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U N I D A D E 1 E L E T I V A E S T A T U T O D A C R I A N Ç A E D O A D O L E S C E N T E C O N T E X T O H I S T Ó R I C O - S O C I A L D A C R I A N Ç A E D O A D O L E S C E N T E LUCIANA MENEZES REIS AUTORA APRESENTAÇÃO Abordar a história social da criança, desde a era medieval até a modernidade; Conhecer o processo de consolidação da história da infância e seus aspectos históricos políticos e sociais, desde a Idade Média até a modernidade; Refletir sobre a história social da criança e do adolescente, com foco na evolução dos documentos legislativos de proteção à infância. Refletir sobre o atendimento à infância e à criança no Brasil, demonstrando as questões sociais, econômicas e políticas do período histórico colonial; Contribuir com a aproximação do estudo das legislações brasileiras, demonstrando, assim, a importância da publicização crescente de normas que regem a infância e juventude; Analisar a construção histórico-social dos direitos das crianças e adolescentes e como esta foi concebida no contexto normativo brasileiro; Analisar a alteração paradigmática trazida pela própria evolução legislativa, no tocante ao olhar para a população infanto-juvenil como sujeitos de direitos. Este material didático faz parte da disciplina eletiva Direito da Criança e do Adolescente. O material tem o intuito de facilitar sua aprendizagem de forma autônoma e foi elaborado de forma dinâmica a fim de tornar seu estudo ainda mais eficaz, abordando conteúdos selecionados para enriquecer seu conhecimento. Sendo assim, esta Unidade tem como objetivos: Os avanços e os retrocessos ocorridos ao longo dos anos partem de ideias e paradigmas adequados à realidade social estudada em cada época, tendo essa análise o condão de facilitar o exame de cada fase histórica. O objeto deste estudo é a análise da construção histórico-social dos direitos das crianças e adolescentes e como esta foi concebida no contexto normativo brasileiro. O objetivo é analisar a alteração paradigmática trazida pela própria evolução legislativa no tocante ao olhar para a população infanto-juvenil como sujeitos de direitos. 01 CONHEÇA O CONTEUDISTA Meu nome é Luciana Menezes Reis. Sou advogada graduada, pós-graduada, Mestre e Doutora em Direito, e já atuo na docência há mais de 15 anos. Faço parte do IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito das Famílias –, sendo autora de diversos artigos e da obra “Alienação Parental”. Atualmente sou docente e Coordenadora do Curso de Direito da Universidade Santa Úrsula/RJ. Deixo meu contato para quaisquer dúvidas ou sugestões: luciana.reis@usu.edu.br Será um prazer orientá-los nesta caminhada que se inicia hoje. LUCIANA MENEZES REIS 02 mailto:luciana.reis@usu.edu.br UNIDADE 1 A CONCEPÇÃO DA INFÂNCIA EM SUA DIMENSÃO HISTÓRICA E CULTURAL NA IDADE MÉDIA Introdução O processo do desenvolvimento da concepção de infância passou por diferentes mudanças, sendo construído historicamente ao longo dos anos. A ideia de que se trata de um período específico a ser experimentado por todos nem sempre foi uma realidade. Philippe Ariès desenvolveu um trabalho pioneiro na análise e na concepção da infância. Através de sua obra – História Social da Criança e da Família (1981) –, trouxe inúmeras considerações sobre as crianças em seus níveis, como estas eram vistas pela sociedade e de que maneira eram tratadas em tempos históricos distintos. Tal construção permitiu consolidar uma visão ampla sobre a sociedade de um modo geral e onde as crianças eram postas, seguindo seu lugar na sociedade. A construção histórico-social dos direitos das crianças e adolescentes no período medieval Crianças e adolescentes sempre foram, ao longo dos tempos, vítimas de descaso e desconsideração, sendo comum, ao se analisar a história pretérita, encontrar relatos de abandono, descaso, homicídios e abusos. Os avanços e os retrocessos ocorridos ao longo dos anos partem de ideias e paradigmas adequados à realidade social estudada em cada época. Entretanto, para se iniciar a abordagem sobre a história da infância, é preciso situar o conceito de criança e de infância. Etimologicamente, do latim IN (não) FANCIA (capacidade da fala), traz uma perspectiva de que a fase da infância seria caracterizada pela ausência da fala e de comportamentos esperados, considerados como manifestações irracionais. Dito de outro modo, desde a Idade Média, a infância era apenas uma fase sem importância. 03 As mudanças historiográficas sobre o conceito de criança começaram no século XX, mais precisamente na década de 1970, com a publicação da obra “História Social da Infância e da Família”, de Phellipe Ariès, em 1981. O autor foi o pioneiro a estudar a história da infância, apontando a necessidade de se diferenciar os períodos de vida. Ariès pesquisou a história da infância a partir da análise de imagens de famílias e crianças na Europa da Idade Média, observando as transformações familiares ao longo dos anos. A percepção era de que inexistia o “sentimento da infância”, uma vez que todas as crianças eram tratadas como adultos em miniatura, necessitando de cuidados básicos até conseguirem executar todas as tarefas de forma autônoma. Desde a antiguidade, mulheres e crianças eram consideradas seres inferiores que não mereciam nenhum tipo de tratamento diferenciado, sendo inclusive a duração da infância reduzida, o que justificou um longo período de invisibilidade dentro da sociedade. Durante toda a Idade Média, não havia a enumeração da idade. A criança era retratada como uma miniatura do adulto, e deste se diferenciava apenas pelos trajes e pela expressão facial, bem como pelo tamanho e pela força para o trabalho. Por serem desprovidos de personalidade, sua serventia era para a distração dos adultos, como verdadeiros “bichinhos de estimação”. Contudo, um sentimento superficial da criança – a que chamei de “paparicação” – era reservado à criancinha em seus primeiros anos de vida, enquanto ela ainda era uma coisinha engraçadinha. As pessoas se divertiam com a criança pequena como um animalzinho, um macaquinho impudico. Se ela morresse então, como muitas vezes acontecia, alguns podiam ficar desolados, mas a regra geral era não fazer muito caso, pois outra criança logo a substituiria. A criança não chegava a sair de uma espécie de anonimato (ARIÈS,1981, p.10). Assim que adquiria uma independência mínima como, por exemplo, se alimentar, fazer suas necessidades fisiológicas ou trocar a vestimenta sozinha, já era automaticamente misturada aos adultos. Portanto, não havia um critério a ser seguido como o desenvolvimento biológico, o cronológico de idade e muito menos o psicológico para determinar o início e o fim das fases da vida. De criança em tenra idade, ela se transformava imediatamente em homem jovem, sem passar pelas etapas da juventude. (ARIÈS, 1978, p. 10). 