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Linguagens da Arte e Regionalidades Aula 8: Intercâmbio entre as linguagens da arte – Literatura e artes plásticas Apresentação Nesta aula, você irá compreender melhor uma das expressões artísticas mais fascinantes, que é a poesia concreta e as tendências que se formaram a partir dela. Objetivos Identi�car as semelhanças estéticas entre as artes plásticas e a poesia concreta; Compreender o contexto histórico e cultural que determinou o surgimento da poesia concreta; Conhecer as tendências literárias que tiveram origem no movimento concretista. A relação entre a palavra e imagem dá-se de muitas formas no objeto artístico, seja ele pertencente ao cânon, seja o de ruptura com os modelos estabelecidos. Na publicidade, compreendida hoje como arte, ela é mais evidente. No entanto, na poesia, em diversas elaborações textuais, a relação imagem-texto é elemento de construção e recurso de interpretação "A completude verbal de uma imagem (...) consiste em conferir à imagem uma significação que parte dela, sem com isso ser-lhe intrínseca. Trata-se, então, de uma interpretação que excede a imagem, desencadeia palavras, um pensamento, um discurso interior, partindo da imagem que é seu suporte, mas que simultaneamente dela se desprende" - JOLY, 2009, p. 20 Uma imagem, elaborada segundo a concepção da arte, precisa ser complementada com um texto verbal para que adquira signi�cação. O receptor da imagem precisa desprender os elementos que a compõem para desencadear um texto (por pensamentos ou palavras expressas) que atribua sentido à imagem construída. Quando vemos a imagem ao lado, logo pensamos tratar-se de uma mãe com seus dois �lhos pequenos. Assim, completamos com palavras a imagem representada. Se continuarmos a elaborar a análise do quadro, destacaremos outros elementos, como o vermelho do vestido, o fato das crianças estarem sem roupa e a paisagem do fundo. No processo de leitura, também poderemos construir um discurso interno sobre a maternidade, o amor fraternal, a liberdade etc. Madona, de Rafael (1504) Contextos Histórico e Cultural da Poesia Concreta Assim ocorre com a poesia concreta. A imagem, fundamento das Artes Plásticas, também o é para o escritor concretista que transforma palavras em imagens sob a folha de papel. O poeta integra o som, a visualidade e o sentido das palavras, dos acentos, da pontuação, dos espaços etc., propondo novos modos de fazer poesia, visando a uma “arte geral da palavra” Após a Segunda Guerra Mundial (1945) , Getúlio Vargas (presidente que governou o Brasil, em regime ditatorial, entre 1930 e 1945) foi deposto e o país voltou a respirar democracia. Uma Constituição (1946) estabeleceu novo pacto social. Houve liberdade de organização partidária, eleições diretas e secretas No entanto, esse período de liberdade durou pouco, pois os desdobramentos da Guerra Fria entre os Estados Unidos e a antiga União Soviética atingiram o país. Recomeçaram as perseguições políticas e a censura, como havia acontecido durante o Estado Novo, período em que Vargas governou e que voltou a cercear a liberdade de expressão. O que acontecia no Brasil não era fato isolado. O receio de que a União Soviética conseguisse expandir o comunismo fazia com que os governos dos estados americanos inibissem atuações políticas, expressões artísticas, eventos culturais. Nos Estados Unidos, o senador Joseph McCarthy promoveu uma verdadeira “Caça às bruxas” contra intelectuais e artistas, pessoas às quais sempre foi atribuída uma tendência subversiva. Getúlio Vargas Nesse pós-guerra apareceu, no Brasil, a “Geração de 45”, como era conhecido um grupo de escritores que marcou a terceira fase do Modernismo. Guimarães Rosa, Clarice Lispector, Ariano Suassuna, João Cabral de Melo Neto e Ferreira Gullar fazem parte desse movimento que se preocupava em trabalhar de forma rigorosa e técnica a linguagem utilizada em seus textos. Pretendia-se a construção do texto literário a partir da utilização mais e�caz da palavra Saiba mais A “Geração de 45” também tinha como proposta uma literatura mais introspectiva, psicológica e, ainda, de acordo com o estilo de cada autor, mais regionalista, sociológica. Dessa forma, essa geração de escritores fazia oposição tanto a uma tendência romântica que ainda persistia, quanto