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METODOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA AULA 1 Prof. Maurício Paz 2 CONVERSA INICIAL O estudo sobre o ensino de história é um campo predominantemente de pesquisas relacionadas à educação. No entanto, nos últimos anos, o ensino de história vem se consolidado como uma área de conhecimento independente e que se liga por transversalidade à História e à Educação. O estudo do ensino de história pode se dar em três tópicos gerais: a história do ensino de história no Brasil e no mundo; as implicações e dispositivos legais que regulam e orientam os currículos nacionais; e o papel mais prático do aspecto do ensino: a didática da história e suas ferramentas de fomento de conhecimento histórico na sala de aula. Dessa forma, esta aula será dedicada à apreciação histórica do ensino de história por meio da sua gênese no Estado francês do século XIX e a sua transposição para o cenário brasileiro no mesmo século, primeiramente, com a sua implementação no Colégio Dom Pedro II do Rio de Janeiro e como um artifício de construção da nova nação brasileira com a chegada da República. Nesse período, é identificada uma conduta eclesiástica e nacionalista nos programas conteudistas da história na escola, no sentido de reforçar valores considerados imprescindíveis a essas esferas de poder. O estudo da História durante o Estado Novo esteve sob a influência direta da missão francesa, na criação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, da Universidade de São Paulo, mas também foi utilizado por Getúlio Vargas para a propagação de valores nacionalistas e apoio ao seu governo. Após a Segunda Guerra Mundial, enquanto cresceram os apelos pela democracia na Europa e no Brasil, a obra de Marc Bloch causou grande impacto da História Mundial. Por fim, a instituição de um regime de exceção controlado pelos militares faz a história ser diminuída dos currículos e abrir espaço para as disciplinas de Moral e Cívica e Organização Social Política Brasileira (OSPB), e da mesma forma fundiu a História e a Geografia na disciplina de Estudos Sociais. A História se constituiu como uma disciplina escolar a partir do século XIX na Europa, mais especificamente no Estado francês. Vamos entender como aconteceu essa institucionalização do conhecimento histórico de forma a ter se tornado uma disciplina escolar destinada à formação de estudantes. Quais eram os objetivos do desenvolvimento do conhecimento histórico em jovens naquele momento? De que forma a gênese da disciplina de História impactou em sua 3 forma e conteúdo o mundo e o Brasil? Quais foram os modelos apresentados e utilizados? Quais foram os debates feitos que pontuaram a História como disciplina escolar? Quais foram os conteúdos dessa disciplina e seus recortes históricos? Ou seja, a disciplina história possui uma história que deve ser conhecida e entendida. Ao conhecê-la, nosso objetivo é inseri-lo nos debates atuais sobre o ensino de história no país e compreender que estruturas sofreram rupturas e quais estão em continuidade no exercício de nossa profissão. Entender a influência do pensamento histórico francês em diferentes momentos e os debates que cercaram a implementação curricular da disciplina no país é outro objetivo desta aula, que também vai responder quais foram os propósitos que motivaram o espaço dado à história no currículo nacional por meio de diferentes momentos históricos. O estudo da história das disciplinas é um dos campos de exploração de pesquisa acadêmica na área da educação. A sua exploração pode mostrar que existem permanências e rupturas de acordo com os projetos identificados pelo Estado ou pelos poderes sociais constituídos em um momento histórico específico. Por exemplo, durante o Estado Novo, década de 1930, a disciplina foi orientada à consolidação da política getulista, assim como nos primórdios da República, ao final do século XIX, ela surgiu com uma galeria de heróis nacionais, influenciada pelo pensamento positivista que perpassou a época. Mais tarde, nos anos 1960, o ensino de história no Brasil entrou na polarização resultante da influência do pensamento marxista e dos desdobramentos da política nacional, com a ascensão do poder militar na esfera executiva do país. Por fim, vamos fazer uma reflexão sobre as buscas sobre a metodologia do ensino e das ferramentas disponíveis ao nosso ofício. TEMA 1 – SURGIMENTO DO ENSINO DE HISTÓRIA NO BRASIL Ao se iniciar a investigação das origens da história como disciplina escolar, encontramos sua gênese na França do século XIX, quando a história passou a compor os programas escolares do Estado francês. Nesse primeiro momento, a História passou a ser um reforço afirmativo da constituição da República Francesa a partir de 1820. Ou seja, os programas indicavam conteúdos que reforçavam a construção da República Francesa. 