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Linguagens da Arte e Regionalidades
Aula 03: Arte e Ideologia: Relações entre arte e história
Apresentação
Nessa aula, você reconhecerá a importância de se estabelecer relações entre o homem, os fenômenos culturais e as
ideologias de seu tempo, da Antiguidade Clássica ao período Barroco. Além disso, identi�cará o legado de importantes
artistas das História da Humanidade.
Objetivos
Compreender a relação entre arte e ideologia;
Identi�car as representações das ideologias dominantes em cada período histórico;
Conhecer o legado artístico de cada época histórica;
Re�etir sobre as propostas ideológicas consolidadas pelos artistas que mudaram a História da Humanidade.
 Arte e Ideologia I: Relações Entre Arte e História
Todo artista sofre a in�uência de seu tempo. Dessa forma, o objeto de arte que produz expressa as ideologias de sua época. Se
pretendemos, então, apreender a genialidade do artista, é preciso que identi�quemos, antes, as marcas de seu tempo.
E é na Antiguidade Clássica que nosso percurso tem início.
O período greco-romano (referência a Grécia e a Roma)
compreende um longo tempo, do século VIII a.C. até o
século V d.C. Nesse período, não se distinguia claramente a
arte da técnica, mas o que foi produzido então tornou-se
fundamental para o desenvolvimento posterior da relação
do homem com o objeto artístico.
Teknê é o termo grego que de�ne a arte como um objeto
exato; ars (que deu origem à palavra arte) é como os latinos
designavam a atividade de se juntar as partes de um todo.
Assim, não havia distinção entre o artesão (ceramista,
tecelão, ourives) e o artista que produzia obras que
pretendiam deleitar o espírito humano (a música, a poesia, o
teatro).
 Quatro grandes períodos na história da arte grega
Período Geométrico
Séculos IX e VIII a.C., em que predominam a decoração de
utensílios.
Período Arcaico
Séculos VII e VI a.C., com o desenvolvimento da arquitetura
e da escultura.
Período Clássico
Séculos V e IV a.C., durante o qual a arte procura representar
o homem de forma mais realista e a escultura adquire
dinamismo.
Período Helenístico
Século III ao I a.C., que faz ressurgir a arte em cerâmica,
decorada com maior riqueza de detalhes.
 A arte na Antiguidade Clássica e a democracia
O período clássico nos interessa particularmente, visto estar ele associado a uma ideologia que de�niu a História da
Humanidade:
A democracia
E, a propósito, você sabe o que é democracia?
Aparentemente, a democracia, conceito que indica individualismo e liberdade, é inconciliável com a arte clássica, moldada com
austeridade e regularidade para que se atingisse o ideal de perfeição.
 
 Vista frontal do Pártenon  Ânfora decorada com Euristeu,
Cérbero e Hércules
 Laocoonte e seus filhos
E tal proposta vincula-se muito mais ao estilo e estética
propostos pela nobreza do que, propriamente, à
representação das formas orientadas pelo naturalismo
(conceito vinculado à representação realista dos seres e
objetos reproduzidos nas obras de arte).
No entanto, é no século V a.C. que a natureza e o corpo
humano passam a ser representados com suas formas,
dimensões e movimentos naturais. Assim, convivem, no
período clássico, o desejo de proporção e ordem (contrário à
natureza e à democracia) e o impulso pela representação
�el da natureza (proposta de individualização do ser).
Os poetas e �lósofos da Antiguidade Clássica, incluindo-se entre eles Platão, Sófocles e Heráclito, identi�cavam-se com os
ideais da nobreza, mesmo que a ela não pertencessem.
Até mesmo os comediógrafos — ainda que a comédia seja, pela proposta de irreverência e crítica, naturalmente democrática —
expressavam sentimentos típicos da alta nobreza. Por esse motivo, os valores democráticos poderiam ser expressos na arte,
desde que ela não representasse motivos nobres ou sagas heroicas.
