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Coordenadoras Andréia Scheffer Fernanda Osório Francieli Librelotto Rosângela Maria Herzer dos Santos Direito de Trânsito Volume I Porto Alegre OABR/RS 2018 Coordenadoras Andréia Scheffer Fernanda Osório Francieli Librelotto Rosângela Maria Herzer dos Santos Autores Arnaldo Rodrigues Bezerra Neto Cesar Augusto Cavazzola Junior Elenita Bentz Luís Eduardo de Souza Cadore Marília Rodrigues Mazzola Priscylla Gomes De Lima Vicente Mendonça de Vargas Pinto Direito de Trânsito Volume I Porto Alegre OABR/RS 2018 Copyright © 2018 by Ordem dos Advogados do Brasil Todos os direitos reservados Presidente da Comissão Especial de Direito de Trânsito Andréia Scheffer Secretária Geral da Comissão Especial de Direito do Trânsito da OAB/RS Francieli Librelotto Coordenação-Geral Rosângela Maria Herzer dos Santos Fernanda Osório Recebimento dos textos, diagramação, ficha catalográfica Jovita Cristina G. dos Santos Capa Carlos Pivetta D536 Direito de Trânsito/, Andréia Scheffer, Fernanda Osório...[et.al] (Coordenadoras). – Porto Alegre: OAB/RS, 2018. 150p. v.1 ISBN: 978-85-62896-12-5 1. Direito de trânsito. 2. Lei seca. I Título. CDU: 351.81 Bibliotecária Jovita Cristina Garcia dos Santos – CRB 1517/10º Rua Manoelito de Ornellas,55 – Praia de Belas CEP: 90110-230 Porto Alegre/RS Telefone: (51) 3287-1838 direitodetransito@oabrs.org.br O conteúdo é de exclusiva responsabilidade dos seus autores. Revisão: Responsabilidade dos Autores. ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL - CONSELHO FEDERAL DIRETORIA/GESTÃO 2016/2018 Presidente: Claudio Pacheco Prates Lamachia Vice-Presidente: Luís Cláudio da Silva Chaves Secretário-Geral: Felipe Sarmento Cordeiro Secretário-Geral Adjunto: Marcelo Lavocar Galvão Diretor Tesoureiro: Antonio Oneildo Ferreira ESCOLA NACIONAL DE ADVOCACIA – ENA Diretor-Geral: José Alberto Simonetti Cabral ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL - SECÇÃO DO RIO GRANDE DO SUL Presidente: Ricardo Ferreira Breier Vice-Presidente: Luiz Eduardo Amaro Pellizzer Secretário-Geral: Rafael Braude Canterji Secretária-Geral Adjunta: Maria Cristina Carrion Vidal de Oliveira Tesoureiro: André Luis Sonntag ESCOLA SUPERIOR DE ADVOCACIA Diretora-Geral: Rosângela Herzer dos Santos Vice-Diretor: Marcos Eduardo Faes Eberhardt Diretor Administrativo-Financeiro: Otto Júnior Barreto Diretor de Cursos Permanentes: Fernanda Corrêa Osório, Daniel Ustárroz Diretor de Cursos Especiais: Darci Guimarães Ribeiro Diretor de Cursos Não Presenciais: Eduardo Lemos Barbosa Diretora de Atividades Culturais: Karin Regina Rick Rosa Diretora da Revista Eletrônica da ESA: Denise Pires Fincato CONSELHO PEDAGÓGICO Alexandre Lima Wunderlich Ana Paula Oliveira Ávila Darci Guimarães Ribeiro Delton Winter de Carvalho Rolf Hanssen Madaleno CAIXA DE ASSISTÊNCIA DOS ADVOGADOS Presidente: Rosane Marques Ramos Vice-Presidente: Pedro Zanette Alfonsin Secretária-Geral: Cláudia Brosina Secretária-Geral Adjunta: Melissa Telles Barufi Tesoureiro: Gustavo Juchem TRIBUNAL DE ÉTICA E DISCIPLINA Presidente: Cesar Souza Vice-Presidente: André Araujo CORREGEDORIA Corregedora: Maria Helena Camargo Dornelles Corregedores Adjuntos: Maria Ercília Hostyn Gralha, Josana Rosolen Rivoli, Darci Norte Rebelo Jr OABPrev Presidente: Jorge Luiz Dias Fara Diretor Administrativo: Paulo Cesar Azevedo Silva Diretora Financeira: Claudia Regina de Souza Bueno Diretor de Benefícios: Luiz Augusto Gonçalves de Gonçalves COOABCred-RS Presidente: Jorge Fernando Estevão Maciel Vice-Presidente: Márcia Heinen SUMÁRIO PALAVRA DO PRESIDENTE – Ricardo Breier APRESENTAÇÃO – Andreia Scheffer PREFÁCIO – Rosângela Maria Herzer dos Santos A LEI SECA E SUA EFETIVIDADE SOB A ÓTICA CONSTITUCIONAL - Arnaldo Rodrigues Bezerra Neto ............ 14 UMA SOLUÇÃO NADA CONVENCIONAL PARA A SEGURANÇA VIÁRIA: BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O PLANO NACIONAL DE REDUÇÃO DE MORTES E LESÕES NO TRÂNSITO (PNATRANS) - Cesar Augusto Cavazzola Junior ....................................................................................................... 44 ART. 165-A DA LEI 13.281/2016 E A RECUSA AO TESTE DO BAFÔMETRO/ETILÔMETRO SEM OUTRAS PROVAS - Elenita Bentz ............................................................................................. 59 O COMPORTAMENTO INFRATOR NO TRÂNSITO: O CASO DO MOTORISTA GAÚCHO SOB A CONTRIBUIÇÃO DA PSICOLOGIA E DIREITO DO TRÂNSITO - Luís Eduardo de Souza Cadore ................................................................................. 83 MOBILIDADE URBANA E SEGURANÇA VIÁRIA: ASPECTOS IMPRESCINDÍVEIS À SEGURANÇA HUMANA- Marília Rodrigues Mazzola e Priscylla Gomes De Lima ...................... 110 A RESOLUÇAO N. 723 DE 2018 DO CONTRAN E O RECONHECIMENTO DA PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE NAS DEMANDAS DE DIREITO DE TRÂNSITO PELO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL DE 2012 A 2018 - Vicente Mendonça de Vargas Pinto .... 122 Palavra do Presidente Um dos diferencias da Seccional Rio Grande do Sul da Ordem dos Advogados do Brasil é o trabalho realizado por suas comissões. Em 2018, são mais de 60 comissões, entre permanentes e especiais. Uma das mais atuantes e requisitadas dentro da Ordem gaúcha é a Comissão Especial de Direito de Trânsito (CET) da OAB/RS, presidida por Andréia Scheffer. O trânsito é um dos temas mais atuais e atinge toda a população. É uma realidade, em que o Direito vem sendo cada vez requisitado a atuar. O tema ganhou relevância, e a advocacia tem um papel fundamental. A produção dessa obra, que tem o intuito de discutir e apresentar os avanços e retrocessos desta área do Direito, além de proporcionar a publicação das produções científicas oriundas desse segmento, é uma das tantas atividades diferenciadas realizadas pela CET. Ao mesmo tempo, é necessário reafirmar o trabalho de qualidade que vem sendo realizado pela Escola Superior de Advocacia da OAB/RS (ESA), conduzida por Rosângela Herzer dos Santos. A contribuição que vem sendo oportunizada para a advocacia gaúcha e brasileira, através de livros, trabalhos, cursos, entre outras atividades, é de imensurável valor. Está se disponibilizando para a sociedade brasileira bibliografias e conteúdos de grande relevância e atualidade, ressaltando o trabalho ímpar da ESA. Por isso, o lançamento da obra “Direito de Trânsito”, Volume I” merece nosso aplauso. Profissionais que contribuíram com textos e produções científicas, recebam o reconhecimento da OAB/RS. Ricardo Breier Presidente da OAB/RS Apresentação O presente livro, em forma de coletânea de artigos, pretende, além do incentivo à produção científica oriunda de estudos e experiências práticas em Direito de Trânsito, a discussão sobre os avanços e retrocessos deste ramo do Direito. Esta obra, que conta com a coordenação de Andréia Scheffer, Francieli Librelotto e Rosângela Maria Herzer dos Santos, partiu da escassez de material doutrinário no âmbito do Direito de Trânsito e da real necessidade do profissional que atua da matéria. Os textos aqui reunidos apresentam ideias de profissionais com experiência e cumprem a função de subsidiar discussões sob diversas óticas, que abarcam a legislação e fiscalização de trânsito, normativas administrativas, segurança viária e comportamento para um trânsito mais seguro. Ambicionamos que as reflexões apresentadas nesta obra propiciem aos operadores do Direito e às pessoas interessadas no tema, uma atualização do conhecimento sobre importantes questões que envolvem o Direito de Trânsito. Desejamos ainda,aos autores todo o êxito que merecem, com o agradecimento da comissão organizadora. Boa Leitura!! Andréia Scheffer Presidente da Comissão Especial de Direito do Trânsito – OAB/RS Prefácio A Escola Superior de Advocacia da OAB/RS, com satisfação, apresenta a coletânea de artigos, sob o título “Direito de Trânsito – V.I”. O livro versa sobre Direito de Trânsito sob a ótica constitucional e diversas áreas temáticas, como: Prerrogativas do Advogado de Trânsito, Processo Administrativo de Trânsito, Responsabilidade Civil no Direito de Trânsito, Resoluções do CONTRAN, Processo de Suspensão e Cassação do Direito de Dirigir, Infrações Presumidas ou automáticas, Arrecadação e destinação do valor das multas, Segurança Viária, Análise de precedentes judiciais e Crimes de Trânsito. A coletânea contempla os seguintes artigos: A lei seca e sua efetividade sob a ótica constitucional (Arnaldo Rodrigues Bezerra Neto); Uma solução nada convencional para a segurança viária: breves considerações sobre o plano nacional de redução de mortes e lesões no trânsito (PNATRANS) (Cesar Augusto Cavazzola Junior); Art. 165-a da Lei 13.281/2016 e a recusa ao teste do Bafômetro/Etilômetro sem outras provas (Elenita Bentz ) ; O comportamento infrator no trânsito: o caso do motorista gaúcho sob a contribuição da psicologia e direito do trânsito (Luís Eduardo de Souza Cadore); Mobilidade urbana e segurança viária: aspectos imprescindíveis à segurança humana (Marília Rodrigues Mazzola e Priscylla Gomes De Lima) e A Resolução n. 723 de 2018 do CONTRAN e o reconhecimento da prescrição intercorrente nas demandas de direito de trânsito pelo Tribunal de Justiça do estado do Rio Grande do Sul de 2012 a 2018 (Vicente Mendonça de Vargas Pinto), que contribuem com a necessária atualização e aperfeiçoamento da advocacia. Rosângela Maria Herzer dos Santos Diretora-Geral da Escola Superior de Advocacia da OAB/RS 14 A LEI SECA E SUA EFETIVIDADE SOB A ÓTICA