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Linguagens da Arte e Regionalidades
Aula 6: Multiculturalismo e formação de identidades II
Apresentação
Nessa aula, terminaremos nosso estudo sobre multiculturalismo.
Objetivos
Re�etir sobre a relação entre arte e contexto socioeconômico;
Conhecer a origem e as propostas estéticas e ideológicas de movimentos culturais populares;
Reconhecer a importância do samba, do forró e do hip hop para a formação da identidade brasileira.
 Arte e Sociedade: O Contexto Socioeconômico das Manifestações
Artísticas
Toda expressão artística é produto da sociedade.
Como vimos na aula 1, o artista expressa o seu tempo, as
suas ideologias e as marcas do meio social do qual
participa.
Fazendo uma re�exão sobre o Brasil e considerando as
in�uências que fazem de nosso país um mosaico cultural,
podemos identi�car com certa facilidade as consequências
da colonização, do imperialismo, dos períodos ditatoriais: a
desorganização social, a falta de perspectivas, a pobreza
extrema. É nesse contexto que o artista tem de produzir
suas obras, expressar suas ideias, comover o público e
envolvê-lo com seus ideais.
A obra de arte é decorrente da visão do artista, portanto é
inegável a carga de subjetividade (expressão do “eu”) nela
presente; mas o “eu” do artista é, em grande parte,
constituído pela coletividade em que se encontra inserido.
A delimitação das classes sociais de�ne discursos e
interesses especí�cos que irão ser representados nos
movimentos artísticos. No Brasil, primeiramente, a arte
seguiu o modelo europeu.
O Romantismo do século XIX, como veri�camos na aula
anterior, modi�cou as feições do indígena brasileiro e
atribuiu a nosso povo características europeias. E também
pudemos re�etir sobre o silêncio imposto aos nossos
artistas durante o período da ditadura (v. aula 2).
Mas, nos espaços reclusos e quase invisíveis dos fundos de
quintal, da madrugada das ruas, das favelas, germinavam as
sementes do que viria a se consagrar como cultura popular
e que se consolidaria, de�nitivamente, na pós-modernidade.
O Modernismo brasileiro — tendo à frente os escritores
Mário de Andrade e Oswald de Andrade, o maestro Heitor
Villa-Lobos, o escultor Vitor Brecheret e os pintores Di
Cavalcanti, Candido Portinari e Tarsila do Amaral — decidiu
representar a cultura popular e colocar em cena o homem
brasileiro e suas mais genuínas expressões.
É assim que surgem os personagens Macunaíma e Sera�m
Ponte Grande; o “Trenzinho Caipira” de Villa-Lobos; os
indígenas, os africanos e os mestiços das telas dos
pintores. Nos anos 30, Raquel de Queirós, Graciliano Ramos
e Guimarães Rosa dão voz ao sertanejo, sempre calado pela
exclusão social e pela fome.
A chamada Geração de 45 ─ João Cabral de Melo Neto,
Ariano Suassuna, Ferreira Gullar, entre outros ─ apresentou
para todo o Brasil os nordestinos do corte de cana, os
operários da cidade, os mendigos e camelôs e Jorge Amado
representou a Bahia que �cou no imaginário do povo
brasileiro.
Mas, ainda assim, todos eles representavam uma vontade
de compreensão da identidade brasileira, e a sua formação
acadêmica delimitaria a con�guração desse brasileiro.
Assim, por mais que houvesse um estudo sobre a cultura e
a identidade do povo brasileiro, não se alcançava
plenamente a essência do tema.
 Artistas que Representaram o Povo e a Cultura Brasileira
1
Mário de Andrade
2
Oswald de Andrade
3
Tarsila do Amaral
4
Heitor Villa-Lobos
5
João Cabral de Melo Neto
6
Jorge Amado
Segundo Mikhail Bakhtin, a obra submete-se à ideologia do
cotidiano que determina o seu lugar na sociedade. Assim, o
artista popular, mesmo sem a organização acadêmica dos
grandes mestres da literatura, da música, da pintura e da
escultura, consegue interpretar a sociedade de seu tempo,
as aspirações humanas, a relação com o mundo.
