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Organizadoras: Karla Meura Rochele Oliveira Silva Evelin Ferreira TRAJETÓRIAS DA ADVOCACIA NEGRA Porto Alegre, 2020 Copyright © 2020 by Ordem dos Advogados do Brasil Todos os direitos reservados COMISSÃO ESPECIAL DA IGUALDADE RACIAL Presidente - Karla Meura Vice-Presidente - Artemio Prado da Silva Secretária-Geral Adjunta - Franchesca Rodrigues de Souza Organizadoras: Karla Meura Rochele Oliveira Silva Evelin Ferreira Capa: Carlos Pivetta Bibliotecária Jovita Cristina Garcia dos Santos – CRB 10/1517 O conteúdo é de exclusiva responsabilidade dos seus autores. ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL Rua Washington Luiz, 1110 – Centro – CEP 90010-460 – Porto Alegre –RS T248 Trajetórias da Advocacia Negra /Meura, Karla et.al (Orgs.). Ada Elise de Araújo Leiria...[et.al] –. Porto Alegre: OAB/RS, 2020. 101p. il. ISBN online: 978-65-88371-02-2 1. Histórias Negras. 2. Advocacia Negra. 3. Biografia. I. Evelin Ferreira, Karla Meura, Rochele Oliveira Silva. II. Título CDU 929 929 ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL - CONSELHO FEDERAL DIRETORIA/GESTÃO 2019/2021 Presidente: Felipe Santa Cruz Vice-Presidente: Luiz Viana Queiroz Secretário-Geral: José Alberto Simonetti Secretário-Geral Adjunto: Ary Raghiant Neto Diretor Tesoureiro: José Augusto Araújo de Noronha ESCOLA NACIONAL DE ADVOCACIA – ENA Diretor-Geral: Ronnie Preuss Duarte ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL - SECÇÃO DO RIO GRANDE DO SUL Presidente: Ricardo Ferreira Breier Vice-Presidente: Jorge Luiz Dias Fara Secretária-Geral: Regina Adylles Endler Guimarães Secretária-Geral Adjunta: Fabiana Azevedo da Cunha Barth Tesoureiro: André Luis Sonntag ESCOLA SUPERIOR DE ADVOCACIA Diretora-Geral: Rosângela Maria Herzer dos Santos Vice-Diretor: Darci Guimarães Ribeiro Diretora Administrativa-Financeira: Graziela Cardoso Vanin Diretora de Cursos Permanentes: Fernanda Corrêa Osório, Maria Cláudia Felten Diretor de Cursos Especiais: Ricardo Hermany Diretor de Cursos Não Presenciais: Eduardo Lemos Barbosa Diretora de Atividades Culturais: Cristiane da Costa Nery Diretor da Revista Eletrônica da ESA: Alexandre Torres Petry CONSELHO PEDAGÓGICO Alexandre Lima Wunderlich Paulo Antonio Caliendo Velloso da Silveira Jaqueline Mielke Silva Vera Maria Jacob de Fradera CAIXA DE ASSISTÊNCIA DOS ADVOGADOS Presidente: Pedro Zanette Alfonsin Vice-Presidente: Mariana Melara Reis Secretária-Geral: Neusa Maria Rolim Bastos Secretária-Geral Adjunta: Claridê Chitolina Taffarel Tesoureiro: Gustavo Juchem TRIBUNAL DE ÉTICA E DISCIPLINA Presidente: Cesar Souza Vice-Presidente: Gabriel Lopes Moreira CORREGEDORIA Corregedora: Maria Helena Camargo Dornelles Corregedores Adjuntos Maria Ercília Hostyn Gralha, Josana Rosolen Rivoli, Regina Pereira Soares OABPrev Presidente: Jorge Luiz Dias Fara Diretora Administrativa: Claudia Regina de Souza Bueno Diretor Financeiro: Ricardo Ehrensperger Ramos Diretor de Benefícios: Luiz Augusto Gonçalves de Gonçalves COOABCred-RS Presidente: Jorge Fernando Estevão Maciel Vice-Presidente: Márcia Isabel Heinen SUMÁRIO PREFÁCIO – Ricardo Breier .......................................................................................................7 APRESENTAÇÃO – Karla Meura, Artêmio Prado e Franchesca Souza ..........................................8 Ada Elise de Araújo Leiria .........................................................................................................9 Antonio Carlos P. Rosa ........................................................................................................... 12 Artêmio Prado da Silva .......................................................................................................... 15 Beatriz da Rosa Vasconcelos .................................................................................................. 18 Carlos Antônio Carvalho Santos ............................................................................................. 21 Daniela da Rosa ..................................................................................................................... 22 Denilson José da Silva Prestes ................................................................................................ 24 Denise Teresinha Pedroso Zilch .............................................................................................. 27 Dorival Sebastião Ipê da Silva ................................................................................................ 30 Franchesca Rodrigues de Souza .............................................................................................. 33 Geisa Carmo da Silva ............................................................................................................. 35 Jurema Praxedes Tubias Quadros ........................................................................................... 38 Karla Regina Meura da Silva .................................................................................................. 42 Lucia Helena dos Santos ......................................................................................................... 47 Luis Alberto da Silva .............................................................................................................. 49 Luiz Alves .............................................................................................................................. 52 Maria do Carmo Santos da Silva ............................................................................................. 61 Mauren Lisiane Acosta Amaral ............................................................................................... 65 Nereidy Rosa Alves ................................................................................................................ 68 Patrícia Alves Marques da Silva.............................................................................................. 71 Patricia de Aguiar Soares Nunes ............................................................................................. 77 Patricia Oliveira ..................................................................................................................... 80 Renata Santos ....................................................................................................................... 83 Rochele Oliveira Silva............................................................................................................. 85 Romildo Marques da Rosa ..................................................................................................... 88 Tainara Caceres Rodrigues ..................................................................................................... 94 Tatiana dos Santos Schuster ................................................................................................... 99 7 PREFÁCIO É com grande satisfação que vemos ser entregue à sociedade gaúcha mais uma contribuição envolvendo as Trajetórias da Advocacia Negra. Os relatos trazidos neste e-book realizado pela Comissão Especial de Igualdade Racial (CEIR) da OAB/RS são fundamentais para termos a dimensão das dificuldades encontradas por advogados e advogadas negras em suas caminhadas profissionais. Ao mesmo tempo, registram trajetórias de superação e inspiração para novas gerações. A obra 'Trajetórias da Advocacia Negra' amplia o horizonte dos perfis trazidos no primeiro livro publicado pela CEIR OABRS, intitulado '(Re) conhecendo Histórias Negras', onde foram registradas 52 figuras influentes em cinco áreas de atuação:direito, ciências, literatura, processo abolicionista e política. Desta vez, são 18 advogados e advogadas que dão seu testemunho e enriquecem a bibliografia da contribuição da advocacia negra no Rio Grande do Sul. A leitura das histórias de vida emociona e, ao mesmo tempo, provoca a reflexão da permanente necessidade de se assegurar espaços em busca da igualdade racial. Seja com colegas de Porto Alegre ou do interior do Estado, é possível perceber traços de similaridade na superação de obstáculos que existem em razão da questão racial. A questão do preconceito racial é um tema da atualidade, basta ver a repetição de casos envolvendo negros na sociedade. Enfrentar e jogar luzes sobre essa situação é papel fundamental exercido pela OAB/RS São esses testemunhos verdadeiros e objetivos que reforçam a importância de termos dentro da nossa Ordem a Comissão Especial de Igualdade Racial (CEIR). Embora relativamente nova, é uma comissão com um grande protagonismo e propositora de grandes eventos e distinções dentro da nossa instituição. Em nome das organizadoras do e-book, Karla Meura, Rochele Oliveira e Evelin Ferreira e da Diretora da Escola Superior da Advocacia da OAB/RS (ESA/RS), reconheço a valiosa contribuição de mais esta obra. É preciso seguir abrindo espaços e enaltecer aqueles que contribuem e fazem a diferença em suas áreas de atuação. Boa leitura a todas e todos! Ricardo Breier Presidente da OAB/RS 8 APRESENTAÇÃO A publicação desta obra tem o objetivo de potencializar o trabalho de valorização da Advocacia Negra realizado pela Co-missão Especial de Igualdade Racial pela OAB do Rio Grande do Sul. Nossas ações são resultado de uma diretriz implementada pelo Presidente Ricardo Breier, no sentido de que a Instituição acolhe a Diversidade de forma ampla e democrática, repelindo o racismo, a homofobia, o machismo e a xenofobia, assim como todas as formas de discriminação. Tendo em vista de que a Ordem dos Advogados é a Casa da Cidadania, também é o lar daqueles que juraram