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Organizadoras: Rosângela Maria Herzer dos Santos Carolina Dutra Normey Claudia Sobreiro de Oliveira Lúcia Quevedo I CONGRESSO INTERNACIONAL DE DIREITO, GÊNERO E CONEXÕES Aproximando Direito e Justiça – Através de um olhar humanizado Porto Alegre 2021 Copyright © 2021 by Ordem dos Advogados do Brasil Todos os direitos reservados Organizadoras: Rosângela Maria Herzer dos Santos Diretora-Geral da ESA/OAB/RS Carolina Dutra Normey Coordenadora da Comissão da Mulher Advogada em Santana do Livramento Claudia Sobreiro de Oliveira Presidente da Comissão da Mulher Advogada da OABRS Lúcia Quevedo Delegada da ESA de S. Do Livramento Jovita Cristina Garcia dos Santos – CRB/10ª -1517 A revisão de Língua Portuguesa e a digitação, bem como os conceitos emitidos em trabalhos assinados, são de responsabilidade dos seus autores. Secção do Rio Grande do Sul Todos os direitos reservados Rua Manoelito de Ornellas,55 – Praia de Belas CEP: 90110-230 Porto Alegre/RS C759 Congresso Internacional de Direito, Gênero e Conexões - Aproximando Direito e Justiça – Através de um olhar humanizado (1: 2019: Santana do Livramento, RS) Anais [ recurso eletrônica]/ 1º Congresso Internacional de Direito, Gênero e Conexões – Aproximando Direito e Justiça, 11 de out. em Santana do Livramento, RS. – Porto Alegre: OABRS, 2021. 156p. ISBN: 978-65-88371-05-3 1. Direito – Gênero. 2.Violência de gênero no Brasil. 3. Congresso. I. Título 347.156 ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL - CONSELHO FEDERAL DIRETORIA/GESTÃO 2019/2021 Presidente: Felipe Santa Cruz Vice-Presidente: Luiz Viana Queiroz Secretário-Geral: José Alberto Simonetti Secretário-Geral Adjunto: Ary Raghiant Neto Diretor Tesoureiro: José Augusto Araújo de Noronha ESCOLA NACIONAL DE ADVOCACIA – ENA Diretor-Geral: Ronnie Preuss Duarte ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL - SECÇÃO DO RIO GRANDE DO SUL Presidente: Ricardo Breier Vice-Presidente: Jorge Luiz Dias Fara Secretária-Geral: Regina Adylles Endler Guimarães Secretária-Geral Adjunta: Fabiana Azevedo da Cunha Barth Tesoureiro: André Luis Sonntag ESCOLA SUPERIOR DE ADVOCACIA Diretora-Geral: Rosângela Maria Herzer dos Santos Vice-Diretor: Darci Guimarães Ribeiro Diretora Administrativa-Financeira: Graziela Cardoso Vanin Diretora de Cursos Permanentes: Fernanda Corrêa Osório, Maria Cláudia Felten Diretor de Cursos Especiais: Ricardo Hermany Diretor de Cursos Não Presenciais: Eduardo Lemos Barbosa Diretora de Atividades Culturais: Cristiane da Costa Nery Diretor da Revista Eletrônica da ESA: Alexandre Torres Petry CONSELHO PEDAGÓGICO Alexandre Lima Wunderlich Paulo Antonio Caliendo Velloso da Silveira Jaqueline Mielke Silva Vera Maria Jacob de Fradera CAIXA DE ASSISTÊNCIA DOS ADVOGADOS Presidente: Pedro Zanette Alfonsin Vice-Presidente: Mariana Melara Reis Secretária-Geral: Neusa Maria Rolim Bastos Secretária-Geral Adjunta: Claridê Chitolina Taffarel Tesoureiro: Gustavo Juchem TRIBUNAL DE ÉTICA E DISCIPLINA Presidente: Cesar Souza Vice-Presidente: Gabriel Lopes Moreira CORREGEDORIA Corregedora: Maria Helena Camargo Dornelles Corregedores Adjuntos Maria Ercília Hostyn Gralha, Josana Rosolen Rivoli, Regina Pereira Soares OABPrev Presidente: Jorge Luiz Dias Fara Diretora Administrativa: Claudia Regina de Souza Bueno Diretor Financeiro: Ricardo Ehrensperger Ramos Diretor de Benefícios: Luiz Augusto Gonçalves de Gonçalves COOABCred-RS Presidente: Jorge Fernando Estevão Maciel Vice-Presidente: Márcia Isabel Heinen SUMÁRIO APRESENTAÇÃO – Rosângela Maria Herzer do Santos e Carolina Dutra Normey 8 PREFÁCIO - Lúcia Maria Quevedo ............................................................................ 10 VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER: O PERCURSO DA VIOLÊNCIA MORAL ATÉ O FEMINICÍDIO- Bianca Ayres Elguy e Edilacir Larruscain ........................ 11 MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA E A HIPÓTESE CRIMINALIZADORA: REFLEXÕES NECESSÁRIAS- Cátia Conteratto Damo e Josiane Petry Faria ....................................................................................................... 16 COMO SE ENCONTRA A ATUAL CONJUNTURA SOCIAL E ADMINISTRATIVA FRENTE À APURAÇÃO E ELUCIDAÇÃO DOS CASOS DE FEMINICÍDIO NO BRASIL PÓS ADVENTO DA LEI 13.104/15- Eduardo Vinhas Fagundes ........................................................................................................................ 31 MULHER SUJEITO DE DIREITOS E VÍTIMA DE VIOLÊNCIAS NA LEI 11.340/2006: DISCURSO QUE PRODUZ E NATURALIZA RELAÇÕES DE GÊNERO DESIGUAIS- Eliada Mayara Cardoso da Silva Alves – Elisama Maryan Cardoso da Silva Alves e DulceMari da Silva Voss ..................................................... 37 NECESSIDADE DO DESENVOLVIMENTO DE COMPETÊNCIAS DA MAGISTRATURA FRENTE ÀS CAUSAS ENVOLVENDO A VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES - Lucas Gonçalves Abad e Francine Nunes Ávila ...... 50 A DESIGUALDADE DE GÊNERO NO CAMPO – UM RETRATO DE EXCLUSÃO DAS TRABALHADORAS NAS COMUNIDADES RURAIS TRADICIONAIS - Quélen Kopper e Francine Nunes Ávila ..................................... 64 UMA ANÁLISE DO FEMINICÍDIO E SUA REPERCUSSÃO NA COIBIÇÃO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA- Beatriz Lagreca Schmidt, Denise Tatiane Girardon dos Santos e João Batista Monteiro Camargo .................................................................... 75 DIREITO PENAL INFORMÁTICO: VIOLÊNCIA CONTRA AMULHER NA INTERNET DOS PAÍSES DO MERCOSUL - Manoela Chalá da Silva Milan ...... 88 VIOLÊNCIA DE GÊNERO NO BRASIL E A LEI MARIA DA PENHA: AVANÇOS E RETROCESSOS - Marli Marlene Moraes da Costa e Maria Victória Pasquoto de Farias ........................................................................................................ 95 O FEMININO E A MORTE NA CULTURA: REFLEXÕES SOBRE O FEMINICÍDIO NO BRASIL - Natália Centeno Rodrigues e Rodrigo Fernandes Teixeira ........................................................................................................................ 105 TRÁFICO INTERNACIONAL DE MULHERES PARA FINS DE EXPLORAÇÃO SEXUAL NO BRASIL - Paloma Souza dos Santos; Denise Tatiane Girardon dos Santos e João Batista Monteiro Camargo ................................................................. 117 VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NEGRA: ESTUDO CRÍTICO DA LEI MARIA DA PENHA A PARTIR DA EPISTEMOLOGIA DECOLONIAL - Thais Bonato Gomes .............................................................................................................. 131 Anexo - FOTOS: I CONGRESSO INTERNACIONAL DE DIREITO, GÊNERO E CONEXÕES ................................................................................................................ 144 8 APRESENTAÇÃO Em novembro de 2019, na cidade de Santana do Livramento foi realizado o "I CONGRESSO INTERNACIONAL DE DIREITO, GÊNERO E CONEXÕES", promovido pela Escola Superior da Advocacia, em parceria com a OAB - Subseção de Santa do Livramento e a Comissão da Mulher Advogada da Ordem dos Advogados do Brasil - Seccional do Rio Grande do Sul. A iniciativa deste E-book nasceu após a seleção dos artigos apresentados durante o "I Congresso Internacional de Direito, Gênero e Conexões", que dentre seus objetivos buscou enaltecer a aproximação do Direito e Justiça, através de um olhar humanizado, e promover a reflexão da temática escolhida considerando as realidades da região da fronteira do Brasil, com painelistas brasileiros, e convidados da Argentina, Paraguai e Uruguai. Agradeço aos organizadores do e-book: Carolina Dutra Normey, Claudia Sobreiro de Oliveira e Lúcia Quevedo e os autores: Bianca Ayres Elguy, Edilacir Larruscain,Cátia Conteratto Damo, Josiane Petry Faria, Eduardo Vinhas Fagundes, Eliada Mayara Cardoso da Silva Alves, Elisama Maryan Cardoso da Silva Alves, Dulce Mari da Silva Voss, Lucas Gonçalves Abad, Francine Nunes Ávila, Quélen Kopper, Francine Nunes Ávila, Beatriz Lagreca Schmidt, Denise Tatiane Girardon dos Santos, João Batista Monteiro Camargo, Manoela Chalá da Silva Milan, Marli Marlene Moraes da Costa, Maria Victória Pasquoto de Farias, Natália Centeno Rodrigues, Rodrigo Fernandes Teixeira, Paloma Souza dos Santos; Denise Tatiane Girardon dos Santos, João Batista Monteiro Camargo, Thais Bonato Gomes. Rosângela Maria Herzer dos Santos Diretora-Geral da Escola Superior da Advocacia Ordem dos Advogados do Brasil - Seccional do Rio Grande do Sul Foram meses de organização, trabalho, muito esforço para conseguir chegar no nosso objetivo maior, realizar um Congresso Internacional que tratasse de assuntos tão relevantes como foram tratados na nossa Fronteira. Digo isso porque nossa Região está a exatos 500km da Capital Porto Alegre, local onde a ESA juntamente com