O conceito de cultura popular está sempre associado a uma
tomada de posição, ou seja, é preciso de�nir uma opinião
sobre uma manifestação cultural para que ela seja
compreendida como popular. Além disso, considerar uma
expressão artística como popular sugere que exista uma
outra, erudita, e que, portanto, optaríamos por classi�car a
arte, ferindo os próprios princípios da Arte.
O �lósofo Antonio Gramsci procura resolver o problema
buscando, na origem da questão, uma posição ideológica,
assim como pensa Bakhtin. Ecléa Bosi de�ne o pensamento
de Gramsci: “ao lado da chamada cultura erudita,
transmitida na escola e sancionada pelas instituições, existe
a cultura criada pelo povo, que articula uma concepção do
mundo e da vida em contraposição aos esquemas o�ciais”.
 O Samba: Expressão Popular do Mestiço Brasileiro
As primeiras manifestações do samba acontecem na Pedra
do Sal, no bairro da Saúde, no Estado do Rio de Janeiro. O
lugar era ponto de comercialização dos escravos trazidos
diretamente da África ou da Bahia. Surge, assim, uma
comunidade conhecida como “Pequena África”. Mais tarde,
com o �m da escravatura, os homens africanos e seus
descendentes, recém-libertos, mantêm o local como ponto
de encontro, para o qual também se dirigem artistas que se
aliavam às culturas africanas.
Nomes como Donga (cantor e compositor que gravou pela
primeira vez um samba, “Pelo Telefone”, em 1917),
Pixinguinha e João da Baiana reuniam-se na Pedra do Sal.
Assim, com os experimentos musicais, surge o samba
carioca
O que identi�camos hoje como samba, na verdade, é uma
variedade carioca, registrada no século XX, do ritmo
importado da África e que era praticado desde o Maranhão
até São Paulo. O samba carioca também sofreu in�uências
da polca, do maxixe, do lundu e do samba de roda da Bahia,
e passou a ser acompanhado de vários instrumentos de
percussão e de corda.
Aos poucos, e de acordo com a proposta de cada artista ou
grupo de artistas, surgem novas variações do samba
carioca, como o samba- canção, o samba de breque, a
bossa nova, o samba-rock e o pagode.
 
 Tom Jobim, Pixinguinha,
Donga e Chico Buarque
 Tia Ciata (1854-1924), mais
conhecida “tia baiana”
Juntamente com a expressão do samba, podem ser
identi�cadas marcas culturais que se perpetuaram e
ajudaram a formar nossa identidade nacional. Destacam-se
as “Tias Baianas”, mulheres que ofereciam o quintal de sua
casa para os encontros de artistas e populares em torno de
uma roda de samba e que eram responsáveis pelos
alimentos servidos, uma prática cultural ainda vigente.
 Forró: Expressão de Alegria no Nordeste Brasileiro
Arrasta-pé, bate-chinela e forrobodó são outras
denominações da festa popular chamada forró, expressão
musical que reúne música e dança, típica do Nordeste
brasileiro. Nessa festa, são tocados vários ritmos como
baião, xaxado, quadrilha e xote. Os instrumentos tradicionais
são a sanfona, a zabumba e o triângulo.
As danças do forró têm origem nas danças de salão
europeias, mas o nome, segundo Luís da Câmara Cascudo,
vem da língua africana bantu e signi�ca “confusão”,
“desordem”. A versão popular de que a palavra viria da
expressão em língua inglesa for all (para todos) não tem
comprovação cientí�ca.
A popularização do forró é consequência da intensa
migração nordestina para as regiões sudeste e sul do Brasil.
Luiz Gonzaga é a maior representação artística do forró,
tornando-se modelo para outros forrozeiros. O forró sofreu
diversas adaptações, sendo as mais recentes o forró
universitário, o forró eletrônico (o qual introduziu na dança
instrumentos musicais eletrônicos), o forró pé de serra.
O forró compõe-se de ritmos quentes, e a dança,
extremamente sensual, exige que o casal arraste os pés no
chão. Justi�ca-se essa forma de dançar na origem dos
bailes, antigamente realizados em terrenos de barro batido
que eram molhados para que a poeira não levantasse.