CONSTITUCIONAL Arnaldo Rodrigues Bezerra Neto1 RESUMO: O presente artigo propõe uma análise da relação do exercício do direito a não autoincriminação com algumas arbitrariedades nas autuações atinentes à denominada Lei Seca, verificadas nos dias hodiernos, considerando-se a interface das esferas Constitucional, Administrativa e Penal do Direito Brasileiro. Além disso, também se analisa e se diferencia o real interesse da coletividade com o interesse particular da máquina estatal. Nessa perspectiva, utiliza-se a pesquisa literária especializada, assim como a detida análise da jurisprudência pátria, tanto administrativa como judicial, sobretudo a que se refere à aplicação dos artigos relacionados à Lei Seca e sua correlação com os princípios constitucionais, além dos tratados internacionais adotados pelo Brasil, para que o objetivo da cidadania e ordem social seja verdadeiramente alcançado. Palavras-chaves: Lei Seca. Não autoincriminação. Autuação de trânsito. Princípio da Juridicidade. Bloco de Legalidade. I. INTRODUÇÃO O trânsito está diretamente ligado à vida, não só dos motoristas, mas também dos pedestres e até mesmo dos animais que utilizam as vias para diversos fins, conforme assinala o próprio artigo 1º, § 1º, do Código de trânsito brasileiro.2 1Advogado graduado na Universidade Potiguar - Unp. Pós-graduado em Direito Eleitoral pela Universidade Anhanguera - Uniderp. Prática advocatícia em Direito de Trânsito, especialmente quanto à denominada Lei Seca. E-mail: arnaldorbneto@hotmail.com 2BRASIL. Lei n.º 9.503, de 23 de setembro de 1997. Institui o Código de trânsito brasileiro. Código de trânsito brasileiro. 3. ed. Salvador: JusPodivm, p. 857, 2018. mailto:arnaldorbneto@hotmail.com 15 Também, obviamente, está relacionado aos servidores públicos, especialmente os policiais e agentes de trânsito, que por missão legal e institucional, devem educar, fiscalizar e manter um sistema de trânsito eficiente, sempre respaldados na aplicação correta da lei e nos princípios que norteiam nossa Carta Constitucional, os quais sustentam nosso Estado Democrático de Direito. Ademais, vale ressaltar que a dinâmica do trânsito está nas mãos de todos os cidadãos, que devem respeitar fielmente as leis, sempre com o intuito de ter a efetiva segurança viária. Aliás, desde a promulgação da Lei 9.503 de 23 de setembro de 1997, que instituiu o nosso Código de trânsito, observa-se que “O trânsito, em condições seguras, é um direito de todos e dever dos órgãos e entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito”, segundo se verifica em seu artigo 1º, § 2º.3 Entretanto, para isso, faz-se necessário que cada agente exerça seu papel com excelência, respeitando os limites legais, principalmente, os princípios constitucionais que guiam nosso ordenamento jurídico. Nesse contexto, atualmente, observa-se acirradas discussões acerca da denominada Lei Seca, que é popularmente conhecida como o conjunto de leis que visa punir com rigor os motoristas que dirigem alcoolizados ou sob a influência de outra substância 3BRASIL. Lei n.º 9.503, de 23 de setembro de 1997. Institui o Código de trânsito brasileiro. Código de trânsito brasileiro. 3. ed. Salvador: JusPodivm, p. 857, 2018. 16 psicoativa. Seu intuito, o qual se referenda neste artigo, evidentemente, é o de diminuir os acidentes de trânsito e, essencialmente, preservar a vida. As polêmicas jurídicos-sociais surgem justamente em relação ao comportamento de um condutor, alvo de fiscalização estatal – na maioria das vezes, feita pelas Blitze –, que se recusa a realizar o teste do etilômetro, vulgarmente conhecido como “bafômetro”, bem como, à autuação do agente público referente à suposta infração encartada no artigo 165 c/c 277, §3º, ambos do Código de trânsito brasileiro (CTB)4 c/c Resolução 432/2013 do Conselho nacional de trânsito (CONTRAN)5 ou 165-A6 c/c 277, §3º, ambos do CTB c/c Resolução 432/2013 do CONTRAN. Nesse panorama, há de se verificar e se diferenciar a verdadeira supremacia do interesse público e o particular interesse da máquina estatal nas autuações da denominada Lei Seca. Destarte, no decorrer deste trabalho, abordar-se-á, dentre outros pontos, especialmente, a relação do exercício do direito a não autoincriminação com algumas arbitrariedades nas autuações 4BRASIL. Lei n.º 9.503, de 23 de setembro de 1997. Institui o Código de trânsito brasileiro. Código de trânsito brasileiro. 3. ed. Salvador: JusPodivm, p. 882, 897, 2018. 5BRASIL. Resolução n.º 432 de 23 de janeiro de 2013. Disponível em: <http://www.denatran.gov.br/download/Resolucoes/(resolu%C3%A7%C3%A3o %20432.2013c).pdf>. Acesso em: 08 ago. 2018. 6BRASIL. Lei n.º 9.503, de 23 de setembro de 1997. Institui o Código de trânsito brasileiro. Código de trânsito brasileiro. 3. ed. Salvador: JusPodivm, p. 882, 2018. http://www.denatran.gov.br/download/Resolucoes/(resolu%C3%A7%C3%A3o%20432.2013c).pdf http://www.denatran.gov.br/download/Resolucoes/(resolu%C3%A7%C3%A3o%20432.2013c).pdf 17 atinentes à Lei Seca, analisando-se sob a interface das esferas Constitucional, Administrativa e Penal do Direito Brasileiro. Para isso, utilizar-se-á a pesquisa na literatura especializada sobre o assunto telado, bem como a detida análise de jurisprudência pátria, tanto administrativa como judicial, que envolve a aplicação dos artigos relacionados à Lei Seca e sua correlação com os princípios constitucionais, além dos tratados internacionais adotados pelo Brasil. II. SISTEMA JURÍDICO-CONSTITUCIONAL x AUTUAÇÃO ESTATAL Prima facie, urge destacar que a máxima de “beber e dirigir não combinam” é válida e aqui também ganha voz e vez. Nesse sentido,mediante uma estatística preocupante de mortes no trânsito oriundas dessa intolerável combinação, bem como a evolução cultural da sociedade como um todo, fez-se com que a legislação de trânsito, nos últimos anos, fosse modificada em curto espaço de tempo para se combater veementemente a direção veicular com a capacidade psicomotora alterada. Não obstante, tamanha e efêmera mudança veio acompanhada de práticas fiscalizatórias duvidosas, que ferem de morte a nossa Carta Magna e os princípios que regem o nosso Estado Democrático de Direito, especialmente o da não autoincriminação, apesar de se vislumbrar meios legais de coibição. 18 Cumpre mencionar que o artigo 165 do CTB, inserido pela Lei n.º 9.503/977, que trata da direção sob o efeito de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência, sofreu mudanças em seu caput inicial por meio da promulgação da Lei 11.705 de 20088, não se modificando, contudo, a natureza da infração – gravíssima. A Lei 12.760 de 20129 alterou a penalidade de multa com um tratamento mais rigoroso, entretanto, manteve a rigorosa punição administrativa do impedimento de dirigir nos mesmos moldes da Lei 11.705 de 2008. Com isso, observa-se, nos dias de hoje, a suspensão do direito de dirigir por 12(doze) meses, acrescida de multa no vultoso valor de R$ R$ 2.934,70 (dois mil, novecentos e trinta e quatro reais e setenta centavos). Porém, indubitavelmente, na maioria das autuações que se verifica no Brasil, antes da vigência da Lei n.º 13.281/201610, o artigo 165 está combinado no auto de infração com o artigo 277, §3º, também do CTB, e a Resolução 432/2013 do CONTRAN. 7BRASIL. Lei n.º 9.503, de 23 de setembro de 1997. Institui o Código de trânsito brasileiro. Código de trânsito brasileiro. 3. ed. Salvador: JusPodivm, 2018. 8BRASIL. Lei n.º 11.705, de 19 de junho de 2008. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11705.htm>. Acesso em: 08 ago. 2018. 9BRASIL. Lei n.º 12.760, de 20 de dezembro de 2012. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCivil_03/_Ato2011-2014/2012/Lei/L12760.htm>. Acesso em: 08 ago. 2018. 10BRASIL. Lei n.º 13.281, de 04 de maio de 2016. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/lei/l13281.htm>. Acesso em: 08 ago. 2018. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11705.htm http://www.planalto.gov.br/CCivil_03/_Ato2011-2014/2012/Lei/L12760.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/lei/l13281.htm 19 Nessa esfera, o que também se constata, é que em quase todos os casos, o condutor se recusa a ser submetido ao teste do etilômetro, por inúmeros motivos e de forma legítima, respaldada pela nossa Carta Maior, mas as autuações são lavradas sem a observância da imprescindível prova da embriaguez ou do estado psíquico anormal do condutor. Dito de outro modo, nesses casos, o agente de trânsito descumpre o arcabouço legal e não prova a infração de “dirigir sob a influência de álcool ou outra substância psicoativa” imputada ao condutor, infringindo, flagrantemente, o artigo 5º, II, § 2º, da Resolução 432/2013 do CONTRAN11, pois não se verifica o Termo de Constatação de Embriaguez ou anotação de informações relacionadas aos sinais de ebriedade ou alteração psíquica no campo “observações” do auto de infração12. (SÃO PAULO, 2018). Tal atitude configura-se autoritária, pois pune-se um exercício de um direito em plena vigência da democracia, em geral, com a motivação de embriaguez ao volante, sem sequer existir um indício de perturbação do condutor. O que se constata é que o Estado termina descumprindo os preceitos legais e constitucionais, bem como os procedimentos 11Cf. nota 4 deste artigo. 12SÃO PAULO. 11ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação n.º 1001184-86.2016.8.26.0042. Apelante: Rafael Baldo Beluti. Apelado: Departamento estadual de Trânsito (DETRAN). Relator: Desembargador Jarbas Gomes. São Paulo, 19 de abril de 2018. Disponível em:< https://esaj.tjsp.jus.br> Acesso em: 08 ago. 2018. 