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Saúde Coletiva Dra. Marcela Demitto Furtado Dra. Raquel Gusmão Oliveira DIREÇÃO UNICESUMAR Reitor Wilson de Matos Silva, Vice-Reitor e Pró-Reitor de Administração, Wilson de Matos Silva Filho, Pró-Reitor Executivo de EAD William Victor Kendrick de Matos Silva, Pró-Reitor de Ensino de EAD Janes Fidélis Tomelin Presidente da Mantenedora Cláudio Ferdinandi. NEAD - NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Diretoria Executiva Chrystiano Mincoff, James Prestes, Tiago Stachon , Diretoria de Design Educacional Débora Leite, Diretoria de Graduação e Pós-graduação Kátia Coelho, Diretoria de Permanência Leonardo Spaine, Head de Produção de Conteúdos Celso Luiz Braga de Souza Filho, Head de Metodologias Ativas Thuinie Daros, Gerência de Projetos Especiais Daniel F. Hey, Gerência de Produção de Conteúdos Diogo Ribeiro Garcia, Supervisão do Núcleo de Produção de Materiais Nádila de Almeida Toledo, Projeto Gráfico José Jhonny Coelho e Thayla Guimarães Cripaldi, Fotos Shutterstock. Coordenador de Conteúdo Lilian Rosana dos Santos Moraes. Designer Educacional Amanda Peçanha dos Santos e Janaína de Souza Pontes. Revisão Textual Érica Fernanda Ortega. Editoração Isabela Mezzaroba Belido. Ilustração Mateus Calmon. Realidade Aumentada Kleber Ribeiro, Leandro Naldei e Thiago Surmani. C397 CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ. Núcleo de Educação a Distância; FURTADO, Marcela Demitto; OLIVEIRA, Raquel Gusmão. Saúde Coletiva. Marcela Demitto Furtado; Raquel Gusmão Oliveira. Maringá-PR.: Unicesumar, 2019. Reimpresso em 2023. 152 p. “Graduação - EAD”. 1. Saúde. 2. Coletiva. 3. EaD. I. Título. ISBN 978-85-459-1725-0 CDD - 22 ed. 610 CIP - NBR 12899 - AACR/2 NEAD - Núcleo de Educação a Distância Av. Guedner, 1610, Bloco 4 - Jardim Aclimação CEP 87050-900 - Maringá - Paraná unicesumar.edu.br | 0800 600 6360 Impresso por: PALAVRA DO REITOR WILSON DE MATOS SILVA REITOR Em um mundo global e dinâmico, nós trabalha- mos com princípios éticos e profissionalismo, não somente para oferecer uma educação de qualida- de, mas, acima de tudo, para gerar uma conversão integral das pessoas ao conhecimento. Baseamo- -nos em 4 pilares: intelectual, profissional, emo- cional e espiritual. Iniciamos a Unicesumar em 1990, com dois cursos de graduação e 180 alunos. Hoje, temos mais de 100 mil estudantes espalhados em todo o Brasil: nos quatro campi presenciais (Maringá, Curitiba, Ponta Grossa e Londrina) e em mais de 300 polos EAD no país, com dezenas de cursos de graduação e pós-graduação. Produzimos e revi- samos 500 livros e distribuímos mais de 500 mil exemplares por ano. Somos reconhecidos pelo MEC como uma instituição de excelência, com IGC 4 em 7 anos consecutivos. Estamos entre os 10 maiores grupos educacionais do Brasil. A rapidez do mundo moderno exige dos educadores soluções inteligentes para as ne- cessidades de todos. Para continuar relevante, a instituição de educação precisa ter pelo menos três virtudes: inovação, coragem e compromisso com a qualidade. Por isso, desenvolvemos, para os cursos de Engenharia, metodologias ativas, as quais visam reunir o melhor do ensino presencial e a distância. Tudo isso para honrarmos a nossa missão que é promover a educação de qualidade nas diferentes áreas do conhecimento, formando profissionais cidadãos que contribuam para o desenvolvimento de uma sociedade justa e solidária. Vamos juntos! BOAS-VINDAS WILLIAM DE MATOS SILVA PRÓ-REITOR EXECUTIVO DE EAD Prezado(a) Acadêmico(a), bem-vindo(a) à Co- munidade do Conhecimento. Essa é a característica principal pela qual a Unicesumar tem sido conhecida pelos nossos alu- nos, professores e pela nossa sociedade. Porém, é importante destacar aqui que não estamos falando mais daquele conhecimento estático, repetitivo, local e elitizado, mas de um conhecimento dinâ- mico, renovável em minutos, atemporal, global, democratizado, transformado pelas tecnologias digitais e virtuais. De fato, as tecnologias de informação e comu- nicação têm nos aproximado cada vez mais de pessoas, lugares, informações, da educação por meio da conectividade via internet, do acesso wireless em diferentes lugares e da mobilidade dos celulares. As redes sociais, os sites, blogs e os tablets ace- leraram a informação e a produção do conheci- mento, que não reconhece mais fuso horário e atravessa oceanos em segundos. A apropriação dessa nova forma de conhecer transformou-se hoje em um dos principais fatores de agregação de valor, de superação das desigualdades, propagação de trabalho qualificado e de bem-estar. Logo, como agente social, convido você a saber cada vez mais, a conhecer, entender, selecionar e usar a tecnologia que temos e que está disponível. Da mesma forma que a imprensa de Gutenberg modificou toda uma cultura e forma de conhecer, as tecnologias atuais e suas novas ferramentas, equipamentos e aplicações estão mudando a nossa cultura e transformando a todos nós. Então, prio- rizar o conhecimento hoje, por meio da Educação a Distância (EAD), significa possibilitar o contato com ambientes cativantes, ricos em informações e interatividade. É um processo desafiador, que ao mesmo tempo abrirá as portas para melhores oportunidades. Como já disse Sócrates, “a vida sem desafios não vale a pena ser vivida”. É isso que a EAD da Unicesumar se propõe a fazer. Seja bem-vindo(a), caro(a) acadêmico(a)! Você está iniciando um processo de transformação, pois quando investimos em nossa formação, seja ela pessoal ou profissional, nos transformamos e, consequentemente, transformamos também a so- ciedade na qual estamos inseridos. De que forma o fazemos? Criando oportunidades e/ou estabe- lecendo mudanças capazes de alcançar um nível de desenvolvimento compatível com os desafios que surgem no mundo contemporâneo. O Centro Universitário Cesumar mediante o Núcleo de Educação a Distância, o(a) acompa- nhará durante todo este processo, pois conforme Freire (1996): “Os homens se educam juntos, na transformação do mundo”. Os materiais produzidos oferecem linguagem dialógica e encontram-se integrados à proposta pedagógica, contribuindo no processo educa- cional, complementando sua formação profis- sional, desenvolvendo competências e habilida- des, e aplicando conceitos teóricos em situação de realidade, de maneira a inseri-lo no mercado de trabalho. Ou seja, estes materiais têm como principal objetivo “provocar uma aproximação entre você e o conteúdo”, desta forma possibilita o desenvolvimento da autonomia em busca dos conhecimentos necessários para a sua formação pessoal e profissional. Portanto, nossa distância nesse processo de crescimento e construção do conhecimento deve ser apenas geográfica. Utilize os diversos recursos pedagógicos que o Centro Universitário Cesumar lhe possibilita. Ou seja, acesse regularmente o Stu- deo, que é o seu Ambiente Virtual de Aprendiza- gem, interaja nos fóruns e enquetes, assista às aulas ao vivo e participe das discussões. Além disso, lembre-se que existe uma equipe de professores e tutores que se encontra disponível para sanar suas dúvidas e auxiliá-lo(a) em seu processo de apren- dizagem, possibilitando-lhe trilhar com tranquili- dade e segurança sua trajetória acadêmica. APRESENTAÇÃO Caro(a) aluno(a), seja bem-vindo(a)! Este material foi cuidadosamente preparado para você! Tendo como ob- jetivo introduzir alguns temas da Saúde Coletiva em uma perspectiva atualizada, buscando ajudá-lo(a) na compreensão acerca da temática e subsidiar sua prática como Profissional da Saúde. Este material está dividido em cinco Unidades: A Unidade 1 busca discutir o binômio saúde-doença, em uma perspectiva atualizada, discutindo as mudanças e a evolução do conceito de saúde ao longo dos tempos e os modelos de saúde preventivista e de promoção à saúde; também discute os fatores condicionantes e determinantes no pro- cesso saúde-doença e seu impacto na realidade brasileira; e, ainda nesse sentido, apresenta os modelos de Atenção àsaúde no Brasil. A Unidade 2 trata da História da Saúde Pública no Brasil, tendo como marco o Sistema Único de Saúde (SUS), descrevendo seu período antecedente, seus processos de construção, destacando interesses, conflitos e necessidades sociais que deram origem ao SUS, seus princípios e diretrizes, bem como as diretrizes do pacto pela Saúde e as Redes de Atenção à saúde. A Unidade 3 discute Vigilância em saúde, os sistemas de informação em saúde, indicadores de saúde e os desafios atuais diante do trabalho no contexto da vigilância. A Unidade 4 sintetiza as principais políticas de saúde no Brasil, relaciona- das à Saúde da mulher, da criança, do adulto e idoso, bem como políticas voltadas às populações vulneráveis e à saúde mental. Finalmente, a Unidade 5 destaca os objetivos e princípios da Política Na- cional de Humanização (PNH), bem como suas diretrizes e os dispositivos, relacionando-os aos direitos e a segurança do paciente, à saúde do traba- lhador e aos desafios de sua operacionalização no contexto hospitalar. Nossa intenção não é esgotar o assunto, mas abrir as portas para a ampliação do seu conhecimento, estimulando novas buscas para que possa enriquecer sua área de atuação e torná-lo(a) um profissional mais crítico e reflexivo, capaz de atuar de forma eficiente em seu contexto de trabalho. Um grande abraço e uma ótima leitura! CURRÍCULO DOS PROFESSORES Dra. Marcela Demitto Furtado Doutora pelo Programa de Pós-Graduação do Departamento de Enfermagem da UEM. Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da UEM. Pós-graduada em Enfermagem Pediátrica pelo Departamento de Enfermagem da Universidade Estadual de Londrina - UEL (modalidade: Residência em Enfermagem em Saúde da Criança). Enfermeira graduada pela Universidade Estadual de Maringá - UEM (2007). Atualmente é professora adjunta do depar- tamento de enfermagem da UEM, na área de saúde de criança. Currículo Lattes disponível em: <http://lattes.cnpq.br/8007832036059597>. Dra. Raquel Gusmão Oliveira Doutora pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto – Universidade de São Paulo (2018). Mestre em Ciências da Saúde pela Universidade Estadual de Maringá (2005). Graduada em Enfermagem pela Universidade Estadual de Maringá (2000). Docente do Curso de Medicina do Unicesumar - Maringá. Tem exercido docência no ensino superior nos últimos 10 anos, com ênfase em Saúde Coletiva, Saúde da Família e Gestão de Serviços de Saúde. Currículo Lattes disponível em: <http://lattes.cnpq.br/7567016444404983>. Saúde e Doença - uma Perspectiva Atualizada 13 História da Saúde Pública no Brasil 41 Vigilância em Saúde 67 Políticas Públicas de Saúde no Brasil 95 Política Nacional de Humanização (PNH) 125 55 Redes de Atenção à Saúde Utilize o aplicativo Unicesumar Experience para visualizar a Realidade Aumentada. PLANO DE ESTUDOS OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM Dra. Raquel Gusmão Oliveira • Discutir as mudanças e a evolução do conceito de saúde e doença. • Conhecer os modelos de saúde preventivista e de pro- moção à saúde. • Compreender o conceito da determinação social na saúde. • Apresentar os principais determinantes sociais da saúde e seu impacto na realidade brasileira. • Conhecer os modelos de Atenção à saúde no Brasil. Conceito de saúde e doença O modelo preventivista e o modelo de promoção à saúde Os principais determinantes sociais de saúde no Brasil Organização dos serviços de saúde no Brasil Fatores condicionantes e determinantes no processo saúde-doença Saúde e Doença - uma Perspectiva Atualizada Conceito de Saúde e Doença Quando decidimos ser profissionais da área da saú- de, muitas preocupações vem a nossa mente, nos preocupamos com as ações de saúde que podemos realizar, que recursos temos disponíveis, como me- lhorar a vida das pessoas e como contribuir para um mundo melhor e com saúde. Isso é muito im- portante! Contudo, muito além de nos preocuparmos com tudo isso, precisamos estar cientes e com- preender, antes de realizar ou propor qualquer ação, que por trás de toda ação existe um conceito ou um modo de entender a realidade, tendo como pressuposto básico que ela é dinâmica, sujeita a modificações, influenciadas pela cultura, política e momento histórico. Vamos observar, nesta unidade, que, ao longo da história humana, a saúde das pessoas sempre foi alvo de preocupação, por isso convidamos você para dar uma volta na história, tanto antiga quanto atual, e reconhecer pensamentos e ações acerca da saúde. O conceito de saúde sofreu mudanças no decor- rer dos tempos, várias explicações foram dadas e, ainda hoje, vários entendimentos coexistem quando buscamos entender o processo saúde-doença. Entretanto, queremos destacar no texto dois modelos explicativos acerca do processo saúde- 15UNIDADE 1 -doença: um com características biologicistas e outro buscando compreender o ser humano de forma integral, considerando sua história, cultura, contexto e estilos de vida. Buscamos, também, ampliar o entendimento do conceito de saúde e os seus determinantes so- ciais (estilos de vida, rede sociais e comunitárias e as condições de vida e de trabalho), visando uma compreensão da evolução do cenário da saúde da população brasileira e da estruturação e organização dos serviços de saúde ao longo dos anos. Vamos juntos, então, nos aproximar desse uni- verso de conhecimento tão fundamental para o trabalho de um profissional da saúde. Para começar, gostaria de fazer uma pergunta: – O que significa ter saúde para você? Pense nisso por alguns minutos… Pergunte para algumas pessoas próximas a você: o que é ter saúde? Agora, compare as respostas. Você, certamente, vai perceber que a ideia de saúde entre as pessoas é diferente, cada uma possui um entendimento acerca do que é ter saúde. Ao longo da história, muitas explicações foram dadas acerca do que é ter saúde ou estar doente: as explicações mágico-religiosas, a explicação natu- ralística, o olhar bacteriológico, a explicação mul- ticausal e a produção social da saúde e da doença. Vejamos um pouco dessas explicações. As Explicações Mágico-religiosas Na Antiguidade, acreditava-se que as doenças poderiam ser causadas por elementos naturais ou sobrenaturais. Nesse período, a compreensão das doenças era por meio da filosofia religiosa, partiam do princípio de que ela era resultado de ação de forças alheias ao organismo, eram conse- quência de pecado ou de maldição, um sinal de desobediência ao mandamento divino. Tal ideia perdurou por muito tempo e teve seu ápice na Idade Média (SCLIAR, 2007). Na Idade Média europeia, a influência da reli- gião cristã manteve a concepção da doença como resultado do pecado e a cura como questão de fé; o cuidado de doentes estava, em boa parte, entregue a ordens religiosas, que administravam, inclusive, o hospital, o qual era visto não como um lugar de cura, mas de abrigo e de conforto para os doentes (SCLIAR, 2007). A Unicausalidade No início da modernidade, a concepção religiosa foi superada devido ao desenvolvimento do co- nhecimento na época. A evolução da mecânica influenciou as ideias de René Descartes (1596- 1650), no século XVII, que postulava um dualismo mente-corpo e o funcionamento do corpo como uma máquina. Com o desenvolvimento da ana- tomia, identificou-se que a doença era localizada nos órgãos (SCLIAR, 2007). No final do século XIX, os estudos de Louis Pasteur (1822-1895) e a descoberta do microscópio revelou a existência de micro-organismos causadores de doença, possibi- litando a introdução de soros e vacinas. Foi uma revolução, pois, pela primeira vez, fa- tores causais, até então desconhecidos, estavam sendo identificados; as doenças, agora, poderiam ser prevenidas e curadas. Para cada doença, um agente etiológico deverá ser identificado e com- batido por meio de vacinas ou produtos químicos (SCLIAR, 2007). 16 Saúde e Doença - uma Perspectiva Atualizada A Multicausalidade A insuficiênciada formulação unicausal só ficou evidente no início do séc. XX, devido ao processo de mudanças ocorridas na sociedade e na insuficiência de dar explicações sobre a saúde e a doença das pessoas e das comunidades, bem como o efeito da transição epide- miológica - fenômeno no qual evidencia a diminuição de doenças infecciosas e o aumento de doenças crônicas degenerativas, em que o homem passa a ser considerado como um ser biopsicossocial. Nesse sentido, a saúde e a doença são reconhecidas como o equilíbrio e/ou desequilíbrio entre o ambiente, o agente e o hos- pedeiro, envolvendo dimensões subjetivas e não apenas biologica- mente científicas e objetivas. No entanto, a crítica a tal explicação se dá ao fato de não considerar as variações das doenças verificadas historicamente, em relação ao seu aparecimento e desaparecimen- to, aumento ou diminuição de sua frequência, da menor ou maior importância, que adquirem nas variadas formas de organização social (BACKES et al., 2009). Uma nova proposta de consenso sobre saúde ocorreu em 7 de abril de 1948 (desde então, o Dia Mundial da Saúde), implicando o reconhecimento do direito à saúde e da obrigação do Estado na promoção e proteção da saúde. “Saúde é o estado do mais com- pleto bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de enfermidade” (SCLIAR, 2007). O conceito da Organização Mundial da Saúde (OMS) reflete, de um lado, uma aspiração nascida dos movimentos sociais do pós-guerra: o fim do colonialismo, a ascensão do socialismo. Saúde deveria expressar o direito a uma vida plena, sem privações, um conceito amplamente difundido, mas que carrega em si um estado inatingível de equilíbrio em um cenário de neutralidade, que o torna pouco operacional e prático (BACKES et al., 2009). O livro de Moacyr Scliar, intitulado Do Mágico ao Social: trajetória da saúde pública, apresenta, de uma forma mais detalhada, os caminhos percorridos pela condição humana no contexto da saúde e da doença, em uma perspectiva histórica, apontando olhares e características das matrizes do pensamento sobre o paradoxo saúde-doença. 