Como a água secava antes do baile terminar, os casais
arrastavam os pés para evitar que a poeira os incomodasse
(o que explica o nome “arrasta-pé”).
 
 Luiz Gonzaga  O forró eternizado na obra de
mestre Vitalino
Sem dúvida, o forró é uma expressãocultural popular
associada à condição econômica do povo brasileiro, e que
evidencia uma face da nossa identidade: a alegria
espontânea.
 Hip-hop para Além das Fronteiras: Uma Expressão Artística
Ideológica
A origem do Hip-hop está nos movimentos de resistência
negra nos Estados Unidos. O bairro do Bronx, em Nova
Iorque, sofreu uma desvalorização, nos anos 60, devido às
construções de imóveis sem qualquer planejamento. A
classe média formada por imigrantes italianos, alemães,
irlandeses e judeus resolveu abandonar o local. Os
imigrantes africanos e seus descendentes, além dos
hispânicos, passam a ser, então, a maioria no bairro,
formando um gueto, um espaço de exclusão. Ações o�ciais
e espontâneas, contrárias aos habitantes do Bronx, foram
registradas, especialmente por que, com a extrema pobreza
e a falta de oportunidades, aumentou a violência no local.
A partir de 1968, surgem “gangues de rua” (Streetgangs) que
aterrorizam o bairro e os locais próximos. No entanto, na
década de 70, começam a se formar grupos de jovens que
desejavam apenas se divertir em festas, afastando-se dos
crimes e uso de drogas. Inicia-se um movimento de
competição de habilidades
Kool Herc é o nome mais associado à cultura Hip-hop
quando se pretende investigar a origem do movimento.
Nascido na Jamaica, ele imigrou em 1967 (aos 12 anos de
idade) para Nova Iorque e lá introduziu a prática de
promover festas em ruas com um e�ciente sistema de som.
Foi Herc (cujo nome de batismo é Clive Campbell) quem
desenvolveu a técnica de girar o disco de vinil ao contrário
para criar novas modulações da música que estava sendo
tocada.
Herc não costumava tocar a música inteira. A técnica de
parar o disco possibilitava que ele mantivesse o som no
trecho da música em que se registrava a batida mais “pura”.
Usando dois toca-discos que tocavam a mesma música, o
DJ Herc pôde ampliar o tempo de duração do som, criando
o Break-Beat. Isso atraía os jovens e alguns desenvolveram
movimentos exclusivos para essa batida, �cando
conhecidos como B. Boys e B. Girls (Breaker-boys e Breaker-
girls). Kool Herc também convidou alguns amigos, os quais
foram denominados MC’s (Mestres de Cerimônia) para criar
frases de efeito e rimas, animando o público que se
integrava a essas festas de rua.
Kool Herc é conhecido como o "pai" da cultura Hip-hop. Ele representa a força da cultura como alternativa à marginalização
social.
Esse aspecto festivo adquiriu força cultural e ideológica
com a adesão ao movimento de Afrika Bambaataa (ou
Kahyan Aasim, nascido 1957). Foi ele quem propôs a base
da cultura Hip-hop a partir de estudos sobre a cultura
africana, especialmente sobre os zulus, guerreiros que
lutavam contra a força dos colonizadores utilizando armas
simples. Os africanos e seus descendentes radicados em
Nova Iorque possuíam então uma expressão cultural que
fosse uma alternativa ao crime e às drogas e, ainda,
pudesse fazer frente à cultura de elite. A dor e todo o tipo de
sofrimento seriam transformados em “energia positiva”.
Afrika Bambaataa criou uma ideologia para o movimento
Hip-hop, transformando o que era arte espontânea das ruas
em ideário que iria conduzir jovens em todo o ocidente.
Assim, a cultura Hip-hop passou a ser respeitada para além
das ruas de Nova Iorque.
Hip-hop é uma cultura associada à dança e à música (hip =
dançar movimentando os quadris; hop = saltar) e
representa, ideologicamente, o valor dos africanos e de seus
descendentes. Os quatro elementos do Hip-hop são: o
break, que representa o corpo através da dança; o MC, que é
a consciência, o cérebro; o DJ, que traduz a alma, a essência
e a raiz; o GRAFFITI, uma expressão da arte, um meio de
comunicação.