ao modernismo da primeira geração (que tinha como mentores principais Mário de Andrade e Oswald de Andrade), movimento que primava pela liberdade formal e pela sátira. Getúlio Vargas voltou ao poder em 1950, agora através de eleições diretas. Dessa vez, mais populista, conquistou os trabalhadores com ideais patrióticos e uma política econômica rígida contra empresas estrangeira. Um dos lemas desse período era “O petróleo é nosso”, o que culminou a criação da Petrobrás. O descontentamento em torno da �gura de Vargas aumenta e ele perde o apoio do Exército. Em meio a uma conspiração militar, o presidente suicida-se em 1954 No ano seguinte, Juscelino Kubitschek de Oliveira assumiu o poder e implantou uma política desenvolvimentista. Incentivou a indústria automobilística e projetou a modernização do Brasil, cujo símbolo maior foi a transferência da capital do país do Rio de Janeiro para Brasília (1960), cidade projetada por Oscar Niemeyer e Lúcio Costa. Com Brasília, tivemos uma das maiores realizações do Modernismo na arquitetura e no urbanismo A cultura brasileira respira esses novos ares e assume características que combinavam mais com as ideias progressistas e com o estilo do novo presidente. Parecia que o futuro havia chegado ao país. A televisão representava o avanço tecnológico e o brasileiro deslumbrava-se com os novos rumos da nação. Surgem a bossa nova, a inovação musical de grande sucesso e o Cinema Novo de Gláuber Rocha (“Uma câmera na mão e uma ideia na cabeça”). Apesar do otimismo que tomava conta do País, as diferenças sociais tornaram-se ainda mais evidentes. Populares, reivindicaram os direitos que a classe média tinha garantido com a industrialização. As vozes das classes mais pobres ecoavam cada vez mais alto e se re�etiram na arte de vanguarda. Surgiram o Teatro de Arena, de Oduvaldo Viana Filho e Gianfrancesco Guarnieri, e o Grupo O�cina, de José Celso Martinez Correa. Começava uma arte engajada politicamente. É nesse cenário que a poesia assume novas propostas e se aproxima das Artes Plásticas. O Teatro de José Celso Martinez Correa Gianfrancesco Guarnieri e Fernanda Montenegro, na adaptação para o cinema da peça Eles não usam black tie, de Guarnieri. A obra retrata as reivindicações da classe trabalhadora, a qual recebeu o apoio dos artistas O Concretismo e as Vanguardas Formalistas dos Anos 60: A Poesia Concreta Denomina-se Poesia Concreta uma das vertentes mais expressivas do movimento literário brasileiro ao longo de toda metade do Século XX. Augusto de Campos, Haroldo de Campos e Décio Pignatari fundam a revista Noigandes (1953, cuja signi�cação é “antídoto do tédio”). Logo depois, surgem na cena do movimento Ferreira Gulllar, Ronaldo Azeredo e Wlademir Dias Pino, que participam da I exposição Nacional da Arte Concreta (São Paulo, 1956, Rio de Janeiro, 1957). Ferreira Gullar e Dias Pino se afastam do grupo paulista, opondo-se à “ortodoxia” ou “dogmatismo” da poesia, fundando o Neoconcretismo e o Poema-Processo. Esses poetas acreditavam que a rigidez das formas da poesia concreta di�cultava a leitura e propuseram que palavra e estrutura poética se combinassem de maneira que a poesia se comunicasse mais facilmente com o leitor. No entanto, não se pretendia um retorno à poesia tradicional, pois o trabalho com a imagem foi mantido. Saiba mais Veja, no site o�cial do de Augusto dos Campos, os clip-poemas. Opondo-se à ênfase sociológica da poesia da “Geração de 45”, a poesia concreta afasta- se, igualmente, da subjetividade e do lirismo que representa a tradição poética. Paralelamente, o concretismo dialoga com as artes plásticas. Assim, são característicasformais e estéticas: O abandono da sintaxe tradicional, marcada por orações completas com sujeito, verbo e predicado; A justaposição espacial, com imagens que se combinam na superfície do texto; A experimentação com o signo, ou seja, a palavra tem sua gra�a modi�cada para ser reconstruída no texto; A disposição dos signos no espaço, o que possibilitava construir representações inovadoras a partir de ícones grá�cos (traços, diagramas, espaços etc.); Semelhanças fônicas entre palavras ou fragmentos de palavras, a �m de elaborar sons a partir da leitura, sem que houvesse a necessidade de descrevê-los; Atividade visual, através da qual o próprio leitor constrói imagens