04 ELETIVA ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE Quanto aos trajes, durante a Idade Média, as crianças eram vestidas como adultos, e somente no século XVII começaram a surgir roupas próprias para crianças, o que acabavam caracterizando-as e iniciando-as, nesta fase, na formação do sentimento da infância, iniciando a separação destas com os adultos. Até o século XII, as condições gerais de higiene e saúde eram muito precárias, o que tornava o índice de mortalidade infantil muito alto. Os bebês abaixo de 2 anos, em particular, sofriam com o descaso assustador dos pais, que acreditavam ser perda de tempo investir qualquer esforço em um “pobre animal suspirante”, com tantas probabilidades de morrer nos primeiros anos de vida. (HEYWOOD, 2004, p.87). Este tratamento advinha, na maioria das vezes, da costumeira e decorrente morte prematura predominante àquela época, ocasionada, na maioria das vezes, pelo descuido com a saúde física e higiênica dos infantes. Por inexistir etapas entre infância, juventude e fase adulta, a adolescência não era caracterizada, e o termo foi usado como sinônimo de criança até o século XVIII. Apenas para exemplificar, em alguns paísesda Europa medieval, crianças eram submetidas à “prova da maçã de Lubecca”, método utilizado para verificar se a criança já possuía a malícia do adulto. O procedimento consistia no oferecimento de uma maçã e uma moeda à criança, e se esta escolhesse a moeda, estaria comprovada sua má índole, podendo ser submetida, inclusive, à pena de morte a partir dos 10 anos de idade (SARAIVA, 2002, p. 14). Os sinais de desenvolvimento de sentimento para com a infância tornaram-se mais numerosos e mais significativos a partir do fim do século XVI e durante o século XVII, pois os costumes começaram a mudar, tais como os modos de se vestir, a preocupação com a educação, bem como separação das crianças de classes sociais diferentes. Portanto, o conceito de infância foi construído, historicamente, a partir do final da Idade Média e durante a Idade Moderna na Europa. Até o fim do século XIII, não existiam crianças caracterizadas por uma expressão particular, e sim homens de tamanho reduzido. Essa recusa em aceitar na arte a morfologia infantil é encontrada, aliás, na maioria das civilizações arcaicas, e a criança, por muito tempo, não foi vista como um ser em desenvolvimento, com características e necessidades próprias (ARIÈS, 1981 p.18). É perceptível como na literatura e nas pinturas as crianças vão ganhando espaço, demonstrando que a sociedade passava a ver naquele momento a criança com outros olhos. Ela passava a ter direito a uma infância tranquila, cuidados próprios inerentes à idade, não só de dependência, mas principalmente voltados para suas capacidades cognitivas. Isso só se tornou possível, por exemplo, com o uso de brincadeiras como forma de aprendizagem. 05 ELETIVA ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE A identificação das idades relaciona-se à modernidade do espaço urbano e das relações de trabalho, onde todos devem ser identificados de diversas formas. Somente a partir do século XIX a ordem numérica das idades veio a tornarem-se corriqueiras. A construção do sentimento da infância Conforme observado, na Idade Média, as crianças eram tratadas como adultos em miniatura ou pequenos adultos. Os cuidados especiais que elas recebiam, quando os recebiam, eram reservados apenas aos primeiros anos de vida, e às que eram mais bem localizadas social e financeiramente. Desde a tenra idade, as crianças já participavam das mesmas atividades dos adultos, além de serem alvos de todos os tipos de atrocidades praticados por estes, não parecendo existir nenhuma diferenciação maior entre elas e os mais velhos. A Modernidade trouxe uma ruptura com a sociedade de ordens, que barrava as liberdades individuais, onde, para além da valorização do comércio, passou-se à uma valorização da autonomia e da capacidade humana. Com o surgimento de uma nova classe, a burguesia, inevitavelmente, promoveu-se na esfera da infância e da juventude, uma revolução na pedagogia e na educação. Era o início da construção do sentimento de infância. Assim, a sociedade moderna constituiu-se por processos de civilização, racionalização e institucionalização, que buscaram a normalização e o controle social. Essa percepção, de acordo com Ariès (1981), é concomitante à constituição da família nuclear, do estado nação e da nova organização do trabalho produtivo. A constituição do conceito infância está na transição dos séculos XVII para XVIII, quando esta passa a ser definida como um período de ingenuidade e fragilidade do ser humano. No decorrer do século XVII, os temas da infância são mais bem desenvolvidos, já que as crianças começaram a ser retratadas sozinhas; os retratos de família passaram a se organizar em torno da criança e passou-se a gravar cenas de caráter convencional e cotidiano. Afirma-se, assim, que somente no século XVII a descoberta da infância deu sinais numerosos e significativos. O conceito de infância foi construído historicamente a partir do final da Idade Média e durante a Idade Moderna na Europa. É inegável como na literatura e nas pinturas as crianças vão ganhando espaço, demonstrando que a sociedade passava a ver naquele momento a criança com outros olhos. 