respeitar e defender os ditames da Constituição Cidadã. Tomada de um ponto de vista individual, a trajetória da Advocacia Negra pode se resumir a um esforço singular. Entretanto ela é muito mais do que isso. Em verdade cada Trajetória é o resultado da união de esforços e competências de pessoas que vieram antes de nós. Cada advogada e advogado negro traz consigo a responsabilidade de honrar as oportunidades que recebem como fruto de muito trabalho, pesquisa, dedicação e perseverança que a coletividade investiu em nosso crescimento pessoal e profissional. Falamos de nossas avós e avôs, de nossos pais e mães, de tias e tios, madrinhas e padrinhos e toda a ancestralidade que sempre nos desejaram uma vida melhor e com mais oportunidades do que eles próprios tiveram. O fato de podermos retratar nossas experiências de vida profissional nesta obra é uma forma de testemunho de que eles tiveram pleno êxito em seus objetivos. E também nos dá a oportunidade de agradecê-los. Também acreditamos que é uma forma de mostrarmos que a jovem advocacia negra não está sozinha e que é importante caminharmos juntas e juntos para dar continuidade às conquistas no Sistema OAB, visto que é crescente o número de Advogadas e Advogados Negros em nossa Instituição. Pretendemos, assim, fortalecer o entendimento de que podemos ocupar todos os lugares, seja nos Conselhos, nas Comissões, nas Presidências, nas Caixas da Assistência, nas Escolas Superiores da Advocacia e nos demais departamentos da Ordem dos Advogados do Brasil. Acreditamos que a visibilidade da Advocacia Negra demorou a chegar a nossa Casa. Mas ficamos felizes em estarmos vivenciando este momento, que tomou forma com a Co-missão Especial de Igualdade Racial, que através de seu trabalho, busca dar forma ao preceito constitucional de igualdade entre todas as pessoas. Através do trabalho da Co-missão, nós podemos atingir aquelas pessoas mais necessitadas, assim como também podemos olhar por aqueles colegas negros que encontram problemas para o desempenho de seu trabalho dentro dos órgãos que compõem o Poder Judiciário. Por fim, com imensa alegria, ressaltamos que o lançamento dessa obra se dá também em comemoração ao aniversário de dois anos de criação da Co-missão Especial de Igualdade Racial da OAB/RS. Que esta Comissão possa continuar prestigiada em seu trabalho, ajudando a democratizar nossa Casa por dentro e por fora, e assim tornando cada vez mais visível o valor da Advocacia Negra do Rio Grande do Sul. E assim escrevemos: “Co-missão” porque entendemos que fazemos parte de uma ‘missão coletiva’ e de um projeto ancestral. Desejamos uma excelente leitura, de muitos aprendizados com “As Trajetórias da Advocacia Negra”. Karla Meura Presidenta da CEIR OABRS e Conselheira Seccional Artêmio Prado Vice-presidente da CEIR OABR Franchesca Souza Secretária Geral Adjunta da CEIR OABRS 9 RESISTIR PARA EXISTIR Ada Elise de Araújo Leiria Acadêmica do Curso de Graduação em Direito – PUCRS OAB/RS 51E666 - E-mail: adaleiria@gmail.com Meu nome é Ada Elise, tenho 36 anos, nasci e cresci em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, sou estudante do curso de Direito, na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS. A minha trajetória acadêmica teve início em 2003, quando ingressei no curso de Pedagogia, na Uniritter, mas devido às circunstâncias e das escolhas da vida o sonho de concluir o curso superior ficou para trás. Diante da busca por uma profissão e colocação no mercado de trabalho, decidi fazer um curso técnico em enfermagem, concluí em 2011 e no mesmo ano fui contratada para ocupar o cargo técnico na Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre. No decorrer do exercício da minha profissão refleti sobre a minha capacidade para dar continuidade aos estudos e pensei na graduação de Enfermagem, mas percebi que a área da saúde não era a minha paixão. Em 2012, ingressei no curso de Licenciatura em Ciências Sociais na PUCRS, porque acreditava que a sociologia era a minha vocação, porém, no percurso do primeiro semestre constatei que não. Diante dessa análise e reflexão, decidi solicitar a transferência interna para outro curso e escolhi o Direito. 10 No início do curso de Direito, observei as semelhanças com o curso anterior, pois as disciplinas introdutórias abordavam os fundamentos das Ciências Sociais e me deparei novamente com o meu principal obstáculo, a dificuldade na leitura. Pensei em desistir inúmeras vezes, mas prossegui. Esse é o meu caminho, hoje eu tenho certeza disso. Em 2017, decidi abandonar a minha profissão como técnica de enfermagem para acelerar e direcionar o foco na conclusão do curso de Direito, eu não consegui conciliar a faculdade, trabalho e família. A autora Djamila Ribeiro1 se posiciona em sua obra referindo que Muitas vezes, casos de pessoas negras que enfrentam grandes dificuldades para obter um diploma ou passar em um concurso público são romantizados. Entretanto, ainda que seja bastante admirável que pessoas consigam superar grandes obstáculos, naturalizar essas violências e usá-las como exemplos que justifiquem estruturas desiguais é não só cruel, como também uma inversão de valores. Não deveria ser normal que, para conquistar um diploma, uma pessoa precise caminhar quinze quilômetros para chegar à escola, estude com material didático achado no lixo ou que tenha que abrir mão de almoçar para pagar um transporte. No mesmo ano, me matriculei numa disciplina eletiva “Educação, Cultura, e Relações étnico-raciais”, ministrada pela professora Dra. Leunice Martins de Oliveira, a qual me inspirou a abordar sobre a temática racial no meu trabalho de conclusão de curso, principalmente, por me representar como mulher negra dentro de um espaço que raramente viabiliza a representatividadenegra em seu corpo docente. No final de 2019, apresentei o meu trabalho de conclusão como escopo principal a análise da constitucionalidade inerente à Lei nº 12.990 de 2014, a qual reserva aos negros 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas em concursos públicos, para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União, visando a observar a eficácia da política pública e ação afirmativa de promover a igualdade econômica e social, que viabiliza a inserção da população negra na sociedade, sobretudo, dos critérios adotados para a garantia do direito fundamental previsto no artigo 5º da Constituição Federal de 1988, acerca do princípio da igualdade. 2 1 RIBEIRO, Djamila. Pequeno Manual Antirracista. São Paulo: Companhia das Letras, 2019. p. 47-48. 2 Artigo extraído como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito, na Escola de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS, sob a orientação da Prof. Dra. Caroline Vaz. 11 Obtive ótimo resultado, o trabalho de conclusão do curso foi nota DEZ e o artigo foi indicado à publicação. Foi um dia inesquecível e muito especial, pois recebei o apoio dos meus familiares e de pessoas amigas, que estavam presentes naquele momento. Naquele dia, eu pude compreender de fato o verdadeiro significado da palavra RESISTÊNCIA, falar sobre a nossa história reafirma a luta e a força que vem da nossa ancestralidade. Entretanto, precisamos reforçar cada vez mais a importância da abordagem sobre os temas raciais dentro da academia, o racismo não pode ser tratado como tema secundário, ele precisa ser debatido constantemente e com urgência, principalmente no cenário atual em relação à pandemia de COVID-19, que acentuou o racismo no Brasil e em outros países no mundo. Nesse seguimento, aproveita-se dos ensinamentos de Silvio Almeida3 que expõe: [...] o racismo é uma decorrência da própria estrutura social, ou seja, do modo “normal” com que se constituem as relações políticas, econômicas, jurídicas e até familiares, não sendo uma patologia social e nem um desarranjo institucional. O racismo é estrutural. Comportamentos individuais e processos institucionais são derivados de uma sociedade cujo racismo é regra e não exceção. A pandemia do novo coronavírus trouxe os desafios da adaptação de rotina e muitas incertezas para a maioria das pessoas, inclusive para mim, que também tive os planos frustrados e com a suspensão das aulas presenciais tive que me adequar à modalidade do ensino a distância, mas diante da dificuldade na aprendizagem decidi cancelar algumas disciplinas. Enfim, tive que superar as inquietações acerca dos preparativos para a formatura, das incertezas sobre a previsão do próximo exame da Ordem dos Advogados Brasil, sobretudo da minha perspectiva sobre o meu futuro profissional. Resistir para existir. A luta ainda não acabou! “Sempre que penso em Zumbi dos Palmares, reafirma-se a minha confiança na história, na capacidade do tempo de rever e recontar a história, em aliança com os seres humanos sinceramente empenhados na busca da verdade. ” (CARNEIRO, 2011, p. 103).4 3 ALMEIDA, Silvio Luiz de. Racismo estrutural. São Paulo: Sueli Carneiro; Pólen, 2019. p. 50. 4 CARNEIRO, Sueli. Racismo, sexismo e desigualdade no Brasil. São Paulo: Selo Negro, 2011. p. 103. 