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C A S T R O A L V E S ONAVIQE | R O C A S T R O A L V E S O NAVIO Primórdios do Fantástico Brasileiro EX! Editora 2016 Castro Alves, 1869 Revisão e notas Alec Silva Capa e editoração digital Samuel Cardeal Imagem da Capa Johann Moritz Rugendas Dados Internacionais de Catalogação na Publicação CIP: Castro Alves, 1857 1871 Al474n O navio negreiro / Castro Alves – Luís Eduardo Magalhães, EX! Editora/2016 1. Poesia brasileira 2. Castro Alves, 1869 CDD B869.1 CDU 821/49 (81) Esta obra encontrase em domínio público, de acordo com a lei nº 9.610 de 19 de fevereiro de 1998, art. 41. __*____ __*____ " * _* *=*| PRIMóRDIos ºFANTÁSTICO } 93/a4//cira =, · \ | \, =>*> _____ [ ___ . ** [ ============== * = __=__ - __…___ ">>>"> ^ { } ABOLIÇÃO PRIMÓRDIOS DO FANTÁSTICO BRASILEIRO APÊNDICES BIOGRAFIA DE CASTRO ALVESSOBREAIMAGEMDACAPA VI IIIIVV PREFÁCIO O NAVIO NEGREIRO I II SUMÁRIO PREFÁCIO No ano de 1585, na Bahia, o número de africanos era estimado entre três a quatro mil. Em 1714, a cada vinte e uma pessoas, aproximadamente vinte eram negras. Em 1807, o número de negros era igual ao de brancos e mestiços reunidos. Quase todos, contudo, eram escravos, trazidos para os trabalhos severos da plantação. A princípio, os portugueses tentaram escravizar os índios, que não se adaptavam à condição tanto quanto era o esperado pelos colonizadores. Portugal, desde 1433, já fazia tráfico de escravos; a proximidade da costa ocidental africana facilitava essa prática desumana. Guiné, Ilha de São Tomé, Congo, Angola e Moçambique eram os mercados mais procurados. E isso durou por mais de 400 anos, com seu auge nos séculos XVIII e XIX, devido à procura de mão de obra para a mineração em geral e o desenvolvimento da lavoura de canadeaçúcar e café. Com isso, milhões de escravos africanos chegaram ao Brasil. Em 1781, havia cinquenta navios negreiros — em 1800, só para a Bahia eram empregados vinte. Ainda que muitos morressem durante a viagem, um escravo negro era lucrativo: em Pernambuco, por exemplo, no começo do século XIX, cada indivíduo era avaliado em 32 libras esterlinas (um boi valia 31 libras, para nível de comparação). Depois de um tratado entre a GrãBretanha e o Brasil ter sido assinado, em 1831, que deveria abolir o mercado escravagista, ainda foram trazidos quase meio milhão de africanos para terras brasileiras. Os fazendeiros não queriam perder a mão de obra, e os brancos consideravam humilhante o trabalho da terra, sendo comum o ditado “Trabalho é para negro e cachorros”. Mas já havia, nesse cenário, reações contra o escravagismo. José Bonifácio, em 1823, e Feijó, em 1831, haviam proposto medidas a favor dos negros — medidas estas conhecidas como “leis para inglês ver”. Alforrias começaram a acontecer, tanto por dinheiro quanto por testamento, revoltas e brados eram erguidos em todos os cantos; os senhores de engenho e os fazendeiros, todavia, resistiam, encontrando apoio no Império. Foi neste contexto histórico turbulento que nasceu o maior dos abolicionistas, que fez de sua luta contra o regime escravagista o tema constante não apenas de sua vida, como de suas obras: Castro Alves.{1} As poesias mais conhecidas de Castro Alves são marcadas pelo combate à escravidão, o que lhe rendeu a alcunha de “Poeta dos Escravos”. Diferente de outros autores da época, que tomaram o índio como herói, Alves tomou o negro, tido como casta inferior na sociedade e, na época, sem nenhum valor mítico. Na tenra idade de vinte e dois anos, em 1869, escreveu O Navio Negreiro. Apesar de vinte anos passados da promulgação da Lei Eusébio de Queirós, que proibiu o tráfico de escravos, em 4 de setembro de 1850, a prática ainda era frequente. O Navio Negreiro é divido em seis partes. A primeira é composta onze estrofes de quatro versos, onde rimam os segundos e quartos versos; aqui, o autor descreve as belezas do altomar, desde o lugar que reluz a dourada borboleta até o vento que nas