advogada Diretora de Cursos Permanentes da Escola Superior da Advocacia da OABRS Prof. da Escola de Direito da PUCRS SUMÁRIO PALAVRA DO PRESIDENTE – Ricardo Breier PREFÁCIO - Lucas e Silva Batista Pilau, Michelle Karen Batista dos Santos APRESENTAÇÃO – Fernanda Corrêa Osório (RES)SOCIALIZAÇÃO MILITARIZADA: A POLÍCIA MILITAR NO BRASIL E O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE .............................................................................. 15 Betina Warmling Barros e Lucas e Silva Batista Pilau RETRATO DO ABUSO DE PODER PELA ÓTICA CRIMINOLÓGICA ......................................................................... 35 Caroline Bussoloto de Brum ANÁLISE CRÍTICA SOBRE O PAPEL DA LITERATURA NÃO FICCIONAL E/OU MARGINAL NA TRADUÇÃO DOS DISCURSOS PRODUZIDOS PELO SISTEMA PUNITIVO A PARTIR DO CONCEITO DE “LOCAL DE FALA” ................... 52 Cibele de Souza REFLEXÕES E INQUIETAÇÕES SOBRE A NECESSIDADE DA CONSTRUÇÃO DE UMA LÓGICA E UMA PRÁXIS JURÍDICAS ANTI-RACISTAS, FEMINISTAS E DE BASE ..... 78 Domenique Goulart PENSAR A DEMOCRACIA EM TEMPOS DE MEDO ........... 100 Fernanda Martins e Augusto Jobim A RELEVÂNCIA DA OMISSÃO EM CASOS DE ESTUPRO: A CULPABILIZAÇÃO DA MULHER NA SOCIEDADE PATRIARCAL BRASILEIRA ...................................................... 115 Laura Gigante Albuquerque e Fernanda Corrêa Osório GUERRA ÀS DROGAS: DA INEFICÁCIA DO PROIBICIONISMO À CRIMINALIZAÇÃO DA POBREZA .. 133 Franchesca Inácio Zandavalli A RAZOÁVEL DURAÇÃO DO INQUÉRITO POLICIAL: PERSPECTIVAS DOGMÁTICA E JURISPRUDENCIAL ...... 149 Leandro da Cruz Soares A EXCEÇÃO COMO REGRA NA CRIMINALIZAÇÃO DA RESISTÊNCIA: EXPANSIONISMO PUNITIVO E O ABANDONO DAS JUSTIFICATIVAS JURÍDICAS NAS ESTRATÉGIAS DE CONTROLE SOCIAL ............................... 172 Lucas Dall'Agnol Pedrassani “MAIS SEGURANÇA E MENOS IMPUNIDADE”: O DISCURSO MIDIÁTICO COMO INSTRUMENTO DE INCENTIVO E SUPORTE DO POPULISMO PUNITIVO .................................. 196 Michelle Karen Batista dos Santos e Osmar Antônio Belusso Júnior FACÇÕES E MARAS: ANÁLISE COMPARATIVA DA CONSTITUIÇÃO DAS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS ..... 216 Patrícia Martins Saraiva 15 (RES)SOCIALIZAÇÃO MILITARIZADA: A POLÍCIA MILITAR NO BRASIL E O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE Betina Warmling Barros1 Lucas e Silva Batista Pilau2 CONSIDERAÇÕES INICIAIS Desde que passou a se consolidar como área própria de conhecimento no Brasil, principalmente a partir da promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente em 1990, a justiça juvenil e seus instrumentos socioeducativos vêm ganhando contornos teóricos cada vez mais robustos e interligados com a produção acadêmica internacional. A atuação dos profissionais a serviço do Estado que lidam com este público também vem sendo esmiuçada como problema de pesquisa, em que pese a ainda absoluta desigualdade de aprofundamento teórico e de quantidade de intervenções, se comparada 1 Mestranda em Sociologia no Programade Pós-Graduação em Sociologia da UFRGS. Atualmente é bolsista de Mestrado CNPQ. Possui Graduação em Ciências Jurídicas e Sociais da Faculdade de Direito/UFRGS. Atuação na área da Sociologia da Violência, Criminologia, Direito Penal e Direito Penal Juvenil. E-mail: barros.betina3@gmail.com. 2 Pesquisador e Advogado. Mestre em Ciências Criminais pelo Programa de Pós- Graduação em Ciências Criminais da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Graduado em Direito pela Universidade Católica de Pelotas (UCPel). Professor convidado na Pós-Graduação (lato senso) em Ciências Criminais da Faculdade Campo Real (Guarapuava/PR). Advogado do Centro de Defesa de Direitos Humanos (CDDH) de São Leopoldo. E-mail: lucas.pilau@hotmail.com. mailto:barros.betina3@gmail.com mailto:lucas.pilau@hotmail.com 16 com temáticas mais tradicionais da criminologia, como o encarceramento adulto. Assim, a despeito da consolidação deste “novo” campo científico, há ainda extrema carência de aprofundamento nas pesquisas na área da justiça juvenil, sobretudo em temas mais específicos como, por exemplo, a atuação da polícia junto aos adolescentes. Talvez seja justamente no processo de indiferenciação das vivências destes jovens - como se a atuação da polícia produzisse os mesmos efeitos em um adolescente de 15 anos e em um adulto de 25 - que reside a força de movimentos conservadores, os quais buscam o desmantelamento das conquistas das últimas décadas3. É necessário, pois, singularizar. Com este objetivo, o presente artigo busca inicialmente traçar um breve histórico do sistema de justiça juvenil no Brasil, delineando os principais pontos de mudança com a transição da Doutrina da Situação Irregular para a Doutrina da Proteção Integral. A virada no paradigma levou a promulgação de nova legislação, necessária também em razão das desconfianças que se instalavam a respeito das teorias etiológicas do crime e a reabilitação como objetivo da justiça juvenil4. Em paralelo a essa onda de renovação legislativa, entretanto, a polícia militar brasileira manteve seu funcionamento nos mesmos moldes do período da ditadura civil-militar, preservando um ordenamento 3 Entre 1993 e 2010 tramitaram no Legislativo brasileiro 37 propostas de Emenda Constitucional visando a redução da maioridade penal. (CAPPI, Ricardo. Pensando As Respostas Estatais às Condutas Criminalizadas: um estudo empírico dos debates parlamentares sobre a redução da maioridade penal (1993 - 2010). Revista de Estudos Empíricos em Direito, 1 (1), 10-27, 2013. p. 15.) 4 BERLOFF, Mary; MÁXIMO, Langer. Myths and realities of juvenile justice in latin america. In: MÁXIMO, L.; TANENHAUS D. S; ZIMRING, F. E. (Org.). Juvenile Justice in Global Perspective. New York: New York University Press, 2015. p. 205. 17 hierárquico e militarizado, do qual o objetivo maior continua sendo o extermínio do inimigo. Assim, a despeito da inovação teórica ter produzido uma revolução no sistema de justiça juvenil, o primeiro contato do Estado com o adolescente continua sendo através de uma instituição policial que não passou por qualquer reformulação democrática. A polícia, se à época do menorismo era “provedor majoritário e habitual da clientela das chamadas instituições de ‘proteção’ ou de ‘bem-estar’’5, pouco se transformou nessas últimas décadas visando garantir a proteção integral destes sujeitos em desenvolvimento. Continua, na verdade, a representar o símbolo mais eloquente de violação aos direitos individuais dos adolescentes criminalizados, ainda que tal desrespeito não inicie através da polícia e nem por ela seja sepultado. 1 SISTEMA DE JUSTIÇA JUVENIL: ENTRE O PUNIR E O EDUCAR O campo jurídico exerce grande influência na vida daqueles a ele subjugados. O Direito determina, em maior ou menor medida, os próximos capítulos do enredo pessoal de quem a ele se curva (ou é curvado, sem opção de fuga). Quando o público alvo dos desmandos judiciais está sendo acusado do cometimento de um crime, estamos falando do limite máximo de que é possível ao juiz dispor - a liberdade individual. Evidente que, a respaldar decisões desta ingerência, há um 5 MÉNDEZ, Emílio Garcia. Infância, Lei e Democracia: Uma Questão de Justiça. In: e BELOFF, Mary orgs. Infância, Lei e Democracia na América Latina, p. 42., apud, COSTA, Ana Paula Motta. As garantias processuais e o direito penal juvenil: como limite na aplicação da medida socioeducativa de internação. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 58. 