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Organização Teresa Cristina Fernandes Moesch Alexandre Torres Petry Marcos Catalan CONSUMO E TECNOLOGIA desafios contemporâneos Porto Alegre, 2023 Copyright © 2023 by Ordem dos Advogados do Brasil Todos os direitos reservados Organização Teresa Cristina Fernandes Moesch Alexandre Torres Petry Marcos Catalan Projeto Gráfico e Capa Victor Baldez Silva Revisora Dieniffer de Souza Silva Lemes Jovita Cristina Garcia dos Santos – CRB 10ª/1517 A revisão de Língua Portuguesa e a digitação, bem como os conceitos emitidos em trabalhos assinados, são de responsabilidade dos seus autores. Escola Superior de Advocacia da OAB/RS Rua Manoelito de Ornellas, 55 – Praia de Belas CEP 91110-230 – Porto Alegre/RS C773 Consumo e tecnologia, desafios contemporâneos [recurso eletrônico]. /Teresa Cristina Fernandes Moesch, Alexandre Torres Petry, Marcos Catalan (Orgs). Porto Alegre: OABRS, 2023. 210p. ISBN: 978-65-88371-30-5 1. Consumo. 2. Tecnologia. I. Moesch, Tereza Cristina Fernandes. II. Petry, Alexandre Torres. III. Catalan, Marcos. IV. Título CDU 347.451.031 SUMÁRIO PREFÁCIO - Teresa Cristina Fernandes Moesch ....................................................................... 6 APRESENTAÇÃO – Alexandre Torres Petry ............................................................................. 7 A RESOLUÇÃO CMN 1.064/1985 E SUA NECESSÁRIA ATUALIZAÇÃO - Celso Lopes Seus ......................................................................................................................................................... 7 QUESTÕES DE INTERPRETAÇÃO E IMUTABILIDADE DOS CONTRATOS INTELIGENTES EM RELAÇÃO ÀS MUDANÇAS NAS CIRCUNSTÂNCIAS - Cesar Augusto Cavazzola Junior .......................................................................................................... 26 A VULNERABILIDADE DO CONSUMIDOR NO MERCADO DIGITAL - Cristiano Heineck Schmitt .......................................................................................................................................... 37 O MITO DA SOBERANIA DO CONSUMIDOR NA ERA DA HIPERMODERNIDADE: A ECONOMIA DO NOSSO TEMPO E SUAS IMPLIÇÕES NO MERCADO DE CONSUMO - Dennis Verbicaro e Felipe Guimarães de Oliveira ................................................................... 46 PRIVACIDADE E PROTEÇÃO DE DADOS DOS USUÁRIOS DAS SERVENTIAS EXTRAJUDICIAIS: UMA ANÁLISE JURÍDICA – Drieli de Quadros Klippel e Marcely de Cássia Mendes Marques ............................................................................................................. 74 PEGADAS DIGITAIS DO CONSUMIDOR - PRIVACY BY DESIGN COMO INSTRUMENTO EFETIVO À PROTEÇÃO DE DADOS PESSOAIS – Gabriel Hamester e Cecília Alberton Coutinho Silva ............................................................................................................................. 89 A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL NA ATIVIDADE JURÍDICA DO BRASIL: REFLEXOS DA TECNOLOGIA NO TRABALHO DOS PROFISSIONAIS DO DIREITO – Gabriel Schulman e André Gambier Campos ........................................................................................................... 114 O PARADOXO DA LEI 14.431/2022: PERMISSÃO DE EMPRÉSTIMOS CONSIGNADOS PARA BENEFICIÁRIOS DE PROGRAMAS DE DISTRIBUIÇÃO DE RENDA EM MEIO AO CENÁRIO DE SUPERENDIVIDAMENTO DA POPULAÇÃO BRASILEIRA – Henrique José Haller dos Santos da Silva ........................................................................................................ 139 A PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR NO AMBIENTE VIRTUAL E A EDUCAÇÃO PARA O CONSUMO COMO INSTRUMENTO DE SUA EFETIVAÇÃO – Jovana De Cezaro e Nadya Regina Gusella Tonial ............................................................................................................... 155 A MEDICALIZAÇÃO DO CONSUMO E A PUBLICIDADE ABUSIVA DE MEDICAMENTOS. OS IDOSOS SUBMETIDOS À PUBLICIDADE DE MEDICAMENTOS CARACTERIZADOS COMO HIPOCONDRÍACOS CRÔNICOS. A VELHICE TRATADA COMO DOENÇA E A PROMESSA DA “VIDA QUASE ETERNA” – Luiz Fernando Afonso. ........................................................................................................................................ 174 NOTAS SOBRE A INCONVENIÊNCIA DA TAXA DE CONVENIÊNCIA – Marcos Catalan ....................................................................................................................................... 203 6 PREFÁCIO É com grande honra que singelamente prefacio o E-book de Direito do Consumidor, editado pela ESA – Escola Superior de Advocacia do Rio Grande do Sul, braço cultural da OAB - Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional do Rio Grande do Sul, através da CEDC – Comissão Especial de Defesa do Consumidor. Autores de escopo e alto saber jurídico, alguns de fora de nossos pagos gaúchos, vieram abrilhantar a obra com temas pontuais e de grande relevância, na busca da perene atualização e aperfeiçoamento do estudo do Direito do Consumidor, sempre em movimento pelas transformações do mercado de consumo e pelas novas tecnologias que surgem a cada dia. Nossos especiais agradecimentos ao Presidente da OAB/RS, Dr. Leonardo Lamachia, ao Diretor Geral da ESA/RS, Dr. Rolf Hansen Madaleno, aos coordenadores da obra, Dr. Alexandre Torres Petry, Diretor do E-books e da Revista Eletrônica da ESA/RS e Dr. Marcos Catalan. Parabenizando os autores que, com suas luzes e variadas perspectivas, nos levarão a refletir sobre os temas propostos. Desejo a todos uma excelente leitura! Porto Alegre, novembro de 2023. Teresa Cristina Fernandes Moesch Presidente da Comissão Especial de Defesa do Consumidor da OAB/RS 7 APRESENTAÇÃO O E-book “Consumo e Tecnologia: desafios contemporâneos” é o resultado de uma obra coletiva, que envolveu tanto a Escola Superior de Advocacia do Rio Grande do Sul como a Comissão Especial de Defesa do Consumidor (CEDC) da OAB/RS. Nesta construção, destacaram-se a Dra. Teresa Cristina Fernandes Moesch, Presidente da CEDC, que viabilizou a presente obra, bem como o Professor Dr. Marcos Catalan, que com todo o seu entusiasmo e talento, soube reunir grandes autores do Direito do Consumidor. O resultado deste esforço conjunto é um livro de muita qualidade que reúne onze artigos brilhantes e com temáticas pertinentes e atuais. O primeiro artigo, de autoria de Celso Lopes Seus, trata da “Resolução CMN 1.064/1985 e sua necessária atualização”, valiosas reflexões sobre o crédito e sua regulação, discussão necessária numa sociedade marcada pelo superendividamento, demonstrando que “consumir crédito deve ser um ato de rigorosa disciplina, de efetivo cálculo de disponibilidade de consumo, sem prejuízo de despesas próprias da subsistência, sob pena de o consumidor envolver-se num labirinto econômico de dificílima superação”. Já o segundo artigo, de Cesar Augusto Cavazzola Junior, aborda “Questões de interpretação e imutabilidade dos contratos inteligentes em relação às mudanças nas circunstâncias”, explorando a natureza dos contratos inteligentes, os princípios de interpretação contratual e os impactos da tecnologia blockchain na imutabilidade dos contratos, apresentando uma abordagem interdisciplinar na construção de um sistema jurídico que possa proteger os direitos e as expectativas das partes envolvidas nas relações contratuais modernas. O E-book também conta com o artigo de Cristiano Heineck Schmitt que trata da “Vulnerabilidade do Consumidor no Mercado Digital”, pautando a tecnologia digital como um grande salto para a humanidade, mas que deve se desenvolver sem conduzir os consumidores a sacrifícios econômicos e pessoais, especialmente acerca de seus dados pessoais,concluindo o autor que, a “contar pelo número de fraudes digitais praticadas diariamente no Brasil, é bastante nítida a ausência repressiva estatal, assim como a prevenção que deveria emergir do setor privado que se beneficia com o uso desses dados”, demonstrando que ainda há muito a ser equalizado nesse ambiente para a efetiva proteção dos usuários. Prossegue o E-book com o artigo de Dennis Verbicaro e Felipe Guimarães de Oliveira, cujo título é “O Mito da soberania do consumidor na era da hipermodernidade: a economia do 8 nosso tempo e suas implicações no mercado de consumo”, explora, com brilhantismo e de forma crítica, a desconstrução da ideia de soberania do consumidor no contexto da hipermodernidade e os reflexos do neoliberalismo nesse cenário. O quinto artigo, de autoria de Drieli de Quadros Klippel e Cássia Mendes Marques, trata da temática da “Privacidade e proteção de dados dos usuários das serventias extrajudiciais”. A pesquisa revela que as serventias extrajudiciais desempenham papel fundamental, devendo estar alinhadas com os princípios da LGPD e com a necessidade de proteger a privacidade dos usuários, o que traz a necessidade de conscientização, transparência, regulamentação adequada e fiscalização eficaz no contexto das serventias extrajudiciais. “Pegadas Digitais do Consumidor: Privacy by design como instrumento efetivo à proteção de dados pessoais”, escrito por Gabriel Hamester e Cecilia Alberton Coutinho Silva, é o sexto artigo que traz um detalhado estudo, dentro do espectro digital, sobre a forma como o comportamento do consumidor e os seus dados são apreendidos a partir da sua navegabilidade na internet, o que acentua a sua vulnerabilidade intrínseca. Refletir sobre a “vulnerabilidade digital” é tarefa necessária para todos os juristas da área do consumidor, considerando a crescente digitalização das relações de consumo. No sétimo artigo, consta a reflexão sobre “A inteligência artificial na atividade jurídica do Brasil” de Gabriel Schulman e André Gambier Campos, o qual analisa os reflexos da tecnologia no trabalho dos profissionais do direito. Trata-se de pertinente reflexão sobre a inteligência artificial e a sua utilização no meio jurídico, o que divide a opinião dos juristas, mas, sem dúvidas, a todos afeta, sendo que os autores, corretamente, pontuam que “a adoção da inteligência artificial representa um importante reforço de soluções e economia de tempo e outros recursos. Por outro lado, o caráter inevitável não deve afastar a necessidade de reflexão, cuidado bem como mapeamento dos perigos e adoção de efetivas medidas para sua gestão”. Na sequência, temos o artigo de Henrique José Haller dos Santos da Silva intitulado “O paradoxo da Lei 14.431/2022: permissão de empréstimos consignados para beneficiários de programas de distribuição de renda em meio ao cenário de superendividamento da população brasileira”, o qual traz na sua conclusão afirmação no sentido de que “a permissão legal para que os beneficiários de renda mínima assistencial possam contrair empréstimos consignados, revela-se paradoxal, não só em relação ao sistema de proteção do superendividamento instituído pela nº 14.181/2021, mas em face do próprio texto constitucional”, trazendo, assim importantes ponderações sobre a preservação do mínimo existencial. 