apenas sugeridas pelo poeta; javascript:void(0); Racionalidade e economia dos meios expressivos, ou seja, o uso mínimo de palavras ou sintagmas; Recusa à musicalidade das cadências regulares da linguagem, o que garante uma leitura não fundamentada na linguagem tradicional. Assim, a poesia concreta e as novas propostas dela decorrentes (poesia neoconcreta, poema-processo e poesia visual) exigem a arte da leitura: o leitor deve respeitar todos os elementos do texto, identi�car suas partes componentes e atribuir signi�cados para que a mensagem seja decodi�cada. Augusto dos Campos, Código Leia atentamente o poema, a �m de identi�car a palavra inserida na imagem. O poema deve ser lido respeitando-se os espaços entre as palavras e observando-se o signi�cado de cada uma delas. Écio Pignatari Waldemir Dias Pino No poema de Wlademir Dias Pino, percebemos que a palavra “sólida” forma outras que possibilitam uma decodi�cação segura da mensagem. Observe o sentido das palavras (todas sem acento) “solidao”, “so”, “lida” e “sol”. Ao �nal, elas se deslocam do texto, em processo de reconstrução. Tente ler a mensagem até o �m. Esse poema exige que o leitor siga um roteiro para que o movimento rotacional componha o texto. Veja a indicação de leitura: Ferreira Gullar Ferreira Gullar O neoconcretismo de Ferreira Gullar propõe novas experimentações com a linguagem. Vemos, no poema ao lado, que, embora a sintaxe pareça tradicional, o texto propõe um novo signi�cado para os vocábulos. Também é possível identi�car, no último verso, a construção de imagens conciliadas com a proposta do Surrealismo. No poema Ovonovelo, Augusto de Campos fragmenta a palavra, ligando-a à forma visual. Augusto de Campos, Ovonovelo Seguindo a trilha da poesia concreta em intercâmbio com as artes plásticas, os poetas continuam a elaborar poemas a partir da experimentação da linguagem. Novos nomes associam-se aos pioneiros e grandes poetas são revelados. Conhecido pela construção de poemas na forma de haikai (poemas japoneses com apenas três versos), Paulo Leminski transitou pela poesia visual. Paulo Leminski No poema acima, vemos como Leminski trabalhou a visualidade do texto com re�exos das palavras que representam o signo “água”. As relações entre literatura e artes plásticas renovam-se em nomes como Arnaldo Antunes e Al-Chaer, poetas que garantem a qualidade da experimentação com a linguagem. Arnaldo Antunes Dica Ao fazer a leitura do poema, não deixe de observar a signi�cação das palavras, as cores utilizadas e a inversão dos caracteres, pois eles dialogam e compõem o texto. Al-Chaer Al-Chaer utiliza a própria imagem da lua como signos linguísticos. O fundo preto destaca a palavra, como um céu em que se destaca a lua. Notas Referências AUERBACH, Erich. Mimesis: a representação da realidade na literatura ocidental. São Paulo: Perspectiva, 2004. BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e �loso�a da linguagem. São Paulo: Editora Hucitec, 2004. BOSI, Alfredo. Re�exões sobre a arte. São Paulo: Ática, 1991. CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do folclore brasileiro. São Paulo: Global, 2005. DURIGAN, Jesus Antônio. Erotismo e literatura. São Paulo: Ática, 1986. HEIDEGGER, Martin. A origem da obra de arte. Lisboa: Edições 70, 2007. HAUSER, Arnold. História social da arte e da literatura. São Paulo: Martins Fontes, 2003. JOLY, Martine. Introdução à análise da imagem. São Paulo: Papirus Editora, 2009. ROSENFELD, Anatol. Cinema: arte & indústria. São Paulo: Perspectiva, 2002. SANTIAGO, Silviano. Literatura nos trópicos: ensaios sobre dependência cultural. 2. ed. Rio de Janeiro: Rocco, 2000. SODRÉ, Nelson Werneck. Síntese de história da cultura brasileira. Rio de Janeiro: Bertrand, 2003. TINHORÃO, José Ramos. História social da música popular brasileira. São Paulo: Ed. 34, 2005. VIANNA, Hermano. Mistério do samba. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2004. Bibliografia complementar: BOSI, Alfredo. “Sobre alguns modos de ler poesia: memórias e re�exões”. in. Leitura de poesia. São Paulo: Ática, 1996. LIPOVETSKY, Gilles. “Narcisismo ou a estratégia do vazio”, “Modernismo e pós-modernismo”. in. A era do vazio. São Paulo: Manole, 2006. Próxima aula Conheceremos sobre a história do cinema no Brasil. 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