18 sistema legal de comandos e proibições, eis que há tempos deixou-se de acreditar - explicitamente, ao menos - no juiz como homem sábio, detentor da verdade. Pela importância que essas normativas possuem na vida da sociedade a que se destina - não apenas como Lei a ser cumprida, mas como sistema legal complexo que funda instituições, determina seu funcionamento, e expõe suas razões de ser - acredita-se que compreender o processo de constituição e implementação do microssistema legal que respalda a realidade em análise é fundamental à pesquisa de qualidade. Nesse sentido, quando se escolhe o recorte da violência policial contra a juventude brasileira, o sistema socioeducativo entra em pauta e passa a ser elemento central na análise deste fenômeno social, dado que é somente a partir dele e para ele que se fundam as possibilidades e justificativas para a repressão policial. Passa-se, então, à análise do ECA. O Estatuto brasileiro inaugurou em 1990, o que depois virou tendência em praticamente toda a América Latina, a concretização em norma da Doutrina da Proteção Integral. No mesmo ano, a Convenção Internacional dos Direitos da Criança possibilitou o início das chamadas leis de segunda geração6, sendo, o caso brasileiro representativo de uma “verdadeira ruptura com a tradição anterior, assim como um caso de aplicação rigorosa do novo paradigma”7. A promulgação da lei no contexto de redemocratização brasileira talvez represente a segunda maior ruptura no recém delineado campo da justiça juvenil, após a 6 MÉNDEZ, Emílio Garcia. Infância e Cidadania na América Latina. São Paulo: HUCITEC, 1998. p. 34. 7 Idem, p. 35. 19 incorporação do modelo norteamericano de separação entre as varas criminais e juvenis, ainda no início do século XX8. É com a mudança legislativa de 1990 que se começa a pensar a criança e o adolescente, no contexto brasileiro, não mais como menor em situação irregular - ou “mero objeto do processo”9, mas como sujeito de direito, principalmente a partir do princípio constitucional da condição peculiar de pessoa em desenvolvimento10. A partir do novo paradigma incorporado11, se por um lado começa-se a distinguir as políticas para adolescentes autores de ato infracional diversos daqueles previstos para crianças e adolescente em situação de risco, por outro, a legislação se propõe a ser instrumento para todo o conjunto da categoria infância. Nesse contexto, diversas estruturas de funcionamento do sistema de justiça juvenil são modificadas com o intuito de adequar-se a um devido processo legal pautado pela limitação do poder jurisdicional e pelo sistema de garantias, sendo extendido aos adolescentes “todas as garantias que correspondem aos adultos nos juízos criminais, segundo as constituições e instrumentos internacionais 8 BERLOFF, Mary; MÁXIMO, Langer. Myths and realities of juvenile justice in latin america. 9 SARAIVA, João Batista Costa. Compêndio de Direito Penal Juvenil: adolescente e ato infracional. 3. ed. ampl. rev. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 18. 10 Constituição Federal de 1988, art. 227, parágrafo 3º, inciso V. 11“ADoutrina da Proteção Integral, além de contrapor-se ao tratamento que historicamente reforçou a exclusão social, apresenta-nos um conjunto conceitual, metodológico e jurídico que permite compreender e abordar as questões relativas às crianças e aos adolescentes sob a ótica dos direitos humanos, superando o paradigma da situação irregular para instaurar uma nova ordem paradigmática.” (SARAIVA, João Batista da Costa. Compêndio de Direito Penal Juvenil: adolescente e ato infracional. p. 18). 20 pertinentes”12. Mantém-se, todavia, a separação dos sistemas de julgamento e a diferenciação das sanções a serem aplicadas. De modo geral, portanto, o Brasil inaugurou transformação paradigmática vivida logo após nos demais países do continente, estabelecendo preceitos norteadores do sistema, conforme pontua Mary Berloff13, como o princípio da legalidade, mecanismos restaurativos e alternativos, idade mínima de responsabilidade criminal, devido processo legal, consequências legais para os jovens que se declaram criminalmente responsáveis e internação como a última medida. Certamente, o instrumento de maior ingerência do Estado sob a vida dos adolescentes, agora protegidos pelo ECA é a medida socioeducativa, isto é, a resposta estatal para o cometimento de ato infracional - o que seria considerado crime, fossem sujeitos adultos. Trata-se de mecanismo de duplo caráter, em que se encontram interligadas intrinsicamente as dimensões punitiva e pedagógica. Se o educar está no nome da sanção, no seu dever-ser, o punir está presente na prática, nos efeitos e na aparência que as medidas vão começar a apresentar para a sociedade a partir da vigência do Estatuto. A ambivalência desta nova categoria jurídica, criada juntamente com a responsabilização penal dos adolescentes, é confusa desde o seu princípio e, ao irradiar-se, continua a causar interpretações tanto em um sentido quanto em outro. Os técnicos responsáveis pela aplicação destas medidas (sejam juízes, promotores, psicólogos, assistentes sociais ou 12 SARAIVA, João Batista da Costa. Compêndio de Direito Penal Juvenil: adolescente e ato infracional. p. 27. 13 BERLOFF, Mary; MÁXIMO, Langer. Myths and realities of juvenile justice in latin america. p. 210. 21 educadores) lidam com um objeto jurídico-educacional “que ao mesmo tempo deve reabilitar infratores e cultivar cidadãos14”. Assim, ao entender o adolescente como um ser passível de correição social, se cristalizou um ponto intermediário de intervenção do Estado, entre piedade e tratamento como meio de controle social15. Conforme se vê, portanto, a despeito da importância da promulgação do Estatuto no contexto brasileiro e latino-americano, a legislação não logrou romper com o chamado trinômio pobreza, desvio e delinquência, nas palavras de Liana de Paula16. O paradigma da Situação Irregular, precedente ao ECA e sustentado na ideia da divisão entre crianças e menores, ainda percorre os corredores das Varas da Infância e Juventude e dos locais de execução de medida socioeducativa. Compartilhando da análise realizada pela autora, ao apostar no poder judiciário como agente promotor de cidadania, ascensão social e garantidor dos direitos humanos, “a doutrina da proteção integral aposta na instituição de caráter mais conservador do Estado Moderno como propagadora de mudanças”17. Esquece, todavia, que o sistema socioeducativo, ao aplicar sanções, se afasta menos do que gostaria do sistema punitivo e, nesse sentido, segundo nos desvenda Foucault18, concede ao juiz nada mais do que o poder de sancionar 14 FONSECA, Cláudia; SCHUCH, Patrice. Políticas de proteção à infância: um olhar antropológico. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2009. p. 77. 15 NICODEMOS, Carlos. A natureza do sistema de responsabilização do adolescente autor de ato infracional. In: ILANUD (Org.), Justiça Adolescente e Ato Infracional: Socioeducação e responsabilização. São Paulo: ILANUD, 2006, p. 62-85. 16 PAULA, Liana de. Liberdade assistida: punição e cidadania na cidade de São Paulo. 2011. - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011. p. 61 17 PAULA, Liana de. Liberdade assistida: punição e cidadania na cidade de São Paulo, p. 61. 18CASTRO, Françoise. Foucault par lui même. Disponível em: 22 aquilo que já fora muito antes decidido, quando do momento da apreensão do adolescente pela polícia. 