9 O nono artigo, de autoria de Jovana De Cezaro e Nadya Regina Gusella Tonial, trata da “Proteção do consumidor no ambiente virtual e a educação para o consumo como instrumento de sua efetivação”. Abordar a temática que envolve a educação para o consumo neste E-book é muito importante e possui um simbolismo especial, pois, talvez, a educação para o consumo tenha sido uma das grandes promessas que o Código de Defesa do Consumidor ainda não conseguiu efetivar, a qual é essencial na busca da harmonia nas relações de consumo. Luiz Fernando Afonso é o autor do décimo artigo que possui o título “A medicalização do consumo e a publicidade abusiva dos medicamentos”, em que traz a questão dos idosos submetidos à publicidade de medicamentos caracterizados como hipocondríacos crônicos e, também, a velhice tratada como doença e a promessa da “vida quase eterna”. No artigo, defende-se a ideia de que deve ocorrer um controle mais efetivo da publicidade para o idoso, para que danos sejam evitados e para que as normas que compõe o Código de Defesa do Consumidor e o Estatuto do Idoso tenham real efetividade. Para finalizar o e-book, Marcos Catalan traz no seu artigo “Notas sobre a inconveniência da taxa de conveniência”, provocante ensaio que explora, de forma crítica, julgados que reconhecem a legalidade da taxa de conveniência à despeito da previsão contida no art. 39 do Código de Defesa do Consumidor e da fundamentalidade deste direito no Brasil. Indiscutivelmente, o livro “Consumo e Tecnologia: desafios contemporâneos”, apresenta-se como uma obra capaz de impactar positivamente o Direito do Consumidor, permitindo profundas reflexões e contribuindo para a educação jurídica de qualidade. Deseja- se uma boa leitura a todos e que os conhecimentos deste estudo propiciem avanços na área consumerista, pois os desafios são muitos e exigem compromisso dos juristas engajados com a justiça e as grandes mudanças sociais. Porto Alegre, novembro de 2023. Alexandre Torres Petry Diretor de E-books da ESA/RS Membro da Comissão Especial de Defesa do Consumidor da OAB/RS Doutor em Educação, Mestre em Direito, Advogado e Professor Universitário 10 A RESOLUÇÃO CMN 1.064/1985 E SUA NECESSÁRIA ATUALIZAÇÃO Celso Lopes Seus1 RESUMO A Resolução do Conselho Monetário Nacional nº 1.064/1985 estabelece que “as operações ativas dos bancos comerciais, de investimento e de desenvolvimento serão realizadas a taxas de juros livremente pactuáveis”, conforme o seu item I. Na data de sua publicação, 05 de dezembro de 1985, o fenômeno da alta inflação fazia parte da economia brasileira. Com aquele normativo, ainda em vigor em 2023, a autoridade monetária pretendia evitar a interferência da chamada “Lei de Usura”, a qual limitava as taxas de juros nas operações bancárias em 12% (doze por cento ao ano). Entretanto, a economia brasileira mudou muito a partir de novas leis que trouxeram a tão indispensável estabilidade monetária, mas também novos atores das relações econômicas, em especial o consumidor, sujeito de direitos especialíssimos. Ocorre que o consumo de crédito se dá através das operações ativas referidas na Resolução CMN 1064. Mas, aquele texto deve ser atualizado, não apenas para dar higidez e segurança ao Sistema Financeiro Nacional, como deve também evitar o abuso do direito econômico e ao mesmo tempo preservar a integridade econômica e a capacidade de consumo do consumidor. Este é o contexto do artigo. Palavras-chave: Resolução CMN 1065/1985; juros remuneratórios; contratos bancários. RESUMEN La Resolución del Consejo Monetario Nacional N° 1.064/1985 establece que “las operaciones activas de los bancos comerciales, de inversión y de desarrollo se realizarán a tasas de interés libremente pactadas”, según su inciso I. A la fecha de su publicación, 5 de diciembre de 1985, El fenómeno de la alta inflación era parte de la economía brasileña. Con esa regulación, aún vigente en 2023, la autoridad monetaria pretendía evitar la interferencia de la llamada “Ley de Usura”, que limitaba las tasas de interés de las operaciones bancarias al 12% (doce por ciento anual). Sin embargo, la economía brasileña ha cambiado mucho debido a nuevas leyes que han traído la indispensable estabilidad monetaria, pero también nuevos actores en las relaciones económicas, especialmente el consumidor, sujeto a derechos muy especiales. Resulta que el consumo de crédito se da a través de las operaciones activas a que se refiere la Resolución CMN 1064. Sin embargo,ese texto debe ser actualizado, no sólo para brindar salud y seguridad al Sistema Financiero Nacional, sino que también debe prevenir el abuso de derechos económicos, y al mismo tiempo preservar la integridad económica y la capacidad de consumo de los consumidores. Este es el contexto del artículo. 1 Mestre em Direito e Sociedade pela Universidade La Salle Canoas-RS, integrante da Comissão Especial de Defesa do Consumidor da OAB/RS, Advogado, OAB/RS 28.923, celsoseus@hotmail.com. 11 1 INTRODUÇÃO A Resolução CMN 1064/1985 trata dos juros remuneratórios nas chamadas operações ativas, ou seja, aquelas em que a pessoa humana é devedora de uma instituição financeira, nas mais variadas operações de empréstimos. Segundo o normativo, os juros são “livremente pactuáveis”. Entretanto, naquele ano embora a Lei da Ação Civil Pública, nº 7.347/1985, fizesse a primeira referência à pessoa do consumidor no direito brasileiro, somente com o advento do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, a lei 8.078/1990, houve mais intensos e maiores esforços para subordinar a atividade financeira em geral, e a bancária em particular, à proteção do consumidor, a fim de evitarem-se abusos os mais variados na oferta de produtos e serviços bancários, o que intensamente ainda ocorre, mesmo passados mais de trinta anos da vigência do CDC. Entretanto, essa interferência foi de bastante difícil aceitação. No julgamento da ADI 2591-DF, o Supremo Tribunal Federal entendeu que a norma do CDC, prevista no art. 3º, inciso 2º, se aplica às atividades previstas no Sistema Financeiro Nacional, o que impacta, diretamente, em os normativos do Conselho Monetário Nacional bem como do Banco Central do Brasil. O BACEN tem normatividade própria a partir da Lei Complementar nº 179, a qual deu autonomia jurídica e orçamentária àquela autarquia federal. Nesse cenário econômico-jurídico, exsurge a intensa necessidade de atualização do normativo que trata dos juros remuneratórios a serem pagos pelos consumidores nos contratos de consumo de crédito com as instituições financeiras em geral, e os bancos em particular. A Resolução CMN 1064/1985 aproxima-se de quatro décadas de vigência, sem que preveja qualquer espécie de proteção à pessoa do consumidor, seja para expungir práticas abusivas próprias do poder econômico, seja para consolidar a prática da concessão responsável de crédito, a partir do perfil do consumidor, os quais são todos vulneráveis, e hipervulneráveis, em certas situações econômico-jurídicas. 