Comissões da OAB Seccional semanalmente realizava antes da pandemia grandes cursos e eventos, atualmente estes eventos vêm sendo supridos com excelência pelos cursos e eventos no modo virtual. Trouxemos palestrantes do Brasil, Uruguai, Argentina e Paraguai, todos dispostos a discutir temáticas de extrema importância não só para as mulheres mas para a sociedade como um todo, pois a Violência contra a mulher adoece não só a vítima direta, mas todo o seu núcleo familiar. Foram 03(três) painéis, o primeiro tratou sobre o Feminicídio: o ápice da Violência Doméstica, que contou com a Dra. Fabiana Otero representando o Brasil; a Dra. Nedy Dávila representando o Uruguai e a Delegada Tatiana Bastos também do Brasil. O segundo painel teve como temática Maria da Penha: Políticas Públicas e a aplicabilidade no combate a Violência Doméstica e foram ouvidas a Dra. Luciana Teixeira representando o Brasil; o Oficial Ádans Fabian e a Dra. Veronica Bujarin ambos do Uruguai assim como a Dra Adriana Torrente vinda 9 diretamente da Argentina. Por fim o terceiro painel tratou sobre Direito Penal Informático: Violência Contra a Mulher na internet nos países do Mercosul, e tivemos a oportunidade de ouvir o Dr. Spencer Sydow trazendo a visão do Brasil, o Dr. Mario Spangenberg expondo suas considerações quanto ao Uruguai e a Dra. Rocío Riquelme que fez seu contraponto desde sua realidade Paraguaia. Como o objetivo principal era trazer visões de distintos Países sobre um mesmo tema, e buscar um olhar humanizado quanto a estas questões tão relevantes, o Congresso foi encerrado com uma bela fala sistêmica da Dra. Ana Carolina Lisboa, que nos brindou com a palestra Visão Sistêmica em relação à violência contra a Mulher. Cabe a mim fazer das palavras da Dra. Rosângela as minhas quanto aos agradecimentos, pois nenhum evento desta dimensão seria um sucesso como foi sem a colaboração de uma grande equipe. Porém preciso agradecer imensamente às minhas colegas de Comissão da Mulher Advogada de Santana do Livramento que deixaram de atender seus escritórios, famílias para que tudo saísse perfeito. Da mesma forma agradeço ao nosso Presidente Dr. Glenio Cardoso Lopes que sempre acreditou no trabalho da Comissão, nos dando todo apoio e toda a sua confiança na realização deste Congresso. A partir deste Congresso, surge o presente E-book, sendo este um compilado de trabalhos excelentes selecionados para proporcionar uma leitura de assuntos pontuais dentro dos temos trazidos no Congresso assim como uma forma de eternizar este grande Evento que com certeza teve como diferencial a proximidade entre os que lá se fizeram presentes, palestrantes, convidados, colegas de outras subseções e países assim como os congressistas, alcançando nosso objetivo final: falas enriquecedoras, trocas de realidades e um olhar humanizado sobre as questões lá discutidas. Carolina Dutra Normey Secretária-geral da Subseção de Santana do Livramento Coordenadora da Comissão da Mulher Advogada da Subseção de Santana do Livramento 10 PREFÁCIO Honra-me sobremaneira prefaciar esta obra digital que reúne os trabalhos científicos apresentados no I Congresso Internacional de Direito, gênero e conexões, por diversos motivos e sentimentos mas, principalmente pela oportunidade de proporcionar o leitor a leitura de textos produzidos por jovens pesquisadores jurídicos que debruçam seus estudos sobre temáticas relevantes e pulsantes no mundo no que diz respeito a violência de gênero, desigualdades, necessidades de atualização da visão da sociedade quanto a presença e atuação das Mulheres na engrenagem social. O Congresso foi pensado, idealizado e realizado por um grupo de Advogadas que compõem a Comissão da Mulher Advogada da subseção da OAB de Santana do Livramento, com o apoio da Comissão da Mulher Advogada da seccional do Rio Grande do Sul, OAB/RS e da Escola Superior de Advocacia da OAB/RS. Um evento internacional, de grande porte que proporcionou inigualáveis momentos de troca de experiências, de aprendizados e sobretudo de reflexão, em um ambiente de alto nível técnico e muito calor humano. Coroando o Congresso, ilustrando as temáticas trabalhadas, a organização do evento foi agraciada com a submissão de excelentes trabalhos científicos, frutos de pesquisas e dedicação de alunos acadêmicos e profissionais da área jurídica, estes trabalhos estão dispostos nesta obra para que o leitor possa, lendo estes textos, sentir-se inserido no contexto de conhecimento e reflexão que aqueles que puderam presenciar o Congresso estiveram emergidos. Esta obra deve ser consumida levando-se em conta a riqueza e diversidade das contribuições ao nosso conhecimento, prestadas por cada autor. Assim, é possível realizar a leitura de textos que abordam situações pontuais e muito bem elaboradas dentro do universo da violência contra a mulher, e ainda ser provocado a analisar aspectos culturais e a necessidade do aprimoramento de um sistema de coibição dos feminicídios. Estamos diante de uma coleção de trabalhos que foge da análise trivial da temática e surpreende ao tratar da desigualdade de gênero no âmbito do trabalho rural, da violência praticada no mundo virtual contra as mulheres, e de forma necessária no cenário atual, a violência enfrentada pelas mulheres negras. De maneira alguma escapa do escopo e análise dos nossos escritores um olhar crítico formador de opiniões acerca do sistema normativo atual, a proficuidade destas medidas, as imperfeições apontadas pelo desenvolvimento prático do sistema de proteção ao gênero. Esta obra demonstra seu valor pela verticalização dos temas, pela abertura do horizonte intelectual que proporciona e pela força representativa e emblemática que fornece ao ilustrar de forma técnica e científica um trabalho extremamente bem-sucedido, e elaborado pelo grupo de organizadoras do I Congresso Internacional de Direito, gênero e conexões. Lúcia Maria Quevedo Delegada da ESA OAB/RS – Subseção de Santana do Livramento – RS. 11 VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER: O PERCURSO DA VIOLÊNCIA MORAL ATÉ O FEMINICÍDIO Bianca Ayres Elguy1 Edilacir Larruscain2 Resumo: O direito protecional das mulheres foi ampliado nos últimos 30 anos em nosso país, como por exemplo com a criação da Lei Maria da Penha é a inclusão do feminicídio como agravante no crime de homicídio. Contudo, o que está cada vez mais notável e em aumento de exposição na mídia é a violência contra a mulher, da qual infelizmente na maioria dos casos, é envolta da morte da vítima, resultante do seu âmbito de relações íntimas e em seu lar, e na maioria das vezes, pelo seu companheiro. Isto se deve ao fato de que a cultura que nos foiimposta é em sua grande parte machista, onde os homens decidem e governam tudo, e esta ideia infelizmente é transmitida para a relação com a mulher, onde seu companheiro deseja decidir as suas roupas, suas amizades, seus locais de convívio social e até mesmo seu comportamento, e quando isso não é obedecido, surgem as agressões. Tais agressões são consideradas mascaradas, pois começam de modo sutil, onde geralmente após acontecerem, o agressor se demonstra arrependido, a vítima se envolve nessa relação abusiva, não vê a real gravidade da situação e não conta para ninguém o que está acontecendo. Contudo, é que o agressor não muda, pelo contrário, e na maioria dos casos, aumenta o número de agressões até resultar na morte da mulher. Palavras-chave: Feminicídio. Violência. Leis Protetivas. INTRODUÇÃO O Brasil vem demonstrando grandes avanços em relação aos direitos para as mulheres. No século XX, e especialmente nas últimas décadas, as mulheres conquistaram o direito ao voto, divórcio, uso de contraceptivos, educação, trabalho e equiparação salarial entre os gêneros. No âmbito jurídico protecional, em 1985 foi criado o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, subordinado ao Ministério da Justiça, com intenção da eliminação da discriminação e aumento da participação das mulheres na política, economia e cultura, em 2006 entrou em vigor a Lei n° 11.340 (Maria da Penha), criando mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher e em 2015 foi criada a Lei n° 13.104, onde altera o art. 121 do Decreto-Lei n° 2.848 de 1940 - Código Penal, para prever o feminicídio como circunstância 1 Estudante do curso de Direito/ 5º semestre. Campus Universitário de Santana do Livramento. Urcamp. 2 Orientador. Professor do Campus Universitário de Santana do Livramento. Urcamp. 