cordas assobia. Na segunda — composta por quatro estrofes de dez versos, cujas rimas se encontram entre os versos: primeiro e terceiro; segundo e quarto; quinto e sexto; sétimo e décimo, e oitavo e nono — Alves segue retratando a vida a bordo e a glória dos marinheiros. A terceira parte é composta de estrofe única, mais sombria, que marca a transição das primeiras partes, mais amenas e românticas, para as seguintes, mais duras; é como se o poeta pegasse na mão do leitor e o encaminhasse em direção ao porão do navio. A quarta parte — seis estrofes de seis versos, rimando primeiro e segundo, terceiro e sexto, e quarto e quinto — é onde se ultrapassa o limiar, onde o leitor, de fato, adentra o porão escuro onde os negros estão amontoados como peças de carne. Aqui, Castro Alves retrata os horrores sofridos pelos escravos como a fome, a dor e as violências física e psicológica. A parte cinco do poema apresenta noves estrofes de dez versos — as rimas seguem a métrica da segunda parte, excluindo se os versos primeiro e terceiro, que não rimam. Essa parte soa como o lamento do negro, com o questionamento a Deus e o desejo que todo aquele horror não passe de um pesadelo. Última parte do poema, a sexta divisão possui apenas três estrofes de oito versos — rimam: primeira, terceira e quinta; segunda, quarta e sexta; e sétima e oitava. Carregada de um otimismo peculiar do brasileiro, encerra a obra com esperança, mas com o realismo de quem tem clareza do quão dura e longa a batalha será. Bem vindos ao Navio Negreiro. Vida longa a Castro Alves! Samuel Cardeal O NAVIO NEGREIRO I ‘Stamos em pleno mar... Doudo no espaço Brinca o luar — dourada borboleta; E as vagas após ele correm... cansam Como turba de infantes inquieta. ‘Stamos em pleno mar... Do firmamento Os astros saltam como espumas de ouro... O mar em troca acende as ardentias, — Constelações do líquido tesouro... ‘Stamos em pleno mar... Dois infinitos Ali se estreitam num abraço insano, Azuis, dourados, plácidos, sublimes... Qual dos dous é o céu? qual o oceano?... ‘Stamos em pleno mar... Abrindo as velas Ao quente arfar das virações marinhas, Veleiro brigue corre à flor dos mares, Como roçam na vaga as andorinhas... Donde vem? onde vai? Das naus errantes Quem sabe o rumo se é tão grande o espaço? Neste saara os corcéis o pó levantam, Galopam, voam, mas não deixam traço. Bem feliz quem ali pode nest’hora Sentir deste painel a majestade! Embaixo — o mar em cima — o firmamento... E no mar e no céu — a imensidade! Oh! que doce harmonia trazme a brisa! Que música suave ao longe soa! Meu Deus! como é sublime um canto ardente Pelas vagas sem fim boiando à toa! Homens do mar! ó rudes marinheiros, Tostados pelo sol dos quatro mundos! Crianças que a procela acalentara No berço destes pélagos{2} profundos! Esperai! esperai! deixai que eu beba Esta selvagem, livre poesia Orquestra — é o mar, que ruge pela proa, E o vento, que nas cordas assobia... Por que foges assim, barco ligeiro? Por que foges do pávido poeta? Oh! quem me dera acompanharte a esteira Que semelha no mar — doudo cometa! Albatroz! Albatroz! águia do oceano, Tu que dormes das nuvens entre as gazas, Sacode as penas, Leviathan{3} do espaço, Albatroz! Albatroz! dáme estas asas. II Que importa do nauta o berço, Donde é filho, qual seu lar? Ama a cadência do verso Que lhe ensina o velho mar! Cantai! que a morte é divina! Resvala o brigue à bolina Como golfinho veloz. Presa ao mastro da mezena{4} Saudosa bandeira acena As vagas que deixa após. Do Espanhol as cantilenas{5} Requebradas de langor{6}, Lembram as moças morenas, As andaluzas em flor! Da Itália o filho indolente Canta Veneza dormente, —Terra de amor e traição, Ou do golfo no regaço Relembra os versos de Tasso{7}, Junto às lavas do vulcão! O Inglês — marinheiro frio, Que ao nascer no mar se achou, (Porque a Inglaterra é um navio, Que Deusna Mancha ancorou), Rijo entoa pátrias glórias, Lembrando, orgulhoso, histórias De Nelson{8} e de Aboukir{9}... O