2 O PODER REGULATÓRIO DA AUTORIDADE MONETÁRIA O Conselho Monetário Nacional é um colegiado plúrimo criado a partir da referida Lei 4.595/1964, o qual desempenha importantes tarefas para o bom desempenho da atividade financeira, integrada por empresas públicas e privadas. Mesmo com a Lei Complementar 179, 12 a qual deu tão desejável quanto necessária autonomia ao Banco Central do Brasil, não houve alteração quanto às competências do CMN, em cujas funções, no seu artigo 4º, está a de: IX - Limitar, sempre que necessário, as taxas de juros, descontos comissões e qualquer outra forma de remuneração de operações e serviços bancários ou financeiros, inclusive os prestados pelo Banco Central da República do Brasil. E no artigo 9º da Lei 4.595/1964, remanesce a competência exclusiva do BACEN para “cumprir e fazer cumprir as disposições que lhe são atribuídas pela legislação em vigor e as normas expedidas pelo Conselho Monetário Nacional.” Mas, não é só. Ainda o art. 10º dessa lei especifica a competência privativa do BACEN para “VI - Exercer o controle do crédito sob todas as suas formas”. Bruno Miragem (2019, p. 94) esclarece que: Submetem-se as instituições financeiras e, por conseguinte, as demais pessoas que com elas mantenham relação de natureza bancária às normas expedidas pela autoridade administrativa, que exerce seu poder em sentido amplo. Têm seu fundamento de validade na competência normativa e de supervisão, fixada na Lei 4.595/1964. Esse poder regulatório é matéria jurídica hipercomplexa (MIRAGEM, 2019), porque envolve tanto a estrutura constitucional do que pode ser entendido no vocábulo “lei”, quanto no poder de a administração pública tem de regulamentar a atividade econômica, o que envolve os artigos 37 e 84, IV da CF. Na mesma obra, a referência ao RE 286.963/MG em que o Supremo entendeu pela competência do CMN para dispor da taxa de juros bancários, rel. Ministro Sepúlveda Pertence. Expungida qualquer dúvida desse poder regulamentar atribuídos tanto ao CMN quanto ao BACEN, a partir da Lei 4.595/1964, a atualização da Resolução CMN 1064/1985 depende de nova atuação, apenas. Apesar do texto da resolução estar efetivamente em desacordo com o direito positivado, por que limitar as taxas de juros não é o mesmo que permitir a sua livre pactuação, o tempo de sua publicação, bem como as condições econômicas brasileiras, a partir do CDC, lei de 1990, e da atual moeda de curso forçado, a partir de 1º de julho de 1994, exigem da autoridade monetária a necessária atualização daquele normativo. A regulação do SFN deve ser expungida da morosidade dos projetos de lei, o que “se justifica pela necessidade de disciplinar situações conjunturais, sujeitas a rápidas alterações, e que por isso deve ser objeto de um processo decisório célere e substancialmente técnico” 13 (MIRAGEM, 2019), dada a necessidade de efetivo funcionamento do sistema, a fim de preservar a higidez e estabilidade. 3 O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL E A SUA HIGIDEZ A Constituição Federal de 5 de outubro de 1988 trouxe o Sistema Financeiro Nacional ao cenário do direito constitucional, em seu artigo 192, o que se lhe impõe não apenas a obediência à legislação infraconstitucional, mas também e necessariamente a todas as tutelas constitucionais dos direitos fundamentais previstas na Constituição. Inserido no Título VII do texto constitucional, o artigo 170 contém o rol dos princípios vetores da Ordem Econômica, em cujas finalidades está a de assegurar a todos existência digna, observada também a defesa do consumidor, inciso V. E no artigo 192, o legislador constitucional impõe que o SFN deve também servir aos interesses da coletividade, ou seja, a todas as pessoas, o que inclui a pessoa do consumidor. Nesse sentido, Bruno Miragem (2019, p. 109) sustenta a necessidade, pelas instituições que regulam o mercado, “a construção de um conjunto de regras e princípios racionais e inteligíveis (...) que respeite os direitos de liberdade e igualdade” próprios do Estado de Direito, com a preservação tanto do interesse coletivo quanto da autonomia privada. Essa estrutura constitucional identifica os atores e as funcionalidades do SFN como um todo, visando a sua higidez. 3.1 A higidez e a segurança do SFN O Sistema Financeiro Nacional precisa manter-se a partir da higidez e da segurança essenciais para o desejável desenvolvimento econômico do país. Para tanto, há mecanismos de controle nacionais e internacionais da atividade financeira e bancária, em cujos padrões evitam- se a presença de riscos próprios do setor, e ao mesmo tempo realizam-se atividades as mais diversas para o seu integral controle, independentemente da ideologia e do perfil econômico de cada país. Para esse fim, o BCB atua modo permanente. No plano nacional, Banco Central do Brasil está em constante acompanhamento de suas finalidades, o que se dá pelas mais variadas formas, como por exemplo em publicações em 14 jornal2, e mesmo perante o Tribunal de Contas da União3, em cujo Relatório TC 011.669/2015- 2, fez extensa e analítica verificação sobre os procedimentos realizados pelo BACEN em sua atividade de controle e acompanhamento do SFN, sem prejuízo da atuação de outras instituiçõescomo o Ministério Público Federal e a FEBRABAN, Federação Brasileira de Bancos. No plano internacional, estão o Basel Committee on Banking Supervision, com os acordos de Basileia I, II e III, bem como da atuação do Bank for International Settlements (MIRAGEM 2019), os quais acompanham a atuação, os meios de controle e os resultados econômicos também da autoridade monetária brasileira, visando a sua higidez e segurança. Essa higidez baseia-se no controle de vários riscos a serem evitados pelos operadores do SFN, públicos e privados. A concessão de crédito, que é a prioritária atividade bancária, não pode ser realizada sem considerar exatamente a pessoa do tomador do crédito, focada efetivamente a sua capacidade de pagamento, o que se traduz na fixação da taxa de juros nas operações ativas referidas no subitem 3.4, a seguir. Entretanto, dada a limitação de espaço do artigo, fica restrita a referência apenas ao risco de crédito, com a exclusão dos demais: liquidez, operacional, mercado, sistêmico e socioambiental. 3.2 O risco de crédito O Sistema Financeiro Nacional exige especial atenção para o risco de crédito, o que se verifica a partir da capacidade plena de pagamento das obrigações do banco com os seus investidores. Trata-se de prioritária atividade de administração bancária o gerenciamento desse risco, o qual está previsto na Resolução CMN 4557/2017. John Kenneth Galbraith (1983, p. 76) , sustenta que “função da oferta do crédito, numa sociedade simples, na verdade, é notavelmente igualitária” (...) “portanto, quanto mais pobres os que são financiados, mais igualitário é o crédito”. Mas, paradoxalmente, logo a seguir, ele refere que os “maus bancos, ao contrário dos bons, emprestavam aos indivíduos com grandes riscos, ou seja, aos pobres”! 2 https://www.estadao.com.br/opiniao/sistema-financeiro-solido-segundo-o-bc/ 3 https://portal.tcu.gov.br/data/files/08/10/B5/19/8EF93510A61EC6352A2818A8/011.669%20Bacen.pdf 15 Ainda, nessa linha de pensamento econômico, Max Gunther (2013), ao apresentar “Os axiomas de Zurique”, destaca a necessidade de a atividade bancária orientar-se a partir do risco e do planejamento, entre doze dos axiomas por ele referidos. No aspecto do risco, ele aponta como o primeiro axioma menor: “Só aposte o que valer à pena”, ou seja, “só se deve apostar o que se possa perder”. Quanto outro axioma, o do planejamento, o autor faz severas censuras a esse comportamento justificando-se a partir da premissa da imprevisibilidade total do futuro: “não se pode saber nem se existirá um mundo do dinheiro, se existirá o dólar, ou o que comprar com um dólar”, concluindo que “quando enxergar uma oportunidade, corra atrás; quando vir um perigo, dê o fora”. Bruno Miragem (2019, p. 238), após analisar doutrina e normativos do CMN, conclui: Ao atuarem no objeto principal da atividade bancária, que é a concessão de crédito, as instituições bancárias e financeiras realizam a intermediação de recursos disponíveis, por força de depósitos, e se submetem aos riscos inerentes à sua oferta para os interessados e sua capacidade de pagar a dívida contraída. (...) Default corresponde ao ‘descumprimento de cláusula contratual, ainda que não haja atrasos no pagamento das prestações combinadas’. A inadimplência ‘é medida pela divisão do saldo devedor e juros dos créditos em que há atrasos de quitação pelo total da carteira de crédito não amortizada. Esse amplo espectro do risco de crédito é de intensa complexidade, inclusive para o cálculo econômico correspondente. A análise da inadimplência de crédito é realizada por mais de um instituto, sendo o SERASA4 um dos de maior confiabilidade na apresentação dos dados relativos à inadimplência e ao risco de crédito. O BACEN criou um glossário5 bastante detalhado, com livre acesso, no qual constam informações as mais variadas relativas a crédito e institutos correlatos, o que facilita muito a compreensão, por qualquer pessoa, quanto à problemática da concessão de crédito. O Brasil, com sua população majoritariamente de baixa renda no setor privado, traz dois problemas ao banqueiro: o primeiro, é que há pouca força econômica para o consumo de bens de uso durável, e o segundo é a própria vida curta das micro e pequenas empresas na economia, 4 https://www.serasa.com.br/limpa-nome-online/blog/mapa-da-inadimplencia-e-renogociacao-de-dividas-no- brasil/ 5 https://www.bcb.gov.br/content/estatisticas/Documents/Estatisticas_mensais/Monetaria_credito/glossariocredito. pdf 16 normalmente de até cinco anos. Um dos mecanismos eficazes para a solução desse problema está na lei dos chamados empréstimos consignados. A partir da Lei 10.820/2023, foi criado o mecanismo de pagamento de “empréstimos, financiamentos, cartões de crédito e operações de arrendamento mercantil concedidos por instituições financeiras e sociedades de arrendamento mercantil, quando previsto nos respectivos contratos”, nos termos do art. 1º da lei. Tais operações têm um perfil baixíssimo de inadimplência exatamente porque os pagamentos são realizados antes do prestatário receber a sua remuneração. Mas, apesar da limitação legal de até 40% do comprometimento da renda mensal, as instituições financeiras soem apropriar-se, por incrível que pareça, de até mais de 100% da renda mensal do devedor. Nenhuma responsabilidade há em desfavor da fonte pagadora se não for respeitado o limite de 40% referido no § 1º do art. 1º. O texto do normativo é demasiado sintético, o que não é desejável, data a evolução da economia, de institutos novos jurídicos novos, em especial o CDC, a lei aqui comentada, mas principalmente, por aquele que é um dos fatores mais influentes do mercado de consumo: o pleno acesso à informação plúrima, o que se dá através da web. 3.3 A Resolução 1.064 do CMN e as operações ativas Observado o texto do normativo positivado, ele refere que as taxas de juros serão livremente pactuáveis nas operações ativas dos bancos comerciais. Os bancos comerciais ficaram superados pelo novo modelo econômico bancário, que são os chamados bancos múltiplos, os quais açambarcam a totalidade das operações realizadas pelos consumidores dentro do SFN. Curiosamente, as operações dos bancos múltiplos são também aquelas dos bancos comerciais, conforme o artigo 3º da Resolução CMN 5060/2023, a qual revogou apenas em parte a Resolução CMN 2099/1994, também tratando dos bancos múltiplos. As chamadas operações ativas são aquelas em que o consumidor, também prestatário, nome técnico do devedor do mútuo feneratício, contrai os empréstimos mais comuns ofertados ao grande público consumidor de crédito, sempre na pessoa natural, a saber: a conta corrente com limite de saque a descoberto, 17 o empréstimo simples – realizados inclusive por meio eletrônico, modalidade em que o consumidor paga o valor em parcelas fixas, nelas incluindo o principal, os juros remuneratórios, o CET, custo efetivo total e os eventuais impostos; o empréstimo consignado; os empréstimos com cláusula de alienação fiduciária para bens imóveis e móveis; compras realizadas por cartão de crédito, totalizadas em fatura com data certa de pagamento; compras realizadas com cartão de débito para pagamento em data futura; os empréstimos em crédito rotativo, os quais se dão por duas modalidades: a primeira, o consumidor pagará os juros apenas do limite de crédito usufruído; a segunda, pagará os juros pela totalidade do crédito usufruído, pagando apenas os juros remuneratórios, com data fixa para a devolução integral do valor creditado. Esse extenso portfólio de opções é analiticamente examinado por Bruno Miragem na referida obra Direito Bancário, ao identificar os tiposcontratuais passíveis de assinatura pelo consumidor. Segundo a Resolução 1064/1985, nenhuma limitação em percentual fixo há para a taxa de juros remuneratórios nessas operações, à exceção das operações no cheque especial, as quais estão fixadas em 8% (oito por cento) ao mês, conforme prevê a Resolução CMN 4765/2019. No caso das faturas de cartão de crédito inadimplidas, cujas taxas de juros são as de maior expressão econômica, há obrigatoriedade de seu financiamento por modalidade de crédito menos onerosa, nos termos da Resolução CMN 4549/2017. E aqui há mais um elemento impondo a atualização do normativo: as próprias resoluções acima, porque a oferta de crédito sofre esses limitadores determinados pelo próprio BACEN. E não se trata de faculdade ao credor nem ao consumidor: trata-se de mecanismo para manter a boa oferta de crédito no mercado de consumo visando evitar a inadimplência. Entretanto, a realidade é bastante diversa em franco prejuízo ao consumidor, embora a legislação civil, do consumidor e de administração bancária, mesmo sendo norma de ordem pública, é desprezada de modo abusivo pelo poder econômico, o que exige resposta enérgica ainda não preparada nem iniciada. 18 4 NORMAS DE ORDEM PÚBLICA E SUA COERÇÃO Sobejas razões de direito constitucionais, em nível de legislação complementar e ordinária, exigem essa atualização da Resolução CMN nº 1064/1985, seja pela higidez do Sistema Financeiro Nacional, seja pela preservação da capacidade econômica do consumidor. Essas leis são passíveis de serem açambarcadas no status norma de ordem pública, ou seja, as leis imperativas, conforme esclarece a boa doutrina (MONTORO, 2015): Modernamente, generaliza-se a expressão ‘norma de ordem pública’ para indicar as leis imperativas (...) parte do direito privado é constituído de normas de ordem pública, isto é, de normas imperativas que não podem ser modificadas pela vontade das partes. É o caso de quase todas normas (...) relativas ao direito das obrigações, como os contratos de trabalho, locação de imóveis, empréstimos, seguros, defesa do consumidor etc., em que o Estado, através de normas imperativas, e tendo em vista o interesse público, restringe a liberdade contratual dos interessados. O direito positivo brasileiro impõe à autoridade monetária, o Banco Central do Brasil, a partir da LC nº 179, uma responsabilidade jurídica superior àquela do CMN, observando-se que não se trata apenas de regular a atividade econômica, mas também e necessariamente de bem tutelar os interesses econômicos do principal sujeito de direitos previsto no inciso V do artigo 170 da Constituição Federal, o consumidor. A Constituição Federal não contém norma facultativa. Tudo em a Constituição deve ser aplicado: em alguns casos, independentemente de norma reguladora, em outros casos, o texto da carta política impõe essa norma reguladora, como no caso do Código de Proteção e Defesa do Consumidor. O Código de Proteção e Defesa do Consumidor foi promulgado em 11 de setembro de 1990, mas, ainda em vacatio legis provocava os primeiros efeitos a partir de suas definições e de seu quase ilimitado campo de atuação, nas relações tuteladas pela lei. Induvidosamente a atividade bancária se submete às proteções do CDC. Mas, há outra norma de ordem pública a qual também impõe seus cânones à atividade bancária: o Estatuto do Idoso, a Lei 10.741/2003. Por certo que não o idoso não terá apenas o direito a atendimento preferencial, conforme prevê o inciso primeiro do parágrafo primeiro do artigo 3º daquele Estatuto: “§ 1º A garantia de prioridade compreende: I – atendimento 19 preferencial imediato e individualizado junto aos órgãos públicos e privados prestadores de serviços à população”. Toda a normatividade prevista no artigo 4º do Estatuto6, tem reflexos diretos na atividade bancária, seja na contratação de crédito, seja pelos deveres de informação do artigo 46 do CDC. O tópico traz à análise o chamado Diálogo das Fontes, (MARQUES, 2012), uma nova teoria de interpretação do direito, a partir do qual encontram-se nessa “terminologia (diálogo sistêmico de coerência, de subsidiariedade e de adaptação), que pode ser usada também para o diálogo entre leis especiais, como o próprio CDC e, por exemplo, as leis que regulam o sistema financeiro nacional(...)”. Prossegue a autora, nas mesmas linhas: Em muitos casos, o operador do direito irá deparar-se com fatos que conclamam a aplicação de normas tanto de uma como de outra área do conhecimento jurídico. Assim ocorre em razão dos diferentes aspectos que uma mesma realidade apresenta, fazendo com que ela possa amoldar-se aos âmbitos normativos de diferentes leis. Por certo, existem outras normas de ordem pública passíveis de análise e inclusão, haja vista que a oferta de crédito é de efetiva amplitude perante quaisquer pessoas a partir da maioridade civil, o que inclui a Lei 8.213/1991, que trata dos Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências, a qual é a fonte dos pagamentos dos idosos por ela beneficiados em suas aposentadorias. A própria Lei 10.820/2003, antes referida, também se insere nesse contexto de norma de ordem pública. E o consumidor de crédito é a pessoa por excelência a ser tutelada nesse contexto de taxas de juros nos contratos bancários em geral, e nos consignados em especial. 5 O CONSUMIDOR O consumidor é um sujeito especialíssimo de direitos perante a lei brasileira. Aqui, a identificação de consumidor dá-se essencialmente no aspecto econômico da vulnerabilidade, conforme a melhor doutrina (MARQUES, 2019): 6 Art. 4º Nenhuma pessoa idosa será objeto de qualquer tipo de negligência, discriminação, violência, crueldade ou opressão, e todo atentado aos seus direitos, por ação ou omissão, será punido na forma da lei. (Redação dada pela Lei nº 14.423, de 2022). § 1º É dever de todos prevenir a ameaça ou violação aos direitos da pessoa idosa. (Redação dada pela Lei nº 14.423, de 2022). § 2o As obrigações previstas nesta Lei não excluem da prevenção outras decorrentes dos princípios por ela adotados. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2022/Lei/L14423.htm#art2 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2022/Lei/L14423.htm#art2 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2022/Lei/L14423.htm#art2 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2022/Lei/L14423.htm#art2 20 1.1. Conceito de consumidor a) O consumidor e a vulnerabilidade do homo faber ao homo œconomicus et culturalis do século XXI – Consumidor é o não profissional, aquele que retira da cadeia de fornecimento (produção, financiamento e distribuição) o produto e serviço em posição estruturalmente mais fraca, é o agente vulnerável do mercado de consumo, é o destinatário final fático e econômico dos produtos e serviços oferecidos pelos fornecedores na sociedade atual, chamada sociedade “de consumo ou de massa. O consumidor de crédito é aquele destinatário contratual, fático e econômico da riqueza que lhe é disponibilizada por instituição financeira através das mais variadas formas contratuais antes relacionadas. Quando se trata de idosos, o modelo predominante é o da Lei 10.820/2003, os empréstimos consignados, com as menores taxas de juros remuneratórios do mercado. Esse fenômeno dá-se pela certeza de pagamento da obrigação, o que minimiza a taxa de inadimplência a percentuais simplesmente irrisórios. 