06 ELETIVA ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE No decorrer da história, os conceitos de criança e infância vêm sendo discutidos e apresentam diferentes significados. A criança deixa de ser considerada um ser “adultizado” e passa a ser vista como um indivíduo de direitos e singularidades. A partir de então, é possível encontrar indícios de um investimento social e psicológico nas crianças. Nos séculos XVI e XVII, já existia “uma consciência de que as percepções de uma criança eram diferentes das dos adultos” (HEYWOOD, 2004.p. 36-7). A Revolução Industrial inaugurou a fase de iniciação de crianças e adolescentes no mundo do trabalho, que, somada à força das mulheres, – considerados até então como “meias forças” – , foram empregados no processo produtivo, com remuneração inferior à do adulto do sexo masculino. A exploração era latente, a ponto de alguns países legislarem acerca do limite da idade mínima para se começar a trabalhar. [...] durante a primeira metade do século XIX, sob a influência de mão de obra na indústria têxtil, o trabalho de crianças conservou uma característica da sociedade medieval: a precocidade da passagem para a vida adulta. (ARIÉS, 1981, p.23). Nas indústrias, além da inserção do trabalho da mulher, constata-se a presença de crianças que representavam mãos de obra baratas, disciplinadas e com baixo poder reivindicatório. As atividades de trabalho infantil, que sempre estiveram presentes na sociedade medieval, sejam elas domésticas ou agrícolas, continuaram acontecendo. [...] se na sociedade feudal, a criança exercia um papel produtivo direto (“de adulto”) assim que ultrapassava o período de alta mortalidade, na sociedade burguesa, ela passa a ser alguém que precisa ser cuidada, escolarizada e preparada para uma atuação futura. Esse conceito de infância é, pois determinado historicamente pela modificação das formas de organização da sociedade (KRAMER, 1987, p. 19) O movimento de particularização da infância ganha forças a partir do século XVIII, com uma substancial transformação da família, na qual a criança passa a ser valorizada e passa a ocupar um lugar central na dinâmica familiar. As crianças começam a ser afastadas do trabalho, dando-se prioridade a seus pais nos empregos disponíveis. As escolas passam a ser o caminho útil para a criança, passando a ser preparada para a vida adulta como um futuro operário. 08 ELETIVA ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE Essa nova preocupação com a educação pouco a pouco iria instalar-se no seio da sociedade, e transformá-la de fio a pavio. A família deixou de ser apenas uma instituição do direito privado para a transmissão dos bens e do nome, e assumiu uma função moral e espiritual, passando a formar os corpos e as almas. (...) O cuidado dispensado às crianças passou a inspirar sentimentos novos, uma afetividade nova que a iconografia do século XVII exprimiu com insistência e gosto: o sentimento moderno de família. (...) A aprendizagem tradicional foi substituída pela escola, uma escola transformada, instrumento de disciplina severa, protegida pela justiça e pela política. O extraordinário desenvolvimento da escola no século XVII foi uma consequência dessa preocupação nova dos pais com a educação das crianças. (...) A família e a escola retiraram juntas a criança da sociedade dos adultos. A escola confinou uma infância outrora livre num regime disciplinar cada vez mais rigoroso, que nos séculos XVIII e XIX resultou no enclausuramento total do internato.(ARIÉS, 1981, p.257) Desta forma, não se tratava mais de criar os filhos em função dos bens e da honra. Tratava-se de um sentimento inteiramente novo. Os pais passaram a se interessar pelos estudos de seus filhos e a família começou então a se organizar em torno da criança. Desta forma, desde a concepção da idade moderna, que significou relevância do papel da criança, além de ter sido um ponto positivo dessa nova concepçãode infância, somente no início do século XX a Medicina, a Psiquiatria, o Direito e a Pedagogia contribuíram para a formação de uma nova mentalidade de atendimento à criança, abrindo espaço para uma concepção de reeducação não apenas religiosa, mas também científica. Como se percebe, a maneira como a infância é vista atualmente é consequência das constantes transformações do histórico-social experimentado em cada fase histórica, sendo de extrema importância essa compreensão para se vislumbrar a dimensão que a infância ocupou nas diversas fases históricas, até os dias atuais. 09 ELETIVA ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE APRENDA MAIS A inserção na vida social é o primeiro contato para a formação integral dos sujeitos. Propomos como leitura a obra: História Social da Criança e da Família, do autor Philippe Ariès. Você poderá estudar sobre a inserção da criança no meio social, contrapondo às ideias do passado com o presente. ARIÈS, PHILIPPE. História social da criança e da família. 2. ed. Rio de Janeiro: LTC, 1981. 196 p. A infância e a juventude no Brasil colônia A indiferença com que eram tratados as crianças e os adolescentes em terras brasileiras não era muito diferente daquela que lhes era proporcionada em outros países da Europa. A partir de uma breve e sucinta análise, é possível delimitar o tratamento dado à criança e ao adolescente dentro do ordenamento jurídico brasileiro em três fases: na primeira fase, aproximadamente entre os séculos XVI e XIX (1501 a 1900), conforme retrata Ariès (1981), em regra, a criança e o adolescente eram reconhecidos pelos adultos como “bichinhos de estimação”; na segunda fase, aproximadamente a partir da primeira metade do século XX (1901 a 1950), passam a ser tratados como “objetos” de tutela do Estado; e, por fim, na segunda metade do século XX até os tempos atuais, passam a receber maior proteção tanto da sociedade quanto do Estado, tornando-se alvo de proteção integral e prioritária. Entretanto, para se chegar ao atual conceito da infância e juventude, é importante destacar a situação experimentada por crianças e adolescentes desde a chegada dos portugueses em terras brasileiras. Além de adultos, as embarcações portuguesas traziam, para povoar a Terra de