Francês — predestinado — Canta os louros do passado E os loureiros do porvir! Os marinheiros Helenos{10}, Que a vaga jônia criou, Belos piratas morenos Do mar que Ulisses{11} cortou, Homens que Fídias{12} talhara, Vão cantando em noite clara Versos que Homero{13} gemeu... Nautas{14} de todas as plagas{15}, Vós sabeis achar nas vagas As melodias do céu!... III Desce do espaço imenso, ó águia do oceano! Desce mais... inda mais... não pode olhar humano Como o teu mergulhar no brigue voador! Mas que vejo eu aí... Que quadro d’amarguras! É canto funeral!... Que tétricas figuras!... Que cena infame e vil... Meu Deus! Meu Deus! Que horror! IV Era um sonho dantesco... o tombadilho Que das luzernas avermelha o brilho. Em sangue a sebanhar. Tinir de ferros... estalar de açoite... Legiões de homens negros como a noite, Horrendos a dançar... Negras mulheres, suspendendo às tetas Magras crianças, cujas bocas pretas Rega o sangue das mães: Outras moças, mas nuas e espantadas, No turbilhão de espectros arrastadas, Em ânsia e mágoa vãs! E rise a orquestra irônica, estridente... E da ronda fantástica a serpente Faz doudas espirais... Se o velho arqueja, se no chão resvala, Ouvemse gritos... o chicote estala. E voam mais e mais... Presa nos elos de uma só cadeia, A multidão faminta cambaleia, E chora e dança ali! Um de raiva delira, outro enlouquece, Outro, que martírios embrutece, Cantando, geme e ri! No entanto o capitão manda a manobra, E após fitando o céu que se desdobra, Tão puro sobre o mar, Diz do fumo entre os densos nevoeiros: “Vibrairijo o chicote, marinheiros! Fazeios mais dançar!...” E rise a orquestra irônica, estridente... E da ronda fantástica a serpente Faz doudas espirais... Qual um sonho dantesco as sombras voam!... Gritos, ais, maldições, preces ressoam! E rise Satanás!... V Senhor Deus dos desgraçados! Dizeime vós, Senhor Deus! Se é loucura... se é verdade Tanto horror perante os céus?! Ó mar, por que não apagas Co’a esponja de tuas vagas De teu manto este borrão?... Astros! noites! tempestades! Rolai das imensidades! Varrei os mares, tufão! Quem são estes desgraçados Que não encontram em vós Mais que o rir calmo da turba Que excita a fúria do algoz? Quem são? Se a estrela se cala, Se a vaga à pressa resvala Como um cúmplice fugaz, Perante a noite confusa... Dizeo tu, severa Musa, Musa libérrima, audaz!... São os filhos do deserto, Onde a terra esposa a luz. Onde vive em campo aberto A tribo dos homens nus... São os guerreiros ousados Que com os tigres mosqueados Combatem na solidão. Ontem simples, fortes, bravos. Hoje míseros escravos, Sem luz, sem ar, sem razão... São mulheres desgraçadas, Como Agar{16} o foi também. Que sedentas, alquebradas, De longe... bem longe vêm... Trazendo com tíbios passos, Filhos e algemas nos braços, N’alma — lágrimas e fel... Como Agar sofrendo tanto, Que nem o leite de pranto Têm que dar para Ismael{17}. Lá nas areias infindas, Das palmeiras no país, Nasceram crianças lindas, Viveram moças gentis... Passa um dia a caravana, Quando a virgem na cabana Cisma da noite nos véus ... ... Adeus, ó choça do monte, ... Adeus, palmeiras da fonte!... ... Adeus, amores... adeus!... Depois, o areal extenso... Depois, o oceano de pó. Depois no horizonte imenso Desertos... desertos só... E a fome, o cansaço, a sede... Ai! quanto infeliz que cede, E cai p’ra não mais s’erguer!... Vaga um lugar na cadeia, Mas o chacal sobre a areia Acha um corpo que roer. Ontem a Serra Leoa, A guerra, a caça ao leão, O sono dormido à toa Sob as tendas d’amplidão! Hoje... o porão negro, fundo, Infecto, apertado, imundo, Tendo a peste por jaguar... E o sono sempre cortado Pelo arranco de um finado, E o baque de um corpo ao mar... Ontem plena liberdade, A vontade por poder... Hoje... cúm’lo de maldade, Nem são livres p’ra morrer... Prendeos a mesma corrente — Férrea, lúgubre serpente — Nas roscas da escravidão. E assim zombando da morte, Dança a lúgubre coorte Ao som do açoute... Irrisão!... Senhor Deus dos desgraçados! Dizeime vós, Senhor Deus, Se eu deliro... ou se é verdade Tanto horror perante os céus?!... Ó mar, por que não apagas Co’a esponja de tuas vagas Do teu manto este borrão? Astros! noites! tempestades! Rolai das imensidades! Varrei os mares, tufão!... VI Existe um povo que a bandeira empresta P’ra cobrir tanta infâmia e cobardia!... E deixaa transformarse nessa festa Em manto impuro de bacante fria!... Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta, Que impudente na gávea tripudia? Silêncio. Musa... chora, e chora tanto Que o pavilhão se lave no teu pranto!... Auriverde pendão de minha terra, Que a brisa do Brasil beija e balança, Estandarte que a luz do sol encerra E as promessas divinas da esperança... Tu que, da liberdade após a guerra, Foste hasteado dos heróis na lança Antes te houvessem roto na batalha, Que servires a um povo de mortalha!... Fatalidade atroz que a mente esmaga! Extingue nesta hora o brigue imundo O trilho que Colombo abriu nas vagas, Como um íris no pélago profundo! Mas é infâmia demais!... Da etérea plaga Levantaivos, heróis do Novo Mundo! Andrada! arranca esse pendão dos ares! Colombo! fecha a porta dos teus mares! APÊNDICES BIOGRAFIA DE CASTRO ALVES Antônio de Castro Alves nasceu no dia 14 de março de 1847, domingo, às 10 horas da manhã, na Fazenda Cabaceiras, banhada pelo Rio Paraguaçu. O pai era o médico Antônio José Alves, filho de português e de baiana; em 1837, lutou na Sabinada, a favor do governo. A mãe era D. Célia Brasília da Silva Castro, cujo pai foi o sargentomor José Antônio da Silva Castro, um dos heróis da Independência Baiana (com data magna em 2 de julho de 1823). Segundo filho do casal, Castro Alves perdeu a mãe em 10 de abril de 1859; o pai se casou três anos depois, com a viúva Maria Ramos Guimarães. Sua mãe de criação, Leopoldina, uma mucama, foi uma das impressões de infância que o fez ter simpatia pelos negros e horror à escravidão. O irmão mais novo o chamavase de Cecéu, “irmão que veio do céu”. Realizou os primeiros estudos no Colégio Sebrão; em 1858, cursou o Colégio Baiano, de Abílio César Borges, Barão de Macaúbas, o Aristarco de Raul Pompeia, em O Ateneu. Aos 14 anos, já apaixonado pela poesia, já escrevia fragmentos do que seria sua filosofia de vida: Se o índio, o negro africano, e mesmo o perito hispano têm sofrido escravidão: Ah! não pode ser escravo quem nasceu no solo bravo da brasília região! Victor Hugo era seu escritor predileto, de quem lia no idioma original, o francês (que aprendeu ainda criança), e o traduziu para o português. Mas lia Virgílio, Camões e os românticos da época; mais tarde, conheceu Dante, Musset, Byron, Álvares de Azevedo, entre outros, cada um numa faceta de sua vida. Segundo Jorge Amado, a leitura de Victor Hugo permitiu que Castro Alves avançasse sobre os demais jovens de sua época, libertandose da influência de Byron; aprendeu o sentido literário e heroico da poesia. Precoce na literatura, sofreu duas reprovações em geometria, nos preparatórios para ingressar na Faculdade de Direito do Recife, que só ingressou em 1864. Entre fins deste ano e março do ano seguinte, contudo, esteve na Bahia, com sintomas de tuberculose; ao se recuperar, retorna para Recife, tornandose amigo de Fagundes Varela, a quem admirava, e quem provavelmente o convenceu a ir para São Paulo. Em 1866, com Rui Barbosa, Augusto Guimarães e Regueira Costa, funda uma sociedade abolicionista. Cursava o 2º ano de Direito, quase indo ao 3º, quando encontrou a atriz portuguesa Eugênia Infante da Câmara, que se tornaria seu grande amor. Já haviam se visto três anos antes, no Teatro Santa Isabel, quando Eugênia atuava em Dalila, de Otávio Feuillet; Castro Alves declamoulheversos e fez a plateia delirar. No mesmo teatro, em 1867, o poeta fez a primeira leitura de Gonzaga, para os críticos e professores da faculdade, sob aplausos. Quando se casou com Eugênia, em 1866, tinha 19 anos; a atriz, 29. Em 1º de