2 VIOLÊNCIA POLICIAL NO COTIDIANO BRASILEIRO No Brasil e no mundo, diariamente são propagadas, tanto nos meios tradicionais da mídia quanto nas redes sociais, fatos relacionados à violência19 policial. Ou seja, fatos que demonstram o aparato estatal interagindo com os sujeitos desde uma perspectiva autoritária e abusiva frente aos direitos humanos internacional e constitucionalmente consagrados. É a violação, pura e simples, daqueles que virtualmente teriam o dever de proteção. Mas, no Brasil, pensar segurança pública não é o mesmo que pensar segurança para todos. A Constituição Federal, promulgada em 1988, dedica, a partir do seu artigo 144, um capítulo inteiro sobre o funcionamento das forças policiais – as quais, como se em regimes autoritários estivessem, são consideradas, segundo o art. 144, inciso IV, § 6º, forças auxiliares e de reserva do exército20 – elencando as cinco dimensões em que a instituição é repartida para sua <https://www.youtube.com/watch?v=Xkn31sjh4To>. Acesso em: 19.02.2017. 19 O termo violência é aqui utilizado no sentido atribuído por Ricardo Timm de Souza: “Tudo aquilo que entendemos por violência, em todos os níveis, do mais brutal e explícito à violência coercitiva e socialmente sancionada do direito positivo e, inclusive, a violência autoinfligida, repousa no fato exercido de negação de uma alteridade [...] A violência, no sentido aqui proposto, constitui-se na medida em que se exerce, desde um polo de decisão individual ou social, de forma consciente ou em contextos que sugerem inconsciência, atos que negam a condição de outro do outro, ou seja, daquele que não pertence ao polo de decisão” (SOUZA, Ricardo Timm de. Ética como fundamento II: pequeno tratado de ética radical. Caxias do Sul, RS: Educs, 2016, p. 100). 20 ZAVERUCHA, Jorge. Relações civil-militares: o legado autoritário da Constituição Brasileira de 1988. In: TELES, Edson; SAFATLE, Vladimir (Orgs.). O que resta da ditadura: a exceção brasileira. São Paulo: Boitempo, 2010, p. 52. 23 atividade: polícia federal, polícia rodoviária federal, polícia ferroviária federal, polícia civil e polícia militar e corpos de bombeiros. Diante das atribuições que a cada uma dessas estruturas é relegada pelo ordenamento jurídico brasileiro, para o objeto ora em voga, importa focar somente nas polícias militares, na medida em que são elas as responsáveis pelas atividades ostensivas, quer dizer, buscam coibir e prevenir atividades criminosas, lançando seus agentes à realidade dos bairros, das comunidades, das favelas. É o policial militar quem se apresenta num primeiro momento, inesperadamente ou quando convocado, aos fatos que podem (ou não) decorrer de atividades criminosas. Por isso é que, ao se falar de polícia militar, está se falando do bloco da instituição policial brasileira, e mesmo de forma mais ampla, do sistema penal como um todo, que incide diretamente sobre a sociedade e especificamente sobre os indivíduos (gestos, ações e movimentos): ora, como uma de suas faces, poder disciplinar por excelência, na medida em que busca docilizar corpos para que se tornem (economicamente) úteis21. Nesse sentido, sua estética (condensada em armaduras e aparatos de forte blinde) contribui para sua função panóptica – enxergar sem ser enxergado – em que oscontemporâneos trajes de robocop mascaram a identidade do corpo ali inserido. Verdadeiro efeito de viseira22. 21 FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2009, pp. 131-163. 22 DERRIDA, Jacques. Espectros de Marx: o estado da dívida, o trabalho do luto e a nova Internacional. Tradução de Anamaria Skinner. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994, p. 23. 24 É incontroverso que uma polícia estruturada de forma militar agirá como se em uma guerra estivesse (e, portanto, usará táticas direcionadas a inimigos), sem deixar de olvidar que os maiores genocídios cometidos até hoje estiveram a cargo de forças policias ou de forças armadas que cumpriam funções de polícia - a America Latina é um exemplo pulsante23. No caso do Brasil, a ausência de uma política de transição da ditadura civil-militar para o regime político- democrático também contribuiu para que a estrutura militarizada da polícia se mantivesse intocada e, portanto, envolta em uma continuidade autoritária em que morte e esquecimento24 pautam o cotidiano dos homini sacri, ou seja, das vidas matáveis25. Dirá acertadamente Nilo Batista: “O militar é adestrado para o inimigo, o policial para o cidadão. Na estrutura militar, a obediência integra a legalidade; na policial, a legalidade é condição prévia da obediência. São formações distintas, dirigidas a realidades também distintas”26. Segundo pesquisa realizada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, só no ano de 2015 se registraram no Brasil 3.320 mortes decorrentes de intervenções policiais, sendo que no período compreendido entre 2009 e 2015, foram auferidas 17.688 pessoas 23 SILVA FILHO, José Carlos Moreira da. Da “invasão” da América aos sistemas penais de hoje: o discurso da “inferioridade” latino-americana. IN: WOLKMER, Antônio Carlos (org). Fundamentos de História do Direito. Belo Horizonte: Del Rey, 1996. p. 165 a 209. 24 SAFATLE, Vladmir. Do uso da violência contra o Estado ilegal. In: TELES, Edson; SAFATLE, Vladimir (orgs.). O que resta da ditadura? - a exceção brasileira. São Paulo: Boitempo, 2010, p. 238. 25 AGAMBEN, Giorgio. Homo sacer: o poder soberano e a vida nua. Tradução de Henrique Burigo. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002, p. 16. 26 BATISTA, Nilo. Ainda há tempo de salvar as forças armadas da cilada da militarização da segurança pública. In: BATISTA, Vera Malaguti (Org.); Ana Luiza Nobre [et. al]. Paz Armada. Coleção Criminologia de Cordel. Rio de Janeiro: Revan, 2012, 1ª reimpressão, setembro de 2013, p. 51. 25 mortas pelas polícias. Na mesma pesquisa, estimou-se que 70% dos entrevistados consideram que a polícia exagera no uso da violência, havendo o reconhecimento de 63% de que a polícia não possui boas condições de trabalho27. Não é nenhuma novidade que as más condições da instituição policial (sucateadas no Brasil principalmente a nível estadual) influência no modo como essa interage com a sociedade. Ao contrário do que se poderia pensar, nem todas aquelas mortes foram investigadas. Algumas, sequer lembradas. O esquecimento (Amarildo vive em poucos...) vem solapando as esperanças de mudanças nas estruturas policiais rigidamente postas desde tempos sombrios que o país passou, reatualizando diariamente, nas localidades mais vulneráveis, a barbárie. Sem transformá-los em números, mas listando-os por ordem temporal, somente após a promulgação da Constituição de 1988 teve-se: Carandiru, em 1992 (111 mortos); Candelária, em 1993 (08 mortos); Vigário Geral, em 1993, (21 mortos); São Paulo, em 2006 (500 mortos); Grande São Paulo, em 2015 (23 mortos); Costa Barros, em 2015 (05 mortos); Londrina, em 2016 (10 mortos); Porto Alegre, em 2016 (04 mortos). Sem contar os recentes casos emblemáticos, como o desaparecimento do pedreiro Amarildo Dias de Souza (2013), morto após ser torturado na Favela da Rocinha, no Rio de Janeiro. Além dele, Cláudia Silva Ferreira (2014), arrastada por um camburão e morta, posteriormente, com um tiro dado pela polícia. Fatores que são decisivos na compreensão dessa lógica de extermínio são o racismo institucional combinado com uma estrutura 27 FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA. 10º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 2016, p. 06. 