6 A PROTEÇÃO JURÍDICA DO CONSUMIDOR E AS TAXAS DE JUROS A base jurídica protetiva ao consumidor diante da taxa de juros remuneratórios fixada por cláusula específica, nos contratos referidos supra, subitem 3.3, dá-se em especial pela aplicação das normas de ordem pública. Mas, quanto ao percentual dessa taxa de juros remuneratórios, nãohá uma fixação rígida nem pode ser assim. Considere-se que a taxa inflacionária da economia brasileira, desde 1994, apenas em 1995, 2002, 2015 e 2021 ela superou os 10% (dez por cento) anuais7, conforme publicação na web. Portanto, limitarem-se os juros remuneratórios, no padrão pretendido em revogado e vetusto decreto será operar contra o interesse do consumidor. Essa realidade econômica bem expõe a imprudência de colocar-se a lei jurídica acima da lei econômica, o que aconteceu na original redação do artigo 192 da CF, em cujo parágrafo terceiro pretendia limitar as taxas de juros reais(sic) nas operações do SFN em doze por cento ao ano, incluídas todas as despesas efetivas. Veja-se que a taxa SELIC foi fixada em 11,25% ao ano pela primeira vez em 11 de março de 2009, conforme o BACEN8; e pela primeira vez foi fixada em 02% ao ano em 05 de agosto de 2020. 7 https://www.inflation.eu/pt/taxas-de-inflacao/brasil/inflacao-historica/ipc-inflacao-brasil.aspx. 8 https://www.bcb.gov.br/controleinflacao/historicotaxasjuros. Acesso em 22-9-2023. https://www.bcb.gov.br/controleinflacao/historicotaxasjuros 21 Considerando-se que o percentual dessa taxa, oscilando para mais ou para menos, traz o aumento ou a diminuição da dívida pública, e, por consequência natural, o aumento ou a diminuição do spread bancário e do lucro dos bancos, à toda evidência, assim também quanto às taxas de juros “livremente pactuáveis”, nos termos da Resolução 1.064/1985. Portanto, esse efetivo contexto de taxas de juros traz um efetivo impacto nos contratos bancários, alcançando todos os consumidores de crédito, sem exceção. A partir da estratificação de consumidores aos tipos vulneráveis e hipervulneráveis, especialmente para prevenir o superendividamento, cada caso de oferta de crédito exigirá uma rigorosa análise do perfil do consumidor de crédito pela instituição financeira contratada. Considerando-se, também, que as taxas de juros nos empréstimos consignados, aqueles que soem ser os mais operados dentro da oferta de crédito para aposentados, não raras as vezes a quase totalidade das taxas de juros ofertadas no mercado mal varia acima de 0,5% (meio por cento) ao mês. Nesse sentido, o BACEN publica9 o nome da IF ofertante, a taxa de juros ao mês e ao ano, mas sem o CET – Custo Efetivo Total. Na data deste artigo, setembro de 2023, num universo de apenas 37 (trinta e sete) IF’s com essa oferta de contrato, a menor taxa mensal era de 1,43% e anual de 18,58%; a maior, mensal de 2,02% e anual de 27,08%, o que revela modesta variação de 0,57% ao mês. Em comparação, a taxa de juros para o financiamento de cartão de crédito – rotativo total – pré-fixado10, num total de 61 (sessenta e uma) IF’s, a menor taxa mensal era de 1,52% e anual de 19,87%; a maior, mensal de 22,92% e anual de 1.090,14%, revelando o quão grave é a concessão de crédito sem critério seguro de pagamento e sem análise do perfil econômico do tomador de crédito. E para uma última análise, o conhecido cheque especial – pré-fixado –, uma das mais utilizadas formas de consumo de crédito, as taxas de juros divulgada pelo BACEN11, indicam trinta IF’s com essa oferta de crédito, sendo a menor com 2,54% ao mês e 35,18% ao ano, e sendo a maior mensal 11,86% e 283,66% anual. 9https://www.bcb.gov.br/estatisticas/reporttxjuros/?codigoSegmento=1&codigoModalidade=218101&historicota xajurosdiario_atual_page=1&tipoModalidade=D&InicioPeriodo=2023-09-01. Acesso em 22-9-2023. 10 https://www.bcb.gov.br/estatisticas/reporttxjuros/?codigoSegmento=1&codigoModalidade=204101&historicota xajurosdiario_atual_page=3&tipoModalidade=D&InicioPeriodo=2023-09-01, acesso em 22-9-2023. 11 https://www.bcb.gov.br/estatisticas/reporttxjuros/?codigoSegmento=1&codigoModalidade=216101, acesso em 22-9-2023. https://www.bcb.gov.br/estatisticas/reporttxjuros/?codigoSegmento=1&codigoModalidade=218101&historicotaxajurosdiario_atual_page=1&tipoModalidade=D&InicioPeriodo=2023-09-01 https://www.bcb.gov.br/estatisticas/reporttxjuros/?codigoSegmento=1&codigoModalidade=218101&historicotaxajurosdiario_atual_page=1&tipoModalidade=D&InicioPeriodo=2023-09-01 https://www.bcb.gov.br/estatisticas/reporttxjuros/?codigoSegmento=1&codigoModalidade=204101&historicotaxajurosdiario_atual_page=3&tipoModalidade=D&InicioPeriodo=2023-09-01 https://www.bcb.gov.br/estatisticas/reporttxjuros/?codigoSegmento=1&codigoModalidade=204101&historicotaxajurosdiario_atual_page=3&tipoModalidade=D&InicioPeriodo=2023-09-01 https://www.bcb.gov.br/estatisticas/reporttxjuros/?codigoSegmento=1&codigoModalidade=216101 22 Por certo que o perfil econômico do consumidor interfere ativamente na fixação dessa taxa de juros, como valores aplicados, pontualidade no pagamento de suas obrigações, o uso dos débitos autorizados de pagamento, concentração na mesma IF, tempo de fidelidade etc. Esse perverso contexto de oferta de crédito, em que o despudorado poder econômico pouco ou nada faz para conter a sua própria voracidade, a doutrina lança as suas ponderações a fim de encontrar soluções, todas factíveis, baseadas no direito positivado, mas, dependendo de ajuizamentos individuais de ações para corrigir os mais insanos abusos. Bruno Miragem (2014, pp. 360-376) tece objetivas considerações sobre a problemática contratual envolvendo as relações contratuais de consumo de crédito, suas nulidades a partir do CDC, a necessária interferência do Código Civil, as questões referentes à bem revogada limitação dos juros “reais” – modalidade exclusiva dos contratos de câmbio – previstas no § 3º do artigo 192, em sua original redação, da CF, a interferência do Decreto 22.626/1933, que também está revogado [nossa opinião pessoal] pelo efeito da revogação do Código Civil de 1916, bem como pela aqui referida Lei 4.595/1964. Com efeito, limitados ou não limitados os juros remuneratórios nas operações próprias da atividade financeira, e da bancária em especial, o sistema jurídico brasileiro dá o chamado controle in concreto pelo juiz, o que impõe extirpar quaisquer condutas abusivas em franco desequilíbrio econômico privilegiando a atividade financeira em prejuízo ao consumidor. Tais condutas, entre outras, identificam-se a partir da inversão do ônus da prova em prejuízo do consumidor, aquelas que impõem arbitragem compulsória, as cláusulas-mandato, as cláusulas potestativas, as cláusulas surpresa, o que atrai e interpretação dos contratos de consumo pela força do artigo 47 do CDC: “As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor”, também atraindo a força do artigo 423 do Código Civil: “Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente”. A partir desse contexto jurídico-legal, Cláudia Lima Marques (2019, pp. 603-625), faz os seus sempre irrepreensíveis comentários acerca das interferências do CDC nos contratos de crédito bancário. A análise da autora açambarca jurisprudência e enunciados de súmulas do Superior Tribunal de Justiça, fazendo esta referência: Note-se que a jurisprudência consolidada do STJ permite juros variáveis, assim pelo menos a atual Súmula 296: ‘Os juros remuneratórios, não cumuláveis com a comissão 23 de permanência, são devidos no período da inadimplência, à taxa média de mercado estipulada pelo Banco Central do Brasil, limitada ao percentual contratado’. Essa “taxa média de mercado” somente se torna favorável ao consumidor em duas situações: a primeira, diante de eventual abusividade da taxa contratada, e, na segunda, se a taxa contratada é menor que a taxa média. Mas, considerando-se que há incontáveis casos de efetiva abusividade nas contratações de operações ativas de crédito, nem sempre essa hipóteseserá melhor, especialissimamente quando há superendividamento. O ideal, para o eficaz controle da concessão da taxa de juros “livremente pactuáveis”, é que o percentual contratado não seja linear pela oferta de mercado, mas estratificado a partir de elementos subjetivos como: o perfil de vulnerabilidade do consumidor contratante, a sua renda, o perfil de inadimplência, o volume do endividamento, o tipo contratual da operação, o volume de crédito contratado, o prazo de pagamento, a vinculação a mecanismo prévio de pagamento – como ocorre na Lei 10.820/2003 –, e a condição temporal da nova operação contratada em comparação às dívidas em curso de pagamento. Nesse sentido, a boa doutrina (OLIVEIRA, 2016) traz importantes considerações para reflexão, a partir da tomada de crédito para a aquisição de bens: Quando o crédito é a única alternativa para o acesso a bens e serviços essenciais, a vulnerabilidade do consumidor é agravada pela necessidade, que restringe sua possibilidade de escolha, afeta a liberdade negocial, reduzindo a autonomia da vontade e apropria capacidade de decidir pela utilização ou não do crédito. A condição social dos consumidores menos favorecidos cria uma graduação econômica da hipervulnerabilidade. E este problema se potencializa com o fluir do tempo, porque enquanto o consumidor não consegue prover todas as despesas básicas, que se renovam constantemente, o uso reiterado do crédito gera um estado de endividamento crônico, em que a dívida aumenta a cada mês, com o acréscimo dos juros e tarifas, especialmente no uso de limites de cartão de crédito e cheque especial. Para estes consumidores, cuja dependência do crédito para subsistência demonstra a condição social de pobreza, a lealdade e a boa-fé impõem aos fornecedores os deveres reforçados de orientá-los ao uso das modalidades de crédito menos onerosas, com taxas de juros menores e com menos risco de endividamento. Com efeito, a boa doutrina está atenta ao problema dos juros remuneratórios fixados nos contratos de crédito bancário, “livremente pactuáveis” nos termos da Resolução nº 1.064/1985 do CMN, às nem sempre ideais práticas comerciais do poder econômico e à vulnerabilidade do consumidor. As causas efetoras desse fenômeno estão bem identificadas, as opções legais existem, e a “estandardização” dos institutos jurídicos está com viés de 24 consolidação na jurisprudência superior. Falta ao consumidor depreender melhor o espectro do problema para encontrar em si mesmo a solução própria à sua dignidade econômica, mesmo à custa de ingentes esforços. 