Santa Cruz, também crianças. Consoante ensina Ramos, Em uma época em que meninas de quinze anos eram consideradas aptas para casar, e, meninos de nove anos plenamente capacitados para o trabalho pesado, o cotidiano infantil a bordo das embarcações portuguesas era extremamente penoso para os pequeninos. Os meninos não eram ainda homens, mas eram tratados como se fossem, e ao mesmo tempo eram considerados como pouco mais que animais cuja mão de obra deveria ser explorada enquanto durasse sua vida útil. As meninas de doze a dezesseis anos não eram ainda mulheres, mas em idade considerada casadoura pela Igreja Católica, eram caçadas e cobiçadas como se o fossem. Em meio ao mundo adulto, o universo infantil não tinha espaço: as crianças eram obrigadas a se adaptar ou perecer. (RAMOS, 2010, p.48-49). As condições infanto-juvenis variavam de acordo com a situação econômico- financeira da família à qual estavam inseridas. Ao contrário do que ocorria com os filhos de artesãos e camponeses desafortunados, que laboravam em precárias condições juntamente com os pais, os infantes oriundos de famílias abastadas já desenvolviam habilidades na música e na dança, além de terem à sua disposição o ensino. Assim, torna-se claro que o trabalho infantil faz parte da realidade brasileira desde o seu período colonial. 10 ELETIVA ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE O sentimento de infância no Brasil colônia No Brasil colônia, a ideia de proteção e o sentimento em relação a criança não existia. Desde os primeiros anos de colonização brasileira, já era possível constatar a presença de crianças indígenas perambulando pelas cidades ou sob o cuidado da Igreja Católica. No Brasil Colonial, a primeira forma de atendimento à infância brasileira decorreu da chegada dos portugueses, seguida da vinda dos Jesuítas com a incumbência de “civilizar” os índios através dos preceitos do Cristianismo. Desde os séculos XVI e XVII, os trabalhos com as crianças pobres eram realizados pela Companhia de Jesus, a partir de sua proposta catequética, com a missão de ensinar a ler, a escrever e a se evangelizar (aprender bons costumes). É interessante ressaltar que a questão da doutrinação ou educação religiosa, acabou por influenciar a criação de colégios no Brasil, todavia, a intenção dos padres católicos era influenciar os pequenos infantes a serem propagadores da religião, a fim de atingir os respectivos genitores, fossem indígenas ou europeus. (PAGANINI J: 2011) No início da colonização, os padres jesuítas, que eram responsáveis pela educação, buscaram “humanizar” e “salvar a alma” da população indígena do Brasil. Em resposta à resistência pelos índios adultos, a catequese jesuíta, sob a justificativa de que seria mais fácil envolver as crianças índias com os ensinamentos da Companhia de Jesus (ordem religiosa fundada em 1540), iniciou a prática da segregação das crianças índias em locais chamados de “casas de muchachos”. Assim, estas eram retiradas das famílias e, neste local, catequizadas juntamente com crianças órfãs portuguesas da mesma faixa etária, sob a alegação que aprenderiam modos civilizados, ou seja, hábitos europeus. Deste modo, a doutrinação dos jesuítas atendia ao imperativo de auxiliar a sedimentar a cultura teocrática portuguesa na colônia, além de transformar a população de índios em força de trabalho. (GUIMARÃES, 2007, p. 84) Foi aberta uma casa para meninos (mestiços, negros, indígenas e filhos de colonos) e outra para as indígenas. Os meninos eram educados sob severos castigos e instigados a deixar os costumes dos pais e as indígenas eram dadas em casamento aos colonos, porque já haviam assimilado o comportamento e as ideias católicas. Assim, muitas crianças indígenas foram retiradas de suas aldeias e de suas famílias sob o pretexto de serem educadas em um ambiente mais salutar, passando a residir nos colégios jesuítas sob as rígidas medidas educacionais dos padres, o que, sem dúvidas, violou a cultura e os costumes desses povos. (ARANTES, 2011, p. 167). 1 1 ELETIVA ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE Observa-se que as crianças passaram das mãos dos jesuítas para as mãos dos senhores de engenho. Na época da escravidão, o destino das crianças escravas era uma vida de humilhações, maus-tratos e abusos sexuais, sendo recorrente o infanticídio como alternativa das mães para livrar seus filhos das mais diversas formas de violência. Os filhos de escravos, chamados de crias e moleques, seguiam para o trabalho a partir de cinco anos, devendo aprender algum ofício. As crianças brancas da casa grande, nomeadas de meninos, filhos de família, quase sempre eram cuidadas por amas, recebiam instrução jesuítica a partir dos seis anos, aprendiam as primeiras letras com professores particulares, usavam trajes adultos e sua educação se apoiava nos castigos corporais.(GUIMARÃES, 2007, p.87) Desde a época colonial, a inspiração dos ideais europeus sobre a infância já era clara no Brasil. Já se faziam presentes as diferenças no atendimento destinado a crianças brancas e negras, fato que marcou o início da nossa histórica do atendimento à criança com o crivo da desigualdade. Os filhos de escravos, chamados de crias e moleques, seguiam para o trabalho a partir de cinco anos, devendo aprender algum ofício. As crianças brancas da casa grande, nomeadas de meninos, filhos de família, quase sempre eram cuidadas por amas, recebiam instrução jesuítica a partir dos seis anos, aprendiam as primeiras letras com professores particulares, usavam trajes adultos e sua educação se apoiava nos castigos corporais. Aspectos representativos da divisão de classes e das diferenças sócio-econômicas que caracterizavam o tipo de atendimento a elas dispensado. (GUIMARÃES, 2017). 