4 Por meio da conexão de pensamentos entre Brasil e França, a disciplina começou a ser oferecida no currículo do Colégio Dom Pedro II, no Rio de Janeiro. Essa escola passou a ser referência para todas as escolas em território nacional. Aos poucos, a disciplina de história foi ganhando uma posição catedrática, com a consolidação da República brasileira e a necessidade de uma narrativa de constituição de uma nova nação. Foi nesse momento que se desenvolveu a galeria de heróis da nação: Tiradentes, Princesa Isabel, Pedro Álvares Cabral. A escolha desses heróis não foi um processo inocente, uma vez que havia a intenção da construção de uma identidade nacional. Igualmente, foi nesse momento que se iniciou o apagamento do Brasil negro e indígena por meio de políticas higienistas e de branqueamento da população. Os conteúdos selecionados reforçavam a herança colonial portuguesa e os vínculos do Brasil com a Europa. Os elementos indígenas e africanos foram colocados em um lugar externo ao processo de edificação da nação. Assim, negros e nativos foram considerados contribuidores na formação do Brasil e não formadores da nação. TEMA 2 – INFLUÊNCIA POSITIVISTA NO ENSINO DE HISTÓRIA NO BRASIL O modelo de ensino da história do Colégio Dom Pedro II estava em conformidade com o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, órgão criado no início do século XIX com o objetivo de ser o guardião da memória nacional e o fomentador de pesquisas históricas e geográficas. Ao final do século XIX, tanto o Instituto quanto o Colégio foram fortemente influenciados pelo pensamento positivista, do pensador francês Auguste Comte. O positivismo foi mais forte no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul, mas, na capital do país daquela época, que produziu efeitos mais visíveis. Um deles foi a adoção da bandeira e do brasão nacional na República. No campo do ensino de História, o positivismo criticava a disciplina, uma vez que a História como campo de conhecimento era encarada pelos positivistas como pouco científica. Essa mesma crítica promoveu uma conversão da História aos métodos científicos do século XIX. Assim, a disciplina foi assumindo uma postura afirmativa diante de seus métodos de pesquisa. O documento escrito e a história política, de vultos históricos, passaram a ser a marca desse período. O positivismo acabou por influenciar uma narrativa histórica extremamente factual, ou seja, baseada nas decisões e nos acontecimentos de 5 pessoas específicas, geralmente colocadas em posições de poder. Nessa ótica, a história seria o estudo do passado por meio de fatos e feitos de grandes seres humanos. TEMA 3 – ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS 1930 A chegada do Estado Novo, sob o comando de Getúlio Vargas, promoveu uma série de mudanças no âmbito escolar do Brasil naquele momento. A língua portuguesa tornou-se obrigatória em todas as escolas e houve a promoção da unidade nacional por meio da depreciação de valores federalistas. Da mesma forma,o estudo da história continuava atendendo aos interesses da construção de uma narrativa patriótica e cristã. Porém, agora, a disciplina passou a compor definitivamente um espaço específico e determinado dentro do quadro de disciplinas escolares. A maior novidade desse período foi a criação de cursos acadêmicos voltados para a formação de historiadores. A Universidade de São Paulo foi palco de uma missão francesa para a formação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. A missão trouxe para o país os pesquisadores franceses Fernand Braudel e Lévi-Strauss e marcou, mais uma vez, os laços intelectuais entre o pensamento de matriz francesa e sua influência sobre a realidade brasileira. Os anos 1930 e 1940 foram muito importantes para a História devido à criação da Escola dos Annales, em Paris. Basicamente, a proposta dos Annales era criar uma História diferente daquela defendida pelo modelo positivista francês que havia fortemente influenciado o Brasil no século XIX. A História deveria fazer uma análise das fontes, ter um olhar crítico sobre elas e extrair uma análise. Essa forma de pensamento foi, aos poucos, se sedimentando no ofício do Historiador e gerou mudanças na forma com a qual professores lecionavam. No entanto, foram mudanças lentas e que não atingiram por igual todas as escolas do país. TEMA 4 – ENSINO DE HISTÓRIA NO PÓS-GUERRA O mundo se tornou muito diferente após o fim da Segunda Guerra Mundial. Politicamente houveram mudanças que garantiram o predomínio da social democracia nos países europeus. A criação da ONU e da busca por 6 soluções diplomáticas foi ganhando espaço. Ideologicamente, era o início da Guerra Fria, que levaria o mundo a uma polarização entre capitalismo e socialismo. No Brasil, o período após a guerra foi um momento de mudanças políticas intensas, com uma crescente demanda por eleições e democracia. O suicídio de Vargas marcou o fim de uma era. Essa fase foi marcada pelo desenvolvimentismo, um conjunto de ações e políticas que incentivavam a industrialização e criaram uma infraestrutura para circulação de riquezas. Na História, a obra de maior impacto foi Apologia da História, de Marc Bloch, publicada em 1949. Nela, o historiador faz um manifesto sobre o que deveria ser a História e, por consequência, seus objetivos no ensino. Bloch evoca a responsabilidade do historiador ante a verdade ou, ao menos, na busca dela. Afirma que é preciso