20 compulsórios de autuação, talvez para chamar a atenção pela mídia de alarmante estatística acerca de autuações por embriaguez ao volante, quando na verdade a maioria delas refere-se à punição ao exercício de um direito garantido pela Constituição Federal, que é o da não autoincriminação. Aliás, o princípio nemo tenetur se detegere – direito a não autoincriminação – está encartado no artigo 8º, 2, alínea “g”, da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica)13, que o Brasil é signatário, por meio do Decreto N.º 678, de 06 de novembro de 199214, o que encontra guarida no artigo 5º, §2º, da Constituição Federal15. Além disso, o referido princípio também está entabulado na nossa Constituição Federal, no inciso LXIII, artigo 5º16 numa compreensão exegética da norma. Convém salientar que o Brasil também é signatário do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos – Decreto N.º 592, de 06 de julho de 199217 –, o qual, em seu artigo 14, “3”, “g”18, 13COSTA RICA. Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/anexo/and678- 92.pdf>. Acesso em: 08 ago. 2018. 14BRASIL. Decreto n.º 678, de 06 de novembro de 1992. <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1992/decreto-678-6-novembro- 1992-449028-publicacaooriginal-1-pe.html>. Acesso em: 08 ago. 2018. 15BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. 16Cf. nota 14 deste artigo. 17BRASIL. Decreto n.º 592, de 06 de julho de 1992. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d0592.htm>. Acesso em: 08 ago. 2018. 18NAÇÕES UNIDAS. Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/anexo/and678-92.pdf http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/anexo/and678-92.pdf http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1992/decreto-678-6-novembro-1992-449028-publicacaooriginal-1-pe.html http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1992/decreto-678-6-novembro-1992-449028-publicacaooriginal-1-pe.html 21 estabelece expressamente, no mesmo passo do Pacto de San José da Costa Rica, de forma indubitável, que: “toda pessoa acusada de um delito tem direito (...) de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada”. Assim, conforme se extrai da literalidade do texto legal dos tratados internacionais acima mencionados, que resguardam os direitos do ser humano em todos os âmbitos – administrativo, civil, penal ou político –, infere-se que o gênero delito engloba tanto a espécie crime como a infração administrativa, sendo qualquer ato que constitua uma transgressão às leis pertencentes a um ordenamento jurídico, sejam penais ou civis. Comumente, observa-se na doutrina a vinculação do termo delito ao crime, contudo, segundo explanado acima, há de se inserir também a infração administrativa, especialmente a de trânsito. Nesse toar, resta legítimo o uso do direito a não autoincriminação mediante a acusação de uma infração administrativa de trânsito, sendo afastada qualquer tipo de punição pelo seu exercício. E depois, a recusa ao teste do etilômetro encontra respaldo no próprio artigo 5º, LV, da CF19, pois esse dispositivo valida a ampla defesa e o contraditório não só nos processos judiciais e <https://www.oas.org/dil/port/1966%20Pacto%20Internacional%20sobre %20Direitos%20Civis%20e%20Pol%C3%ADticos.pdf>. Acesso em: 08 ago. 2018. 19Cf. nota 14 deste artigo.https://www.oas.org/dil/port/1966%20Pacto%20Internacional%20sobre%20Direitos%20Civis%20e%20Pol%C3%ADticos.pdf https://www.oas.org/dil/port/1966%20Pacto%20Internacional%20sobre%20Direitos%20Civis%20e%20Pol%C3%ADticos.pdf 22 administrativos, mas também nas acusações em geral. A letra da lei é clara e inconteste, além do seu próprio sentido axiológico. Sendo assim, a autodefesa, espécie da ampla defesa, concretizada no ato de recusar-se ao referido teste, revela-se legítima e encontra guarida na nossa própria Magna-carta, sendo obrigatória a comprovação da embriaguez ou estado anormal de consciência no volante para a efetiva penalidade administrativa. Logo, resta clarividente com base na lógica constitucional, atrelada ao arcabouço legal ordinário, assim como aos tratados internacionais supramencionados e subscritos pelo Brasil, que o princípio da não autoincriminação se aplica na esfera administrativa, sendo repelida qualquer tipo de interpretação que entoe a sua aplicação apenas no âmbito penal. Nesse diapasão, verifica-se completamente dissonante com a democracia vigente no nosso país a aplicação de qualquer tipo de sanção, ainda que administrativa, pelo fato do cidadão condutor exercer um direito constitucional (Princípio da não autoincriminação). Vale dizer que: a inobservância ou lesão a princípio é a mais grave das inconstitucionalidades, uma vez que sem princípio não há ordem constitucional e sem ordem constitucional não há democracia nem Estado de Direito20. 20RIO GRANDE DO SUL. Turma Recursal da Fazenda Pública dos Juizados Especiais Cíveis do Estado do Rio Grande do Sul. Recurso Inominado n.º 71005016266 (N.º CNJ: 0025137-03.2014.8.21.9000) 2014/Cível. Recorrente: 23 Para mais, insta mencionar que o discurso midiático e interpretações, data venia, perfunctórias e ao arrepio da lei acerca da punição automática pela recusa ao teste do etilômetro, ou seja, nos casos de autuação do artigo 165-A do CTB, introduzido pela lei 13.281/2016, que nada mais é do que a junção do artigo 165 c/c 277, §3º do CTB, devem ser rejeitados em nome dos princípios basilares constitucionais, principalmente, o da legalidade – “bloco de legalidade”, que será detalhado adiante –, moralidade, ampla defesa, contraditório e o próprio direito a não autoincriminação. Ora, afirmar que recusar-se ao supracitado teste, por exemplo, por si só, constitui infração administrativa autônoma, revela-se inconcebível e atentatório ao objetivo axiológico da norma, além do mais, contraditório ao próprio texto legal. Isso porque o intuito da autuação nos moldes do artigo 165- A do CTB é, sem dúvidas, autuar quem efetivamente ofereça risco à segurança viária e consequentemente à incolumidade pública e/ou privada por causa de direção veicular sob o efeito de álcool ou outra substância psicoativa que altere a sensopercepção e cognição normais do indivíduo. Departamento de trânsito do Estado do Rio Grande do Sul (DETRAN/RS). Recorrido: Linomar José Rosseto Ferrão. Relator: Desembargador Niwton Carpes da Silva. Porto Alegre, 20 de novembro de 2014. Disponível em:<http://www.tjrs.jus.br>. Acesso em: 08 ago. 2018 http://www.tjrs.jus.br/ 24 Torna-se desarrazoado e, até inaceitável, enquadrar um cidadão em um artigo contido no capítulo XV do Código de Trânsito Brasileiro, referente às infrações, que possui a mesma pena e finalidade do artigo 165, o qual versa sobre a direção sob a influência de álcool ou qualquer outra substância psicoativa que determine dependência, e afirmar que não se exige a prova da embriaguez ou da alteração da capacidade psicomotora por constituir infração independente. Isso se evidencia como um ato arbitrário, atentatório ao próprio objetivo valorativo da norma, bem como, flagrantemente, abusivo. O artigo 165-A do CTB, consoante se constata no PARECER n.º 328/2017, emitido pelo Conselho Estadual de Trânsito do estado de Santa Catarina – CETRAN/SC –, o qual foi elaborado em decorrência de uma consulta formulada pelo Delegado Regional de Polícia Civil de Caçador acerca do entendimento desse Conselho, após as inovações trazidas pela Lei 13.281/2016, quanto à aplicação dos artigos 165-A c/c 277, § 3º do CTB baseada na recusa do condutor em se submeter ao teste do etilômetro, tem por objetivo coibir a direção veicular sob estado de embriaguez ou de consciência alterado e, para isso, o agente autuador tem que motivar seu ato administrativo, comprovando as suspeitas/sinais desses estados psicomotores que o levaram a submeter o motorista ao referido teste. Vejamos as límpidas e justas conclusões desse respeitável parecer: 25 Não obstante, mesmo examinando apenas as disposições dos artigos 277 e 165-A do CTB, fica evidente que o objetivo da reprimenda não é punir quem, sem externar nenhum sinal ou sintoma de que esteja sob a influência de álcool ou outra substância psicoativa, se recuse a se submeter aos testes e exames para apuração de alcoolemia. O próprio tipo infracional descrito no art. 165-A evidencia isso, senão vejamos: Art. 165-A. Recusar-se a ser submetido a teste, exame clínico, perícia ou outro procedimento que permita certificar influência de álcool ou outra substância psicoativa, na forma estabelecida pelo art. 277. Percebe-se que a transgressão delineada no artigo acima transcrito não se restringe à mera recusa21. Assim, em que pese se constatar importantes vozes acerca da inconstitucionalidade per se do artigo 165-A do Código de Trânsito Brasileiro, com consistentes e admiráveis argumentos, faz-se imperioso ajustar a sua interpretação com os princípios que direcionam nossa Constituição Federal, bem como os tratados internacionais aqui focalizados, que possuem status supralegal e, obviamente, com o próprio objetivo da norma, que é coibir e punir a direção veicular em estado psíquico perturbado. Esse relevante parecer ainda conclui: Com efeito, o que o dispositivo em tela condena é a resistência em se submeter aos procedimentos 21SANTA CATARINA. Conselho Estadual de Trânsito do Estado de Santa Catarina (CETRAN/SC). Parecer n.º 328/2017. Conselheiro Relator: José Vilmar Zimmermann. 