12 ENSAIOS Antonio Carlos P. Rosa Coordenador da Comissão Especial da Igualdade Racial da Subseção OAB/RS Pelotas da OAB/RS, Pelotas. Sou Antonio Carlos, advogado, preto, Coordenador da CEIR da OAB/RS, Pelotas. Minha cidade foi um dos berços escravagistas da região sul. Me formei na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Pelotas no ano de 2004, em uma turma composta por 42 (quarenta e dois) formandos, na qual eu era o único preto. Em 2005 fui aprovado no Exame da OAB, mas, somente pude passar a exercer a advocacia em 2011, quando me aposentei na carreira pública de Escrivão de Polícia da Polícia Civil do Rio Grande do Sul. Avalio que o reconhecimento de minha trajetória como advogado representa o rompimento abrupto com o processo de submissão ao regime de trabalho braçal que fez parte de todas as gerações de minha família paterna e materna, nas quais, até então, a regra era “ter um trabalho”. Meu pai era pedreiro e músico e minha mãe, transitava entre as lides e do lar, empregos como doméstica, faxineira e trabalhadora safrista. Fui o primeiro de todas as gerações de minha família (paterna e materna) a ingressar e concluir o ensino superior. Reconheço que a minha caminhada profissional na advocacia foi bastante impulsionado por minha trajetória anterior no serviço público, mais precisamente, no Corpo de Bombeiros e também na Polícia Civil Gaúcha. 13 Tal circunstância me concedeu certa bagagem funcional um pouco diversa daqueles advogados negros iniciantes na carreira, pois estava vindo de ambientes onde o racismo se fazia presente, rotineiramente, nos quais haviam apenas duas escolhas: enfrentar ou silenciar. E minha escolha foi sempre a primeira alternativa. E essa opção me rendeu algumas intercorrências profissionais, em especial, na carreira interior, dentre elas, uma ameaça de demissão do serviço público, por um delegado de polícia, após eu ter afirmado, durante uma discussão a respeito de trabalho, que “a escravidão já havia acabado no Brasil”, que respondeu nos seguintes termos: “vou dar um jeito de botar esse negro ‘pra’ rua da polícia, por me desrespeitar. ” Não conseguiu! Digo isto, para concluir que a advocacia já estava em mim, escondida naquela “rebeldia sadia”, por essa sede de justiça social que eu não entendia muito bem, até determinado momento da minha trajetória. E ao longo dos anos, em contato com a juventude negra da minha cidade, em especial, os jovens da ONG ODARA, os meninos da Escolinha de Futebol “Moleques de Vila”, além de jovens estudantes de escolas públicas e de nossas universidades locais, fui me dando conta da importância desta representatividade personificada na minha presença nestes espaços. Isto me trouxe uma consciência e amadurecimento a respeito da importância da minha presença, enquanto advogado, seja na comunidade propriamente dita, seja nos espaços públicos ou privados, nos quais os pretos, infelizmente, ainda se fazem ausentes, a exemplo de nossos tribunais e outros tantos lugares. Interpreto que antes de mim, outros pretos se doaram, literalmente; muitos perderam a vida, para que a minha geração pudesse chegar até aqui. Sendo assim, entendo que nosso processo evolutivo, nos próximos tempos, nos permitirá caminharmos no sentido de nos colocarmos, tanto na advocacia, como em outras tantas áreas do conhecimento, na condição de maioria. E exemplificativamente, a imagem acima, relativa à Faculdade de Direito da UFPel, nos demonstra esse caminho. Já não somos mais apenas um acadêmico preto, por turma; estamos chegando, e chegando em massa, com o objetivo de ocupar os espaços que nos foram negados. 14 Temos muito ainda a conquistar, em termos de reconhecimento e para isto, entendo que a advocacia negra precisa trabalhar unida e sintonizada, de forma que as diferenças de pensamentos e opiniões de natureza pessoais, sejam encaradas positivamente, no sentindo de crescimento e amadurecimento conjunto, para que todos possamos, efetivamente, evoluir em todos os aspectos pretendidos, pois afinal, nossa filosofia é UBUNTU. Antonio Carlos P. Rosa Advogado militante, formado em Direito pela Faculdade de Direito da UFPel, em 2004; Especialista em Educação e Relações Étnico-Raciaispela Faculdade de Educação da UFPel; Membro da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil – Subseção de Pelotas, gestão 2016/2018. Ex-Presidente do Núcleo Regional da UGEIRM Sindicato dos Escrivães, Inspetores e Investigadores de Polícia do RS; Sócio Fundador da ONG ODARA – Centro de Ação Social Educacional, Social e Cultural; Membro da Comissão de Hetero identificação da UFPel, 2016/2017. Escrivão de Polícia, aposentado, da Polícia Civil do RS. . 15 ENSAIOS Artêmio Prado da Silva Formado em Ciências Jurídicas e Sociais na Universidade Federal do Rio Grande do Sul em 23 de dezembro de 1987, e inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil Secção Rio Grande do Sul em 1988. Advogado Civilista, e atual Vice-Presidente da Comissão Especial de Igualdade Racial da OAB/RS. Inscrito OABRS 25.211 O que representa o reconhecimento de minha trajetória como um advogado negro para você, para a comunidade e para a sociedade? Para responder a esta questão, eu preciso retornar ao momento em que decidi fazer o Curso de Ciências Jurídicas e Sociais, e me tornar especificamente um advogado. Basicamente a Advocacia é aquele ramo do Direito que nos dá uma visão ampla das formas de relações que permeiam e movimentam a vida em sociedade. O que nos leva a ter um sentimento do quanto as pessoas têm suas vidas tocadas e influenciadas quando ocorre o entrechoque de suas pretensões com as pretensões de seus semelhantes. Naquele momento em que termina o direito de um e começa o direito do outro. E no meio desse fenômeno social, o Advogado surge como o agente que vai representar o indivíduo na busca do seu direito perante a Justiça. O advogado é um elemento ativo, que na representação de seu cliente, ele provoca Poder Judiciário (Juiz), o que vai desencadear a Relação Processual. 16 Diferentemente de Juízes e Membros do Ministério Público, o Advogado não está inserido em uma redoma de vidro, vivendo numa realidade virtual, onde se acredita que vivemos num Conto de Fadas, onde o mundo é perfeito. Nós vivenciamos a dura realidade da vida no Brasil. Onde as injustiças sociais permeiam todos os principais campos do direito. Seja nas áreas Cível, criminal, trabalhista e previdenciária. Na prática a lei não é igual para todos e o acesso à Justiça é por demais oneroso. As pessoas mal possuem renda para se alimentarem, para tratarem de sua saúde, para se locomoverem, para sustentarem seus filhos, quanto mais para buscarem seus direitos perante o Judiciário. As pessoas das quais eu me reporto são as pessoas pobres e dentre estas, a maioria é a População Negra. Um grupo social invisível perante as autoridades dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário de União, Estados e Municípios. Nossa população apesar de ser a maior em termos populacionais, não possui a menor representatividade nas esferas de poder em nosso país. E isto contribui para o aumento abissal da desigualdade no Brasil, o que se reflete de forma ainda mais acentuada no Estado do Rio Grande do Sul, onde está chaga social se mostra ainda mais acentuada. Esta chaga tem um nome, Racismo. E ele é resultado dos 400 anos de escravidão impostos aos negros trazidos a este país e que apesar de contribuírem com seu sangue literalmente, para impulsionar seu desenvolvimento. Os mesmos foram “libertos”, ou seja, forma simplesmente largados na natureza, o que sedimentou a marginalização dos negros e cujos reflexos são sentidos até os dias de hoje. O que me levou a abraçar a Advocacia foi a possibilidade de poder ajudar meus irmãos, e todas aquelas pessoas que precisam buscar seus direitos, e que por sua condição não são ouvidas por outros profissionais do Direito, e mesmo por Defensores Públicos, mas que apesar do descaso, merecem reclamar seus direitos. E como advogado negro, eu me sinto no dever de procurar ajudar a todas as pessoas que buscam por ajuda profissional, conselhos e muitas vezes até para uma palavra amiga. Eu procuro não apenas ajudar, como estimular as pessoas a lutarem por seus objetivos. E se no processo, eu posso inspirá-las, é algo muito gratificante. 17 Mas nem tudo são flores, existem os espinhos... O fato de sermos negros e por atuarmos numa profissão predominantemente branca, nos deparamos com o Racismo dentro do Poder Judiciário. E que nos aborda desde o momento em que entramos nos foros ou tribunais, até o momento em que somos atendidos nos cartórios ou secretarias. O Poder Judiciário não sabe lidar com advogados negros, e nisso se incluem estagiários, terceirizados, funcionários, juízes e desembargadores. Necessário se faz um treinamento educacional de combate ao racismo para membros e funcionários do Judiciário. Em relação ao nosso Órgão de Classe, eu não me sentia acolhido pela Casa da Cidadania. Não via na OAB/RS, um catalisador da Advocacia Negra. Porém esta visão mudou em 2018, quando o Presidente Ricardo Breier criou a Comissão Especial de Igualdade Racial, que tem como primeira Presidente a Dra. Karla Meura. No primeiro semestre de 2019, após conversar com a Dra. Karla, eu fui conhecer a Comissão, de forma totalmente despretensiosa, e hoje estou vice-presidente, e pude ter a oportunidade de conhecer colegas maravilhosos, e que me acolheram de forma muito afável. E começamos a desenvolver um trabalho de forma promissora, em perdermos a consciência de que estamos no começo e que muito ainda deve ser feito. A partir do momento em que começamos a nos tornar visíveis dentro da OAB/RS, sendo que o processo ainda não está completo, mas estamos caminhando para concluí-lo. Penso que este pode ser o começo do nosso reconhecimento como profissionais do direito, consequentemente como advogados negros dentro da comunidade da advocacia, e perante nossa sociedade. É uma porta que se abre, porém ainda temos um caminho a fazer para que este conhecimento seja pleno. Acredito que ele estará completo quando formos visíveis e reconhecidos pelos outros elementos formadores do Poder Judiciário, como juízes, promotores, e outras autoridades. Ou seja, quando