8 CONCLUSÃO A regulação da atividade econômica é essencial dentro da atividade financeira, em geral, e da atividade bancária em particular. Tipos contratuais os mais variados atendem às também mais variadas necessidades de crédito, seja quanto ao tipo contratual, à sua eventual garantia, ao volume de crédito contratado, ao prazo de pagamento e, em especial, se se trata de consumo de crédito para uma necessidade identificada em cláusula contratual, ou não. Nesse contexto, a atualização de normativo do CMN deve ocorrer de modo sistêmico, a fim de que haja a prevenção aos naturais riscos próprios da atividade financeira e bancária. A questão é complexa, mas envolve o interesse individual do consumidor, o interesse de categorias de consumidores, bem como a higidez e a segurança do Sistema Financeiro Nacional, com todos os seus operadores. Mas, considerando-se que a produção e a circulação da riqueza se dão essencialmente a partir do agir da pessoa humana, será no consumidor a primeira solução passível de ser concretizada: consumir crédito deve ser um ato de rigorosa disciplina, de efetivo cálculo de disponibilidade de consumo, sem prejuízo de despesas próprias da subsistência, sob pena de o consumidor envolver-se num labirinto econômico de dificílima superação. REFERÊNCIAS GALBRAITH, John Kenneth. A moeda: de onde veio, para onde foi. Trad. Antonio Zoratto Sanvicente. 2ª ed. São Paulo: Livraria Pioneira, 1983. GUNTHER, Max. Trad. de Isaac Pilrcher. Os axiomas de Zurique. 26ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2013. MARQUES, Cláudia Lima. Diálogo das Fontes. Coord. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. O novo regime das relações contratuais. 9ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2019. 25 MIRAGEM, Bruno. Direito Bancário. 3ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2019. MIRAGEM, Bruno. Curso de Direito do Consumidor. 5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. MONTORO, André Franco. Introdução à Ciência do Direito. Justiça. Lei. Faculdade. Fato social. Ciência. 32ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2015. OLIVEIRA, Andressa Jarletti Gonçalves de. Crédito, inadimplência e os desafios para a proteção dos consumidores nos contratos bancários. In: MIRAGEM, Bruno. Claudia Lima Marques, OLIVEIRA, Amanda Flávio. 25 Anos do Código de Defesa do Consumidor, trajetórias e perspectivas: São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016. 26 QUESTÕES DE INTERPRETAÇÃO E IMUTABILIDADE DOS CONTRATOS INTELIGENTES EM RELAÇÃO ÀS MUDANÇAS NAS CIRCUNSTÂNCIAS Cesar Augusto Cavazzola Junior1 RESUMO Este artigo examina os desafios jurídicos decorrentes da interpretação e imutabilidade dos contratos inteligentes diante das mudanças nas circunstâncias. Abordamos a natureza dos contratos inteligentes, exploramos os princípios de interpretação contratual e discutimos os impactos da tecnologia blockchain na imutabilidade dos contratos. Além disso, analisamos as dificuldades de adaptação dos contratos inteligentes a situações imprevistas e propomos possíveis abordagens para equilibrar a eficiência da automação com a necessidade de flexibilidade contratual. Palavras-chave: Contratos inteligentes; Tecnologia blockchain; Direito Consumidor. 1. INTRODUÇÃO A crescente integração da tecnologia blockchain2 no universo jurídico tem revolucionado a maneira como os contratos são concebidos e executados. A ascensão dos contratos inteligentes, que operam por meio de códigos programáveis e automáticos, representa um marco significativo na busca por eficiência, transparência e segurança nas relações contratuais contemporâneas. Entretanto, à medida que a adoção desses contratos se expande, surgem desafios complexos relacionados à interpretação e à imutabilidade desses instrumentos, especialmente em face das mudanças nas circunstâncias que podem surgir ao longo da execução contratual. 1 Advogado (OABRS 83.859). Mestre em Direito pela Unisinos (2015). Autor dos livros “Manual de Direito Desportivo” (EDIPRO, 2014), “Bacamarte” (Giostri, 2016), “Francês Jurídico” (Jano, 2022) e “A Solidão Disciplinada” (Thoth, 2023). É coautor de outras obras jurídicas. E-mail: cesar.cavazzola@gmail.com. 2 A tecnologia blockchain é um sistema de registro digital seguro e transparente. Funciona como uma corrente de blocos interligados, cada um com informações que não podem ser alteradas. Esses blocos são mantidos por várias pessoas em uma rede, o que garante a confiança nas informações. É como um livro de registros digital que não pode ser apagado ou modificado, o que torna as transações mais seguras e confiáveis. Além disso, essa tecnologia tem muitas aplicações além das moedas virtuais, podendo revolucionar a maneira como registramos e gerenciamos informações em várias áreas. mailto:cesar.cavazzola@gmail.com 27 O termo "contrato inteligente" foi popularizado por Nick Szabo, em 1996, que o definiu como um conjunto de promessas especificadas em formato digital, nas quais também se incluem os protocolos criptográficos, que, ao serem executados por máquinas de estado, resultam na realização de umconjunto de promessas.3 Desde então, a evolução tecnológica possibilitou a concretização dessa visão, com contratos que não apenas documentam acordos, mas também automatizam sua execução, dispensando a necessidade de intermediários e reduzindo riscos de falhas humanas. Ao analisarmos a imutabilidade, uma característica intrínseca à tecnologia blockchain, compreendemos que sua natureza descentralizada e criptografada torna praticamente impossível a alteração de registros passados4. No entanto, essa característica, muito embora traga inegáveis benefícios em termos de segurança, também apresenta desafios em contextos em que as circunstâncias contratuais podem sofrer mudanças não previstas, tais como eventos de força maior, alterações regulatórias ou simples mudanças de cenário econômico. Nesse sentido, a interpretação dos contratos inteligentes assume uma dimensão peculiar quando consideramos que, ao contrário dos contratos tradicionais, a fonte primária de execução é o código em si, em vez de um texto em linguagem natural. Portanto, o processo de interpretação deve considerar tanto os termos expressos no código quanto as intenções das partes envolvidas. Esse desafio, à vista disso, fica ainda mais complexo quando percebemos que, em contratos inteligentes, a lógica algorítmica5 pode ser rígida e desprovida de nuances humanas que possam levar em conta contextos imprevistos. 3 O termo “smart contract”, traduzido como “contrato inteligente”, foi cunhado no ano de 1994 por Nick Szabo, renomado professor e criptógrafo tido por muitos como a mente por trás do pseudônimo de Satoshi Nakamoto. Para Szabo, “novas instituições e novas formas de formalizar as relações que compõem essas instituições agora são possíveis graças à revolução digital”. (CAVALCANTI, 2020) 4 A criptografia na tecnologia blockchain é como um código secreto que protege as informações. É como um cadeado digital que garante que somente as pessoas autorizadas possam acessar e entender o que está registrado nos blocos da blockchain. Isso torna as transações e os dados muito mais seguros, porque fica difícil para qualquer pessoa não autorizada entender ou alterar as informações. A criptografia é como uma camada de segurança extra que ajuda a manter tudo protegido e confidencial. 5 A lógica algorítmica é uma forma de pensar e resolver problemas usando passos organizados, como um conjunto de instruções. É como seguir um roteiro para chegar a um resultado desejado. Na programação e na tecnologia, a lógica algorítmica é usada para criar algoritmos, que são sequências de ações bem definidas que levam a um objetivo específico. Esses algoritmos podem ser usados para resolver tarefas complexas de maneira ordenada e eficiente, sendo a base para muitos sistemas e programas que usamos no nosso dia a dia. 28 Diante desses desafios, os operadores do Direito têm se voltado a um debate enriquecedor sobre a necessidade de equilibrar a eficiência6 proporcionada pelos contratos inteligentes com a flexibilidade essencial para lidar com eventos não previstos. É nesse contexto que emerge uma questão fundamental: até que ponto a imutabilidade dos contratos inteligentes7 deve ser mantida, e como a interpretação deve se dar considerando a automatização e a rigidez da execução?8 Portanto, este artigo se propõe a examinar em profundidade as questões de interpretação e imutabilidade dos contratos inteligentes em relação às mudanças nas circunstâncias, refletindo sobre os desafios, as potenciais soluções e a necessidade de encontrar um equilíbrio adequado entre a rigidez do código e a adaptação às realidades dinâmicas. 