26 punitiva onde a guerra é o elemento fundante (afinal, o Estado não fez cessar a guerra de uns contra outros como se havia pensado28). A guerra às drogas, verdadeira síntese de racismo, criminalização e polícia, atualmente, pode-se dizer, é o grande motor dessa máquina de moer gente chamada sistema penal. No Brasil, sabe-se há muito, crianças e adolescentes são alvejados e mortos sem sequer ter tido qualquer contato, para uso próprio ou para comércio, com substâncias ilícitas. Eduardo Ferreira, de 10 anos, assassinado em 2015 durante um confronto entre policiais e traficantes no Complexo do Alemão, é o exemplo dessa desumanização advinda de um progresso (pacificador) que só acumula catástrofe. Embora o quadro de Klee represente o pavor do anjo frente ao vento que sopra do passado29, a realidade brasileira estaria também representada pelo quadro de Edvard Munch30. Assim é que se deve destinar uma visão ampla à questão da militarização da polícia no Brasil, visto que sua prática cotidiana – fruto de diversos fatores passados e não enfrentados e de conjunturas atuais – acaba por impossibilitar a afirmação de direitos, antes possibilitando tão somente a criminalização e a violação massiva e a conta-gotas desses. Ao se tratar de uma parcela da população tão vulnerável como adolescentes, nota-se certos entraves que essa polícia militarizada, acostumada no Brasil a assassinar e torturar para garantir a segurança 28 FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade: curso no Collège de France (19751976). Tradução Maria Ermantina Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 91. 29 Em referência à tese IX das teses “Sobre o conceito da história” de Walter Benjamin (BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. Tradução Sérgio Paulo Rouanet; prefácio Jeanne Marie Gagnebin – 8ª Ed. Revista – São Paulo: Brasiliense, 2012 – (Obras Escolhidas v.1, pp. 245-246). 30 Em referência ao famoso quadro O Grito, de Edvard Munch, em que uma criatura demonstra, com as mãos coladas na face, angústia e desespero. 27 (de uns poucos), acaba impondo na concretização inclusive de legislações vigentes promulgadas já no regime político-democrático. 3 ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE E POLÍCIA NO BRASIL: INCOMPATIBILIDADE INTRANSPONÍVEL Nesse sentido, é preciso pontuar que a ideia de ressocializar através do sistema penal não é necessariamente uma novidade do ECA. Na criminologia, tal noção se apresenta como um dos regimes em que, em determinado momento histórico, a pena tornou como objetivo declarado. Uma breve história dos pensamentos criminológicos31 deve passar pelas apropriações e reelaborações de termos que o sistema penal se utiliza para justificar sua barbárie. Ressocializar é uma delas, entre todos os métodos “re” (reintegrar, readaptar, reinserir) pela qual a clientela desse sistema perverso teve de se submeter. Não faz muito tempo que uma onda – e assim é chamada pelo fato de vir e voltar constantemente, não tendo lugar definido – de ressocialização acossou os sistemas penais do mundo. Terminada a Segunda Guerra Mundial, parte da segunda metade do século XX, nos países centrais, conheceu-se o chamado welfare state, onde o Estado, diante de uma memória recente de terror, passou a dar assistência direta aos indivíduos. Para os criminalizados e encarcerados da época, o discurso estava centrado na busca pela ressocialização– a ideia de um previdenciarismo penal girava em torno da prosperidade da sociedade, incluindo nela os criminalizados sob cuidado agora de um Estado 31 Para uma visão geral, ver: ANITUA, Gabriel Ignacio. Histórias dos pensamentos criminológicos. Tradução Sérgio Lamarão. Rio de Janeiro: Revan: Instituto Carioca de Criminologia, 2008. 28 preocupado tanto com a reforma quanto com o bem-estar deles32. No mesmo período, a partir da segunda metade do século XX, a retórica da reabilitação encontrou lugar cativo na temática da justiça juvenil, não apenas na América Latina, mas nos sistemas de justiça juvenil ao redor de todo o mundo33. Diferentemente da lógica penal, em que o neoliberalismo da década de 70 em diante retoma o ideal retribucionista da pena, o sentimento reabilitador continua vivo ao redor do mundo no contexto da justiça juvenil. As razões para a preservação deste ideal não são propriamente a crença completa nos benefícios alcançados com a reabilitação, mas estão muito mais relacionados com o diagnóstico de que o fenômeno da especialização da justiça juvenil ao redor do mundo inquestionavelmente conquistou a garantia de menos adolescentes encarcerados e de menos tempo de reclusão34. De todo modo, o discurso legal e majoritário da doutrina especializada no tema é de que, a despeito da natureza sancionatória da medida, “a responsabilização do adolescente em conflito com a lei deve atender ao caráter socioeducativo”35. Legitima-se, portanto, a intervenção estatal na vida do sujeito para que a este sejam 32 GARLAND, David. A cultura do controle: crime e ordem social na sociedade contemporânea. Rio de Janeiro: Revan, 2008, p. 110. 33 ZIMRING, Franklin E.; LANGER, Máximo. One theme are many? The search for a deep structure in global juvenile justice. In: LANGER, M.; TANENHAUS D. S; ZIMRING, F. E. (Org.). Juvenile Justice in Global Perspective. New York: New York University Press, 2015. p. 389. 34 Idem, ibidem. 35 COSTA, A.P. M.Os direitos dos adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas e sistema constitucional brasileiro. In: CRAIDY, C. M.; SZUCHMAN, K. (Org.). Socioeducação: Fundamentos e Práticas. Porto Alegre: Evangraf, 2015. p. 19. 29 concretizados o acesso a certos direitos sociais até então negligenciados, na esperança de que essa reposição estatal desencoraje a prática de atos infracionais pelo adolescente. Trata-se, em verdade, da ideia de que o resgate dos direitos constitucionais de primeiro nível36 - como educação, habitação, convivência familiar, cultura, saúde e esporte - não só é possível passados de 12 a 18 anos da vida do sujeito, com é fundado pedir em contrapartida o abandono da prática criminosa pelo adolescente. Ocorre que, é curioso imaginar como sustentar tal ideologia em que o adolescente precisa readquirir confiança no Estado - uma vez que o próprio assume suas falhas com o sujeito até então - quando o primeiro contato entre indivíduo-judiciário se realiza através da polícia. É difícil, portanto, que as ideias contidas no Estatuto da Criança e do Adolescente possam prosperar enquanto não se enfrentar o mecanismo que realiza o jogo de seleção entre os adolescentes a ser captados: a polícia militar. Aprofundada na ditadura civil-militar, a militarização, calcada nas formas da disciplina e do combate àquele que obstrui o recorrente e recorrido termo ordem pública, só reproduz violência, dor e sofrimento quando do contato com indivíduos vulneráveis – vulnerabilidade essa que se dá propriamente em função da idade, mas que resta alargada no Brasil em razão de classe e cor. Quer dizer: vulnerável pela adolescência, mas mais vulnerável ainda se jovem, pobre e negro. As proteções que o ECA projeta para os adolescentes não impedem que a polícia militar viole massivamente seus direitos no dia-a-dia das favelas, dos bairros pobres, das delegacias 36 SARAIVA, João Batista da Costa. Compêndio de Direito Penal Juvenil: adolescente e ato infracional. p. 50. 