formos efetivamente reconhecidos como advogados e respeitados como tal independente da corda pele e do sexo. 18 ENSAIOS Beatriz da Rosa Vasconcelos Advogada negra e feminista, formada pela URCAMP, em Bagé. OABRS- 22018. Advogo há 35 anos. Pautei minha vida profissional na perspectiva dos direitos humanos, trabalhando com os temas de gênero, raça e acesso à Justiça. Nasci numa família de trabalhadores: meu pai era operário e minha mãe eratrabalhadora doméstica. Com o esforço do trabalho, eles oportunizaram estudos para suas duas filhas, uma formou-se emDireito, a outra, em História. Poucas mulheres negras da minha geração tiveram a chance de estudar eexercer a advocacia. Assim, minha ação política se focou na defesa dos/dasexcluídos/das. Ao longo da vida, tive a oportunidade de trabalhar em organizações sociais eem órgãos governamentais. Trabalhei no Sindicato das Trabalhadoras Domésticas,onde prestei assessoria jurídica por sete anos. Na organização feminista Themis – Gênero, Justiça e Direitos Humanos, euacolhia e ajuizava ações de mulheres em situação de violência doméstica,moradoras da periferia de Porto Alegre. Nessa instituição não governamental, também participei do programa de formação das Promotoras Legais Populares (PLPs). Essas lideranças comunitárias femininas, mulheres pobres e mestiças,recebem formação em Direito para a qualificação do ativismo social e a atuação em redede solidariedade. Minha prática advocatícia foi sendo direcionada para a defesa das trabalhadoras 19 domésticas e de mulheres populares em situação de violência, em sua maioria mulheres negras.Em 2014/2015,coordenei o projeto - TrabalhadorasDomésticas: construindo igualdade no Brasil -, realizado em oito capitais brasileiras, com oobjetivo de fortaleceros sindicatos da categoria frente à nova legislação,que estendia direitos aostrabalhadores e às trabalhadoras domésticas, equiparando-os as demais categorias profissionais. Na esfera governamental, trabalhei na equipe técnica da Ouvidoria da Segurança Pública do Rio Grande do Sul. A função era o atendimento às pessoas vítimas de abusos cometidos pelas polícias civil e militar, em sua maioria, jovens negros e pobres. Na Secretaria Municipal de Segurança Pública de São Leopoldo prestei assessoria jurídica e atuei na formação em direitos humanos para a Guarda Municipal e no atendimento à população vitimada pela violência. No Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP/RS), trabalhei no Centro de Apoio e Operações de Direitos Humanos e na Promotoria da Violência Doméstica e Familiar. Em paralelo a minha atividade profissional, desenvolvo ações de formação política com comunidades periféricas.Com o Centro Ecumênico de Cultura Negra (CECUNE), ministrei cursos para mulheres negras, em escolas no Rio Grande do Sul. Com o Instituto de Direitos Humanos, Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (IDHESCA), participei de atendimentos aos familiares de presos junto à Promotoria de Controle e Execução Criminal (MP/RS). Com o Movimento de Consciência Negra Palmares de São Leopoldo atuei na assessoria jurídica para vítimas de racismo e crianças e adolescentes em situação violência e vulnerabilidades. Atualmente, faço parte do Instituto AKANNI de Pesquisa e Assessoria em Direitos Humanos, Gênero, Raça e Etnias. A entidade desenvolve projetos de prevenção de violência racista e de gênero, especialmente junto a escolas, no fortalecimento de políticas afirmativas, na garantia de direitos aos quilombolas e no apoio aos refugiados de origem africana e centro-americana. O meu trabalho cotidiano tem sido sistematicamente realizado para estabelecer dignidade entre homens, mulheres e crianças, diminuindo asdesigualdades econômicas e sociais e promovendo os direitos humanos enquanto plataforma de garantia de 20 políticas de promoção de equidade com respeito às diferenças. 21 ENSAIOS Carlos Antônio Carvalho Santos Me formei em na Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica, no ano de 1976. Iniciei minha carreira com o Dr. Obede Vianna quando ainda não estava formado, sendo estagiário. Após a formatura ingressei no escritório como sócio. Foi um passo importante e que me encorajou a seguir incentivando outros colegas a investirem na advocacia. Sempre atuei com foco nas áreas trabalhista e do Direito da Família. Lembro que 1990 o cenário da advocacia era muito favorecido pela conjuntura do país, eu recebia em dólares, inclusive. Desde minha formação o escritório sempre foi localizado no bairro Santana, na Cidade de Porto Alegre/RS. Já estou totalizando 44 anos de atuação na profissão. Já aposentado, permaneço exercendo minhas atividades com a mesma dedicação e empenho de sempre. Destaco que sempre tive muito carinho e atenção por meus clientes, mesmo fora do horário comercial, quando eventualmente necessário. 22 ENSAIOS Daniela da Rosa OAB/RS 71.236 Sou Daniela da Rosa, filha de Eloir Oscar da Rosa e Vera Maria da Rosa, a caçula entre quatro irmãos, e talvez por isso, a única que pode escolher fazer um curso de nível superior, pais de profissão pedreiro e empregada doméstica, com pouca escolaridade, mesmo com as dificuldades financeiras que enfrentaram sempre acreditaram e apoiaram o meu sonho. Com muito esforço cursei graduação na Unisinos ingressando no ano 2000, colando grau em 2006/2, regressei a minha cidade em Capão da Canoa e no ano de 2009 montei meu próprio escritório na casa de meus pais, de forma muito simples, mas com muita coragem empreendi em carreira solo na profissão da advocacia, vencendo todos os obstáculos financeiros, preconceitos raciais e sociais. A cada vitória processual, a cada novo cliente sentia que honrava a minha ancestralidade pois muitos deram a sua vida na formação da nossa sociedade brasileira e que até hoje ainda é negado a nossa história e o reconhecimento da nossa fundamental participação na construção do nosso país. No ano de 2015, desejando ampliar a área de atuação fui buscar parceria em outros escritórios, oportunidade em que fui trabalhar com o colega Miguel Glashorester Severo, 23 ex presidente da OAB subseção de Capão da Canoa, de quem recebi importante incentivo para participar do sistema OAB/RS, começando então a minha trajetória fui conselheira na gestão de 2015, assumi a presidência da Comissão da Mulher Advogada da OAB subseção Capão da Canoa em 2016, dois anos depois, para minha surpresa fui convidada pela futura candidata, na época à Presidência da subseção Rosana Brogni para ser vice-presidente. Eleitas então, chego hoje como Vice-presidente da subseção, superando muitos desafios, mas com muito orgulho do trabalho que desenvolvo no escritório e junto a sociedade dentro do sistema OAB, agradeço imensamente esta instituição que muito se dedica a fazer o seu papel enquanto defensores da cidadania colocando em prática atitudes antirracistas construindo ações para a visibilidade da advocacia negra. 24 A TRAJETÓRIA PROFISSIONAL E A DESCONSTRUÇÃO RACIAL EM NOSSA SOCIEDADE Denilson José da Silva Prestes OAB/RS 35.465 Quando se fala em trajetória profissional, inegável lembrar que durante toda a minha formação, o fato de ser o único negro entre o restante dos estudantes nos bancos acadêmicos, já me remete ao enfrentamento das dificuldades que pautariam a minha caminhada profissional. Nesse processo de qualificação, busquei no mundo acadêmico e com vistas a galgar futuramente no âmbito profissional, um concurso vestibular em um dos cursos mais concorridos, o Curso de Ciências Jurídicas e Sociais- Direito. Registre-se, que nessa trajetória fui desbravando corajosamente os espaços aos quais almejei conquistar, pois como disse anteriormente, ainda vivemos em uma sociedade que discrimina e que exclui um grande número de pessoas negras. E neste cenário, em busca de uma qualificação profissional, não é diferente ressalta-se aqui os gestores de 25 empresas, calcados com animus preconceituoso e racista no qual alijam os profissionais negros do mercado. Nesse diapasão, para citar dados de acordo com o Censo Jurídico 2018, os advogados negros representam menos de 1% do corpo jurídico em grandes escritórios ressaltando que estamos falando de um país onde a maioria da sua população é composta por negros (60%). Todavia, algumas vezes, ouvi pessoas dizerem que eu não tinha cara de advogado, ou me confundirem com alguém que trabalha no escritório em qualquer outro cargo, ou então me questionei qual a cara que deve ter um advogado diante a sociedade? Somente brancos são capazes de ocupar determinados cargos? Onde está a diferença? Na nossa capacidade como indivíduo? No nosso intelecto? Ou será que a cor5 da nossa pele explica com maior clareza essa discriminação? Estas são algumas provocações que divido com vocês. Neste triste cenário, ao que parece está longe de deixar atingir nossa comunidade negra, e porque refiro isto! Faço esta afirmação, pois se depreende que diariamente fatos como este referido anteriormente, acontecem diariamente em todos os rincões do Brasil, nas empresas, e inclusive em nossos Tribunais! A repercussão dessas ponderações na ordem jurídica e social, são reais e bem comuns ainda nos dias atuais. Neste contexto, sempre pautei com objetivos bem definidos, finalizei minha graduação e segui meus estudos com pós-graduação e mestrado, sempre me atualizando em cursos de extensão até o presente momento! Não resta dúvida, e acima de qualquer dificuldade que tenha cruzado em minha vida profissional, jamais penseiem desistir! Desta forma, é preciso que persistamos e que possamos conscientizar a juventude, os universitários, aqueles que estão iniciando uma carreira, que apesar de nossa luta ser um tanto árdua pelo reconhecimento dos nossos direitos, ela só é capaz de ser vencida através da nossa persistência, da nossa voz em espaços que ainda hoje são reduzidos, como os cargos de maior visibilidade e ascensão profissional nas organizações. 