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Organizadores: Mariana Polydoro de Albuquerque Diefenthaler Rosângela Maria Herzer dos Santos Lucas Lazzaretti Vanessa Rodrigues Pereira Fernanda Beal Pacheco Estefani Teixeira Ana Paula Adede y Castro DIREITO À SAÚDE Porto Alegre, 2021 Copyright © 2021 by Ordem dos Advogados do Brasil Todos os direitos reservados Organizadores: Mariana Polydoro de Albuquerque Diefenthaler Rosângela Maria Herzer dos Santos Lucas Lazzaretti Vanessa Rodrigues Pereira Fernanda Beal Pacheco Estefani Teixeira Ana Paula Adede y Castro Jovita Cristina Garcia dos Santos – CRB 10/1517 A revisão de Língua Portuguesa e a digitação, bem como os conceitos emitidos em trabalhos assinados, são de responsabilidade dos seus autores. Ordem dos Advogados do Brasil Seccional do Rio Grande do Sul Rua Washington Luiz, 1110 –Centro Histórico CEP 90010-460 - Porto Alegre/RS D635 Direito à saúde/. Mariana Polydoro de Albuquerque Diefenthaler, Lucas Lazzaretti...[et.al] (Organizadores). Porto Alegre: OABRS, 2021. p.154 ISBN: 978-65-88371-14-5 1. Direito. 2. Saúde. I Título CDU 368.42 ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL - CONSELHO FEDERAL DIRETORIA/GESTÃO 2019/2021 Presidente: Felipe Santa Cruz Vice-Presidente: Luiz Viana Queiroz Secretário-Geral: José Alberto Simonetti Secretário-Geral Adjunto: Ary Raghiant Neto Diretor Tesoureiro: José Augusto Araújo de Noronha ESCOLA NACIONAL DE ADVOCACIA – ENA Diretor-Geral: Ronnie Preuss Duarte ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL - SECÇÃO DO RIO GRANDE DO SUL Presidente: Ricardo Ferreira Breier Vice-Presidente: Jorge Luiz Dias Fara Secretária-Geral: Regina Adylles Endler Guimarães Secretária-Geral Adjunta: Fabiana Azevedo da Cunha Barth Tesoureiro: André Luis Sonntag ESCOLA SUPERIOR DE ADVOCACIA Diretora-Geral: Rosângela Maria Herzer dos Santos Vice-Diretor: Darci Guimarães Ribeiro Diretora Administrativa-Financeira: Graziela Cardoso Vanin Diretora de Cursos Permanentes: Fernanda Corrêa Osório, Maria Cláudia Felten Diretor de Cursos Especiais: Ricardo Hermany Diretor de Cursos Não Presenciais: Eduardo Lemos Barbosa Diretora de Atividades Culturais: Cristiane da Costa Nery Diretor da Revista Eletrônica da ESA: Alexandre Torres Petry CONSELHO PEDAGÓGICO Alexandre Lima Wunderlich Paulo Antonio Caliendo Velloso da Silveira Jaqueline Mielke Silva Vera Maria Jacob de Fradera CAIXA DE ASSISTÊNCIA DOS ADVOGADOS Presidente: Pedro Zanette Alfonsin Vice-Presidente: Mariana Melara Reis Secretária-Geral: Neusa Maria Rolim Bastos Secretária-Geral Adjunta: Claridê Chitolina Taffarel Tesoureiro: Gustavo Juchem TRIBUNAL DE ÉTICA E DISCIPLINA Presidente: Cesar Souza Vice-Presidente: Gabriel Lopes Moreira CORREGEDORIA Corregedora: Maria Helena Camargo Dornelles Corregedores Adjuntos Maria Ercília Hostyn Gralha, Josana Rosolen Rivoli, Regina Pereira Soares OABPrev Presidente: Jorge Luiz Dias Fara Diretora Administrativa: Claudia Regina de Souza Bueno Diretor Financeiro: Ricardo Ehrensperger Ramos Diretor de Benefícios: Luiz Augusto Gonçalves de Gonçalves COOABCred-RS Presidente: Jorge Fernando Estevão Maciel Vice-Presidente: Márcia Isabel Heinen SUMÁRIO PREFÁCIO - Fabiana Azevedo da Cunha Barth ............................................................ 8 APRESENTAÇÃO - Mariana Polydoro de Albuquerque Diefenthaler e Estéfani Luise Fernandes Teixeira .............................................................................................................. 9 A LEI DAS VIDEOCHAMADAS SOB O ENFOQUE DA TERAPÊUTICA VOLTADA AO PACIENTE - Ana Paula Silva de Oliveira, Cláudia Helena Schmit Peres e Priscila Demari Baruffi ........................................................................................ 10 MEDICAMENTO DE ALTO CUSTO PARA DOENÇA GENÉTICA RARA: QUANTO VALE A VIDA DE UM BEBÊ?- Cíntia Helena Zwetsch .......................... 21 O DESCUMPRIMENTO DO ESTADO EM RELAÇÃO AO DIREITO À SAÚDE E A APLICABILIDADE DO JUDICIÁRIO NA DEMANDA POR MEDICAMENTOS ... - Emerson Rodrigues da Silva..............................................................................................30 TESTAMENTO VITAL E O PROCURADOR DE SAÚDE - Érica da Silva Coelho 41 PROMOÇÃO DO DIREITO FUNDAMENTAL A SAÚDE PARA PACIENTES COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA A PARTIR DA MEDICINA PERSONALIZADA - Estéfani Luise Fernandes Teixeira ............................................ 52 OS BENEFÍCIOS DAS FERRAMENTAS DE DIÁLOGO APLICADAS NA MEDIAÇÃO PARA A ÁREA DA SAÚDE - Fernanda Beal Pacheco Ohlweiler e Júlia do Couto e Silva Freitas .................................................................................................... 65 A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E A LIBERDADE DE ESCOLHA NA RELAÇÃO MÉDICO-PACIENTE - Jarbas Paula de Souza Junior ........................... 73 A HIPERVULNERABILIDADE DO CONSUMIDOR IDOSO FRENTE PUBLICIDADE DE MEDICAMENTOS - Jovana De Cezaro ..................................... 83 O CONSENTIMENTO DO PACIENTE NO DIREITO MÉDICO - Karla Schostack ................................................................................................................. 94 TELEMEDICINA – A (R)EVOLUÇÃO TRAZIDA PELA PANDEMIA PROVOCADA PELO CORONA VIRUS - Kelly Paties Pereira de Andrade ........... 101 O EXERCÍCIO PROFISSIONAL DA ODONTOLOGIA NA SAÚDE ESTÉTICA FACIAL - Leticia Voltz Alfaro ...................................................................................... 109 O ROL DA AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR: TAXATIVO OU EXEMPLIFICATIVO?- Lucas Lazzaretti ................................................................... 119 A JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA PÚBLICA E O ATUAL CENÁRIO NACIONAL DE PANDEMIA - Mariana Polydoro de Albuquerque Diefenthaler .. 125 A IMPORTÂNCIA DA ÉTICA E DO COMPLIANCE NA GESTÃO DE CONFLITOS DE INTERESSE EM HOSPITAIS - Melissa Daandels ............................................... 133 A COLISÃO E A EFICÁCIA DE DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS DURANTE A PANDEMIA DE COVID-19: A OBRIGATORIEDADE DA VACINAÇÃO À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL - Roberto Vinícius Silva Saraiva e Aline Eggers ........................................................... 142 POSFÁCIO - Germano Schwartz...................................................................................153 8 PREFÁCIO Honra-me apresentar a presente coletânea, cuidadosamente elaborada pela Comissão Especial de Saúde da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional do Rio Grande do Sul, abordando temas de interesse da advocacia nesta área, objeto de reflexões desta atuante e longeva Comissão. Todavia, ainda há outro motivo que uniu textos e autores no contexto desta obra coletiva, que é o fato de ter igualmente como propósito, para além de aprofundar debates técnicos, servir como espaço de reconhecimento ao primoroso e dedicado trabalho realizado pela Escola Superior de Advocacia da OAB/RS. Dessa forma, a leitura dos textos que se seguirão é altamente recomendável, seja por sua qualidade técnica, seja porque a partir desta ação estar-se-á, não apenas aprendendo sobre a área do conhecimento objeto de estudo e análise em cada artigo, mas verdadeiramente homenageando os trinta e seis anos de muitas páginas escritas motivadas pelo constante estímulo ao conhecimento, à produção intelectual e à reflexão coletiva propostos pela ESA/OABRS. Nesse sentido, na certeza de que esta singela e enxuta apresentação tenha estimulado os(as)leitores(as) a desbravar as próximas páginas, encerro desejando que a curiosidade pelo conteúdo da obra seja com brevidade plena mentesatisfeita e que a ESA/OABRS tenha vida longa, pois fundamenta ao aperfeiçoamento da advocacia e ao aprimoramento do ensino científico e técnico em nosso Estado e, diante de uma sociedade tecnológica que altera os limites territoriais, porque não dizer, do Brasil e do mundo. Fabiana Azevedo da Cunha Barth Secretária-Geral Adjunta da OABRS 9 