17UNIDADE 1 A Produção Social da Saúde e da Doença Um novo paradigma surge diante da crise de desenvolvimento das sociedades modernas: o reconhecimento de que tudo o que existe é pro- duto da ação humana. A saúde de um indivíduo, de um grupo de indi- víduos ou de uma comunidade, depende, também, de coisas que o homem criou e faz, das interações dos grupos sociais, das políticas adotadas pelo go- verno, inclusive os próprios mecanismos de aten- ção à doença, do ensino voltado para os cursos da área da saúde, da educação e das intervenções sobre o meio ambiente (SANTOS; WESTPHAL, 1999). Nesse sentido, Santos e Westphal (1999) res- saltam que ter saúde não pode ser apenas não estar doente, significa, também, a possibilidade de atuar, de produzir a sua própria saúde, quer mediante cuidados tradicionalmente conheci- dos, quer por ações que influenciam o seu meio – ações políticas para a redução de desigualdades, educação, cooperação intersetorial, participação da sociedade civil nas decisões que afetam sua existência – para, usando uma expressão bem conhecida, o exercício da cidadania. Para que uma população possa ser saudável, no paradigma da história social da saúde, é ne- cessário: paz (contrário de violência); habitação adequada em tamanho por habitante, em condi- ções adequadas de conforto térmico; educação, pelo menos fundamental; alimentação imprescin- dível para o crescimento e desenvolvimento das crianças e necessária para a reposição da força de trabalho; renda decorrente da inserção no mer- cado de trabalho, adequada para cobrir as neces- sidades básicas de alimentação, vestuário e lazer; ecossistema saudável preservado e não poluído; justiça social e equidade, garantindo os direitos fundamentais dos cidadãos (DE OTAWA, 1986). No Brasil, o movimento de Reforma Sanitária, articulado nos anos 80, formulou um “conceito ampliado de saúde” e passou a entendê-la como um estado resultante das condições de alimenta- ção, habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso à terra e aos serviços de saúde, apontan- do, assim, para a determinação social e cultural da saúde e da doença. Para operar com o conceito ampliado de saúde, precisamos pensar na saúde como um processo em detrimento da concepção de saúde como um atributo (tenho/não tenho). (Stela Nazareth Meneghel) 18 Saúde e Doença - uma Perspectiva Atualizada O Modelo Preventivista e o Modelo de Promoção à Saúde É possível verificar que o conceito de saúde foi influenciado, no decorrer dos tempos, por ques- tões sociais, culturais e econômicas. Vale destacar que as ações de saúde e a forma de organização da assistência também acompanham as mudanças do conceito de saúde. Na tentativa de explicar essas mudanças, di- versos autores propuseram modelos explicativos do processo saúde-doença. Vejamos dois deles: o modelo de Atenção à Saúde Preventivista e o Modelo da Promoção à Saúde. O Modelo Preventivista O modelo preventivista surge devido à crise do capitalismo e à incapacidade dos governos de ar- carem com os custos da saúde no contexto médi- co hospitalar, com base na proposta de Leavell e Clarck do modelo da história natural da doença (evolução natural da doença). 19UNIDADE 1 Quadro 1 - Modelo da História Natural da Doença Período pré-patogênese Patogênese precoce Patogênese avançada Recuperação, incapacidade ou morte Interação entre agente e hospedeiro Doença subclínica Horizonte clínico Alterações celulares Doença com manifes- tação clínica Ultrapassagem do ho- rizonte clínico Prevenção primária Prevenção secundária Prevenção terciária Promoção à saúde Proteção específica Diagnóstico Precoce Limitação do dano Reabilitação Fonte: Meneghel (2015). O modelo pressupõe que toda doença tem um percurso natural de pré-patogênese, patogênese e de recuperação, e que, para cada momento da história natural da doença, preconiza ações sanitárias que correspondem aos três níveis de prevenção: primário, secun- dário e terciário (MENEGHEL, 2015). No período pré-patogênico, os agentes causadores de doenças e o indivíduo vivem em equilíbrio com o ambiente. No perío- do patogênico, inicialmente, não há sinais e sintomas da doença, também chamado de período de incubação, só então aparecem as manifestações clínicas da doença, que podem evoluir para re- cuperação, incapacidade ou morte. As intervenções nos diferentes estágios da doença são chama- das de prevenção primária, secundária e terciária e têm como obje- tivo prevenir doenças ou seu agravamento. As ações de prevenção primária podem ser medidas gerais e educativas de resistência e bem-estar geral dos indivíduos; as de prevenção secundária buscam a redução de fatores de risco; e as de prevenção terciária reduzem e intervêm nas sequelas de doenças. A crítica a esse modelo se dá pelo fato dele não considerar os efeitos positivos e negativos das condições de vida e de trabalho e a inserção social dos indivíduos nos níveis de saúde da população, o que reduz o conceito de saúde como estritamente biológico, ig- norando a dimensão social que envolve o processo saúde-doença (MENEGHEL, 2015). 20 Saúde e Doença - uma Perspectiva Atualizada O Modelo de Promoção à Saúde Com as mudanças ocorridas na sociedade pós- -guerra, os estudiosos descreveram um fenômeno denominado de transição demográfica e epidemio- lógica no mundo todo. Tal fenômeno apontou para incapacidade do Modelo da história natural da doença dar expli- cações para várias doenças e agravos, como as doenças crônicas, os acidentes, a crescente violên- cia, entre outros. Diante disso, diversas propostas foram elaboradas no sentido de buscar uma visão e atenção mais integral da saúde. Discussões acerca do tema “saúde integral” foram realizadas no cenário Internacional. A Conferência realizada em Alma-Ata, em 1978, éconsiderada um marco para a discussão de uma visão de saúde integral, pois reconhece, em seu relatório, que a saúde é um direito; também vale destacar a I Conferência Internacional de Pro- moção à Saúde, realizada no Canadá, em 1986, que redigiu a Carta de Otawa, a qual propõe um conceito amplo de saúde, relacionando-a ao bem- -estar dos indivíduos e na ampla causalidade do processo saúde doença, em que a saúde é consi- derada um recurso para a vida e não objetivo de vida (WESTPHAL, 2012). Em uma visão ampliada da saúde, considera-se os fatores socioambientais na produção e determi- nação da saúde e da doença, sendo que a promoção à saúde prevê uma visão holística e socioambiental do mesmo processo, colocando-se como uma prática emancipatória e um imperativo ético, com foco no cidadão, na família, na coletividade, nas condições de vida, nas iniquidades e potencialidades do territó- rio em que vivem e trabalham (WESTPHAL, 2012). A teoria da transição epidemiológica, proposta por Omran (1971), foca nas complexas mudanças dos padrões saúde-doença e nas interações entre eles, determinantes demográficos, econômicos e sociais, e suas consequências. As ideias a seguir destacam em sua teoria: I. O processo de mudanças nos padrões de mortalidade e adoecimento são longos, as pandemias por doenças infecciosas são gradativamente substituídas pelas doenças degenerativas e agravos. II. As mais profundas mudanças nos padrões de saúde-doença ocorrem nas crianças e nas mu- lheres jovens. III. As mudanças são fortemente associadas às transições demográfica e socioeconômica que cons- tituem o complexo da modernização. IV. As variações peculiares no padrão, no ritmo, nos determinantes e nas consequências das mu- danças na população diferenciam três modelos básicos de transição epidemiológica: o modelo clássico ou ocidental, o modelo acelerado e o modelo contemporâneo ou prolongado. Fonte: Duarte e Barreto (2012). 21UNIDADE 1 Quadro 2 - Visão socioambiental da saúde, determinantes e estratégias e programas de saúde Conceitos de saúde Bem-estar biopsicossocial. Necessidades de saúde. Determi- nantes de saúde Condições de riscos diversas. Estratégias Ação política, espaços sau- dáveis, empoderamento da população, desenvolvimento de habilidades e reorientação de serviços. Desenvol- vimento de progra- mas Comunidade em diálogo crítico com profissionais e agências. Fonte: Westphal (2012). A agenda 2030 da ONU prevê 17 medidas para a transformação do mundo, a terceira trata da saúde - Assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todos, em todas as idades. A promoção de saúde é considerada uma estra- tégia fundamental para enfrentar as iniquidades sociais e de saúde. Juntamente com outras 16 medidas, dando a ideia de um conceito ampliado de saúde. (Organização das Nações Unidas) 22 Saúde e Doença - uma Perspectiva Atualizada Fatores Condicionantes e Determinantes do Processo Saúde-Doença Porque as pessoas adoecem? Desde as primeiras investigações acerca da saú- de de grupos e populações, foi possível identificar as diferenças sociais existentes das condições de vida e da situação de trabalho, dentre estas destacam-se Engels, que investigou os trabalhadores ingleses; Snow, que descobriu a cólera em Londres; Louis, trabalhadores na França; e Virchow, o Tifo na Si- lésia, ressaltando o excesso de risco de adoecer e morrer entre as camadas mais pobres da população (BARATA, 2012). Na América Latina, estudos sobre desigualdades sociais e saúde são recentes, datam da segunda meta- de do século XX, surgindo devido às consequências da globalização sobre as condições de vida e a situa- ção de saúde dos povos sob a ótica da exclusão social. O Processo Saúde Doença – está diretamente atrelado à forma como o ser humano, no decor- rer de sua existência, apropria-se da natureza para transformá-la, buscando o atendimento às suas ne- cessidades, representando um conjunto de relações e variáveis que produz e condiciona o estado de saúde e doença de uma população, que se modifica nos diversos momentos históricos e do desenvol- vimento científico da humanidade; não sendo um 23UNIDADE 1 conceito abstrato, ele varia segundo a época em que vivemos, assim como os interesses dos diversos grupos sociais (GUALDA; BERGAMASCO, 2004). Diante disso, é necessário conhecer os determinantes mais complexos do comportamento humano, além das condições materiais de vida, para que seja possível a efetivação das práticas de promoção e prevenção da saúde e a diminuição das desigualdades, visto que o Brasil ocupa a 11ª posição entre os lugares mais desiguais do mundo (COMISSÃO NACIONAL, 2008, on-line)2. Redes Sociais e Comunitárias Idade, Sexo e Fatores hereditários Produção Agrícola de Alimentos Educação Ambiente de Trabalho Condições de Vida e de Trabalho Desemprego Água e Esgoto Serviços Sociais de Saúde Habitação Condiçõ es Socioeconômicas, Culturais e Ambientais e Gerais Es tilo s de Vida dos Indivíduos Idade, Sexo e Fatores hereditários Produção Agrícola de Alimentos Educação Ambiente de Trabalho Condições de Vida e de Trabalho Desemprego Água e Esgoto Serviços Sociais de Saúde Habitação Figura 1 - Modelo de determinação social da saúde proposto por Dahlgren e Whitehead Fonte: Comissão Nacional (2008, on-line)2. Há uma vasta literatura sobre aspectos concei- tuais e modelos de referência relacionados aos de- terminantes sociais e iniquidades em saúde. A Comissão Nacional de Determinantes So- ciais de Saúde os define como “fatores sociais, eco- nômicos, culturais, étnicos/raciais, psicológicos e comportamentais que influenciam a ocorrência de problemas de saúde e seus fatores de risco na população” (BUSS; PELLEGRINI FILHO, 2007, p. 78). E adotou o modelo de determinação social da saúde proposto por Dahlgren e Whitehead (WESTPHAL, 2012). Desigualdades sociais em saúde Diferença na inserção social dos indivíduos, re- partição do poder e propriedade. Positiva = valores de cooperação e solidariedade. Negativa = exploração, dominação e produção de doença. (Rita Barradas Barata) O modelo entende que a saúde compreende três dimensões: a biológica, a social e cultural (BA- RATA, 2012). A dimensão biológica compreende as caracte- rísticas biológicas marcadas pela interação genó- tipo-fenótipo, ou seja, a genética e a modulação das potencialidades são herdadas pelas condi- ções concretas da existência que irão resultar nas manifestações fenotípicas, como a idade/sexo e fatores hereditários X estilo de vida. Na dimen- são social, inclui os grupos sociais e as formas de consciência e condutas resultantes de suas interações, bem como a forma de constituição dessas comunidades. 