5 Ao reduzir o corpo e o ser vivo a uma questão de aparência, de pele e cor, outorgando a pele e a cor o estatuto de uma ficção de cariz biológico, os mundos euro-americanos em particular fizeram do negro e da raça duas versões de uma única e mesma figura։ a da loucura codificada. (Miriam Eliav-Feldon, Benjamin Isaac e Joseph Ziegler, The Original of Racism in the West, Cambridge University Press, Cambridge, 2009. (Grifei). 26 Sob este ângulo, fundamental conhecer sobre as relações raciais no Brasil e no mundo para questionar e atuar de maneira mais contundente para desnaturalizar os lugares raciais de cada grupo: Estado no sentido macro, Sociedade e no Poder Judiciário. A resiliência e resistência fazem parte da minha caminhada profissional! A minha luta continua sim, e a sua? 27 ENSAIOS Denise Teresinha Pedroso Zilch Toda história tem um início, um porque, como diz Mano Braw, tudo começa com "um motivo para". Eu posso dizer que meu motivo foi descoberto com 12 anos, enquanto fazia a 6º série do ensino fundamental. Até então, eu era a única filha mulher, da família negra, pobre, periférica, sem qualquer histórico de estudo ou diplomas. Meu pai pedreiro sempre trabalhou incansavelmente para dar o melhor para os três filhos, mesmo não tendo tudo que desejamos tínhamos o suficiente para viver. Minha mãe dividia o tempo das faxinas com a educação dos filhos. Sempre frequentei escola pública e posso dizer que gostava de me dedicar aos estudos. Com 11 anos comecei a trabalhar como baba e auxiliar a mãe nas faxinas, enquanto meus irmãos já estavam puxando carrinho nas obras junto com o pai. O estudo sempre foi prioridade lá em casa. Com 12 anos, uma professora de chegou pra mim e perguntou que profissão gostaria de seguir, eu fiquei sem resposta, porque até aquele momento, pra minha realidade, não tinha essa história de profissão, o importante era trabalhar para sobreviver. Depois de plantar essa sementinha, a mesma professora começou a me incentivar de várias formas. Descobri então a facilidade na escrita, na fala e na comunicação, que me levou a objetivar a profissão de repórter. A partir daí, meu sonho estava direcionado para o Jornalismo, mesmo sem ter qualquer noção do caminho a ser percorrido. 28 Me formei no ensino médio, já com emprego fixo (na área administrativa de um hospital), podendo então arcar com as mensalidades de uma faculdade. No mesmo ano fiz a prova do Enem e prestei vestibular para a tão sonhada habilitação em jornalismo. Nesta época o direito era a penúltima opção de uma lista de cinco possíveis graduações. Ao receber uma boa pontuação na prova e me inscrever na universidade, pelo sistema de cotas para pardos e negros, acabei conseguindo uma bolsa integral, justamente para direito. Enquanto a família e amigos próximos vibraram com tudo isso, eu só conseguia alimentar a dúvida: ir atrás do sonho ou fazer uma faculdade sem custo? E nesse momento a razão falou mais alto, iniciei no direito no ano de 2006. Alguns meses depois acabei perdendo o emprego e iniciei os estágios em vários escritórios e órgãos públicos da Cidade. Tudo isso agregou muito conhecimento, experiências e me fez apaixonar pela carreira. Nesse meio tempo teve casamento, filhos, mudanças, novos empregos e alguns semestres interrompidos. Lembro muito bem dos dias que chegava em casa as 18 horas, depois de um do trabalho, pegava meu filho no colo enquanto comia qualquer coisa e em meia hora estava embarcando no ônibus até a universidade. Nessa época, minha forca vinha da minha rede de apoio: marido, pais, sogra. Eu tinha motivos para ir além. Diferente dos filmes, a Universidade não era um lugar alegre, de sorrisos, festas e muitos amigos. Eu era a única negra da sala, isso por longos semestres, nunca me encaixei nos grupos dos nerds, dos festeiros, dos almofadinhas, das modeletes, dos zoeiros ou dos zuados. Era simplesmente eu, só queria aprender e terminar tudo aquilo. Em 2015 eu estava planejando meu último ano: conciliar trabalho, estágios e projeto de TCC. Então descobri minha terceira gravidez, um grande susto, agora mais do que nunca precisa me formar. Em um surto, nada heroico, resolvi conciliar em um semestre, trabalho, filhos, casamento, estágios, ultimas disciplinas da graduação (as 6 que ainda faltavam) projeto de tcc e tcc, e ainda, a prova da ordem; resumindo, me formei em agosto de 2015, grávida de seis meses. Foram lágrimas de alegria, alivio e orgulho. Nunca vou esquecer meu pai e minha mãe sentadinhos na primeira filha, com uma rosa na mão, acompanhando cada passo. A única formanda da família que se tem notícia. Minha mãe, sonhadora, sempre dizia que depois da formatura tudo ia melhorar, mal sabia ela (e eu também) que este seria só a primeira batalha. Trabalhava em um bom escritório, mas como de praxe em início de carreira, a rotina era massante, o salário era baixo e a valorização, zero. 29 Um ano depois da formatura, uma amiga fez uma proposta de sociedade, um escritório próprio, no início relutei, afinal, a minha zona de conforto incluía a estabilidade de um emprego fixo. Em uma das nodas conversas (eu razão, ela emoção), chegamos a conclusão que nosso objetivo era o mesmo, não queríamos enriquecer na advocacia (utopia?), mas sermos reconhecidas, entrar em uma sala de audiência e ser reconhecida pelo nosso trabalho, ter uma cartela de clientes suficientes para os boletos do final do mês. Arriscamos. Essa foi minha "virada na chave". Em junho de 2016, as duas recém- formadas, sem um pila no bolso, abriram as portas do escritório. Nestes quase cinco anos, posso dizer que alcançamos nosso primeiro objetivo, ser reconhecidas pelo nosso trabalho. Ainda tenho muitos objetivos pessoais e profissionais e toda essa trajetória tem possibilitado sonhar com voos mais altos. A menina de 12 anos nunca imaginou estar neste lugar hoje. Ingressar nesse mercado jurídico (com padrões ainda de branquitude e nobreza, dotado de ternos, saltos e escritórios luxuosos) não e fácil, é um choque de realidade, mas tudo isso se torna necessário ao processo de reconhecimento e fortalecimento, tanto pessoal, como coletivo. Sou sim uma advogada negra, em início de carreira, com muitos sonhos já realizados e uma lista gigante de objetivos. O que desejo é que a minha história, como a de muitos outros, sirva de inspiração para meninas e meninos negros, de família pobre, de escola pública, bolsistas e cotistas. Nossa trajetória pode até ser invisual a alguns olhos, mas as marcas deixadas no caminho são permanentes. 30 ENSAIOS Dorival Sebastião Ipê da Silva Não há como reconhecer quem sou hoje sem observar quem fui no passado. Meu nome é Dorival Sebastião Ipe da Silva, nascido no dia 08.11.1953, em Linha Capão - Distrito de Vila Tereza - Santa Cruz do Sul, hoje município de Vera Cruz. Sou filho de pessoas admiráveis que não tinham estudo nem "letramento", mas tinham muita sabedoria. Até vir para a capital do Estado, não havia completado o Ensino Fundamental (antigamente conhecido como primário). Até aquele momento, trabalhei na lavoura, na roça, plantando e colhendo fumo, milho, mandioca, etc. Trabalhei como jardineiro e fazendo hortas até os anos de 1967/68. Depois, como servente de obras (construção civil),bem como em uma funilaria como auxiliar. Em janeiro de 1971 passei a servir o Exército, onde permaneci pelo período de dois anos e quatro meses. Durante aquele tempo, aprendi lições importantíssimas para minha vida, principalmente pela base firme, elogiável e destemida recebida do meu pai, um analfabeto no sentido literal, mas um "doutor" de fato, um homem inteligente, agregador, aconselhador, uma verdadeira autoridade, que encontrou no MOBRAL uma forma de me motivar a estudar ao frequentá-lo. 31 Já em Porto Alegre em 1974, indicado para trabalhar em uma metalúrgica por possuir em meu currículo um cursinho de Mecânico Ajustador, terminei a escola através do Supletivo (atual EJA), no Colégio Ana Neri, no bairro Parque São Sebastião. Além disso, possuía no meu currículo um certificado de Técnico de Enfermagem. Diante dos problemas de segurança do trabalho existentes na empresa na qual trabalhei, de "peão de fábrica” virei enfermeiro. Em seguida, passei a exercer os cargos de Assessor de Recursos Humanos e, por fim, Gerente de Recursos Humanos. Conto toda essa história, parte de uma sofrida caminhada, para dizer que aprendi sobre pessoas antes mesmo de aprender sobre Direito. Logo, eu aprendi muito, apesar de todo esse conhecimento não ser passível de constar em um currículo. Em 1993 iniciei a graduação em Direito na UNISINOS e em janeiro de 1999 colei grau, aos 45 anos de idade. Na época, eu já era casado e pai de três filhas. Logo, eu não sou um Advogado que se formou cedo e contou com o tempo a seu favor – sou um Jovem Advogado. Existe um detalhe que não explicitei: eu sou negro. Minha cor é um detalhe, mas infelizmente é um critério de exclusão. Ao olhar para trás, percebi que eu era o “único negro”, seja porque num determinado tempo exerci cargo administrativo, seja porque, de um momento para outro, passei exercer um alto cargo na empresa na qual trabalhei por muitos anos, e as circunstâncias exigiam de mim compromissos diversos daqueles comumente proporcionados às pessoas da minha cor. Não foi diferente na graduação, ou na OAB - Subseção de Cachoeirinha/RS, onde fui Secretário Geral e Presidente – cargo exercido por três mandatos consecutivos. Também vivo essa situação no Conselho Estadual da OAB/RS, estando, hoje, no meu terceiro mandato. Importa registrar minha gratidão ao Presidente Ricardo Breier por ter dado este importante pontapé inicial visando o debate quanto à questão racial, tendo sido criada, em sua gestão, a Comissão Especial da Igualdade Racial. Não é fácil se sentir solitário nos lugares, principalmente porque as pessoas que estavam no meu entorno não compreenderiam o quanto a caminhada foi mais difícil em decorrência não da minha cor, mas do racismo alheio. Além disso, eu estava ciente de que, para muitos, a minha presença nos locais bastava. “Não somos racistas, o Ipe está aqui”. “Eu não olho cor, eu até tenho o Ipe como amigo”. 