12 ELETIVA ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE Fonte: http://www.revistahcsm.coc.fiocruz.br/wp-content/uploads/2014/09/Indios_e_Jesuitas.jpgDesde a chegada dos Jesuítas, aproximadamente cinquenta anos após a chegada dos primeiros portugueses, deu-se início ao processo de abandono de crianças e adolescentes. (LEITE, 2009, p. 11). A questão do abandono era algo comum em terras brasileiras, o que demonstra que desde a época colonial, o cuidado com crianças e adolescentes era quase inexistente, em verdadeira omissão e descaso. Ao mesmo tempo em que os jesuítas desenvolviam um trabalho voltado à educação e à assistência, passaram a existir também as denominadas Casas de Misericórdia, que ficaram responsáveis pelo acolhimento das crianças abandonadas. A vulnerabilidade da ‘Roda dos Expostos” Surge no Brasil a denominada “roda dos expostos”, instituição oriunda da Europa medieval e que perdurou no Brasil durante os três grandes regimes do período colonial, findando somente no período republicano por volta da década de 1950. (MARCÍLIO, 2001). A roda de expostos foi uma das instituições brasileiras de mais longa vida, sobrevivendo aos três grandes regimes de nossa História. A roda dos expostos tinha essa característica de garantidora ao anonimato do expositor, pois se baseava em uma tábua cilíndrica, dividida ao meio, que ficava fixa em um muro ou janela das instituições (mosteiros e hospitais), no qual o expositor colocava a criança que pretendia abandonar, e impulsionava a forma cilíndrica que girava, consequentemente colocando o respectivo infante para dentro da instituição, e posteriormente, acionando um sino que alertava ao responsável pela vigia que ali chegara uma criança, dando nesse meio tempo, oportunidade para o expositor sair sem ser identificado [...] Seria um meio encontrado para garantir o anonimato do expositor e assim estimulá-lo a levar o bebê que não desejava para a roda, em lugar de abandoná-lo pelos caminhos, bosques, lixo, portas de igreja ou de casas de família, como era o costume, na falta de outra opção. Assim procedendo, a maioria das criancinhas morriam de fome, de frio, ou mesmo comidas por animais, antes de serem encontradas e recolhidas por almas caridosas. (MARCÍLIO, 2001, p. 57). Diante do contexto, no século XIX, o mundo atravessou significativas transformações, em especial as de cunho econômico e social. No mesmo período, o Brasil experimentou importantes mudanças político-sociais iniciadas com a vinda da Família Real para o Brasil (1808), promovendo, dentre várias medidas, o rompimento com o ensino jesuítico. O índice de mortalidade das crianças desamparadas era elevado, fato que incitou os abolicionistas e higienistas a desaprovarem a prática da roda dos expostos. 13 ELETIVA ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE A educação não era aplicada aos filhos de pessoas pobres, diferentemente daqueles provenientes de famílias abastadas, que eram instruídos por professores particulares. Inicia-se, portanto, a adoção das creches, nos moldes franceses, que serviriam como locais apropriados à guarda de crianças pobres e abandonadas. [...] a creche, para as crianças de zero a três anos, foi vista como muito mais do que um aperfeiçoamento das Casas de Expostos, que recebiam as crianças abandonadas; pelo contrário, foi apresentada em substituição ou oposição a estas, para que as mães não abandonassem suas crianças. (KULMANN, 1998, P.78) Assim, resumidamente, observa-se que, a partir do descobrimento do Brasil, as crianças viveram um afastamento da convivência familiar por meio das ações caritativas e tutela da Igreja, especialmente em se tratando de crianças órfãs, abandonadas ou indígenas. Estas foram tratadas pelos colonizadores como indigentes e sem nenhuma função, fator este determinante para a ausência de políticas públicas/sociais de atendimento. No período colonial, além do alto índice de mortalidade infantil, precárias condições sanitárias e a adoção da roda dos expostos denotavam a vulnerabilidade e a invisibilidade de crianças e adolescentes no cenário brasileiro da época. A desigualdade social iniciava um caminho em terras brasileiras a partir do momento em que crianças brancas ricas do sexo masculino frequentavam os colégios religiosos para aprender latim e bons hábitos, e as negras eram direcionadas ao trabalho escravo. Além disso, a adoção dos castigos corporais como maneira de educar as crianças também fazia parte da cruel realidade experimentada pelos infantes no início do século XX. A Constituição de 1824, a primeira brasileira, não fez nenhuma menção às crianças e aos adolescentes. Entretanto, durante a fase imperial, teve início uma preocupação social com os infratores, menores ou maiores, e a política repressiva foi instaurada, ficando o Estado responsável para educar e corrigir as crianças. Desta forma, o início do século XX foi marcado pela tentativa de disciplinar as crianças consideradas “perigosas” para a sociedade. Somente em 13 de fevereiro de 1861 foi fundado na Casa de Correção da Corte, o Instituto de Menores Artesãos encarregado de abrigar trezentos menores. Aqueles que cometiam algum delito, os reputados de má índole ou aqueles cujas famílias não davam uma educação considerada apropriada, eram reclusos para receberem educação moral e religiosa. Os menores aprendiam uma profissão, além de música, desenho e estudo. Na verdade, o Instituto de Menores tinha a finalidade de disciplinar os corpos por meio do uso de castigos corporais, a fim de tornar a mente obediente. O Estado tutelava a criança pobre como se fosse delinquente e passava a ensinar-lhe ofícios. Com o passar do tempo, eram encaminhadas a essa instituição todas as crianças em situação de rua, sendo elas infratoras ou não. (GUIMARÃES, 2017, p. 16) 14 ELETIVA ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE A ESTRUTURA SÓCIO-JURÍDICA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE: DO BRASIL IMPÉRIO AO ADVENTO DO CÓDIGO CIVIL Crianças e adolescentes sempre foram, ao longo dos tempos, vítimas do descaso e da desconsideração, sendo comum, ao se analisar a história pretérita, encontrar relatos de abandono, descaso, homicídios e abusos. Somente a partir do século XIX a criança passa a ser objeto de investimento afetivo, econômico, educativo e existencial. Dentro da família, começa a ocupar a posição de destaque e o espaço familiar vai se transformando em um lugar de afetividade, onde se estabelecem relações de sentimento entre o casal e os