30 e das fundações em que mantidos segregados. Visto como inimigos, a eles nenhum direito cabe: visão diária e corriqueira que a polícia militar não cansa de reproduzir e, o pior, de ser aplaudida por segmentos fascistas de classes mais abastadas, despreocupadas com o destino de uma juventude que há muito experimenta a cilada da cidadania – também conhecida como ciladania37. O que foi trazido até então projeta, portanto, um oximoro chamado ressocialização militarizada. Como a ressocialização de um adolescente, o qual se encontra em fase da vida que justifica o reconhecimento especial da própria legislação vigente, pode em alguma medida prosperar através da violência que a militarização opera? No Brasil, como um adolescente pode ter seus direitos consolidados se, para chegar até eles, é obrigatório que seja captado por uma polícia operando em uma lógica de guerra, a exterminar seus inimigos? Por último, é possível que uma legislação como o Estatuto da Criança e do Adolescente consiga operar em seu máximo quando intocadas as garantias e prerrogativas de uma polícia militarizada desde a época da recente ditadura civil-militar? Questões essas que, por certo, se possuem resposta, tais encontram-se no plano da realidade, certamente mais violenta e cruel do que as elucubrações teóricas aqui explanadas. 37 BATISTA, Vera Malaguti. Marx com Foucault: análises acerca de uma programação criminalizante. Veredas do Direito, Belo Horizonte, v.02, n.04, p. 25- 31, julho-dezembro de 2005, p. 28. 31 CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir do exposto, candente se torna pontuar algumas breves reflexões finais. Na maneira como a justiça juvenil funciona, a sua identificação com o sistema penal torna-se inafastável, ainda que se tenha uma legislação que pretende realizar uma distinção teórico- prática, mascarando o evidente. A reabilitação dos adolescentes, portanto, é mera ferramenta discursiva que está em completo desacordo com a prática da justiça juvenil no Brasil. A despeito de existirem razões legítimas para mantê-la, não se pode deixar de apontar as contradições e barreiras que essa pretenção ressocializativa encontra no momento da sua operacionalização. Uma polícia militarizada é a maior delas. Atuando com sua engenharia violenta de controle social, a instituição policial no país atua renovando, diariamente, o exército de corpos dóceis disponíveis ao sistema econômico e social – afinal, alguns grupos devem submeter-se à disciplina necessária para que se contentem com subempregos. No entanto, essa lógica disciplinar não afasta a verdadeira política de morte estatal instrumentalizada pela polícia militar nas zonas periféricas. Assim, em sendo pressuposto o entrelaçamento dessas duas esferas – legislação reabilitadora e polícia militarizada – para o funcionamento da justiça repressiva a adolescentes, difícil vislumbrar como não haver um campo de disputa entre elas. Seus discursos caminham em direção opostas, porém devido à necessidade da atuação conjunta no momento da intervenção estatal na vida do adolescente, suas práticas se chocam. 32 Choque esse inabalável, mesmo que maiores sejam os esforços reformistas tanto no sistema socioeducativo, quanto na polícia historicamente militarizada. Transpor essa lógica significaria estarem dispostas, sociedade e governabilidade estatal, a renunciar uma ou outra dessas estratégias. É por essa razão que uma ressocialização militarizada carrega consigo a impossibilidade de um por vir garantidor dos direitos fundamentais da juventude brasileira, seja ela criminalizada ou não. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AGAMBEN, Giorgio. Homo sacer: o podersoberano e a vida nua. Tradução de Henrique Burigo. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002. BATISTA, Nilo. Ainda há tempo de salvar as forças armadas da cilada da militarização da segurança pública. In: BATISTA, Vera Malaguti (Org.); Ana Luiza Nobre [et. al]. Paz Armada. Coleção Criminologia de Cordel. Rio de Janeiro: Revan, 2012, 1ª reimpressão, setembro de 2013. BATISTA, Vera Malaguti. Marx com Foucault: análises acerca de uma programação criminalizante. Veredas do Direito, Belo Horizonte, v.02, n.04, p. 25-31, julho-dezembro de 2005. BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. Tradução Sérgio Paulo Rouanet; prefácio Jeanne Marie Gagnebin – 8ª Ed. 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Dada a necessidade contínua de transformação social, uma vez que reconhecidos como cidadãos ativos e saturados do absolutismo, a população burguesa revoluciona-se em prol de garantir seus direitos, sua liberdade e igualdade. Nunca para os cidadãos existiram direitos absolutos na esfera pública antes das revoluções burguesas, exceto para o soberano, cujos direitos e poderes se fundiam. Os direitos públicos, como conhecidos atualmente, eram roupados como possibilidades de iniciativa pessoal, construídos como privilégios, ou mais frequentemente como status, concedidos às coletividades2. As revoluções burguesas tentaram elevar certos interesses fundamentais ao nível de garantias, tentando tornar tais direitos absolutos. Essas metas foram, em certa medida, entendidas como planos de ação, pelo menos na teoria inicial para a elaboração da 1 Pós-Graduanda na Especialização em Direito Penal e Políticas Criminais na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Advogada. 2 SAJÓ, András. Abuse of Fundamental Rights or the Difficulties of Purposiveness (29-98). In: Abuse: The Dark Side of Fundamental Rights. Edited by András Sajo. Eleven International Publishing. 2006. p. 43. 36 declaração resultante da revolução francesa.3 A declaração francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, que define os direitos individuais e coletivos dos homens como universais, não trouxe a resolução desta matéria, ou seja, deixou para a legislação interna de cada Estado signatário prever os limites aos direitos que ali dispõe como mínimos. Para compreender melhor o contra o que se revolucionaram, é necessário saber o conceito trazido como “Estado” que pode ser entendido como “um grande conjunto de pessoas, instituições e classes que possuem o monopólio do poder e da força física”.4 O Estado, enquanto garantidor, busca suprir demandas populares, e, quanto menos seguras estão as pessoas, mais elas exigem um Estado policial e um Estado forte. Um Estado estruturalmente forte e altamente policial reduz o espaço da democracia e estrutura-se para garantir, a qualquer preço, a realização dos interesses dos sujeitos e classes que o controlam5. O Estado no modelo autoritário mais moderno, pós- imperialistas, não pode ser encarado como algo contra as massas, mas, ao contrário, aceito e, geralmente, defendido por elas, uma vez que nada acontece sem que ocorra uma consonância com as aspirações coletivas. Não se pode dizer que elas concordam com um Estado de terror tal, mas sim, que buscam uma certa segurança que só é encontrada, nos termos de hoje, como sinônimo de um Estado todo-poderoso.6 3 SAJÓ, András. Idem. p.43. 4 FILHO, Ciro Marcondes. Violência Política. Coleção polêmica. Editora moderna, 1987. p. 54. 5 FILHO, Ciro Marcondes. Idem. p. 56. 6 FILHO, Ciro Marcondes. Idem. p. 72. 