32 A verdade é que se eu estou solitário, então somente a minha presença nos espaços não basta. Aceito ouvir frases como “o Ipe foi o primeiro presidente negro da Subseção de Cachoeirinha”, mas não quero mais ouvir que sou o único. Tenho orgulho da minha trajetória, pois sei o quão difícil foi chegar até onde estou. Fico feliz de saber que garanti às minhas filhas melhores condições para alcançarem os seus sonhos de forma menos sofrida e tardia. Emociono-me ao ouvir que inspiro pessoas, e que querem me ouvir. Porém, não estou satisfeito. Quero que os advogados negros da nova geração não precisem se arrumar mais que os advogados brancos para que não sejam confundidos com os réus dos processos. Quero que sejam igualmente ouvidos e considerados, como profissionais e como pessoas. Não quero que se sintam solitários nos espaços. Apesar de tudo, meu prognóstico é positivo. A juventude negra está se fazendo ouvir, e está adentrando nos espaços. Com as cotas, creio que ganharão o tempo que eu não tive. Vejo uma advocacia negra no futuro mais forte que a atual, o que me faz sentir esperança. O momento que vivemos hoje me dá substrato para pensar assim. 33 TRAJETÓRIA INSTITUCIONAL Franchesca Rodrigues de Souza Meu primeiro contato com a instituição OAB/RS foi através de um estágio que realizei no Tribunal de Ética e Disciplina durante o período de 16/07/2012 a 04/06/2013. No estágio desempenhei muitas atividades, mas a que mais gostava era secretariar as audiências de instrução para adentrar nos detalhes de cada caso. Foi um período de muito aprendizado, no qual pude aprofundar meu conhecimento sobre o código de ética e estatuto da OAB, infelizmente, precisei interromper o estágio para cursar estágio obrigatório da faculdade durante período integral no Foro da Restinga. Durante todo o período da graduação sempre prestigiei os cursos e eventos realizados pela OAB/RS para atualização e qualificação profissional, como também para cumprimento das horas complementares exigidas pela faculdade. Recebi minha carteira pelas mãos do Presidente, Dr. Ricardo Breier na primeira prestação de compromisso da gestão 2016/2018, no dia 25/01/2016. Após o recebimento da credencial, continuei prestigiando os eventos realizados pela instituição e, no dia 16/05/2018, participei da Conferência Estadual de Direitos Humanos na OAB Cubo. Este evento marcou bastante porque foi nesta Conferência que tive a oportunidade de conhecer a Dra. Beatriz Peruffo, Presidente da CMA na época, que 34 era uma das palestrantes, lembro bem de quando ela disse que as portas da CMA estavam abertas à todas advogadas que quisessem participar, então fiz contato e manifestei interesse via e-mail e recebi convite para a primeira reunião ordinária realizada no dia 24/05/2018. Ao chegar na reunião já fui recepcionada pela Dra. Beatriz com um PIN das Mulheres de Ordem e achei o máximo, nunca mais esqueci de usá-lo nas reuniões seguintes. Na primeira reunião da CMA conheci a Dra. Karla Meura, Coordenadora do Grupo de Trabalho Gênero e Raça da CMA e posteriormente as Dras. Bruna Rosa, Fernanda Cabral, Mariana Ferreira, Izabel Calixto, Daniela da Rosa, Rochele Oliveira, Evelin França e Patrícia Alves que participavam do Grupo de Trabalho. Passei a integrar o Grupo de Trabalho e participei ativamente de vários eventos e atividades realizadas dentro e fora da instituição, pois também realizávamos um lindo trabalho nas comunidades, chamado Mulheres de Ordem nas Comunidades. Na reunião do dia 24/08/2018, também conheci a Dra. Ellen Martins, Coordenadora do Grupo de Trabalho OAB Vai à Escola e também tive a oportunidade de acompanhar este projeto muito importante em algumas visitas. Os integrantes do Grupo de Trabalho Gênero e Raça da CMA apresentou o pedido de criação da Comissão Especial da Igualdade Racial da OAB/RS para a Diretoria da Ordem, o projeto foi aprovado e no dia 13/12/2018 ocorreu a instalação e posse da nossa tão esperada e amada CEIR, que tem o objetivo de destacar as contribuições civilizatórias dos povos de ascendência africana, fortalecer e complementar a luta pela garantia dos direitos humanos, bem como articular estratégias institucionais de combate ao racismo, valorizando a advocacia negra. A criação da CEIR é fruto de um trabalho coletivo capitaneado com maestria pela Dra. Karla Meura. Hoje sou Secretária desta Co-Missão tão importante e necessária, com muito orgulho, realizo um trabalho árduo, juntamente com todos os membros, que acaba tomando parte considerável do nosso tempo, mas toda vez que vejo um (a) colega negro (a) participando da entrega de credenciais, das mesas de variados eventos, ocupando lugares de destaque dentro da instituição, vejo que todo o esforço despendido por todos nós valeu a pena. Ainda temos muito a avançar no tocante a equidade racial dentro da instituição e nós estaremos sempre na luta, ocupandotodos os espaços. 35 O QUE VOCÊ ESPERA DO FUTURO DA ADVOCACIA PARA ADVOGADOS NEGROS (AS) COMO VOCÊ? Geisa Carmo da Silva O que eu espero? Esperar é o que mais esperamos, somos esperançosos. Há se não fossemos movidos pela esperança. Esperança: Sentimento de quem vê como possível a realização daquilo que deseja; confiança em coisa boa; fé. Agradeço de forma pensativa a homenagem bem como o reconhecimento do OAB/RS, através da Comissão de Igualdade Racial, pela indicação do meu nome para escrever sobre o futuro da advocacia negra. DO PRIMEIRO e ÚLTIMO CAPÍTULO: Tomarei a liberdade de escrever sobre a Dra. Miria de Almeida Vieira, OAB/RS 26.861, porque ela reflete a maioria de nossa realidade, portanto, ela sou eu, tenho esperança de saber, quantas Dras. Miria têm na verdade no Rio Grande do Sul. Daí meu questionamento, a história da Dra. Miria é linda, ou seja, ela é todas nós, por isso, nossas histórias de vida são lindas, mas ela não fora homenageada, com mais trinta anos de exercício da atividade. Por quê? Não estava em dia com a anuidade. Ela é a homenageada no meu texto, o que nos separa é apenas a anuidade. 36 Obrigada Dra. Miria, por ter começado antes, com certeza, abrira caminhos para nós, é invisível para alguns colegas, a trajetória da Dra. Miria, mas para nós negras advogadas não. Certa feita, por coincidência, uma advogada chamada Dra. Miria, no exercício de sua atividade profissional, chegara no Cartório Criminal, do Foro Regional do Partenon, e a pergunta dirigida a ela fora: A Sra. É esposa de presidiário? Irmã? Mãe? Ela é todas nós, quantos advogados negros temos a final no registro da OAB/RS? Têm nosso cadastro, eu tenho esperança. Quantas constrangimentos passamos nos cartórios todos os dias, há aproximadamente cem anos, eu sei dizer, todos os constrangimentos. Tudo bem, entendi, sem vitimismo. Vitimismo será? Meu querido, fiel, revolucionário, conhecedor de nossas angustias, nossas dores, nossos gritos silenciosos, ter sido homenageada pela Comenda que leva teu nome Dr. Osvaldo Ferreira dos Reis, me dá sim, esperanças. Lembra das nossas resenhas, a OAB/RS não sabe de nós. Não sabe, que não temos grandes escritórios nos esperando, com grandes aparelhamentos, nossos pais tem sobrenome Silva Santos. Nossos pais têm as mãos calejadas, somos heróis da advocacia gaúcha, sozinhos, quase únicos nas salas de aula, vencemos, há se não fossem nossas esperanças e o olhar de crença de nossos pais. Eu espero, investimentos, para que possamos ter esperanças, Vavá meu amigo, que nossos jovens, saiam das faculdades, e tenham um lugar parecido com Quilombo, podendo todos terem o direito de se prepararem para a prova da ordem, nas mesmas condições de igualdade. Ah, ia esquecendo, no momento atual, talvez o Sr. Presidente não saiba, somos com certeza a maioria dos que não estão “usufruindo” dos serviços na sala da OAB/RS, por quê? Não estamos em dia com a anuidade, pode chamar de vitimismo, juro não compreendo Sr. Presidente, para que tantas salas? Se não podemos entrar na casa grande. Esperança Sr. Presidente, é acreditar na possibilidade para pessoas de baixa renda, que saem dos cursos de direito e possam prestar as provas da Ordem, eu ouso dizer, que a 37 maioria, com raras exceções, são pretos, podres de periferias, que não estão conseguindo passar na prova da Ordem. Vitimismo? Queremos a lição do Quilombo. Obrigada Dra. Miria e Dr. Osvaldo Reis. Vocês são nossas esperanças. Esperança: Sentimento de quem vê como possível a realização daquilo que deseja; confiança em coisa boa; fé. Obrigada pela oportunidade. CURRICULO VOU TRANSCREVER O TEXTO QUE UMA ESTAGIÁRIA DE JORNALISMO FEZ, ACHO QUE DEFINE MEU CURRICULO O DIREITO ME ESCOLHEU ADVOGADA HÁ 28 ANOS, GEÍSA CARMO DA SILVA ENCONTROU NO DIREITO UMA FORMA DE AJUDAR OS SEUS. MULHER, NEGRA E DA PERIFERIA, DESDE PEQUENA OUVIA DE SUA MÃE, QUE ERA DOMÉSTICA, QUE O ESTUDO ERA SUA ÚNICA SAÍDA. SUA MÃE NÃO QUERIA QUE ELA E SEUS OUTROS DOIS IRMÃO TIVESSEM A MESMA VIDA QUE A DELA. GEÍSA TEM 53 ANOS E ESTE É O TEMPO EM QUE ELA MORA NA RUA JUVENAL CRUZ, NA VILA BRASÍLIA, COMUNIDADE DA ZONA LESTE DE PORTO ALEGRE. “ NÃO EXISTE FELICIDDAE MAIOR QUE PERTENCER A ESSE LUGAR”. RESPEITADA PELOS MORADORES DA BRASÍLIA OU “DISTRITO FEDERAL”, COMO O CHAMA, A ADVOGADA NÃO SE IMAGINA VIVENDO EM OUTRO LUGAR MESMO DEPOIS DE TER CONSEGUIDO ASCENSÃO. “EU NÃO SAIO DA BRASÍLIA E ELA NÃO SAI DE MIM”. MESMO SENDO ADVOGADA, ENTENDE A JUSTIÇA COMO NÃO SENDO JUSTA PARA TODOS. “ PARA QUEM TEM DINHEIRO É UMA, PARA QUEM NÃO TEM É OUTRA. QUESTIONADA DE O PORQUÊ TER ESCOLHIDO O DIREITO, RESPONDE O “ DIREITO ME ESCOLHEU”. NO LUGAR ONDE VIVO, SEMPRE SENTI NECESSIDADE DE DIALOGAR, DE DEFENDER E DE DEBATER. VI NO DIREITO A POSSIBILIDADE DE FAZER ISSO. EU PRECISO ADVOGAR. GEISA TÊM DUAS PAIXÕES: CARNAVAL BAMBAS DA ORGIA E INTERNACIONAL.COLORADA, PORQUE O TIME SEGUNDA ELA COMBINA COM SEU PERFIL POPULAR E O CARNAVAL FAZ PARTE DE MIM, DIZ ELA, QUE DEFENDE COM UNHAS E DENTES A MANIFESTAÇÃO POPULAR. 