APRESENTAÇÃO Apresentar esta obra é um privilégio. Trata-se de oportuna coletânea de estudos sobre direito à saúde, idealizado pelos organizadores e articulistas da Comissão Especial da Saúde da Ordem dos Advogados do Rio Grande do Sul – OAB/RS. Os autores são estudiosos que se dedicam à reflexão sobre o direito à saúde, debruçando-se sobre temas relevantes e inquietantes, essenciais em tempos de pandemia, ocasionada pelo coronavírus, a requerer muitas pesquisas e estudos para informar e conscientizar a população. O presente e-book foi idealizado com a finalidade celebrar e os 36 anos da Escola Superior de Advocacia – ESA e homenagear a Dra. Rosângela Maria Herzer dos Santos, diretora da ESA, os quais foram dedicados aos estudos e à pesquisa em Direito. A trajetória acadêmica da homenageada compreende grande experiência na pesquisa acadêmica, advocacia e docência, sendo uma renomada profissional. A ESA foi fundada em 1985, por inciativa da OAB/RS, sendo a primeira de sua espécie, por força da Resolução n. 24/1985. O Presidente da OAB/RS à época, em reunião ordinária de 03 de setembro de 1985 do Egrégio Conselho Seccional, aprovou a criação da ESA com destinação a centralizar e coordenar – na condição de departamento cultural do conselho seccional – as atividades culturais, por meio de cursos, estudos, seminários, congressos, publicações e demais programações que visem à elevação do nível cultural dos advogados gaúchos. A Dra. Rosângela Maria Herzer dos Santos expressa a dedicação à ESA gaúcha, seja na docência ou na pesquisa, já que ela possui um currículo de extrema relevância acadêmica e jurídica. Conforme se observa destas páginas, a obra contempla estudos que atendem profissionais de diversas áreas, fomenta dúvidas, provoca inquietações e reflexões e, sobretudo, aponta caminhos. Nesse sentido, é uma preciosa contribuição para a comunidade, auxiliando na compreensão de temáticas atuais e por vir, sendo recomendada a leitura. Portanto, os organizadores, articulistas e a Comissão Especial da Saúde, em nome da presidente Dra. Mariana Diefenthäler, homenageiam a Escola Superior de Advocacia, pelos seus 36 anos, e a Dra. Rosangela Maria Herzer dos Santos, por sua dedicação, trajetória, contribuição e ensinamentos à Ciência Jurídica brasileira, com votos de sucesso e agradecimento de: Mariana Polydoro de Albuquerque Diefenthäler, Estéfani Luise Fernandes Teixeira, Ana Paula Adede y Castro, Fernanda Beal Pacheco, Lucas Lazzaretti e Vanessa Rodrigues Pereira. Mariana Polydoro de Albuquerque Diefenthaler Presidente da Comissão Especial da Saúde - CES-OAB/RS Estéfani Luise Fernandes Teixeira Membro da Comissão Especial de Educação e da Comissão Especial da Saúde da OAB/RS 10 A LEI DAS VIDEOCHAMADAS SOB O ENFOQUE DA TERAPÊUTICA VOLTADA AO PACIENTE Ana Paula Silva de Oliveira1 Cláudia Helena Schmit Peres2 Priscila Demari Baruffi3 Resumo: Objetiva-se com o presente artigo, analisar-se a lei das videochamadas sob o enfoque da terapêutica voltada ao paciente, como o próprio título apresenta. É apresentado uma breve contextualização dos efeitos da pandemia causada pelo Sars-CoV-2, aliado ao avanço das doenças crônicas não transmissíveis pelo mundo como efeito do progresso científico que prolongou a vida daqueles acometidos por estas enfermidades. E, finalmente, abordar-se-á as controvérsias e evolução da utilização da lei das videochamadas. Palavras-chave: Covid-19. Internação. Cuidado. Paciente. Empatia. 1 INTRODUÇÃO Já restou claro após quase dois anos vivenciando os efeitos da síndrome respiratória causada pelo Sars – CoV-2, que a pandemia disseminada por ele e com efeitos avassaladores sobre toda a população mundial, foi um acelerador do futuro. Mas não apenas isso! Ela reacendeu discussões a respeito da morte e do morrer, dos direitos no fim de vida e dos cuidados centrados no paciente, grandes questões já há muito vistas pela Bioética e o Biodireito. Segundo Gawande (2015), durante a maior parte da história da humanidade, a morte era uma possibilidade comum, sempre presente, vivíamos em uma verdadeira roleta-russa, que com o decorrer dos anos e o advento do saneamento básico e outras medidas de saúde pública, reduziram-se drasticamente o risco da provável morte. Não obstante, na medida em que o risco da provável morte foi afastado pelo progresso científico, levando a um prolongamento na expectativa de vida e cura de algumas doenças consideravas ameaçadoras, o uso abusivo da tecnologia fez com que inúmeros e complexos dilemas éticos aparecessem. Como entende França (2021), a medicina curativa 1Graduada em direito pela Universidade Luterana do Brasil- ULBRA, Especialista no Novo Direito Processual Civil Brasileiro pela Unisinos e Direito Tributário pela Anhanguera, inscrita na OAB/RS sob nº 58.586, email: apaula_oliveira@hotmail.com; 2 Graduada em direito pela Pontifícia Universidade Católica do RGS- PUC/RS, Especialista em Direito Público pela Universidade Caxias do Sul – UCS, inscrita na OAB/RS sob nº 30.350, email: chs.peres@gmail.com 3 Graduada em direito pela Universidade Caxias do Sul- UCS, Especialista em Bioética pela Universidade Caxias do Sul- UCS, email: priscila_baruffi@yahoo.com.br 11 tornou-se uma instituição, que má utilizada, pode nos levar a programação arbitrária de pessoas, controle abusivo da sociedade e domínio abjeto da natureza pela utilização do que se chama de “obstinação terapêutica” ou “terapêutica fútil”. É diante desse quadro que se apresenta uma morte longa e muitas vezes sofrida, fruto, na maioria das vezes, da obstinação terapêutica e da necessidade médica e de muitos familiares em manter seus pacientes internados a qualquer custo, mas também pelo fato de que, como em doenças já consideradas crônicas e altamente transmissíveis como a causada pelo Sars – CoV-2, não existe possibilidade de alta, cabendo ao médico não a cura, mas minorar o sofrimento do paciente, aliviar seu desconforto e oferecer condições dignas e respeitosas no fim de vida. Veremos neste trabalho, a partir de pesquisa realizada por meio de estudo de referencial biográfico, de que forma foi possível atender ao anseio da sociedade por levar àqueles pacientes acometidos da “doença do coronarívus 2019”, mas não apenas estes, a todos aqueles que se encontram em uma situação de extrema dor e fragilidade, um pouco de conforto, carinho e esperança. 2 PRECISO DIZER QUE TE AMO A chegada de uma síndrome respiratória aguda grave causada pelo Sars-CoV-2 e que ficou conhecida como “doença do coronavírus 2019” ou covid-19 foi noticiada pela primeira vez em dezembro de 2019, tendo como origem a cidade de Wuhan, Província de Hubei, na China (CHAN et al., 2020). O vírus causador do covid-19 pode ser transmitido através de secreções de saliva, espirro, tosse, fala e contato com superfícies contaminadas. Ou seja, basta o contato próximo (menos de um metro de distância) com uma pessoa que esteja infectada para que possa ocorrer a transmissão (OPAS, 2021). Como o covid-19 possui alta transmissibilidade, foi necessário que os países colocassem em prática medidas sanitárias na tentativa de diminuir o caos instalado pela doença. Ocorreu o fechamento de escolas e universidades, proibição de eventos em massa e aglomerações, bem como restrições de viagens, por exemplo (AQUINO et al., 2020). O quadro clínico dos pacientes acometidospelo covid-19 varia de leve, moderado e grave (WIERSINGA et al., 2020). Cerca de 14% dos infectados evoluem para casos clínicos graves, apresentando dispnéia, envolvimento pulmonar acima de 50% e 5% evoluem para doença crítica com insuficiência respiratória, choque e/ou falência de múltiplos órgãos (MICHELIN et al., 2020). Além disso, estudos apontam que pelo menos 17% a 35% dos 12 pacientes adultos com covid-19 precisaram de internação em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) pela hipoxemia e insuficiência respiratória, e até 91% destes receberam ventilação mecânica (SAUERESSIG et al., 2020). Sabe-se que as emoções que os pacientes vivem durante a hospitalização podem interferir