37 Para melhor elucidação, as massas, enquanto definição terminológica, somente são utilizadas neste contexto quando lidamos com pessoas que são, devido ao seu número ou indiferença, ou ambos, não integrantes de qualquer tipo de organização de interesses comuns, como partidos ou sindicatos. São indivíduos comuns e presentes nos Estados totalitários, que “não se unem pela consciência de um interesse e falta-lhes aquela específica articulaçãode classes que se expressa em objetivos determinados, limitados e atingíveis”.7Assim, a incansável busca pela garantia e concessão de direitos nada mais é do que a perquirição pela proteção dos arbítrios do Estado, que, na maioria das vezes, foram inclusive legitimados pelos próprios cidadãos. Assim, os modelos tradicionais de sociedade e Estado surgiram baseados na hierarquia e esta, por sua vez, no poder. Nesta linha de raciocínio, as normas jurídicas, as morais e as sociais emanam de um poder hierarquizado e seguem uma direção descendente. Desta forma, quem ostenta o poder, ou participa dele de alguma maneira, não só o detém, mas é identificado ou relacionado com a “fonte dos valores sociais”, culminando na impressão de que “o poderoso não somente é forte, mas acaba sendo visto como bom”.8 Com esta estrutura social era natural que a criminalidade aparecesse em sua maioria, ou até totalidade, representada pelos marginalizados. 7 ARENDT, Hannah. Origens do Totalitarismo: Anti-semitismo, Imperialismo e Totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. p. 361. 8 PUIG, Santiago Mir. La Delinquência Relacionada com el Abuso de Poder Aspectos Criminológicos (41-50). In: BERISTAIN. A.; CUESTA. J. (Orgs.) La Criminologia frente al Abuso de Poder. Editorial Universidade del Pais Vasco. IX Curso de Verano en San Sebastian - II Cursos Europeos, 2001. p. 45. 38 1. CRIMINOLOGIA E ABUSO DE PODER - EVOLUÇÕES TEÓRICAS Os criminólogos italianos Lombroso, Ferri e Garófalo, quando iniciaram o estudo empírico da criminalidade e fundaram a criminologia positivista, fizeram suas considerações a partir dos “delinquentes” que povoavam as prisões. Eles estudavam os autores de delitos, classificando-os e estereotipando-os através da análise suas personalidades, chegando à conclusão de que eram portadores de uma patologia.9 Hoje, já se adverte ao fato de que estas pessoas, e não outras, constituíam e ainda constituem a “clientela” habitual do sistema penal pela valoração e tomada de decisões serem realizadas por quem tem a capacidade (dispõe do poder) de definir o que vem a ser delito ou não, e de quem são os perseguidos ou não como delinquentes.10 Mas não foi nem a valoração social ou a estrutural adotada pelos positivistas italianos, ou pela Criminologia tradicional. Partiu-se, ao contrário, do conceito natural de delito, segundo o qual este não é um produto de um determinado tipo de sociedade, mas sim algo intrínseco ao indivíduo, que o faz nocivo. A consequência disto foi que ficou consagrado um conceito de “delinquente” vinculado estreitamente à marginalização social, fazendo com que as tipologias desses elaboradas à época não se ajustassem à imagem de quem abusava das posições de 9 BATISTA, Vera Malaguti. Introdução crítica à criminologia brasileira. Rio de Janeiro: Revan, 2011, 2ª edição. p. 45/46. 10 PUIG, Santiago Mir. La Delinquência Relacionada com el Abuso de Poder Aspectos Criminológicos (41-50). In: BERISTAIN. A.; CUESTA. J. (Orgs.) La Criminologia frente al Abuso de Poder. Editorial Universidade del Pais Vasco. IX Curso de Verano en San Sebastian - II Cursos Europeos, 2001. p. 43. 39 privilégio tanto social, como econômico ou político.11 Esta noção errônea estereotipada ainda pode ser observada no pensamento criminológico atual, enraizado de uma forma cultural através das classificações hierarquizantes que se expandiram após o período colonialista12. Uma das realizações das novas teorias criminológicas foi ter descoberto a chamada ubiquidade da delinquência. Com esse conceito, quer se dizer que os delitos podem e são cometidos em todos os níveis da sociedade, mas gera, concomitantemente, um fenômeno onde não se pode identificar todos aquele que cometem crimes, ou seja, a chamada cifra negra da criminalidade.13 Dentre as novas teorias, surge a criminologia crítica, nascida em contraponto às teorias tradicionais positivistas, analisa o abuso de poder, explicando inicialmente que a adoção da teoria liberal pode ser útil para impor limites aos governos, tendo como característica central a prescrição de reformas, concentrando-se em pesquisas sociológicas para sugerir mudanças institucionais e sociais como meios de prevenção do comportamento antissocial.14 Comparando-se as teorias conservadoras e liberais, pode- se chegar ao ponto comum de que ambas não questionam a estrutura social ou suas instituições jurídicas e políticas, mas se dirigem para o 11 PUIG, Santiago Mir. Idem. Ibidem. 12 BATISTA, Vera Malaguti. Idem. p. 41. 13 PUIG, Santiago Mir. La Delinquência Relacionada com el Abuso de Poder Aspectos Criminológicos (41-50). In: BERISTAIN. A.; CUESTA. J. (Orgs.) La Criminologia frente al Abuso de Poder. Editorial Universidade del Pais Vasco. IX Curso de Verano en San Sebastian - II Cursos Europeos, 2001. p. 44. 14 SANTOS, Juarez Cirino dos. A criminologia radical. 3ª ed. Curitiba: ICPC Lumen Juris, 2008. p. 4. 40 estudo da minoria criminosa, elaborando etiologias do crime fundadas em estudos patológicos, psicológicos e até genéticos.15 Para contrapor as teorias criminológicas meramente focadas em aspectos internos do indivíduo desviante, surge a criminologia radical, criada no Grupo Europeu para o Estudo do Desvio e do Controle Social, em Florença na Itália, em 1972. Tal vertente, denunciava os modos dominantes de análise do crime, que viam o criminoso como “produto de defeitos psicológicos ou de personalidades anormais”, e o controle social, que era avaliado apenas em termos de efetividade e eficiência através das estatísticas criminais.16 Ou seja, as análises do que era crime e de quem era o criminoso eram feitas pela camada superior de poder, que não ditava suas próprias características como as comuns aos indivíduos criminosos, fazendo com que ficassem evidentes as relações entre os sistemas de controle social e a estrutura de classes do modo de produção capitalista.17 Tal vertente criminológica chega à conclusão de que os caracteres sociais do sujeito ativo do abuso de poder, ou seja, aquele que executa o crime no exercício de atividades político-administrativas, pela soma das complexidades legais, das cumplicidades oficiais e pela atuação de tribunais, às vezes especiais para tais autores, explica a imunidade processual e a inexistência de estigmatização criminal para estes.18 Desta forma, a criminologia radical aponta as estatísticas criminais como “produtos da luta de classes nas sociedades 15 SANTOS, Juarez Cirino dos. Idem, Ibidem. 16 SANTOS, Juarez Cirino dos. Idem. p. 7. 17 SANTOS, Juarez Cirino dos. Idem, Ibidem. 18 ANIYAR, 1977, p. 92-93 apud SANTOS, 2008 p.13. 41 capitalistas”,19 afirmando que a criminalidade das classes dominantes, expressa pelo abuso de poder econômico e político, está excluída das estatísticas criminais, uma vez que sua origem estrutural e o lugar de classe dos autores, os quais se encontram em posição de poder econômico e político, são as explicações desta exclusão.20 Descobre também que no sistema de justiça criminal há uma disjunção concreta entre uma ordem social imaginária, que é difundida com noções de igualdade e de proteção geral, e uma ordem social real, na qual ocorrem desigualdade e opressão de classes.21 Nos anos 70, surge um movimento teórico com amplo impacto popular conhecido como a criminologia da denúncia, que focava no comportamento dos poderosos, “enunciando os defeitos das elites de poder econômico e político da sociedade, para mostrar que os que fazem as leis são, também, os maiores violadores dessas leis”22. Esta vertente criminológica supõe que os poderosos deteriam um "direito moral" que os capacitaa converter força em "autoridade", por meio dos procedimentos legalmente estabelecidos.23 Demonstrando que a criminalidade do poder econômico e político não é um fenômeno irregular ou acidental, mas sim regular e institucionalizado, fortemente ligado à posição estrutural de classe na formação social. Assim, conforme traz Cirino em sua explicação sobre o tema, o ponto central 19 SANTOS, Juarez Cirino dos. A criminologia radical. 