12 qualificadora do crime de homicídio, e o art. 1° da Lei n° 8.072 de 1990, para incluir o feminicídio no rol dos crimes hediondos. No entanto, o que insiste em existir, é a violência contra a mulher, em sua grande parte na área doméstica, gerada por quem mais devia lhe amparar. O seu esposo, companheiro, namorado, irmão ou pai, enfim, qualquer indivíduo que possua um vínculo afetivo ou um convívio com a vítima, onde na maioria dos casos, após um ciclo vicioso de agressões e demonstrações de um falso arrependimento e promessas de mudanças do agressor, acaba em feminicídio. DESENVOLVIMENTO Toda semana são expostas nas mídias e veículos de comunicação notícias sobre novos casos de feminicídio, onde mulheres são mortas de forma extremamente violenta e com falta de piedade. O que se repete nesses casos, geralmente, é que o autor do crime sempre é o mesmo, o companheiro da vítima que não aceita o fim de um relacionamento repleto de agressões, e num ato machista de possessividade e irracionalidade, envolvendo algumas vezes álcool ou drogas, tira a vida da sua companheira. No dia 15 de maio deste ano, foi divulgada nos jornais do Estado do Rio Grande do Sul, e entre esses, no portal de notícias Gaúcha ZH 3(SCUR e MARTINS, 2019), que após um ano de desaparecimento, o corpo de uma mulher é encontrado enterrado em sua própria casa na cidade de Dom Pedrito, e o suspeito, no qual já se encontra preso, é o seu próprio companheiro. Casos assim, infelizmente estão sendo comuns e cotidianos de serem relatados, levando assim ao questionamento de por que mesmo com a criação de leis punitivas, homens ainda insistem, com seu sentimento de posse e superioridade, em violentar e até mesmo assassinar suas companheiras. A Lei Maria da Penha 4(BRASIL, 2006) define entre outras, que são formas de violência doméstica e familiar contra a mulher: a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal; a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima (...) ou que vise sua degradação; a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada (...); que a induza a comercializar ou a utilizar (...) a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, (...) ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos; a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que 3 (SCUR e MARTINS: 2019) 4 (BRASIL: 2006) 13 configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, (...) destinados a satisfazer suas necessidades e a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria. RESULTADOS E DISCUSSÃO Porém mesmo com esta ampla definição, a prevenção e o combate são difíceis, já que esta é uma violência mascarada, onde começa com pequenos empurrões ou puxões de cabelo, controles de ações e xingamentos e se desenvolve com tapas, socos, relações sexuais forçadas, restrição de liberdade e controle de comunicação com o resto das pessoas. Todavia entre essas ações existem boas práticas do agressor como a promessa de mudança ou a entrega de presentes para se mostrar arrependido, o que após algum tempo, sucede em agressões de maior grau de violência, alcançando a morte da mulher. A vítima está tão envolvida e enganada, que não enxerga as atitudes violentas que lhe são impostas, se ilude com as palavras e demonstrações de carinho após a agressão, se ilude de que seu agressor irá mudar e não expõe para ninguém o que está acontecendo, o que gera uma sensação de poder em seu agressor e fazendo com que as suas agressões sejam ocultadas e aumentadas. Essas situações são comuns e mais frequentes do que se possa imaginar, já que a vítima, que pode ser uma colega de trabalho, de faculdade, um familiar ou uma vizinha, oculta as agressões sofridas na ilusão de que elas não se repetiram, porém, infelizmente, na maioria dos casos, elas só aumentam, chegando no final fatal, sua morte. De acordo com o assunto, Carmen Hein de Campos, menciona no livro Feminicídio #InvisibilidadeMata 5(in PRADO e SANEMATSU, 2017) que: O feminicídio é a ponta do iceberg. Não podemos achar que a criminalização do feminicídio vai dar conta da complexidade do tema. Temos que trabalhar para evitar que se chegue ao feminicídio, olhar para baixo do iceberg e entender que ali há uma série de violências. E compreender que quando o feminicídio acontece é porque diversas outras medidas falharam. Precisamos ter um olhar muito mais cuidadoso e muito mais atento para o que falhou (p. 13) Medidas criminalizadoras servem mais para que após a conduta incorreta tenha sido realizada, alguma providência seja tomada. Contudo é que evitar e educar a sociedade para que a violência contra mulher não seja realizada, é mais racional do que punir após o crime ter sido realizado, já que a cultura que nos é imposta é de que em briga de marido e mulher não se mete a colher e que está tudo bem um casal viver em uma relação de constante violência. 5(in PRADO e SANEMATSU : 2017) 14 Como afirma Wânia Pasinato (in PRADO e SANEMATSU, 2017): É preciso entender definitivamente que, quando há violência contra uma mulher nas relações conjugais não se trata de ‘crime passional’. “É uma expressão que temos que afastar do nosso vocabulário, porque essa morte não decorre da paixão ou de um conflito entre casais. Ela tem uma raiz estrutural e tem a ver com a desigualdade de gênero. (p.16) A desigualdade de gênero vem sendo combatida com políticas públicas de igualdade entre homens e mulheres, contudo ainda há muito o que se conquistar. E para isso existe um movimentoque está lutando para que mulheres continuem conquistando o espaço e o respeito de homens em uma sociedade em sua maioria machista, o feminismo. Esse movimento, que se torna tão necessário em nosso cenário, já que a violência e o desrespeito contra as mulheres, principalmente em suas relações intimas, decorrentes de um abuso e de uma manipulação, mesmo com o passar dos anos e as medidas preventivas que não amedronta homens, somente aumenta em dados estáticos e denúncias. O sentimento de posse do homem sobre a mulher, é imposto na cultura machista brasileira, onde homens são criados num sistema patriarcal, muitas vezes em ambientes familiares em que os maridos podiam fazer o que desejavam com suas esposas, inclusive em frente aos filhos. O problema maior é que esses homens crescem acreditando, em uma parte, que tal sentimento seja normal e que podem governar o que sua ex ou atual companheira deve vestir, agir, seus gostos, gastos e usos, suas amizades e obrigar a manter relações sexuais e afetivas, e caso isso não seja realizado, ele não aceita e violenta, agride, tortura, estupra, estrangula e mata. Fazendo assim, com que o Brasil, possua os maiores índices de feminicídio do mundo. Muito já se foi feito para proteger mulheres contra agressões e assassinatos, contudo o caminho para a dignidade, o respeito e a valorização ainda é grande a ser conquistado. A denúncia da violência sofrida é o único caminho para preservar e afastar da vida um companheiro agressivo, e é melhor sofrer pelo fim de um relacionamento abusivo por um tempo do que eternamente por marcas físicas e psicológicas que poderiam ainda sim ser piores, como a própria morte. CONCLUSÃO Levando em conta todos os fatos mencionados, é imprescindível que todos se conscientizem de que é inaceitável que mesmo após tantos avanços sociais, o desrespeito e a violência contra a mulher insistam em existir em milhares de casos, que a mulher aceite viver 15 amedrontada em um relacionamento abusivo, e não denuncie o que está passando, já que a denúncia é o único caminho para que a violência não fique impune. Mas acima de tudo, que jamais se aceite que a cultura machista se imponha sob o empoderamento feminino, fazendo assim, com que sonhos e famílias sejam destruídas, diante de um sentimento de posse e superioridade que teima em existir na mente de alguns homens em relação as mulheres. Nada disso aconteceria se todos seguissem o disposto no Art. 5º da Constituição Federal, onde diz que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, e reafirmado no inciso I, no qual menciona que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição. O sexo feminino é capaz, é igual, merecedor e equivalente ao sexo masculino e isso precisa nos ser doutrinado com maior força e eficiência, já que estamos vivenciando tempos onde um grande político brasileiro já mencionou até que “mulher deve ganhar salário menor porque engravida”, demonstrando talvez um desprezo e desrespeito pelas mulheres. BIBLIOGAFIA SCUR, Noele e MARTINS, Cid. Após um ano desaparecida, corpo de mulher é encontrado enterrado em casa. Disponível em: <https://gauchazh.clicrbs.com.br/seguranca/noticia/2019/05/corpo-de-mulher-e-encontrado- enterrado-dentro-da-casa-do-ex-namorado-em-dom-pedrito- cjvp3d0js04c101maqjmdl71y.html> Acesso em: 02 de junho de 2019. PRADO, Débora e SANEMATSU, Marisa (orgs.). Feminicídio #InvisibilidadeMata. Instituto Patrícia Galvão. São Paulo. 2017 BRASIL. Lei n°. 11.340, de 7 de agosto de 2006.Lei Maria da penha. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13827.htm> Acesso em: 02 de junho de 2019. https://gauchazh.clicrbs.com.br/seguranca/noticia/2019/05/corpo-de-mulher-e-encontrado-enterrado-dentro-da-casa-do-ex-namorado-em-dom-pedrito-cjvp3d0js04c101maqjmdl71y.html https://gauchazh.clicrbs.com.br/seguranca/noticia/2019/05/corpo-de-mulher-e-encontrado-enterrado-dentro-da-casa-do-ex-namorado-em-dom-pedrito-cjvp3d0js04c101maqjmdl71y.html https://gauchazh.clicrbs.com.br/seguranca/noticia/2019/05/corpo-de-mulher-e-encontrado-enterrado-dentro-da-casa-do-ex-namorado-em-dom-pedrito-cjvp3d0js04c101maqjmdl71y.html http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13827.htm 16 MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA E A HIPÓTESE CRIMINALIZADORA: REFLEXÕES NECESSÁRIAS Cátia Conteratto Damo1 Josiane Petry Faria2 RESUMO: O presente estudo analisa as alterações produzidas no ordenamento jurídico brasileiro pela Lei n.13.641 de 03 de abril de 2018, a qual criminalizou o descumprimento de medidas protetivas aplicadas no âmbito da violência doméstica e familiar. O método de abordagem utilizado na pesquisa é o dedutivo. No desenvolvimento do presente trabalho, são conceituadas as medidas protetivas, os crimes de menor potencial ofensivo, a prisão preventiva e a fiança policial e, posteriormente, analisadas as controvérsias previstas no artigo 24-A, quais sejam, se o artigo prevê crime tipificado com aplicação da Lei dos Juizados Especiais e se a proibição de fiança policial é constitucional. Por ser a Lei Maria da Penha um instituto criado para proteger a mulher em situação de violência doméstica ou familiar, a Lei n. 9.099 de 26 de setembro de 1995 não é aplicável ao crime de descumprimento de medidas protetivas, e a fiança somente pode ser fixada pelo juiz. Palavras-chave: Fiança policial. Lei dos juizados especiais criminais. Medidas protetivas de urgência. 1 A NECESSIDADE DA CRIMINALIZAÇÃO DO DESCUMPRIMENTO DAS MEDIDAS PROTETIVAS Ao questionar a violência doméstica contra a mulher no ambiente familiar no Brasil, leva-se em conta uma série de fatores culturais, históricos e religiosos que colaboraram para as reiteradas práticas dessa ação. Com o passar dos anos, muitos movimentos feministas mudaram esse contexto de submissão. Mas a sociedade ainda cultiva valores que incentivam a violência contra as mulheres.3 Silvia Federici, ativista feminista ítalo-estadunidense, uma das impulsionadoras das campanhas que começaram a reivindicar um salário para o trabalho doméstico, realizado pelas mulheres sem nenhuma retribuição, sustenta que “[...] algumas das 1Especialista em Ciências Criminais e graduada pela Universidade de Passo Fundo, Passo Fundo, RS, Brasil. Advogada e Servidora Pública. E-mail: caticonteratto@gmail.com.br. 2Vice-presidente da Comissão da Mulher Advogada da OAB/RS, subsecção Passo Fundo. Possui pós- doutoramento no Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal de Rio Grande. Doutora pela Universidade de Santa Cruz do Sul. Professora do Programa de Pós-Graduação Mestrado em Direito da Universidade de Passo Fundo PPGDireito UPF. Conselheira do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher (COMDIM). Coordenadora do Programa de Extensão universitária PROJUR Mulher e Diversidade. Membra do Conselho Editorial do CONPEDI. Coordenadora do grupo de pesquisa Dimensões do Poder, Gênero e Diversidade do PPGDireito, Linha de pesquisa Relações Sociais e Dimensões do Poder, com ênfase em ciências criminais, gênero, relações de poder, diversidade e direitos humanos. Advogada. E-mail jfaria2@upf.br. 3RESENDE, Gisele Lira; VASCONCELOS, Claudivina, Campos. Violência Doméstica: A Aplicabilidade e Eficácia das Medidas Protetivas como Instrumento de Prevenção e Combate à Reincidência na Comarca de Barra do Garças-MT. Revista Direito em Debate. Jan/jun, 2018. p. 119. Disponível em: <https://doi.org/10.21527/2176-6622.2018.49.117-137>. Acesso em: 2019. 17 questões pelas quais o antigo movimento das mulheres batalhava ainda estão em aberto, que de fato não ultrapassamosa montanha [...]”. Defendia que a luta pela reivindicação dos direitos das mulheres deveria ser contínua e bem sucedida, para reconstruirmos a sociedade.4 A Lei Maria da Penha não possui caráter repressivo, mas sim visa à proteção e à assistência à mulher em situação de violência. Stela Valéria Soares de Farias Cavalcanti, ao se manifestar sobre o tema, sustenta que a Lei prevê mecanismos de prevenção, políticas públicas de cunho educacional e de assistência às vítimas, e que sua criação não teve a intenção de punir mais severamente os agressores dos delitos domésticos.5Essa Lei se diferencia pela criação de medidas protetivas de urgência, que são medidas cautelares, instrumentos legais disponibilizados para que a vítima recorra à justiça de forma rápida, por isso o caráter urgente, e consiga providências que cessem de imediato as agressões, sejam elas de qualquer natureza. Estudo realizado pelo Conselho Nacional de Justiça no ano de 2017 demostrou que o Poder Judiciário Brasileiro homologou 194.812 medidas em 2016, e 236.641 medidas em 2017, um aumento de 21% no período. Apontou-se uma média diária de 648 medidas protetivas de urgência no ano de 2017, ou seja, um caso de violência doméstica foi comunicado num período inferior a três minutos. Ainda segundo a pesquisa, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul expediu a maior quantidade de medidas em números absolutos: cerca de 38.604.6 Diante da necessidade foi inserido na Lei Maria da Penha tipo penal específico para punir a desobediência a decisões judiciais, que impõe medidas protetivas de urgência, o chamado crime de descumprimento de medidas protetivas, criado pela Lei n. 13.641 de 03 de abril de 2018. A Egrégia Corte do Superior Tribunal de Justiça possuía orientação jurisprudencial de que “[...] o descumprimento da decisão que impõe medida protetiva de urgência prevista na Lei n. 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) é a decretação de prisão preventiva e não a imputação do crime de desobediência [...]”7. O Tribunal possuía entendimento consolidado de que o 4MORAES, Alana; BRANT, Maria A.C. . Silvia Federici: “Nossa luta não será bem sucedida a menos que reconstruamos a sociedade”. SUR Revista internacional de Direitos Humanos. São Paulo, 2016. Disponível em: <https://sur.conectas.org/nossa-luta-nao-sera-bem-sucedida-menos-quereconstruamossoc iedade/>. Acesso em: 03 ago. 2019. 5CAVALCANTI, Stela Valéria Soares de Farias. Violência Doméstica: Análise da Lei “Maria da Penha”, nº 11340/06. 4. ed. Bahia: JusPodivm, 2012. p. 202. 6BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. O Poder Judiciário na aplicação da Lei Maria da Penha. 2018. Disponível em:<http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2018/06/2df3ba3e13e 95bf17e33a9c10e60a5a1.pdf>. Acesso em: 20 ago. 2019. 7BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n. 305.442, Quinta Turma Criminal Distrito Federal, DF, 03 de mar. de 2015. Disponível em: < https://scon.stj.jus.br/SCON/>. Acesso em: 03 ago. 2019. 18 descumprimento não deveria ser imputado, mas que somente serviria de fundamentação para prisão preventiva. Rogério Sanches Cunha e Ronaldo Batista Pinto8 afirmam que, diferentemente do posicionamento adotado pela Egrégia Corte, uma segunda corrente defendia que a conduta do agente que descumpria medida protetiva, configuraria o crime de descumprimento de medida protetiva. Relatam que o Enunciado 27 do Fonavid (Fórum Nacional de Juízes de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher) se manifestou nesse sentido. Alice Bianchini defende que a criminalização da conduta está em concordância com os objetivos trazidos pela Lei Maria da Penha. Afirma que, “[...] agora, resta discutir se foi correta a opção legislativa de criminalizar a conduta de descumprir medida protetiva de urgência e, superando tal questão e entendendo correta, se a pena está adequada. [...]”.9Referido diploma veio para preencher lacuna na Lei, em face da recorrente ocorrência de descumprimento de medidas protetivas pelos agressores, fragilizando o propósito da Lei, qual seja, de proteção a mulher vítima de violência. Antes mesmo do caráter repressivo, a Lei prevê a proteção e a assistência à mulher, a fim de que cesse o mais rapidamente possível a violência sofrida por ela. 2 DA CONTROVÉRSIA TIPIFICAÇÃO DO DESCUMPRIMENTO DE MEDIDAS PROTETIVAS Com a edição da Lei n. 13.641, de 03 de abril de 2018, restou pacificada a discussão quanto à tipificação da desobediência. Porém, a referida Lei trouxe como pena, para o descumprimento de decisão judicial que defere medidas protetivas de urgência, a de detenção, de três meses a dois anos, e prevê que, na hipótese de prisão em flagrante, apenas a autoridade judicial poderá conceder fiança. Essa questão vem dando margem a interpretações diversas. De um lado, há quem defenda, como, por exemplo, Samantha Braga Pereira e Michele Rocha Cortes Hazar, que, por ser a pena máxima cominada ao crime de descumprimento de medidas protetivas a de dois anos, são aplicáveis os institutos despenalizadores da Lei n. 9.099, de 26 de setembro 1995. Por outro lado, Rogério Sanches Cunha e Ronaldo Batista Pinto sustentam ser inaplicáveis tais disposições à conduta. Ainda, a nova Lei conferiu ao juiz a aplicação da fiança em caso de prisão em flagrante do agente que descumprir ordem judicial de medidas protetivas. Esse fato também gerou 8CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência Doméstica: Lei Maria da Penha. Lei 11340/2006. Comentada artigo por artigo. Salvador: Editora JusPodivm, 2019. p. 228. 