na sua recuperação, e isso, não é diferente com os internados por covid-19. De acordo com um estudo realizado por Rodrigues et al (2021), dentre os sentimentos mais evidentes entre os internados estão: humor depressivo, medo e a ansiedade. Enquanto os pacientes que apresentavam sintomas leves da doença realizavam o tratamento de forma isolada em suas residências, para os pacientes que inspiravam maiores cuidados e apresentavam situação clínica agravada foi necessário a hospitalização, permanecendo o paciente em leito isolado, mantendo contato apenas com os profissionais da saúde, visto que, as visitas hospitalares e a permanência de acompanhantes foram suspensas (NUNES et al., 2020). Os pacientes internados podem ser divididos em dois grupos de acordo com sua capacidade de comunicação, com base no quadro a seguir: Fonte: Crispim et al ([2020]). Devido a impossibilidade de visitas presenciais, surge a alternativa das visitas virtuais, que através da tecnologia pode conectar o paciente e seus familiares. Com tantas opções de contatos com o mundo externo, não há motivos para manter o paciente que já está isolado fisicamente sem receber nenhum contato com seus familiares (CRISPIM et al., [2020]). Apesar de o Conselho Federal de Medicina (CFM) ter elaborado o parecer de n. 14 do ano de 2017, reconhecendo o WhatsApp como ferramenta de comunicação (até mesmo muito antes da pandemia ocorrer), não existia nenhuma lei que pudesse guiar os profissionais de saúde referente as videochamadas hospitalares, principalmente se tratando de internações de pacientes em UTI. Ou seja, como surgiu essa alternativa de contato entre paciente e seus familiares, mas 13 não existia nenhuma lei que a embase algumas cidades liberaram a prática através de leis municipais como São Paulo e Rio de Janeiro, mas mesmo assim, acabava dependendo de vários outros fatores para acontecer esse contato, afinal, não existia critérios legalmente constituídos. Dessa forma, iniciou-se uma campanha chamada “preciso dizer que te amo” encabeçada pela médica Ana Cláudia Arantes ([2021]) que buscava a aprovação de uma Lei Federal que tratasse das videochamadas hospitalares, através do Projeto de Lei (PL) n. 2136 e sua consequente aprovação. O Projeto de Lei de autoria do Deputado Federal Célio Studart passou por uma votação simbólica e foi aprovada em 11 de agosto de 2021, seguindo para sanção do Presidente da República. Dentre os pontos mais importantes do antigo Projeto de Lei e agora Lei n. 14.198 (Lei das Videochamadas) pode-se destacar: mínimo de uma chamada diária a pacientes internados; em caso de existir contraindicação para videochamada deverá ser justificada e anotada no prontuário médico; no caso de pacientes inconscientes, as videochamadas devem ser realizadas desde que previamente autorizadas pelo próprio paciente enquanto gozava da capacidade de se expressar de forma autônoma, ainda que oralmente ou por familiar. No mesmo mês que ocorria a tramitação do PL no Senado Federal, a média de mortes diárias no Brasil atingiu a marca de 777 óbitos, menor número do ano (PINHEIRO, 2021). 3 CONTROVÉRSIAS E EVOLUÇÃO NA UTILIZAÇÃO DAS VIDEOCHAMADAS Com a realidade pandêmica, hospitais, casas de saúde e, principalmente, os profissionais da saúde passaram a vivenciar rotinas muito diferentes das anteriormente enfrentadas. As internações de pacientes acometidos pela covid-19 cresciam de forma exponencial ao mesmo tempo em que a necessidade de internação por outras patologias também persistia, gerando uma necessidade urgente de adequação a novas rotinas e práticas no cuidado médico e assistencial do paciente. Diante desse quadro de aumento no volume de internações e o alto grau de contágio do covid-19, a rotina mais impactada foi a visitação de familiares a todos os pacientes internados. Por outro lado, os profissionais de saúde que prestavam atendimentos vivenciavam uma rotina de cuidados intensivos e permanentes, além da necessidade de isolamento pelo alto 14 grau de contágio da doença que impossibilitava o contato com familiares para prestar informações sobre o quadro do paciente ou levar informações aos mesmos, gerando um afastamento e uma grave ansiedade para todos os envolvidos – familiares, pacientes e equipe médica. Diante desse contexto, as videochamadas eram a única forma de minimizar o afastamento do paciente e seu familiar, sempre com a certeza que esse contato era essencial para a recuperação da doença. Na busca da aproximação do paciente e seu familiar, as instituições de saúde se utilizaram de diversas práticas na lacuna da regulamentação. No Hospital Universitário Júlio Muller, no Estado do Mato Grosso, as videochamadas começaram a ser feitas de forma regular já no ano passado, com regras claras para o procedimento. Nosso primeiro paciente foi um paciente do Amazonas, e a videochamada foi essencial para mantermos a conexão dele com a família. Foi como colocar alguém que estava na chuva em um local quente. […] A gente percebe a diminuição da ansiedade dessas pessoas e até uma melhor adesão a procedimentos médicos. Relata o enfermeiro coordenador do hospital, Lennon Rodrigues Silva (CAMPOS, 2021). Segundo a matéria, a instituição promove videochamadas até com pacientes sedados e em situações terminais, para que a família possa se despedir. No Hospital Bom Pastor de Igrejinha, Rio Grande do Sul, as videochamadas eram realizadas por uma psicóloga, de forma agendada e através de um tablet (SANDER, 2021). No Hospital Universitário de Londrina, as visitas virtuais eram realizadas por um setor de acolhimento formado por estagiários e voluntários (ORIKASA, 2021). Todavia, a utilização das videochamadas sem uma normatização trazia muita insegurança jurídica para as instituições de saúde e profissionais da área com a necessidade da preservação do sigilo e da privacidade dos pacientes, pois o paciente em leito de UTI não está com seu aparelho celular, como o paciente em leito de enfermaria ou apartamento. Além da questão da preservação da privacidade do paciente, havia a questão da autorização do paciente sem estado de consciência para realizar a videochamada. A normatização dessa prática se fazia necessário e urgente para a preservação dos direitos do paciente e seu familiar, uma vez que sua aplicação ficava a critério da instituição de saúde, muitas vezes gerando dúvidas éticas aos profissionais da saúde que não se sentiam seguros na aplicação das medidas adotadas. 15 Nesse período foram promulgadas leis municipais – Rio de Janeiro, São Paulo e Londrina e Resoluções de Conselhos Estaduais de Medicina, como o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo que trouxeram algumas regulamentações para a realização das videochamadas. Com o advento da Lei n. 14.198/21, aguarda-se uma maior efetividade da prática pelas instituições de saúde, tanto no cumprimento do direito segurado, quanto na extensão aos demais pacientes em situação de isolamento ou internação intensiva, uma vez que, segundo uma nota do governo federal sobre a lei. A iniciativa atende e respeita o princípio da dignidade da pessoa humana,previsto na Constituição Federal, permitindo que expressões de amor, afeto e apoio por parte de amigos e familiares propiciem benefícios diretos e indiretos a todos os envolvidos no tratamento, inclusive profissionais de saúde, com foco, principalmente, na recuperação do paciente, ainda que ele esteja inconsciente (MINISTÉRIO DA SAÚDE, GOVERNO FEDERAL, 2021.) Ainda não se pode sentir de forma concreta, dada sua promulgação ser muito recente, em 02 de setembro de 2021, e depender da operacionalização dos serviços de saúde, como dispõe o art. 3º da referida lei, mas, a toda evidência, já se tem uma vitória na concretização do direito do paciente e seu familiar. 