24 jan. 2017. Disponível em: <http://www.cetran.sc.gov.br/index.php?option=com_docman&task=doc_downl oad&gid=3658&Itemid=134>. Acesso em: 08 ago. 2018. http://www.cetran.sc.gov.br/index.php?option=com_docman&task=doc_download&gid=3658&Itemid=134 http://www.cetran.sc.gov.br/index.php?option=com_docman&task=doc_download&gid=3658&Itemid=134 26 destinados a CERTIFICAR influência de álcool ou outra substância psicoativa. Certificar significa dar certeza, convencer, conferir convicção. Ora, se o procedimento, cuja omissão deliberada sujeita às cominações em voga, se presta a convencer o examinador de que a pessoa fiscalizada está sob influência de álcool, isso significa que para o agente fiscalizador somente é lícito lançar mão desse expediente quando a postura do condutor despertar suspeitas que necessitem de confirmação/certificação. Se não há suspeita, não há o que ser certificado, tornando-se arbitrária a submissão do condutor ao teste e, portanto, incabível a imputação pela infração do art. 165-A do CTB22. Desse modo, considera-se que seja razoável e efetivamente justa a autuação nos moldes do artigo 165-A do CTB, respaldada na anotação dos sinais ou suspeitas de embriaguez ou alteração psíquica do condutor, até que, por ventura, esse artigo seja retirado do nosso ordenamento jurídico por meio de uma ação direta de inconstitucionalidade. Caso contrário, estaremos diante uma arbitrariedade estatal no que tange à punição automática, severa e indevida, de quem exerce um direito. De mais a mais, observa-seem algumas decisões pátrias a justificativa de autuação, data venia, infundada, com base apenas no teor do art. 277, §3°, do CTB. Há de se esclarecer que o referido dispositivo está disposto no capítulo XVII, cujo título é “medidas administrativas”, ou seja, não se trata de uma norma que comina uma 22Cf. nota 20 deste artigo. 27 infração e sanção, que, como dito, sequer encontra respaldo no capítulo das infrações do Código de Trânsito Brasileiro. O renomado jurista Luiz Flávio Gomes explica muito bem esse parágrafo mostrando que ele não se reveste de natureza de infração administrativa, senão vejamos: “Logo, sua incidência com fim sancionador se revela abusiva ao princípio da legalidade, aplicável por analogia, pois não há infração administrativa sem prévia cominação legal”23. Geralmente, esse artigo está combinado nos autos de infração com o art. 165 do CTB (Dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência) ou 165-A (Recusar-se a ser submetido a teste, exame clínico, perícia ou outro procedimento que permita certificar influência de álcool ou outra substância psicoativa, na forma estabelecida pelo art. 277), que estão localizados no capítulo XV do CTB, referente às infrações. Dessa sorte, como já explicitado anteriormente, nos moldes legais, especificamente de acordo com o que dispõe a Resolução 432/2013 do CONTRAN, há de se constatar a prova da embriaguez ou de alguma outra substância psicoativa ou, ao menos, o registro das suspeitas de direção veicular em estado psíquico anormal. O ilustre doutrinador Eduardo Luiz Santos Cabette assim preleciona: 23GOMES, Luiz Flávio; SCHMITT DE BEM, Leonardo. Nova Lei Seca. Comentários à Lei 12.760, de 20-12-2012. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 85. 28 A única maneira de interpretar o disposto no artigo 277, §3º, CTB, evitando uma colisão frontal com a Constituição é considerar que quando da negativa do condutor aos testes e exames, a expressão “serão aplicadas as penalidades e medidas administrativas estabelecidas no artigo 165 deste Código” [atualmente, após a Lei 13.281/2016, leia-se: penalidades e medidas administrativas estabelecidas no artigo 165-A], significa que o agente de trânsito diligenciará para comprovar a infração por todos os meios lícitos de prova, nos estritos termos do § 2º, do mesmo artigo, sob o crivo do devido processo legal e seus corolários da ampla defesa, do contraditório e Presunção de Inocência. E mais, inclusive do Princípio da não auto-incriminação, (...)24. Para consubstanciar a argumentação em apreço, urge sobrelevar o processo evolutivo de constitucionalização do Direito Administrativo, tendo como referência precípua o princípio da juridicidade, que é plenamente aplicável nas autuações relacionadas à Lei Seca. Conforme se observa na doutrina clássica do Direito Administrativo brasileiro ao interpretar o princípio da legalidade estampado no artigo 37, caput, da Constituição Federal25, a Administração Pública só poderá agir embasada no que a lei permitir, entretanto, ao se analisar o Direito Administrativo moderno, verifica-se que essa legalidade stricto sensu perde lugar ao conceito de bloco de legalidade, enraizado no princípio da juridicidade. 24CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Nova Lei Seca. 3. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2018, p. 13. 25Cf. nota 14 deste artigo. 29 Esse princípio parte do pressuposto de que o agente público deve atuar levando-se em consideração não apenas a legalidade estrita, mas também a doutrina, jurisprudência, equidade, especialmente os princípios e regras da nossa Carta Fundamental. Ou seja, trata-se de uma subordinação da Administração Pública aos princípios gerais do Direito, mormente as regras constitucionais, e ao ordenamento jurídico como um todo. Daí o conceito “bloco de legalidade”. Nessa esteira, mediante o cenário atual da aplicação do artigo 165-A do CTB, o agente público autuador não poderá se esconder atrás do princípio da legalidade estrita e penalizar, como visto, um cidadão pelo exercício de um direito quando se recusa, por exemplo, ao teste do etilômetro. É preciso observar as garantias, os direitos e princípios protegidos pelo manto sagrado da Constituição, tratados internacionais, ou seja, o bloco de legalidade e sintonizá-lo à aplicação desse artigo, provando-se efetivamente a alteração da capacidade psicomotora do condutor para validar o auto de infração de trânsito. Dessa forma, observar-se-á a justeza nas autuações, com a aplicação do louvável princípio da juridicidade, o qual engloba, especialmente, os princípios da legalidade, legitimidade e moralidade. Veja-se que esse princípio, inclusive, reza a não aplicação da lei infraconstitucional quando o seu texto literal afrontar diretamente 30 o bloco de legalidade, principalmente, os princípios constitucionais, como é o caso do artigo 165-A do CTB. Entretanto, faz-se necessário a adequação da sua utilização com a sistemática do bloco de legalidade para que as penalidades sejam impostas aos que verdadeiramente comentem o ato infracional de dirigir em estado anormal de consciência. Frise-se que o agente de trânsito possui todos os meios capazes de provar a infração, segundo se vislumbra no artigo 277, §2º, do CTB26 e na Resolução 432/2013 do CONTRAN, que na maioria das vezes encontra-se registrada nos autos de infração. O reconhecido autor Diogo de Figueiredo Moreira entende que: a dinâmica atual da Administração Pública não pode mais permanecer centralizada na dependência da atuação do legislador infraconstitucional e, no mundo pós-positivista, deve-se reconhecer a eficácia normativa do ordenamento jurídico, centralizado na Constituição27. Dessa maneira, a aplicação desse princípio evolutivo da legalidade faz-se mandatória nas autuações atinentes à Lei Seca para que os direitos consagrados na nossa Carta Magna sejam 26BRASIL. Lei n.º 9.503, de 23 de setembro de 1997. Institui o Código de trânsito brasileiro. Código de trânsito brasileiro. 3ª. ed. Salvador: JusPodivm, p. 897, 2018. 27MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo: parte introdutória, parte geral e parte especial. 16ª. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2014 Apud Disponível em: <http://resumosdireito.blogspot.com/2015/04/sobre-o-principio-da-juridicidade- no.html>.Acesso em: 09 ago. 2018. http://resumosdireito.blogspot.com/2015/04/sobre-o-principio-da-juridicidade-no.html http://resumosdireito.blogspot.com/2015/04/sobre-o-principio-da-juridicidade-no.html 31 devidamente respeitados, mormente o da não autoincriminação, razoabilidade, proporcionalidade, ampla defesa e contraditório, bem como o objetivo da referida lei também seja alcançado, preservando vidas e punindo efetivamente os motoristas que dirigem sob a influência de álcool ou outra substância psicoativa. É inaceitável se verificar, hodiernamente, um processo de constitucionalização deficiente, que garante os direitos sem dar ao cidadão os meios essenciais ao seu exercício. Precisa-se efetivar o princípio da juridicidade em nome da equidade e contra a aplicação cega da lei. Ressalte-se que o exercício de um direito protegido pela Constituição Federal, verificado rotineiramente nas Blitze da Lei Seca, que é o da não autoincriminação, quando alguém se recusa ao teste do etilômetro, em hipótese alguma, pode ter como consequências sanções tão rigorosas como as encartadas, atualmente, no artigo 165-A do CTB, sob pena de ofender determinantemente os princípios constitucionais e deteriorar o Estado Democrático de Direito.Seguindo esse raciocínio, torna-se importante a alusão ao instituto da Tipicidade Conglobante, introduzida e defendida pelo respeitável e qualificado jurista argentino, Eugenio Raúl Zaffaroni. Segundo ele, na esfera penal, a tipicidade penal é formada pela junção da tipicidade formal – subsunção do fato à norma –, acrescida da tipicidade conglobante, que por sua vez é composta pela tipicidade material – lesão ou perigo de lesão a um bem 