9BIANCHINI, Alice. O novo tipo penal de descumprimento de medida protetiva previsto na Lei 13.641/2018. Ago. 2018, p. 02. Disponível em: <https://professoraalice.jusbrasil.com.br /artigos/569740876/o-novo-tipo-penal- de-descumprimento-de-medida-protetiva-previsto-na-lei1 3641-2018#_ftn4.> Acesso em: 29 ago. 2019. 19 discussões na doutrina, pois o artigo 32210 do Código de Processo Penal prevê que poderá ser concedida fiança pela autoridade policial para as infrações cuja pena privativa de liberdade máxima não seja superior a 4 anos, facultando a Lei a imposição de fiança somente pelo juiz, devendo, nesse tempo, o acusado ser levado à prisão. 2.1 Aplicação da Lei n. 9.099/95 ao crime de descumprimento de medidas protetivas A Lei n. 9.099, de 26 de setembro de 1995, tipifica as infrações de menor potencial ofensivo os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, cumulada ou não com multa. Prevê, para a configuração do crime, que esse tenha a pena prevista não superior a de dois anos, não se avaliando os demais elementos.11O procedimento é mais benéfico objetivando a reparação do dano sofrido pela vítima e a aplicação da pena não privativa de liberdade. Inclusive, o artigo 6912 da referida lei prescreve que não haverá prisão em flagrante e aplicação de fiança ao transgressor, mas sim será lavrado termo circunstanciado. Diante desse conceito, surgiram discussões acerca da aplicação do instituto mencionado ao crime de descumprimento, previsto pela Lei n. 13.641 de 03 de abril de 2018, o qual impôs ao agressor penalidade máxima de dois anos e mínima de três meses. Predisse que para o descumpridor, quando preso em flagrante, não será possível a aplicação de fiança pela autoridade policial, mas sim pelo juiz, contrariando o que dispõe a Lei vigente. Luan Alisson S. Furucho e Juliana M. Morotti13 defendem que “[...] o sujeito passivo do crime é suscetível de divergências na doutrina, tendo em vista que o mesmo é, primariamente, a administração da justiça e, secundariamente, a vítima de violência doméstica e familiar [...]”. Isso acaba por gerar dúvida sobre a aplicação da Lei do Juizados Criminais, em 10Artigo322 do Código de Processo Penal: “A autoridade policial somente poderá conceder fiança nos casos de infração cuja pena privativa de liberdade máxima não seja superior a 4 (quatro) anos. Parágrafo único. Nos demais casos, a fiança será requerida ao juiz, que decidirá em 48 (quarenta e oito) horas”. 11 PEREIRA, Samantha Braga; HAZAR, Michele Rocha Cortes. As controvérsias do crime de descumprimento de medidas protetivas da Lei Maria da Penha. Revista de Direito Penal, Processual e Constituição. Porto Alegre. v. 4, p. 81 – 9, jul/dez 2018, p. 89. 12Artigo 69 da Lei 9099/95: “A autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência lavrará termo circunstanciado e o encaminhará imediatamente ao Juizado, com o autor do fato e a vítima, providenciando-se as requisições dos exames periciais necessários. Parágrafo único. Ao autor do fato que, após a lavratura do termo, for imediatamente encaminhado ao juizado ou assumir o compromisso de a ele comparecer, não se imporá prisão em flagrante, nem se exigirá fiança. Em caso de violência doméstica, o juiz poderá determinar, como medida de cautela, seu afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a vítima”. 13FURUCHO, Luan Alisson Seiji; MOROTTI, Juliana Midori. A nova lei de crime de descumprimento das medidas protetivas: as repercussões trazidas à Lei Maria da Penha. III Colóquio Nacional de Estudos de Gênero e História: Epistemologias Interdições e Justiças Sociais. jun. 2018, p. 6. Disponível em: <http://www.seti.pr.gov.br> Acesso em: 08 ago. 2019. 20 face da consumação do crime de descumprimento de medidas protetivas ocorrer no momento do inadimplemento de uma ordem judicial. Segundo Samantha Braga Pereira e Michele Rocha Cortes Hazar14, o sujeito ativo do tipo penal é o agressor a quem foram impostas as medidas protetivas e, como sujeito passivo é o Estado, em razão do descumprimento ser de uma ordem judicial, sustentam que “[...]. Não se pode deduzir que descumprir a ordem judicial das medidas protetivas é um ato de violência direta contra a vítima [...]”. Em sentido contrário, o artigo 4115 da Lei Maria da Penha determina que, para os crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, não se aplica a Lei n. 9.099 de 26 de setembro de 1995. Referido artigo foi objeto de Ação Direta de Constitucionalidade n. 19, a qual foi julgada procedente à unanimidade. Rogério Sanches Cunha e Ronaldo Batista Pinto,16 ao se manifestarem sobre o tema, afirmam que haverá quem sustente a possibilidade de aplicação das medidas despenalizadoras, em virtude de a pena cominada ser inferior a dois anos e, também, que “[...] não se trataria, especificamente, de crime praticado com violência doméstica e familiar contra a mulher, mas sim de crime contra a Administração Pública, de forma que a vedação do artigo 41 da lei em análise, que impede a aplicação da Lei n. 9099/95, não incidiria nesse caso [...]”. Reforçam o seu posicionamento afirmando que são inaplicáveis as disposições da Lei dos Juizados Criminais ao crime de descumprimento de medidas protetivas. Sustentam que “[...] seria um verdadeiro contrassenso que uma inovação que tenha vindo – se imagina – em proteção a vítima de violência doméstica, pudesse admitir a imposição de medidas despenalizadoras [...]”. Para Marina Dias Marinho,17 também são inaplicáveis os benefícios da Lei n. 9.099 de 26 de setembro de 1995, pelo fato de o novo crime estar inserido na própria “Lei Maria da Penha”, não sendo possível a substituição da pena por “cestas básicas”. Salienta-se, diante das posições trazidas, que o principal objetivo da criação de um tipo penal na Lei Maria da Penha é justamente resguardar a mulher e sua família, de maneira que se possa tentar conter o agressor, fazendo cessar de imediato a situação de violência. Entende-se 14PEREIRA, Samantha Braga; HAZAR, Michele Rocha Cortes. As controvérsias do crime de descumprimento de medidas protetivas da Lei Maria da Penha. p. 86. 15Artigo 41 Lei da 11340/06: “Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995”. 16CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência Doméstica: Lei Maria da Penha. Lei 11340/2006. Comentada artigo por artigo. p. 229/230. 17MARINHO, Mariana Dias. O crime de desobediência na Lei Maria da Penha. Jun. 2018, p.1 Disponível em: <http://www.comunicacao.mppr.mp.br>. Acesso em: 29 jul. 2019. 21 que essas medidas fazem parte de todo um sistema de proteção estabelecido pela Lei Maria da Penha, que busca dar efetividade aos direitos humanos e a devida proteção às mulheres. Em uma análise de tipicidade, constata-se que o crime de descumprimento de medidas protetivas possui como sujeito passivo a Administração Pública, portanto, devendo ser aplicada a Lei dos Juizados Especiais Criminais, estando a previsão de imposição de fiança pelo juiz inadequada e inconstitucional. Porém, não teria sentido a criação de tal tipificação penal se não fosse para mudança na aplicação da concepção jurisprudencial criada pelos julgadores. Faz-se necessária uma interpretação jurídico-penal dos fenômenos. Em razão de o legislador prever que a aplicação da fiança será somente pelo juiz, entende-se que é necessária uma análise sucinta de cada caso, pois o juiz pode aplicar medidas diversas da prisão preventiva. O cárcere não é a solução mais adequada para a resolução do conflito, podendo ser adotadas políticas de prevenção à violência, meios para atendimento psicológico à vítima e ao agressor, amparo à mulher para se tornar menos vulnerável à violência. Necessita-se de uma mudança de pensamento na sociedade, de que o gênero feminino é inferior ao gênero masculino. Uma mudança cultural é um dos principais fatores para diminuir os índices de violência. 