filhos (ARIÉS, 1981). A reflexão sobre a construção social da infância e da juventude no Brasil remonta a conceitos jurídicos-sociais que vigoraram no ordenamento pátrio desde o Brasil Império, mais precisamente em 1830, com o advento da codificação penal que regulamentava a situação jurídica da população infanto-juvenil, restringindo-se à denominada “teoria do discernimento”, que estabelecia que a criança e o adolescente seriam ou não considerados criminosos em razão do discernimento. O Código fixou a imputabilidade penal plena aos 14 anos de idade, estabelecendo um sistema biopsicológico para a punição de crianças entre 9 e 14 anos. Nesta faixa etária, os menores que agissem com discernimento poderiam ser considerados relativamente imputáveis, sendo passíveis de recolhimento às casas de correção. Sobre a população menor de idade não envolvida em atos criminais predominava a ação caritativa da Igreja, que atuava na ausência da autoridade parental, abstendo-se de intervir no âmbito privado da família, onde ele se fizesse presente e atuante. A Roda dos Expostos foi praticamente a única instituição de assistência à criança abandonada no Brasil. Assim, o tratamento jurídico dispensado à população infanto-juvenil visava moldar a natureza desta por meio da disciplina, como influência da cultura europeia, presente em instituições como a família, a escola e, propriamente dito, o Estado, com sua frequente ingerência na esfera privada. A análise dos desdobramentos entre objeto e sujeito de direitos reflete na necessidade de se diferenciar os conceitos entre "menor" e "criança". As primeiras menções à expressão "menor" vieram com as leis criminais que vigoravam no Brasil Império, definindo as penas e sançõesno caso de cometimento de crimes por menores de idade. Assimilada a partir do universo jurídico, a expressão foi absorvida no discurso social ao final do século XIX para designar crianças nascidas nas camadas mais baixas da pirâmide social (SANTOS, 2004, p.206). 15 ELETIVA ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE Menor não é apenas aquele indivíduo que tem idade inferior a 18 ou 21 anos conforme mandava a legislação em diferentes épocas. Menor é aquele que, proveniente de família desorganizada, onde imperam os maus costumes, a prostituição, a vadiagem, a frouxidão moral e mais uma infinidade de características negativas, tem a sua conduta marcada pela amoralidade e pela falta de decoro, sua linguagem é de baixo calão, sua aparência é descuidada, tem muitas doenças e pouca instrução, trabalha nas ruas para sobreviver e anda em bandos com companhias suspeitas (RIZZINI, 2001, p.96). Assim sendo, a expressão assumiu uma postura de verdadeiro controle político, ao adjetivar e categorizar crianças tidas como suspeitas ou potencialmente perigosas, distinguindo, portanto, as crianças dos menores em situação irregular, creditando a estes últimos a responsabilidade sobre os desvios de condutas sociais. Durante o império, a sociedade brasileira conheceu importante influência da Igreja sobre os assuntos do Estado. Da esfera política ao âmbito jurídico, atravessando a implementação das políticas sociais públicas, a Igreja fazia ver sua influência. Datam desse mesmo período as primeiras referências ao termo menor, nas determinações previstas pelo Código Criminal de 1830, que definia quais sanções deveriam ser aplicadas no cometimento de crimes por menores de idade. Essa primeira referência ao termo tem, como se vê, caráter essencialmente penalista e criminal (RIZZINI, 2001, p.195). A população infanto-juvenil que não estava atrelada aos atos criminosos, sob a tutela do Império, sujeitava-se às ações caritativas da Igreja, que atuava quando inexistisse autoridade parental (SANTOS, 2004, p.212). Inexistia, portanto, durante o Brasil Império, qualquer mecanismo de tutela estatal que interferisse ou direcionasse as condutas existentes nos núcleos familiares. Com a promulgação da Lei do Ventre Livre, em 1871, observou-se um novo redirecionamento nas políticas infanto-juvenis. No momento em que se libertavam filhos de escravos ainda cativos, a visão intimista da família foi perdendo força, sendo necessário que o Estado tomasse novas posturas para o controle social. Aliados a isso, o próprio movimento de urbanização e industrialização contribuiu para a mudança da mentalidade estatal que, a partir do século XX, precisou aliar-se ao movimento higienista feito para o controle da população (SANTOS, 2004). Assim, com o advento da República, novas medidas passaram a rondar a tutela estatal, com o fito exclusivo de controle jurídico- institucional para a tutela dos menores. De um lado, o Estado passou a construir mecanismos de intervenção nos lares considerados apropriados, e noutro lado, as crianças sem família – ressalte-se, anormais, irregulares e de baixa renda – passaram a sofrer uma série de ações calcadas no ideal higienista, coincidindo com a criação de instituições estatais de internação. 16 ELETIVA ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE A construção do menor como objeto de direitos O Decreto nº847/1890, o então chamado Código Criminal da República trazia, no seu texto do Título III, a imputabilidade e a avaliação psicológica na criança de 9 aos 14 anos para averiguar o discernimento para a prática de infrações. De acordo com o art. 27 deste decreto, a sanção aplicada seria de acordo com este discernimento diante dos atos infracionais cometidos. Eram inimputáveis os menores de 9 anos e imputáveis os que entre 9 e 14 anos agissem com discernimento; ou seja, a partir dos 9 anos, o menor já poderia sofrer um processo criminal. A medida socioeducativa adotada neste código era o recolhimento em estabelecimentos disciplinares industriais de acordo com o art. 30. Art. 30. Os maiores de 9 anos e menores de 14, que tiverem obrado com discernimento, serão recolhidos a estabelecimentos disciplinares industriais, pelo tempo que ao juiz parecer, contanto que o recolhimento não exceda á idade de 17 anos. (BRASIL, 1890). A tutela estatal sobre a infância e a juventude baseou-se no modelo denominado higienista, sendo