 
 Édipo Rei, de Sófocles  Medeia, Eurípedes
Essas ações não impediram o fortalecimento do estilo
naturalista e, por consequência, dos ideais democráticos
surgidos no período clássico. A tragédia foi, segundo
Arnold Hauser , “a criação artística mais característica da
democracia ateniense”, pois sempre foi dirigida a um
público numeroso para o qual se desenvolvia um
“sentimento de massa” necessário para a representação e
sobrevivência das tragédias.
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https://stecine.azureedge.net/webaula/estacio/liart1/aula3.html
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 As suplicantes, de Ésquilo
Por esse motivo, ingressos eram distribuídos e subsídios
pagos a quem fosse assistir às representações, formando o
ideal de “teatro do povo”, muito embora tais iniciativas, na
verdade, impedissem esse mesmo povo de decidir os
destinos do teatro.
Comparada com os estados democráticos modernos, a democracia grega
não nos parece tão liberal. Mas é nela que se encontram as bases de nossas
liberdades individuais.
 A arte medieval e a ideologia cristã
O longo período da Idade Média (século V d.C a século XV
d.C) foi marcado pela hegemonia e poder do clero.
A Igreja Cristã de�niu os rumos da Humanidade em todas
as áreas e, como não poderia deixar de ser, determinou o
estilo e estética a serem adotados pelos artistas e,
principalmente, o objetivo a ser alcançado pelo artista:
a espiritualidade e a transcendência do espírito humano, o
que destituía de importância as coisas inerentes ao corpo
físico.
A arte cristã medieval é elaborada com imagens que são
objetos de devoção: histórias bíblicas e vidas de santos.
O valor individual do ser humano proposto pela arte clássica
é substituído por representações que fazem elevar a alma.
"Para a mentalidade medieval, a religião não podia continuar tolerando uma arte com
existência independente, sem consideração de credo. [...] A arte medieval torna-se cristã
e, em consequência, adquire caráter didático, ou seja, tem como objetivo orientar a vida
do ser humano, organizar a sociedade e delimitar os espaços de atuação dos demais
poderes instituídos, como é o caso da monarquia.”"
- HAUSER, Arnold. História social da literatura. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 129
A arte cristã da Idade Média propôs ensinamentos religiosos e morais e de�niu a feição do homem ocidental.
Nave da Igreja de Santa Maria de Maggiore
Erguida no séc. V, a basílica representa bem a arte medieval
cristã: as �guras não interagem, mantendo uma relação
espiritualizada; há um claro afastamento das coisas
terrenas. Nesta cena, vemos a �gura de Maria, sentada a um
trono (no alto, à direita) e os três reis magos.
 A arte do Renascimento e os ideais de humanismo e cienti�cismo
A partir do século XV, o mundo sofreu drásticas
transformações, o que possibilitou a compreensão de que
uma nova era se iniciava.
O Renascimento compreende o �nal do século XV e todo o
século XVI. No entanto, na Itália, onde se deu uma maior
revolução de ideias, é possível determinar o início do
Renascimento ainda no século XIV.
Também denominado Renascença, esse período propõe
ideologias claramente opostas às que prevaleceram na
Idade Média e �cou conhecido como a época da
“descoberta do mundo e do homem”.
Artistas e intelectuais renascentistas voltaram-se mais uma
vez para a compreensão naturalista da existência, como na
Antiguidade Clássica, mas dessa vez dotados de mais
consciência, saber cientí�co e aprimoramento técnico que
�zeram com que sua observação da realidade se
transformasse em obras de arte das mais admiradas de
todos os tempos.
 
 Mona Lisa (1503-1507), de
Leonardo da Vinci
 A criação de Adão (1511), de
Michelangelo
No entanto, é importante registrar que, apesar de os artistas
atenderem a interesses da Igreja Cristã, produzindo obras
de signi�cado religioso, o que eles de fato representavam
era o antropocentrismo, ou seja, a valorização do ser
humano. É só observarmos as obras renascentistas para
vermos o homem em destaque.