 
 
 Break-dance: expressão do
corpo
 MC: a consciência
 DJ: a alma, a essência  Graffiti: meio de comunicação
Outra divisão do Hip-hop conhecida - e mais associada à
arte em si — identi�ca apenas três elementos: o rap (rhythm
and poetry, ou seja, ritmo e poesia), que representa a
expressão musical e verbal; o gra�ti (desenhos coloridos),
que expressa as artes plásticas e o break dance, que
representa a dança.
O Hip-hop vence barreiras e fronteiras: difundido pelo
mundo, o movimento ganha adeptos e consagra-se como
uma das expressões populares mais signi�cativas do
ocidente. Os elementos do Hip-hop, as suas ideias e a sua
estética (roupas, gírias, modos de dançar e caminhar etc.)
integram-se à cultura brasileira e passam a compor a nossa
identidade multicultural.
No Brasil, o movimento Hip-hop tem início na década de 80, principalmente na cidade de São Paulo. Os �lmes Beat Street e
Flash Dance, de grande sucesso na época, foram decisivos para a divulgação na cultura Hip-hop.
A modalidade musical conhecida como rap tem mais
aceitação entre os jovens brasileiros, embora, no início, sem
que houvesse muita consciência crítica, fossem produzidos
os chamados “rap-historinha”. Com a organização do
movimento, sendo adotado inclusive por ONGs
(Organizações não Governamentais), as ideologias do Hip-
hop foram conhecidas e assumidas por seus adeptos.
Artistas como Thaide e grupos como Racionais MC’s
colocam-se à margem da mídia, aumentando o interesse
dos jovens e de intelectuais brasileiros sobre o movimento.
São fontes de inspiração livros como Negras Raízes, de Alex
Haley e Escrevo o que eu Quero, de Steve Byko, e biogra�as
de Martin Luther King e Malcolm X, líderes das lutas
antirracistas.
Atenção
É importante destacar, ainda, que os rappers brasileiros elaboram suas músicas sob a in�uência de artistas de outros estilos
musicais, como Jorge Ben Jor, Tim Maia, Gerson King Combo, James Brown, Marvin Gaye e até, de forma mais inusitada, de
sambistas, entre os quais Bezerra da Silva, Dicró e Moreira da Silva. Essa característica valida ainda mais os estudos sobre
diversidade cultural.
Notas
Referências
AUERBACH, Erich. Mimesis: a representação da realidade na literatura ocidental. São Paulo: Perspectiva, 2004.
BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e �loso�a da linguagem. São Paulo: Editora Hucitec, 2004.
BOSI, Alfredo. Re�exões sobre a arte. São Paulo: Ática, 1991.
CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do folclore brasileiro. São Paulo: Global, 2005.
DURIGAN, Jesus Antônio. Erotismo e literatura. São Paulo: Ática, 1986.
HEIDEGGER, Martin. A origem da obra de arte. Lisboa: Edições 70, 2007.
HAUSER, Arnold. História social da arte e da literatura. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
JOLY, Martine. Introdução à análise da imagem. São Paulo: Papirus Editora, 2009.
ROSENFELD, Anatol. Cinema: arte & indústria. São Paulo: Perspectiva, 2002.
SANTIAGO, Silviano. Literatura nos trópicos: ensaios sobre dependência cultural. 2. ed. Rio de Janeiro: Rocco, 2000.
SODRÉ, Nelson Werneck. Síntese de história da cultura brasileira. Rio de Janeiro: Bertrand, 2003.
TINHORÃO, José Ramos. História social da música popular brasileira. São Paulo: Ed. 34, 2005.
VIANNA, Hermano. Mistério do samba. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2004.
Bibliogra�a complementar:
BOSI, Alfredo. “Sobre alguns modos de ler poesia: memórias e re�exões”. in. Leitura de poesia. São Paulo: Ática, 1996.
LIPOVETSKY, Gilles. “Narcisismo ou a estratégia do vazio”, “Modernismo e pós-modernismo”. in. A era do vazio. São Paulo:
Manole, 2006.
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Conheceremos o percurso que as mulheres traçaram na luta por igualdade de direitos e compreender o conceito de arte
homoerótica.
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