24 Saúde e Doença - uma Perspectiva Atualizada A dimensão cultural inclui as condições de vida e de trabalho e suas formas de organização que compreende as condições socioeconômicas, culturais e ambientais gerais. O relatório da Comissão Nacional de determi- nantes sociais de saúde (COMISSÃO NACIONAL, 2008, on-line)2, ao analisar a situação de saúde de uma população, relacionando os Determinantes sociais de saúde, considera os seguintes itens: 1. Situação e tendências da evolução de- mográfica, social e econômica do país: traça um panorama geral de referência para a análise da situação de saúde, des- crevendo a evolução desses macrodeter- minantes, particularmente nas últimas quatro décadas. Inclui dados sobre cresci- mento populacional, fecundidade, morta- lidade, migrações, urbanização, estrutura do mercado de trabalho, distribuição de renda e educação. 2. A estratificação socioeconômica e a saú- de: apresenta a situação atual e tendências da situação de saúde no país, destacando as desigualdades de saúde segundo va- riáveis de estratificação socioeconômica, como renda, escolaridade, gênero e local de moradia. 3. Condições de vida, ambiente e traba- lho: apresenta as relações entre situação de saúde e condições de vida, ambientee trabalho, com ênfase nas relações entre saneamento, alimentação, habitação, am- biente de poluição, acesso à informação e serviços de saúde e seu impacto nas con- dições de saúde dos diversos grupos da população. 4. Redes sociais, comunitárias e saúde: inclui evidências sobre a organização co- munitária e redes de solidariedade e apoio para a melhoria da situação de saúde, des- tacando, particularmente, o grau de de- senvolvimento dessas redes nos grupos sociais mais desfavorecidos. 5. Comportamentos, estilos de vida e saú- de: inclui evidências existentes no Brasil sobre condutas de risco, como hábito de fumar, alcoolismo, sedentarismo, die- ta inadequada, entre outros, segundo os diferentes estratos socioeconômicos da população. 6. Saúde materno-infantil e saúde indí- gena: por sua importância social e por apresentarem necessidades específicas de políticas públicas, são dedicadas seções especiais sobre saúde materno-infantil e saúde indígena. Além disso, podem ser incluídos: saúde e am- biente nas grandes cidades; seguridade social e saúde; cultura e promoção da saúde; distribuição, acesso e utilização de serviços de saúde em áreas urbanas; violência e saúde; iniciativas comunitá- rias de promoção e proteção da saúde; desempre- go e saúde, entre outros. A COMISSÃO NACIONAL SOBRE OS DETERMINANTES SOCIAIS DA SAÚDE foi criada, em 2006, para produção de conhecimentos e informações sobre os determinantes sociais e de saúde (DSS), bem como revisão e análise de políticas e programas de intervenção sobre os DSS e comunicação sobre a importância e possibilidades de atuação sobre eles. Fonte: Comissão Nacional (2008, on-line)2. 25UNIDADE 1 Os Principais Determinantes Sociais de Saúde no Brasil E a saúde do Brasil, como vai? A situação de saúde, vida e trabalho da po- pulação brasileira vem passando por grandes transformações nas quatro últimas décadas, in- fluenciadas pelas mudanças econômicas, sociais e demográficas ocorridas no país, é o que mostra o Relatório elaborado pela Comissão Nacional sobre os Determinantes Sociais da Saúde. A seguir, elaboramos uma síntese com base no Relatório, destacando os principais aspec- tos que marcam a evolução demográfica, social e econômica relacionadas à saúde, questões de vida, ambiente e trabalho, as redes sociais e o comportamento e estilo de vida dos brasileiros, agrupados em três grandes itens: 1) Tendências demográfica, social e econômica; 2) Redes socias, e 3) Condições de vida e de saúde (COMISSÃO NACIONAL, 2008, on-line)2. 26 Saúde e Doença - uma Perspectiva Atualizada 1. Tendências demográficas, social e econômica A urbanização foi apontada como um fator impor- tante de mudanças, em que, a partir da década de 70, influenciada pela industrialização, promoveu mudanças no setor econômico e na forma de viver das pessoas que, saindo do campo para viver na ci- dade, buscavam trabalho e melhores condições de vida; no entanto, a oferta de infraestrutura e servi- ços urbanos não acompanhou a grande demanda, a tal ponto que, em 1980, havia 38,2 milhões de moradores em domicílios urbanos inadequados. O PIB per capita passou de 2.060 dólares, em 1960, para 5.250, em 2000 e 5.720, em 2006. En- tretanto, esse extraordinário aumento da riqueza produzida e a modernização da economia não significaram melhoria na distribuição e urbaniza- ção; o crescimento do transporte e das indústrias, assim como a expansão da fronteira agrícola, cria- ram as condições propícias para uma permanente exposição de contingentes populacionais, pro- gressivamente maiores à poluição atmosférica e dos corpos hídricos. Alterações na fecundidade: a taxa média geo- métrica de crescimento anual da população pas- sou de 2,89%, no período 1960/1970, para 1,64%, no período 1991/2000. A taxa de fecundidade, que se mantinha estável desde 1940, passou a cair de maneira acelerada a partir de 1960. Envelhecimento da população e aumento da expectativa de vida: a proporção de jovens de 0 a 14 anos que era de 42,6%, em 1960, passou para 30%, em 2000, e deverá atingir 18% em 2050, en- quanto que a de idosos maiores de 65 anos, que era de 2,7%, em 1960, passou para 5,4%, em 2000, e no ano de 2050 deverá superar a de jovens, al- cançando 19%. Quanto à esperança de vida ao nascer, houve um ganho de mais de 20 anos, entre 1960 e 2006, para o Brasil como um todo. O valor de 72,4 anos, em 2006, é 9 anos inferior ao do Japão, país com a maior expectativa de vida ao nascer em todo o mundo. O crescimento rápido do peso relativo dos ido- sos tem um impacto importante na economia e na sociedade, obrigando a definição de políticas públicas que possam fazer frente a esse fenômeno sem paralelo na experiência mundial. O Brasil gasta 7% do Produto Interno Bruto (PIB) em saúde, cerca de 530 dólares per capita, abaixo de Argentina (US$ 1.045), Chile (US$ 827) e Uruguai (US$ 781), para citar alguns países do Cone Sul. 2. Redes sociais Diversos estudos mostram que não são as socie- dades mais ricas que possuem melhores níveis de saúde, mas as que são mais igualitárias e com alta coesão social. Nessas sociedades, as pessoas são mais envolvidas com a vida pública, vivem mais, são menos violentas e avaliam melhor sua própria saúde. Um importante indicador da riqueza do ca- pital social é relação de confiança entre as pes- soas. Segundo dados da Pesquisa Social Brasileira (PSB), que realizou 2.363 entrevistas entre julho e outubro de 2002, as relações de confiança, no Brasil, são extremamente débeis, praticamente limitando-se à confiança em familiares; enquanto 84% das pessoas confiam na família, apenas 15% confiam na maioria das pessoas. 