que a História seja mais do que uma cronologia de eventos e vultos. No entanto, a história deve ser capaz de narrar a vida das pessoas ordinárias. Para ele, a história é um instrumento de análise da sociedade e o historiador deve adotar uma postura de crítica e contestação dos eventos e das fontes históricas. TEMA 5 – ENSINO DE HISTÓRIA NO REGIME MILITAR As mudanças democráticas dos anos 1950 no Brasil foram barradas em 1964, quando o poder do país foi assumido pelos militares. Durante o período militar, a disciplina de história foi suprimida do currículo nacional, bem como dos cursos universitários. Em 1962, o governo criou a disciplina Organização Social e Política Brasileira (OSPB) e, em 1969, a disciplina Moral e Cívica. Ambas tinham o objetivo de fomentar o patriotismo e o apoio ao governo militar. Com a Lei n. 5.692, de 1971, os estudos de História e Geografia foram incorporados à disciplina de Estudos Sociais. Ou seja, deixaram de existir na grade curricular brasileira o estudo da História e da Geografia. Ao vigorar a lei, as universidades do país também fizeram ajustes para formar licenciados em Estudo Sociais. Em todo os anos do Primeiro Grau (atual Ensino Fundamental), as duas disciplinas foram fundidas com um novo programa. Evidentemente, tratava-se de mais uma condução feita pelo poder político para colocar a História sob a condição de uma ferramenta de construção narrativa para o país. Essas narrativas estavam comprometidas em dar legitimidade e apoio aos eventos políticos e à conduta do governo. Na nova disciplina, a História ficou reduzida à narrativa de eventos políticos, marcada pela 7 ausência de análise. Decorar datas e nomes passou a ser o caminho durante a década de 1970. Tratava-se de um conteúdo generalizante que não possuía vínculo com o pensamento histórico. NA PRÁTICA Você viu que o ensino de história no Brasil é fruto de um processo histórico próprio que está, ao mesmo tempo, em conformidade com os processos históricos correntes de cada período. A história acabou servindo de propósito para a justificação do poder ou para a construção de uma narrativa oficial que sustentasse a identidade nacional desejada pelos setores mais conservadores da época. Nesse caminho, a história dos povos nativos e dos africanos ficou delegada a um segundo escalão, ao passo que a história da Europa e suas conexões com a história do Brasil foram valorizadas. A fim de concluir seus estudos desta aula, crie um texto argumentativo descrevendo cada um dos cinco períodos aqui expostos. Utilize a leitura do artigo indicado para seu trabalho. Leitura complementar NADAI, E. O ensino de história no Brasil: trajetória e perspectiva. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 13, n. 25/26, set./ago. p. 143-162, 1992- 1993. Disponível em <https://www.anpuh.org/arquivo/download?ID_ ARQUIVO=30596>. FINALIZANDO Nesta aula, fizemos um resgate da história do ensino de história no Brasil e os principais eventos que acabaram influenciando os professores e seu ofício. Assim, temos uma construção histórica da História como disciplina até a atualidade e, a partir de agora, vamos discutir qual é o espaço do ensino de história hoje em dia, a influência da pesquisa histórica-acadêmica, os dispositivos legais que regulam e direcionam a disciplina escolar. Vimos que o surgimento da História como disciplina escolar atendeu a diferentes interesses em diferentes momentos da história universal e da história do Brasil, sobretudo os interesses da igreja católica e dos governos da época. E hoje em dia? Será que existem direcionamentos no uso da disciplina de história na sala de aula? Esperamos que você responda a essas perguntas. 8 REFERÊNCIAS ABUD, K. M. O ensino de história como fator de coesão nacional: os programas de 1931. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 13, n. 25/26, p. 163-174, 1993. BITTENCOURT, C. M. F. Ensino de história: fundamentos e métodos. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2009. (Coleção docência em formação). BLOCH, M. Apologia da História ou o ofício do historiador. Rio de Janeiro: Zahar, 2001. CAVAZZANI, A. L.; CUNHA, R. P. da. Ensino de história: itinerário histórico e orientações práticas. Curitiba: InterSaberes, 2017. FONSECA, T. N. de L. História & Ensino de História. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2006. _____. História & Ensino de História. Belo Horizonte: Autêntica, 2003. p. 37-71. FURET, F. A oficina da história. Lisboa: Gradiva, 1986. GHIRALDELLI JUNIOR, P. História da educação brasileira. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2015. LAVILLE, C. A guerra das narrativas: debates e ilusões em torno do ensino de História. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 19, n. 38, p. 125-138, 1999. NADAI, E. O ensino de história no Brasil: trajetória e perspectiva. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 13, n. 25/26, set./ago. p. 143-162, 1992- 1993. NASCIMENTO, B. R. M. A Ditadura Militar e o ensino de História: uma relação conflituosa. Estação Científica (UNIFAP), Macapá, v. 6, n. 3, p. 29-39, set./dez. 2016.
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