necessária e urgente a promulgação de um texto legal que firmasse os marcos jurídicos de controle do Estado intervencionista. Essa assimilação dos conceitos higienistas no Brasil deu-se por meio da construção da Doutrina de Situação Irregular. Assim, apenas os menores em situação irregular – abandonados, delinquentes e pervertidos –, seriam alvo da tutela estatal na condição de objetos de direitos, explicitando a prevalência da Lei sobre aqueles a quem ela se aplica. O Brasil, nos anos finais da década de 1920, enfrentava um dos momentos de muitas mudanças econômicas e sociais e sérios problemas políticos. Com o crescimento da população e o desenvolvimento econômico dos grandes centros urbanos formaram-se sérias contradições sociais, fazendo com que normas de controle social passassem a ser estabelecidas no campo das relações entre o público e o privado. O medo social com a delinquência denotava cada vez mais uma preocupação com a criminalidade infanto-juvenil, e os argumentos elencados como soluções para o problema – os chamados menores de rua – era o recolhimento em depósitos especializados, denominados como abrigos ou reformatórios (RIZZINI; PILOTTI, 2001, p.211). Moncorvo Filho (1926, p. 37) destaca que os menores moradores de rua ou expostos a ela era um grupo visto como uma “[...] ameaça à integridade da família, requerendo dos poderes públicos a devida proteção e correção dos menores”. Para o autor, os menores não deviam ficar expostos às influências do meio pernicioso das ruas, entregues à própria sorte, mas sim resgatados da marginalidade social para serem socialmente sadios e produtivos. 17 ELETIVA ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE GUIA DE ESTUDOS 18 ELETIVA ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE A doutrina da situação irregular classificava crianças e adolescentes não como pessoas sujeitos de Direito, mas sim como objetos de tutela e intervenção dos adultos, o que deveria ocorrer em caso de se encontrar o menor de 18 anos na mencionada “situação irregular”, definida pelo art. 2º do antigo Código de Menores como a “privação de condições essenciais à sua subsistência, saúde e instrução obrigatória”; “submissão a maus tratos ou castigos imoderados”; exposição a “perigo moral”; “privação de representação ou assistência legal”; e ainda incluindo o desvio de conduta “em virtude de grave inadaptação familiar ou comunitária” e a prática de infração penal. Ainda sim, na sua opinião, o Código Mello Mattos pode ser considerado uma legislação protetiva aos interesses infanto-juvenis para a época? 19 ELETIVA ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE SÍNTESE DA AULA: Nesta aula, contextualizamos os direitos das crianças e adolescentes a partir de um ponto de vista histórico, demonstrando qual era o tratamento conferido a eles nos dispositivos legais que antecederam o Estatuto da Criança e do Adolescente. NA PRÓXIMA AULA: Estudaremos um pouco mais sobre o Princípio do Melhor Interesse da Criança e do Adolescente, mencionando a Prioridade Absoluta de que trata a Constituição de 1988 especialmente em seu artigo 227. De igual modo, abordaremos o importante papel da família, no sentido de assegurar a Dignidade Humana destas pessoas em desenvolvimento. EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO 1) Phillipe Ariès, aclamado como autor da obra sobre o tema da construção do conceito de infância na passagem da era Medieval para a modernidade, ficou reconhecido por ter introduzido definitivamente as crianças nas pesquisas acadêmicas, e por ter afirmado a condição da infância como uma construção social. De acordo com sua obra, é incorreto afirmar: A) ausência do sentimento de infância é facilmente percebidaquando analisa-se o alto índice de mortalidade infantil e de infanticídio praticado pelas mulheres na Idade Média. B) O sentimento de infância, de preocupação com a educação moral e pedagógica, o comportamento no meio social, são ideias que surgiram na Idade Média. C) Devido às más condições sanitárias, a mortalidade infantil alcançava níveis alarmantes, e por isso a criança era vista como um ser ao qual não se podia apegar, pois a qualquer momento ela poderia deixar de existir. D) A duração da infância não era bem definida e o termo “infância” era empregado indiscriminadamente, sendo utilizado, inclusive, para se referir à jovens com dezoito anos ou mais de idade. E) nesse período, essa identidade da criança está definida pelo não-sentimento de infância, o que não quer dizer que não havia afeto pelas crianças ou que, na totalidade, eram abandonadas ou desprezadas, mas, sim, que não havia uma consciência da particularidade infantil, ou seja, não se distinguia a criança do adulto. 20 SEU GABARITO EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO 2) Ariès (1981), ao discutir a história social da criança e da família, salienta dois momentos importantes na construção do sentimento de "Infância". O primeiro, logo após a Idade Média, que se caracterizou pela valorização da ingenuidade e da graça da criança, dentro das próprias relações familiares. O segundo momento foi trazido por uma fonte externa à família, principalmente a partir do século XVI e XVII, e trouxe mudanças significativas para a estrutura da própria sociedade. O foco dessa nova visão de infância era: A) Preocupação com o desenvolvimento da disciplina e da moral. B)Preocupação com o desenvolvimento da sociabilidade. C)Preocupação com o desenvolvimento de maior intimidade nas relações familiares. D) Preocupação com a saúde, em função do elevado número de mortes em recém-nascidos. E) Preocupação com o desenvolvimento de uma maior religiosidade. 