3. Condições de vida e de saúde Os índices de cobertura dos serviços de água e esgoto, no período de 1999 a 2004, têm aumentado. Entretanto, enquanto nas regiões Sul e Sudeste, res- pectivamente, 83% e 91% da população estava co- berto pela rede geral de abastecimento de água, na região Norte, a cobertura desses serviços alcançava apenas 54,8% da população, e no Nordeste 72%. Es- 27UNIDADE 1 tudos apontam para o fato que 53% da população brasileira ainda não teria acesso a um saneamento adequado, e no atual ritmo de ampliação do acesso à universalização só se daria em 115 anos. Quanto à educação, em 1940, 56% da popula- ção brasileira era analfabeta, percentual que cai para 40%, em 1960, e 13,6%, no ano 2000. No nível fundamental, a cobertura é quase universal, en- tre 7 a 14 anos em todas as regiões, tanto na área urbana como rural; já no ensino médio, a taxa de frequência entre 15 a 17 anos ainda é bastan- te baixa para o Brasil como um todo; no ensino superior, é possível observar que quanto maior a renda, maior é o acesso ao ensino superior público em todas as regiões. Os efeitos do nível de instrução se manifestam das mais diferentes formas: na percepção dos problemas de saúde; na capacidade de entendi- mento das informações sobre saúde; na adoção de estilos de vida saudáveis; no consumo e uti- lização dos serviços de saúde; e na adesão aos procedimentos terapêuticos. O acesso equitativo aos serviços de saúde é de grande importância para a qualidade de vida e de saúde de um país; os números do SUS impressio- nam pela magnitude. No ano de 2005, foram reali- zadas cerca de 450 milhões de consultas médicas; 11,8 milhões de internações; 2,6 milhões de partos; 250 milhões de exames laboratoriais; 40 milhões de vacinações; 80 mil cirurgias cardíacas e 20 mil transplantes de órgãos. O Programa de saúde da família, iniciado em 1994, conta, em 2008, com cerca de 27,5 mil equi- pes (mais de 150 mil profissionais) atuando em 5.131 municípios (92% do total de municípios brasileiros, com cobertura de 44% da população). O Programa Nacional de Imunização (PNI) al- cançou uma cobertura praticamente universal em menores de um ano de idade, a partir de 1999, quando chegou a 94,7%, enquanto que, em 1978, atingia somente 40% das crianças. No entanto, o relatórioaponta que, apesar des- ses inegáveis avanços na produção de serviços e dos princípios de universalidade e equidade que regem o SUS, ainda se observam importantes de- sigualdades na oferta de recursos e serviços, assim como uma forte influência da posição social dos indivíduos no acesso, utilização e qualidade dos serviços de saúde. Quanto à situação de saúde, a taxa de mor- talidade infantil (TMI), que era de 124 óbitos no primeiro ano de vida para cada mil nascidos vivos, em 1960, caiu para 48,3, em 1990; 35,26, em 2000; e 25,1, em 2006. A proporção de mortes de menores de um ano de idade, sobre o total de óbitos, reduziu-se de 24%, em 1980, para 5%, em 2005, variando de 11,3%, na Região Norte, a 3,4%, na Região Sul. Em 2003, 58% dos óbitos informados ocorreram na faixa de 60 ou mais anos de idade, com variações de 43%, na Região Norte, a 62%, na Região Sul. Quanto à mortalidade masculina e a feminina, entre 1960 e 2006, a sobremortalidade masculina cresceu acentuadamente, principalmente na faixa dos 20 aos 24 anos de idade: em 1960, a chance de um homem com 20 anos de idade morrer antes de passar para o grupo etário seguinte (25 a 29 anos) era 1,1 vez maior que a de uma mulher do mesmo grupo etário. Em 2006, a chance masculina, na mesma com- paração com a chance feminina, no mesmo grupo etário (20 a 24 anos), aumentou para 4,1 vezes. A principal causa do aumento da sobremortalidade masculina são os óbitos por causas externas (ou violentos). Nas regiões Sudeste e Sul, pela primeira vez, a mortalidade por doenças cardiovasculares superou a mortalidade por doenças infecciosas, o que viria a ocorrer nas Regiões Norte, Nordeste e Centro- -Oeste duas décadas depois, durante os anos 80. Observa-se um processo de transição nutri- cional, que consiste na substituição de um pa- 28 Saúde e Doença - uma Perspectiva Atualizada drão alimentar, baseado no consumo de cereais, feijões, raízes e tubérculos, por uma alimentação mais rica em gorduras (especialmente hidroge- nadas) e açúcares, além da crescente ingestão de ingredientes químicos, aumentando o risco de sobrepeso e obesidade, aparecimento de doenças crônicas e incapacidades. Os fatores relacionados a comportamentos e estilos de vida, como tabagismo, baixo consumo de frutas, de legumes e de verduras e o consumo de álcool são os principais fatores de risco para morte por câncer em países de baixa e média ren- da, o que é o caso brasileiro. Estima-se que o tabagismo seja responsável por 18% das mortes por câncer; o baixo consumo de frutas, legumes e verduras por 6%; e o consumo de álcool por 5%. A saúde do trabalhador também é uma preo- cupação, pois os problemas de saúde dos traba- lhadores estão intimamente relacionados com o grau de desenvolvimento alcançado por um país ou uma região. A esses problemas se associam o deteriora- mento das condições de trabalho e crescentes da- nos ambientais. Os acidentes de trabalho são um dos subprodutos dessas tendências, juntamente com uma grande carga de doenças profissionais e doenças relacionadas ao trabalho, cujas con- sequências contribuem para o agravamento dos problemas sociais que o país enfrenta. No Brasil, verifica-se a presença de algumas doenças já controladas em países desenvolvidos, como a silicose e outras pneumoconioses, enve- nenamento por chumbo, asbestose, síndrome do túnel do carpo, doenças dermatológicas causadas por compostos químicos, além dos sintomas e desordens mentais relacionadas ao stress, como a síndrome do Burnout. A poluição também é uma preocupação, devi- do aos efeitos adversos sobre a saúde das popula- ções expostas. Estima-se que o número de mortes causadas por problemas decorrentes da poluição atmosférica no mundo é de cerca de 3 milhões por ano, o que representa 5% do total de 55 milhões de mortes que ocorrem anualmente no mundo. Em algumas populações, cerca de 30% a 40% dos casos de asma e 20% a 30% de todas as doenças respiratórias podem ser relacionadas à poluição atmosférica. Outros efeitos referem-se a perdas econômicas, aumento no absenteísmo escolar, dias de trabalho perdidos e nebulizações. Busque saber sobre os membros da Comis- são Nacional de Determinantes Sociais de Saú- de (CNDSS) e reflita sobre a importância da diversidade de olhares sobre os determinantes de saúde. Para saber mais e se inteirar, acesse o relatório da comissão nacional sobre os determinantes sociais da saúde, intitulado “As causas sociais das iniquidades em saúde no Brasil”. Fonte: Comissão Nacional (2008, on-line)2. 29UNIDADE 1 É possível observar as mudanças ocorridas nas condições de vida e de saúde da população bra- sileira, condicionadas aos fatores econômicos, socioculturais e políticos, ao longo dos anos. Agora, quando tomamos como foco os servi- ços de saúde no Brasil, é possível observar mudan- ças significativas no decorrer dos anos, do mesmo modo, influenciados por fatores econômicos, so- cioculturais e políticos. Diversos autores fazem análises e escrevem sobre o sistema de saúde brasileiro, mas tomamos por referência a análise de Carvalho, Martin e Cordoni Jr (2001), os quais identificaram quatro tendências: Sanitarismo Campanhista, período de Transição, Modelo médico assistencial privatista e o Modelo plural. Vejamos um pouco de cada uma dessas ten- dências. Organização dos Serviços de Saúde no Brasil 30 Saúde e Doença - uma Perspectiva Atualizada 1. Sanitarismo Campanhista Tal tendência vigorou no país do início do século XX até 1945 e recebeu esse nome porque tinha, nas campanhas sanitárias, sua principal estratégia de saneamento. O Brasil tinha sua economia baseada na agri- cultura e na exportação do café; o comércio e o es- paço nos portos era prioridade, devendo ser livre de doenças e saneados. Devido a isso, o sistema de saúde adotado foi o modelo das campanhas sanitá- rias, com foco no combate das endemias urbanas e rurais. A assistência individual era privada, hospitalar com caráter de assistência social e as Santa Casas de Misericórdia atendiam quem não podia pagar. Em 1923, com a Lei Elói Chaves, surge a as- sistência previdenciária no país e a criação das Caixas de Aposentadoria e Pensão nas empresas de estradas de ferro para os empregados, as quais ofereciam benefícios de aposentadorias e pen- sões, assistência médica e farmacêutica; logo em seguida, os portuários e marítimos criaram seus Institutos de Previdência, nascendo uma nova estrutura de previdência social por categoria de trabalhadores, denominadas de Institutos de Apo- sentadorias e Pensão (IAP). Em 1930, o ministério da Educação e Saúde passa a coordenar as ações de saúde coletiva. 2. Período de Transição Esse período é compreendido entre 1945 a 1960, marcado pelo pós-guerra e a crise previdenciária. Nesse período, a previdência social passa a ter grande importância e a ser utilizada como instru- mento político; também foi nesse período que o Ministério da Saúde foi criado (1953). Ocorre, também, a unificação dos Institutos (IAPs), em 1967, e a criação do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), marcada pela exclusão de trabalhadores e empregados da gestão pela cres- cente influência da indústria farmacêutica, médico hospitalares e os proprietários de hospitais. 3. Modelo médico assistencial privatista O modelo médico assistencial privatista marca o período entre 1960 a 1980, caracterizado pela prá- tica médica curativa, individual, assistencialista e especializada em detrimento da saúde pública e a criação com intervenção estatal de um comple- xo médico privado, organizando o estado como financiador, o setor privado nacional como pres- tador de serviços e o setor privado internacional como produtor de insumos. O Brasil vivia o período da ditadura militar, marcado por atos institucionais e decretos pre- sidenciais de cunho arbitrário e que alteravam direitos de cidadania, informação, organização social e política. A saúde, que estava ligadaà assistência social, tem sua ampliação na década de 70, com a cober- tura para os trabalhadores rurais, as empregadas domésticas e os trabalhadores autônomos domés- ticos. Em 1974, cria-se o Ministério da Previdência e Assistência Social, que atua no atendimento mé- dico assistencial individualizado e o Ministério da Saúde se volta ao atendimento coletivo e vigilância sanitária. Com a crise econômica no final da década de 70, foi impulsionado o Movimento da Reforma Sanitária que discutia reformas nas políticas de saú- de, surgindo as ideias de medicina comunitária e o conceito de Atenção Primária à Saúde (OMS). O Movimento da Reforma Sanitária ajuda a fortalecer o processo de Transição democrática, ocorrido em 1984 com a 8° conferência Nacional de Saúde, em 1986, em que se discutiu a criação do Sistema Único de Saúde (SUS) e culminou com sua promulgação na Constituição em 1988. 