4 CONCLUSÃO É sob tal perspectiva que devemos entender que o foco no paciente sempre deverá ser o objetivo a permear qualquer ato médico, especialmente aqueles atos que farão parte de momentos de grande sofrimento da vida de um enfermo, ou daqueles que determinarão de que forma serão os últimos momentos de vida de um ser humano, o último acontecimento da nossa vida, a morte! Segundo a Organização Pan Americana de Saúde (OPAS) e a Organização Mundial de Saúde, com dados que cobrem o período de 2000 a 2019, as Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT), são a causa principal de mortalidade e de incapacidade prematura no mundo, incluindo países do nosso continente e o Brasil. Destacam a necessidade urgente de intensificar a prevenção de doenças cardiovasculares, câncer, diabetes e doenças respiratórias crônicas, conforme estabelecido na agenda dos objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU. E diante desse quadro o que temos é uma morte longa e sofrida diante, na maioria 16 das vezes, da obstinação terapêutica e da necessidade médica e de muitos familiares em manter seus pacientes internados a qualquer custo, mas também pelo fato de que, como em doenças já consideradas crônicas e altamente transmissíveis como a causada pelo Sars – CoV-2, não existe possibilidade de alta, cabendo ao médico não a cura, mas minorar o sofrimento do paciente, aliviar seu desconforto e oferecer condições dignas e respeitosas no fim de vida. Para tanto a Organização Mundial de Saúde (OMS), preconiza que a modalidade de tratamento, ou seja, a intervenção terapêutica deve ser focada não na doença, mas sim, na pessoa, que passa a ser vista e amparada em todas as dimensões do seu sofrimento, que vão desde os efeitos colaterais dos tratamentos ditos curativos até os desejos do paciente em fim de vida, os cuidados paliativos. O primeiro conceito de cuidados paliativos foi dado em 1990 pela Organização Mundial da Saúde (OMS), atualizado em 2002, e mais recentemente em 2017 quando afirma tratar-se de: Uma abordagem de melhora da qualidade de vida dos pacientes (adultos e crianças) e de seus familiares, que enfrentam problemas associados a doenças que ameaçam a vida. Previne e alivia sofrimento por meio da investigação precoce, avaliação correta e tratamento da dor e de outros problemas ‘físicos, psicossociais ou espirituais’. Dito isso, os cuidados paliativos são aqueles que objetivam garantir ao paciente qualidade de vida até o momento de sua morte, assegurando que ela ocorra de forma digna, com cuidados e buscando o menor sofrimento possível. É nesse cenário que se perpetuam os maiores conflitos segundo França (2021), levando-se em conta os princípios antagônicos de preservação da vida e do alívio do sofrimento, sendo uma das tarefas da Bioética o estabelecimento e articulação entre seus princípios fundamentais, como forma de resolver o conflito. O Direito dos Pacientes baseia-se em normas de direitos Humanos, que se aplicam a qualquer pessoa, independentemente de sua condição ou tipo de relação com os serviços ou os profissionais de saúde (ALBUQUERQUE, 2020, p. 33). Dentre os Direitos Humanos do Paciente, temos: direito à vida; direito à privacidade, direito a não ser discriminado; direito à informação, direito à saúde e remédios (jurídicos efetivos) e de onde derivam os Direitos do Paciente, quais sejam: cuidados em saúde de qualidade e seguro; autodeterminação e confidencialidade de dados pessoais; não ser discriminado; direito à informação sobre sua 17 condição de saúde e acesso ao prontuário, cuidados em saúde com qualidade e segurança, apresentar queixa e reparação (ALBUQUERQUE, 2020, p. 25) Mais do que nunca é preciso dar voz ativa ao cuidado centrado no paciente, no intuito de reforçar a parceria que deve existir entre médicos, pacientes e suas famílias, na promoção do respeito, do bem-estar, do cuidado, e do cuidado com o espírito, para que a partir daí sejam respeitados dois dos principais princípios da bioética, quais sejam: a) princípio da beneficência, que representa a obrigação moral do pesquisador e do profissional da saúde de buscar o bem-estar do paciente maximizando os benefícios de uma conduta ou procedimento médico e minimizando o prejuízo, e; b) princípio da justiça, o qual deve ser entendido como um critério de imparcialidade e equidade, garantindo a cada paciente, de forma individual e humanizada, o tratamento e o cuidado de que necessite (SIQUEIRA, 2008). Segundo Albuquerque (2012), a empatia passou a ser considerada uma capacidade fundamental na esfera dos cuidados em saúde, uma vez que há um movimento global no sentido de pensar a Medicina sob uma perspectiva humanista, como forma de reaproximar o profissional da saúde, o paciente e sua família, integrando a empatia implícita ou explicitamente em seu arcabouço teórico. Define-se, então, a empatia e a conexão humana como fatores determinantes da condição de saúde do paciente. Com efeito esses estudos lançaram luz sobre o fato de que o relacionamento profissional de saúde-paciente é o coração dos cuidados em saúde. Assim, concluindo que o paciente é um ser multifatorial e possui dores que não são apenas físicas e ultrapassam sua dimensão biológica, é através do humanismo, dos cuidados paliativos e da saúde centrada no paciente, que a Lei n.º 14.198 (Lei das Videochamadas), deve ter seu enfoque e aplicabilidade, de forma a possibilitar a presença da família junto ao paciente favorecendo a efetividade desta relação de humanidade, bem-estar e segurança. REFERÊNCIAS ALBUQUERQUE, Aline. Manual de direito do paciente. Belo Horizonte: CEI, 2020. AQUINO, Estela M. L. et al. Medidas de distanciamento social no controle da pandemia de Covid-19: potenciais impactos e desafios no Brasil. Ciência & Saúde Coletiva, v. 25, p. 2423-2446, jun. 2020. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1413- 81232020256.1.10502020. Acesso em: 20 abr. 2021. https://doi.org/10.1590/1413-81232020256.1.10502020 https://doi.org/10.1590/1413-81232020256.1.10502020 18 ARANTES, Ana Cláudia Quintana. Preciso dizer que te amo. 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Cíntia Helena Zwetsch1 Resumo: O aumento na judicialização de demandas de saúde que versam sobre a concessão, pelo Poder Público, de medicamento para terapia gênica em pacientes bebês com doença genética rara tem gerado um acirrado debate envolvendo dois relevantes princípios constitucionais: mínimo existencial e reserva do possível. A busca por uma chance de salvaguardar a vida, a saúde e a dignidade humana dos pacientes com atrofia muscular espinhal (AME) tem como obstáculo um valor consideravelmente astronômico: cerca de 12 milhões de reais. Levando-se em conta os direitos, valores e princípios envolvidos, o que deverá preponderar? Palavras-chave: Atrofia muscular espinhal. Direitos fundamentais. Princípios constitucionais. Mínimo existencial. Reserva do possível. 1 INTRODUÇÃO Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o direito à saúde foi alçado ao status de direito social fundamental. A Carta Magna inovou ao dispor expressamente, em seu artigo 196, que a saúde é direito de todos e dever do Estado, bem como ao instituir, no artigo 198, o Sistema Único de Saúde (SUS), que tem por objetivo oferecer serviços de saúde gratuitos e de qualidade a toda população brasileira. Ao passo que as necessidades humanas são ilimitadas, as possibilidades financeiras do Estado são insuficientes para atendê-las em sua plenitude. Essa escassez de recursos consubstancia a teoria da reserva do possível. Já o princípio do mínimo existencial tem como fundamento a necessária (e obrigatória) garantia das prestações positivas mais básicas às pessoas, que assegurem a sua integridade. Conforme entendimento já firmado pela jurisprudência do STF, o princípio da reserva do possível não poderá ser invocado pelo Poder Público sempre que inviabilizar/ comprometer a concretização/ efetivação dos direitos essenciais dos cidadãos (mínimo existencial), especialmente no que tange ao direito à vida e à saúde, este que é decorrente do princípio da dignidade da pessoa humana. 