janeiro de 1867, mudaramse para Bahia, tendo ela abandonado a companhia de teatro na qual atuava. Em fevereiro de 1868, mudaram se para o Rio de Janeiro, com uma carta de apresentação do parlamentar e tribuno Fernandes da Cunha para José de Alencar, que estava em seu apogeu; Castro Alves recebeu elogios não apenas do romancista cearense, como também de Machado de Assis. No mesmo ano, o casal seguiu para São Paulo, na época uma cidade provinciana; hospedaramse no Hotel Itália. Foi em São Paulo que o poeta escreveu O Navio Negreiro e Vozes d’África, além de muitos outros poemas, embora menos conhecidos. Em seus versos, previu a Lei do Ventre Livre, de 1871: Senhor Deus! dá que a boca da inocência Possa ao menos sorrir. Como a flor da granada abrindo as pétalas Da alvorada do surgir! E saudava o raiar da liberdade dos negros, que só viria em 1888, com a Lei Áurea: Moços, creiamos, não tarda A Aurora da redenção! Republicano, culpava a monarquia por tolerar a escravidão, previu a queda da Coroa com a abolição e sonhava com um mundo diferença, constituído por uma nação única, uma grande nação, e não uma liga das nações. Castro Alves passava a maior parte do tempo na pensão em que morava; o relacionamento com Eugênia era constituído de ciúmes, conflitos e reconciliações, até que romperam por definitivo. Apático, o poeta fumava compulsivamente e mantinhase solitário, sobretudo porque São Paulo oferecia poucas distrações e lugares para passeios; quando saía para caçar, passava horas nas matas sem disparar um único tiro, retornando de mãos vazias. Numa dessas caçadas, próximo de uma chácara entre o Brás e a Mooca, ao saltar de um fosso, a espingarda que carregava disparou acidentalmente, atingindo o pé esquerdo; após o choque da dor, que durou algum tempo, arrastouse até uma casa próxima, onde conseguiu ajuda. Abandonado por Eugênia, com o pé ferido e problemas pulmonares, Castro Alves contou com os amigos apenas. Em 21 de maio de 1869, chegava à Guanabara, no Rio de Janeiro, bastante debilitado pela gangrena e tuberculose; a carga de chumbo da espingarda ainda estava alojada no pé. Por mais de seis meses evitaram a amputação, porém tornouse o único meio de evitar que a gangrena se espalhasse e a dor pudesse ser cessada. O estado debilitado impossibilitou o uso de clorofórmio; corajoso, o poeta, corajoso, ainda teve ânimo para dizer ao operador: “Corteo, corteo, doutor! Ficarei com menos matéria que o resto da humanidade”. Numa operação de quase dois minutos, com golpes rápidos, amputaram o pé pelo terço inferior da tíbia. Antes de retornar à Bahia, compareceu ao Teatro Fênix Dramática, onde Eugênia se apresentava; chegou cedo, para que ela não o visse amparado por muletas. Falaramse pela última vez. A atriz morreria ali no Rio, em 20 de maio de 1874, três anos depois de a morte de Castro Alves. Em 20 de novembro, retornou à terra natal. De fevereiro a julho de 1870, esteve em Curralinho, onde lutou para acabar com o mercado de escravos ali existente; mas sua saúde estava cada dia mais abalada. Em 29 de julho, a conselho médico, viajou para Cachoeirinha; até setembro esteve na Fazenda Santa Isabel, retornando à Curralinho em setembro do mesmo ano. Como distração, recorreu aos desenhos, deixando vários deles como legado: Autorretrato, Um Tabaréu, Alegoria... Às 15h30, do dia 6 de julho de 1871, numa sextafeira, na casa nº 20 da Rua do Sodré, morreu Castro Alves, o defensor dos escravos, o propagandista da República, aquele que viveu do amor e para o amor. Sua última vontade se tornou célebre: “Assim que eu morrer, cubramme de flores e fechem logo o meu caixão!”