21 SEU GABARITO EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO 3) Observe a imagem abaixo: 22 Conforme os estudos de Philippe Ariès sobre a concepção de infância na Idade Média, é CORRETO afirmar: A) Havia preocupação com a proteção integral e o desenvolvimento das crianças conforme as particularidades dessa faixa etária. B) As crianças possuíam vestimentas próprias e brinquedos e brincadeiras adequadas à sua idade. C) O sentimento de infância começou a desaparecer, pois estas tiveram que abandonar suas brincadeiras para ingressarem no mundo adulto. D) A infância não era uma categoria socialmente reconhecida, pois as crianças se confundiam com as demais pessoas nas tarefas adultas. E) A vida era vista de forma homogênea, havendo diferenciação entre os períodos da vida. SEU GABARITO EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO 4) [...] um estrondoso número de bebês abandonados que eram deixados pelas mães à noite, nas ruas sujas. Muitas vezes eram devorados por cães e outros animais que viviam nas proximidades ou vitimados pelas intempéries ou pela fome (NETO, 2000, p. 107). De acordo com a história, a criação da roda dos expostos, na Idade Média, teve como objetivo acolher as crianças que eram abandonadas. Essa foi a primeira instituição criada para atender crianças abandonadas, de que se tem notícias. No Brasil, a primeira roda foi criada no século XVIII, na cidade de Salvador, e funcionou junto à Casa de Misericórdia. Com base no modelo instalado no Brasil, sobre a história da roda dos expostos, assinale a alternativa incorreta: A) Esse tipo de assistência de atendimento à criança abandonada, respondeu plenamente as expectativas esperadas, dando maior proteção ao infante abandonado. B) A roda dos expostos foi um meio encontrado para a proteção de crianças que eram abandonadas ou largadas à própria sorte; C) A roda foi instituída para garantir o anonimato do expositor evitando-se na ausência daquela instituição e na crença de todas as épocas, o mal maior, que seria o aborto e o infanticídio. D) Foi uma das instituições brasileiras de mais longa vida, sobrevivendo aos três grandes regimes de nossa história. Criada na Colônia, perpassou e multiplicou-se no período imperial, conseguiu manter-se durante a República e só foi extinta definitivamente na recente década de 1950 E) Surgiu na tentativa de acabar com o infanticídio e abortos que vinham acarretando indignação a uma grande parcela da população. 23 SEU GABARITO EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO 5) A legislação da época, passagem do século XIX para o século XX, demonstrava profunda preocupação com um reordenamento político e social. Dentro desse contexto, uma das principais prioridades era a infância. Sobre este período, é correto afirmar: A) O enfoque agora era de cunho jurídico e não mais caritativo e religioso, como fora no Brasil Império e nos primeiros anos do Brasil República. B) Havia uma constante da defesa da criança, em detrimento da sociedade. C) A preocupação com a criminalidade infanto-juvenil não era um fenômeno brasileiro. D) a educação piedosa, rígida, e por vezes até violenta não fazia parte dos institutos de abrigamento no Brasil. E) o número de crianças abandonadas e pertencentes a famílias ricas e pobres se tornou crescente nos centros urbanos, onde, mesmo depois da intensificação da industrialização, as fabricas não tinham como absorver toda a mão de obra infantil, o que causou um aumento na criminalidade. 24 SEU GABARITO 24 ANOTAÇÕES REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARIÈS, P. História social da criança e da família. Rio de Janeiro: Guanabara, 1981. ARANTES, Esther Maria Magalhães. Rostos de crianças no Brasil. In: RIZZINI, Irene e PILOTTI, Francisco (orgs). A arte de governar crianças: a história das políticas sociais, da legislação e da assistência à infância no Brasil.3 ed. São Paulo: Cortez, 2011. BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Decreto-Lei No 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Civil. Vide Lei nº 8.176, de 1991. 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Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Publicado no DOU 16.7.1990 e retificado em 27.9.1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm. Acesso em: 10.abr.2022. COELHO, Sônia Vieira. Família contemporânea moderna de crianças e adolescentes. In: INSTITUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. Unesco (org.). Criança e adolescente: prioridade absoluta. Belo Horizonte: Ed. Puc Minas, Brasília: Unesco, 2007, 426p. Coleção Infância e Adolescência. DEL PRIORE, Mary. História das crianças no Brasil. 7ª ed., 1ª reimpressão. – São Paulo: Contexto, 2013. 25 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/%20decreto-lei/Del2848compilado.htm REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS DOURADO, Ana Cristina Dubeux. História da Infância e Direitos da Criança. Edição Especial Salto para o Futuro. Ano 19 – Nº 10 – Setembro/2009. GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Companheirismo: aspectos polêmicos. 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Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004. 27 GABARITOS 1- Resposta: B - os sinais de desenvolvimento de sentimento para com a infância tornaram-se mais numerosos e mais significativos a partir do fim do século XVI e durante o século XVII, pois os costumes começaram a mudar, tais como os modos de se vestir, a preocupação com a educação, bem como separação das crianças de classes sociais diferentes. 2- Resposta: A – O apego à infância e à sua singularidade não se exprimia pela distração e pelas brincadeiras, mas pelos interesses psicológicos e a preocupação moral. 3- Resposta: D- Durante a Idade Média, crianças e adultos eram tratados como iguais socialmente, facilitando a exploração e os maus tratos. O “sentimento de infância” foi construído socialmente apenas no final da Idade Média, e até então, as crianças eram tratadas como “adultos em miniatura”. 4- Resposta: A - A Roda foi instituída para garantir o anonimato do expositor, evitando-se o mal maior, que seria o aborto e o infanticídio. Além disso, a roda poderia servir para defender a honra das famílias cujas filhas teriam engravidado antes do casamento. 5- Resposta: A – A judicialização da infância nesse período foi notória, consubstanciando-se na ideia da necessidade do Estado de intervir para educá- los e corrigi-los, a fim de se transformarem em cidadãos úteis e produtivos tudo em nome da paz social. 28
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