31UNIDADE 1 4. Modelo plural A partir de 1988, o Sistema Único de Saúde (SUS) foi incluído ao sistema de saúde brasileiro privado, garantindo acesso universal e igualitário às ações e serviços de saúde a todos os brasileiros, colocando a saúde como direito de todos e dever do estado. O setor lucrativo privado de atenção médica supletiva, que iniciou-se em 1954, fortalece na dé- cada de 80 pela precariedade dos serviços públicos, criando, assim, a medicina de grupo, as cooperati- vas médicas, e os seguro saúde. Regulamentados e fiscalizados pelo Estado, aliado ao setor não lu- crativo, as instituições filantrópicas (Santas Casas) configuram o sistema de saúde atual brasileiro. Em síntese, gostaria de trazer o pensamento de Cohn (2012) acerca da política de saúde brasileira, o qual considera que tanto sua configuração e implementação são processos complexos de jo- gos de interesses e valores múltiplos existentes na sociedade e que, em nossa sociedade desigual, as políticas sociais e de saúde devem priorizar os segmentos socialmente mais vulneráveis, com a lógica da universalização, integralidade e da equi- dade da atenção à saúde, o que depende tanto da vontade política dos governantes quanto da sociedade, para que os direitos sociais se consti- tuam como uma realidade marcada com maior justiça social. Ao prestar a assistência ao indivíduo, à família ou à comunidade, deve ser considerado quem é ou quem são os usuários, como se apresentam na situação de necessidade de saúde, seus direitos, deveres, valores e prerrogativas. O ser humano é complexo e não há como abranger sua totalidade por uma única definição. Mesmo que a pessoa seja considerada um ser biopsicossocial e espiritual, não consegue expressar toda sua individualidade e singularidade. Os profissionais da saúde apren- dem sobre estrutura e função humana por meio do estudo da anatomia, da fisiologia, da psicolo- gia, da sociologia e da patologia, além das várias maneiras de assistir, de abordar e se relacionar profissionalmente com o indivíduo, a família ou a comunidade. Para saber mais da história do sistema brasileiro de saúde, leia o texto de Paim et al(2011) “O sistema de saúde brasileiro: história, avanços e desafios”, disponível em: <http://download. thelancet.com/flatcontentassets/pdfs/brazil/ brazilpor1.pdf>. Acesso em: 19 out. 2018. O artigo, publicado em 2011 pelo periódico The Lancet, faz parte de uma série de publicações que analisam as melhorias nas condições de saúde e na expectativa de vida da população brasileira. Nesse artigo, é apresentado um panorama das principais conquistas e desafios relativos às políticas públicas de saúde no Brasil, com especial destaque ao Sistema Único de Saúde (SUS). 32 Saúde e Doença - uma Perspectiva Atualizada Não podemos nos esquecer de que o am- biente é o local onde a pessoa se encontra com as coisas ao seu redor e que exercem nela in- fluências, afetando-a de várias maneiras. É ne- cessário compreender as condições impostas como passíveis de interferência e atentar para não culpar os indivíduos quando tais condições forem insalubres e interferirem em seu estilo de vida. Trabalhar com as condições de vida impostas requer um trabalho interdisciplinar e intersetorial. A área da saúde, sozinha, não consegue assegurar qualidade de vida e, conse- quentemente, de saúde. É na esfera da ética que compreenderemos a necessidade do empenho de parte significativa da sociedade para assegu- rar a dignidade da vida humana. Cabe aos profissionais da saúde rever em sua prática, buscando entender que não basta traba- lhar com as doenças, é necessário compreender o indivíduo no todo como alguém que vive a ex- periência da necessidade, do adoecimento, carre- gada de valores e significados subjetivos, únicos, capazes de interferir na qualidade do cuidado prestado. Assim, resta-nos, como profissionais da saúde, enfrentar o desafio de construir estratégias para conceber a saúde no âmbito da atenção bá- sica de forma mais solidária e menos punitiva na convivência com os estilos de vida individuais. 33 1. O grande desafio do conceito ampliado de saúde é a operacionalização de suas particularidades pelos trabalhadores da saúde, em especial aqueles que lidam diretamente com a população. Diante disso, em relação às premissas a seguir, assinale a alternativa que possibilita a concretude e expressão do conceito nas práticas cotidianas dos serviços. a) Criando ambientes favoráveis à saúde, reforçando a ação comunitária, aumen- tando o número de serviços de saúde. b) Reforçando a ação comunitária, desenvolvendo habilidades pessoais e forman- do um maior número de profissionais de saúde. c) Criando ambientes favoráveis à saúde, reforçando a ação comunitária, desen- volvendo habilidades pessoais. d) Reforçando a ação comunitária, educando a população e formando um maior número de profissionais de saúde. e) Aumentando o número de serviços de saúde, formando mais profissionais de saúde e criando ambientes favoráveis à saúde. 2. Procure uma música ou um filme que traga uma percepção da situação de saú- de ou noção de saúde, ou que retrate a “cara” da sociedade em que vivemos, registre em seu caderno e justifique a escolha com base nos determinantes sociais de saúde. 3. De acordo com a Visão Socioambiental da saúde, descreva o conceito de saúde, seus determinantes, as estratégias e os programas de saúde. 4. Explique o modelo de determinação social da saúde proposto por Dahlgren e Whitehead. 5. Qual a crítica ao Modelo Plural de saúde brasileiro? Você pode utilizar seu diário de bordo para a resolução. 34 Tratado de Saúde Coletiva Gastão Wagner de Sousa Campos Editora: Hucitec Sinopse: o livro apresenta um panorama dos principais assuntos de que se ocupa a saúde coletiva, estabelecendo um diálogo com docentes e discentes de graduação e pós-graduação das profissões de saúde. LIVRO Visite o portal da saúde do Ministério da Saúde. Você encontrará: Blog da saúde, Web rádio saúde e Canal saúde, que contribuem com informações e notícias sobre a saúde, aberto a todos os cidadãos, trabalhadores e gestores de saúde e Ministério da Saúde. Para acessar, use seu leitor de QR Code. WEB 35 Políticas de saúde no brasil: Um século de luta pelo direito à saúde Ano: 2006 Sinopse: O documentário conta a história das políticas de saúde em nosso país, mostrando como ela se articulou com a história política brasileira, destacando os mecanismos que foram criados para sua implementação, desde as Caixas de Aposentadorias e Pensões até a implantação do SUS. Sua narrativa central mostra que a saúde era considerada, no início do século XX, um dever da po- pulação, com as práticas sanitárias implantadas autoritariamente pelo Estado, de modo articulado aos interesses do capital, e como, no decorrer do século, por meio da luta popular, essa relação se inverteu, passando a ser considerada, a partir da Constituição de 1988, um direito do cidadão e um dever do Estado. Toda essa trajetória é contada por meio de uma narrativa ficcional, vivida por atores,com reconstrução de época, apoiada por material de arquivo. Para tor- nar a narrativa mais leve e atraente, o filme se vale da linguagem dos meios de comunicação dominantes em cada época, como o jornal, o rádio, a TV Preto e branco, a TV colorida e, por fim, a internet. O filme foi realizado por iniciativa da Secretaria de Gestão Estratégica e Partici- pativa, do Ministério da Saúde, em parceria com a Organização Pan-Americana da Saúde - OPAS e a Universidade Federal Fluminense/UFF. A obra, de caráter formativo, terá distribuição gratuita em todo o país, dirigida especialmente aos Conselhos de Saúde, instituições de ensino e movimentos sociais ligados à saúde. Estimula-se que o filme seja utilizado nas etapas municipais e estaduais da 13ª Conferência Nacional de Saúde. Uma versão legendada em espanhol e inglês está sendo discutida com a OPAS, para divulgação junto a países da América Latina, Caribe e África, que buscam no SUS uma referência. O documentário é composto por 5 capítulos, que podem ser assistidos em sequência, com 60 minutos de duração, ou separadamente; cobrindo os seguintes períodos: 1900 a 1930; 1930 a 1945; 1945 a 1964; 1964 a 1988; e 1988 a 2006. FILME 36 BACKES, M. T. S. et al. Conceitos de saúde e doença ao longo da história sob o olhar epidemiológico e antro- pológico. Rev. enferm. UERJ, v. 17, n. 1, 2009. BARATA, R. B. Desigualdades sociais e saúde. In: CAMPOS, G. W. S. et al. Tratado de saúde coletiva. São Paulo: Hucitec, 2012. BATISTELLA, C. et al. O território e o processo saúde-doença. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2007. BUSS, P. M.; PELLEGRINI FILHO, A. A saúde e seus determinantes sociais. Physis, v. 17, n. 1, p. 77-93, 2007. CARVALHO, B. G.; MARTIN, G. B.; CORDONI JR., L. A organização do sistema de saúde no Brasil: Bases da saúde coletiva. Londrina: Ed. UEL, 2001. COHN, A. O estudo das políticas de saúde-implicações e fatos. In: CAMPOS, G. W. S. et al. Tratado de saúde coletiva. 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A dimensão biológica compreende as características biológicas marcadas pela interação genótipo-fenótipo, ou seja, a genética e a modulação das potencialidades são herdada pelas condições concretas da existência que irão resultar nas manifestações fenotípicas, como exemplo, a idade/sexo e fatores hereditários X estilo de vida. Na dimensão social, inclui os grupos sociais e as formas de consciência e condutas resultantes de suas interações, bem como a forma de constituição dessas comunidades. A dimensão cultural inclui as condições de vida e de trabalho, suas formas de organização que compreende as condições socioeconô- micas, culturais e ambientais gerais. 