2. A NATUREZA DOS CONTRATOS INTELIGENTES A sociedade contemporânea tem sido palco de uma aceleração tecnológica sem precedentes, trazendo consigo transformações em diversas esferas da vida humana9. Nesse 6 Eficiência refere-se à capacidade de fazer algo de maneira rápida, econômica e sem desperdícios. Quando algo é eficiente, significa que ele alcança seu objetivo usando a menor quantidade de recursos possível, como tempo, energia, dinheiro ou esforço. Em outras palavras, a eficiência envolve fazer as coisas da melhor maneira, obtendo o máximo de resultados com o mínimo de recursos. Isso é importante em diversos contextos, como na tecnologia, nos negócios e até mesmo nas tarefas cotidianas, onde otimizar o uso dos recursos disponíveis é fundamental para alcançar resultados positivos. 7 A imutabilidade dos contratos inteligentes refere-se à característica de que uma vez que os termos e condições de um contrato são estabelecidos e registrados em uma plataforma baseada em blockchain, eles não podem ser alterados ou modificados posteriormente. Essa imutabilidade é resultado da natureza da tecnologia blockchain, que cria registros seguros e permanentes das transações. Portanto, os contratos inteligentes, uma vez criados e aceitos pelas partes envolvidas, permanecem inalterados ao longo do tempo, proporcionando segurança e confiabilidade às relações comerciais. Isso significa que as obrigações acordadas são executadas automaticamente, de acordo com o código definido, sem possibilidade de interferência externa após a sua criação. 8 Referências à legislação, como o Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD) da União Europeia, ilustram como as preocupações legais atuais afetam as dinâmicas dos contratos digitais. Além disso, jurisprudências, como o caso "DAO Hack" de 2016 e o caso "The DAO" nos tribunais norte-americanos, evidenciam as complexidades enfrentadas pelos tribunais ao lidar com questões decorrentes de contratos inteligentes. 9 Para o sociólogo Zygmunt Bauman: “A abundância dos compromissos oferecidos, mas principalmente a fragilidade de cada um deles, não inspira confiança em investimentos de longo prazo no nível das relações pessoais ou íntimas. Tampouco inspira confiança no local de trabalho, onde o status social costumava ser definido, onde a vida continua a ser ganha e os direitos de dignidade e respeito social continuam a ser obtidos ou perdidos. [...] Ao mesmo tempo, com a duração média do contrato de trabalho (‘projeto’) nas mais avançadas empresas de alta tecnologia em lugares como o admirado Vale do Silício girando em torno de oito meses, a solidariedade de grupo que costumava fornecer o campo para o desenvolvimento da democracia não tem tempo para fincar raízes e amadurecer. Há poucos motivos para se esperar que a lealdade de uma pessoa ao grupo ou organização seja retribuída. É insensato (‘irracional’) oferecer tal lealdade a crédito quando é improvável que ela seja recompensada. BAUMAN, Zygmunt. Identidade: entrevista a Benedetto Vecchi. Tradução de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005. p. 36. E ainda, nesse sentido: “A principal força motora por trás desse processo tem sido desde o princípio a acelerada ‘liquefação’ das estruturas e instituições sociais. Estamos agora passando da fase ‘sólida’ da modernidade para a fase ‘fluida’. E os ‘fluidos’ são assim chamados porque não conseguem manter a forma por muito tempo e, a menos que sejam derramados num recipiente apertado, continuam mudando de forma 29 cenário, os contratos inteligentes emergem como uma inovação disruptiva no âmbito das relações contratuais, com o potencial de redefinir os paradigmas tradicionais do Direito Contratual. Um contrato inteligente, em sua essência, representa uma fusão entre o mundo jurídico e a tecnologia da informação, onde acordos são expressos em códigos de programação que automatizam a execução das obrigações pactuadas. A definição de contratos inteligentes transcende a mera representação digital de acordos. Eles são representações digitais de acordos, com códigos que executam automaticamente ações predefinidas quandocertas condições são atendidas. Isso diferencia os contratos inteligentes de contratos tradicionais, que dependem de interpretação humana e de aplicação manual das cláusulas. Sob essa perspectiva, a capacidade de automatizar a execução das obrigações contratuais é a característica distintiva que confere eficiência e agilidade aos contratos inteligentes. No contexto da automação, os contratos inteligentes apresentam vantagens significativas em relação aos contratos tradicionais. A execução automática das cláusulas elimina a necessidade de intermediários, reduzindo custos e riscos associados a erros humanos. A transparência inerente à tecnologia blockchain proporciona um registro imutável e auditável de todas as transações, aumentando a confiança entre as partes envolvidas. Por outro lado, a automatização radical dos contratos também traz desafios. A rigidez algorítmica dos contratos inteligentes pode ser incompatível com situações excepcionais que não foram antecipadas no momento da elaboração do código. Questões como força maior, sob a influência até mesmo das menores forças. Num ambiente fluido, não há como saber se o que nos espera é uma enchente ou uma seca – é melhor estar preparado para as duas possibilidades. Não se deve esperar que as estruturas, quando (se) disponíveis, durem muito tempo. Não serão capazes de aguentar o vazamento, a infiltração, o gotejar, o transbordamento – mais cedo do que se possa pensar, estarão encharcadas, amolecidas, deformadas e decompostas. Autoridades hoje respeitadas amanhã serão ridicularizadas, ignoradas ou desprezadas; celebridades serão esquecidas; ídolos formadores de tendências só serão lembrados nos quizz shows da TV; novidades consideradas preciosas serão atiradas nos depósitos de lixo; causas eternas serão descartadas por outras com a mesma pretensão à eternidade (embora, tendo chamuscado os dedos repetidas vezes, as pessoas não acreditem mais); poderes indestrutíveis se enfraquecerão e se dissiparão, importantes organizações políticas ou econômicas serão engolidas por outras ainda mais poderosas ou simplesmente desaparecerão; capitais sólidos se transformarão no capital dos tolos; carreiras vitalícias promissoras mostrarão ser becos sem saída. Tudo isso é como habitar um universo desenhado por Escher, onde ninguém, em lugar algum, pode apontar a diferença entre um caminho ascendente e um declive acentuado”. BAUMAN, Zygmunt. Identidade: entrevista a Benedetto Vecchi. Tradução de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005. p. 58. 30 mudanças nas circunstâncias econômicas ou até mesmo alterações na legislação podem desencadear consequências imprevistas, colocando em risco o cumprimento do contrato e as relações entre as partes.10 3. PRINCÍPIOS DE INTERPRETAÇÃO CONTRATUAL A interpretação dos contratos tem sido uma pedra angular do Direito Contratual, uma vez que busca decifrar a intenção das partes e a extensão das obrigações assumidas. Princípios gerais de interpretação, como a boa-fé objetiva, têm sido amplamente utilizados para guiar os tribunais na resolução de disputas contratuais.11 Contudo, à medida que os contratos inteligentes ganham proeminência, a aplicabilidade desses princípios ao contexto dos códigos programáveis suscita questões complexas e inovadoras. A boa-fé objetiva, por exemplo, que exige que as partes ajam de maneira honesta e leal, pode ser desafiada na esfera dos contratos inteligentes devido à natureza da automação. Como se determina a intenção das partes quando a execução é estritamente vinculada ao código? A má-fé, em um contrato inteligente, poderia ser traduzida em um código que deliberadamente executa ações desvantajosas para a outra parte? A interpretação contra proferentem, que favorece a parte que não redigiu o contrato, também pode ser reinterpretada.12 Nos contratos inteligentes, o código é muitas vezes escrito 10 Autores como Aaron Wright e Primavera De Filippi discutem a natureza transformadora dos contratos inteligentes, destacando como a automação desses instrumentos pode impactar a eficiência dos sistemas legais. Eles também enfatizam a necessidade de um quadro legal que considere as especificidades e desafios inerentes a esses contratos (Wright, A., & De Filippi, P.,2019). No caso "The DAO", ocorrido em 2016, onde um fundo de investimento baseado em blockchain sofreu um ataque explorando uma falha de código, os tribunais foram confrontados com a complexidade de determinar a responsabilidade e as consequências legais em um ambiente tecnológico inovador. 