 Davi (1501-1504), de
Michelangelo
 A última Ceia, de Leonardo da Vinci
Leonardo da Vinci é, sem dúvida, a melhor expressãodo
artista da Renascença. Além de suas obras de arte de valor
inigualável, o pintor — que também era cientista,
matemático, engenheiro, inventor, anatomista, escultor,
arquiteto, botânico, poeta e músico — também destacou-se
pelo conhecimento técnico e cientí�co, quando desenvolveu
projetos que são, ainda hoje, inovadores. Paradoxalmente, o
humanista também produziu armas de guerra.
O artista do Renascimento nivela-se com o cientista e o
técnico. Alfredo Bosi (1991) destaca que, “nos textos de
Leonardo da Vinci, o elogio incondicional à Pintura (quando
comparada, por exemplo, à Poesia) funda-se precisamente
no caráter de ciência rigorosa, isto é, matemática, atribuído
à perspectiva”.
Arnold Hauser (2003) acrescenta que, para da Vinci, o artista supera o cientista, porque as ciências são “imitáveis”, enquanto  “a
arte está vinculada ao indivíduo e às suas aptidões inatas”.
Leonardo da Vinci
(1452-1519)
Homem Vitruviano,
um estudo das proporções do
corpo humano
Estudo da gravidez
(1510-1513)
Helicóptero Metralhadora Bomba fragmentada
Essa união entre técnica, ciência e genialidade produziu obras que legaram à Humanidade novos conceitos sobre a existência
humana que se consolidaram na ideologia chamada de Humanismo. Figuras humanas em destaque nas obras de da Vinci,
Michelangelo e Rafael, entre tantos outros gênios renascentistas, possibilitaram um novo olhar do homem sobre si mesmo.
 A arte eclesiástica barroca
Entre o �nal do século XVI e meados do século XVIII,
�oresce na Europa o estilo artístico chamado Barroco,
consequência da ação do poder inquisitorial sobre os
artistas e intelectuais do Renascimento e contra todos que
pudessem representar alguma ameaça ao poder da igreja
cristã tradicional.
A arte barroca é considerada extravagante e confusa em
relação à arte clássica, a qual buscava o equilíbrio das
formas. Nas telas, surgem as perspectivas de profundidade,
luz e sombras, descontinuidade.
Tais propostas estéticas estão a serviço da ideologia
barroca: a �nitude e fragilidade humana diante de Deus; a
incerteza da existência; a ideia de que a vida material é
provisória e de que precisamos nos elevar a um outro plano,
o qual não conhecemos plenamente, mas que representa o
único caminho para o ser humano.
Em síntese, a arte barroca tenciona provar que o ser
humano não é dono de sua vida, de seu tempo e de sua
história.
Para disseminar a fé católica, ameaçada pela reforma
protestante, a Igreja estabelece alguns parâmetros para a
arte barroca. Eram eles, o estilo elevado e uma iconogra�a
(registro dos símbolos mais importantes) que obedecesse a
um esquema �xo: a Anunciação, o Nascimento do Cristo, o
Batismo, a  Ascensão, a Via Crucis e outras cenas bíblicas.
Disso resulta uma contradição e uma mudança na
propagação da ideologia cristã.
A contradição é a proposta elaborada pela Igreja de que a
arte barroca fosse popular, a �m de atingir o maior número
possível de conversões, mas que não abrisse mão, como
dissemos, de um estilo elevado, erudito, extremamente
elaborado, para o que contribuía o uso de materiais como
ouro e pedras preciosas.
A mudança na disseminação da fé cristã decorre de um
outro paradoxo: quanto mais se incentivavam a prática dos
rituais e a obediência aos dogmas, mecanizando-os, mais a
Igreja católica afastava sua ideologia religiosa da análise
mais cuidadosa de suas bases e, consequentemente, da
atitude re�exiva que levaria ao aprofundamento da fé cristã.