. Em vida, teve várias obras conhecidas e publicadas; após a morte, outras também foram, na seguinte ordem: Gonzaga e A Cachoeira de Paulo Afonso (1876), Vozes d´África e O Navio Negreiro (1880), Os Escravos (1883). Em 1921, Afrânio Peixoto organizou Obras Completas de Castro Alves, em dois volumes: no primeiro, Espumas Flutuantes e Hinos do Equador; e no segundo, Os Escravos, Gonzaga ou a Revolução de Minas, Relíquias e Correspondências. Os originais da novela Mazaccio e os das traduções da comédia Clarinha e Clarim e Os Pomos de Meu Amor foram perdidos. SOBRE A IMAGEM DA CAPA Johann Moritz Rugendas (1802 – 1858) foi um pintor alemão de grande renome. Chegou ao Brasil em 1821; embora vindo em virtude da missão científica financiada pelo Barão de Langsdorff, na qual desempenhava a função de desenhista documentarista, acabou por se dedicar ao estudo dos costumes brasileiros. Após abandonar a missão em 1824, Rugendas continuou efetuando registros das paisagens, tipos humanos e sobre a fauna e flora brasileiras, visitando diversos estados do país. Seus estudos resultaram no livro Voyage Pittoresque dans le Brésil (Viagem pitoresca no Brasil), publicado no ano de 1835. A ilustração Nègres a fond de cale de un bateau d'esclaves — no português, Negros no fundo do porão — é parte integrante de Voyage Pittoresque dans le Brésil, juntamente com outras dezenas de imagens que, entre outros temas, denunciam o horror da escravidão no Brasil. ABOLIÇÃO Falecido em julho de 1871, Castro Alves não testemunhou parte de seus sonhos ser realizada: em 28 de setembro daquele ano entrou em vigor a Lei do Ventre Livre, graças aos esforços do também baiano Visconde de Rio Branco; e a partir da data não nasceram mais escravos no Brasil. Em 28 de setembro de 1885, veio a Lei dos Sexagenários (ou SaraivaCotegipe), que dava liberdade aos escravos maiores de 60 anos. A Lei Áurea, que declarava extinta a escravidão no país, só foi assinada em 13 de maio de 1888, pela Princesa Regente, Isabel, que se encontrava no trono devido à ausência do pai, Dom Pedro II. Duas províncias já haviam emancipado os negros antes da Lei Áurea: Ceará, em 23 de março de 1884, quando o abolicionista Sátiro Dias assumia a presidência provincial, e Amazonas, em 20 de julho de 1884, pelo presidente provincial Teodureto Souto, outro abolicionista. PRIMÓRDIOS DO FANTÁSTICO BRASILEIRO Primórdios do Fantástico Brasileiro é um projeto da EX! Editora que visa resgatar obras já em domínio público, especialmente de cunho fantástico. Muitas delas caíram no esquecimento, a despeito de sua qualidade literária e valor histórico inestimável. O Navio Negreiro é a primeira publicação da série. Saiba mais acessando: https://exeditora.blogspot.com/ {1} Informações extraídas de Trópico – Enciclopédia Ilustrada em Cores, Livraria Martins Editora, 1956. {2} Do grego, mares profundos, longe das costas; oceanos. {3}Monstro marinho do caos primitivo, de origem fenícia, mencionado na Bíblia. O poeta referese ao tamanho da ave, cujas asas podem atingir quase 4m de envergadura. {4} Mastro da ré, mastro mais próximo da popa do navio. {5} Canções breves. {6} Languidez, apatia, abatimento. {7} Torquato Tasso (1544 – 1595), poeta italiano. {8} Horatio Nelson, 1º Visconde Nelson (1758 – 1805), oficial da Marinha Real Britânica, famoso pelas intervenções das Guerras Napoleônicas, nas quais ganhou várias batalhas, incluindo a Batalha de Trafalgar, embora tenha neste perdido a vida. {9} Referência a Batalha da Baía de Aboukir (costa mediterrânea do Egito), ocorrida entre 1 e 3 de agosto de 1798. {10} Gregos. {11} Protagonista de A Odisseia. {12} Famoso escultor grego que viveu no século V a.C. {13} Lendário poeta grego a quem se atribui dois poemas épicos famosos, Ilíada, sobre a Guerra de Troia, e A Odisseia, que narrava o retorno de Odisseu (Ulisses, para os romanos) para Ítaca, após dez anos de ausência durante a guerra. {14} Navegantes. {15} Regiões, países. {16} Personagem bíblica, serva egípcia de Sara, esposa de Abraão, segundoos capítulos 16 e 21 de Gênesis. {17} Filho de Agar e Abraão, segundo o Livro de Gênesis. __*____ __*____ " * _* *=*| PRIMóRDIos ºFANTÁSTICO } 93/a4//cira =, · \ | \, =>*> _____ [ ___ . ** [ ============== * = __=__ - __…___ ">>>"> ^ { }
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