32 juridicamente tutelado – e antinormatividade: conduta praticada em desacordo ao que o ordenamento jurídico incentiva. Vale destacar que a antinormatividade está relacionada à relação de contrariedade do fato não apenas às tipicidades formal e material, além disso, a conduta deve transgredir o ordenamento jurídico como um todo. Ou seja, não basta violar somente a norma penal, mas sim o conjunto de leis que rege o Estado Democrático de Direito. Para ele, o Direito Penal não deve ser analisado de forma isolada. Partindo dessa referência fundamental, faz-se imperativo sublinhar que o Direito Administrativo também não deve ser entendido de forma disjuntiva, pelo contrário, ele está intimamente enraizado na nossa Constituição Federal e deve ser interpretado levando-se em consideração os seus princípios e valores. Assim, utilizando-se da analogia desse instituto no âmbito administrativo, pode-se inferir que, nos casos de autuação baseada tão-somente na recusa ao teste do etilômetro ou até mesmo a qualquer outro meio de prova imposto pela autoridade de trânsito, aplica-se essa valiosa teoria, pois o que está permitido ou fomentado ou determinado por uma norma, ordenamento jurídico, sobretudo, a Constituição Federal, não pode ser proibido por outra com qualquer tipo de punição, portanto, não constitui fato típico infracional. Ora, negar-se ao supracitado teste, ainda que entrevendo escapar de qualquer sanção penal, é direito do cidadão e ele não pode sofrer qualquer ameaça indireta do Estado, através de sanção 33 administrativa de multa exorbitante e suspensão do direito de dirigir por longo período. No mesmo sentido, o autor Eduardo Luiz Santos Cabette ensina: É de se notar que no âmbito administrativo, faça ou não os exames e testes, o condutor será punido (...), o que equivale a tornar a submissão a exames compulsória, (...), em franca infração ao direito de não produzir prova contra si mesmo, que abarca também a seara administrativa e, por reflexo, acaba atingindo a penal no que tange ao artigo 306, CTB. Isso porque a coação administrativa usada para tornar obrigatória a submissão do condutor, acabará inibindo o cidadão de fazer uso de seu direito constitucional com reflexos inevitáveis na seara penal28. O condutor não está obrigado a contribuir ativamente com a produção de prova contra si, pois no nosso sistema acusatório o ônus de provar a embriaguez ou estado perturbado de consciência na direção veicular é do próprio Estado. Essa transferência é ilegítima, arbitrária e mostra a realidade de um Estado que não investe em treinamento e na efetiva proteção da segurança viária; de outra maneira, opta-se pela imposição de leis à coletividade com marcas de inconstitucionalidade, bem como pelo descumprimento, às claras, de procedimentos de autuação previstos em leis e regulamentos, principalmente, quando se trata de situações 28CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Nova Lei Seca. 3ª. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2018, p. 12. 34 com prejuízos financeiros graves e evidentes ao cidadão em face da máquina estatal. Além do mais, nesta sistemática de insistência punitiva estatal pelo simples fato de recusar-se ao teste do etilômetro ou qualquer outro tipo de exame técnico, sem oferecer risco à segurança viária ou a vida e patrimônio dos indivíduos, vale registrar que outros princípios também são malferidos, como o de liberdade (direito de ir e vir), do devido processo legal e da presunção de inocência, todos inseridos, respectivamente, nos artigos art. 5º, XV, LIV, e LVII, da Lei Maior29. (RIO GRANDE DO SUL, 2018). Outrossim, há quem diga que deve prevalecer o interesse da coletividade em detrimento da garantia individual de não autoincriminar-se, entretanto, tal argumento cai por terra, já que não estamos diante dessa celeuma, mas sim de um Estado ineficiente e ineficaz, que sequer é capaz de preencher um termo de constatação de embriaguez e cumprir o que ordena a lei para enquadrar um condutor supostamente transtornado em seu estado cognitivo. III. INTERESSE COLETIVO x INTERESSE ESTATAL 29Cf. nota 14 deste artigo. RIO GRANDE DO SUL. Segunda Turma Recursal da Fazenda Pública dos Juizados Especiais Cíveis do Estado do Rio Grande do Sul. Recurso Inominado Nº 71007640006 (Nº CNJ: 0022239- 75.2018.8.21.9000)2018/Cível Recorrentes: Departamento de trânsito do Estado do Rio Grande do Sul (DETRAN/RS); Departamento autônomo de estradas de rodagem (DAER/RS). Recorrido: Luiz Henrique de Campos Oliveira. Relatora: Dra. Rosane Ramos de Oliveira Michels. Porto Alegre, 27 de junho de 2018. Disponível em:< http://www.tjrs.jus.br>. Acesso em: 08 ago. 2018. 35 Nesta situação atual em que se exige cada vez mais uma rigorosa e exemplar reprimenda aos motoristas que dirigem sob o efeito de substâncias psicoativas, considera-se relevante diferenciar o verdadeiro interesse da coletividade com o do Estado. No caso da denominada Lei Seca, a Administração Pública, quase sempre, por meio de argumentos insuficientes e protelatórios, quer se ancorar no Princípio da Presunção da Legitimidade dos seus atos, quando a lei a obriga a atuar de determinada forma para motivar o auto de infração. Ora, com a realização dos procedimentos corretos, culminando na efetiva prova da embriaguez ou ao menos no registro dos sinais que indiquem a alteração da capacidade psicomotora, o interesse geral estará sendo cumprido e respeitado, caso contrário, observar-se-á apenas o interesse da máquina estatal, possivelmente político-financeiro, que infringe, claramente, a nossa Carta Magna nas autuações ao punir um exercício de um direito. Na verdade, há uma quase imperceptível linha que separa o interesse estritamente coletivo e o particular interesse estatal, os quais devem ser vislumbrados e devidamente diferenciados. Não se pode utilizar como pano de fundo a retórica da supremacia do interesse público sobre as garantias individuais para punir automaticamente quem se recusa a submeter ao teste do etilômetro ou qualquer outro tipo de teste que se exige alguma postura ativa do condutor, quando o próprio ordenamento jurídico fornece ao Estado meios suficientes e eficazes de se comprovar a 36 embriaguez ou a influência de substância psicoativa, bem como suas suspeitas, sinais, vide o teor do artigo 277, §2º, do CTB. Basta capacitar e treinar os agentes públicos para cumprir o que prescreve a lei e efetivamente combater a embriaguez ou o transtorno psíquico ao volante. Aliás, não é preciso enfatizar que a Administração Pública é serva da lei – leia-se, bloco de legalidade –. Gustavo Binenbojm, expoente doutrinador do Direito Administrativo Moderno, fez relevantes reflexões sobre a relação do princípio da supremacia do interesse público, da coletividade, sobre o privado e sua incompatibilidade com o ordenamento jurídico-constitucional. Em suma, ele concluiu que: 1) O referido princípio desconsidera a relevância atribuída pela Constituição a todo o conjunto de direitos fundamentais; 2) trata-se de um princípio que não tem estrutura normativa de princípio, pois não admite ponderações com outros valores constitucionais; 3) a fluidez conceitual do termo interesse público dá margem a inúmeras arbitrariedades estatais; 4) interessespúblicos e interesses privados não são antagônicos, mas pressupõem-se mutuamente30. 30BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria do direito administrativo: direitos fundamentais, democracia e constitucionalização. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008 Apud Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI230028,91041- O+principio+da+supremacia+do+interesse+publico+sobre+o+interesse>. Acesso em: 09 ago. 2018. 37 Segundo se infere do seu pensamento, o interesse público não pode ser avesso aos direitos fundamentais individuais, mas sim compreender os interesses coletivos e individuais, protegidos pela nossa Carta Magna, para que sua efetividade seja justa e equilibrada, longe de interpretações que eventualmente possam favorecer somente o interesse singular da máquina estatal. Destarte, a aplicação da denominada Lei Seca deve estar inserida nesse contexto para se evitar graves injustiças e verdadeiramente cumprir seu objetivo de punir o real infrator e preservar vidas. Por conseguinte, como exaustivamente explanado, deve-se verificar nas autuações as provas ou sinais da alteração da capacidade psicomotora do motorista, garantindo-se assim a aplicação harmônica da norma infraconstitucional com as regras e princípios da Constituição Federal para a efetividade do bem-estar social e hegemonia do Estado Democrático de direito. Vê-se que o rigor do tratamento administrativo em relação à Lei Seca, que se verifica nos dias atuais, resta intolerável e afronta diretamente os princípios constitucionais da razoabilidade e proporcionalidade, pois se constata a mesma sanção para quem se recusa ao teste do etilômetro, ou seja, exercita um direito constitucional e quem está mentalmente perturbado ao volante. Como dito alhures, ainda que se defenda a inconstitucionalidade da letra fria do artigo 165-A do CTB, o que possui relevantes fundamentos, faz-se indispensável a aplicação 38 desse dispositivo em consonância com a suprema Constituição e legislação vigente para que se autue com a devida motivação dos sinais de embriaguez ou anormalidade e não com base em presunções de culpa. Um tratamento administrativo para essa questão sem equilíbrio e correção, traz à tona outros interesses estatais que não são aqueles precípuos da denominada Lei Seca. Há de se lembrar que a finalidade administrativa é pedagógica, instrutiva, jamais poderá ser essencialmente punitiva e atemorizadora. Aliás, “o Estado-Administração deve estar aparelhado para fazer valer o Texto Legal, na sua inteireza, jamais escudar-se, para fins de apenamento ao cidadão, na presunção de veracidade ou legalidade de seus atos”31. Assim observou, em uma de suas decisões, o respeitável Desembargador Niwton Carpes da Silva, membro do Judiciário do estado Rio Grande do Sul. E mais, afirmou terminantemente: (...) a autoridade pública, inclusive a Administrativa, não pode viver escondida atrás de vetustos princípios doutrinários para justificar qualquer atuação punitiva. Esse princípio é produto do ranço ditatorial, fruto do Estado totalitário e do Estado usurpador dos direitos e garantias individuais, incompatível com a nova Ordem Constitucional, que garante e outorga direitos ao cidadão. É necessário, nos dias atuais, em pleno Estado Democrático e de Direito, que a autoridade 31Cf. nota 19 deste artigo. 