No entanto, os artistas que serviram aos ideais eclesiásticos
— os pintores El Greco e Diego Velázquez, o escultor
Aleijadinho, o sermonista Pe. António Vieira e o poeta São
João da Cruz, apenas para citar alguns nomes —
apresentaram uma proposta de existência alternativa à
formalidade e ao equilíbrio grego, muitas vezes
inconciliáveis com a condição humana.
 
 Profeta Oseias (conjunto Doze
Profetas) 1795-1805, de Aleijadinho
 Jesus curando um cego (1577-
1578)
Os ideais da Antiguidade Clássica, pelos quais o homem era valorizado (antropocentrismo), retornaram no período do
Renascimento. O Barroco, ao contrário, retoma a ideologia da Idade Média e se propõe a desviar o homem do caminho do
saber cientí�co, levando-o de volta ao caminho da fé (antropocentrismo). No entanto, a história se fez e o homem não
conseguiu abdicar de toda a experiência adquirida. Assim, consegue sintetizar Razão e Fé, buscando atingir o equilíbrio entre o
saber cientí�co e o saber religioso.
"Para um homem se ver a si mesmo, são necessárias três coisas: olhos, espelho e luz. Se
tem espelho e é cego, não se pode ver por falta de olhos; se tem espelho e olhos, e é de
noite, não se pode ver por falta de luz. Logo, há mister luz, há mister espelho e há mister
olhos. Que coisa é a conversão de uma alma, senão entrar um homem dentro em si e
ver-se a si mesmo?"
- Padre António Vieira
Notas
Tragédia 1
Tipo de representação teatral que tem origem na antiguidade Clássica e se caracteriza por envolver um con�ito entre um
personagem e algum poder de instância maior, como a lei, os deuses, o destino ou a sociedade
Arnold Hauser 2
HAUSER, Arnold. História social da literatura. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 84-5
Referências
AUERBACH, Erich. Mimesis: a representação da realidade na literatura ocidental. São Paulo: Perspectiva, 2004.
BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e �loso�a da linguagem. São Paulo: Editora Hucitec, 2004.
BOSI, Alfredo. Re�exões sobre a arte. São Paulo: Ática, 1991.
CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do folclore brasileiro. São Paulo: Global, 2005.
DURIGAN, Jesus Antônio. Erotismo e literatura. São Paulo: Ática, 1986.
HEIDEGGER, Martin. A origem da obra de arte. Lisboa: Edições 70, 2007.
HAUSER, Arnold. História social da arte e da literatura. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
JOLY, Martine. Introdução à análise da imagem. São Paulo: Papirus Editora, 2009.
ROSENFELD, Anatol. Cinema: arte & indústria. São Paulo: Perspectiva, 2002.
SANTIAGO, Silviano. Literatura nos trópicos: ensaios sobre dependência cultural. 2. ed. Rio de Janeiro: Rocco, 2000.
SODRÉ, Nelson Werneck. Síntese de história da cultura brasileira. Rio de Janeiro: Bertrand, 2003.
TINHORÃO, José Ramos. História social da música popular brasileira. São Paulo: Ed. 34, 2005.
VIANNA, Hermano. Mistério do samba. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2004.
Bibliogra�a complementar:
BOSI, Alfredo. “Sobre alguns modos de ler poesia: memórias e re�exões”. in. Leitura de poesia. São Paulo: Ática, 1996.
LIPOVETSKY, Gilles. “Narcisismo ou a estratégia do vazio”, “Modernismo e pós-modernismo”. in. A era do vazio. São Paulo:
Manole, 2006.
Próxima aula
Estudos sobre as relações entre Arte e História, a partir do século XVIII.
A importância de fatos históricos como a Revolução Francesa e a Revolução Industrial no processo artístico.
As propostas dos artistas contemporâneos na modernidade e pós-modernidade.
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