2.2 Da prisão em flagrante e da sua conversão em preventiva Único crime previsto na Lei Maria da Penha, o crime de descumprimento de medidas protetivas trata-se de crime próprio, podendo ser praticado por agressor que tem sobre si ordem judicial relacionada a delito cometido no âmbito doméstico e familiar. Muito se questiona sobre a possibilidade de decretação da prisão preventiva para assegurar o cumprimento das medidas protetivas. O Desembargador Rogério Gesta Leal, nos autos do processo de julgamento do Habeas Corpus n. 70077814101 defende que, por mais que a conduta praticada pelo agente seja gravosa, a prisão cautelar não se apresenta como a única medida suficiente para fins de preservação da vítima e acautelamento da ordem pública e social. Sustenta que “[...] a prisão preventiva somente pode ser decretada em casos excepcionais e estritamente necessários, notadamente levando em consideração o efeito negativo do cárcere e as influências próprias do ambiente prisional. [...]”.18 18RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n. 70077814101, 4ª Câmara Criminal, Porto Alegre, RS, 14 de junho de 2018. Disponível em:<http://www.tjrs.jus.br>. Acesso em 02 ago. 2019. 22 Verifica-se, portanto, que a decisão do legislador foi equivocada, ao possibilitar a decretação da fiança somente pelo juiz. Justifica-se que cabe ao Delegado de Polícia lavrar o auto de prisão em flagrante delito (ou termo circunstanciado de ocorrência). Além de verificar a existência dos requisitos para a decretação da prisão preventiva do descumpridor da medida e, estando presentes, poderá não arbitrar a fiança e representar pela decretação da medida cautelar pessoal mais gravosa, qual seja, a prisão preventiva para garantir a execução das medidas protetivas de urgência, não sendo privada a liberdade do acusado até que a decisão judicial ocorra19. Diante dos posicionamentos acimareferidos, observa-se que o julgador deverá analisar os requisitos autorizadores da prisão preventiva, pois, não possuindo o autor antecedentes criminais e não revelada a sua periculosidade, outras medidas cautelares menos gravosas podem ser aplicadas em substituição à prisão preventiva. Em contraposição ao alegado, uma segunda corrente prega que a tipificação prevista no artigo 24-A da Lei n. 13.641 de 03 de abril de 2018, foi criada para assegurar eficácia à prisão preventiva. Para isso, previu a hipótese de prisão em flagrante do descumpridor de medidas protetivas e fiança apenas judicial, diferentemente do previsto na legislação penal para esse tipo de crime. Rogério Sanches Cunha e Ronaldo Batista Pinto sustentam que, ao vedar a aplicação da fiança pela autoridade policial, está sendo garantida a aplicação do disposto no artigo 32420 do Código de Processo Penal, para possível conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva “[...] o legislador fez expressa referência a essa proibição, deixando clara sua opção e facilitando a tarefa do interprete [...]”.21 Esse fato pode ser constatado por análise breve de jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, o qual vem se posicionando no sentido de ser aplicável a restrição da liberdade ao descumpridor de medidas protetivas. Nos autos do Habeas Corpus n. 70081845042, sustentou-se que a Lei n. 11.340, de 07 de agosto de 2006, inseriu no ordenamento jurídico a possibilidade de segregação de cautelar, 19LEITÃO JUNIOR, Joaquim Lopes; SILVA, Raphael Zanon da. A Lei nº 13.641/2018 e o novo crime de desobediência de medidas protetivas. abr. 2018, p. 2. Disponível em: <https://canalcienciascriminais.com.br>. Acesso em: 1º ago. 2019. 20Artigo 324 do Código de Processo Penal: “Não será, igualmente, concedida fiança: I - aos que, no mesmo processo, tiverem quebrado fiança anteriormente concedida ou infringido, sem motivo justo, qualquer das obrigações a que se referem os arts. 327 e 328 deste Código; II - em caso de prisão civil ou militar; III - (revogado); IV - quando presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva (art. 312)”. 21CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência Doméstica: Lei Maria da Penha. Lei 11340/2006. Comentada artigo por artigo. p. 232. 23 ainda que em crimes de menor potencial ofensivo, como no caso analisado, em que, após deferidas as medidas protetivas em favor da vítima, o acusado a procurou, descumprindo as medidas impostas e a ameaçou de morte, por quatro vezes. Justifica-se que “[...] o objeto da referida lei consiste na prevenção dos crimes de violência doméstica, que geralmente ocorrem no seio familiar, sem a presença de testemunhas [...]”. No caso em análise, foi mantida a prisão do agressor para assegurar a aplicação da lei penal e a execução das medidas protetivas de urgência.22 Note-se que o delito tipificado no artigo 24-A, ao prever a possibilidade de prisão em flagrante garante que, de imediato, aquele agressor devidamente intimado da decisão legal que o proíbe de se aproximar ou manter contato com a vítima seja cerceado do direito à liberdade. Isso para assegurar a eficácia do respeito e do atendimento que se deve à determinação judicial, que objetiva garantir à mulher o direito de viver sem violência. Como se observa, a nova lei não pacificou o tema relativo ao descumprimento de medida protetiva por parte do agressor, não havendo entendimento pacífico quanto ao rito procedimental a ser seguido. 2.3 Aplicabilidade prática do crime de descumprimento de medidas protetivas A violação da previsão legal do artigo 24-A da Lei n. 13.641 de 03 de abril de 2018, não rara vezes pode seguir-se da prática de novos crimes contra a mulher em situação de violência doméstica e familiar, ou seja, o companheiro quando viola as medidas protetivas de forma dolosa e ao mesmo tempo profere ameaças à ex-companheira. A alteração legislativa é recente, havendo poucos julgados na jurisprudência de aplicação do crime de descumprimento de medidas protetivas. Analisaram-se decisões dos Tribunais de Justiça do Rio Grande do Sul e do Espírito Santo, nas quais o artigo 24-A da Lei n. 13.641 de 03 de abril de 2018 está sendo aplicado. Porém, alguns juízes “a quo” não estão aplicando a nova Lei. Na pesquisa de jurisprudência realizada, no período de 1º de janeiro de 2019 até 05 de setembro do mesmo ano, foram analisados os pedidos de Habeas Corpus do agressor que teve sua prisão em flagrante convertida em prisão preventiva. Também, observaram-se posições dos Tribunais quanto a apelações propostas por réu condenado ao crime previsto no artigo 24-A da Lei Maria da Penha. Foram analisadas quatorze decisões do Tribunal de Justiça do Espírito 22RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n.70081845042, 3ª Câmara Criminal, Porto Alegre, RS, 25 de julho de 2019. Disponível em:<http://www.tjrs.jus.br>. Acesso em: 02 ago. 2019. 24 Santo e vinte e uma do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Os gráficos abaixo demostram os resultados das decisões analisadas: Gráfico 01. Resultado das decisões proferidas em pedidos de Habeas Corpus - RS Fonte: A autora, a partir de RIO GRANDE DO SUL, 2019. Gráfico 02. Resultado das decisões proferidas em pedidos de Habeas Corpus - ES Fonte: A autora, a partir de ESPÍRITO SANTO, 2019. Conforme demostra o Gráfico, 01 foram analisadas dezesseis decisões de habeas corpus proferidas pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Nelas, constatou-se que nove pedidos foram denegados e sete concedidos. Os últimos tiveram como fundamento a concessão do pedido, com determinação de soltura do réu por excesso de prazo; já os primeiros, para denegação da ordem de manter os réus presos por estarem presentes os requisitos autorizadores da prisão preventiva e essa ser necessária para assegurar proteção à vítima. Já, no Tribunal de Justiça do Espírito Santo (Gráfico 02), em doze decisões analisadas, denegou à unanimidade as ordens de habeas corpus, fundamentando suas decisões no sentido de a prisão preventiva ser baseada nos requisitos autorizadores previstos no Código de Processo Penal e não se tratar de antecipação da pena. Nos Gráficos 03 e 04, demonstram-se decisões de apelações de réus condenados pela prática do crime previsto no artigo 24-A da Lei n. 13.641 de 03 de abril de 2018, nas quais por 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Concedido Denegado Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul Habeas Corpus 0 2 4 6 8 10 12 14 Concedido Denegado Tribunal de Justiça do Espírito Santo Habeas Corpus 25 entendimento unânime dos desembargadores foram improvidos os pedidos dos recursos de apelação. Confirmando a aplicação prática da alteração legislativa. Gráfico 03. Resultado das decisões proferidas em sede de apelação - RS Fonte: A autora, a partir de RIO GRANDE DO SUL, 2019. Gráfico 04. Resultado das decisões proferidas em sede de apelação - ES Fonte: A autora, a partir de ESPÍRITO SANTO, 2019. Constatou-se que há divergência quanto ao entendimento dos referidos Tribunais no tocante à concessão de ordem de Habeas Corpus do preso preventivamente pela prática do crime de descumprimento de medidas protetivas. Os julgadores do Tribunal de Justiça do Espírito Santo não estão revogando as prisões preventivas decretadas, mesmo após alguns meses de privação de liberdade do agressor, sustentando que “[...] não se confunde a prisão preventiva com a antecipação da sanção a ser imposta ao coacto, pois aquela se ampara nos requisitos fumus ‘comissi delicti’ e ‘periculum libertatis’, não sendo possível, portanto, tratar sobre a legitimidade da constritiva com base em mera presunção. [...]”