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Tema: A primeira igualdade é a justiça. Pontuação: 47. Escultora social Uma deusa de olhos vendados. Uma balança. Uma espada. Num corpo social em que se reivindica os valores da figura mítica da justiça, tal representação direciona as ações humanas contemporâneas — desde juízos pessoais até a presença do Poder Judiciário nos Estados modernos. Os ideais de imparcialidade e igualdade, contudo, encontram-se subjulgados aos interesses daqueles detentores de poder, pois, como produto da civilização humana, a justiça não se comporta como a primeira igualdade. Para o antropólogo Harari em “Sapiens: Uma breve história da humanidade”, com a convergência da Revolução Agrícola com a Revolução Urbana, o *Homo sapiens* precisou de estratégias para assegurar a cooperação de centenas de indivíduos — valores como a justiça. Nessa perspectiva, a legislação surge como combustível para que esses ideais sejam inseridos na sociedade; fruto de mãos humanas (reis, nobres, Igrejas) esse regimento garante também que estes perpetuem como protetores da organização social. O Código de Hamurabi, por exemplo, um dos primeiros conjuntos de leis do mundo ocidental, apesar de pregar o “olho por olho, dente por dente”, ou seja, que você recebesse uma punição tão justa quanto a sua violação, possuiria penalidades diferentes caso o crime fosse cometido contra uma mulher ou o criminoso fosse nobre. Sendo assim, a justiça foi construída como uma variável, que depende da categoria social em que os sujeitos se inserem. A partir do século XV, ideal de justiça foi disseminado com a colonização europeia, num processo em que o homem europeu foi designado a construir o seu próprio Código de Hamurabi. No Brasil, a escravização das populações indígenas foi legitimada com o conceito de “guerra justa”, em que guerrear com os povos nativos se tornava legítimo à medida que a conversão ao catolicismo fosse negada; o sistema jurídico instaurado no país atendeu à necessidade colonial de suprimir ameaças à ordem portuguesa. Sob esse viés, a predominância de negros — sem julgamento e sem advogados — nos presídios brasileiros configuram-se como uma consequência de um aparato estatal que, em conjunto com o judiciário, visa a exclusão desses indivíduos. A crença moderna da supremacia dos ideais de igualdade e imparcialidade, pregados pela Carta da Organização das Nações Unidas, converge com as situações de impunidade e desigualdade jurídica do século XXI. Infere-se, destarte, que se a justiça foi criada pela civilização humana, mas não para atender a todos os homens, ela atua como uma escultora social, que molda a sociedade em prol dos objetivos daqueles que ocupam posições de poder.
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