5. “E um sistema público de saúde dual, políticas de saúde centralizadas e verticalizadas, tradição histórica da saúde vinculada ao mercado de trabalho, o sistema privado prestador com origem na década de 20 como fruto da política previdenciária, distribuição de equipamentos de saúde altamente desigual, modelo de atenção comandado pela lógica médica e hospitalocêntrico, duplo comando da previdência social que prestava serviços de assistência à saúde e o Ministério da Saúde relativos a ações coletivas, dualidade na assistência dos trabalhadores por categorias (década de 30), e na diferenciação do acesso segundo a posição no mercado de trabalho (década de 70), herança de um setor privado de produção de assistência médica que se constituiu sob as sombras e financiamento do Estado”. 38 39 40 PLANO DE ESTUDOS OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM • Conhecer brevemente a história que antecedeu o SUS. • Identificar os interesses, conflitos e necessidades sociais que deram origem ao SUS. • Conhecer os objetivos e princípios do SUS. • Descrever as diretrizes contidas nos pactos intergestores: Pacto pela vida, Pacto em defesa do SUS e Pacto de gestão. • Compreender o conceito de rede de atenção e seus com- ponentes. Antecedentes do SUS O processo de construção do SUS Pactos pela saúde Redes de atenção à saúdeEntendendo o SUS Dra. Marcela Demitto Furtado História da Saúde Pública no Brasil Antecedentes do SUS Olá, caro(a) aluno(a). Já demos o primeiro passo na compreensão do processo saúde-doença quan- do estudamos, na unidade anterior, um pouco sobre alguns conceitos, os fatores determinantes e condicionantes do processo saúde-doença e a realidade brasileira, bem como os modelos de Atenção à Saúde. Para compreendermos um pouco mais como esse processo se dá na atualidade, é fundamen- tal resgatarmos um pouco de história, afinal, to- dos nós somos frutos de um passado e de uma história, sofremos influências ao longo da vida, fazemos escolhas, e tudo isso contribuiu para a formação da pessoa que somos hoje. Da mesma forma, o setor saúde também foi construído com base na história. O contexto po- lítico-social, a economia, o desenvolvimento da ciência e pesquisa e a situação geral do Brasil, bem como acontecimentos a nível mundial, ao longo dos anos, refletiram diretamente na saúde e cons- trução das políticas públicas. 43UNIDADE 2 Nesta unidade, estudaremos a história e a evo- lução da saúde pública no Brasil, destacando a cria- ção do Sistema Único de Saúde (SUS), que é um dos maiores sistemas públicos de saúde do mundo. Abordaremos seus objetivos e suas diretrizes fi- losóficas e organizativas, bem como as reformas institucionais que deram origem aos Pactos pela Saúde, além de discutirmos sobre as mudanças no modelo de atenção com a implantação das Redes de Atenção à Saúde. O conhecimento adquirido aqui será funda- mental para a compreensão das demais unidades, além de permitir uma visão mais ampliada e crítica sobre a organização dos serviços de saúde no Brasil, contexto no qual o profissional da saúde irá atuar. Vamos, então, mergulhar nessa linha do tempo, buscando entender um pouco mais desse uni- verso tão vasto de informações no contexto da Saúde Pública. Para conhecer a história da saúde no Brasil pre- cisamos entender um pouco da história do nosso país, já que os acontecimentos sociais, políticos e econômicos refletiram diretamente na construção da saúde pública. Como é de conhecimento de todos,em meados de 1500, a saúde retratava a brutalidade imposta pela colonização portuguesa: abandono social do homem livre, extermínio de bandeirantes e civili- zações indígenas, escravidão dos negros africanos, os quais viviam em senzalas, sob tortura e sem con- dições mínimas de higiene. As doenças, nesse período, eram vistas, muitas vezes, como castigos divinos pelo pecado do ho- mem. Para o tratamento, as pessoas procuravam por feiticeiros, curandeiros, boticários e, também, pelas Casas de Saúde filantrópicas ligadas à Igreja Católica ou aos militares. Tudo isso custava di- nheiro, logo, quem não podia pagar ficava sem assistência. A estratégia de controle adotada nessa época para as doenças pestilenciais, como lepra e varíola, era o confinamento, tratando-se, portanto, de uma medicina de exclusão. Você sabia que a lepra é uma das doenças mais antigas do mundo, mas que hoje tem tratamento e cura? A lepra, também conhecida como hanseníase, é uma doença infecciosa, contagiosa, causada por uma bacilo chamado Mycobacterium leprae, que afeta nervos e pele. A transmissão se dá pelas vias aéreas, como secreções nasais, gotículas da fala, tosse e espirro de pacientes considerados bacilíferos, ou seja, sem tratamento. Antigamente, as pessoas doentes ficavam nos leprosários, isoladas da socie- dade. Hoje, todos os casos têm tratamento e cura. Os pacientes podem ser tratados gratuitamente no Sistema Único de Saúde. Fonte: Brasil (2008). 44 História da Saúde Pública no Brasil A partir do século XIX, com a vinda da família real ao Brasil, é que se começou a pensar em po- líticas públicas de saúde; afinal, era preciso uma estrutura sanitária mínima que pudesse dar su- porte ao poder que se instalava na cidade do Rio de Janeiro (POLIGNANO, 2001). Até meados de 1850, a saúde pública estava limitada às juntas municipais e ao controle de na- vios e saúde dos portos (BERTOLOZZI; GRECO, 1996). Com a Proclamação da República, em 1889, o país adotou uma forma de organização capitalista. O período compreendido entre 1889 e 1930, deno- minando de Primeira República, foi marcado pelo surgimento das primeiras indústrias e investimen- to estrangeiro (BERTOLOZZI; GRECO, 1996). Com a falta de um modelo sanitário, a saúde tornou-se caótica, caracterizada pelo predomínio de diversas doenças graves, como tuberculose, sífi- lis, varíola, febre amarela, entre outras. Tal situação gerou sérias consequências, tanto para a saúde coletiva quanto para o setor do comércio exterior, já que os navios estrangeiros não queriam mais atracar no porto do Rio de Janeiro (POLIGNA- NO, 2001). Nesse período, Rodrigues Alves, o atual pre- sidente do Brasil, nomeou Oswaldo Cruz como Diretor do Departamento Federal de Saúde Pú- blica, com a finalidade de erradicar a epidemia da febre amarela. Assim, várias condutas arbitrárias e que não haviam sido esclarecidas à população foram tomadas para combater o mosquito que transmite a doença, o que gerou insatisfação e re- volta da população. Esse modelo de intervenção ficou conhecido como campanhista (SINGER; CAMPOS, 1978). Somado a isso, em 1904, a Lei federal n° 1.261 instituiu a vacinação obrigatória anti-varíola para todo o território nacional, o que culminou com vários conflitos entre a população e as forças do governo (policiais e militares). Essa manifestação popular ficou conhecida como Revolta da Vacina (SINGER; CAMPOS, 1978). Mesmo permeado por abusos, o modelo cam- panhista obteve conquistas no controle das epide- mias, conseguindo, por exemplo, erradicar a febre amarela do Rio de Janeiro. Ainda nesse período, foi incorporado o registro demográfico que per- mitiu conhecer a população e suas necessidades, o laboratório para auxiliar no diagnósticos das doenças e a fabricação de produtos profiláticos (BERTOLLI FILHO, 1996). Com a 1° Guerra Mundial (1914-1918), envol- vendo as grandes potências do mundo, o Brasil so- freu consequências na sua economia, o que gerou desemprego, redução de salários e elevação do cus- to de vida. Atrelado a isso, as péssimas condições de trabalho e a falta de direitos trabalhistas deram origem às greves gerais (BERTOLLI FILHO, 1996). A partir de então, os trabalhadores passam a conquistar alguns direitos sociais que, a princípio, relacionam-se apenas ao trabalho e depois abran- gem a questão da saúde. Discutiremos esse assunto no próximo tópico! 45UNIDADE 2 Uma série de eventos, cujas datas serão apresen- tadas a seguir, contribuíram para a construção do SUS como a principal política pública de saúde do Brasil. Em 1923, foi criada a lei Eloy Chaves – que estabelece as Caixas de Aposentadoria e Pensões (CAPs) –, marco inicial da Previdência Social no Brasil. Tal lei visava garantir pensão aos trabalha- dores em caso de algum acidente ou afastamento do trabalho por doença, e uma futura aposenta- doria. Com as CAPs, inicia-se o debate sobre a importância de atender às necessidades dos traba- lhadores (ANDRADE; SOARES; JUNIOR, 2001). Na Era Vargas, foram criados o Ministério da Educação e da Saúde Pública e o Ministério do Trabalho; este último com o intuito de atender os direitos dos trabalhadores, o que, até o momento, era inexistente (BERTOLLI FILHO, 1996). Em 1932, buscando ampliar o papel das CAPs, foram criados os Institutos de Aposentadoria e Pensões (IAPs), os quais eram organizados por categoria profissional. Assim, foram criados o Ins- tituto de Aposentadoria e Pensões dos Marítimos (IAPM), dos Bancários (IAPB), dos Comerciários (IAPC), dentre outros; e o Estado passou a parti- O Processo de Construção do SUS 46 História da Saúde Pública no Brasil cipar da sua administração, controle e financia- mento (ANDRADE; PONTES; JUNIOR, 2000). Nesse período, ainda se mantinha o formato do vínculo contributivo formal do trabalhador para a garantia do benefício, ou seja, aquele que não con- tribuísse estava excluído do sistema de proteção, o que se configurava como uma injustiça social, já que não havia o mesmo direito para todos. Em 1966, com a unificação dos IAPs, foi criado o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), que permitia que todo trabalhador urbano com carteira assinada se tornasse, automaticamente, contribuinte e beneficiário do sistema. Tal órgão gerou uma certa insatisfação nos contribuintes dos institutos com mais benefícios, pois, com a unificação, os mais pobres iriam receber mais be- nefícios (ANDRADE; SOARES; JUNIOR, 2001). Em 1977, foi criado o Instituto Nacional de As- sistência Médica e Previdência Social (INAMPS), grande órgão governamental que prestava assis- tência médica apenas aos trabalhadores da eco- nomia formal, com carteira assinada, e seus de- pendentes. Tal assistência à saúde estava atrelada basicamente à custa de compra de serviços médi- co hospitalares e especializados do setor privado (BAPTISTA, 2003). A década de 80 foi marcada por movimentos de contestação ao sistema de saúde. Um evento que marcou a história foi a realização da VIII Conferência de Saúde, que aconteceu em março de 1986, presidida pelo médico Sérgio Arouca, contudo, pela primeira vez, com a participação da comunidade (ANDRADE; PONTES; JU- NIOR, 2000). 