.23 Já, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul,após transcurso de prazo, está concedendo, em alguns casos, ordem de habeas corpus, por entender que, se punido, o acusado 23ESPÍRITO SANTO. Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n. 0015535-09.2019.8.08.0000, da Segunda Câmara Criminal. Des. Fernando Zardini Antonio. Espírito Santo, 14 ago. 2019. Disponível em: <http://aplicativos.tjes.jus.br>. Acesso em: 03 set. 2019. 0 1 2 3 4 5 6 Improvida Provida Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul Apelação 0 0,5 1 1,5 2 2,5 Provida Improvida Tribunal de Justiça do Espírito Santo Apelação 26 teria a fixação do regime inicial de cumprimento de pena diverso do fechado ou semiaberto. Nos autos da ação de medidas protetivas de urgência n. 70081842114, julgada pela Terceira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, foi relaxada a prisão preventiva de acusado de descumprimento de medidas protetivas, pelo excesso de prazo, em decorrência de o réu estar preso há seis meses sem ter havido decisão judicial.24 Ainda, nos autos do processo n. 70081553067, o órgão ministerial interpôs recurso em sentido estrito contra decisão do juízo da Comarca de Júlio de Castilhos que, durante audiência de custódia, não converteu a prisão em flagrante do acusado de descumprir medidas protetivas de urgência, em preventiva. O juiz “a quo” entendeu haver dúvidas sobre a ocorrência do fato, em decorrência de o acusado ter apresentado defesa. O Desembargador Joni Victória Simões, ao julgar o recurso, sustentou que, pelos fatos relatados, e em análise ao caso concreto, inexistiam elementos concretos e atuais que demonstrassem a necessidade da medida do cárcere.25 Cabe ressaltar, também, que, nos autos do julgamento da Ação Penal n. 0005616- 85.2018.8.08.0014, da Terceira Vara Criminal de Colatina, o julgador Marcelo Feres Bressanapresentou voto embasando sua decisão de não incidência das penas descritas no artigo 24-A da Lei Maria da Penha, no princípio da consunção, sob o argumento de que o referido tipo penal seria apenas o meio utilizado para a prática do novo crime contra a mulher, que no caso foi o delito de ameaça.26 Referida sentença foi objeto de ação penal pública promovida pelo Ministério Público do Estado do Espírito Santo. Claudia Regina dos Santos Albuquerque Garcia, coordenadora do Núcleo de Enfrentamento as Violências de Gênero em Defesa dos Direitos das Mulheres, ao realizar estudo sobre o caso se manifesta no sentido de que [...] o reconhecimento da adequação do princípio da consunção se configuraria em verdadeira desconsideração do tipo penal do artigo 24-A, que diferente do alegado, é delito autônomo e independente, que não tem seu fim em novo crime praticado contra a mulher [...].27 24RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n. 70081842114, 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, 25 de julho de 2019. Disponível em: < https://www.tjrs.jus.br/site/busca-solr/index.html?aba=jurisprudencia>. Acesso em 08 ago. 2019. 25RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n. 70081553067, 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, 27 de junho de 2019. Disponível em: < https://www.tjrs.jus.br/site/busca-solr/index.html?aba=jurisprudencia>. Acesso em: 10 ago. 2019. 26RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Medidas Protetivas de Urgência n. 0005616-85.2018.8.08.0014, 3ª Vara Criminal de Colatina do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, Colatina, ES, 19 de março de 2019. Disponível em: <http://aplicativos.tjes.jus.br /consultaunificada/faces/pages/exibirDadosProcesso.xhtml>. Acesso em: 08 ago. 2019. 27GARCIA, Claudia Regina dos Santos Albuquerque. Estudos Atuais. Núcleo de Enfrentamento às Violências de Gênero em Defesa dos Direitos das Mulheres. Nov. 2018, p. 08. Disponível em: 27 Algumas decisões dos Tribunais analisados são contrárias ao entendimento jurisprudencial majoritário, que prevê ser aplicável a tipificação do crime de descumprimento ao descumpridor da ordem judicial que defere medidas protetivas. Mas, de modo geral, na pesquisa realizada, constatou-se que o dispositivo está sendo aplicado. Em recente decisão, a Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul negou provimento à apelação proposta pelo réu, sob o fundamento de que, apesar de ele estar intimado de medidas protetivas, foi até a residência da vítima por diversas vezes. Sustentaram os desembargadores que o fato de o acusado ter ido até a residência da vítima já consuma o crime, pois esse estava devidamente intimado das medidas, e no crime de descumprimento a consumação independe da prática de qualquer outro delito para sua consumação.28 A violência contra a mulher é uma realidade constante. Em razão disso, o descumprimento de medidas protetivas de urgência não poderia ficar impune, pois suas consequências podem ser fatais. Por outro lado, o cárcere do agressor não irá resolver o problema. O sistema prisional brasileiro está fracassado e há necessidade urgente de mudanças. São necessárias políticas públicas que visem à reintegração dos detentos à sociedade e, consequentemente, a diminuição da violência e a reincidência. CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente estudo verificou que a aplicação das medidas protetivas de urgência é necessária para a vítima de violência doméstica e familiar, pois são meios para assegurar o seu acesso rápido à Justiça, postulando providências para fazer cessar as agressões sofridas. Ainda, constatou-se que alguns doutrinadores defendem a aplicação dos institutos previstos na Lei n. 9.009 de 26 de setembro de 1995 ao crime de descumprimento, porém tal tese não foi recepcionada pela maioria dos julgadores, em consonância com a pesquisa de jurisprudência realizada. A fiança judicial, também, mostrou-se um meio necessário para assegurar maior proteção à vítima de violência doméstica, cerceando a liberdade do agressor até que sejam averiguados os fatos ocorridos. Conclui-se que se necessita de práticas sociais e políticas públicas para uma mudança no pensamento e no comportamento, nas quais as antigas concepções de subordinação e de <https://www.mpes.mp.br/Arquivos/Anexos/4cdb3e86-aa47-4811-8a46-36db6fecabdb.pdf>. Acesso em: 11 ago. 2019. 28RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação n. 70082425059, 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, 28 de agosto de 2019. Disponível em: < https://www.tjrs.jus.br/site/busca-solr/index.html?aba=jurisprudencia>. Acesso em: 1º set. 2019. 28 tratamento desigual entre os sexos masculino e feminino não serão mais aceitas. O poder de participação social das mulheres mostra-se necessário para garantir que possam estar cientes sobre a luta pelos seus direitos, como a total igualdade entre os gêneros. REFERÊNCIAS BIANCHINI, Alice. O novo tipo penal de descumprimento de medida protetiva previsto na Lei 13.641/2018. Ago. 2018, p. 02. Disponível em: <https://professoraalice.jusbrasil.com.br /artigos/569740876/o-novo-tipo-penal-de-descumprimento-de-medida-protetiva-previsto-na-lei1 3641- 2018#_ftn4>. Acesso em: 29 ago. 2019. BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. O Poder Judiciário na aplicação da Lei Maria da Penha. 2018. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2018/06/2df3ba3e13e95bf17e33a9c10e60a5a1.pdf>. Acesso em 20 de agosto 2019. _______. Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm>. Acesso em: 2019. _______. Decreto- Lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm>.Acesso em: 2019. _______. Lei n. 9.099, de 26 de setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9099.htm>. 