39 pública se dispa do manto de presunções e princípios doutrinários, erigidos no mais das vezes para solapar direitos sagrados dos cidadãos e dos contribuintes, e, nessa nova ótica, comprove quantum satis, de forma categórica e concreta, a infração imputada e adequação da pena imposta, pena de reputada inexistente ou mesmo invalidável32. Portanto, constata-se que a presunção de culpa deve ser excluída do nosso ordenamento jurídico, inclusive no âmbito administrativo, nos casos de insubmissão a exames técnicos de embriaguez ou qualquer outra substância psicoativa que determine dependência. A ação estatal deve se balizar pela nossa Carta Política, dentro dos limites legais, para que a Lei Seca, na prática, não seja distorcida e que o seu real objetivo seja alcançado. Frise-se que o que aqui se combate é a ineficácia estatal e as irregularidades procedimentais, que são justificadas, na maioria das vezes, nos indeferimentos de recursos administrativos proferidos pelos órgãos julgadores do Poder Executivo, na aplicação imponderada do princípio da presunção da legitimidade dos atos administrativos, que, não raro, assume caráter arbitrário. Dito de outro modo, a autoridade de trânsito não age conforme os ditames legais, extrapolando, por consequência, os limites do seu poder de polícia, já que não prova a embriaguez do condutor nem os indícios de alteração da capacidade psicomotora e, 32Cf. nota 19 deste artigo. 40 mesmo assim, mantém, quase sempre, nas instâncias administrativas de julgamento a multa e penalidades indevidas, afogando, posteriormente, o Poder Judiciário. A atuação estatal não se sustenta numa lógica jurídico- constitucional na medida em que pune um condutor que não se submete a qualquer teste, por quaisquer motivos, quando o próprio Estado possui todos os meios legais para caracterizar as infrações previstas no artigo 165, 165-A c/c 277, §3º, todos do CTB. Por isso, subscreve-se as palavras do autor Luiz Flávio Gomes: “O testemunho dos policiais, nesse contexto, apenas se revestiria de fé pública mediante colaboração do próprio condutor?33”. IV. CONSIDERAÇÕES FINAIS Mediante o exposto, à guisa de conclusão, referenda-se o que o ilustre jurista Guilherme de Souza Nucci bem delineia acerca de algumas situações vivenciadas nos dias atuais: (...) A recusa em soprar o bafômetro enseja a imediata aplicação da sanção administrativa, ou seja, presume- se culpa, pois o condutor perderá sua habilitação por um ano e pagará elevada multa. Eis aí a presunção de culpa e o dever de produzir prova contra si mesmo. A Lei 11.705/08 [e a lei 13.281/2016, que instituiu o artigo 165-A no CTB] foi editada para facilitar o trabalho da fiscalização, sem o menor pudor em resguardar relevantes direitos e garantias fundamentais. Antes dela, o agente de trânsito já tinha 33GOMES, Luiz Flávio; SCHMITT DE BEM, Leonardo. Nova Lei Seca. Comentários à Lei 12.760, de 20-12-2012. 1ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 85. 41 condições plenas de fiscalizar quem dirigisse embriagado ou sob a influência de álcool. Entretanto, poderia ter mais trabalho e haveria de agir com maior empenho e treinamento. Mas isso não soou importante para o Estado. Ao contrário, em qualquer área, mormente da segurança pública, prefere-se o caminho mais fácil.34. Em vista disso, o que substancialmente se espera é que a lei seja cumprida pela Administração Pública em função do bloco de legalidade, respeitando-se, especialmente, os princípios basilares da nossa Constituição Federal, sob pena de se consolidar outros interesses estatais, justificados na retórica repetitiva e tradicional da conceituação indeterminada da prevalência do interesse coletivo em detrimento das garantias individuais do cidadão. Ademais, o supracitado doutrinador completa: Aparelhar os órgãos estatais e treinar o seu pessoal são atividades muito mais custosas do que editar uma lei inconstitucional, voltada à sociedade brasileira formada em grande parte por pessoas leigas e outras tantas analfabetas e ignorantes de seus direitos básicos. Contando, ainda, com o apoio da imprensa, sob o prisma de que os fins justificam os meios, está construída a armação para solapar a garantia da presunção de inocência e de que ninguém é obrigado a produzir provacontra si mesmo (...)35. 34NUCCI, Guilherme de Souza. A presunção de inocência e a “lei seca”. 63. ed. São Paulo: Carta Forense, ago. 2008. p. 14-15 Apud NOGUEIRA, Fernando. Crimes do Código de Trânsito. 3ª. ed. São Paulo: J. H. Mizuno, 2013. p. 196/197. 35Cf. nota 33 deste artigo. 42 Isso posto, cumpre analisar a denominada Lei Seca sob o prisma do princípio da juridicidade com a ideia do interesse coletivo trazida pela doutrina moderna do Direito Administrativo para que todos os atos da Administração Pública, inclusive os sancionadores, tenham o pertinente respaldo constitucional e o devido equilíbrio jurídico. Então, no caso em voga, deverá ocorrer a comprovação da direção veicular em estado de consciência alterado quando alguém se recusar ao teste do etilômetro. V. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Nova Lei Seca. 3. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2018. GOMES, Luiz Flávio; SCHMITT DE BEM, Leonardo. Nova Lei Seca. Comentários à Lei 12.760, de 20-12-2012. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo: parte introdutória, parte geral e parte especial. 16. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2014. In: Disponível em: <http://resumosdireito.blogspot.com/2015/04/sobre-o-principio-da- juridicidade-no.html>. Acesso em Acesso em: 09 ago. 2018. NUCCI, Guilherme de Souza. A presunção de inocência e a “lei seca”. 63. ed. São Paulo: Carta Forense, ago. 2008. p. 14-15. In: NOGUEIRA, Fernando. Crimes do Código de Trânsito. 3. ed. São Paulo: J. H. Mizuno, 2013. p. 196/197. O princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado no Direito Administrativo brasileiro. Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI230028,91041- http://resumosdireito.blogspot.com/2015/04/sobre-o-principio-da-juridicidade-no.html http://resumosdireito.blogspot.com/2015/04/sobre-o-principio-da-juridicidade-no.html http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI230028,91041-O+principio+da+supremacia+do+interesse+publico+sobre+o+interesse 43 O+principio+da+supremacia+do+interesse+publico+sobre+o+inter esse>. Acesso em 09/08/2018. RIO GRANDE DO SUL. Recurso Inominado Nº 71007640006 (Nº CNJ: 0022239-75.2018.8.21.9000)2018/Cível. Disponível em:< http://www.tjrs.jus.br>. Acesso em: 08 ago. 2018. RIO GRANDE DO SUL. Recurso Inominado n.º 71005016266 (N.º CNJ: 0025137- 03.2014.8.21.9000)2014/Cível.Disponívelem:<http://www.tjrs.jus. br>. Acesso em: 08 ago. 2018 SANTA CATARINA. Conselho Estadual de Trânsito do Estado de Santa Catarina (CETRAN/SC). Parecer n.º 328/2017. Disponível em: <http://www.cetran.sc.gov.br>. Acesso em: 08 ago. 2018. SÃO PAULO. Apelação n.º 1001184-86.2016.8.26.0042. Disponível em:< https://esaj.tjsp.jus.br>. Acesso em: 08 ago. 2018. VADE MECUM. SALVADOR: JUSPODIVM, 3. ED.,2018. http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI230028,91041-O+principio+da+supremacia+do+interesse+publico+sobre+o+interesse http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI230028,91041-O+principio+da+supremacia+do+interesse+publico+sobre+o+interesse http://www.tjrs.jus.br/ http://www.tjrs.jus.br/ https://esaj.tjsp.jus.br/ 44 UMA SOLUÇÃO NADA CONVENCIONAL PARA A SEGURANÇA VIÁRIA: BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O PLANO NACIONAL DE REDUÇÃO DE MORTES E LESÕES NO TRÂNSITO (PNATRANS) Cesar Augusto Cavazzola Junior36 Resumo: O objetivo deste trabalho será o de tecer breves comentários acerca da Lei nº 13.614, de 11 de janeiro de 2018, que criou o Plano Nacional de Redução de Mortes e Lesões no Trânsito (Pnatrans) e acrescentou dispositivo à Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997 (Código de Trânsito Brasileiro), para dispor sobre regime de metas de redução de índice de mortos no trânsito por grupos de habitantes e de índice de mortos no trânsito por grupos de veículos. A Lei estabeleceu uma meta ousada, de difícil cumprimento e sendo necessária a participação de todos os setores da sociedade: à política de segurança de trânsito, o cumprimento das metas estabelecidas deverá ter prioridade sobre a atuação dos integrantes do Sistema Nacional de Trânsito. Palavras-chave: Pnatrans - Segurança viária – Sistema