1 Advogada. OAB/RS 60.544. Pós-graduada - LL-M em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas - FGV. Pós-graduanda em Direito Médico e da Saúde pela Ulbra. E-mail: cintia.zwetsch@gmail.com. 22 Especificamente no caso dos bebês portadores de AME (atrofia muscular espinhal) Tipo1, cujo medicamento que busca corrigir o raro defeito genético possui um custo extremamente elevado, a relevante e desafiadora questão que surge instantaneamente é: como harmonizar os princípios constitucionais em conflito? 2 CONFLITO ENTRE PRINCÍPIOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS CONSTITUCIONAIS ENVOLVIDOS A Constituição Cidadã de 19882, ao dispor sobre os direitos e garantias fundamentais, bem como os direitos sociais, assim determina expressamente: Art. 5.º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...]. Art. 6.º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. Mais adiante em sua redação, ao tratar da Ordem Social, a Lei Maior3 estabelece que: Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Os dispositivos legais acima transcritos têm por intuito assegurar direitos básicos, inerentes à condição humana, fundamentais para a manutenção da vida e pleno desenvolvimento de todos os cidadãos brasileiros. A saúde, que tempos atrás era tida como sinônimo de ausência de doença e enfermidade, teve seu conceito bastante ampliado, sendo modernamente compreendida como um estado de completo bem-estar físico, mental, emocional, social e espiritual. Isso porque a saúde passou a ser analisada em suas dimensões subjetivas, também chamadas de biopsicossociais, sendo parte importante ainda a busca e preservação da qualidade de vida das pessoas. 2BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 24 out. 2021. 3BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 24 out. 2021. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm 23 A atrofia muscular espinhal (AME), presente na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID 10) com o código G.12.0 (atrofia muscular espinal infantil tipo 1 – Werdnig-Hoffman)4, trata-se de uma doença neurodegenerativa progressiva rara e irreversível, ocasionada pela ausência ou defeito no gene que produz a proteína (denominada SMN1) que protege os neurônios motores responsáveis por levar o impulso nervoso da coluna vertebral para os músculos. Sem essa proteína, os neurônios morrem e os impulsos não chegam, o que provoca uma perda progressiva da função muscular e as consequentes atrofia e paralisação dos músculos, afetando a respiração (trazendo sérios riscos de infecções respiratórias que não raramente evoluem para uma pneumonia), a deglutição, a fala e a capacidade de andar do bebê. Atualmente, existem no mercado dois medicamentos produzidos por grandes empresas farmacêuticas para tratar da doença, ambos devidamente registrados perante a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). O primeiro, nominado SPINRAZA®, cujo princípio ativo é a nusinersena, foi aprovado pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (CONITEC) e atualmente é disponibilizado gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde, desde que atendidos os protocolos exigidos 5. O fármaco – de uso contínuo – consiste no recebimento de 06 (seis) infusões intravenosas no primeiro ano de vida do paciente e 03 (três) doses por ano até o fim da vida – o que não exclui a necessidade de uso de suporte ventilatório e eventuais intercorrências que demandem a necessidade de internação hospitalar, inclusive em âmbito de unidade de terapia intensiva (UTI). O segundo, aplicado em dose única – de preferência até os 02 (dois) anos de idade do bebê, para maior eficácia no tratamento –, corrige o defeito na base e dispensa manutenção. A este pequeno milagre da ciência denominou-se ZOLGENSMA®. Referido fármaco, cujo princípio ativo é o onasemnogeno abeparvoveque, insere material genético modificado no organismo, fornecendo uma cópia funcional do gene SMN1 para deter a progressão da doença. Em outras palavras, repõe a função nervosa do(a) paciente acometido(a) pela atrofia muscular espinhal. 4PEBMED. G12 – Atrofia Muscular Espinal e Síndromes Correlatas. [S.l., 20--]. Disponível em: https://pebmed.com.br/cid10/g12-atrofia-muscular-espinal-e-sindromes-correlatas/.Acesso em: 24 out. 2021. 5INSTITUTO NACIONAL DA ATROFIA MUSCULAR ESPINHAL (INAME). Pelo SUS, benefícios e outros. [S.l., 20--]. Disponível em: https://iname.org.br/vivendo-com-ame/beneficios/. Acesso em: 24 out. 2021. https://pebmed.com.br/cid10/g12-atrofia-muscular-espinal-e-sindromes-correlatas/ https://iname.org.br/vivendo-com-ame/beneficios/ 24 Como dito anteriormente, a terapia genética pioneira realizada com o ZOLGENSMA® ainda não foi adotada pelo SUS, pendendo de avaliação na Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED)6 quanto a comprovação de sua eficácia. Razão pela qual as famílias dos bebês acometidos pela AME tem buscado judicialmente a complementação, pelo Estado, do valor necessário para receber a sua “dose de vida”. Isso porque, tão logo o diagnóstico é informado, se inicia uma verdadeira corrida contra o tempo na busca da cura para essa doença letal e para angariar valores para custear o medicamento de valor astronômico. O Superior Tribunal de Justiça (STJ), através do Tema 1067 (definido quando do julgamento do repetitivo REsp n.º 1.657.156), estabeleceu regras para o deferimento de remédios não integrados pelo SUS. Vejamos: A concessão dos medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa dos seguintes requisitos: (i) comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS; (ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito; (iii) existência de registro na ANVISA do medicamento. Aplica-se ao caso ainda o Tema 7938 do Supremo Tribunal Federal (fixado por ocasião do julgamento em sede de repercussão geral do RE n.º 855.178), o qual determina que Os entes da federação, em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde, e diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro. Razão pela qual as demandas envolvendo a concessão do medicamento mais caro do mundo, via de regra, estão sendo ajuizadas perante a Justiça Federal dos Estados. 6NOBRE, Noéli. Projeto garante tratamento de atrofia muscular espinhal no SUS. Agência Câmara de Notícias, Brasília, 10 jun. 2021. Disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/766448-projeto-garante- tratamento-de-atrofia-muscular-espinhal-no-sus/. Acesso em: 24 out. 2021. 7BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Primeira Seção. Tema Repetitivo n. 106. Relatoria: Ministro Benedito Gonçalves. Julgado em: Brasília, 03 maio 2018. Publicado em: Brasília, 04 maio 2018. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/repetitivos/temas_repetitivos/pesquisa.jsp?novaConsulta=true&tipo_pesquisa=T&c od_tema_inicial=106&cod_tema_final=106. Acesso em: 24 out. 2021. 8BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Plenário. Repercussão Geral em Recurso Extraordinário n. 855178 – Tema 793. Relatoria: Ministro Luiz Fux. Julgado em: Brasília, 23 maio 2019. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4678356. 