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Acesso em: 2019. http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=199827 31 COMO SE ENCONTRA A ATUAL CONJUNTURA SOCIAL E ADMINISTRATIVA FRENTE À APURAÇÃO E ELUCIDAÇÃO DOS CASOS DE FEMINICÍDIO NO BRASIL PÓS ADVENTO DA LEI 13.104/15 Eduardo Vinhas Fagundes1 Resumo: O presente trabalho busca debruçar-se sobre a conjuntura social, jurídica e estatal encontrada pós advento da lei 13.104/15 que consolidou a qualificadora do feminicídio ao artigo 121 do Código Penal e permeou seu conteúdo normativo ao rol de crimes hediondos. Outrossim, também faz-se mister investigar à luz dos dados disponíveis no Brasil, alocado nas produções das instituições de pesquisas e autores relevantes para a explicação de conceitos, as possíveis problemáticas que ainda assolam a apuração e elucidação desse tipo penal no cenário jurídico brasileiro. Ademais, revela-se necessário uma abordagem racional com respaldo em evidências que levem à guisa de uma conclusão que fomente um responsável debate público. Da mesma forma, indaga-se se como estão operando os atores dos poderes públicos para o enfrentamento da violência de gênero contida nas situações fáticas, que logo, desaguam na aplicação da já supracitada qualificadora. A partir dessa abordagem, a pesquisa mostra-se alinhada a uma das áreas temáticas disponíveis ao I Congresso Internacional De Direito, Gênero e Conexões. Seu método têm cunho dedutivo e sua conclusão reside nos resultados presentes em dissertações de mestrado,doutorado, doutrinas, legislação e estudos estatísticos recentes. Palavras chave: Feminicídio. Direitos das mulheres. Direito penal. Violência de gênero Abstract: This research aims to capture the legal, social and state-owned conjucture following the law number 13.104/15 came to Brazil’s legislation, which included femicide to the 121 article of regarding the Criminal Code and adressed this normative to the list of heinous crimes. Taking that into account, arrives the need to investigate trough the available data founded in institutes of research’s productions and relevant authors to explain certain concepts, issues envolving the apuration of this crime in Brazil’s juridical experience. Therefore, it becomes fundamental to use a racional approach based on evidence that take us to a conclusion that strengthen the public debate. At the same time, inquires how public agents are operating to fight against gender violence that involves the feminicide norm’s application. Trough this exploration, the research works aligned with the available topics of “I Congresso Internacional De Direito, Gênero e Conexões”. This research relies on the deductive reasoning approach, developed through master thesis, doctoral dissertations, books, legislation and recent research data. Keywords: Feminicide. Women’s rights. Criminal law. Gender violence. INTRODUÇÃO Se depreende ainda um conteúdo normativo encantatório, que apenas trabalha em vias de um reconhecimento formal da problemática ou um imperativo contido nas sanções do tipo 1Acadêmico do 10º Semestre do Curso de Graduação em Direito da Universidade da Região da Campanha – URCAMP/Bagé. Endereço eletrônico: eduardovinhasf96@outlook.com. 32 penal que em sua qualificadora pode traçar uma melhor especificação da situação fática- jurídica? A igualdade material, portanto, deve ser visada à luz das contingencias que desaguam no corpo social, para que assim se enseje um norte programático estatal que dê maior amparo aos indivíduos em condições de fragilidade, trabalhado através das evidências disponíveis. Dessa forma, o empreendimento pretende-se traçar a luz de dados e autores que explanem conceitos significativos para essa construção, como se encontra a atual conjuntura fática e jurídica da problemática em questão pós o advento da lei 13.104/15. Logo, é analisado significância que a referida norma teve no ordenamento jurídico brasileiro. Em suma, mostra-se válido o fomento à produção científica da temática, na medida em que trata-se de fenômeno legal recente no Brasil, denotando certa urgência para sua elucidação, tanto por sua realidade alarmante quanto à necessidade em empreender vias resolutivas em sua abordagem. O ADVENTO DA LEI 13.104/15: DADOS DISPONÍVEIS E ÓBICES QUE AINDA ASSOLAM O ENFRENTAMENTO DA PROBLEMÁTICA Não há como aferir-se que o devido tratamento jurídico brasileiro à problemática aqui trabalhada tenha se dado de forma repentina ou que tenha vindo à tona de forma abrupta, nem há como compreender os marcos legais atuais sem mover-se pelas remontas históricas. Houve paulatinamente reivindicação de direitos por parte das mulheres, desaguando em um conjunto de documentos prescritos por órgãos internacionais com postura humanista pós-guerra, com ênfase para a Organização das Nações Unidas e a Organização dos Estados Americanos. (MARQUES, 2015, p. 110). Dessa forma, remetendo-se ao cenário brasileiro, a luta para quebra de paradigma incorreu no confronto de um Estado evasivo à maioria das reivindicações dos anos 60, para outro de produção legislativa mais sólida. De maneira trabalhosa, durante os anos e perpassando pelas delegacias especializadas na década de 1980, até a 2006, com a criação da Lei Maria da Penha (nº 11.340), tivemos então, um dos mais significativos paradigmas jurídicos para o combate à violência doméstica e familiar contra a mulher (CAMPOS, 2017, p. 10 apud Neto, 2017, pg. 22). Advento legal que ingressou no ordenamento jurídico brasileiro em 2006 após o histórico de agressões sofridos pela Maria Da Penha, em que a OEA condenou o Estado Brasileiro por negligencia, determinando a criação de uma lei que amparasse as vítimas de 33 agressões em âmbito doméstico (PIOVESAN; PIMENTEL, 2011, apud, MENEZES, 2018, pg. 67). Nesse sentido, é significativo ressaltar a justificativa do ingresso da qualificadora no ordenamento jurídico brasileiro, e da mesma forma, definir o conceito de feminicídio a luz dos juízos aqui apresentados. Portanto, a especificação normativa da qualificadora mostra-se imprescindível, como postula Santos (p. 94, 2018). [...] a tipificação da conduta de matar mulheres por pertencerem ao sexo feminino é imprescindível para a coleta de dados dos crimes de forma sistemática, com o escopo de criação, implementação e efetivação de políticas públicas eficazes no combate às violências contra a mulher, sendo dever do Estado cumprir com os compromissos firmados nos acordos e tratados nacionais prevenir os feminicídios e, caso ocorram, para investigar e sancionar aqueles que ceifam as vidas de mulheres em razão de serem mulheres. Termo contido na qualificadora que foi inicialmente utilizado entendido como uma junção de elementos de “[..] base misógina, envolvendo ou se originando de maus tratos; violência física, psicológica, sexual, econômica ou patrimonial que colocam as mulheres em uma posição de risco e que podem culminar em sua morte violenta” (MIGUENS, pg. 19, 2018), tendo sua primeira utilização na realização do International Tribunal on Crimes Against Women, de 04 à 08 de março de 1976 na cidade de Bruxelas, na Bélgica, que reuniu mais de duas mil mulheres provindas de 40 países diferentes. (MIGUENS, 2018, pg. 19). Já em sua via legal, a qualificadora ingressa no ordenamento jurídico brasileiro contendo prescrição no sentido de que incidirá, quando a conduta típica incorrer contra a mulher por razões da condição de sexo feminino. A devida consideração se dará na medida em que no crime ocorre no âmbito doméstico e familiar ou quando há um menosprezo ou discriminação à condição de mulher (BRASIL, 2015). Explanado breve resumo do conceito e sua origem, vale expor os dados disponíveis que denotam a problemática. Assim, consoante com o estudo do 13º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, os feminicídios integram 29,6% dos homicídios dolosos de mulheres em 2018 e incorreu aumento dos casos do tipo penal desde o vigor da referida lei, em 62,7%. Assim, revela-se também um crescimento de registros em 4% dos números absolutos, dos 1.151 casos em 2017 para os 1.206 em 2018 (2019, pg. 109). Todavia, deve-se atentar que, como postula o Atlas da Violência de 2019, organizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que O ponto principal é que não se sabe ao certo se o aumento dos registros de feminicídios pelas polícias reflete efetivamente aumento no número de casos, ou diminuição da subnotificação, uma vez que a Lei do Feminicídio (Lei no 13.104, de 09/03/2015) é 34 relativamente nova, de modo que pode haver processo de aprendizado em curso pelas autoridades judiciárias. (p. 39) Por conseguinte, apesar de algumas obscuridades ainda enfrentadas, a proteção do direito fundamental à vida, amparado em sede infra legal pela lei do feminicídio, pode contribuir para denotarmos como estão operando os atores estatais quanto à apuração dos fatos delituosos e seus meios processuais adequados, e da mesma maneira, identificarmos quais são os presentes óbices que encontram-se no caminho do acesso das mulheres à justiça (SANTOS, 2018, pg. 259). Em pesquisa recente, coordenada pela promotora Valéria Scarance do Ministério Público de São Paulo, intitulada Raio X do Feminicídio, revela-se
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