38 ENSAIOS Jurema Praxedes Tubias Quadros OAB/RS 27.282 É com imenso prazer que saúdo a Comissão Especial da Igualdade Racial OAB/RS na pessoa da sua Presidente, Digníssima Sr.ª Dr.ª Karla Meura e, estendo aos demais colegas, Nobres Juristas, minhas saudações. Não poderia me furtar de atender ao convite de narrar minha trajetória como profissional apaixonada, pertencente ao universo jurídico oficialmente desde o dia 22 de dezembro do ano de 1989, quando jurei honrar a advocacia e me fazer útil a todos de quem dela necessitasse e, é dessa prorrogativa que comungo até os dias atuais. Minha história se confunde com a de muitos colegas: Sou oriunda de uma família humilde, formada por trabalhadores incansáveis e honestos que fizeram dos valores morais dos quais eram convictos, base para solidificar a estrada para que seus descendentes pudessem trilhar na busca pelo conhecimento. Quando decidi que seria Advogada entreguei-me de forma desmedida aos estudos, ação esta que se tornara uma constante em minha vida. Recordo que eram tempos onde era grande a concorrência para frequentar uma Faculdade de Direito, sendo motivo de orgulho para quem ingressava na Universidade 39 e também para os familiares, que ostentavam a conquista dos seus. No decorrer do curso o empenho era redobrado para estar entre os primeiros da classe, pois esses após colarem grau seriam privilegiados na busca por um espaço no mercado de trabalho. Eram poucos os Negros que ocupavam a academia, em razão da condição socioeconômica, ou por falta de motivação, uma vez que muitos dos algozes segregadores disseminavam a errônea ideia que nós possuíamos baixa capacidade intelectual. Aprendi que para galgar degraus cada vez mais altos eu deveria estar em constante aprendizado, sendo assim segui na busca pelo saber, absorvendo todas as qualificações que me foram proporcionadas. Após conquistar o direito à advogar, atuei na Área Trabalhista por longos anos para um conceituado banco. Posteriormente disponibilizei meu ofício à uma empresa igualmente bem vista na área da saúde e, concomitantemente prestava trabalho em meu próprio escritório que hoje encontra-se inabilitado em virtude de ter sido acometida por um acidente vascular cerebral. Superando as limitações que a vida me impôs, voltei a advogar como servidora do município de Jacuizinho e militar nas causas políticas na região. Sou a primeira integrante da minha família a possuir formação de nível superior e acredito que fiz desse marco a motivação para impulsionar que os meus também se sentissem capazes de repetir esse feito. Em toda a sua simplicidade, minha base familiar sempre conscientizou minha irmã e a mim do nosso papel na sociedade e, nos segmentos sociais e culturais os quais transitávamos, capturávamos todos oselementos que ajudaram a construir nossa identidade. Ao trilhar as vias da evolução confirmei a sensação de pertencimento cultivada pelos meus mentores, fazendo valer todos os nossos esforços. Entendi que como cidadã, como mulher negra, eu deveria dar continuidade às responsabilidades social e afetiva plantadas pela minha família. A partir de então todos os espaços conquistados foram vitórias coletivas, todas as ações vencidas passaram a ser êxitos nossos. Com base nos alicerces herdados, construí dia após dia degraus para que a nossa continuidade também pudesse ascender. Sem pretensão alguma tornei-me responsável pelo desenvolvimento intelectual não somente de membros da minha família, mas também de tantas outras pessoas que apostaram em minha vida e que me permitiram instigar suas aptidões. Quando dei-me por conta havia me tornado referência e abrigo para aqueles que o destino havia levado ao meu encontro. 40 Receber o reconhecimento pelos trabalhos prestados no decorrer desses 30 anos de atividade profissional e fulgurar entre tantos Juristas Negros atuantes nessa comarca, vai além de ser um motivo de orgulho, iluminando a memória daqueles que tornaram-se ancestrais e confirmando a certeza de que realizei a melhor escolha. Acredito que honro o juramento feito quando me ponho a disposição daqueles que formam a comunidade a qual pertenço para auxilia-los, sem fazer distinção, despindo-me de qualquer vaidade para defende-los quando preciso for. Penso que sou mais um dos tantos elos que formam essa corrente forte e indissolúvel, simbolizando a luta incessante pelo respeito e, também pela conquista dos espaços que nos são de direito e que devemos ocupar. Reconhecer minha atuação no exercício da defesa é potencializar a marcha que se mantém viva a cada um dos nossos que torna realidade o seu anseio de um dos nossos. Por fim, agradeço a todos a oportunidade de contar sucintamente minha trajetória no universo da transformação e da justiça. BREVE BIOGRAFIA: Nascida em 06 de janeiro de 1955 em Porto Alegre, recebe o nome de batismo em homenagem à fé e também à sua Avó e Madrinha, a qual seria uma de suas maiores incentivadoras. Filha de um Militar da 3ª Região do Exército atuante na Subsistência e de uma Costureira que também trabalhava na Subsistência do Exército, viveu sua infância no bairro Partenon, onde transitava livremente entre as festas da Paróquia São Jorge e os ritos da religiosidade de matriz africana. Estudante da rede pública Estadual, cursou o “Primário” e o “Ginásio” no Grupo Escolar General Aparício Borges e, formando-se Técnica em Mecânica Industrial pela Escola Técnica Parobé. Como voluntária do Mobral lecionou na alfabetização para adultos na Pequena Casa da Criança. Na década de 1970 ingressa no Curso de Direito na Faculdade Ritter dos Reis no município de Canoas. Na mesma época inicia as atividades no Banco Sul Brasileiro como Escriturária, permanecendo no quadro de colaboradores da empresa quando surgia o novo Banco Meridional. Em 22 de dezembro de 1989 cola grau e por tornar-se Advogada é transferida para o Departamento Jurídico do Instituição Bancária, onde havia cumprido o período obrigatório de estágio. Permaneceu na empresa até 1996, quando a instituição passava novamente por uma transição. A partir 41 de então abriu seu próprio escritório, prestando assessoria jurídica para empresas e defendendo causas nas áreas civil e trabalhista. 42 Construções Coletivas, Conquistas Coletivas Karla Regina Meura da Silva Eu sou Karla Meura, filha da Regina Helena Meura e do Carlos Roberto da Silva. Irmã mais velha de Douglas Meura, do Diego, da Kelly e da Áure. Sou uma mulher negra Advogada, formada em 2008/2, pelo Centro Universitário Metodista-IPA, em Porto Alegre/RS, através do Programa de Ações Afirmativas pactuado entre o IPA e o Centro Ecumênico de Cultura Negra-CECUNE, que garantiu bolsa integral para alunos afrodescendentes. No Trabalho de Conclusão da Graduação pesquisei sobre Ações Afirmativas e o Princípio da Dignidade Humana no Estado Democrático de Direito, onde estudei os obstáculos da inclusão da população negra no acesso aos direitos sociais e mercado de trabalho. A referida Pesquisa que foi aprofundada no Curso de Pós-Graduação em Direito Penal e Processo Penal, concluído em 2016/2, cujo Trabalho de conclusão teve como título: Direito Fundamental de Acesso à saúde no Sistema Prisional do RS. Minha segunda Pós-Graduação foi no Curso de Direitos Humanos e Contemporaneidade, realizado pela Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia – UFBA. Entendo que a qualificação técnica permanente é essencial para o fortalecimento da advocacia negra, pois somos instrumentos da transformação social e o direito é uma importante ferramenta que temos ao nosso dispor. 