Nacional de Trânsito 1. Introdução De acordo com o Sistema de Informações de Mortalidade do Ministério da Saúde, foram registrados 32.615 óbitos do tipo em 36Advogado. Mestre em Direito (Unisinos). MBA em Business Law (FGV). Pós- MBA em Negociação (FGV). Cursa especialização em Droit Comparé et Européen des Contrats et de la Consommation (UFRGS/Savoie Mont Blanc). Membro da CSI/OAB/RS. E-mail: cesar.cavazzola@gmail.com. 45 2017, contra 38.273 dez anos atrás, caindo 14% desde a implementação da Lei Seca, em 2008. De acordo com o Sistema de Informações de Mortalidade do Ministério da Saúde, foram registrados 32.615 óbitos do tipo em 2017, contra 38.273 dez anos atrás. Entretanto, o número de internações ligadas a acidentes de trânsito cresceu nos últimos dez anos: em 2008, 95.216 condutores, passageiros e pedestres foram internados no Sistema Único de Saúde (SUS). Em 2017, foram 181.120.37 Uma das medidas recentemente adotadas para enfrentar esse problema veio com a aprovação da Lei nº 13.614, de 11 de janeiro de 2018, que criou o Plano Nacional de Redução de Mortes e Lesões no Trânsito (Pnatrans) e acrescentou dispositivo à Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997 (Código de Trânsito Brasileiro), para dispor sobre regime de metas de redução de índice de mortos no trânsito por grupos de habitantes e de índice de mortos no trânsito por grupos de veículos. A legislação tem origem no Projeto de Lei 8.272/14, do deputado Paulo Foletto (PSB-ES) e do ex-deputado Beto Albuquerque (PSB-RS)38. 37 “A redução da quantidade de vítimas fatais foi registrada em três regiões: Centro-Oeste (-13,6%), Sudeste (-31,6%); e Sul (-13,6%), enquanto houve aumento no Norte (+16%) e no Nordeste (+6,3%). Entre 2008 e 2017, o indicador saiu de 3.927 para 3.390 mortes no Centro-Oeste; de 15.189 para 10.378 no Sudeste; de 7.157 para 5.816 no Sul; de 2.718 para 3.159 no Norte e de 9.282 para 9.872 no Nordeste.” BRASIL. Governo do Brasil. Mortes em acidentes de trânsito caem 14% nos últimos dez anos. Assuntos, 2018. Disponível em: < http://www.brasil.gov.br/editoria/seguranca-e-justica/2018/06/mortes-em- acidentes-de-transito-caem-14-nos-ultimos-dez-anos>. Acesso em: 29 ago. 2018. 38 BRASIL. CÂMARA DOS DEPUTADOS. Lei cria Plano Nacional de Redução de Mortes no Trânsito. Câmara Notícias, 2018. Disponível em: < http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/TRANSPORTE-E- 46 2. O Plano Nacional de Redução de Mortes e Lesões no Trânsito (PNATRANS) De acordo com o texto, o objetivo é, ao longo de dez anos, reduzir pela metade o índice de mortes por grupos de habitantes e o índice de mortos no trânsito por grupos de veículos (art. 1º). Isso significa diminuir a proporção de mortos em relação à população e em relação ao número de veículos de uma localidade. O Plano Nacional de Redução de Mortes e Lesões no Trânsito (PNATRANS), a ser elaborado em conjunto pelos órgãos de saúde, trânsito, transportes e justiça (art. 2º), deverá conter: I – os mecanismos de participação da sociedade em geral na consecução das metas estabelecidas; II – a garantia da ampla divulgação das ações e procedimentos de fiscalização, das metas e dos prazos definidos, em balanços anuais, permitindo consultas públicas por meio da rede mundial de computadores; III – a previsão da realização de campanhas permanentes e públicas de informação, esclarecimento, educação e conscientização visando atingir os objetivos do PNATRANS (art. 3º). 3. Dispositivos acrescidos ao Código de TrânsitoBrasileiro A Lei nº 13.614, de 11 de janeiro de 2018, foi responsável pela inclusão do art. 326-A ao Código de Trânsito Brasileiro (CTB). Conforme consta no caput, no que se refere à política de segurança TRANSITO/551660-LEI-CRIA-PLANO-NACIONAL-DE-REDUCAO-DE- MORTES-NO-TRANSITO.html>. Acesso em: 22 ago. 2018. 47 de trânsito, o cumprimento das metas estabelecidas deverá ter prioridade sobre a atuação dos integrantes do Sistema Nacional de Trânsito. Importante lembrar que o Sistema Nacional de Trânsito é mencionado em muitas oportunidades ao longo do CTB. O art. 5º o define como “o conjunto de órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios que tem por finalidade o exercício das atividades de planejamento, administração, normatização, pesquisa, registro e licenciamento de veículos, formação, habilitação e reciclagem de condutores, educação, engenharia, operação do sistema viário, policiamento, fiscalização, julgamento de infrações e de recursos e aplicação de penalidades”. O art. 6º aponta quais são os objetivos básicos, que são: I - estabelecer diretrizes da Política Nacional de Trânsito, com vistas à segurança, à fluidez, ao conforto, à defesa ambiental e à educação para o trânsito, e fiscalizar seu cumprimento; II - fixar, mediante normas e procedimentos, a padronização de critérios técnicos, financeiros e administrativos para a execução das atividades de trânsito; III - estabelecer a sistemática de fluxos permanentes de informações entre os seus diversos órgãos e entidades, a fim de facilitar o processo decisório e a integração do Sistema. Ainda, o SNT é composto pelos seguintes órgãos e entidades (art. 7º): I - o Conselho Nacional de Trânsito - CONTRAN, coordenador do Sistema e órgão máximo normativo e consultivo; II - os Conselhos Estaduais de Trânsito - CETRAN e o Conselho de 48 Trânsito do Distrito Federal - CONTRANDIFE, órgãos normativos, consultivos e coordenadores; III - os órgãos e entidades executivos de trânsito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; IV - os órgãos e entidades executivos rodoviários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; V - a Polícia Rodoviária Federal; VI - as Polícias Militares dos Estados e do Distrito Federal; e VII - as Juntas Administrativas de Recursos de Infrações - JARI. As metas para o Plano Nacional de Redução de Mortes e Lesões no Trânsito serão fixadas pelo CONTRAN para os Estados e para o Distrito Federal. As propostas serão fundamentadas dos CENTRAN e do CONTRANDIFE. A seguir, apenas em linhas gerais, será abordado o que vem a ser esses órgãos que compõe o Sistema Nacional de Trânsito. O Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN), conforme art. 7º, I do CTB, é coordenador do Sistema e órgão máximo normativo e consultivo, com a seguinte composição: um representante do Ministério da Ciência e Tecnologia; um representante do Ministério da Educação e do Desporto; um representante do Ministério do Exército; um representante do Ministério do Meio Ambiente e da Amazônia Legal; um representante do Ministério dos Transportes; um representante do ministério ou órgão coordenador máximo do Sistema Nacional de Trânsito; um representante do Ministério da Saúde; um representante do Ministério da Justiça; um representante do Ministério do 49 Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior; um representante da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). Ao CONTRAN compete (art. 12, CTB): estabelecer as normas regulamentares referidas no CTB e as diretrizes da Política Nacional de Trânsito; coordenar os órgãos do Sistema Nacional de Trânsito, objetivando a integração de suas atividades; criar Câmaras Temáticas; estabelecer seu regimento interno e as diretrizes para o funcionamento dos CETRAN e CONTRANDIFE; estabelecer as diretrizes do regimento das JARI; zelar pela uniformidade e cumprimento das normas contidas no CTB e nas resoluções complementares; estabelecer e normatizar os procedimentos para a aplicação das multas por infrações, a arrecadação e o repasse dos valores arrecadados; responder às consultas que lhe forem formuladas, relativas à aplicação da legislação de trânsito; normatizar os procedimentos sobre a aprendizagem, habilitação, expedição de documentos de condutores, e registro e licenciamento de veículos; aprovar, complementar ou alterar os dispositivos de sinalização e os dispositivos e equipamentos de trânsito; apreciar os recursos interpostos contra as decisões das instâncias inferiores conforme o CTB. Já os Conselhos Estaduais de Trânsito (CETRAN) e o Conselho de Trânsito do Distrito Federal (CONTRANDIFE), conforme o art. 7º, II do CTB, são órgãos normativos, consultivos e coordenadores do Sistema Nacional de Trânsito, aos quais compete (art. 14, CTB): cumprir e fazer cumprir a legislação e as normas de 50 trânsito, no âmbito das respectivas atribuições; elaborar normas no âmbito das respectivas competências; responder a consultas relativas à aplicação da legislação e dos procedimentos normativos de trânsito; estimular e orientar a execução de campanhas educativas de trânsito; julgar os recursos interpostos contra decisões das JARI e dos órgãos e entidades executivos estaduais; indicar um representante para compor a comissão examinadora de candidatos portadores de deficiência física à habilitação para conduzir veículos automotores; acompanhar e coordenar as atividades de administração, educação, engenharia, fiscalização, policiamento ostensivo de trânsito, formação de condutores, registro e licenciamento de veículos, articulando os órgãos do Sistema no Estado, reportando-se ao CONTRAN; dirimir conflitos sobre circunscrição e competência de trânsito no âmbito dos Municípios; informar o CONTRAN sobre o cumprimento das exigências definidas nos §§ 1º e 2º do art. 333 (CTB); designar, em caso de recursos deferidos e na hipótese de reavaliação dos exames, junta especial de saúde para examinar os candidatos à habilitação para conduzir veículos automotores; avocar, para análise e