3ª ed. Curitiba: ICPC Lumen Juris, 2008. p. 14. 20 YOUNG, 1979, p.16 e ss. apud SANTOS, 2008, p. 14. 21 SANTOS, Juarez Cirino dos. Idem. p. 15. 22 TAYLOR et alii 1980, p. 33 e ss. apud SANTOS, 2008, p. 25. 23 TAYLOR et alii 1980, p. 33 e ss. apud SANTOS, 2008, p. 26 42 que gera consequências práticas da criminologia radical é a negação do mito do direito penal igualitário, ou seja a proteção geral de bens e interesses existe, realmente, como proteção parcial, que privilegia os interesses estruturais das classes dominantes; a igualdade legal, no sentido de igual posição em face da lei, ou de iguais chances de criminalização, existe, realmente, como desigualdade penal: os processos de criminalização dependem da posição social do autor e independem da gravidade do crime ou do dano social. 24 Desse modo, a criminologia radical melhor explica as relações de poder e desigualdade, a fim de explicar a criminalização demasiada dos marginalizados, bem como a precária falta de criminalização daqueles que detêm o poder ou que podem dele se utilizar para subverter o direito em seu benefício. 2. CRIMINALIDADE INCIDENTE NO ABUSO DE PODER Dentre os tipos de abusos estatais aos quais os indivíduos estão sujeitos, encontra-se o abuso de poder, que é o mais frequente e suscetível a todos. Pode ser estruturado de forma a supor que o autor deste, em uma determinada classe social alta, dispõe de um poder potencial ou que o permite exercê-lo de maneira especial, não disponível para qualquer um, e que apresenta uma influência contra os desejos dos outros.25 Normalmente os praticantes do abuso de poder 24 BARATTA, 1978, p. 10 apud SANTOS, 2008, p. 46 e ss. 25 TRIFFTERER, Otto. Tipos Criminológicos De Abuso De Poder Y Sus Posibles Respuestas Em Derecho Penal Material (11-24). In: BERISTAIN. A.; CUESTA. J. (Orgs.) La Criminologia frente al Abuso de Poder. Editorial Universidade del Pais Vasco. IX Curso de Verano en San Sebastian - II Cursos Europeos, 2001. p. 13. 43 possuem uma ambição patológica, ou seja, sentem o poder como uma droga26. As causas que o motivam, geralmente, são a necessidade de prestígio, a ambição de poder e a excessiva aspiração de influência. É característico o esforço por aumentar ou reforçar a situação de poder já existente, a ânsia pela perpetuação do poder quando ele não pode ou não conseguiu desenvolver-se de maneira legal ou pelas vias democráticas, que tem como consequência o abuso de poder que se dirige à ilegalidade27. Dados os mais distintos sentidos possíveis para o conceito de poder, também são diversas as possibilidades para entender o conceito objetivo de delinquência relacionada com o abuso deste poder. Em uma análise ampla do sentido, o poder a que se alude pode alcançar não somente o estatal ou o político, mas também a capacidade de influência que tem determinados sujeitos por ocuparem posições sociais ou econômicas privilegiadas. Não cabe no sentido amplo de poder a criminalidade objetivamente relacionada com o crime, o qual se cometa utilizando o aparato institucional do Estado, pois este é entendido como uma manifestação no sentido estrito de delinquência por abuso de poder28. Comumente, a responsabilidade penal para as formas tradicionais do abuso do poder é reconhecida às pessoas físicas, que são 26 TRIFFTERER, Otto. Idem. p. 14. 27 TRIFFTERER, Otto. Idem, Ibidem. 28 PUIG, Santiago Mir. La Delinquência Relacionada com el Abuso de Poder Aspectos Criminológicos (41-50). In: BERISTAIN. A.; CUESTA. J. (Orgs.) La Criminologia frente al Abuso de Poder. Editorial Universidade del Pais Vasco. IX Curso de Verano en San Sebastian - II Cursos Europeos, 2001. p. 46. 44 aquelas na primeira linha para a responsabilidade penal. Mas, há algum tempo, se realizam esforços a nível nacional e internacional para estabelecer a responsabilidade penal das pessoas jurídicas e inclusive do Estado29. Nos casos de abuso de poder cometidos por órgãos estatais, inclusive nos Estados democráticos, os mecanismos sancionadores existentes muitas vezes não funcionam corretamente, fazendo com que esta forma de aparição do abuso de poder seja objeto, mais que qualquer outro delito, de um crescente interesse internacional.30 Esta atenção especial na esfera internacional se deve, sobretudo, por tais abusos de poder geralmente violarem direitos humanos. A mesma comunidade internacional se sente cada vez mais chamada a denunciar tais violações e a exercer pressão sobre o Estado agressor, se faltam, por exemplo, os mecanismos sancionadores ou de controle.31 O abuso de poder estatal ocorre quando se comete um abuso de poder mediante órgãos do Estado ou ao menos com seu consentimento ou sua tolerância tácita. Nestes casos, são inclusos também os responsáveis pela administração da justiça, visto que é um poder do Estado, que, sequer em uma democracia, se vê livre de influências externas e ocasionalmente pode vir a ser o autor do abuso do poder.32 Em tempos de Estado democrático, via de regra, a probabilidade de alguém ser vítima de um abuso de poder estatal que restrinja sua liberdade, lhe cause prejuízo ou até mesmo culmine em uma fatalidade, 29 TRIFFTERER, Otto. Tipos Criminológicos De Abuso De Poder Y Sus Posibles Respuestas Em Derecho Penal Material (11-24). In: BERISTAIN. A.; CUESTA. J. (Orgs.) La Criminologia frente al Abuso de Poder. Editorial Universidade del Pais Vasco. IX Curso de Verano en San Sebastian - II Cursos Europeos, 2001. p. 16. 30 TRIFFTERER, Otto. Idem. p. 16. 31 TRIFFTERER, Otto. Idem. Ibidem. 32 TRIFFTERER, Otto. Idem. p. 17. 45 é consideravelmente menor que em uma ditadura ou em um Estado absolutista. Porém, o abuso do poder costuma aparecer onde o poder não seja suficientemente controlado, sendo tão somente um consolo que em uma democracia, que geralmente funciona, se estabeleçam meios legais que possibilitem aos prejudicados se defenderem ou serem indenizados em eventuais abusos.33 Quanto aos problemas dogmáticos encontrados na delinquência vinculada ao abuso de poder, pode-se dizer que esta não se limita a este ou àquele tipo de delito, mas sim, em qualquer dos delitos que possam ser cometidos abusando do poder, na medida em que estes se caracterizam frequentemente pela utilização de um aparato hierárquico, que muitas vezes obscurece a individualização dos responsáveis.34 3. ABUSO DE PODER PELA AUTORIDADE POLICIAL - BREVES OBSERVAÇÕES CRIMINOLÓGICAS Por fim, cabe analisar a conduta de abuso de poder daquele que viola mais diretamente os direitos, pela sua presença na linha de frente representando o Estado: a autoridade policial. Neuman analisa a violência e o papel da polícia no contexto da América Latina, e 33 TRIFFTERER, Otto. Tipos Criminológicos De Abuso De Poder Y Sus Posibles Respuestas Em Derecho Penal Material (11-24). In: BERISTAIN. A.; CUESTA. J. (Orgs.) La Criminologia frente al Abuso de Poder. Editorial Universidade del Pais Vasco. IX Curso de Verano en San Sebastian - II Cursos Europeos, 2001. p. 18. 34 PUIG, Santiago Mir. Problemas Dogmáticos Generales de la Delinquência de Abuso de Poder (111-120). In: BERISTAIN. A.; CUESTA. J. (Orgs.) La Criminologiafrente al Abuso de Poder. Editorial Universidade del Pais Vasco. IX Curso de Verano en San Sebastian - II Cursos Europeos, 2001. p. 113. 