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Colacionamos importante trecho do leading case, da lavra do Ministro Luiz Fux: Nesse sentido, tratando o caso dos autos de medicamento órfão para doença rara, os requisitos da tese vinculante formada por esta Corte parecem estar atendidos. Ademais, merecem relevância os relatórios dos profissionais médicos que acompanham a criança, os quais corroboram a necessidade de prescrição do medicamento, inclusive considerando as condições de idade e de peso da interessada, para, de forma segura e eficaz, minimizar os efeitos da doença que sofre. Ademais, não se deve olvidar que a ordem constitucional vigente, em seu artigo 196, consagra o direito à saúde como dever do Estado, que deverá, por meio de políticas sociais e econômicas, propiciar aos necessitados tratamentos eficazes, capazes de lhes garantir maior dignidade e menor sofrimento. Deveras, na complexa ponderação entre, de um lado, os importantes argumentos de ordem financeira, e, de outro, a concretização do direito de acesso à saúde, não se pode desconsiderar a relevância do direito à vida, para cuja garantia devem todos os cidadãos ser incentivados a cooperar. Eis a máxima da justiça social preconizada pela Constituição de 1988, calcada nos valores de solidariedade tão caros à sociedade brasileira. Ao tratar sobre os limites oponíveis à realização dos direitos fundamentais de cunho prestacional, Novelino10 assim leciona sobre o princípio da reserva do possível: A existência de disponibilidade fática dos recursos para a efetivação dos direitos fundamentais é um dos aspectos mais controvertidos. A limitação e escassez dos recursos materiais disponíveis para o atendimento das infindáveis demandas sociais condicionam, em certa medida, a realização das prestações impostas pelos direitos sociais ao volume de recursos susceptível de ser mobilizado pelos poderes públicos. A onerosidade da implantação dos direitos sociais acaba por condicionar o seu processo de concretização às possibilidades financeiras e orçamentárias do Estado, já que alguns consistem em prestações pecuniárias, enquanto outros implicam em despesas de diversos tipos (e.g., saúde e educação). Dentre as várias questões que podem ser suscitadas, pergunta-se: qual o critério a ser utilizado para esta análise? A disponibilidade orçamentária para atender àquela demanda específica ou a todas as situações similares a ela? O atendimento deve ser para todos ou apenas para aqueles que realmente não têm como arcar com os custos? Relativamente ao preceito do mínimo existencial, Novelino11 assevera que, “deduzido a partir dos princípios da dignidade da pessoa humana, da liberdade material e do 9BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Presidência. Suspensão de Tutela Provisória n. 803. Relator: Ministro Luiz Fux. Julgado em: Brasília, 17 jul. 2020. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6220257. Acesso em: 24 out. 2021. 10NOVELINO, Marcelo. Curso de direito constitucional. 12. ed. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 481-482. 11NOVELINO, Marcelo. Curso de direito constitucional. 12. ed. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 483. http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6220257 26 Estado Social, o termo designa um conjunto de bens e utilidades básicas imprescindíveis a uma vida humana digna.” A Lei n.º 8.069/9012, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), determina o quanto segue: Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes,por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade. Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Por tudo quanto exposto, inequivocamente estamos diante de um conflito entre os princípios do mínimo existencial e da reserva do possível, os quais possuem a mesma envergadura constitucional. Há de se levar em conta ainda os direitos fundamentais à vida, à saúde e àquele que é o cerne do ordenamento jurídico pátrio: a dignidade da pessoa humana, elevada ao status de fundamento da República Federativa do Brasil. 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS Todos os direitos fundamentais previstos em nossa Carta Magna – individuais, sociais, políticos, culturais, econômicos, ambientais – possuem a mesma escala de importância, pelo que não há de se falar em direito absoluto ou inquestionável. Em existindo colidência entre um ou mais princípios e valores, o julgador terá que adotar os critérios da ponderação, da razoabilidade, da adequação e da proporcionalidade na análise do caso concreto. Nas palavras Mendes, Coelho e Branco,13 O exercício da ponderação é sensível à ideia de que, no sistema constitucional, embora todas as normas tenham o mesmo status hierárquico, os princípios constitucionais podem ter “pesos abstratos” diversos. Mas esse peso abstrato é apenas um dos fatores a ser ponderado. Há de se levar em conta, igualmente, o 12BRASIL. Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Brasília, 1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm. Acesso em: 24 out. 2021. 13MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 285-286. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm 27 grau de interferência sobre o direito preterido que a escolha do outro pode ocasionar. Por fim, a ponderação deve ter presente a própria confiabilidade das premissas empíricas em que se escoram os argumentos sobre o significado da solução proposta para os direitos em colisão. Sopesando todos os aspectos envolvidos na questão posta, nos parece evidente que o direito à vida deverá prevalecer sempre. Alcançar um medicamento de alto custo a um bebê portador de doença neurodegenerativa equivale a investir em seu futuro, dando a ele a oportunidade de crescer, se desenvolver e, quiçá, ter uma vida plena na idade adulta. Embora os estudos acerca da AME ainda sejam incipientes, é sabido que as crianças que estão recebendo aplicação da terapia gênica com o medicamento ZOLGENSMA® tem respondido adequadamente ao tratamento, que possui prognóstico bastante promissor. Por certo que durante um bom tempo seguirão com acompanhamento médico (pediatra, geneticista, neurologista, pneumologista) e equipe multiprofissional (fisioterapeuta respiratória e motora, fonoaudióloga, terapeuta ocupacional, entre outros) mas, embora ainda exista o risco de óbito, a esperança de dias melhores e na melhor recuperação possível graças aos benefícios clínicos do fármaco faz com que o pensamento acerca dessa possibilidade se dissipe instantaneamente. O preço proibitivo do medicamento, assim considerado até mesmo nos países ricos – USD 2.125.000,000 (dois milhões cento e vinte e cinco mil dólares), faz com que a judicialização para fornecimento do remédio pelo Poder Público seja a única alternativa viável para a aplicação de sua dose única. Atualmente, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei n.º 1.531/21, proposta pelo deputado Guilherme Mussi, que visa garantir à pessoa com atrofia muscular espinhal o direito de receber a terapia gênica sem custo, via Sistema Único de Saúde14. Importante consignar que o custo extremamente elevado do ZOLGENSMA® se dá em razão de sua condição de medicamento órfão, ou seja, é dirigido ao tratamento de doença rara, cuja comercialização não se dará em grandes proporções. Diante dessa limitação de mercado (poucos pacientes com a doença), em regra as grandes farmacêuticas não possuem interesse em desenvolver pesquisas extremamente caras para introduzir um remédio no mercado cujo vultoso investimento financeiro dificilmente será recuperado com as vendas. 14NOBRE, Noéli. Projeto garante tratamento de atrofia muscular espinhal no SUS. Agência Câmara de Notícias, Brasília, 10 jun. 2021. Disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/766448-projeto-garante- tratamento-de-atrofia-muscular-espinhal-no-sus/. Acesso em: 24 out. 2021. https://www.camara.leg.br/noticias/766448-projeto-garante-tratamento-de-atrofia-muscular-espinhal-no-sus/ https://www.camara.leg.br/noticias/766448-projeto-garante-tratamento-de-atrofia-muscular-espinhal-no-sus/ 28 Em um mundo de valores muitas vezes distorcidos e corrompidos, em que a sociedade de tantas formas privilegia o TER em detrimento do SER, decisões como a do Supremo Tribunal Federal antes mencionada – a qual prioriza, de forma clara e expressa, o investimento na vida, na saúde e no bem-estar de uma criança –, trazem alento e confiança em um futuro melhor não apenas para os portadores de AME, mas para toda a humanidade. REFERÊNCIAS BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 24 out. 2021. BRASIL. Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Brasília, 1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm. Acesso em: 24 out. 2021. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Primeira Seção. Tema Repetitivo n. 106. Relatoria: Ministro Benedito Gonçalves. Julgado em: Brasília, 03 maio 2018. Publicado em: Brasília, 04 maio 2018. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/repetitivos/temas_repetitivos/pesquisa.jsp?novaConsulta=true&ti po_pesquisa=T&cod_tema_inicial=106&cod_tema_final=106. Acesso em: 24 out. 2021. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Plenário. Repercussão Geral em Recurso Extraordinário n. 855178 – Tema 793. Relatoria: Ministro Luiz Fux. Julgado em: Brasília, 23 maio 2019. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4678356. Acesso em: 24 out. 2021. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Presidência. Suspensão de Tutela Provisória n. 803. Relator: Ministro Luiz Fux. Julgado em: Brasília, 17 jul. 2020. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6220257. Acesso em: 24 out. 2021. INSTITUTO NACIONAL DA ATROFIA MUSCULAR ESPINHAL (INAME). Pelo SUS, benefícios e outros. [S.l., 20--]. Disponível em: https://iname.org.br/vivendo-com- ame/beneficios/. Acesso em: 24 out. 2021. MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. NOBRE, Noéli. Projeto garante tratamento de atrofia muscular espinhal no SUS. Agência Câmara de Notícias, Brasília, 10 jun. 2021. Disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/766448-projeto-garante-tratamento-de-atrofia- muscular-espinhal-no-sus/. Acesso em: 24 out. 2021. NOVELINO, Marcelo. Curso de direito constitucional. 12. ed. Salvador: Juspodivm, 2017. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htmhttps://processo.stj.jus.br/repetitivos/temas_repetitivos/pesquisa.jsp?novaConsulta=true&tipo_pesquisa=T&cod_tema_inicial=106&cod_tema_final=106 https://processo.stj.jus.br/repetitivos/temas_repetitivos/pesquisa.jsp?novaConsulta=true&tipo_pesquisa=T&cod_tema_inicial=106&cod_tema_final=106 https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4678356 http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6220257 https://iname.org.br/vivendo-com-ame/beneficios/ https://iname.org.br/vivendo-com-ame/beneficios/ https://www.camara.leg.br/noticias/766448-projeto-garante-tratamento-de-atrofia-muscular-espinhal-no-sus/ https://www.camara.leg.br/noticias/766448-projeto-garante-tratamento-de-atrofia-muscular-espinhal-no-sus/ 29 PEBMED. G12 – Atrofia Muscular Espinal e Síndromes Correlatas. [S.l., 20--]. Disponível em: https://pebmed.com.br/cid10/g12-atrofia-muscular-espinal-e-sindromes- correlatas/. Acesso em: 24 out. 2021. SOARES, Raquel Cavalcante. A contrarreforma na política de saúde e o sus hoje: impactos e demandas ao serviço social. 2010. 210f. Tese (Doutorado em Serviço Social) - Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2010. VENTURA, Miriam et al. Judicialização da saúde, acesso à justiça e a efetividade do direito à saúde. Revista de Saúde Coletiva. Rio de Janeiro, v. 20, n.01, p. 77-100, 2010. https://pebmed.com.br/cid10/g12-atrofia-muscular-espinal-e-sindromes-correlatas/ https://pebmed.com.br/cid10/g12-atrofia-muscular-espinal-e-sindromes-correlatas/ 30 O DESCUMPRIMENTO DO ESTADO EM RELAÇÃO AO DIREITO À SAÚDE E A APLICABILIDADE DO JUDICIÁRIO NA DEMANDA POR MEDICAMENTOS Emerson Rodrigues da Silva 1 Resumo: A saúde é um direito universal respaldado pela Constituição Federal de 1988, na qual encontra-se inserida na órbita dos direitos sociais, tendo como pilar a dignidade humana. Infelizmente, mesmo após o pacto constitucional e a criação do Sistema Único de Saúde, que buscou através de uma rede organizada e regionalizada atender a população com maior eficiência, o Estado com dever prestacional de saúde, declinou-se dessa responsabilidade, terceirizando serviços, retirando controle dos Conselhos e Conferências de Saúde e sucateando o SUS, gerando um acumulo de incontáveis processos na esfera judicial em que os cidadãos buscam por medicamentos e tratamentos. Assim, o presente artigo tem como objetivo analisar o direito à saúde como corolário do princípio da dignidade da pessoa humana, abordando o dever do Estado na garantia dos direitos fundamentais, verificando a precariedade do Sistema Único de Saúde como fruto do descumprimento do pacto constitucional e, por fim, averiguar a necessidade da judicialização por busca de medicamentos. Quanto à metodologia, foi aplicada a técnica de pesquisa bibliográfica, desenvolvida com base em material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos a fim de conhecer e analisar as principais contribuições teóricas existentes sobre o assunto, em especial, foram utilizadas como fonte de dados a legislação, a doutrina (composta pelos livros, artigos científicos e demais trabalhos acadêmicos, bem como outros materiais já publicados a respeito do tema) e a jurisprudência pátria. Concluindo-se que a resolução desta problemática seria a retomada do Estado ao seu posto de garantidor de direitos, melhorando e ampliando a rede de saúde, para que toda população brasileira possa efetivamente ter uma saúde e vida plena. Palavras-chave: Saúde. Estado. Poder Judiciário. ABSTRACT: Health is a universal right supported by the Federal Constitution of 1988, in which it is inserted in the orbit of social rights, with human dignity as a pillar. Unfortunately, even after the constitutional pact and the creation of the Unified Health System, which sought to serve the population more efficiently through an organized and regionalized network, the State with a duty to provide health care, declined this responsibility, outsourcing services, removing control of Health Councils and Conferences and scrapping the SUS, generating an accumulation of countless lawsuits in the judicial sphere in which citizens seek medicines and treatments. Thus, this article aims to analyze the right to health as a corollary of the principle of human dignity, addressing the State's duty to guarantee fundamental rights, verifying the precariousness of the Unified Health System as a result of 1 Advogado pós graduando em Direito Médico e da Saúde – Bagé/RS. 31 non-compliance with the constitutional pact and , finally, to investigate the need for judicialization for drug search. As for the methodology, the bibliographic research technique was applied, developed based on already prepared material, consisting mainly of books and scientific articles in order to know and analyze the main existing theoretical contributions on the subject, in particular, they were used as a source of given the legislation, the doctrine (composed of books, scientific articles and other academic works, as well as other materials already published on the subject) and the Brazilian jurisprudence. In conclusion, the resolution of this problem would be the return of the State to its position of guarantor of rights, improving and expanding the health network, so that the entire Brazilian population can effectively enjoy full health and life. Keywords: Health. State. Judicial Power. 1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS A Constituição Federal de 1988 tem por fundamento a promoção do bem estar de todos sem qualquer forma de discriminação, garantindo o direito à dignidade da pessoa humana, que serve de pilar dos demais direitos e garantias fundamentais em prol do bem comum. Dispõe, também, em seu art. 196 que a saúde é direito de todos e dever do Estado, sendo aplicado através de políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco e de outros agravos, acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Além disso, para dar cumprimento aos mandamentos constitucionais para otimização da saúde, criou-se políticas públicas por meio de uma rede organizada, regionalizada, com hierarquia de ações e serviços públicos de saúde, mediante Sistema Único de Saúde – SUS, isto é, para a real efetivação desse direito o Poder Legislativo, bem como o Poder Executivo criaram normas e medidas de ações em busca de assegurar saúde básica aos brasileiros. Lamentavelmente, apesar do pacto constitucional que tornou o SUS precursor e principal fornecedor dessa assistência, houve um contraponto por parte do Estado, pois declinou-se dessa responsabilidade ao terceirizar obrigações através de entidades privadas, infringindo preceitos constitucionais, subfinanciando a saúde com sistemáticos desvios de recursos por meio da Desvinculação das Receitas da União, reduzindo a participação do Governo