soluções, processos sobre conflitos de competência ou circunscrição, ou, quando necessário, unificar as decisões administrativas; dirimir conflitos sobre circunscrição e competência de trânsito no âmbito da União, dos Estados e do Distrito Federal; normatizar o processo de formação do candidato à obtenção da Carteira Nacional de 51 Habilitação, estabelecendo seu conteúdo didático-pedagógico, carga horária, avaliações, exames, execução e fiscalização. Conforme o art. 326-A, § 5º, as propostas para o Pnatrans, antes de serem submetidas ao CONTRAN, serão objetos de consulta ou audiência pública, realizadas pelos CONTRAN e pelo CONTRANDIFE, para manifestação da sociedade sobre as metas que desejam propor. Um exemplo recente deste dispositivo aconteceu no início de julho de 2018, no município de Passo Fundo/RS. O encontro foi organizado pelo Conselho Estadual de Trânsito do Rio Grande do Sul (Cetran/RS), no qual foram apresentadas as estatísticas do trânsito local e debatidas sugestões que possam impactar na redução dos índices de mortes nas vias. A audiência ocorreu na Universidade de Passo Fundo (UPF), com a presença do Legislativo e Executivo municipal, deputados, representantes de órgãos de trânsito e de segurança e da comunidade.39 No site do Detran/RS, foi noticiado outras iniciativas em cidades do Estado: Santo Ângelo, Caxias do Sul, Porto Alegre, Pelotas e Santa Maria.40 39 PASSO FUNDO/RS. Câmara de Vereadores. Estatísticas de acidentes e sugestões para a redução de mortes são apresentas em audiência. Notícias, 2018. Disponível em: < http://www.camarapf.rs.gov.br/noticia/2373/transito>. Acesso em: 10 ago.2018. 40 DETRAN/RS. Audiência pública debate trânsito em Passo Fundo e Detran/RS apresenta dados inéditos da região. Notícias, 2018. Disponível em: < http://www.detran.rs.gov.br/conteudo/51413/audiencia-publica-debate-transito- em-passo-fundo-e-detranrs-apresenta-dados-ineditos-da-regiao>. Acesso em: 30 ago. 2018. 52 As propostas apresentadas deverão ser encaminhadas ao CONTRAN até o dia 1º de agosto de cada ano. Devem, ainda, ser acompanhadas de relatório analítico a respeito do cumprimento das metas fixadas para o ano anterior e de uma exposição de ações, projetos ou programas – nos quais também serão incluídos os orçamentos - por meio dos quais se pretende cumprir as metas propostas para o ano seguinte. Essas metas serão divulgadas durante a Semana Nacional do Trânsito, em setembro, assim como o desempenho, absoluto e relativo, de cada Estado e do Distrito Federal no cumprimento das metas vigentes no ano anterior. O CONTRAN será o responsável por definir as fórmulas para apuração dos índices, assim como a metodologia para a coleta e o tratamento dos dados estatísticos necessários para a composição dos termos dessas fórmulas. As informações devem permanecer à disposição do público na rede mundial de computadores, em sítio eletrônico do órgão máximo executivo de trânsito da União. Os dados coletados serão tratados e consolidados pelo respectivo órgão ou entidade executivo de trânsito de cada Estado ou Distrito Federal, que os repassará ao órgão máximo executivo de trânsito da União até o dia 1º de março, por meio do sistema de registro nacional de acidentes e estatísticas de trânsito. Os índices serão divulgados oficialmente até o dia 31 de março de cada ano. Por fim, com os dados e índices apurados, o CONTRAN, os CETRAN e o CONTRANDIFE poderão recomendar aos integrantes do Sistema Nacional de Trânsito alterações nas ações, projetos e 53 programas em desenvolvimento ou previstos, isso para que possam atingir as metas fixadas para cada um dos Estados e para o Distrito Federal. A partir da análise de desempenho das metas fixadas, o CONTRAN, também durante a Semana Nacional de Trânsito, irá elaborar e divulgar duas classificações ordenadas dos Estados e do Distrito Federal, uma para o ano analisado, e outra que considere a evolução do desempenho dos Estados e do Distrito Federal desde o início das análises, além de relatório a respeito do cumprimento do objetivo geral de estabelecimento de metas, que é o de, ao final do prazo de dez anos, reduzir à metade, no mínimo, o índice nacional de mortos por grupo de veículos e o índice nacional de mortos por grupo de habitantes. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS: PODE TER O TRÂNSITO SOLUÇÃO A PARTIR DE FONTES NORMATIVAS? Primeiramente, é inegável, conforme dados apresentados, que o Brasil enfrenta uma verdadeira crise em relação ao número de acidentes e de mortes no trânsito. Claro que isso não é apenas um problema localizado41: a Organização Pan-Americana da 41 “A publicação [Salvar Vidas] atenta para o fato de as lesões no trânsito estarem entre as dez principais causas de morte em todo o mundo entre todas as faixas etárias. Esses eventos são responsáveis por tirar a vida de mais de 1,3 milhão de pessoas a cada ano, além de causarem uma série de lesões não fatais (estima-se que até 50 milhões de pessoas são atingidas). Globalmente, quase metade (49%) dos indivíduos que morrem nas vias são pedestres, ciclistas e motociclistas. Além disso, as lesões ocorridas no trânsito são a principal causa de morte entre jovens e adultos com idade entre 15 e 29 anos.” ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS NO BRASIL. ONU lança publicação em português com medidas 54 Saúde/Organização Mundial da Saúde (OPAS/OMS) divulgou no mês de maio de 2018 a versão em português da publicação “Salvar Vidas” 42 - um pacote de medidas técnicas para a segurança no trânsito com base em evidências científicas. Essa ferramenta tem o objetivo de apoiar os tomadores de decisão e os profissionais que atuam na área nos esforços para reduzir significativamente o número de mortes e lesões nas vias.43 Em segundo, o país tem, ao longo de sua história, mostrado uma incontestável adoração por leis ou qualquer outra fonte normativa. No caso aqui apresentado, com a lei que instituiu o Plano Nacional de Redução de Mortes e Lesões no Trânsito, não foi técnicas para segurança no trânsito. Notícias do Brasil, 2018. Disponível em: < https://nacoesunidas.org/onu-lanca-publicacao-em-portugues-com-medidas- tecnicas-para-seguranca-no-transito/>. Acesso em: 27 ago. 2018. 42 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Salvar Vidas: Pacote de medidas técnicas para a segurança no trânsito. Organização Pan-Americana da Saúde, 2018. Disponível em: < http://iris.paho.org/xmlui/bitstream/handle/123456789/34980/9789275320013- por.pdf?sequence=1&isAllowed=y>. Acesso em: 27 ago. 2018. 43 “Algumas metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) visam reduzir, ao menos pela metade, o número de mortos e feridos no trânsito até 2020, bem como oferecer sistemas de transportes seguros, acessíveis e sustentáveis para todos até 2030. Evidências científicas comprovam, por exemplo, que um aumento de 5 km/h acima da média de 60 km/h em áreas urbanas é o suficiente para dobrar o risco de acidentes fatais.[...] O pacote tem como eixos fundamentais a gestão da velocidade, a liderança na segurança no trânsito, o projeto e a melhoria da infraestrutura, as normas de segurança veicular, o cumprimento das leis de trânsito e, por fim, a sobrevivência pós-acidente. Se implementados de forma integrada, esses componentes facilitam o alcance das metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) relacionadas à mobilidade segura e sustentável.” ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS NO BRASIL. ONU lança publicação em português com medidas técnicas para segurança no trânsito. Notícias do Brasil, 2018. Disponível em: < https://nacoesunidas.org/onu- lanca-publicacao-em-portugues-com-medidas-tecnicas-para-seguranca-no- transito/>. Acesso em: 27 ago. 2018. 55 diferente. Muito embora as audiências públicas tenham dado um caráter democrático ao processo legislativo, as leis deixaram há muito tempo de ser uma construção da sociedade – se é que alguma vez isso fez parte da história nacional: são impostas de cima para baixo, imperativamente, como o ato de um soberano44, sendo até possível dizer que tal fenômeno tenha tirado o vínculo da formação do Direito com as necessidades da sociedade45. É difícil de esperar que haja cumprimento de normas fruto dessa construção, sobretudo 44 Para Ovídio Batista: “Certamente a alienação dos juristas e o seu confinamento no ‘mundo jurídico’ foram determinados por interesses políticos e econômicos da maior relevância. Não se pode, por isso, pretender a superação do paradigma racionalista sem que as atuais estruturas políticas e econômicas também se minimamente se transformem. A alienação dos juristas, a criação do ‘mundo jurídico’ – lugar encantado em que eles poderão construir seus teoremas sem importunar o mundo social e seus gestores – impôs-lhes uma condição singular, radicada na absoluta separação entre ‘fato’ e ‘direito’. [...] Enquanto juristas carregamos ainda o otimismo e a esperança de alcançarmos a certeza do Direito, embora o mundo ao nosso redor esteja literalmente de pernas para o ar [...].SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Processo e ideologia: o paradigma racionalista. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 301-302. 45 Importante leitura para compreensão desse fenômeno: “El derecho, por su inclinación a materializarse, antes de ser poder, norma o sistema de categorías formales es experiencia, es decir, una dimensión de la vida social. Urge recuperar la juridicidad
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