47UNIDADE 2 A VIII Conferência Nacional de Saúde difundiu a proposta da reforma sanitária, consagrando um conceito ampliado de saúde e reconhecendo esta como direito universal e dever do Estado. Em 1987, ocorreu a implantação do Sistema Uni- ficado e Descentralizado de Saúde (SUDS), um convênio entre o INAMPS e os governos esta- duais. O SUDS avançou na política de descentra- lização da saúde, bem como na descentralização orçamentária, ocorrendo o que chamamos de “estadualização”, ou seja, todo o poder conferido Sérgio Arouca é considerado um dos principais teóricos e líderes do movimento da reforma sanitária. Falecido em agosto de 2003, aos 61 anos, devido a um câncer no intestino, Arouca é reconhecido por sua importante participação na construção do Sistema Único de Saúde(SUS). Internacionalmente, foi consultor da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), atuando em vários países da América Latina. Fonte: adaptado de Fiocruz ([2018], on-line)1. A Reforma Sanitária diz respeito a “…um processo de transformação da norma legal e do aparelho institucional que regulamenta e se responsabiliza pela proteção à saúde dos cidadãos”. (Sonia Fleury Teixeira ) ao INAMPS, agora, era repassado às secretarias estaduais de saúde (ANDRADE; SOARES; JU- NIOR, 2001). O SUDS possuía como principais diretrizes a universalização e equidade no acesso aos serviços de saúde; a descentralização das ações de saúde, como citado anteriormente; a integralidade do cuidado; e a implementação de distritos sanitários (ANDRADE; SOARES; JUNIOR, 2001). Em 1988, é promulgada a Constituição da Re- pública, denominada Constituição Cidadã, a qual foi fundamental na definição de ações prioritárias na área de saúde pública (BRASIL, 2000a). Vamos relembrar que foi nessa Constituição que ficou estabelecido que “a saúde é direito de todos e dever do Estado”. A criação do Sistema Único de Saúde (SUS) se deu em 19 de setembro de 1990, por meio da lei 8.080, que “dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços cor- respondentes” (BRASIL, 8.080/1990). De forma geral, essa primeira lei do SUS detalha sobre os objetivos e diretrizes do SUS, os quais serão dis- cutidos no próximo tópico. Logo em seguida, em dezembro de 1990, foi criada a lei 8.142, que “dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) e sobre as transferências intergover- namentais de recursos financeiros na área da saúde e dá outras providências” (BRASIL, 8.142/1990). Essas duas leis (8.080 e 8.142), denominadas “Leis Orgânicas de Saúde”, foram objeto de muita disputa política. Assim, finalmente estava construído o arca- bouço jurídico do Sistema Único de Saúde. Po- rém, novas lutas ainda estavam por vir e, claro, inúmeras conquistas também! 48 História da Saúde Pública no Brasil Entendendo o SUS Nesse tópico, vamos abordar, especialmente, os objetivos e princípios do SUS, bem como alguns marcos importantes que irão facilitar a sua com- preensão acerca dessa política pública de saúde. De acordo com a lei 8.080, já abordada ante- riormente, os objetivos do SUS são: a identificação e divulgação dos fatores condicionantes e determi- nantes da saúde; a formulação de políticas de saú- de; a assistência às pessoas por intermédio de ações de promoção, proteção e recuperação da saúde, com realização integrada das ações assistenciais e das atividades preventivas (BRASIL, 8.080/1990). Em relação aos princípios do SUS, os que com- põem a sua base, referindo-se aos objetivos fina- lísticos do sistema de saúde, são denominados de doutrinários (ou éticos), sendo eles: universalida- de, equidade e integralidade (PAIM; SILVA, 2010). O princípio de universalidade reafirma o que já foi previsto na Constituição de 1988, que a saú- de é um direito de todos e dever do Poder Público; é a garantia de atenção à saúde de todos os cida- dãos. “No SUS, universalidade supõe que todos os brasileiros tenham acesso igualitário aos serviços de saúde e respectivas ações, sem qualquer barrei- ra de natureza legal, econômica, física ou cultural” (PAIM; SILVA, 2010, p. 114). 49UNIDADE 2 “ A integralidade diz respeito a atender as necessidades específicas de cada indivíduo ou grupo de pessoas, de modo a garantir e promover ações de prevenção, promoção, assistência e reabilitação. De certa forma, é, também, compreender o homem como um ser integral, biopsicossocial, o que irá proporcionar um atendimento holístico (MACHADO et al., 2007). A Integralidade é o próprio caminho que vai transformando as pessoas e construindo algo melhor. Busca uma assistência ampliada, trans- formadora, centrada no indivíduo e não aceita a redução deste nem à doença, nem ao aspecto biológico. Além do atendimento integral, envolve a valorização do cuidado e o acolhimento (FON- TOURA; MAYER, 2006, p. 532-533). O princípio de equidade está atrelado à ne- cessidade de diminuir as desigualdades, sejam elas sociais e/ou econômicas, muito presentes em nosso país quando, por exemplo, comparamos diferentes regiões. Porém, a equidade não é o mes- mo que igualdade, visto que as pessoas, por serem diferentes, possuem necessidades diferentes. Logo, esse princípio busca suprir a necessidade de as- sistência de saúde de acordo com a igualdade de condições (PAIM; SILVA, 2010). Figura 1 - Igualdade e Equidade Fonte: Marta - O meu canto (2017, on-line)2. 50 História da Saúde Pública no Brasil Os princípios que regem a organização do SUS são chamados de Organizacionais ou Operati- vos, são eles: Regionalização, Hierarquização, Resolubilidade, Descentralização e Participação comunitária (BRASIL, 2001a). O entendimento dos princípios de regiona- lização e hierarquização diz respeito à forma de organização dos serviços entre si e com a popu- lação. A regionalização vai além da delimitação rígida de uma base territorial, usuários e serviços; leva-se em conta, também, a divisão político-ad- ministrativa do país (OLIVEIRA et al., 2009). A hierarquização significa que a organização do sistema de saúde deve acontecer em níveis crescentes de complexidade, considerando as ca- racterísticas específicas de cada área geográfica e de cada cliente (OLIVEIRA et al., 2009). Sabendo que o usuário do serviço de saúde pode percorrer por vários níveis de atenção du- rante seu atendimento é que se faz necessário incorporar o sistema de referência e contrarre- ferência, a fim de integrar as redes de saúde e, as- sim, obter maior eficiência no cuidado ao usuário (SERRA; RODRIGUES, 2010). A resolubilidade diz respeito à necessidade do serviço de saúde apresentar-se resolutivo até o nível de sua competência para aquilo que é pro- posto (BRASIL, 1990). O princípio de descentralização pode ser entendido como uma forma de redistribuir as responsabilidades sobre a saúde da população entre as três esferas do governo, acreditando que quanto mais perto a solução estiver do problema, maior serão as chances de acerto. De acordo com Palha e Villa (2003), a des- centralização dos serviços de saúde tem sido o eixo norteador para a operacionalização dos princípios organizativos e diretivos do SUS. Nesse sentido, a descentralização tem ênfase na munici- palização, ou seja, os municípios assumindo um papel cada vez mais importante na prestação e gerenciamento dos serviços de saúde (BARATA; TANAKA; MENDES, 2004). E, por fim, a participação da comunidade re- fere-se à valorização da população nos processos decisórios do país, o que refletiu no chamado “movimento sanitário”, o qual contou com a par- ticipação de intelectuais, usuários e trabalhadores de saúde na luta pela reforma do sistema de saúde. Com o objetivo de colocar em prática a par- ticipação social na saúde é que a lei 8.142 (Lei Complementar da Saúde) propôs a formação dos Conselhos de Saúde, os quais devem acontecer nas três esferas do governo e contar com a pre- sença de representantes do governo, prestadores de serviços, profissionais de saúde e usuários (BRASIL, 8.142/1990). A organização operacional do SUS se deu pela criação das Normas Operacionais Básicas (NOB), as quais possuem três edições (1991, 1993 e 1996), devido à necessidade de aperfeiçoamento ao lon- go dos anos (BRASIL, 2000b). Para atender ao princípio de descentralização, as negociações e pactuações acerca da saúde se dão nos três níveis de governo (nacional, esta- dual e municipal). Nesse sentido, em 1991, foram criadas a Comissão de Intergestores Tripartite (CIT) – com representação do Ministério da Saú- de (MS), do Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde (CONASS) e do Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (CONASEMS) – e a Comissão Intergestores Bi- partite (CIB),
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