Federal nos gastos com a saúde, retirando a capacidade deliberativa dos Conselhos e Conferências de Saúde, através de violação do controle social por meio da 32 falta de funcionamento e estrutura dos dispositivos, sendo, sucessivamente, substituídos por colegiados consultivos sem atuação da população. Assim, diante das falhas ocasionadas pelo Estado que contrapõem o texto constitucional e o direito dos cidadãos brasileiros a terem o mínimo existencial, ferindo o princípio da dignidade da pessoa humana, a proteção social e o direito à saúde, progressivamente, vem aumentando o número de demandas judiciais em busca por restabelecimento de direitos, em especial por fármacos, com objetivo de obterem aquilo que outrora foi sonegado pela Administração Pública. Servindo, inclusive, de pauta para o Supremo Tribunal Federal que definiuregras a serem adotadas para a concessão de medicamentos e tratamentos, incluindo aqueles que não foram oferecidos pelo SUS e os ausentes de protocolos de alto custo. Deste modo, resta demonstrando a cada dia mais o quanto o Estado não consegue comportar o oferecimento de tratamento de qualidade, crescendo, assim, a “judicialização da saúde” por meio de liminares devido a contínua e reiterada falha do Estado, fazendo com que este tenha gastos em dobro. Primeiramente para dar aquilo que se pleiteia, segundo por conta dos gastos originados nestes processos, ocasionando a retirada de recursos de outras áreas para cobrir tais despesas. DESENVOLVIMENTO 2.1 Direito à saúde como corolário do princípio da dignidade humana A dignidade da pessoa humana, fundamento da República Federativa do Brasil, no art. 1º, III, da Constituição Federal, está completamente atrelada à saúde, pois é reconhecida como princípio fundamental e vetor de todo sistema jurídico brasileiro. Refere-se como garantia das necessidades vitais de cada indivíduo, tendo como principal foco a garantia de uma vida digna aos cidadãos, como preceitua Alexandre de Moraes (2017), in verbis: “Um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos e a busca ao Direito à Felicidade.” Assim, conforme preleciona Silva (2017), percebe-se que o legislador brasileiro ao tratar sobre o princípio da dignidade da pessoa humana, preocupou-se com o respeito ao ser humano e sua dignidade, criando normas com exigência de sua interpretação, servindo de 33 base para o estabelecimento e reconhecimento dos direitos fundamentais, dando sustentação à aplicação do direito a igualdade, direitos sociais, valoração ao trabalho, livre iniciativa, ordem social, entre tantos outros direitos e garantias respaldadas pela CF/88. No tocante, saúde é um direito universal amparado pela Constituição Federal de 1988, na qual encontra-se inserida na órbita dos direitos sociais, tendo como pilar a dignidade da pessoa humana. Isto é, todos têm direito a tratamentos adequados fornecidos pelo poder público para que gozem de saúde plena, vejamos: “Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução dos riscos de doença e de outros agravos e o acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. Sendo complementado pela Lei nº 8.080/1990 (BRASIL, 1990), que dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes, em seu art. 2º no qual preleciona que “a saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício”. No que refere-se ao direito fundamental à saúde, Silva (2017, p. 311-312) explica que: “Há de informar-se pelo princípio de que o direito igual a vida de todos os seres humanos significa também que, nos casos de doença, cada um tem o direito a um tratamento condigno de acordo com o estado atual da ciência médica, independentemente de sua situação econômica, sob pena de não ter muito valor sua consignação em normas constitucionais. [...] Como ocorre com os direitos sociais em geral, o direito à saúde comporta duas vertentes, conforme anotam Gomes Canotilho e Vital Moreira: ‘uma de natureza negativa, que consiste no direito a exigir do Estado (ou de terceiros) que se abstenha de qualquer acto que prejudique a saúde; outra, de natureza positiva, que significa o direito às medidas e prestações estaduais visando a prevenção das doenças e o tratamento delas’. Como se viu do enunciado do art. 196 e se confirmará com a leitura dos arts. 198 a 200, trata-se de um direito positivo ‘que exige prestações de Estado e que impõe aos entes públicos a realização de determinadas tarefas [...], de cujo cumprimento depende a própria realização do direito.” Deste modo, segundo Santos (2018) o direito à saúde como direito fundamental é um mandamento de otimização, reafirmando o compromisso do Estado de cumprir e fazer cumprir o pleno exercício da saúde, através de políticas públicas para que a prestação da saúde ocorra de forma igual para todos, independente do cenário socioeconômico e suas desigualdades, bem como para a prestação de serviços médicos preventivos, de recuperação e promoção. Restando demonstrado que a saúde não reside apenas no fato de ser essencial para a manutenção da vida, mas, também, por ser um direito imprescindível para o exercício dos demais. 34 A SAÚDE COMO DEVER DO ESTADO E A FALHA DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE A tutela do direito à saúde apresenta duas vertentes, que segundo Castro (2005), a primeira, de preservação, se relacionaria com as políticas de redução de risco de doenças, a segunda, de proteção, se caracteriza como um direito individual para tratamento e recuperação. Assim, o fornecimento de medicamentos e tratamentos pelo Estado se inclui na proteção à saúde, pois, esta é um bem jurídico indissociável do direito à vida, como demonstra Ordacgy (2009): “A Saúde encontra-se entre os bens intangíveis mais preciosos do ser humano, digna de receber a tutela protetiva estatal, porque se consubstancia em característica indissociável do direito à vida. Dessa forma, a atenção à Saúde constitui um direito de todo cidadão e um dever do Estado, devendo estar plenamente integrada às políticas públicas governamentais”. Para Castro (2005) “o Estado assume a responsabilidade na criação dos serviços necessários à saúde e o faz por via de normas infraconstitucionais”. Dessa forma, para dar cumprimento às normas constitucionais que visam eficiência e efetivação da saúde, o art. 198 da nossa Carta Magna, pressupõe uma rede regional, em todos os municípios do Brasil, de maneira organizada, com hierarquia de ações e serviços públicos de saúde, através do Sistema Único de Saúde - SUS, sendo ofertados 15% da receita nacional para essas localidades que atenderão aos moradores que buscam assistência, a fim de cobrir gastos com a saúde, visto que estes são responsáveis imediatos pelo atendimento das necessidades básicas, explicita Castro (2005): “Nesse âmbito, estabeleceu-se uma divisão de tarefas no que tange ao fornecimento de medicamentos, de maneira que o sistema básico de saúde fica a cargo dos Municípios (medicamentos básicos), o fornecimento de medicamentos classificados como extraordinários compete à União e os medicamentos ditos excepcionais são fornecidos pelos Estados. Percebe-se, claramente, a composição de um sistema único, que segue uma diretriz clara de descentralização, com direção única em cada esfera de governo”. Sob ótica nacional, Dallari (2009) observou que no decorrer dos anos, após o pacto federal de 1988, juntamente com a criação do SUS mediante Lei sob nº 8.080/90 tecida anteriormente nesta pesquisa, que delegou as esferas subnacionais o dever de proteção e defesa da saúde, percebeu-se uma atribuição de responsabilidades cabíveis aos três poderes, ou seja, caso o Estado descumpra a norma constitucional, declinando-se de garantir o mínimo para restabelecimento à saúde do cidadão brasileiro, este poderá recorrer ao Poder Judiciário por ser guardião de direitos. 35 Infelizmente, mesmo com as autoridades públicas elencando quais prestações positivas essenciais devem ser asseguradas para obtenção de uma justiça social, respeitando e assegurando
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