43 Minha atuação jurídica está diretamente ligada ao enfrentamento da violação dos Direitos Humanos, especialmente tratando da promoção da equidade racial e de gênero. Desde o início da minha trajetória acadêmica realizo trabalho em comunidades com altos índices de violação de direitos, buscando subsídios para a promoção da cidadania e garantia de direitos das pessoas privadas de liberdade no Sistema Prisional e Socioeducativo. Entre os anos de 2013 e 2015 trabalhei na Coordenação Estadual de Saúde Prisional da Secretaria Estadual de Saúde do RS. Participei do grupo de trabalho responsável por conduzir a transformação do Plano Nacional em Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional (PNAISP). Considerando a necessidade de reintegração social das pessoas privadas de liberdade por meio da educação, do trabalho e da saúde, de acordo com a Lei de Execuções Penais - LEP, através da construção técnica e coletiva, foi publicada a Portaria Interministerial Nº 1 de 02 de janeiro de 2014. Acompanhar este processo de transformação de Plano em Política Pública revelou meu perfil de abertura para mudanças e habilidade em gerenciar complexidades, assim como demonstra facilidade para trabalhar em equipe e na resolução de conflitos. Para garantir a efetivação e operacionalização das diretrizes de implementação da PNAISP, foi também foi necessária a elaboração de diagnósticos locais acerca do funcionamento das execuções judiciais e dos serviços penais. Deste modo, as normas, critérios e fluxos de operacionalização foram estabelecidas través da Portaria nº 482, de 1º de abril de 2014. A realidade do sistema prisional global, além da forte incidência sobre setores sociais desprivilegiados, é marcada por condições desumanas de sobrevivência. Nos modelos em que se apresentam as cadeias reforçam e reproduziam a lógica excludente pela qual era marcada a sociedade brasileira, configurando-se em importante instrumento para manutenção da ordem social. A experiência na Coordenação da Política de Saúde Prisional exigiu destreza e o desenvolvimento de minhas habilidades para gerenciar e subsidiar a atuação das equipes técnicas locais, pois eram realizados 44 monitoramento e avaliação dos produtos e metas previstas pela gestão do Sistema Prisional. Nos anos de 2017 e 2108 atuei como advogada do Centro de Referência Especial de Assistência Social-CREAS Lomba do Pinheiro, onde fui Coordenadora das medidas sócio educativas -MSE. Uma das principais funções era elaborar subsídios para a produção de relatórios técnicos de acompanhamento da implementação das MSE. Como unidade de referência, foi desenvolvido um trabalho no intuito de estruturar uma rede efetiva de proteção especial, e para isso contou com uma estreita articulação entre o Poder Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública, Conselhos Tutelares e outras Organizações de Defesa de Direitos, que buscavam construirestratégias com foco no fortalecimento do monitoramento e da fiscalização do sistema socioeducativo. Após esta breve apresentação de parte da minha caminhada profissional, penso que devo compartilhar também a participação na política institucional do nosso órgão de classe. Me tornei oficialmente advogada em 18 de julho de 2011, no mesmo dia de aniversário de meu pai. Recebi a Cartei da OAB das mãos do Presidente Cláudio Lamachia. Os primeiros quatro anos da advocacia dediquei exclusivamente à organização e atuação do meu escritório de Advocacia na verdade, do nosso escritório, pois na época eu trabalha em parceria com a Dra. Viviane Santos e o Dr. Carlos Antônio Carvalho dos Santos, colegas pelos quais tenho admiração e gratidão imensa. Em 2015 ingressei voluntária e efetivamente no Sistema OAB, quando vi no site a criação da Sub-Comissão da Verdade Sobre a Escravidão Negra no Brasil, uma pauta que sempre me interessou e fez parte de minhas pesquisas. Entrei em contato com a Secretaria da Seccional e manifestei interesse em colaborar com a valiosa Comissão. Em dezembro de 2016 participei de um Seminário sobre direitos humanos e discriminações. Chamou minha atenção a ausência da palavra “racismo” no título, especialmente porque entre as 4 pessoas palestrantes 3 eram negras. Assim, despertei para a necessidade de realizarmos um trabalho mais direto de enfrentamento e combate ao racismo no sistema OAB RS. Deste modo, eu e outras pessoas colegas da advocacia negra nos organizamos e propusemos a realização do “1º seminário Internacional pela 45 Promoção da Igualdade Racial”, ideia que foi imediatamente aceita pelo presidente Ricardo Breier e o seminário realizado pela ESA em março de 2017. Logo depois recebi um telefonema da Dra. Beatriz Peruffo, presidenta da Comissão da Mulher Advogada- CMA na época, me convidando para fazer parte da CMA. Fiquei imensamente honrada e passei a compor também esta Comissão. Logo no 1º encontro percebi que eu era a única mulher negra da sala, num grupo de quase 100 colegas. Obviamente percebi que alguma coisa estava errada e convidei outros colegas negros para participarem na CMA conosco. Aos poucos fomos fomentando as discussões sobre gênero e raça e no dia 25 de julho, Dia Internacional da Mulher Negra Afro-latino Americana e Caribenha, sugeri à Dra Beatriz que fosse criado um Grupo de Trabalho sobre Gênero Raça. Novamente, minha proposta foi aceita de forma imediata. A partir de então as reuniões da CMA ficaram mais coloridas. O grupo de advogadas negras aumentava a cada encontra. Na reunião seguinte foram 8 advogadas negras, depois foram 12 depois 20 e assim nosso GT Gênero e Raça conseguiu realizar grandes projetos. O mais notório foi o que chamamos de MOC - Mulheres de Ordem nas Comunidades. Este projeto é fruto de nossas conversas e desabafos nas reuniões do GT, que nos fizeram enxergar a importância de colocarmos nosso conhecimento à serviço das nossas comunidades. Cumpre salientar que o MOC consiste em encontros mensais e itinerantes com o objetivo de realizar rodas de conversa com as mulheres que são lideranças em suas comunidades e com toda a sociedade que estivesse disposta a trocar conhecimentos e saberes. Em fevereiro de 2018 protocolamos junto ao Gabinete do presidente o pedido de criação da Comissão da Igualdade Racial da OAB RS, solicitação foi votada pelo conselho Pleno da Seccional em setembro de 2018 e em dezembro do mesmo ano tomamos posse. Foi um momento histórico. Muitas pessoas felizes, emocionadas e conscientes desta construção coletiva que nos move. Desde então viemos realizando inúmeras ações institucionais para a promoção da igualdade racial, da igualdade de direitos e oportunidades. Junto com a conquista da criação da CEIR OABRS veio o convite para compor o Conselho Seccional da OABRS na gestão 2019/2021. Minha reação foi perguntar: por que eu? As colegas que construíram esta trajetória ao meu lado, não me deixaram titubear e 46 responderam que este era o meu momento e que em breve estaríamos ampliando a participação da Advocacia Negra nos espaços decisórios. Aceitei o desafio e hoje sou uma das vozes negras no Conselho Seccional, a primeira mulher negra a ocupar uma cadeira no Conselho Pleno da Seccional RS, mas como sempre destaco, sou a ‘única por enquanto’. Estou imensamente grata por compartilhar esta construção com vocês. Todas as ações aqui referidas foram pensadas estratégica e coletivamente, e digo isso sem demagogia. Somos muito mais producentes quando nós reconhecemos que tem espaço para ‘todo mundo’, porque tem trabalho para todo mundo! Somos muit@s, somos divers@as e tod@s nós temos legitimidade. Eu sei que uma mulher negra quando chega em um espaço nunca chega sozinha. E é fortalecedor saber que não estamos sozinhas. Continuemos construindo nossas trajetórias negras, fortalecendo a advocacia negra e oportunizando a ampliação dos espaços para que possamos exercer nossas potencialidades num movimento que honra a oportunidade que recebemos da nossa ancestralidade. 47 ENSAIOS Lucia Helena dos Santos Natural de Porto Alegre/RS; Advogada membro da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional Rio Grande do Sul. Graduada em Direito pela UNISINOS/RS, 1993. Pós-Graduada com Especialização em Direito Processual Civil pela PUCRS, 2006. Coordenadora do Grupo Afro Juristas do Rio Grande do Sul. Ativista dos Direitos Humanos com ênfase à vulnerabilidade econômica e social da população afrodescendente. Professora com formação no Magistério do ensino fundamental. Escritora na modalidade poesia e texto literário. Acadêmica na Academia de Letras do Brasil seccional Rio Grande do Sul, cadeira n° 50, Patrono Castro Alves. Acadêmica na Academia de Letras, Ciências e Artes do Estado do Rio Grande do Sul, cadeira n° 20, Patronesse Clarice Lispector. Representante no Brasil da Associação Internacional de Escritores e Artistas Afrodescendentes, California /USA; A representatividade na função de Advogada, mulher e afrodescendente na sociedade em que vivemos é de primordial importância como plano de espelho de referência e luta frente a família por pertencer a primeira geração com formação acadêmica diante da historicidade ancestral africana, bem como junto às mulheres e jovens negros, principalmente para aquelas pessoas que não conseguiram alcançar o sonho de cursar uma universidade, tão como completar o curso acadêmico em Direito. 48 Entendo ser um instrumento em prol da justiça de mudança de pensamento, comportamento e transformação na vida de muitas pessoas, os quais se destacam as crianças, adolescentes e jovens egressos da periferia que podem se inspirar e seguir os nossos passos para crescer e melhorar a sua qualidade de vida e contribuir para a sociedade brasileira. Nas muitas andanças em contato com essa realidade diversa e sofrida, ao me conhecer, se surpreendem por saber que sou Advogada, pois até então nunca tinham estado em contato com uma profissional do Direito da etnia afrodescendente, o que releva à responsabilidade e representatividade afirmativa de sonho para muitos jovens negros que não tem acesso e oportunidade à educação Além da representatividade junto à sociedade civil organizada, também me sinto muito útil exercendo a função jurídica nos fóruns, em defesa das pessoas no cumprimento do ofício na difícil tarefa que é fazer justiça num país desigual que é o Brasil, bem como respirar a atmosfera das audiências, mesmo sabendo que somos as vezes inexistentes diante de um poder judiciário discriminador e opressor que ainda se espanta ao abrirmos a porta para nos adentrarmos nas audiências e ainda sermos confundidos por réus ou prepostos, mas mesmo diante dessa realidade, sigo adiante contemplada lembrando apenas de mostrar o meu trabalho com competência, eficiência e conhecimento
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