46 realizando pesquisas empíricas com policiais dos países na Argentina, Uruguai, Brasil e México, chega à conclusão de que Suas mentes parecem aderidas a precisos e inalteráveis esquemas. Se expressam e observam - talvez por omissão profissional - com desconfiança como se estivessem sempre na presença de alguém suspeito. Possuem todos um grande “espírito de corpo” e, muitos deles, ideias fixas como tatuagens de que o delinquente é perverso, canália, mentiroso bem armado, não tem nada a perder, é um refugo humano, é uma praga ou carniça, é tudo, tudo isso, menos ser humano. A violência que muitos descarregam em sua ação frente a delinquência é, para eles, sempre uma resposta e nunca uma provocação.35 A atuação desta polícia acaba vendo com normalidade a presença da violência no seu cotidiano, não em seu fim, mas em seu meio de exercício profissional. Inclusive expressam publicamente que o conceito de repressão tem variado pela maior violência delitiva, tentando justificar a atuação truculenta, quando na realidade, querem dizer que a repressão violenta do crime tem se tornado uma atividade elementar, diária e indispensável.36 Nos países da américa latina, ainda persiste a ideia de que o crime é algo avassalador, tomado de características amedrontadoras, fazendo com que seja útil aos discursos políticos, implantando o Estado de terror, que acaba por legitimar e amparar a ação policial. 37 Assim, 35 NEUMAN, Elías. El Abuso de Poder em la Policia Latinoamericana (131-148). In: BERISTAIN. A.; CUESTA. J. (Orgs.) La Criminologia frente al Abuso de Poder. Editorial Universidade del Pais Vasco. IX Curso de Verano en San Sebastian - II Cursos Europeos, 2001. p. 135. 36 NEUMAN, Elías. El Abuso de Poder em la Policia Latinoamericana (131-148). In: BERISTAIN. A.; CUESTA. J. (Orgs.) La Criminologia frente al Abuso de Poder. Editorial Universidade del Pais Vasco. IX Curso de Verano en San Sebastian - II Cursos Europeos, 2001. p. 136. 37 NEUMAN, Elías. Idem. p.136. 47 surgindo a aclamada “guerra contra o crime”, que, aos moldes da ânsia pela vingança privada praticada pelo poder público, limita-se ao campo da violência como inalterável e única resposta. Além da constante violência nas abordagens, existe ainda a prática cotidiana da tortura, a qual é convertida em um método de trabalho e realizada por alguns que foram conscientizados para impor a sua função um sentido de “ordem e limpeza”.38 Os torturadores são geralmente recrutados nas classes sociais mais desprotegidas, por meio de um processo que é conhecido como policização. Por fim, cabe ressaltar que o abuso de autoridade, como já exposto, apesar de suas mais diversas facetas, quando carregado de violência na ação política, expressa uma visível força do domínio e do governo.39 Não sendo essa força um objetivo consciente do corpo político, ou ainda, o alvo final de qualquer ação política definida, uma vez que a força sem coibição gera mais força, e a violência, quando administrativa, em benefício da força e não da lei, “torna-se um princípio destrutivo que só é detido quando nada mais resta a violar”40. CONSIDERAÇÕES FINAIS Como observado, o abuso de autoridade vem de uma relação hierárquica de poder estatal, que ao longo do tempo, com a evolução dos direitos, pode ser criminalizado e punido. As estruturas de poder são baseadas na hierarquia e dificilmente podem ser desconstituídas ou 38 NEUMAN, Elías. Idem. p. 141. 39 ARENDT, Hannah. Origens do Totalitarismo: Anti-semitismo, Imperialismo e Totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. p. 167. 40 ARENDT, Hannah. Idem. p. 167. 48 alteradas pelas suas frequentes vítimas. Porém, a tipificação do abuso de poder buscou mais do que punir, mas também garantir os direitos básicos encontradas nas cartas de direitos humanos que hoje pautam internacionalmente o tema. No Estado brasileiro, apesar de não ser este o tema do presente artigo, vale observar que possui sua própria legislação sobre a temática, tratada na Lei 4.898 de 09 de dezembro de 1965, que traz os procedimentos necessários na seara cível e criminal para representação nos processos de abuso de autoridade. A lei, editada no período em que os militares se encontravam no poder (1964-1985), no projeto original, em sua exposição de motivos, justificava sua existência pois Previu a Constituição, ao instituir as regras fundamentais que caracterizam o estado de direito e ao inscrever no seu texto direitos e garantias individuais, que abusos poderiam ser cometidos pelas autoridades encarregadas de velar pela execução das leis e pela manutenção da vigência dos princípios asseguradores dos direitos da pessoa humana. Conferiu, por isso mesmo, a quem quer que seja, o direito de representar contra os abusos de autoridades e de promover a responsabilidade delas por tais abusos [...]41. Assim, apesar da lei ter como objetivo responsabilizar os abusos feitos pelas autoridades, e dentre eles, estar elencado em seu art. 4º ser 41 FREITAS, Gilberto Passos de; FREITAS, Vladimir Passos de. Abuso de Autoridade: notas de legislação, doutrina e jurisprudência à Lei 4.898 de 9.12.65 - 4ª. ed. ampl. e rev. de acordo com a Constituição de 1988 - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1991. p. 15-16. 49 o abuso de poder uma modalidade de abuso de autoridade,42 esta foi editada em um dos períodos onde mais ocorreram abusos pelas autoridades estatais no Brasil. O relatório conduzido pelo bispo Dom Paulo Evaristo Arns acerca da repressão política realizada no período da ditadura militar, especialmente de 1964 a 1979, averiguou, dentre as várias atrocidades cometidas, que eram além de comuns, incentivadas e legalizadas as supressões de direitos aos perseguidos políticos. Dentre elas, destaca a falta de submissão dos presos ao poder judiciário, afirmando que [...] Isso repercutia na pessoa do preso político de várias maneiras. A principal delas era que os presos ficavam inteiramente subordinados ao controle dos organismos policiais, que não submetiam seus atos a apreciação judicial. Nessas condições, onde os processos não registravam os responsáveis pelas prisões, nem o momento e as circunstâncias em que elas ocorriam, a defesa ficava bastante prejudicada. Além disso, a falta dessas informações implicava na ocultação das responsabilidades das autoridades pela custódia dos presos, gerando a impunidade face às violações da integridade física e moral [...]43. Ou seja, mesmo em um dos períodos mais sombrios da história brasileira, onde a regra era a imposição do medo pelo aparelho estatal, onde a força ideológica e até instrumental impunha a lei e a ordem na república, houve uma lei que buscava coibir tais abusos, ironicamente punidos por aqueles que os permitiam. 42 Art. 4º Constitui também abuso de autoridade: a) ordenar ou executar medida privativa da liberdade individual, sem as formalidades legais ou com abuso de poder; [...] 43 ARNS, Dom Paulo Evaristo. Brasil: nunca mais. Petrópolis: Vozes, 1987. p. 16-17. 50 Por fim, cabe ressaltar que a análise do abuso de autoridade pela criminologia destaca em sua maior parte a origem do perfil criminal e como este por muito tempo não foi condizente aos violadores por parte do Estado, ou que por esse foram legitimados. Assim, demonstra a evidente necessidade de proteção do cidadão e da segurança jurídica na aplicação da lei indistintamente para todos que a violem, pois aqueles que abusam de seu poder, especialmente por meio do Estado,
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