11 Sem nos alongarmos doutrinariamente, os princípios gerais de interpretação dos contratos no Direito brasileiro são diretrizes que guiam a análise e a compreensão dos termos e condições de um contrato. Eles são fundamentais para garantir a justiça e a equidade nas relações contratuais. No Brasil, esses princípios são estabelecidos no Código Civil e incluem o princípio da boa-fé, que exige que as partes ajam de maneira honesta e leal durante a negociação e execução do contrato; o princípio da função social do contrato, que enfatiza que os contratos devem contribuir para o bem comum e não prejudicar a sociedade; e o princípio da autonomia da vontade, que reconhece a liberdade das partes para estabelecerem seus próprios termos, desde que não violem a lei ou a ordem pública. Além disso, a interpretação do contrato deve seguir o princípio da interpretação mais favorável à parte que não redigiu o contrato, conhecido como interpretação contra proferentem. Esses princípios orientam os tribunais e os profissionais do Direito na análise e aplicação dos contratos, garantindo que eles sejam justos, equitativos e estejam em conformidade com a lei. 12 No Código Civil, o art. 113, parágrafo 1º, inciso IV, estabelece que a interpretação do negócio jurídico deve ser atribuída no sentido que for mais benéfico à parte que não redigiu o dispositivo. Ainda, destaca-se as motivações da medida provisória 881/2019, convertida na lei 13.874/2019, ao incluir tal dispositivo no Código Civil: “16. Para a expansão da segurança jurídica das relações privadas, está presente a inserção explícita da regra do ‘contra 31 por uma das partes ou por terceiros especializados. Quais seriam as implicações se o tribunal interpretasse em favor da parte que escreveu o código, alegando falta de clareza em termos definidos por ela mesma? O caso emblemático do "DAO Hack" de 201613, no qual um fundo de investimento baseado em blockchain foi comprometido devido a uma vulnerabilidade no código, levanta a questão de como a boa-fé e outros princípios de interpretação se aplicam a contratos cuja execução é mediada por algoritmos. Os tribunais precisaram considerar se a exploração do código constituiu uma violação da boa-fé e, consequentemente, se os termos do código deveriam ser aplicados rigorosamente.14 4. IMUTABILIDADE NA TECNOLOGIA BLOCKCHAIN A tecnologia blockchain, frequentemente associada às criptomoedas15, transcende suas aplicações financeiras ao oferecer um sistema descentralizado e imutável para registrar proferentem’, sobre a interpretação de todos os contratos, antes limitados, explicitamente, aos de adesão. Essa regra estipula que a dúvida sobre a interpretação de um contrato beneficia a parte que não redigiu a cláusula disputada, derivando-se, conforme doutrina comparativa no direito continental, civil law, do princípio de que ninguém será beneficiado pela própria torpeza, regramento já parte do ordenamento jurídico brasileiro, conforme pesquisa presente nas Notas Técnicas. Essa lógica dá amparo à ideia de que quem redige uma cláusula não deve auferir benefício de tê-la feito de maneira dúbia, buscandoa eliminação de incentivos perversos, conforme assegura a moderna doutrina da análise econômica do direito. Essa previsão acaba também por valorizar o papel do advogado, na forma do art. 133 da Constituição, sobre os modernos e sofisticados processos de elaboração de contratos privados. Com essa medida, mais esforços serão destinados a evitar conflitos e, então, menos disputas serão instauradas, reduzindo significativamente os custos que tais conflitos impõem ao Judiciário e ao país em geral.” Antes da entrada em vigor da lei 13.874/19, a interpretação contra o predisponente era prevista no Código Civil somente para os casos referentes a dúvidas interpretativas em contratos de adesão. 13 O caso emblemático do "DAO Hack" de 2016 refere-se a um evento significativo na história da tecnologia blockchain e dos contratos inteligentes. O termo "DAO" significa "Organização Autônoma Descentralizada" e se refere a um fundo de investimento baseado em blockchain que operava automaticamente por meio de contratos inteligentes. Em 2016, o DAO foi alvo de um ataque cibernético que explorou uma vulnerabilidade no código do contrato inteligente, permitindo que um hacker desviasse uma grande quantidade de fundos. Esse incidente chamou a atenção para os desafios e as complexidades de se lidar com situações imprevistas em contratos inteligentes. Enquanto a imutabilidade da tecnologia blockchain geralmente garante a segurança das transações, o "DAO Hack" mostrou que mesmo contratos supostamente auto executáveis podem ser suscetíveis a falhas de segurança e eventos não previstos. O caso resultou em debates e discussões dentro da comunidade blockchain e jurídica sobre como abordar questões de responsabilidade, falhas de código e a necessidade de adaptação legal e técnica para lidar com situações semelhantes no futuro. Portanto, o "DAO Hack" é considerado um marco importante que destacou a importância de equilibrar a inovação tecnológica com a necessidade de segurança, transparência e adaptabilidade nos contratos inteligentes e na tecnologia blockchain. 14 Autores como Richard Susskind exploram como a automação e a tecnologia impactam a interpretação e aplicação do Direito. Eles sugerem que, à medida que a tecnologia desloca a ênfase do papel tradicional do juiz na interpretação para a programação precisa dos algoritmos, novos métodos de resolução de disputas podem ser necessários. (Susskind, R., 2019). 15 Criptomoedas são formas digitais de dinheiro que utilizam a criptografia para garantir transações seguras e controlar a criação de novas unidades. Ao contrário das moedas tradicionais emitidas por governos, operam em 32 informações. Ela fornece a base para a implementação e execução dos contratos inteligentes, estabelecendo a confiabilidade e a segurança necessárias para esses instrumentos. Essa tecnologia inovadora repousa sobre a descentralização distribuída de registros, onde cada nó da rede valida e armazena as transações, garantindo que todas as partes tenham acesso às mesmas informações. Um dos aspectos centrais da tecnologia blockchain é sua característica de imutabilidade. Cada transação ou dado registrado em um bloco é ligado a seu predecessor por meio de criptografia, criando uma cadeia contínua de informações que não pode ser alterada sem a aprovação de uma maioria da rede.16 No contexto dos contratos inteligentes, a imutabilidade da blockchain desempenha um papel crucial na garantia de que as obrigações pactuadas sejam executadas conforme acordado. Uma vez que os termos do contrato são codificados na blockchain, eles não podem ser modificados sem a concordância das partes envolvidas, eliminando a possibilidade de alterações arbitrárias ou desonestas após a assinatura do contrato, além de fornecer uma base sólida para a confiança nas relações comerciais. A abordagem jurídica tradicional à modificação de contratos frequentemente exige um acordo explícito entre as partes, seguido por um processo formal de alteração contratual. No entanto, a imutabilidade da blockchain desafia essa abordagem, pois uma vez que os termos são codificados, sua alteração requer procedimentos diferentes daqueles aplicados a contratos convencionais. Isso levanta a questão de como equilibrar a garantia da execução contratual com a necessidade de adaptação a circunstâncias imprevistas. O Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD) da União Europeia, que visa proteger os dados pessoais dos cidadãos, tem implicações significativas para os contratos inteligentes. Sob o RGPD, os indivíduos têm o direito de retificar dados imprecisos ou desatualizados.17 redes descentralizadas baseadas em tecnologia blockchain, o que as torna independentes de autoridades centralizadas. O Bitcoin foi a primeira criptomoeda criada em 2009, e desde então várias outras foram desenvolvidas, cada uma com características próprias. As criptomoedas possibilitam transações globais de maneira rápida e relativamente anônima, e têm gerado impacto em diversos setores, como finanças, investimentos e tecnologia, além de impulsionar discussões sobre regulamentação e adoção generalizada. 16 A criptografia e o consenso entre os participantes da rede asseguram que uma vez que os dados são registrados, eles se tornam resistentes à adulteração, fornecendo uma camada adicional de segurança em relação aos registros tradicionais. 17 Trata-se do Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016, relativo à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais. O Regulamento Geral de 33 5. ABORDAGENS PARA FLEXIBILIDADE CONTRATUAL A busca por flexibilidade nos contratos inteligentes é crucial para garantir que esses instrumentos possam lidar de maneira eficaz com as complexidades das relações comerciais, ao mesmo tempo em que mantêm a eficiência e a segurança proporcionadas pela automação. Introduzir flexibilidade nos contratos inteligentes sem comprometer a automação requer abordagens inovadoras que equilibrem a rigidez do código com a necessidade de adaptabilidade. Uma abordagem para introduzir flexibilidade é incorporar cláusulas de ajuste baseadas em critérios predefinidos, permitindo que os contratos inteligentes fossem atualizados de acordo com mudanças específicas nas circunstâncias, como flutuações econômicas ou eventos excepcionais. No entanto, a implementação dessas cláusulas requer a definição precisa de critérios e a garantia de que os mecanismos de atualização não possam ser explorados de maneira desonesta. A introdução de mecanismos de consentimento mútuo pode permitir que as partes concordem com as modificações do contrato, consentimento que poderia ser expresso de maneira digital, validando a atualização apenas quando ambas as partes concordam. De qualquer sorte, essa abordagem também enfrenta desafios, como a possibilidade de uma parte exercer pressão sobre a outra para aceitar alterações desfavoráveis. No contexto do blockchain, a introdução de contratos "auto executáveis" pode permitir que as partes ajustem os termos do contrato automaticamente, quando certas condições são atendidas. Por exemplo, em um contrato de locação, as taxas mensais podem ser ajustadas automaticamente com base em índices econômicos, reduzindo a necessidade de intervenção manual, mantendo a automação enquanto incorpora flexibilidade.18 Proteção de Dados (RGPD) é uma legislação da União Europeia (UE) que foi implementada em maio de 2018 com o objetivo de fortalecer e unificar a proteção de dados pessoais dos cidadãos da UE. O RGPD estabelece regras e diretrizes rigorosas para a coleta, processamento e armazenamento de informações pessoais por organizações públicas e privadas. Ele garante aos indivíduos
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